UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DESIGN PRÁTICAS DO ECODESIGN NO POLO DE JÓIAS FOLHEADAS DE LIMEIRA: UM ESTUDO DE CASO Maria Carolina Medeiros Bauru, 2011 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DESIGN Maria Carolina Medeiros PRÁTICAS DO ECODESIGN NO POLO DE JÓIAS FOLHEADAS DE LIMEIRA: UM ESTUDO DE CASO Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Design na área de concentração “Desenho de Produto”, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Paula da Cruz Landim Bauru, 2011 Medeiros, Maria Carolina. Práticas do Ecodesign no pólo de jóias folheadas de Limeira : um estudo de caso / Maria Carolina Medeiros, 2011 135 f. Orientador: Paula da Cruz Landim Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. Bauru, 2011 1. Design. 2. Ecodesign. 3. Jóias. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. BANCA DE AVALIAÇÃO Titulares Profa. Dra. Paula da Cruz Landim Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Orientadora Profa. Dra. Maria Antonia Benutti Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Universidade Presbiteriana Mackenzie Suplentes Profa. Marizilda dos Santos Menezes Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Profa. Dra. Miriam Mirna Korolkovas Istituto Europeo di Design/São Paulo DEDICATÓRIA A minha mãe que sempre me primou pela minha educação e a quem eu devo tudo; Ao meu pai, que sei que está orgulhoso de mim, esteja onde estiver. AGRADECIMENTOS Ao meu marido Frederico, pelos momentos de compreensão e incentivo; A minha mãe Maria Helena e minhas irmãs Andréa e Bruna por sempre me apoiarem, incondicionalmente; A minha amiga Jacqueline Castro, por me acolher, aconselhar e me ajudar sempre; A minha orientadora professora Paula da Cruz Landim, por me conduzir durante todo o desenvolvimento do trabalho; A CAPES pelo apoio financeiro; A todos do Programa de Pós Graduação em Design da UNESP/Bauru – funcionários, professores, colegas; Ao Rofatto e Maria Sílvia pela revisão e elucidação de muitas questões; A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram de alguma forma para a realização desse trabalho. Tenha sempre bons pensamentos. Porque os pensamentos se transformam em suas palavras. Tenha sempre boas palavras. Porque as palavras se transformam em suas ações. Tenha sempre boas ações. Porque as suas ações se transformam em seus hábitos. Tenha sempre bons hábitos. Porque os seus hábitos se transformam em seus valores. Tenha sempre bons valores. Porque os seus valores se transformam no seu próprio destino. (Mahatma Gandhi) RESUMO O sistema atual de produção e consumo, banal e desenfreado, tem gerado graves problemas ambientais, colocando em risco a sobrevivência da própria Humanidade. A questão ambiental vem sendo cada vez mais discutida por toda a sociedade, empresas e governo, nas mais variadas áreas de estudo. O design, como área de conhecimento, também cria propostas de forma a combater a degradação do meio ambiente e criar um futuro mais sustentável. Neste contexto, este estudo busca investigar como as empresas no pólo joalheiro de Limeira lidam com as questões ambientais, integrando design e sustentabilidade na concepção e produção de suas peças. Para tanto, foi elaborado um referencial teórico onde se buscou apresentar os principais conceitos de sustentabilidade, ecodesign, bem como o mercado joalheiro e o pólo em questão. Foi realizado um estudo de caso com as empresas do setor a fim de obter dados para traçar um perfil de como são tratadas as questões ambientais e sua integração com o design. Palavras-chave: design; ecodesign; setor joalheiro ABSTRACT The current system of consumption and production, banal and unrestrained, is responsible for serious environmental problems, threatening the own survival of humanity. The environmental issue has been increasingly discussed by the whole society, business and government in several areas of study. Design, as a knowledge area also creates purposes in order to content environmental degradation and establish a more sustainable future. Thus, this study gains investigate how companies in Limeira (SP)’s Complex deal with environmental matters, integrating design and sustainability in creation e production of their parts. To this end, was developed a theoretical framework, where is shown the main concepts of sustainability, design for environmental, as well as the jewelry market and the complex in question. It has a case study of the sector companies to obtain data for a profile of how do they treat environmental issues as well their integration with design Key-words: design; design for environmental, jewelry complex LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Segmentação de consumidores de acordo com grau de assimilação do Consumo Consciente................................................................................. 32 Figura 2 – Modelo linear de produção ............................................................ 34 Figura 3 – Modelo circular de produção .......................................................... 34 Figura 4 – Roda de ecoconcepção ................................................................. 41 Figura 5 – Logo ABNT – Qualidade Ambiental ............................................... 47 Figura 6 – Logo FSC Brasil ............................................................................. 47 Figura 7 - Selo da Procel ................................................................................. 59 Figura 8 - Bracelete da rainha Ahhotep - 18ª dinastia egípcia ........................ 50 Figura 9 - Broche grego .................................................................................. 50 Figura 10 - Brinco romano ............................................................................... 