William Gutierrez Ccari Um estudo de Curvas e Superfícies sobre Variedades Diferenciáveis e o Teorema de Hartman-Grobman. Presidente Prudente, 04 de julho de 2023. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente Programa de Pós-Graduação em Matemática Aplicada e Computacional William Gutierrez Ccari Um estudo de Curvas e Superfícies sobre variedades Diferenciáveis e o Teorema de Hartman-Grobman. Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Matemá- tica Aplicada e Computacional da Facul- dade de Ciências e Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente, sob a orientação da Professora Doutora Tatiana Miguel Ro- drigues. Presidente Prudente, 04 de julho de 2023. C386e Ccari, William Gutierrez Um estudo de curvas e superfícies sobre variedades diferenciáveis e o teoremade Hartman-Grobman / William Gutierrez Ccari. -- , 2023 115 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, Orientadora: Tatiana Miguel Rodrigues 1. Curvas. 2. Superfícies (Matemática). 3. Variedades diferenciáveis. 4. Equações diferenciais ordinárias. 5. Teorema de Hartman-Grobman. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. CERTIFICADO DE APROVAÇÃO Câmpus de Presidente Prudente UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Um estudo de curvas e superfícies sobre variedades diferenciáveis e o Teorema de Hartman-Grobman TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: AUTOR: WILLIAM GUTIERREZ CCARI ORIENTADORA: TATIANA MIGUEL RODRIGUES Aprovado como parte das exigências para obtenção do Título de Mestre em Matemática Aplicada e Computacional, pela Comissão Examinadora: Profa. Dra. TATIANA MIGUEL RODRIGUES (Participaçao Virtual) Departamento de Matematica / Faculdade de Ciencias de Bauru Prof. Dr. FABIANO BORGES DA SILVA (Participaçao Virtual) Departamento de Matematica / Faculdade de Ciencias de Bauru Prof. Dr. MARCUS AUGUSTO BRONZI (Participaçao Virtual) Departamento de Matemática / Universidade Federal de Uberlândia Presidente Prudente, 04 de julho de 2023 Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente - Roberto Simonsen, 305, 19060900, Presidente Prudente - São Paulo http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--matematica-aplicada-e-computacional/CNPJ : 48.031.918/0009-81. Este trabalho é dedicado primeiro a Deus e depois à minha esposa e bebê. Agradecimentos Primeiramente quero agradecer a Deus pela vida, saúde e pela oportunidade de estudar no exterior. Agradeço à minha família pela coragem de me acompanhar e pelo apoio incondicional. Em seguida, gostaria de agradecer à minha orientadora, Dra. Tatiana Miguel Rodri- gues, pela orientação, paciência e carinho durante a realização deste trabalho. Agradeço ao coordenador do PosMAC, Dr. Marcos Tadeu de Oliveira Pimenta, pela amizade, por suas sugestões e apoio no Conselho de PosMAC. Agradeço a assistente social da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Maria Regina Kemp Falcon Vila Real, por me conceder vaga temporária na moradia estudantil. Agradeço aos professores Dr. Murilo Rodolfo Cândido, Dr. Claudio Aguinaldo Buzzi, Dr. Pedro Toniol Cardín, pelo seu tempo, apoio e sugestões. Agradeço aos meus professores do PosMAC pelos ensinamentos, paciência e amizade. Agradeço aos membros da Comissão Examinadora de minha defesa de dissertação, constituída por, Dra. Tatiana Miguel Rodrigues, Dr. Fabiano Borges da Silva e Dr. Marcus Augusto Bronzi, por suas sugestões feitas para a melhoria deste trabalho e sua participação neste evento. Agradeço aos servidores da biblioteca central da Faculdade de Ciências e Tecnologia por me oferecerem sua amizade e por me fornecerem os livros e materiais necessários para a realização deste trabalho. Agradeço a todos os amigos de graduação, colegas de pós-graduação e professores dos diversos cursos da Faculdade de Ciências e Tecnologia pelas sugestões e por complemen- tarem minha saudável convivência no campus. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Agradeço à Igreja do Colégio Adventista Presidente Prudente por ser verdadeiramente minha família neste país do Brasil e pelos inúmeros atos de carinho e amor para comigo e minha família. Agradeço também a outras pessoas que não estão aqui, mas que estão em minha mente e memória, por terem me ajudado a seguir em frente. Resumo Neste trabalho nosso primeiro objetivo foi estudar a teoria local das curvas (ou seja, propriedades que dependem apenas do comportamento da curva nas proximidades de um ponto) e superfícies regulares, ambas no espaço euclidiano três dimensional. O estudo de curvas e superfícies foi para entender as noções de variedades diferenciáveis, que de certa forma são uma generalização de superfícies em todas as suas dimensões. Como nosso segundo objetivo foi estudar a teoria qualitativa das equações diferenciais ordinárias para entender, demonstrar e dar alguns exemplos do Teorema de Hartman- Grobman. O Teorema de Hartman-Grobman garante que, se temos uma equação diferen- cial ordinária não linear e ela tem um ponto crítico hiperbólico então, podemos entender o comportamento qualitativo de suas soluções em uma vizinhança do ponto crítico hiperbó- lico, e isso observando o comportamento das soluções de sua equação diferencial ordinária linear associada. Palavras-Chave: Curvas, Superfícies, Variedades Diferenciáveis, Equações Diferenci- ais Ordinárias, Teorema de Hartman-Grobman. Abstract In this work, our first objective was to study the local theory of curves (that is, properties that depend only on the behavior of the curve in the vicinity of a point) and regular surfaces, both in three-dimensional Euclidean space. The study of curves and surfaces was to understand the notions of differentiable manifolds, which in a way are a generalization of surfaces in all their dimensions. As our second objective was to study the qualitative theory of ordinary differential equations to understand, demonstrate and give some examples of the Hartman-Grobman Theorem. The Hartman-Grobman Theorem guarantees that if we have a nonlinear ordi- nary differential equation and it has a hyperbolic critical point then we can understand the qualitative behavior of its solutions in a neighborhood of the hyperbolic critical point, and this by observing the behavior of the solutions of its associated linear ordinary differential equation. Keywords: Curves, Surfaces, Differentials Manifolds , Ordinary Differential Equati- ons, Hartman-Grobman Theorem. Sumário Resumo 7 Abstract 9 1 Introdução 13 2 Curvas 15 2.1 Curvas Parametrizadas Diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.2 Curvas Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2.3 Comprimento de Arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 2.4 Reparametrização de Curvas pelo Comprimento de Arco . . . . . . . . . . 20 2.5 O Produto Vetorial no Espaço Euclideano Tridimensional . . . . . . . . . . 23 2.5.1 Orientação de um Espaço Vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.6 Teoria Local das Curvas Parametrizadas pelo Comprimento de Arco . . . . 26 2.6.1 Curvatura de uma Curva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.6.2 Vetor Normal Unitário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.6.3 Vetor Binormal Unitário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2.6.4 Torção de uma Curva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.6.5 Triedro de Frenet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.6.6 Fórmulas de Frenet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.6.7 Teorema Fundamental da Teoria Local das Curvas Parametrizadas pelo Comprimento de Arco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 3 Superfícies 37 3.1 Superfícies Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3.1.1 Gráfico de uma Função Diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 3.1.2 Imagem Inversa de um Valor Regular . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 3.2 Mudança de Coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.3 Funções Diferenciáveis sobre Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 3.3.1 Aplicação Diferenciável entre Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.3.2 Difeomorfismo entre Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.3.3 Superfícies de Revolução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.4 Plano Tangente a uma Superfície Regular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3.4.1 Curva Diferenciável em uma Superfície Regular . . . . . . . . . . . 51 3.4.2 Vetor Tangente a uma Superfície Regular . . . . . . . . . . . . . . . 52 3.5 Primeira Forma Fundamental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.5.1 Comprimento de Arco em uma Superfície Regular . . . . . . . . . . 60 3.5.2 Ângulo entre Curvas em uma Superfície Regular . . . . . . . . . . . 60 3.5.3 Área de uma Região em uma Superfície Regular . . . . . . . . . . . 61 3.6 Orientação de Superfícies Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 3.6.1 Campo Diferenciável de Vetores sobre uma Superfície Regular . . . 65 4 Variedades Diferenciáveis 67 4.1 Superfícies no Espaço Euclideano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 4.1.1 Superfícies Regulares no Espaço Euclideano n Dimensional . . . . . 67 4.2 O Conceito de Variedade Diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 4.2.1 Atlas Diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 4.2.2 Variedade Diferenciável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 5 Teoria Qualitativa das EDOs e o Teorema de Hartman-Grobman 75 5.1 Noções Preliminares da Teoria Qualitativa das EDOs . . . . . . . . . . . . 75 5.1.1 Soluções e Problemas de Valor Inicial . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 5.1.2 Noção de Fluxo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 5.1.3 Existência e Unicidade de Soluções . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 5.1.4 Contrações em Espaços Métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 5.1.5 Intervalo Maximal de uma Solução . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 5.1.6 Órbitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 5.1.7 Retratos de Fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 5.1.8 Equações Lineares não Autônomas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 5.1.9 Equações com Coeficientes Constantes . . . . . . . . . . . . . . . . 82 5.1.10 Fórmula de Variação das Constantes . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 5.1.11 Conjugações entre Equações Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 5.1.12 Estabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 5.1.13 Estabilidade Assimptótica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 5.1.14 Pontos Críticos Hiperbólicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 5.2 Teorema de Hartman-Grobman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 6 Conclusões 111 Referências 112 7 Referências 115 Capítulo 1 Introdução O objetivo deste trabalho foi entender o Teorema de Hartaman-Grobman. Para tanto, fez-se necessário um estudo aprofundado de conceitos que são usados na Teoria dos Sis- temas Dinâmicos e em muitas outras áreas da matemática. Intuitivamente, uma variedade é uma generalização de curvas e superfícies para di- mensões superiores. Como a maioria dos conceitos matemáticos fundamentais, a ideia de uma variedade não se originou com uma única pessoa, mas é um trabalho de anos de atividade coletiva. Gauss, em 1827, no livro Disquisitiones generales circa superficies curvas usava livremente as coordenadas locais de uma superfície, e por isso já tinha a ideia das cartas. Além disso, ele parece ter sido o primeiro a considerar uma superfície como um espaço abstrato existindo por si só, independente de uma relação particular com um espaço euclidiano. Já Riemann, em uma palestra em Göttingen, em 1854, estabeleceu as bases da geometria diferencial de dimensão superior. A palavra "variedade" (ou manifold em inglês) é uma tradução direta da palavra alemã "Mannigfaltigkeit" que Riemann usou para descrever os objetos de sua pesquisa. Esta foi seguida pela obra de Henri Poincaré no final do século XIX, século da homologia, em que os espaços localmente euclidianos figuraram com destaque. O final do século XIX e início do século XX também foi um período de desenvolvimento da topologia. A matemática chamada de moderna desenvolveu-se a partir de conceitos provenientes de grandes pensadores. Uma das questões que muito atormentou os matemáticos foi e é prever o futuro. Como será a trajetória de um planeta? Será que daqui há um ano este cometa passará aqui novamente? Será que estará chovendo em 15 dias para que eu possa plantar novamente esta cultura? Todas essas questões foram e são feitas por indivíduos ao tentar pensar em condições melhores para as suas vidas. As equações modelam a vida e tentam modelar e prever o futuro. Muitas vezes não é possível obter uma solução analítica para um sistema de equações diferenciais, algumas vezes temos fazer uma análise qualitativa da solução, observarmos seu retrato de fase e assim tentar prever o comportamento no futuro. Uma solução periódica isolada de todas as outras soluções de um sistema de equação diferencial é chamada de ciclo limite. Quem primeiro falou sobre ciclo limite foi Henri Poincaré entre 1880 e 1890. Os matemáticos Vander Pol, Lienard e Andronov conseguiram obter os ciclos limites idealizados por Poin- caré, no final da década de 20. A partir daí a existência, não existência, unicidade e outras propriedades de ciclos limites foram estudados. Muitas vezes, as vantagens de se formularem problemas dinâmicos em variedades com- pactas derivam de se poder obter uma redução de dimensão do espaço de fases, simpli- ficando a análise quantitativa e qualitativa, ou por essa redução ser possível devido à existência de uma função que é invariante para a dinâmica. 