51 Figura 11- Pendente ........................................................................................ 52 Figura 12 - Pendente religioso ........................................................................ 52 Figura 13 – Pendente ................ ..................................................................... 53 Figura 14 – Broche de René Lalique ............................................................... 55 Figura 15 – Broche de René Lalique ............................................................... 55 Figura 16 – Broche Art Deco ........................................................................... 56 Figura 17 – Anel Art Deco ............................................................................... 56 Figura 18 – Bracelete Chanel .......................................................................... 57 Figura 19 – Penca de balangandãs ................................................................ 60 Figura 20 – Anel Clitemenestra, Di Cavalcanti ................................................ 61 Figura 21 – Colar, Reny Golcman ................................................................... 62 Figura 22 – Colar, Clementina Duarte ............................................................. 62 Figura 23 – Colar, Clementina Duarte ............................................................. 62 Figura 24 - Anel Expand, Antonio Bernardo .................................................... 70 Figura 25 - Anel Puzzle Curvo, Antonio Bernardo ........................................... 70 Figura 26 - Colar Labaredas da paixão, Ruth Grieco ...................................... 71 Figura 27 - Colar Tentáculos, Ivete Cattani ..................................................... 71 Figura 28 – Localização de Limeira no Estado de São Paulo ......................... 81 Figura 29 – Galerias de jóias folheadas e brutos nas imediações da Avenida Costa e Silva ................................................................................................... 84 Figura 30 – Fotos externa e interna do Museu da Jóia Folheada ................. 85 Figura 31 – Fachada da primeira sede da indústria de Jóias Cardoso .......... 87 Figura 32 – Molde para a confecção de peças por cera perdida .................... 89 Figura 33 – Réplicas em cera .......................................................................... 89 Figura 34 – Etapas de desceragem ................................................................ 90 Figura 35 – “Árvores” de peças fundidas .........................................................90 Figura 36 – Processo de baixa fusão .............................................................. 92 Figura 37 - Fluxograma de entradas e saídas da fotocorrosão ....................... 93 Figura 38 – Processo de Galvanoplastia ......................................................... 97 LISTAS DE TABELAS Tabela 1 – Cronologia dos principais acontecimentos relacionados à questão ambiental...........................................................................................................27 Tabela 2 - Definições e conceitos utilizados no eco-design de produtos ........ 36 Tabela 3 - Estratégias de redução e extensão de vida dos produtos............... 39 Tabela 4 - Variações do DfX ............................................................................ 43 Tabela 5 - Principais produtores mundiais de jóias em ouro ........................... 73 Tabela 6 - Principais países com produção de jóias em prata......................... 74 Tabela 7 - Número estimado de empresas da cadeia em 2009 ...................... 75 Tabela 8 - Exportações de 2007 a 2009, em mil dólares ................................ 78 Tabela 9 - Tabela de valores para jóias folheadas brasileiras ......................... 80 Tabela 10 – Estrutura do questionário ........................................................... 100 Tabela 11 - Característica das empresas participantes ................................. 103 LISTAS DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Faturamento estimado em 2009 ................................................... 76 Gráfico 2 – Exportação das empresas participantes ..................................... 105 Gráfico 3 – Principal canal de comercialização ............................................. 106 Gráfico 4 – Posição ambiental das empresas participantes .......................... 107 Gráfico 5 – Fatores decisivos para investimento na área ambiental ............. 108 Gráfico 6 – Quantidade de equipamentos e máquinas adquiridos ................ 108 Gráfico 7 – Perspectivas futuras da empresa em relação às questões ambientais ...................................................................................................... 109 Gráfico 8 – Perspectivas futuras da empresa em relação às questões ambientais ...................................................................................................... 110 Gráfico 9 – Como é feito o desenvolvimento de produtos ............................. 110 Gráfico 10 – Formação do responsável pelo desenvolvimento de produtos . 111 Gráfico 11 – Preocupação em relação ao impacto ambiental das matérias primas utilizadas ............................................................................................ 112 Gráfico 12 – Realização de coleta seletiva ................................................... 112 Gráfico 13 – Durabilidade dos produtos ........................................................ 113 Gráfico 14 – Projetos visando à redução de resíduos gerados .................... 114 Gráfico 15 – Estratégias de minimização de recursos adotadas .................. 114 Gráfico 16 – Adoção de materiais e processos de baixo impacto ................ 115 Gráfico 17 – Consumo de água .................................................................... 115 Gráfico 18 – consumo de energia ................................................................. 115 Gráfico 19 – Minimização de resíduos .......................................................... 115 Gráfico 20 – Redução de desperdícios de matéria - prima ........................... 115 Gráfico 21 – Emissão de ruídos .................................................................... 116 Gráfico 22 – Emissão de odores e poeira ..................................................... 116 Gráfico 23 – Impactos visuais ....................................................................... 116 Gráfico 24 – Geração de resíduos sólidos e efluentes líquidos .................... 116 Gráfico 25 – Manutenção da qualidade de águas subterrâneas ................... 116 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ACV – Análise do Ciclo de vida ALJ – Associação Limeirense de Jóias APEX – Agência de Promoção de Exportações APL – Arranjo Produtivo Local ART - Atestado de Responsabilidade Técnica BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China CMMAD - Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental CNPQ - Conselho Nacional de Pesquisas CO2 – Dióxido de carbono ComTur - Conselho Municipal de Turismo DETEC - Departamento de Tecnologia EPI - Equipamentos de Produção Individual ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial ETC - Escola Técnica de Criação ETE – Estação de tratamento de Efluentes EUA – Estados Unidos da América FAU-USP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FSC – Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) GFMS - Gold Fields Mineral Services GVces – Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas IAC - Instituto de Arte Contemporâneo IBA - Instituto de Belas Artes IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGM – Instituto Brasileiro de Gemas e Metais INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial ISO – International Organization for Standardization LBDI - Laboratório Brasileiro de Design Industrial MAM – Museu de Arte Moderna MASP – Museu de Arte de São Paulo NDI – Núcleo de Desenho Industrial ONG – Organização não governamental ONU – Organização das Nações Unidas P + L – Produção Mais Limpa PBD - Programa Brasileiro de Design PIB – Produto Interno Bruto PROCEL – Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica PSS – Product Service System (Sistema Produto Serviço) SEBRAE – Serviço Brasileiro de apoio as micros e pequenas empresas SENAI - Serviço Nacional da Indústria SINDIJÓIAS – Sindicato da Indústria de Joalheria, Bijuteria e Lapidação de Gemas do Estado de São Paulo. UDN - União Democrática Nacional UNESCO – Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura UNEP - United Nations Environment Programme UNIDO - United Nations Industrial Development Organization SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 18 1.1 PROPOSIÇÃO................................................................................. 21 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 22 2.1 O PENSAMENTO ECOLÓGICO .................................................... 22 2.1.1 Histórico e desenvolvimento da consciência ecológica ..... 22 2.1.2 Consumo e Sociedade ...................................................... 28 2.1.3 Ecodesign .......................................................................... 33 2.1.4 Estratégias de Ecodesign .................................................. 37 2.1.5 Design for x (DfX) .............................................................. 42 2.1.6 Ecologia Industrial ............................................................. 44 2.1.7 Produção mais limpa (P + L) ............................................. 45 2.1.8 Selos e certificações ambientais ....................................... 46 2.2 O DESIGN E A JÓIA ...................................................................... 50 2.2.1 Breve Histórico da Joalheria ............................................. 50 2.2.2. Breve Histórico da joalheria no Brasil .............................. 58 2.2.3 O Design e a Atuação do Designer .................................. 63 2.2.4 O Design no Brasil ............................................................ 65 2.2.5 O Design de Jóias no Brasil .............................................. 68 2.2.6 Panorama mundial do setor joalheiro ................................ 71 2.2.7 Panorama atual da indústria joalheira no Brasil ................ 75 2.2.8 Caracterização da Jóia Folheada ...................................... 79 2.3. A CIDADE DE LIMEIRA ................................................................ 81 2.3.1 Panorama econômico do Arranjo Produtivo Local - APL de Limeira ........................................................................................ 82 2.3.2 História e caracterização do setor de bijuterias e jóias folheadas de Limeira .................................................................. 86 2.4. DESCRIÇÃO DOS PROCESSOS DE FABRICAÇÃO E RESÍDUOS RESULTANTES DA ATIVIDADE PRODUTIVA ................................... 88 2.4.1 Fundição por cera perdida ................................................. 88 2.4.2 Baixa fusão ........................................................................ 91 2.4.3 Fotocorrosão ...................................................................... 92 2.4.4 Estamparia ......................................................................... 93 2.4.5 Eletroformação .................................................................. 