13 1. Introdução 14 Neste trabalho foi realizado o estudo de curvas, superfícies regulares e variedades diferenciáveis nos capítulos 2, 3 e 4, respectivamente, com o objetivo de fazer um apro- fundamento sobre esses conceitos. No último capítulo, o 5, é feito um breve estudo sobre as equações diferenciais e apresentado o Teorema de Hartman-Grobman. Este teorema é sobre o comportamento local de sistemas dinâmicos em uma vizinhança de o ponto de equilíbrio hiperbólico. O teorema deve seu nome a Philip Hartman e Vadim M. Grobman. A determinação do tipo topológico das singularidades de uma equação diferencial é fundamental no estudo das suas bifurcações e, portanto, da sua estabilidade estrutural. No caso hiperbólico, o Teorema de Hartman-Grobman resolve completamente este problema. Porém, no caso não hiperbólico, uma análise mais sofisticada torna-se necessária, feita inicialmente pelo Teorema da Variedade Central. Este tipo de estudo ficará para uma etapa futura. Capítulo 2 Curvas Neste capítulo começamos primeiro com o estudo da teoria local das curvas, ou seja, aquelas propriedades que dependem apenas do comportamento da curva nas proximidades de um ponto, como a curvatura e torção. 2.1 Curvas Parametrizadas Diferenciáveis O nosso objetivo é caracterizar certos conjuntos de R3 (chamadas curvas) que são, em um certo sentido, unidimensionais e aos quais possam ser aplicados os métodos do cálculo diferencial. Uma maneira natural de definir esses subconjuntos é através de funções diferenciáveis. Diremos que uma função de uma variável real é diferenciável (ou suave) se ela possui, em todos os pontos, derivadas de todas as ordens (que são automaticamente contínuas). Definição 1. Uma curva parametrizada diferenciável é uma aplicação diferenciável α : I → R3, de um intervalo aberto I = (a, b) da reta real R em R3. Observações 1. 1. A palavra diferenciável na definição acima significa que as funções componentes de α são diferenciáveis, isto é, se escrevemos α(t) = (x(t), y(t), z(t)) ∈ R3, x(t), y(t), z(t) são diferenciáveis para todo t ∈ I. 2. Diremos que a variável t é o parâmetro da curva α. 3. A palavra intervalo aberto na definição 1 não exclui que a = −∞, b = +∞. 4. O vetor α′(t) = (x′(t), y′(t), z′(t)) ∈ R3, é chamado o vetor tangente (ou vetor velocidade) da curva α em t ∈ I. 5. O conjunto imagem α(I) ⊂ R3 é chamada o traço da curva α. 15 2. Curvas 16 6. Não devemos confundir a curva α (uma função), com seu traço α(I) (um conjunto). 7. O termo gráfico da curva α, isto é, Graf (α) = {(t, α(t)) ∈ R4 : t ∈ I}, é um conjunto que não podemos desenhar. 8. A diferenciabilidade de uma curva parametrizada é consequência de sua regra de correspondência e não necessariamente de seu traço. Veja a Figura 2.2. Exemplo 1. A curva parametrizada diferenciável dada por α(t) = (a cos t, a sen t, bt), t ∈ R, tem por traço uma hélice em R3 de passo 2πb sobre o cilindro x2 + y2 = a2. O parâmetro t mede o ângulo que o eixo Ox faz com a reta que liga a origem O à projeção do ponto α(t) sobre o plano xy. Veja a Figura 2.1. Figura 2.1: A hélice sobre um cilindro. Fonte: Retirado de [3] Exemplo 2. A aplicação α : R → R3 dada por α(t) = (t3, t2), t ∈ R, é uma curva parametrizada diferenciável cujo traço está esboçado na Figura 2.2. De fato, α′(t) = (3t2, 2t), t ∈ R. Em particular α′(0) = (0, 0); isto é, o vetor velocidade é nulo para t = 0. Então, α é diferenciável em t = 0. Por outro lado, a curva parametrizada β(t) = (t, t2/3), t ∈ R tem o mesmo traço que α mas β′(0) não existe. Então β não é diferenciável em t = 0. Exemplo 3. As duas curvas parametrizadas diferenciáveis α(t) = (cos t, sen t), β(t) = (cos 2t, sen 2t), onde t ∈ (0− ε, 2π + ε), ε > 0 possuem o mesmo traço (o círculo x2 + y2 = 1). 2. Curvas 17 Figura 2.2: Traço de uma curva parametrizada diferenciável Fonte: Retirado de [3] Temos que α(t) = (−sen t, cos t), ∥α′(t)∥ = √ (−sen t)2 + (cos t)2, ∥α′(t)∥ = 1, e β(t) = (cos 2t, sen 2t), ∥β′(t)∥ = √ (−2sen 2t)2 + (2cos 2t)2, ∥β′(t)∥ = 2 √ sen2 2t + cos2 2t, ∥β′(t)∥ = 2. Logo, observe que o módulo do vetor velocidade da segunda curva β, é o dobro da primeira α. Veja a Figura 2.3. Figura 2.3: Vetores tangentes de duas curvas que possuem o mesmo traço. Fonte: Retirado de [3] 2.2 Curvas Regulares Seja α : I → R3 uma curva parametrizada diferenciável. Para cada t ∈ I, tal que α′(t) ̸= 0, existe uma reta bem definida que passa pelo ponto α(t) e segue a direção do 2. Curvas 18 vetor α′(t). Essa reta é chamada a reta tangente de α em t. Para o estudo da geometria diferencial das curvas é essencial a existência de uma reta tangente em todos os pontos. Convém, portanto, chamar ponto singular de α a um ponto t ∈ I onde α′(t) = 0, e restringir nossa atenção a curvas sem pontos singulares. Observe que o ponto t = 0 no Exemplo 2 é um ponto singular. Definição 2. Uma curva parametrizada diferenciável α : I → R3, é chamada regular se α′(t) ̸= 0⃗ para todo t ∈ I. Isto é, geometricamente o traço de uma curva parametrizada diferenciável regular não tem picos. De agora em diante consideremos apenas curvas parametrizadas diferenciáveis regulares (e omitiremos por comodidade a palavra diferenciável). 2.3 Comprimento de Arco Definição 3. Dado t, t0 ∈ I com t > t0, o comprimento de arco de uma curva parame- trizada regular α : I → R3, a partir do ponto t0, é por definição s(t) = ∫ t t0 ∥α′(t)∥ dt, onde, ∥α′(t)∥ = √ (x′(t))2 + (y′(t))2 + (z′(t))2, é o comprimento do vetor α′(t). Observações 2. 1. Já que α′(t) ̸= 0⃗, o comprimento de arco s é uma função diferenciável de t, isto é d dt s(t) = d dt ∫ t t0 ∥α′(t)∥ dt, e pelo Teorema Fundamental do Cálculo, temos que ds dt = ∥α′(t)∥. 2. Agora apresentamos uma justificação geométrica para a Definição 3 dada acima para o comprimento de arco: Seja α : I → R3 uma curva parametrizada regular com I = (a − ε, b + ε), ε > 0 e seja a = t0 < t1 < t2 · · · < ti < · · · < tn−1 < tn = b, uma partição de um intervalo fechado [a, b] ⊂ I. Geometricamente, obtemos um polígono inscrito em α([a, b]) com vértices em α(ti), veja a Figura 2.4. Assim, o comprimento de uma linha poligonal da Figura 2.4 de forma genérica é ∥α(ti)− α(ti−1)∥, 2. Curvas 19 Figura 2.4: Polígono inscrito em α([a, b]) com vértices em α(ti). Fonte: Retirado de [3] e a soma de todos os lados do polígono inscrito em α([a, b]) é n∑ i=1 ∥α(ti)− α(ti−1)∥, que dá uma boa aproximação do comprimento da curva α na partição de [a, b], e o limite desta soma quando aumentamos os pontos na partição é lim n→∞ n∑ i=1 ∥α(ti)− α(ti−1)∥, em seguida, aplicamos o Teorema da Desigualdade do Valor Médio, para algum t∗i em (ti, ti−1) lim n→∞ n∑ i=1 ∥α(ti)− α(ti−1)∥ ≤ lim n→∞ n∑ i=1 ∥α′(t∗i )∥(ti − ti−1), e pela soma de Riemann, temos que lim n→∞ n∑ i=1 ∥α′(t∗i )∥(ti − ti−1) = ∫ b a ∥α′(t)∥ dt, que é exatamente o comprimento da curva l(α) na partição [a, b] ⊂ I, isto é l(α) = ∫ b a ∥α′(t)∥ dt. Portanto, como a = t0 e considerando b = t com t > t0, temos que s(t) = ∫ t t0 ∥α′(t)∥ dt, onde, s é o comprimento de arco da curva α. 3. Pode acontecer que o parâmetro t já seja o comprimento de arco s medido a partir de um certo ponto t0 = 0. Neste caso, s = t, ds dt = 1, ∥α′(t)∥ = 1, 2. Curvas 20 isto é, o vetor velocidade tem comprimento constante e igual a 1. Reciprocamente, se o vetor velocidade tem comprimento constante e igual a 1. Neste caso, ∥α′(t)∥ = 1, s(t) = ∫ t t0 1 dt, e pelo Teorema Fundamental do Cálculo, temos que s(t) = t− t0, i.e., t é o comprimento de arco s de α medido a partir de algum ponto t0 ∈ I. Exemplo 4. Vamos analisar o comprimento de arco da hélice circular α(t) = (cos t, sen t, t), com t ∈ (0− ε, 2π + ε), ε > 0. Primeiro vamos calcular o comprimento do vetor α′(t), isto é: α′(t) = (−sen t, cos t, 1), ∥α′(t)∥ = √ (−sen t)2 + (cos t)2 + 12, ∥α′(t)∥ = √ 2. Então, o comprimento de arco da hélice circular é s(t) = ∫ t t0 ∥α′(t)∥ dt, = ∫ t 0 √ 2 dt, s(t) = √ 2 t. 2.4 Reparametrização de Curvas pelo Comprimento de Arco Veremos que é possível reparametrizar uma curva de modo que a curva fique parame- trizada por seu comprimento de arco. Observações 3. 1. Seja α : I → R3 uma curva parametrizada regular com I = (a − ε, b + ε), ε > 0. Sua função comprimento de arco satisfaz, ds dt = ∥α′(t)∥ > 0, então, s é uma função crescente. Assim, s envia [a, b] difeomorficamente sobre [0, l(α)], i.e., s : [a, b] → [0, l(α)], 2. Curvas 21 Figura 2.5: Esquema de reparametrização de curvas por comprimento de arco. Fonte: Autoria própria é diferenciável, bijetiva e com inversa diferenciável. A ideia é construir h : [0, l(α)] → [a, b], a inversa de s. Veja a Figura 2.5. A curva α̃ = α ◦ h : [0, l(α)] → R3, tem o mesmo traço de α e satisfaz: α̃′(r) = (α ◦ h)′(r), = h′(r)α′(h(r)). (2.1) Para encontrar h a técnica é a seguinte: s ◦ h = Id, (s ◦ h)(r) = Id(r), (s ◦ h)(r) = r, d dr [(s ◦ h)(r)] = d dr r, d dr [s(h(r))] d dr [h(r)] = 1. Além disso, por construção, temos que h(r) = t, então: d dr s(t) d dr h(r) = 1, ∥α′(t)∥h′(r) = 1, h′(r) = 1 ∥α′(t)∥ . (2.2) Substituindo (2.2) em (2.1) temos que, α̃′(r) = h′(r)α′(h(r)), = 1 ∥α′(t)∥ α′(t), 2. Curvas 22 isso significa que, ∥α̃′(r)∥ = 1, e fazendo a mudança de variável, temos: ∥α̃′(s)∥ = 1. Assim, α̃′ está parametrizado pelo comprimento de arco. Exemplo 5. A reparametrização pelo comprimento de arco da curva α, dada por α(t) = (cos t, sen t, t), onde, t ∈ (0− ε, 2π + ε), ε > 0, pode ser calculada como segue. Para começar precisamos do comprimento de arco e, do Exemplo 4, temos que s(t) = √ 2 t, logo, encontramos h(s) fazendo t(s) = s√ 2 , s−1(t) = s√ 2 , h(s) = s√ 2 . Finalmente, construímos nossa nova curva α̃(s) = (α ◦ h)(s), = α ( h(s) ) , α̃(s) = ( cos ( s√ 2 ) , sen ( s√ 2 ) , s√ 2 ) , que está parametrizado pelo comprimento de arco. Exemplo 6. Considere a curva α : R → R3 dada por α(t) = (cosh t, senh t, t). Iremos verificar que sua função comprimento de arco é s(t) = √ 2 senh t, e obter a reparametrização da curva α por seu comprimento de arco. O comprimento de arco é s(t) = ∫ t 0 ∥α′(µ)∥ dµ, logo, α′(t) = (senh t, cosh t, 1), ∥α′(t)∥ = √ (senh t)2 + (cosh t)2 + 12. 2. Curvas 23 Mas, cosh2 t− senh2 t = 1, então ∥α′(t)∥ = √ 2 cosh2 t, ∥α′(t)∥ = √ 2 cosh t, assim, s(t) = ∫ t 0 √ 2 cosh µ dµ, = √ 2 ( senhµ )∣∣t 0 , ou seja, s(t) = √ 2 senh t. Logo, s√ 2 = senh t = et − e−t 2 , e, multiplicando ambos membros por 2et, temos 2√ 2 set = (et)2 − 1, (et)2 − √ 2 s(et)− 1 = 0, então, et = √ 2 s± √ 2s2 + 4 2 , et = s± √ s2 + 2√ 2 . Como, et > 0, temos que et = s+ √ s2 + 2√ 2 , aplicando logaritmo natural em ambos membros, verifica-se que t(s) = ln ( s+ √ s2 + 2√ 2 ) , h(s) = s−1(t) = ln ( s+ √ s2 + 2√ 2 ) . Assim, a reparametrização da curva α é: α̃(s) = (α ◦ h)(s) = α(h(s)), α̃(s) = ( cosh ( ln s+ √ s2 + 2√ 2 ) , senh ( ln s+ √ s2 + 2√ 2 ) , ln ( s+ √ s2 + 2√ 2 )) . 