94 2.4.6 Galvanoplastia ................................................................... 94 3. TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ..................................... 99 3.1 METODOLOGIA ............................................................................. 99 3.1.1 Instrumento de coleta de dados ........................................ 99 3.1.2 População ........................................................................ 100 3.1.3 Sujeitos participantes ....................................................... 101 3.1.4 Perfil das empresas participantes..................................... 101 4. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS .............................................. 105 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA ........................................... 105 4.2 POSTURA AMBIENTAL ............................................................. 106 4.3 DESENVOLVIMENTO PROJETUAL ........................................... 110 4.4 CICLO DE VIDA DOS PRODUTOS ............................................. 111 4.5 ESTRATÉGIAS LIFE CYCLE DESIGN ........................................ 113 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES ......................................... 118 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 121 ANEXO A – ROTEIRO PARA ENTREVISTA .............................................. 126 18 1. INTRODUÇÃO A industrialização trouxe inúmeros benefícios à sociedade, proporcionando conforto e bem-estar; porém, ao mesmo tempo, também foi responsável por criar um sistema de produção e consumo desenfreados, causando graves impactos ambientais que colocam em ameaça a vida no planeta. O despertar da consciência ecológica acontece em meados da década de 1960 e ganha repercussão mundial em 1972, quando a ONU – Organização das Nações Unidas reúne, pela primeira vez, os governantes dos países- membros em Estocolmo, na Suécia, para considerar que a poluição e degradação ambiental são problemas globais. Desde então, a preocupação ecológica vem crescendo e provocando uma transformação na sociedade e no seu modo de vida e consumo, porém de forma muito tímida ainda, já que envolve questões de ordem cultural e econômica, que são de difícil mudança. Impulsionadas pela consciência ambiental de uma nova leva de consumidores ecologicamente responsáveis, bem como por leis governamentais, as empresas veem a necessidade de transformar-se: seus processos de fabricação e metodologias projetuais modificam-se e passam a considerar entre seus requisitos básicos preocupações referentes à sustentabilidade e ao equilíbrio do planeta. Neste contexto, o desenvolvimento de produtos ecologicamente corretos requer de designers e demais profissionais envolvidos no projeto de tais produtos, novas competências, métodos e tecnologias a fim de se buscar reduções de emissões poluentes, desperdício de matérias-primas, degradação ambiental, entre outros impactos ambientais. Assim, conscientes da necessidade de uma transformação profunda nos sistemas de produção e consumo, o design criou propostas específicas para guiar os profissionais nesse processo de transformação, chamada de Ecodesign ou Design Ambiental. Manzini e Vezzolli (2002) dizem que propor o design para a sustentabilidade implica atender a procura do bem-estar de forma a utilizar bem menos recursos naturais do que vêm sendo utilizados desde então. Dessa 19 forma, o ecodesign pode ser reconhecido como sendo estratégico, na medida em que um projeto de estratégias seja aplicado pelas empresas que se impuseram seriamente à prospectiva da sustentabilidade ambiental. Diante do exposto, esta pesquisa busca investigar a adoção de práticas de design e sustentabilidade nas indústrias de jóias folheadas do polo de Limeira, na tentativa de buscar alternativas para a adequação de seus produtos à realidade ecológica e, portanto, contribuir para a melhoria e identificação das questões ambientais no segmento joalheiro. A escolha do polo em questão se deve ao fato de sua representatividade, pois se trata do maior produtor de jóias folheadas do país, com significativa produção. Os pressupostos teóricos levantados giram em torno de duas áreas principais a saber: - a primeira remete aos estudos sobre ecologia, tratando das questões ambientais e abordando temas como a evolução da consciência ecológica, consumo e sociedade, ecodesign e suas estratégias; - a segunda aborda a jóia, sua história e o mercado em questão, passando para conhecimentos sobre design e, para finalizar, a caracterização do pólo de jóias folheadas de Limeira, com seus processos produtivos e os impactos destes no meio ambiente. Assim, esta pesquisa está organizada em 5 capítulos: O primeiro capítulo contém a introdução do trabalho, apresentando uma síntese do tema e seus objetivos. O segundo capítulo trata da fundamentação teórica e, por sua vez, é dividido em quatro subcapítulos. O primeiro é composto pelas questões ambientais e ecodesign. Em seguida, vem a parte da joalheria, sua história, o design e panorama atual. Logo após, é abordado o pólo de jóias folheadas de Limeira e suas características. Finalizando, são descritos os principais processos produtivos do pólo em questão e suas conseqüências ambientais. O terceiro capítulo descreve os procedimentos da pesquisa, apresentando a metodologia, o instrumento de coleta de dados, a população, sujeitos participantes e seus perfis. 20 O capítulo 4 traz a análise dos dados obtidos, resultantes da aplicação do questionário. E, por fim, são expostas as considerações finais e conclusões da pesquisa. 