2.5 O Produto Vetorial no Espaço Euclideano Tridi- mensional Nesta seção faremos uma exposição de algumas das propiedades do produto vetorial no espaço Euclideano tridimensional ou R3. Tais propiedades nos serão úteis no decorrer do estudo das curvas e superfícies. Començaremos revisando a noção de orientação de um espaço vetorial. 2. Curvas 24 2.5.1 Orientação de um Espaço Vetorial Definição 4. Seja V um espaço vetorial de dimensão n e sejam e = {ei} e f = {fi}, i = 1, 2, ... , n, duas bases de V . Diremos que essas bases têm a mesma orientação se a matriz A de mudança de base f a e tem determinante positivo. Observações 4. 1. Na prática, escrevemos os vetores da base f como uma combinação linear dos vetores da base e, ou seja: f1 = a11e1 + a12e2 + · · ·+ a1nen, f2 = a21e1 + a22e2 + · · ·+ a2nen, ... fn = an1e1 + an2e2 + · · ·+ annen, onde A = [aij] é a matriz da mudança de base f a e. Se detA > 0, entao, e e f têm a mesma orientação. 2. Como o determinante da matriz A de mudança de base ou é positivo ou é negativo, existem apenas duas orientações. Assim, o espaço vetorial V tem duas orientações, e se fixamos uma das duas de maneira arbitrária, a outra é chamada de orientação oposta. Definição 5. A base ordenada natural (ou base canônica) de Rn {e1 = (1, 0, 0, ... , 0), e2 = (0, 1, 0, ... , 0), · · · , en = (0, 0, 0, ... , 1)}, define a orientação positiva de Rn. Definição 6. Seja V um espaço vetorial de dimensão n. Diremos que uma base v de V que define a orientação positiva (ou negativa) de V é uma base positiva (ou negativa). Exemplo 7. Dada uma base em R3 {e1, e3, e2}. Verifique se a base é negativa. Solução. Vamos escrever esta base em termos da base canônica de R3, ou seja: e1 = 1 e1 + 0 e2 + 0 e3, e3 = 0 e1 + 0 e2 + 1 e3, e2 = 0 e1 + 1 e2 + 0 e3, logo, a matriz A de mudança de base {e1, e3, e2} a {e1, e2, e3} é A = 1 0 0 0 0 1 0 1 0  , tal que detA = −1 < 0. Portanto, pela definição 4 a base {e1, e3, e2} define a orientação negativa de R3, i.e., a base {e1, e3, e2} é negativa. 2. Curvas 25 Definição 7. (O Produto Vetorial em R3). Sejam dois vetores u e v de R3. O produto vetorial de u e v (nesta ordem) é o único vetor u ∧ v ∈ R3, caracterizado por ⟨u ∧ v, w⟩ = det (u, v, w), para todo vetor w ∈ R3. Escrevendo os vetores u = (u1, u2, u3), v = (v1, v2, v3) e w = (w1, w2, w3) na base canônica de R3, temos u = u1 e1 + u2 e2 + u3 e3, v = v1 e1 + v2 e2 + v3 e3, w = w1 e1 + w2 e2 + w3 e3, então det (u, v, w) = ∣∣∣∣∣∣ u1 u2 u3 v1 v2 v3 w1 w2 w3 ∣∣∣∣∣∣ . Em seguida, vamos determinar uma expressão para o produto vetorial u ∧ v na base canônica de R3, isto é: u ∧ v = α1 e1 + α2 e2 + α3 e3, tomando o produto interno em ambos membros com e1, temos ⟨u ∧ v, e1⟩ = ⟨α1 e1 + α2 e2 + α3 e3, e1⟩, = ⟨α1 e1, e1⟩+ ⟨α2 e2, e1⟩+ ⟨α3 e3, e1⟩, = α1⟨e1, e1⟩, ⟨u ∧ v, e1⟩ = α1. (2.3) Por outro lado, det (u, v, e1) = ∣∣∣∣∣∣ u1 u2 u3 v1 v2 v3 1 0 0 ∣∣∣∣∣∣ , e aplicando o método dos cofatores, temos det (u, v, e1) = 1 ∣∣∣∣u2 u3 v2 v3 ∣∣∣∣ = ∣∣∣∣u2 u3 v2 v3 ∣∣∣∣ . (2.4) De (2.3) e (2.4) resulta que α1 = ∣∣∣∣u2 u3 v2 v3 ∣∣∣∣ . Fazendo o mesmo procedimento com e2 e e3 encontramos α2 e α3, assim u ∧ v = ∣∣∣∣u2 u3 v2 v3 ∣∣∣∣ e1 − ∣∣∣∣u1 u3 v1 v3 ∣∣∣∣ e2 + ∣∣∣∣u1 u2 v1 v2 ∣∣∣∣ e3, é a expressão do produto vetorial u ∧ v na base canônica de R3. 2. Curvas 26 2.6 Teoria Local das Curvas Parametrizadas pelo Com- primento de Arco Esta seção contém os resultados principais sobre curvas parametrizadas pelo compri- mento de arco. Observações 5. 1. Seja α : (a, b) → R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco s, isto é, ∥α′(s)∥ = 1. Já que ∥α′(s)∥ = 1, ⟨α′(s), α′(s)⟩ = 1, d ds ⟨α′(s), α′(s)⟩ = d ds 1 = 0, logo, temos que ⟨α′′(s), α′(s)⟩+ ⟨α′(s), α′′(s)⟩ = 0, 2 ⟨α′′(s), α′(s)⟩ = 0, ⟨α′′(s), α′(s)⟩ = 0, ou seja, α′′(s) é ortogonal a α′(s). Além disso, α′′(s) mede a variação infinitesimal do vetor tangente α′(s) em cada ponto s ∈ I. Veja a Figura 2.6. Figura 2.6: Variação infinitesimal do vetor tangente. Fonte: Retirado de [3] 2. Como o vetor tangente α′(s) é unitário, o módulo ∥α′′(s)∥ da segunda derivada mede a taxa de variação do ângulo que as tangentes vizinhas fazem com a tangente em s ∈ I, i.e., ∥α′′(s)∥ dá uma medida do quão rapidamente a curva se afasta, em uma vizinhança de s, da tangente em s (veja a Figura 2.6). Isso sugere a seguinte definição. 2. Curvas 27 2.6.1 Curvatura de uma Curva Definição 8. Seja α : I → R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco s ∈ I. O número ∥α′′(s)∥ = k(s), é chamado a curvatura de α em s. Exemplo 8. α é uma reta se e somente se k = 0. Solução. Seja uma parametrização de α (a curvatura é independente da parametri- zação da curva) dada por: α(s) = su+ v, onde u e v são vetores constantes e ∥u∥ = 1. Logo, derivando α temos que α′(s) = u, α′′(s) = 0, ∥α′′(s)∥ = 0, então, k(s) = 0. Reciprocamente, se k = 0, temos que ∥α′′(s)∥ = 0, α′′(s) = 0, e integrando ambos membros ∫ α′′(s) = ∫ 0, α′(s) = u, ∥u∥ = 1,∫ α′(s) = ∫ u, α(s) = su+ v, então, α é uma reta. 2.6.2 Vetor Normal Unitário Nos pontos onde k(s) ̸= 0, temos bem definido um vetor unitário n(s) na direção de α′′(s), dado por n(s) = 1 k(s) α′′(s), e é chamado o vetor normal a α em s ∈ I. Observações 6. 1. Os vetores α′(s) e n(s) são unitários e ortogonais, e além disso, eles geram um plano chamado o plano osculador de α em s. Veja a Figura 2.7. 2. Nos pontos onde k(s) = 0, o vetor normal (e portanto o plano osculador) não está definido. 2. Curvas 28 3. Para prosseguir a analise local das curvas, necessitamos, de uma maneira essencial, do plano osculador. É portanto conveniente dizer que: • s ∈ I é um ponto singular de ordem 1, se α′′(s) = 0. • s ∈ I é um ponto singular de ordem 0, se α′(s) = 0. 4. No que segue do capítulo, nos restringiremos às curvas parametrizadas pelo compri- mento de arco sem pontos singulares de ordem 1. 5. Observe que, a curvatura não determina a forma da curva, ou seja: Sejam duas curvas parametrizadas pelo comprimento de arco α1(s) = (cos s, sen s, 0), com k1(s) = ∥α′′ 1(s)∥ = 1, e α2(s) = ( cos ( s√ 2 ) , sen ( s√ 2 ) , s√ 2 ) , com k2(s) = ∥α′′ 2(s)∥ = 1 2 . Ambas curvas têm curvatura constante, mas a primeira é plana (i.e., seu plano osculador não varia em cada ponto da curva) e a segunda, uma hélice circular (i.e., seu plano osculador varia em cada ponto da curva). 6. Indicaremos por t(s) = α′(s), o vetor tangente unitário de α em s ∈ I. Assim, derivando ambos membros, temos que t′(s) = α′′(s), t′(s) = k(s)n(s). (2.5) 2.6.3 Vetor Binormal Unitário O vetor unitario b(s) dado por b(s) = t(s) ∧ n(s) é ortogonal ao plano osculador e é chamado o vetor binormal de α em s ∈ I. Veja a Figura 2.7. Observações 7. 1. Já que b(s) é unitário, o módulo ∥b′(s)∥ mede a taxa variação do ângulo do plano osculador em s ∈ I com os planos osculadores vizinhos, isto é, ∥b′(s)∥ indica quão rapidamente a curva se afasta, em uma vizinhança de s, do plano osculador em s. 2. Curvas 29 Figura 2.7: Plano osculador gerado por t e n, e o vetor binormal b. Fonte: Retirado de [3] 2. Para calcular b′(s) observamos que, por um lado ⟨b(s), b(s)⟩ = 1, e derivando ambos membros, temos d ds ⟨b(s), b(s)⟩ = d ds 1, ⟨b′(s), b(s)⟩+ ⟨b(s), b′(s)⟩ = 0, 2 ⟨b′(s), b(s)⟩ = 0, ⟨b′(s), b(s)⟩ = 0, i.e., b′(s) é ortogonal a b(s). Por outro lado, b(s) = t(s) ∧ n(s), e derivando ambos membros, temos b′(s) = d ds t(s) ∧ n(s), b′(s) = t′(s) ∧ n(s) + t(s) ∧ n′(s), b′(s) = α′′(s) ∧ 1 k(s) α′′(s) + t(s) ∧ n′(s), assim, b′(s) = t(s) ∧ n′(s), isto é, b′(s) é ortogonal a t(s). Então, resulta que b′(s) é paralelo a n(s), logo podemos escrever b′(s) = τ(s)n(s), (2.6) para alguma função τ(s). 2. Curvas 30 2.6.4 Torção de uma Curva Definição 9. Seja α : I → R3 uma curva parametrizada pelo comprimento de arco s ∈ I, tal que α′′(s) ̸= 0. O número τ(s) definido por b′(s) = τ(s)n(s), é chamado torção de α em s. Exemplo 9. Se α é uma curva plana então, τ = 0. Solução. Se α é uma curva plana (i.e., α(I) está contido em um plano π) então, o plano π da curva coincide com o plano osculador (i.e., t(s) e n(s) estão em π). Por outro lado, como b(s) é unitario e ortogonal a π, então b(s) = cte, e derivando ambos membros, temos b′(s) = 0, τ(s)n(s) = 0, então, τ(s) = 0. Exemplo 10. Se τ = 0 e k ̸= 0 então, α é uma curva plana, Solução. Sabemos que b′(s) = τ(s)n(s). Como τ = 0, temos que b′(s) = 0, e integrando ambos membros ∫ b′(s) = ∫ 0 b(s) = b0, onde, b0 é um vetor constante. Além disso, sabemos que b(s) ⊥ t(s) = α′(s), assim ⟨b(s), t(s)⟩ = 0, ⟨b0, α′(s)⟩ = 0, d ds ⟨b0, α(s)⟩ = 0, logo, ⟨b0, α(s)⟩ = cte, que significa que, α(s) está contido no plano com vetor normal b0, i.e., α é uma curva plana. 2. Curvas 31 2.6.5 Triedro de Frenet A cada valor do parâmetro s ∈ I associamos em α(s) três vetores unitários e ortogonais t(s), n(s), b(s), chamado o triedro de Frenet de α(s) em s. Observações 8. 1. O triedro de Frenet fornece entidades geométricas (curvatura, k(s), e torção, τ(s)), e isso é suficiente para poder descrever sobre o comportamento da curva α em uma vizinhança s ∈ I. 2. O triedro de Frenet é uma base positiva de R3, i.e., estes três vetores {t(s), n(s), b(s)}, definem uma orientação positiva (ou, o determinante desses três vetores na base canônica é positivo) de R3. 3. A procura de outros entes geométricos locais nos levará a calcular n′(s). Sabemos que n(s) = b(s) ∧ t(s), e derivando ambos membros, temos n′(s) = d ds b(s) ∧ t(s), = b′(s) ∧ t(s) + b(s) ∧ t′(s), n′(s) = τ(s)n(s) ∧ t(s) + b(s) ∧ k(s)n(s), como k(s) é um número, pelas propriedades do produto vetorial, temos que n′(s) = τ(s)n(s) ∧ t(s) + k(s) b(s) ∧ n(s), n′(s) = τ(s) (−t(s) ∧ n(s)) + k(s) (−n(s) ∧ b(s)), logo, seguindo a orientação positiva do triedro de Frenet, temos que n′(s) = τ(s) (−b(s)) + k(s) (−t(s)) assim, n′(s) = −k(s) t(s)− τ(s) b(s). (2.7) 2.6.6 Fórmulas de Frenet Para uso posterior, vamos destacar as equações (2.5), (2.6) e (2.7) t′(s) = k(s)n(s), n′(s) = −k(s) t(s)− τ(s) b(s), b′(s) = τ(s)n(s), e são chamadas as fórmulas de Frenet. 2. Curvas 32 Ordenando as fórmulas de Frenet em função do triedro de Frenet, temos que t′(s) = k(s)n(s) n′(s) = −k(s) t(s) − τ(s) b(s) b′(s) = τ(s)n(s) e matricialmente podemos escrever assim, t′(s)n′(s) b′(s)  =  0 k(s) 0 −k(s) 0 −τ(s) 0 τ(s) 0  t(s)n(s) b(s)  , que representa um sistema de equações diferenciais ordinárias lineares homogêneas de primeira ordem. 2.6.7 Teorema Fundamental da Teoria Local das Curvas Parame- trizadas pelo Comprimento de Arco O seguinte teorema mostra o resultado mais importante da teoria local das curvas parametrizadas pelo comprimento de arco. Teorema 1. Sejam I um intervalo aberto em R, e k, τ : I → R duas funções diferenciá- veis, com k(s) > 0 para todo s ∈ I. Então: • Existência. Existe uma curva α : I → R3 parametrizada pelo comprimento de arco s, tal que k(s) é a curvatura e τ(s) é a torção de α em s. • Unicidade. Além disso, qualquer outra curva α̃ : I → R3, satisfazendo às mes- mas condições do primeiro item, difere de α por um movimento rígido em R3, isto é, existe uma translação A e uma transformação linear ortogonal ρ de R3, com determinante positivo, tal que α̃ = A ◦ ρ ◦ α. Prova da existência. Para a parte da existência, usaremos o seguinte teorema de existência e unicidade de soluções de sistemas de equações diferenciais ordinárias. Teorema 2. Sejam I um intervalo aberto em R e A : I →Mn×n(R) ≡ Rn2, n ∈ N, uma função. Considere o problema com condição inicial X ′(s) = A(s)X(s), X(s0) = X0, s, s0 ∈ I, X(s), X0 ∈ Rn. Se A é uma função contíua em I, então existe uma única solução X : I → Rn para o problema com condição inicial acima. O ponto de partida é observar as fórmulas de Frenet t′(s) = k(s)n(s) n′(s) = −k(s) t(s)− τ(s) b(s) b′(s) = τ(s)n(s) e em sua forma matricial, temos 2. Curvas 33  t′(s)n′(s) b′(s)  =  0 k(s) 0 −k(s) 0 −τ(s) 0 τ(s) 0  t(s)n(s) b(s)  . De fato, temos um sistema de equações diferenciáveis lineares homogêneas de primeira ordem, que pode ser escrito como X ′(s) = A(s)X(s). Já que, k(s) e τ(s) são funções diferenciáveis e aplicando o Teorema 2 para um valor s0 ∈ I e um triedro ortonormal orientado positivamente X0 = {t0, n0, b0} em R3, então existe a solução única {t(s), n(s), b(s)}, s ∈ I, para o problema com condição inicial {t0, n0, b0} = {t(s0), n(s0), b(s0)} = {e1, e2, e3}, i.e., escolhemos a base canônica de R3 como condição inicial. A seguir, mostraremos que {t(s), n(s), b(s)} é uma base ortonormal de R3 para todo s ∈ I. Para isto, consideremos os produtos internos ⟨t(s), n(s)⟩, ⟨t(s), b(s)⟩, ⟨n(s), b(s)⟩, ⟨t(s), t(s)⟩, ⟨n(s), n(s)⟩, ⟨b(s), b(s)⟩, e utilizando as fórmulas de Frenet para expressar suas derivadas com relação a s, temos um sistema de seis equações diferenciais d ds ⟨t(s), n(s)⟩ = k(s) ⟨n(s), n(s)⟩ − k(s) ⟨t(s), t(s)⟩ − τ(s) ⟨t(s), b(s)⟩, d ds ⟨t(s), b(s)⟩ = k(s) ⟨n(s), b(s)⟩+ τ(s) ⟨t(s), n(s)⟩, d ds ⟨n(s), b(s)⟩ = −k(s) ⟨t(s), b(s)⟩ − τ(s) ⟨b(s), b(s)⟩ − τ(s) ⟨n(s), n(s)⟩, d ds ⟨t(s), t(s)⟩ = 2k(s) ⟨t(s), n(s)⟩, d ds ⟨n(s), n(s)⟩ = −2k(s) ⟨t(s), n(s)⟩ − 2τ(s) ⟨n(s), b(s)⟩, d ds ⟨b(s), b(s)⟩ = 2τ(s) ⟨n(s), b(s)⟩, com condições iniciais ⟨t(s0), n(s0)⟩ = ⟨e1, e2⟩ = 0, ⟨t(s0), b(s0)⟩ = ⟨e1, e3⟩ = 0, ⟨n(s0), b(s0)⟩ = ⟨e2, e3⟩ = 0, ⟨t(s0), t(s0)⟩ = ⟨e1, e1⟩ = 1, ⟨n(s0), n(s0)⟩ = ⟨e2, e2⟩ = 1, ⟨b(s0), b(s0)⟩ = ⟨e3, e3⟩ = 1. 2. Curvas 34 Então, a solução para esse sistema de seis equações diferenciais existe, e é única, e é dada por: ⟨t(s), n(s)⟩ = 0, ⟨t(s), b(s)⟩ = 0, ⟨n(s), b(s)⟩ = 0, ⟨t(s), t(s)⟩ = 1, ⟨n(s), n(s)⟩ = 1, ⟨b(s), b(s)⟩ = 1. Portanto, {t(s), n(s), b(s)} é uma base ortonormal de R3 para todo s ∈ I. Uma vez que temos a base ortonormal {t(s), n(s), b(s)}, definimos a curva α : I → R3, dada por α(s) = ∫ s s0 t(µ) dµ, s ∈ I, Logo, derivando ambos membros e pelo Teorema Fundamental do Cálculo, temos que α′(s) = t(s), e tomando a norma ambos membros ∥α′(s)∥ = 1, i.e., α está parametrizada pelo comprimento de arco s. Por outro lado, α′′(s) = t′(s), e pelas equações de Frenet, temos que α′′(s) = k(s)n(s), e tomando módulo ambos membros ∥α′′(s)∥ = k(s), temos que, k(s) é a curvatura de α em s. Além disso, α′′′(s) = k′(s)n(s) + k(s)n′(s), e pelas equações de Frenet, temos que α′′′(s) = k′(s)n(s)− k2(s) t(s)− k(s)τ(s) b(s), fazendo operações, temos τ(s) = −⟨α′(s) ∧ α′′(s), α′′′(s)⟩ ∥k(s)∥2 , onde, τ(s) é a torção de α em s. Portanto, α é a curva desejada. Prova da unicidade. Para a parte da unicidade precisamos das seguintes definições. 2. Curvas 35 Definição 10. Uma translação por um vetor v em R3 é uma aplicação A : R3 → R3 dada por A(p) = p+ v, para todo ponto p ∈ R3. Definição 11. Uma aplicação linear ρ : R3 → R3 é uma transformação ortogonal (ou rotação) quando ⟨ρ(u), ρ(v)⟩ = ⟨u, v⟩, para vetores quaisquer u, v ∈ R3. Definição 12. Um movimento rígido em R3 é o resultado da composição de uma transla- ção com uma transformação ortogonal com determinante positivo (incluímos esta última condição pois espera-se que movimentos rígidos preservem orientações). Em seguida, mostraremos que α é única a menos por um movimento rígido (i.e., uma translação A e uma rotação ρ de R3). Seja α̃ : I → R3 outra curva parametrizada pelo comprimento de arco s com, k̃(s) = k(s) e τ̃(s) = τ(s), para todo s ∈ I. Sejam respectivamente {t(s0), n(s0), b(s0)} e {t̃(s0), ñ(s0), b̃(s0)}, os triedros de Frenet de α e α̃ em s = so ∈ I. É claro que existe um movimento rígido que leva α̃(s0) em α(s0) e {t̃(s0), ñ(s0), b̃(s0)} em {t(s0), n(s0), b(s0)}. Então, depois de aplicar este movimento rígido sobre α̃, teremos que α̃(s0) = α(s0), e t̃(s0) = t(s0), ñ(s0) = n(s0), b̃(s0) = b(s0). Por outro lado, os triedros de Frenet {t(s), n(s), b(s)} e {t̃(s), ñ(s), b̃(s)} de α e α̃, respectivamente, satisfazem as equações de Frenet t′(s) = k(s)n(s) t̃′(s) = k(s) ñ(s) ñ′(s) = −k(s) t̃(s)− τ(s) b̃(s) ñ′(s) = −k(s) t̃(s)− τ(s) b̃(s) b̃′(s) = τ(s) ñ(s) b̃′(s) = τ(s) ñ(s) com condições iniciais t̃(s0) = t(s0), ñ(s0) = n(s0), b̃(s0) = b(s0). Então, pelo Teorema 2, existe uma solução única t̃(s) = t(s), ñ(s) = n(s), b̃(s) = b(s), 2. Curvas 36 para todo s ∈ I. Logo, como t̃(s) = t(s), segue-se que α̃′(s) = α′(s), α̃′(s)− α′(s) = 0, d ds (α̃(s)− α(s)) = 0, decorre daí que α̃(s)− α(s) = a, α̃(s) = α(s) + a, onde, a é um vetor constante. Mas já que, α̃(s0) = α(s0), temos que a = 0. Assim α̃(s) = α(s), para todo s ∈ I. Capítulo 3 Superfícies 3.1 Superfícies Regulares Nesta seção introduzimos o conceito básico de uma superfície regular em R3. Em contraste com o tratamento das curvas no capítulo 1, as superfícies regulares são definidas como conjuntos e não como aplicações. A grosso modo, a noção de uma superfície regular em R3 é obtida tomando-se pedaços do plano, deformando-os e colando-os entre si, de tal modo que a figura resultante não apresente pontas, arestas ou auto-interseções; e que tenha sentido falar em plano tangente nos ponto desta figura. A idéia é definir um conjunto que seja, em certo sentido, bi-dimensional, contido em R3, e que seja também suficientemente suave de forma que as noções usuais do Cálculo possam ser estendidas a um tal conjunto. Definição 13. Um subconjunto S ⊂ R3 é uma superfície regular se, para cada p ∈ S, existe uma vizinhança V de p em R3 e uma aplicação X : U → V ∩ S de um aberto U de R2 sobre V ∩ S ⊂ R3 tal que (Veja a Figura 3.1): 1. X é diferenciável. Isto significa que se escrevemos X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), (u, v) ∈ U, as funções x(u, v), y(u, v), z(u, v) têm derivadas parciais contínuas de todas as or- dens em U . 2. X é um homeomorfismo. Como X é contínua pela condição 1, isto significa que X tem inversa X−1 : V ∩ S → U que é contínua. 3. (Condição de regularidade)Para todo q ∈ U , a diferencial dXq : R2 → R3 é injetiva. Observações 9. 1. Na Definição 12, a aplicação X é chamada uma parametrização ou um sistema de coordenadas (locais) em (uma vizinhança de ou conjunto aberto de) p. A vizinhança V ∩ S de p em S é chamada uma vizinhança coordenada. 2. A condição 1 na Definiçao 12 é bastante natural se esperamos fazer alguma geometria diferencial sobre S. 37 3. Superfícies 38 Figura 3.1: Definição de uma superfície regular em R3. Fonte: Autoria própria Figura 3.2: Auto-interseção de uma superfície. Fonte: Autoria própria 3. A injetividade da condição 2 na Definiçao 12 tem como objetivo excluir a possibili- dade de auto-interseções em superfícies regulares. Veja a Figura 3.2. 4. A condição 3 na Definição 12, tem como objetivo excluir a existência de pontas em superfícies regulares e assim garante a existência de um plano tangente em todos os pontos de S. Veja a Figura 3.3 5. Com o intuito de expressar a condição 3 da Definiçao 12 de uma forma mais familiar, iremos calcular a matriz da aplicação linear (ou transformação linear) dXq nas bases canônicas e1 = (1, 0), e2 = (0, 1) de R2 com coordenadas (u, v), e f1 = (1, 0, 0), f2 = (0, 1, 0), f3 = (0, 0, 1) de R3 com cordenadas (x, y, z). Seja q = (u0, v0) ∈ U . O vetor e1 = (1, 0) é tangente à linha v = v0 cuja imagem por X é a curva (Veja a Figura 3.4) X(u, v0) = (x(u, v0), y(u, v0), z(u, v0)). 3. Superfícies 39 Figura 3.3: Ponta em uma superfície. Fonte: Autoria própria Esta última curva (chamada curva coordenada v = v0) está em S e tem em X(q) o vetor tangente dXq(1, 0) = ( ∂x ∂u (q), ∂y ∂u (q), ∂z ∂u (q) ) = ∂X ∂u (q). Analogamente, o vetor e2 = (0, 1) é tangente à linha u = u0 cuja imagem por X é a curva X(u0, v) = (x(u0, v), y(u0, v), z(u0, v)). Esta última curva (chamada curva coordenada u = u0) está em S e tem em X(q) o vetor tangente dXq(0, 1) = ( ∂x ∂v (q), ∂y ∂v (q), ∂z ∂v (q) ) = ∂X ∂v (q). Portanto, a matriz da aplicação linear dXq nas bases consideradas é, dXq = [ ∂X ∂u ∂X ∂v ] =  ∂x ∂u ∂x ∂v ∂y ∂u ∂y ∂v ∂z ∂u ∂z ∂v  . 6. A condição 3 na Definiçao 12 é equivalente às seguintes afirmações: • A dXq(R2) ⊂ R3 tem dimensão 2. • Os vetores ∂X ∂u e ∂X ∂v são linearmente independentes. • O produto vetorial ∂X ∂u ∧ ∂X ∂v ̸= 0⃗, sobre U . 3. Superfícies 40 Figura 3.4: A diferencial dXq de uma parametrização X em q = (u0, v0) ∈ U . Fonte: Autoria própria • A matriz dXq possui um menor de ordem 2 não nulo, i.e, um dos determinantes: ∂(x, y) ∂(u, v) = ∣∣∣∣∣∣∣∣ ∂x ∂u ∂x ∂v ∂y ∂u ∂y ∂v ∣∣∣∣∣∣∣∣ , ∂(y, z) ∂(u, v) = ∣∣∣∣∣∣∣∣ ∂y ∂u ∂y ∂v ∂z ∂u ∂z ∂v ∣∣∣∣∣∣∣∣ , ∂(x, z) ∂(u, v) = ∣∣∣∣∣∣∣∣ ∂x ∂u ∂x ∂v ∂z ∂u ∂z ∂v ∣∣∣∣∣∣∣∣ , é diferente de zero em q ∈ U . 7. Em contraste com o nosso tratamento das curvas no Capítulo 2, definimos uma superfície como um subconjunto S de R3, e não como uma aplicação. Conseguimos isso cobrindo S com imagens de parametrizações satisfazendo às condições 1, 2 e 3 da Definição 12. Exemplo 11. Todo plano P de R3 é uma superfície regular. Solução. De fato, P admite uma descrição (ou parametrização), X(u, v) = p0 + uw1 + v w2, (u, v) ∈ R2, onde, p0 = (a0, b0, c0) é um ponto e w1 = (a1, b1, c1), w2 = (a2, b2, c2) é um par de vetores que formam uma base de P . Então, X(u, v) = (a0 + u a1 + v a2, b0 + u b1 + v b2, c0 + u c1 + v c2), satisfaz as condições: 3. Superfícies 41 1. X é diferenciável: Suas componentes têm derivadas parciais contínuas de todas as ordens. 2. X−1(x, y, z) = (x, y) é contínua. 3. ∂X ∂u = w1 e ∂X ∂v = w2 são linearmente independentes. Mostramos assim que P é uma superfície regular. Exemplo 12. A esfera unitária S2 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 + z2 = 1} é uma superfície regular. Solução. Para um ponto (no hemisfério norte) p ∈ S existe uma vizinhança V1 = {(x, y, z) ∈ R3 : z > 0} e uma aplicação X1 : U ⊂ R2 → R3 dada por X1(u, v) = (u, v, √ 1− u2 − v2), onde, U = {(u, v) ∈ R2 : u2 + v2 < 1}. A aplicação X1 satisfaz as condições: 1. X1 é diferenciável. 2. X−1 1 : V1 ∩ S2 → U , dada por X−1 1 (x, y, z) = (x, y) é contínua. 3. dX1q é injetiva, já que dXq =  1 0 0 1 ∂ ∂u √ 1− u2 − v2 ∂ ∂v √ 1− u2 − v2  , tem um menor de ordem 2, ∂(x, y) ∂(u, v) = ∣∣∣∣1 0 0 1 ∣∣∣∣ = 1 ̸= 0. Então, X1 é uma parametrização de S2. Por outro lado, para um ponto (no hemisfério sul) p ∈ S existe uma vizinhança V2 = {(x, y, z) ∈ R3 : z < 0} e uma aplicação X2 : U ⊂ R2 → R3 dada por X2(u, v) = (u, v,− √ 1− u2 − v2), onde U = {(u, v) ∈ R2 : u2 + v2 < 1}. Analogamente, X2 é uma parametrização de S2. Assim, com X1 e X2 cobrimos os hemisférios norte e sul respectivamente, mas não os pontos no equador. Utilizando então o plano xz. Para um ponto (no hemisfério oriental) p ∈ S existe uma vizinhança V3 = {(x, y, z) ∈ R3 : y > 0} e uma aplicação X3 : U ⊂ R2 → R3 dada por X3(u, v) = (u, √ 1− u2 − v2, v), onde U = {(u, v) ∈ R2 : u2 + v2 < 1} está no plano xz. 3. Superfícies 42 Por outro lado, para um ponto (no hemisfério ocidental) p ∈ S existe uma vizinhança V4 = {(x, y, z) ∈ R3 : y < 0} e uma aplicação X4 : U ⊂ R2 → R3 dada por X4(u, v) = (u,− √ 1− u2 − v2, v), onde U = {(u, v) ∈ R2 : u2 + v2 < 1} está no plano xz. Analogamente, X3 e X4 são duas parametrizações que cobrem S2, exceto por dois pontos no equador que interceptam o eixo x. Finalmente utilizando o plano yz. Para um ponto (no eixo x positivo) p ∈ S existe uma vizinhança V5 = {(x, y, z) ∈ R3 : x > 0} e uma aplicação X5 : U ⊂ R2 → R3 dada por X5(u, v) = ( √ 1− u2 − v2, u, v), onde U = {(u, v) ∈ R2 : u2 + v2 < 1} está no plano yz. Por outro lado, para um ponto (no eixo x negativo) p ∈ S existe uma vizinhança V6 = {(x, y, z) ∈ R3 : x < 0} e uma aplicação X6 : U ⊂ R2 → R3 dada por X6(u, v) = (− √ 1− u2 − v2, u, v), onde U = {(u, v) ∈ R2 : u2 + v2 < 1} está no plano yz. Analogamente, X5 e X6 são duas parametrizações de S2. Portanto, com {X1, X2, X3, X4, X5, X6} cobrimos completamente a S2, de modo que S2 é uma superfície regular. Veja a Figura 3.5. Figura 3.5: Seis imagens de parametrizações cobrem completamente a S2. Fonte: Autoria própria O exemplo acima mostra que, decidir se um dado subconjunto de R3 é uma superfície regular, a partir da definição, pode ser un tanto cansativo. Antes de prosseguirnos com os exemplos, apresentaremos duas proposições que simplificarão essa tarefa. A proposição 1 mostra a relação existente entre a definição de uma superfície regular e o gráfico de uma função z = f(x, y). A proposição 2 utiliza o teorema da função inversa e relaciona a definição de superfície regular com subconjuntos da forma f(x, y, z) = constante. 