21 1.1 PROPOSIÇÃO Objetivo geral O objetivo geral desta pesquisa foi investigar a adoção de práticas de design e sustentabilidade na produção brasileira de jóias folheadas, identificando ações de ecodesign e sua importância na indústria joalheira. Para tanto, foi escolhido o polo de joias folheadas na cidade de Limeira, SP, como estudo de caso. Objetivos específicos Para o devido cumprimento do objetivo proposto, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: Identificar práticas ambientais relacionadas ao ecodesign e sua importância para o setor joalheiro; Verificar a inserção do design na indústria de jóias folheadas; Caracterizar a função do designer no processo projetual; Identificar ações de design sustentável nas empresas, por meio de estudo de caso. 22 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 O PENSAMENTO ECOLÓGICO 2.1.1 Histórico e desenvolvimento da consciência ecológica A palavra “Ecologia” tem origem grega: a junção das palavras eco (“oikos”) significando casa; e logia (“logos”), que quer dizer saber, estudar. Portanto, podemos definir como sendo o estudo da casa, do ambiente em que vivemos e suas interações com todos os seres que a habitam. A palavra foi inserida em nosso vocabulário pelo cientista alemão Ernest Haeckel, em 1866; embora para Lago e Pádua (1985), a ecologia constituir-se em uma ciência mais antiga: podem-se encontrar suas sementes desde a Antiguidade até em obras de vários economistas, como Thomas Matthus e Karl Marx. Apesar de, até então, entre os pensadores, mesmo entre os socialistas, acreditar-se muito nas vantagens e conquistas advindas da industrialização. A Revolução Industrial alterou a relação do homem com a natureza, pois ele passou a depender cada vez mais da tecnologia em detrimento do meio ambiente. Com o desenvolvimento tecnológico alcançado ao longo das décadas, novos materiais e técnicas foram criados, impactando negativamente a natureza, tendo ainda como agravante o consumismo desenfreado, bem como o rápido crescimento demográfico mundial, responsáveis por graves problemas ambientais, gerados pelo seu próprio estilo de vida. Somente a partir do século XX, em meados dos anos 1960 é que se dá início a algumas discussões a respeito dos limites da natureza e da conseqüente degradação ambiental, resultado do avanço internacional das indústrias, que tomou impulso após a Segunda Guerra Mundial. Os anos 1970 foram caracterizados por ambientalistas radicais que protestavam contra o desenvolvimento econômico, dizendo ser impossível a convivência da ecologia e da economia. As empresas limitavam-se a cumprir as leis de controle e regulamentação antipoluentes e a evitar acidentes locais (MAINON, 1996). O tratamento caracterizava-se por ser fim-de-tubo, ou seja, tratavam-se os poluentes gerados durante o processo de produção, sem se preocupar com sua redução ou eliminação, pois se acreditava que tais medidas de controle ambiental aumentavam os custos das empresas. A poluição era vista como o preço a ser pago pelo desenvolvimento. 23 Foi nesta década, em 1972, que a ONU – Organização das Nações Unidas – reuniu pela primeira vez os governantes dos países-membros para discutir a sobrevivência do planeta na, como ficou conhecida, Conferência de Estocolmo. Na reunião, foi discutida a capacidade limitada da natureza, caso continuasse o mesmo ritmo de utilização dos recursos naturais; considerando que a poluição e degradação ambiental não reconhecem fronteiras e são, portanto, um problema global. Barelli (2009) destaca que o evento pode ser considerado um marco histórico, decisivo para o surgimento de políticas de gestão ambiental. Duas posições antagônicas marcaram a conferência: de um lado, os países desenvolvidos, em sua maioria, propondo programas de conservação dos recursos naturais e medidas preventivas e, de outro, os países em desenvolvimento, com sérios problemas sociais como moradia, saneamento básico e saúde e que precisavam desenvolver-se economicamente, a fim de gerar condições mínimas de conforto e bem-estar aos seus cidadãos. (ABREU, 2001) Com as crises do petróleo em meados dos anos de 1970, as empresas se viram obrigadas, por motivos puramente econômicos, a repensarem seus processos de produção. Em 1983 a ONU criou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, CMMAD, dando continuidade à Conferência de Estocolmo. Em 1987, essa mesma comissão publicou o relatório Brundtland, ou Our Common Future (Nosso Futuro Comum). Nesse relatório, estava a base do conceito de Desenvolvimento Sustentável, que alertava para a necessidade da busca por alternativas para o desenvolvimento das nações sem agressão ao meio ambiente, contrariando uma visão predominante até então: a de que a deterioração do meio ambiente era parte indissociável do desenvolvimento. (RAMOS, 2001) O conceito de Desenvolvimento Sustentável parte do tripé da eficiência econômica, justiça social e harmonia ambiental, atendendo às necessidades atuais da sociedade sem prejudicar as necessidades das gerações futuras. O papel das indústrias, de acordo com o Relatório Brundtland, é estimular a transição para o Desenvolvimento Sustentável, produzindo mais com menos recursos, desenvolvendo e adotando tecnologias limpas e 24 transferindo esses conhecimentos às suas filiais nos países em desenvolvimento. Assim, uma empresa pode ser considerada sustentável se atender aos critérios de ser economicamente viável, ocupando uma posição competitiva no mercado, e produzindo de modo que não agrida o meio ambiente, contribuindo, portanto, para o desenvolvimento social da comunidade onde se encontra. Foi nesta década, nos anos de 1980, que as empresas começaram a perceber que era possível melhorar a eficiência, a produtividade e reduzir o impacto ambiental através da prevenção da poluição (ABREU, 2001). Em 1992, foi realizada, no Rio de Janeiro, a Eco – 