3. Superfícies 43 3.1.1 Gráfico de uma Função Diferenciável Proposição 1. Se f : U → R é uma função diferenciável em um conjunto aberto U de R2, então o gráfico de f , isto é, o subconjunto de R3 dado por {(x, y, f(x, y)) : (x, y) ∈ U}, é uma superfície regular. Demonstração. Uma aplicação X : U ⊂ R2 → R3, dada por X(u, v) = (u, v, f(u, v)), é uma parametrização global do gráfico, i.e., uma parametrização do gráfico, cuja vizi- nhança coordenada cobre todos os pontos do gráfico. De fato, X satisfaz as condições: 1. X é diferenciável: Suas componentes têm derivadas parciais contínuas de todas as ordens. 2. X−1(x, y, z) = (x, y) é contínua. 3. ∂X ∂v = ( 1, 0, ∂f ∂u ) e ∂X ∂v = ( 0, 1, ∂f ∂v ) , então, a matriz da dXq possui um menor de ordem 2 não nulo, i.e, ∂(x, y) ∂(u, v) = ∣∣∣∣1 0 0 1 ∣∣∣∣ = 1 ̸= 0. Mostramos assim que o gráfico de uma função diferenciável é uma superfície regular. □ 3.1.2 Imagem Inversa de um Valor Regular Definição 14. Dada uma aplicação diferenciável f : U ⊂ R3 → R definida em um conjunto aberto U de R3, dizemos que p ∈ U é um ponto crítico de f se a diferencial dfp : R3 → R, não é uma aplicação sobrejetiva. A imagem f(p) ∈ R de um ponto crítico é chamado um valor crítico de f . Um ponto de R que não é um valor crítico é chamado um valor regular de f . Observações 10. 1. Para uma função real de variável real f : U ⊂ R → R, um ponto x0 ∈ U é um ponto crítico se f ′(x0) = 0, i.e., assim, seu diferencial dfx0 : R → R, dado por dfx0(h) = f ′(x0) · h = 0, h ∈ R, leva todos os valores de R no valor zero de R. Portanto, a diferencial dfx0 não é uma aplicação sobrejetiva. Note que, todo valor a /∈ f(U) é um valor regular de f ; já que f(p) ̸= a, com p qualquer ponto crítico. 3. Superfícies 44 2. Lembrando que a diferencial dfp satisfaz: dfp(1, 0, 0) = ∂f ∂x (p) = fx(p) = fx, dfp(0, 1, 0) = ∂f ∂y (p) = fy(p) = fy, dfp(0, 0, 1) = ∂f ∂z (p) = fz(p) = fz, então, a matriz de dfp na base (1, 0, 0), (0, 1, 0), (0, 0, 1) é dfp = [ fx fy fz ] . Seja um vetor (α, β, θ) ∈ R3, assim dfp(α, β, θ) = ⟨(fx, fy, fz), (α, β, θ)⟩, = αfx + βfy + θfz, note que, nesse caso, dizer que dfp não é sobrejetiva é equivalente a dizer que fx = fy = fz = 0 em p, isto é, dfp(α, β, θ) = 0. Concluímos que, a ∈ f(U) ⊂ R é um valor regular de f : U ⊂ R3 → R se e somente se fx, fy e fz não se anulam simultaneamente em qualquer ponto do conjunto imagem inversa f−1(a) = {(x, y, z) ∈ U : f(x, y, z) = a}. Proposição 2. Se f : U ⊂ R3 → R é uma função diferenciável e a ∈ f(U) é um valor regular de f , então f−1(a) é uma superfície regular em R3. Demonstração. Seja p = (x0, y0, z0) ∈ f−1(a). Como a ∈ f(U) é um valor regular de f , podemos supor que, fz(p) ̸= 0. Definimos uma aplicação F : U ⊂ R3 → R3, dada por F (x, y, z) = (x, y, f(x, y, z)) = (u, v, t). A diferencial de F em p é dada por dFp =  ∂F1 ∂x ∂F1 ∂y ∂F1 ∂z ∂F2 ∂x ∂F2 ∂y ∂F2 ∂z ∂F3 ∂x ∂F3 ∂y ∂F3 ∂z  =  1 0 0 0 1 0 fx fy fz  , assim, det(dFp) = fz ̸= 0, i.e., dFp é um isomorfismo, portanto podemos aplicar o teorema da função inversa, que garante a existência de vizinhanças V1 de p e V2 de F (p) tais que F : V1 → V2 3. Superfícies 45 é inversível e a inversa F−1 : V2 → V1 é diferenciável. Segue-se que as funções coordenadas de F−1, i.e., as funções F (x, y, z) = (u, v, t) , F−1(u, v, t) = (x, y, z) u = x, v = y, t = f(x, y, z) , x = u, y = v, z = g(u, v, t) são diferenciáveis. Em particular, z = g(u, v, t) é diferenciável. Se (x, y, z) ∈ f−1(a), temos que f(x, y, z) = a = t, então z = g(x, y, a) = h(x, y). Logo Graf (h) = {(x, y, h(x, y)) ∈ R3 : f(x, y, h(x, y)) = a}, = f−1(a) ∩ V1, i.e., f−1(a) ∩ V1, é o gráfico de uma função diferenciável. Mostramos assim que f−1(a) é uma superfície regular. □ Exemplo 13. O elipsóide x2 a2 + y2 b2 + z2 c2 = 1, é uma superfície regular. Solução. De fato, considere a função diferenciável f : R3 → R, dada por f(x, y, z) = x2 a2 + y2 b2 + z2 c2 − 1. Se tem que o elipsóide é o conjunto f−1(0) = {(x, y, z) ∈ R3 : f(x, y, z) = 0} = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 a2 + y2 b2 + z2 c2 = 1}, logo, só falta mostrar que 0 é um valor regular de f . Para isso, tomamos as derivadas parciais fx = 2x a2 , fy = 2y b2 , fz = 2z c2 , estas se anulam simultaneamente se x = y = z = 0, i.e., (0, 0, 0) é o unico ponto crítico de f . Além disso, (0, 0, 0) /∈ f−1(0), logo fx, fy, fz não se anulam simultaneamente em f−1(0), i.e., 0 é um valor regular de f , então f−1(0) é uma superfície regular. Mostramos, assim, que o elipsóide é uma superfície regular. □ 3. Superfícies 46 Exemplo 14. O hiperbolóide de duas folhas −x2 − y2 + z2 = 1, é uma superfície regular. Solução. Considere a função diferenciável f : R3 → R, dada por f(x, y, z) = −x2 − y2 + z2 − 1. Se tem que o hiperbolóide de duas folhas é o conjunto f−1(0) = {(x, y, z) ∈ R3 : f(x, y, z) = 0} = {(x, y, z) ∈ R3 : −x2 − y2 + z2 = 1}, logo, só falta mostrar que 0 é um valor regular de f . Para isso tomamos as derivadas parciais fx = −2x, fy = −2y, fz = 2z, estas se anulam simultaneamente se x = y = z = 0, i.e., (0, 0, 0) é o unico ponto crítico de f . Além disso, (0, 0, 0) /∈ f−1(0), logo fx, fy, fz não se anulam simultaneamente em f−1(0), i.e., 0 é um valor regular de f , então f−1(0) é uma superfície regular. Mostramos, assim, que o hiperbolóide de duas folhas é uma superfície regular. □ 3.2 Mudança de Coordenadas Proposição 3. Seja p um ponto de uma superfície regular S, e sejam X : U ⊂ R2 → S e Y : V ⊂ R2 → S duas parametrizações de S, tal que p ∈ X(U) ∩ Y (V ) = W . Então a mudança de coordenadas h = X−1 ◦ Y : Y −1(W ) → X−1(W ), é um difeomorfismo; isto é, h é diferenciável e tem uma inversa diferenciável h−1. Demonstração. A aplicação h = X−1 ◦ Y é um homeomorfismo, pois X−1 e Y são. Não é possível concluir, por um argumento análogo, que h é diferenciável, já que X−1 está definida em um subconjunto aberto de S, e não sabemos ainda o que vem a ser uma função diferenciável definida em S. Prodecemos da seguinte maneira. Seja r ∈ Y −1(W ) e defina q = h(r) ∈ X−1(W ). Já que X(u, v) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v)), (u, v) ∈ U, é uma parametrização, podemos supor ∂(x, y) ∂(u, v) (q) ̸= 0. Logo, estendemos X a uma aplicação F : U × R → R3 definida por F (u, v, t) = (x(u, v), y(u, v), z(u, v) + t), (u, v) ∈ U, t ∈ R. Geometricamente, F aplica um cilindro vertical C sobre U em um cilindro vertical sobre X(U), levando cada seção de C com altura t na superficie X(u, v) + te3, onde e3 é um vetor unitário do eixo Oz. Veja a Figura 3.6. 3. Superfícies 47 Figura 3.6: Extensão de X a uma aplicação F . Fonte: Retirado de [3] É claro que F é diferenciável e que a restrição F ∣∣ U×{0} = X. Além disso, sua derivada é det(dFq) = ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ ∂x ∂u ∂x ∂v ∂x ∂t ∂y ∂u ∂y ∂v ∂y ∂t ∂z ∂u ∂z ∂v ∂z ∂t ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ = ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ ∂x ∂u ∂x ∂v 0 ∂y ∂u ∂y ∂v 0 ∂z ∂u ∂z ∂v 1 ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ = ∂(x, y) ∂(u, v) (q) ̸= 0, (garantir que o determinante da dFq é diferente de zero significa que essa transformação linear é bijetiva, ou seja, um isomofismo). Assim, podemos aplicar o teorema da função inversa, que garante a existência de uma vizinhança M de X(q) em R3 tal que F−1 existe e é diferenciável em M . Pela continuidade de Y , existe uma vizinhança N de r em V tal que Y (N) ⊂ M . Agora, a restrição de Y a N h ∣∣ N = F−1 ◦ Y ∣∣ N , é uma composição de aplicações diferenciáveis. Assim, podemos aplicar a regra da cadeia para aplicações e concluir que h é diferenciável em r. Como r é arbitrário, h é diferenciável em Y −1(W ). Aplicando exatamente o mesmo argumento, pode-se mostrar que a aplicação h−1 é diferenciável, e portanto h é um difeomorfismo. □ 3. Superfícies 48 Exemplo 15. Considere a esfera unitaria S2 e aplique a proposição de mudança de coordenadas. Solução. Sejam duas parametrizações X1 : U1 ⊂ R2 → S2 , X2 : U2 ⊂ R2 → S2 X1(u, v) = (u, v, √ 1− u2 − v2) , X2(ξ, η) = (ξ, √ 1− ξ2 − η2, η) onde, U1 = {(u, v) ∈ R2 : u2 + v2 < 1} , U2 = {(ξ, η) ∈ R2 : ξ2 + η2 < 1}. Logo, a inversa de X−1 2 é: X−1 2 (x, y, z) = (x, z). Assim, h(u, v) = (X−1 2 ◦X1)(u, v), = X−1 2 (X1(u, v)), = X−1 2 (u, v, √ 1− u2 − v2), h(u, v) = (u, √ 1− u2 − v2), é a mudança de coordenadas de (u, v) a (ξ, η), onde ξ(u, v) = u , η(u, v) = √ 1− u2 − v2. 3.3 Funções Diferenciáveis sobre Superfícies Definição 15. Seja f : V ⊂ S → R, uma função, definida em um subconjunto aberto V de uma superfície regular S. Então f é diferenciável em p ∈ V se, para alguma parametrização X : U ⊂ R2 → S, com p ∈ X(U) ⊂ V , a composição f ◦X : U ⊂ R2 → R, é diferenciável em X−1(p) = q ∈ U . A função f é diferenciável em V se é diferenciável em todos os pontos de V . Exemplo 16. Seja S uma superfície regular e V ⊂ R3 um conjunto aberto tal que S ⊂ V . Seja f : V ⊂ R3 → R uma função diferenciável. Então a restrição de f a S é uma função diferenciável sobre S. Solução. De fato, para qualquer p ∈ S e qualquer parametrização X : U ⊂ R2 → S, com p ∈ X(U) ⊂ S = S ∩ V , a função f ◦X : U ⊂ R2 → R, é diferenciável. 3. Superfícies 49 3.3.1 Aplicação Diferenciável entre Superfícies Definição 16. Uma aplicação contínua φ : V1 ⊂ S1 → S2, de um conjunto aberto V1 de uma superfície regular S1 em uma superfície regular S2, diz-se diferenciável em p ∈ V1 se, dadas parametrizações X1 : U1 ⊂ R2 → S1 , X2 : U2 ⊂ R2 → S2, com p ∈ X1(U1) e φ(X1(U1)) ⊂ X2(U2), a aplicação X−1 2 ◦ φ ◦X1 : U1 ⊂ R2 → U2 ⊂ R2, é diferenciável em X−1 1 (p) = q ∈ U1. Em outras palavras, φ é diferenciável se, quando expressa em coordenadas locais como φ(u, v) = (φ1(u, v), φ2(u, v)), as funções φ1 e φ2 têm derivadas parciais contínuas de todas as ordens. Veja a Figura 3.7. Figura 3.7: Aplicação diferenciável entre superfícies. Fonte: Retirado de [3] 3.3.2 Difeomorfismo entre Superfícies Definição 17. Diremos que duas superfícies regulares S1 e S2 são difeomorfas se existe uma aplicação diferenciável φ : S1 → S2, 3. Superfícies 50 com uma inversa diferenciável φ−1 : S2 → S1. Uma tal φ é chamada um difeomorfismo de S1 em S2. A noção de difeomorfismo desempenha para as superfícies regulares o mesmo papel que a noção de isomorfismo para os espaços vetoriais, ou o mesmo papel que a noção de congruência para a geometria Euclidiana. Em outras palavras, em geometria diferencial, duas superfícies regulares difeomorfas são indistinguíveis, isto é, essencialmente o mesmo. Exemplo 17. Se X : U ⊂ R2 → S é uma parametrização, então X−1 : X(U) ⊂ S → R2 é diferenciável. Solução. Em efeito, para qualquer p ∈ X(U) e qualquer parametrização Y : V ⊂ R2 → S em p, temos que X−1 ◦ Y : V → U é diferenciável. Exemplo 18. Sejam S1 e S2 superfícies regulares. Suponha que S1 ⊂ V ⊂ R3, onde V é um conjunto aberto de R3, e que φ : V → R3 é uma aplicação diferenciável tal que φ(S1) ⊂ S2. Então a restrição φ|S1 : S1 → S2 é uma aplicação diferenciável. Solução. De fato, dado p ∈ S1 e parametrizações X1 : U1 ⊂ R2 → S1 , X2 : U2 ⊂ R2 → S2, com p ∈ X1(U1) e φ(X1(U1)) ⊂ X2(U2), temos que a aplicação X−1 2 ◦ φ ◦X1 : U1 → U2 é diferenciável. Observações 11. 1. Um caso particular do exemplo anterior é: Seja φ : R3 → R3 dada por φ(x, y, z) = (xa, yb, zc), onde a, b e c são números reais diferentes de zero. Claramente, φ é diferenciável, e que a restrição φ|S2 φ|S2 : S2 = {(x, y, z) ∈ R3 : x2+y2+z2 = 1} → E = {(x, y, z) ∈ R3 : x2 a2 + y2 b2 + z2 c2 = 1} da esfera unitaria S2 sobre o elipsóide E, é uma aplicação diferenciável. 3.3.3 Superfícies de Revolução Seja S ⊂ R3 o conjunto obtida pela rotação de uma curva regular plana C em torno de um eixo no plano que não cruza a curva. Vamos considerar o plano xz como o plano da curva e o eixo z como o eixo de rotação. Seja x = f(v), z = g(v), a < v < b, f(v) > 0, 3. Superfícies 51 uma parametrização da curva C e denote por u o ângulo de rotação em torno do eixo z. Assim, obtemos a aplicação X : U ⊂ R2 → S, dada por X(u, v) = (f(v) cos u, f(v) sen u, g(v)), onde, U = {(u, v) ∈ R2 : 0 < u < 2π, a < v < b}. A superfície S obtida é chamada superfície de revolução. Veja a Figura 3.8. Figura 3.8: Uma superfície de revolução. Fonte: Retirado de [3] Observações 12. 1. A aplicação X é uma parametrização de S, que cobre inteiramente S, assim, S é uma superfície regular. 2. A curva C é chamada curva geratriz de S, e o eixo z é chamado o eixo de rotação de S. 3. Os círculos descritos pelos pontos de C são chamados paralelos de S, e as várias posições de C sobre S são chamados meridianos de S. 3.4 Plano Tangente a uma Superfície Regular Nesta seção, mostraremos que a condição 3 na definição de uma superfície regular S garante que, para cada p ∈ S, o conjunto de vetores tangentes ás curvas diferenciáveis de S, passando por p, constituen um plano. 