92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, evento bastante representativo que contou com a presença de mais de 100 chefes de estado e representantes de 170 países, e também com ampla cobertura da mídia nacional e internacional, consolidando a preocupação ambiental como um problema global. Na conferência, foi apresentado que os problemas ambientais estão intimamente ligados às condições econômicas e à justiça social, razão pela qual se discutiu a necessidade de integrar em equilíbrio as questões sociais, ambientais e econômicas de forma a perpetuar a vida no planeta (BARELLI, 2009) Nesse encontro, foi criada a “Agenda 21”, um documento que, segundo Teixeira (2008), pode ser considerado um dos documentos mais importantes da ECO-92. Representando um compromisso político dos países participantes de agir em cooperação e harmonia em busca do desenvolvimento sustentável, reúne um conjunto de premissas e recomendações sobre como as nações devem agir para atingir o objetivo de sustentabilidade. As metas estabelecidas no documento são resultado da integração das preocupações ambientais e com o desenvolvimento, de forma a elevar o nível de vida e bem-estar de todos, juntamente com melhor gerenciamento dos ecossistemas. A mídia desempenhou um forte papel na divulgação da crise ambiental fazendo com que os consumidores se sentissem responsáveis e com poder de interferir, partindo para um ambientalismo dirigido pelo valor, ou seja, com consumidores desejando que as empresas trabalhem com base em valores 25 ambientais, tendo como resultado o crescimento das vendas de produtos ambientalmente corretos (ABREU, 2001). Em 1997, foi realizado o encontro de Kyoto, onde foi discutida a necessidade de serem reduzidas e taxadas as emissões de dióxido de carbono (CO2) dos países desenvolvidos para evitar o efeito estufa, o que vem ainda gerando bastante discussão por haver discordância entre eles. Em 2002, foi realizada na cidade de Joanesburgo, África do Sul, uma nova conferência global, a “Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável” ou (Rio +10). Realizado uma década depois da Eco 92, este encontro reuniu chefes de estado de mais de 104 países, Organizações não governamentais, ONGs, representantes do setor industrial e outros segmentos. Visando dar continuidade às propostas do evento anterior, reafirmou os compromissos da Agenda 21 e adotou a Declaração de Joanesburgo para o Desenvolvimento Sustentável e o Plano de Implantação para a realização do objetivo efetivo de desenvolvimento sustentável. (BARELLI, 2009; SILVA, 2006) Como pode ser constatado no encontro, as propostas apresentadas na Rio-92 não se realizaram e muito pouca coisa foi feita: apenas 40 países cumpriram as intenções acordadas em 1992. As emissões de carbono, responsáveis pela mudança climática e aquecimento global, cresceram 10%, bem como o consumo global de combustíveis fósseis. Somente Alemanha, Inglaterra e Luxemburgo mantiveram estável a emissão de gás carbônico. Os desastres se tornaram maiores: mais animais ameaçados de extinção, 2,4% a mais de florestas degradadas, ar e água mais escassos. (ALVES, 2002) No final da Rio +10, o documento final aprovado, desagradou os países em desenvolvimento e os representantes das ONGs, pois não contém nem os instrumentos necessários para agir contra a pobreza, nem para proteger o planeta da autodestruição. (ALVES, 2002) A Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, ou COP 15, como ficou conhecida, foi realizada em 2009 em Copenhagen, na Dinamarca e foi uma das mais significativas em número de dirigentes globais, depois da Rio 92, além da grande mobilização civil. (ABRANCHES, 2010) Para Cruz e Bodnar (2010), o COP 15 foi um grande fracasso. Após dias de trabalho, a declaração resultante do evento não apresentou metas claras de 26 corte na emissão de gases geradores do efeito estufa, o que seria um novo tratado que viria substituir o Protocolo de Kyoto, que expirará em 2012. As divergências entre países ricos e pobres sobre as obrigações de cada parte foram o principal obstáculo. Em 2010, foi realizada em Cancun, México, a COP 16. Na conferência, os mais de 190 países participantes, com exceção da Bolívia, adotaram um princípio de acordo pelo qual adiam o segundo período de vigência do Protocolo de Kyoto e criam uma espécie de Fundo Verde, um mecanismo para que os países ricos ajudem financeiramente os mais pobres na luta contra as mudanças climáticas. Rosa (2010), entretanto, considera os resultados do evento medíocres, terminando sem grandes avanços. Além de bloquear a definição do segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, postergando a decisão para a COP 17, e, embora se reiterando o limite de 2º C no aumento da temperatura global até o fim do século, não foi estabelecido como isso poderá ser obtido, já que nenhuma meta foi definida. A tabela 1 nos mostra os principais acontecimentos e eventos mundiais que discutiram a problemática ambiental e a elevaram a um patamar global. 