3.4.1 Curva Diferenciável em uma Superfície Regular Definição 18. Uma curva diferenciável em uma superfície regular S ⊂ R3 é uma aplica- ção diferenciável α : I → S, onde, I ⊂ R é um intervalo aberto. 3. Superfícies 52 Observações 13. 1. Na Definição 18, uma vez fixada uma parametrização X : U ⊂ R2 → S em p ∈ S, temos que α na parametrização X, é escrito como α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ I. 3.4.2 Vetor Tangente a uma Superfície Regular Definição 19. Seja uma superfície regular S ⊂ R3 e seja um ponto p ∈ S. Dizemos que w ∈ R3 é um vetor tangente a S em p, se existe uma curva diferenciável α : (−ε, ε) → S, com, α(0) = p e α′(0) = w. Definição 20. (Plano Tangente a uma Superfície Regular). Seja uma superfície regular S ⊂ R3 e seja um ponto p ∈ S. O plano tangente a S em p, denotado por Tp(S), é o conjunto de vetores tangentes w ∈ R3 a S em p; i.e., Tp(S) = {w ∈ R3 : existe α : (−ε, ε) → S diferenciável, com α(0) = p e α′(0) = w}. Proposição 4. Seja X : U ⊂ R2 → S uma parametrização de uma superfície regular S e seja q ∈ U . O subespaço vetorial de dimensão 2 dXq(R2) ⊂ R3, coincide com o conjunto de vetores tangentes a S em X(q) = p ∈ S. Demonstração. Seja o conjunto de vetores tangentes a S em X(q) = p ∈ S, Tp(S) = {w ∈ R3 : existe α : (−ε, ε) → S diferenciável, com α(0) = p e α′(0) = w}, então, vamos mostrar que, Tp(S) = dXq(R2). Mostremos primeiramente que, Tp(S) ⊂ dXq(R2). Seja w ∈ Tp(S) um vetor tangente a S em p = X(q), isto é, existe uma curva diferenciável α : (−ε, ε) → X(U) ⊂ S, com, α(0) = p e α′(0) = w. Pelo Exemplo 17 observe que a curva β = X−1 ◦ α : (−ε, ε) → U, é diferenciável e satisfaz β(0) = q. Além disso, temos dXq(β ′(0)) = dXq ( d dt β(t) ) |t=0, = dXq ( d dt (X−1 ◦ α)(t) ) |t=0, 3. Superfícies 53 aplicando a regra da cadeia dXq(β ′(0)) = d dt (X ◦ (X−1 ◦ α))(t)|t=0, = d dt ((X ◦X−1) ◦ α)(t)|t=0, = d dt (I ◦ α)(t)|t=0, = d dt α(t)|t=0, = α′(0), dXq(β ′(0)) = w, i.e., w ∈ dXq(R2). Veja a Figura 3.9. Figura 3.9: Plano tangente a uma superfície regular. Fonte: Retirado de [3] Por outro lado, dXq(R2) ⊂ Tp(S). Seja w ∈ dXq(R2), então, existe v ∈ R2 tal que w = dXq(v). Seja uma curva diferenciável γ : (−ε, ε) → U , dada por γ(t) = q + tv, com, γ(0) = q e γ′(0) = v. Logo, observe que a curva α = X ◦ γ : (−ε, ε) → S é diferenciável e satisfaz α(0) = X(q). Além disso, temos α′(0) = d dt α(t)|t=0, = d dt (X ◦ γ)(t)|t=0, 3. Superfícies 54 aplicando a regra da cadeia para composição de funções, temos que α′(0) = dXγ(0) ( d dt γ(t) ) |t=0 = dXq(γ ′(0)), = dXq(γ ′(0)), = dXq(v), α′(0) = w, i.e., w é um vetor tangente a S em p = X(q) ∈ S. □ Observações 14. 1. Pela Proposição 4, o plano dXq(R2), que passa por X(q) = p, não depende da parametrizaçao X. Este plano coincide com o plano tangente a S em p = X(q), i.e., dXq(R2) = Tp(S). 2. A escolha de uma parametrização X : U ⊂ R2 → S em p ∈ S determina uma base{ ∂X ∂u (q), ∂X ∂v (q) } , de Tp(S), chamada base associada a X. Convém algumas vezes escrever ∂X ∂u (q) = Xu(q) = Xu e ∂X ∂v (q) = Xv(q) = Xv. 3. As coordenadas de um vetor tangente arbitrário w ∈ Tp(S) na base associada a uma parametrização X são determinadas do seguinte modo: w = α′(0), α : (−ε, ε) → S, α(0) = p. Temos α = X ◦ β, onde β : (−ε, ε) → U é dada por β(t) = (u(t), v(t)), com β(0) = q = X−1(p). Então, α′(0) = d dt α(t)|t=0, = d dt (X ◦ β)(t)|t=0, = d dt X(β(t))|t=0, = d dt X(u(t), v(t)|t=0, pela regra da cadeia α′(0) = Xu(q)u ′(0) +Xv(q)v ′(0) = w. Assim, na base {Xu(q), Xv(q)}, w tem coordendas (u′(0), v′(0)), onde (u(t), v(t)) é a expressão, na parametrização X, de uma curva cujo vetor velocidade em t = 0 é w. 3. Superfícies 55 4. Munidos da noção de plano tangente, podemos falar na diferecial de uma aplicação diferenciável entre superfícies. Sejam S1 e S2 duas superfícies regulares e seja φ : V ⊂ S1 → S2, uma aplicação diferenciável de um conjunto aberto V de S1 em S2. Se p ∈ V , sabemos que todo vetor tangente w ∈ Tp(S1) é o vetor velocidade α′(0) de uma curva diferenciável α : (−ε, ε) → V ⊂ S1 com α(0) = p. Considere a curva β : (−ε, ε) → S2, dada por β(t) = (φ ◦ α)(t), é tal que β(0) = φ(α(0)) = φ(p), e portanto β′(0) é um vetor de Tφ(p)(S2). Veja a Figura 3.10. Figura 3.10: Diferencial de uma aplicação diferenciável entre superfícies. Fonte: Retirado de [3] Proposição 5. Na discussão acima, dado w, o vetor β′(0) não depende da escolha de α. A aplicação dφp : Tp(S1) → Tφ(p)(S2), definida por dφp(w) = β′(0), é linear. Demonstração. Sejam X(u, v) e X̄(ū, v̄) duas parametrizações em vizinhanças de p (em S1) e φ(p) (em S2), respectivamente. Suponha que φ seja expressa nestas coordenadas por (X̄−1 ◦ φ ◦X)(u, v) = φ̃(u, v) = (φ1(u, v), φ2(u, v)), (u, v) ∈ U, e que α seja expressa por (X−1 ◦ α)(t) = α̃(t) = (u(t), v(t)), t ∈ (−ε, ε). Então β(t) = (φ̃ ◦ α̃)(t), = φ̃(α̃(t)), = (φ1(u(t), v(t)), φ2(u(t), v(t))), 3. Superfícies 56 e a expressão de β′(0) na base {X̄ū, X̄v̄} é β′(0) = ( ∂φ1 ∂u u′(0) + ∂φ1 ∂v v′(0), ∂φ2 ∂u u′(0) + ∂φ2 ∂v v′(0)). A relação acima mostra que β′(0) depende apenas da aplicação φ e das coordenadas (u′(0), v′(0)) de w na base {Xu, Xv}. Assim, β′(0) é independente de α. Além disso, a mesma relação mostra que β′(0) = dφp(w) =  ∂φ1 ∂u ∂φ1 ∂v ∂φ2 ∂u ∂φ2 ∂v  u′(0) v′(0)  , isto é, dφp : Tp(S1) → Tφ(p)(S2), é uma aplicação linear, cuja matriz nas bases {Xu, Xv} de Tp(S1) e {X̄ū, X̄v̄} de Tφ(p)(S2), é justamente a matriz acima. □ A aplicação linear dφp definida pela Proposição 5 é chamada a diferencial de φ em p ∈ S1. 3.5 Primeira Forma Fundamental Nesta seção, começaremos o estudo de outras estruturas geométricas associadas a uma superfície regular. Talvez a mais importante delas seja a primeira forma fundamental, que passamos a descrever agora. O produto interno de R3 ⊃ S, induz em cada plano tangente Tp(S) a uma superfície regular S em p ∈ S um produto interno, denotado por ⟨ , ⟩p. Se w1 e w2 ∈ Tp(S) ⊂ R3, então ⟨w1, w2⟩p é igual ao produto interno de w1 e w2, como vetores de R3. A esse produto interno, que é uma forma bilinear e simétrica, i.e., • ⟨w1 + αw2, w⟩p = ⟨w1, w⟩p + α ⟨w2 + w⟩p, • ⟨w1, w2⟩p = ⟨w2, w1⟩p, associamos uma forma quadrática Ip(w) : Tp(S) → R, dada por, Ip(w) = ⟨w,w⟩p = ∥w∥2 ≥ 0, w ∈ Tp(S). (3.1) Definição 21. Seja S ⊂ R3 uma superfície regular e Tp(S) o plano tangente a S no ponto p ∈ S. A forma quadrática Ip(w) : Tp(S) → R definida por (3.1), é chamada a primeira forma fundamental de S em p. 3. Superfícies 57 Observações 15. 1. A primeira forma fundamental, é basicamente o produto interno de R3, restrito aos vetores do plano tangente à superfície regular. 2. Geometricamente, como veremos em breve, a primeira forma fundamental nos pos- sibilita fazer medidas sobre a superfície (comprimentos de curvas, ângulos entre vetores tangentes e áreas de regiões), sem fazer menção ao espaço ambiente R3, onde está a superfície. 3. Vamos agora expressar a primeira forma fundamental Ip(w) na base {Xu, Xv} de Tp(S) associada a uma parametrização X(u, v) em p ∈ S. Como um vetor tangente w ∈ Tp(S) é o vetor tangente a uma curva diferenciável α : (−ε, ε) → S com α(0) = p, w = α′(0), assim Ip(w) = Ip(α ′(0)), = ⟨α′(0), α′(0)⟩p, além disso, sabemos que α na parametrização X é α(t) = X(u(t), v(t)), t ∈ (−ε, ε), com α(0) = X(u(0), v(0)) = X(u0, v0), obtemos Ip(w) = ⟨Xuu ′(0) +Xvv ′(0), Xuu ′(0) +Xvv ′(0)⟩p, usando as propriedades do produto interno, temos Ip(w) = ⟨Xu, Xu⟩p(u ′)2 + 2⟨Xu, Xv⟩pu ′v′ + ⟨Xv, Xv⟩p(v ′)2, e escrevendo de forma mais compacta, Ip(w) = E(u′)2 + 2F (u′)(v′) +G(v′)2, (3.2) onde os valores das funções envolvidas são calculadas em t = 0, e E = E(u0, v0) = ⟨Xu, Xu⟩p, F = F (u0, v0) = ⟨Xu, Xv⟩p, G = G(u0, v0) = ⟨Xv, Xv⟩p, são chamados os coeficientes da primeira forma fundamental Ip(w) de S na base {Xu, Xv} de Tp(S). 4. Fazendo variar p na vizinhança coordenada correspondente a X(u, v), obtemos fun- ções E(u, v), F (u, v) e G(u, v), que são diferenciáveis nessa vizinhança. 5. De agora em diante, omitiremos o índice p na indicação do produto interno ⟨ , ⟩p ou da forma quadrática Ip e simplesmente escreveremos ⟨ , ⟩ ou I respectivamente. Exemplo 19. Uma parametrização para um plano P ⊂ R3 passando por p0 = (x0, y0, z0) e contendo os vetores ortonormais w1 = (a1, a2, a3), w2 = (b1, b2, b3) é dada por X(u, v) = p0 + uw1 + v w2, (u, v) ∈ R2. Determinar a primeira forma fundamental de P . 3. Superfícies 58 Solução. De fato, Xu = w1 , Xv = w2, como w1 e w2 são vetores unitários e ortogonais, as funções E, F , G são constantes, e dadas por E = ⟨Xu, Xu⟩ = ∥w1∥2 = 1, F = ⟨Xu, Xv⟩ = 0, G = ⟨Xv, Xv⟩ = ∥w2∥2 = 1. Logo, para um vetor tangente w ∈ Tp(P ), dada por w = aXu + bXv, e pela Equação 3.2, temos I(w) = Ea2 + 2Fab+Gb2, = (1)a2 + 2(0)ab+ (1)b2, I(w) = ∥w∥2 = a2 + b2. Neste caso, a primeira forma fundamental é essencialmente o teorema de Pitágoras em P ; i.e., o quadrado do comprimento de um vetor tangente w, com coordenadas (a, b) na base {Xu, Xv}, é igual a a2 + b2. Exemplo 20. Considere uma parametrização X : V ⊂ R2 → R3 em coordenadas geográ- ficas da esfera unitária S2, dada por X(θ, φ) = (sen θ cos φ, sen θ senφ, cos θ), onde V = {(θ, φ) ∈ R2 : 0 < θ < π, 0 < φ < 2π}. É costume dizer que θ é a colatitude (o complemento da latitude) e φ a longitude. Veja a Figura 3.11. Calcular a primeira forma fundamental de S2. Solução. Primeiro, observe que Xθ = (cos θ cos φ, cos θ senφ, −sen θ), Xφ = (−sen θ senφ, sen θ cos φ, 0). Logo, E = ⟨Xθ, Xθ⟩ = cos2 θ cos2 φ+ cos2 θ sen2 φ+ sen2 θ, = cos2 θ + sen2 θ, = 1. F = ⟨Xθ, Xφ⟩ = −cos θ cos φ sen θ senφ+ cos θ senφ, sen θ cos φ, = 0. G = ⟨Xφ, Xφ⟩ = sen2 θ sen2 φ+ sen2 θ cos2 φ, = sen2 θ. Portanto, para um vetor tangente w ∈ TX(θ,φ)(S 2), dada por w = aXu + bXv, 3. Superfícies 59 e pela equação 3.2, temos I(w) = Ea2 + 2Fab+Gb2, = (1)a2 + 2(0)ab+ (sen2 θ)b2 I(w) = ∥w∥2 = a2 + b2sen2 θ. Isso significa que o comprimento dos vetores tangentes w em um paralelo arbitrário não variam, porque o ângulo θ é constante, e o comprimento dos vetores tangentes w em um meridiano arbitrário variam, porque o ângulo θ não é constante. Figura 3.11: A esfera unitária S2 em coordenadas geográficas. Fonte: Retirado de [3] Exemplo 21. O cilindro reto sobre o círculo x2 + y2 = 1 admite uma parametrização X : U ⊂ R2 → R3, dada por X(u, v) = (cos u, sen u, v), onde U = {(u, v) ∈ R2 : 0 < u < 2π, −∞ < v <∞}. Veja a Figura 3.12 Calcular os coeficientes da primeira forma fundamental do cilindro reto. Solução. Notemos que, Xu = (−sen u, cos u, 0) , Xv = (0, 0, 1), e portanto, os coeficientes da primeira forma fundamental do cilindro reto, são E = ⟨Xu, Xu⟩ = sen2 u+ cos2 u = 1, F = ⟨Xu, Xv⟩ = 0, G = ⟨Xv, Xv⟩ = 1. Como mencionamos anteriormente, a importância da primeira forma fundamental I vem do fato de que, conhecendo I, podemos tratar questões métricas sobre uma superfície regular, sem fazer referência ao espaço ambiente R3. 3. Superfícies 60 Figura 3.12: Cilindro reto sobre o círculo x2 + y2 = 1. Fonte: Retirado de [3] 3.5.1 Comprimento de Arco em uma Superfície Regular O comprimento de arco s de uma curva regular α : I → S é dado por s(t) = ∫ t 0 ∥α′(t)∥ dt = ∫ t 0 √ I(α′(t)) dt. Em particular, se α(t) = X(u(t), v(t)) está contida em uma vizinhança coordenada cor- respondente à parametrização X de S, podemos calcular o comprimento de arco de α entre, digamos, 0 e t por s(t) = ∫ t 0 √ E(u′)2 + 2Fu′v′ +G(v′)2 dt. (3.3) Observações 16. 1. Por causa da Equação 3.3, muitos matemáticos utilizan o termo ¨o elemento de comprimento de arco ds de S¨ e escrevem ds2 = Edu2 + 2Fdudv +Gdv2, que significa o seguinte: se α(t) = X(u(t), v(t)) é uma curva em S e s = s(t) o seu comprimento de arco, então( ds dt )2 = E ( du dt )2 + 2F ( du dt )( dv dt ) +G ( dv dt )2 . 3.5.2 Ângulo entre Curvas em uma Superfície Regular O ângulo θ de duas curvas regulares α : I → S, β : I → S que se intersectam em t = t0 ∈ I (i.e., α(t0) = β(t0) = p ∈ S) é dado por cos θ = ⟨α′(t0), β ′(t0)⟩ ∥α′(t0)∥∥β′(t0)∥ , α′(t0), β ′(t0) ∈ Tp(S). 3. Superfícies 61 Em particular, o ângulo φ das curvas coordenadas de uma parametrização X(u, v) é cos φ = ⟨Xu, Xv⟩ ∥Xu∥∥Xv∥ = F√ EG . Observações 17. 1. Do que foi apresentado acima resulta que: F = 0 se e somente se as curvas coorde- nadas de uma parametrização são ortogonais. Uma tal parametrização é chamada uma parametrização ortogonal. 2. Além disso, duas curvas coordenadas são chamadas ortogonais se seus vetores tan- gentes formam 90◦. Exemplo 22. Mostrar que a parametrização X do Exemplo 20 é uma parametrização ortogonal. Solução. Sabemos que no Exemplo 20 F = 0. Então, as curvas coordenadas da parametrização X : V ⊂ R2 → R3, em coordenadas geográficas da esfera unitária S2 são ortogonais. Mostramos assim que X é uma parametrização ortogonal. Veja a Figura 3.13. Figura 3.13: Curvas coordenadas ortogonais de uma parametrização X de S2. Fonte: Autoria própria 3.5.3 Área de uma Região em uma Superfície Regular Definição 22. Seja S ⊂ R3 uma superfície regular. 1. Um domínio regular de S é um subconjunto aberto e conexo de S, cuja fronteira é a imagem de um círculo por um homeomorfismo diferenciável que é regular (isto é, a sua diferencial não se anula) exceto em um número finito de pontos. 2. Uma região de S é a união de um domínio regular com a sua fronteira. 3. Superfícies 62 Figura 3.14: Região limitada R em uma superfície regular S. Fonte: Autoria própria 3. Uma região de S é limitada se está contida em alguma bola de R3. Veja a Figura 3.14. Definição 23. (Área de uma Região em uma Superfície Regular). Seja R ⊂ S uma região limitada de uma superfície regular S ⊂ R3, contida em uma vizinhança coordenada de uma parametrização X : U ⊂ R2 → S. O número positivo A(R) = ∫∫ Q ∥Xu ∧Xv∥ du dv, Q = X−1(R), é chamado área de R. Observações 18. 1. Na Definição 23, consideramos regiões limitadas R que estão contidas em uma vi- zinhança coordenada X(U) de uma parametrização X. Em outras palavras, R é a imagem por X de uma região limitada Q ⊂ U . 2. A função ∥Xu ∧ Xv∥, definida em U , representa a área do paralelogramo gerado pelos vetores Xu e Xv. 3. Identidade de Lagrange: Sejam a e b vetores de R3, então ∥a ∧ b∥2 + ⟨a, b⟩2 = ∥a∥2∥b∥2. Usando a identidade de Lagrange, temos que ∥Xu ∧Xv∥2 + ⟨Xu, Xv⟩2 = ∥Xu∥2∥Xv∥2, ∥Xu ∧Xv∥2 + F 2 = EG, ∥Xu ∧Xv∥ = √ EG− F 2. Portanto, a área de R é A(R) = ∫∫ Q √ EG− F 2 du dv, onde, E, F e G são os coeficientes da primeira forma fundamental de S. 3. Superfícies 63 4. Também devemos observar que, na maioria dos exemplos, a restrição da região R estar contida em alguma vizinhança coordenada não é muito grave, pois existem vizinhanças coordenadas que cobrem a superfície inteira, exceto por algumas curvas, que não contribuem para a área. Exemplo 23. Considere a parametrização X : U ⊂ R2 → R3 do toro T , dada por X(u, v) = ((a+ r cos u) cos v, (a+ r cos u)sen v, r sen u), onde U = {(u, v) ∈ R2 : 0 < u < 2π, 0 < v < 2π}, que cobre o toro T , exceto por um meridiano e um paralelo. Determinar a área do toro T . Solução. Derivando X(u, v) com respeito a u e v, temos Xu = (−r sen u cos v, −r sen u sen v, r cos u), Xv = (−(a+ r cos u)sen v, (a+ r cos u)cos v, 0), assim, os coeficientes da primeira forma fundamental são: E = ⟨Xu, Xu⟩ = r2sen2 u cos2 v + r2sen2 u sen2 v + r2cos2 u, = r2sen2 u+ r2cos2 u, = r2. F = ⟨Xu, Xv⟩ = r(a+ r cos u)sen u cos v sen v − r(a+ r cos u)sen u sen v cos v + 0, = 0. G = ⟨Xv, Xv⟩ = (a+ r cos u)2sen2 v + (a+ r cos u)2cos2 v, = (a+ r cos u)2. Considere agora a região Rε, obtida pela imagem de X da região Qε, dada por Qε = {(u, v) ∈ R2 : 0 + ε < u < 2π − ε, 0 + ε < v < 2π − ε} onde ε > 0 é muito pequeno. Veja a Figura 3.15. Utilizando a Definição 23, obtemos A(Rε) = ∫∫ Qε √ EG− F 2 du dv, = ∫∫ Qε √ r2(a+ r cos u)2 du dv, = ∫∫ Qε r(a+ r cos u) du dv, = ∫ 2π−ε 0+ε ∫ 2π−ε 0+ε r(a+ r cos u) du dv, = r ∫ 2π−ε 0+ε dv ∫ 2π−ε 0+ε (a+ r cos u) du, = r(2π − 2ε) ( a(2π − 2ε) + r sen u ∣∣∣∣2π−ε 0+ε ) , A(Rε) = r a(2π − 2ε)2 + r2(2π − 2ε)(sen(2π − ε)− sen ε). Fazendo ε→ 0 na expressão de acima, obtemos A(T ) = lim ε→0 A(Rε), = ar(2π)2, A(T ) = 4π2ar. 3. Superfícies 64 Figura 3.15: Área do toro T , considerando a região Rε = X(Qε). Fonte: Retirado de [3] 3.6 Orientação de Superfícies Regulares Nesta seção vamos discutir quando é possível orientar uma superfície. Intuitivamente, como para cada ponto p de uma superfície regular S ⊂ R3 tem um plano tangente Tp(S), a escolha de uma orientação de Tp(S) induz uma orientação em uma vizinhança de p. Caso seja possível fazer essa escolha para cada p ∈ S de forma que na interseção de quaisquer duas vizinhanças as orientações coincidam, então dizemos que S é orientável. Caso contrário, dizemos que S é não-orientável. Definição 24. Uma superfície regular S ⊂ R3 é orientável se for possível cobri-la com uma família de vizinhanças coordenadas, de tal modo que, se um ponto p ∈ S pertence a duas vizinhanças dessa família, então a mudança de coordenadas tem Jacobiano positivo em p. A escolha de uma tal família é chamada uma orientação de S, e S, neste caso, diz-se orientada. Se uma tal escolha não é possível, a superfície é não-orientável. Se S é orientada, uma parametrização (local) X de S é compatível com a orientação de S se, juntando X à família de parametrizações dada pela orientação, obtem-se ainda uma (portanto, a mesma) orientação de S. Observações 19. 1. O conceito de orientação de uma superfície regular S, na definição 24, é um conceito global. 2. Intuitivamente, uma superfície regular se dirá orientável se, é possível decidir sem ambiguidade quais são os lados da superfície regular. Por exemplo, pintando cada lado com uma cor diferente. 3. Uma ferramenta com a qual essa ideia geral de orientação pode ser feita com precisão é por meio de vetores normais à superfície regular. A missão de eles é apontar na direção de um dos lados da superfície regular. 3. Superfícies 65 3.6.1 Campo Diferenciável de Vetores sobre uma Superfície Re- gular Definição 25. Um campo diferenciável de vetores sobre uma superfície regular S ⊂ R3 é uma aplicação diferenciável V : S → R3, que associa a cada ponto p ∈ S um vetor V (p) ∈ R3. Observações 20. 1. Na Definição 25, temos dois casos particulares, se: • V (p) ∈ Tp(S), neste caso V é um campo diferenciável de vetores tangente a S. • V (p) ⊥ Tp(S), neste caso V é um campo diferenciável de vetores normais a S. 2. Dado um ponto p em uma superfície regular S, existem dois vetores unitários em R3 que são normais ao plano tangente Tp(S), cada um deles é chamado de vetor normal unitário a S em p. 3. Dada uma superfície regular S ⊂ R3 e uma parametrização X : U ⊂ R2 → S em um ponto p ∈ S, podemos definir a escolha de um vetor normal unitário N(p) = Xu ∧Xv ∥Xu ∧Xv∥ . Assim, obtemos um campo diferenciável de vetores normais unitários N : X(U) ⊂ S → R3, que associa a cada ponto p ∈ X(U) um vetor normal unitário N(p) ∈ R3 a S em p. Proposição 6. Uma superfície regular S ⊂ R3 é orientável se e somente se existe um campo diferenciável N : S → R3, de vetores normais sobre S. Observações 21. 1. Na proposição 6, a escolha de tal campo N sobre toda a superfície regular S é chamada uma orientação de S. 2. De acordo com as observações 20, item 3, toda superfície regular é localmente ori- entável. 3. Segundo a proposição 6, em outras palavras, uma superfície regular S é orientável se todos os vetores normais sobre S, eles apontam em uma única direção e sentido para cada ponto sobre S. Exemplo 24. Mostramos que as esferas são superfícies regulares orientáveis. 3. Superfícies 66 Demonstração. Seja S2(r) uma esfera de raio r e centro p0. Dado p ∈ S2(r), assim, Tp(S 2(r)) ⊥ (p− p0). Logo, definimos a aplicação N : S2(r) → R3, por N(p) = p− p0 r , onde N é o campo normal unitário definido em todo S2(r). Portanto, a esfera é uma superfície regular orientável, pois, existe um campo de vetores normais unitários sobre toda a esfera. Veja a Figura 3.16. □ Figura 3.16: A esfera é uma superfície regular orientável. Fonte: Retirado de [3] Exemplo 25. Geometricamente a faixa de Möbius é uma superfície regular não-orientável, pois, não é possível definir um campo diferenciável de vetores normais sobre toda a faixa de Möbius. Veja a Figura 3.17. Figura 3.17: A faixa de Möbius é uma superfície regular não orientável. Fonte: Retirado de [3] Capítulo 4 Variedades Diferenciáveis 4.1 Superfícies no Espaço Euclideano A noção de superfície regular no espaço euclidiano permite estendernos, para essa classe de subconjuntos do espaço euclidiano, a noções de diferenciabilidade e seus resulta- dos relacionados enunciados inicialmente para subconjuntos abertos do espaço euclidiano. Tal noção surge naturalmente quando consideramos problemas físicos como o movimento de objetos, planetas e outros. Nesta seção, recordamos a definição e propiedades bási- cas das superfícies regulares. Usaremos isso como motivação para a noção de variedade diferenciável, a ser introduzida posteriormente. 4.1.1 Superfícies Regulares no Espaço Euclideano n Dimensional Definição 26. Seja M ⊂ Rn um subconjunto não vazio. Dizemos que M é uma superfície regular de dimensão m se para cada ponto p ∈ M existem uma vizinhança aberta Vp ∋ p em Rn e uma aplicação φp : Up → Vp, onde Up ⊂ Rm é um subconjunto aberto com as seguintes propriedades: 1. φp : Up → Vp ∩M é um homeomorfismo. 2. φp : Up → Rn é uma aplicação diferenciável, que é também uma imersão. Dizemos que (φp, Up) é uma parametrização ou carta local de M no ponto p ∈M . Observações 22. 1. A superfície M é de classe Ck (k ∈ N) se as parametrizações (φp, Up) podem ser escolhidas de classe Ck, de modo que as imagens Vp ∩M ainda cobrem M . Claro que, não necessariamente todas as parametrizações de uma dada superfície são de clase Ck. 2. Seja M ⊂ Rn uma superfície de dimensão m. Um atlas de M é uma coleção de parametrizações cujas imagens formam uma cobertura da superfície M . 3. O lema de Zorn mostra a existência de um atlas maximal, isto é, um atlas que contém todas as possíveis parametrizações da superfície. 4. Note que, como espaço topológico, a superfície M ⊂ Rn é apenas um subespaço de Rn com a topologia euclideana. Em outras palavras, M carrega a topologia induzida de Rn. 67 4. Variedades Diferenciáveis 68 Daremos agora alguns exemplos importantes de superfícies euclideanas: Exemplo 26. Uma superfície de dimensão zero M0 ⊂ Rn é apenas um conjunto de pontos isolados. Exemplo 27. Qualquer subconjunto aberto M ⊂ Rn é uma superfície de dimensão n e classe C∞. De fato, podemos tomar como um atlas C∞ aquele dado pela inclusão φ : U → Rn. Exemplo 28. Qualquer hiperplano H = { (x1, ..., xn) ∈ Rn : n∑ j=1 aj xj = 0 } é uma superfície de codimensão um e classe C∞ em Rn. De fato, podemos supor que an ̸= 0 e considerar a parametrização φ : Rn−1 → H, dada por φ(t1, ..., tn−1) = ( t1, ..., tn−1,− n−1∑ j=1 aj an tj ) . Exemplo 29. A esfera euclidiana Sn ⊂ Rn+1 é uma superfície de classe C∞ e codimensão um. Demostración. Dadas coordenadas afins (x1, ..., xn+1) ∈ Rn+1, podemos escrever Sn = { (x1, ..., xn+1) : n+1∑ j=1 x2j = 1 } . Para cada j ∈ {1, ..., n+1}, definimos os subconjuntos abertos V + j = {xj > 0} ⊂ Rn+1, e V − j = {xj < 0} ⊂ Rn+1. Definimos φ± j : Bn(0, 1) → V ± j , onde Bn(0, 1) é o a bola unitária aberta centrada na origem de Rn, como segue: φ± j (y1, ..., yn) = y1, ..., yj−1,± √√√√1− n∑ k=1 y2k, yj+1, ..., yn  . Então a a coleção φ± j nos dá o atlas desejado com 2(n+ 1) cartas. O exemplo anterior é também um caso particular do seguinte resultado: Proposição 7. Seja f : U ⊂ Rn → Rk uma aplicação de classe Cr, r ⩾ 1, e seja q ∈ Rk um valor regular de f , com f−1(q) ̸= ∅. Então a pré-imagem M = f−1(q) é uma superfície de codimensão k e classe Cr em Rn, contida em U . Demonstração. Utilize a Forma Local das Submersões (ver [5]) para obter as para- metrizações locais da superfície de nível. Vejamos agora algumas propriedades das superfícies que motivam a noção de variedade diferenciável. Proposição 8. Sejam Mm ⊂ Rn uma superfície de classe Ck( k ⩾ 1) e φ : U1 → V1, ψ : U2 → V2 duas parametrizações de M , com V1 ∩ V2 ∩M ̸= ∅. Então a mudança de coordenadas ψ−1 ◦ φ |φ−1(V1∩V2) : φ −1(V1 ∩ V2) → ψ−1(V1 ∩ V2), é um Ck difeomorfismo, entre subconjuntos abertos de Rn. 4. Variedades Diferenciáveis 69 Demonstração. A sutileza aqui é que não se pode aplicar de imediato a Regra da Cadeia, pois ψ−1 está definida em um conjunto que não é necessariamente um aberto de Rn. Entretanto, utilizaremos o seguinte lema auxiliar (aplicação da Forma Local das Imersões) nas coordenadas de φ. Lema 1. Seja ψ : U → V uma parametrização de M ⊃ V e seja g : W ⊂ Rl → V aplicação de classe Cr, r ⩾ 1. Então a composta ψ−1 ◦ g : W → U, é de classe Cr e vale também (ψ−1◦g)′(x) = (ψ′(y))−1 g′(x), onde x ∈ W , y = ψ−1(g(x)) ∈ U . Demonstração. Pela Forma Local das Imersões (ver [5]), para cada ponto q ∈ V ∩M , existe uma aplicação ξ : A→ Rm, definida numa vizinhança A ∋ q em Rm tal que ξ |A∩V ∩M = ψ−1 |A∩V ∩M . Assim, ψ−1 ◦ g = ξ ◦ g em A ∩ V ∩M , e podemos aplicar a Regra da Cadeia. □ A proposição segue de imediato do lema. □ Como veremos em seguida, essa propriedade juntamente com a topologia será suficiente para estendermos a noção de superfície. 