27 Tabela 1 – Cronologia dos principais acontecimentos relacionados à questão ambiental ANO ACONTECIMENTO Década de 1960 1962 Publicação do livro Silent Spring (Primavera Silenciosa, de Rachel Carlson 1965 Surgimento da expressão Environmental Education (Educação Ambiental) na Conferência de Educação da Universidade de Keele, Grã Bretanha 1968 Conferência da Biosfera, realizado na França pela UNESCO 1968 Fundação do Clube de Roma Década de 1970 1970 Implementação do Programa MAB pela Unesco 1971 Criação do Greenpeace 1972 Publicação do Relatório Os Limites do Crescimento, pelo Clube de Roma Conferência de Estocolmo, Suécia 1975 Conferência de Belgrado Programa Internacional de Educação Ambiental – PIEA 1978 Surge a certificação ambiental, na Alemanha Década de 1980 1983 Criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente - CMMAD ou Comissão Brundtland 1987 Divulgação do Relatório Brundtland - Nosso Futuro Comum, base do conceito de Desenvolvimento Sustentável Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio 1989 Declaração de Haia, preparatório da Rio-92, aponta a importância da cooperação internacional nas questões ambientais Década de 1990 1990 ONU declara o ano como o Ano Internacional do Meio Ambiente 1992 Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio-92 (ECO 92) Criação da Agenda 21 Carta Brasileira de Educação Ambiental, MEC 1996 Editada a norma ISO 14000, que trata do sistema de gestão ambiental para as empresas Editada a norma ISO 14040, que trata da Análise do Ciclo de Vida de produtos 1997 Conferência Rio+5, em Nova Iorque Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sustentabilidade: Educação e Conscientização Pública para a Sustentabilidade, Thessaloniki, Grécia Década de 2000 2002 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo, África do Sul, onde foi elaborado o Plano de Implementação 28 2005 O Tratado de Kyoto entra em vigor oficialmente 2007 Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Bali, Indonésia 2009 COP15 - 15ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre as Mudanças do Clima, em Copenhagen, Dinamarca 2010 COP16 - 16ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU sobre as Mudanças do Clima, em Cancun, México Fonte: adaptado de Arruda (2009) Entender a problemática ambiental é muito mais fácil que encontrar soluções efetivas para resolver as questões levantadas pelo tema. Trata-se de um longo caminho ainda a ser percorrido, com muitas variantes e personagens envolvidos. Para Manzini e Vezzoli (2002), a conscientização ambiental tem levado a discussões e a reorientações de novos comportamentos sociais, sensibilizando as pessoas quanto às suas escolhas. A sociedade deverá passar por um período de transição, um grande e articulado processo de inovação social, cultural e tecnológica, focalizando a multiplicidade de caminhos de forma a evitar um colapso ambiental. Essas discussões têm levantado questões sobre consumo de forma mais consciente e levado empresas de todo o mundo a repensarem seus modos de produção, produtos e serviços, de forma a conquistar um novo mercado em expansão, o mercado verde. 2.1.2 Consumo e Sociedade O dicionário Michaelis define o consumo como gasto, uso, despesa. Baudrillard (1991) lembra que todas as sociedades desperdiçaram, gastaram e consumiram muito além do realmente necessário, já que, segundo o autor, “... é no consumo do excedente e do supérfluo que, tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver.” (1991, p. 38) A cultura do consumo, na economia clássica, tem como objetivo a expansão da produção, gerando acumulação material e satisfação das necessidades. Featherstone (1995), porém, analisa que o consumo não deriva apenas da produção, envolvendo também questões culturais e simbólicas: “... as pessoas usam as mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer 29 distinções sociais” (p. 31). Para o autor, a lógica do consumo não se vale apenas de bens materiais, mas também de signos; estruturados de forma a demarcar relações sociais. Hoje em dia, as pessoas, em maior ou menor grau, associam níveis elevados de consumo a bem-estar e sucesso, e encontram satisfação e reconhecimento social através de seu consumismo. Para Baudrillard (1991), o consumo é um poderoso elemento de dominação social e um campo social estruturado, onde os bens de consumo transitam de um grupo de elite para as demais categorias sociais, sempre em movimento descendente; pois, segundo o autor, “... nenhuma necessidade emerge espontaneamente do consumidor de base: só terá de aparecer no “standard package” das necessidades se já tiver passado pelo “select package”. (p. 61) Atividade banalizada hoje em dia, o consumo está enraizado na nossa sociedade, sem ao menos nos darmos conta de seus efeitos. Kazazian (2005, p.19) nos adverte: “a sociedade de consumo vive na cadência dessa renovação, insaciável e inconstante.” O autor se refere à busca incessante do consumidor, que é levado a esquecer o presente e a projetar desejos futuros, gerando um ciclo vicioso, já que o desejo é rapidamente saciado. Otte (2008) alerta para o fato de que atualmente, devido aos efeitos da globalização, novos ideais de consumo se espalham rapidamente pelo mundo, gerando novas “necessidades” e tornando obsoletos os bens de consumo com uma velocidade cada vez maior. O consumo desenfreado, com um tempo de utilização cada vez mais curto dos produtos, motivado seja por necessidade, pela obsolescência planejada, por posição social, entre outros motivos, é responsável pelo sucateamento, aumento do volume do lixo, poluição e outros problemas ambientais. Apenas para ilustrar a que nível está o consumo mundial, segundo Assadourian (2010), em 2006, em todo o mundo as pessoas gastaram US$ 30,5 bilhões em bens e serviços. Esses números incluem, obviamente, gastos com necessidades básicas como moradia e alimentação, por exemplo; porém, com o aumento da renda da população, as pessoas passam a gastar mais em bens de consumo e a aumentar suas necessidades: casas maiores, carros 30 mais potentes, televisões que mais parecem telas de cinema, computadores, celulares, viagens. “Só em 2008, pessoas no mundo todo compraram 68 milhões de veículos, 85 milhões de geladeiras, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhão de telefones móveis (celulares).” (2010, p. 4) Já é fato indiscutível que é não é possível que produção e consumo prossigam no mesmo ritmo atual, sob o risco de um colapso ambiental. A demanda