4.2 O Conceito de Variedade Diferenciável Considere o conjunto P (n) cujos elementos são as retas L ⊂ Rn+1 que passam pela origem. Daremos a esse conjunto uma estrutura diferenciável. Primeiro notamos que cada elemento L ∈ P (n) intersecta a esfera Sn em exatamente dois pontos, pontos antípodas. Retas distintas intersectam a esfera em pontos distintos. Reciprocamente, por quaisquer dois pontos antípodas na esfera passa uma única L ∈ P (n). Assim, temos uma bijeção natural P (n) ↔ Sn/ ∽, onde ∽ é a relação de equivalência para p, q ∈ Sn; p ∽ q ⇔ p = −q. Usamos esta bijeção e equipamos P (n) com a topologia quociente, de modo que P (n) é um espaço compacto Hausdorff, tendo recobrimento de grau dois pela esfera. A questão agora é: É possível considerar funções diferenciáveis em P (n)? A resposta é naturalmente positiva, uma vez que podemos usar as parametrizações da esfera e os homeomorfismos locais dados pelo recobrimento Sn → P (n). Damos agora a generalização anunciada: 4.2.1 Atlas Diferenciável Definição 27. Seja M um espaço topológico Hausdorff, tendo uma base enumerável de subconjuntos abertos. Um atlas diferenciável de dimensão m para M é uma coleção de homeomorfismos φj : Uj ⊂ M → Vj ⊂ Rm (j ∈ J), entre subconjuntos abertos, de modo que: 1. M = ⋃ j∈J Uj. 4. Variedades Diferenciáveis 70 2. Se Ui∩Uj ̸= ∅, então a mudança de coordenadas φj ◦φ−1 i é um difeomorfismo entre subconjuntos abertos de Rm. Se as mudanças de coordenadas são de classe Ck, então dizemos que M é uma variedade diferenciável de class Ck. Observações 23. 1. Dado um atlas A de clase Ck para M como acima, dizemos que um homeomorfismo φ : U → V onde U ⊂M e V ⊂ Rm é admissível ou compatível com A, se para todo Uj ∩ U ̸= ∅ temos que as mudanças de coordenadas associadas φ ◦ φ−1 j e φj ◦ φ−1 são difeomorfismos de classe Ck. Nesse caso, adicionamos φ ao atlas A e obtemos um novo atlas de classe Ck para M . Usando esta observação e o Lema de Zorn, podemos provar a existência de um atlas maximal de A para M , contendo A e todas as cartas compatíveis de classe Ck. 4.2.2 Variedade Diferenciável Definição 28. Uma variedade diferenciável de dimensão m e classe Ck é um espaço topológico Hausdorff M com uma base enumerável de conjuntos abertos, equipado com um atlas maximal de classe Ck e dimensão m, digamos, A = {φj : Uj → Vj}j∈J . Proposição 9. Se um espaço topológico M admite um atlas de dimensão m, então qual- quer atlas para M é de dimensão m. Essa proposição é a consequência do chamado Teorema da Invariânçia de Brower Greenberg (1976). Afim de exemplificar a noção de variedade, notamos que: Proposição 10. Seja M ⊂ Rm uma superfície regular de dimensão m e classe Ck, então M admite uma estrutura natural de variedade diferenciável de classe Ck e dimensão m, de fato esse atlas para M é dado pelas aplicações inversas das parametrizações de M . Um primeiro exemplo não trivial de variedade é o seguinte: Exemplo 30. O espaço projetivo P (n) tem uma estrutura natural de variedade diferen- ciável de dimensão n e classe C∞. Mais adiante, veremos que esse exemplo é um caso particular de quociente de um variedade por uma certa ação de um grupo de homeomorfismos nesse espaço. Mas, antes disto, introduziremos a noção de diferenciabilidade em variedades. Proposição 11. Sejam Mm e Nn variedades diferenciáveis de classe Cr, então o produto M ×N admite uma estrutura natural de variedade diferenciável de classe Cr e dimensão m+ n. Demonstração. Em M ×N , consideramos a topologia produto gerada pelos abertos da forma U × V onde U ⊂M e V ⊂ N são abertos. Dados os atlas {φj : Uj ⊂M → φj(Uj) ⊂ Rm}j∈J , de M e {ψk : Vk ⊂ N → ψk(Vk) ⊂ Rn}k∈K , 4. Variedades Diferenciáveis 71 de N , temos que as aplicações produto φj × ψk : Uj × Vk → φj(Uj)× ψk(Vk) ⊂ Rm × Rn, onde j ∈ J e k ∈ K formam um atlas de classe Ck de M × N cujas mudanças de coordenadas também são do tipo produto. □ Um modo importante de definição de variedades é o seguinte: Proposição 12. Sejam M qualquer conjunto de pontos e {φj : Uj ⊂ M → Vj ⊂ Rm}j∈N uma coleção de aplicações bijetivas tais que: 1. Vj ⊂ Rm é aberto para todo j ∈ N. 2. M = ⋃ j∈N Uj e se Ui ∩ Uj ̸= ∅, então φi(Ui ∩ Uj) e φj(Ui ∩ Uj) são subconjuntos abertos de Rm, além disso, a mudança de coordenadas φj ◦φ−1 i é um difeomorfismo de classe Ck entre esses conjuntos abertos. Então M admite uma única estrutura de espaço topológico (não necessariamente Haus- dorff), tal que tenha a coleção {φj : Uj → Vj}j∈N como um Ck atlas. Se esta topologia é Hausdorff, então temos uma variedade diferenciável. Demonstração. Para definir a topologia em M definimos em seus abertos um con- junto U ⊂ M será aberto se φj(U ∩ Uj) for aberto em Rn para todo j ∈ N. Como a cobertura ⋃ j∈N Uj é enumerável, segue que essa topologia em M tem base enumerável de abertos. Para que a topologia em M seja Hausdorff, se necessita da seguinte condição: 3. ∀ Ui ∩ Uj ̸= ∅ e para toda sequência pν ∈ φi(Ui ∩ Uj) com pν → p ∈ φi(Ui \ Uj) não se tem (φj ◦ φ−1 i )(pν) → p′ ∈ φj(Uj \ Ui) para alguma subsequência (pνµ) de (pν). Para verificar que a coleção acima de fato define um atlas e, portanto, uma estrutura de variedade, basta usar as propriedades de interseção de abertos de Rn. □ Definição 29. Seja M um espaço topológico Hausdorff com uma base enumerável de conjuntos abertos. Uma estrutura diferenciável em M é uma coleção de bijeções φj : Uj → Vj onde: 1. M = ⋃ j Uj é uma cobertura aberta de M . 2. Cada aplicação φj : Uj → Vj é um homeomorfismo de Uj ⊂ M , sobre um conjunto aberto Vj ⊂ Rn, para algum n ∈ N fixado. 3. Se Uj ∩ Ui ̸= ∅, então a aplicação φi ◦ φ−1 j : φj(Uj ∩ Ui) → φi(Uj ∩ Ui) é uma aplicação diferenciável entre conjuntos abertos de Rn. Dizemos que a estrutura diferenciável é de classe Cr onde r ∈ N ∪ {0}, se a aplicações φi ◦φ−1 j : φj(Uj ∩Ui) → φi(Uj ∩Ui) são de classe Cr. Essas aplicações são chamadas mu- danças de coordenadas na estrutura diferenciável. O número n é o dimensão das estrutura diferenciável, sendo (obviamente) a dimensão de M como um espaço topológico. No caso r = 0, a terminologia diferenciável significa contínua, e temos a variedade topológica. 4. Variedades Diferenciáveis 72 Neste capítulo, estaremos lidando com variedades diferenciáveis, usualmente de classe C∞. Note que podemos considerar variedades analíticas reais da mesma forma, com a mesma definição acima para r = ω. Definição 30. Uma variedade diferenciável é um par (M, {φj : Uj → Vj}j∈J), onde M é um espaço topológico como acima, e {φj : Uj → Vj}j∈J é uma estrutura diferenciável em M . A classe de diferenciabilidade da variedade é aquela de sua estrutura diferenciável. Dada uma variedade diferenciável como acima, e um homeomorfismo φ : U → V de algum subconjunto aberto U ⊂M sobre um subconjunto aberto V ⊂ Rn, dizemos que φ : U → V, é compatível com a estrutura diferenciável se, para qualquer aplicação φj : Uj → Vj, tal que U ∩ Uj ̸= ∅, a mudança de coordenadas associada φ ◦ φ−1 j : φj(Uj ∩ U) → φ(Uj ∩ U), é uma aplicação diferenciável da mesma classe da variedade. Observações 24. 1. Usando o Lema de Zorn, não é difícil provar que cada variedade diferenciável admite um atlas maximal, uma estrutura diferenciável na variedade que contém todas as aplicações compatíveis como acima. Assim, podemos definir uma variedade diferen- ciável como um par (M,A), onde M é um espaço topológico como acima e A é um atlas maximal definindo uma estrutura diferenciável em M . 2. Um dado espaço topológico pode admitir, mesmo com sua topologia fixada, mais de uma estrutura diferenciável. 3. Como estamos fixando a estrutura diferenciável de uma dada variedade, a deno- taremos simplesmente por M ou Mn, onde n é a dimensão de M , definido como acima. 4. Os elementos de um atlas maximal de M são chamada sistemas de coordenadas ou cartas de M . A seguinte observação é uma consequência imediata das definições acima. 5. Sejam Mn uma variedade diferenciável e p ∈ M ponto qualquer. Dada qualquer vizinhança aberta V ∋ p em M , existe uma carta de M , digamos, φ : U → W ⊂ Rn, tal que p ∈ U ⊂ V e também φ(p) = 0. Podemos também assumir que W = Bn 1 é a bola unitária em Rn. A seguir, alguns exemplos e construções básicas relacionadas às variedade diferenciá- veis. Exemplo 31. O espaço afim euclidiano Rn é claramente uma variedade diferenciável de dimensão n, com a estrutura diferenciável dada pela aplicação de inclusão φ :M = Rn → Rn, φ(p) = p. O atlas maximal para essa variedade consiste de aplicações diferenciáveis entre subconjuntos abertos de Rn. Esse exemplo é importante para motivar a noção de aplicação diferenciável em uma variedade que iremos introduzir abaixo. 4. Variedades Diferenciáveis 73 Definição 31. Dadas uma variedade diferenciável Mn e uma aplicação f : A ⊂M → Rm, em um subconjunto aberto de M , dizemos que f é diferenciável em p ∈ A se, existe uma carta local φ : U → V, de M com p ∈ U , tal que a composição f ◦ φ−1 : φ(U ∩ A) → Rm, é diferenciável em φ(p) ∈ Rn, Analogamente, definimos f como sendo de classe Cr em p se a composição é de classe Cr em φ(p). A aplicação f é diferenciável em A se é diferenciável em p para todo p ∈ A. Observações 25. 1. Não é difícil ver que podemos supor que o carta local φ : U → V , na definição acima, é uma carta do atlas maximal de M com p ∈ U . Exemplo 32. Sejam M uma variedade e A ⊂M um subconjunto aberto de M . Conside- ramos A um espaço topológico com a topologia natural induzida. Então, A é naturalmente a variedade da mesma classe e dimensão que M . A estrutura diferenciável para A é ob- tida considerando-se restrições das cartas φ : U → V de M , cujos domínios coordenados intersectam A: A ∩ U ̸= ∅. Não é difícil ver que é um atlas para A. Capítulo 5 Teoria Qualitativa das EDOs e o Teorema de Hartman-Grobman 5.1 Noções Preliminares da Teoria Qualitativa das EDOs Nesta seção estudaremos as noções necessárias da teoria qualitativa de equações dife- renciais ordinárias para entender e demonstrar o teorema de Hartman-Grobman. 5.1.1 Soluções e Problemas de Valor Inicial Consideramos a equação diferencial ordinária de primeira ordem x′ = f(t, x), (5.1) onde f : D → Rn é uma função contínua em um aberto D ⊂ R× Rn. A incógnita desta equação (5.1) é a função x = x(t). Definição 32. Dizemos que uma função x : (a, b) → Rn de classe C1 é uma solução da equação diferencial (5.1) se 1. (t, x(t)) ∈ D para cada t ∈ (a, b). 2. x′(t) = f(t, x(t)) para cada t ∈ (a, b). Definição 33. (Problema de Valor Inicial) Para cada (t0, x0) ∈ D, o problema de valor inicial { x′ = f(t, x), x(t0) = x0, (5.2) consiste em determinar um intervalo aberto (a, b) que contém o instante t0 e uma solução x : (a, b) → Rn da equação (5.1) tal que x(t0) = x0. Chamamos a x(t0) = x0 a condição inicial do problema. Veja a Figura 5.1. Proposição 13. Seja f : D → Rn uma função contínua em um aberto D ⊂ R × Rn. Dado (t0, x0) ∈ D, uma função contínua x : (a, b) → Rn em um intervalo aberto contendo t0 é uma solução do problema de valor inicial (5.2) se e só se x(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, x(s)) ds, (5.3) para qualquer t ∈ (a, b). 75 5. Teoria Qualitativa das EDOs e o Teorema de Hartman-Grobman 76 Figura 5.1: Uma solução do problema de valor inicial (5.2). Fonte: Retirado de [7] 5.1.2 Noção de Fluxo Consideremos agora brevemente o caso particular das equações diferenciais ordinárias que não dependem explicitamente do tempo, que conduzem de forma natural ao conceito de fluxo. Definição 34. A equação (5.1) diz-se autônoma se f não depende de t. Em