por recursos vêm crescendo de tal forma que a natureza não consegue mais absorver. Estudos recentes da United Nations Environment Programme (UNEP) indicam que uma sociedade sustentável deva consumir somente 10% dos recursos que usamos hoje em dia. Mudanças dessa ordem são dificílimas de serem implantadas a curto prazo, pois envolvem complexas questões culturais, econômicas e sociais. Para Castro e Oliveira (2008), os bens de consumo são resultado da cultura material na qual o design está intimamente ligado, já que consumir um produto é também consumir design e, com isso, realizar sonhos, desejos e estilos de vida. O design, portanto, enquanto participante do processo de planejamento e desenvolvimento da cultura material, tem, muitas vezes, contribuído para a aceleração do processo de obsolescência dos produtos e criação de “necessidades” e desejos; porém, também pode atuar na direção oposta, na qual participa do gerenciamento da obsolescência de forma a criar padrões de consumo e produção mais sustentáveis (OTTE, 2008). Denis (2000) nos coloca que o dilema do designer na era pós-moderna é justamente conseguir conciliar o problema ambiental com o econômico, pois não se pode simplesmente parar a produção e consumo, muito menos dar continuidade a este ritmo, insustentável a longo prazo. Assim, surge então o conceito de consumo consciente. Trata-se de uma nova forma de consumo, na qual se levam em consideração os impactos provocados pelo ato, com foco na sustentabilidade. Neste modelo, o consumidor busca equilibrar a sua satisfação pessoal e a sustentabilidade do planeta, baseado no modelo de desenvolvimento sustentável, ou seja, de forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável; a fim de 31 promover uma melhoria na qualidade ambiental sem detrimento da qualidade de vida. Para que tal mudança de fato ocorra, é necessário conhecimento para tomar as decisões corretas na hora da compra e no comportamento do uso e descarte, o que envolve também uma profunda mudança cultural. Já existem no Brasil ONGs e institutos preocupados em orientar o consumidor, disponibilizando ferramentas e guias de compra que podem auxiliá-los em suas escolhas, de acordo com os princípios de sustentabilidade. Pode-se citar como exemplos o Instituto AKATU, o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (GVces), Instituto Ethos, entre outros. O Instituto Akatu (2010) define o consumidor consciente como aquele que busca o equilíbrio entre a sua satisfação pessoal e a sustentabilidade do planeta, reflete a respeito de seus atos de consumo e como eles irão repercutir sobre as relações sociais, a economia e a natureza. Para tanto, um consumidor consciente deve basear sua ações em atitudes e comportamentos. Suas atitudes refletem seu grau de adesão a valores, conceitos e opiniões sobre o papel dos consumidores e das empresas a estas questões; já seu comportamento está ligado à prática cotidiana de ações ligadas ao consumo e que geram impacto no meio ambiente, na economia, no bem-estar pessoal e na sociedade em geral. Atitude sem comportamento de consumo torna-se apenas idéias e teorias; ao mesmo tempo em que, práticas de consumo em razão de alguma imposição externa (por força de ações legais, econômicas, sociais, entre outras) podem ser limitadas, caso estas pressões se encerrem. O Instituto Akatu divide o consumidor brasileiro em quatro grupos, de acordo com seu grau de consciência de consumo. Esta segmentação baseia- se em treze comportamentos de consumo e seus impactos na sociedade, economia e meio ambiente. São eles: Indiferentes; Iniciantes; Engajados; Conscientes. 32 O gráfico a seguir mostra a representação desses consumidores no Brasil nos anos de 2006 e 2010. 2006 2010 Figura 1 – Segmentação de consumidores de acordo com grau de assimilação do Consumo Consciente Comparando-se os resultados de 2006 e 2010, percebe-se um aumento de 12 pontos percentuais no grupo classificado como indiferentes, passando de 25% para 37%. Este aumento pode ser explicado, principalmente, por questões econômicas relacionadas ao crescimento da classe C, aumento de renda e maior acesso ao crédito. Estas condições favoráveis levam um grande contingente de pessoas a ter acesso ao consumo, quando, em um primeiro momento, é mais difícil a adoção de comportamentos de consumo de forma mais consciente e sustentável. A porcentagem dos mesmos 5% de consumidores conscientes representa, para o Instituto, um aspecto positivo, já que no período houve uma explosão de consumo no país; o que comprova o fato de que, ao adquirir este grau de engajamento e consciência, estes consumidores tendem a preservar suas convicções e comportamentos. Considerando-se, ainda, que ao longo do período a população das regiões em estudo aumentou, o percentual estável 5 5 28 23 42 35 25 37 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Indiferentes Iniciantes Engajados Conscientes 33 representa, de fato, um crescimento no número total de consumidores, da ordem de, aproximadamente, 500 mil consumidores. 2.1.3 Ecodesign Frente aos enormes problemas ambientais que vivemos – exaustão de recursos naturais, poluição do ar, da água, volume de lixo, mudanças climáticas, só para citar alguns - fica a dúvida de como atender as necessidades atuais de quase sete bilhões de pessoas do planeta, sem comprometer as necessidades das futuras gerações, princípio básico do Desenvolvimento Sustentável. Com a problemática ambiental tão em evidência atualmente, fica claro que mudanças nos paradigmas atuais de produção e consumo, assim como na relação homem-meio ambiente são urgentes e necessárias e todos – governo, empresas e indivíduos - precisam passar a considerar aspectos ambientais em suas ações. (RAMOS, 2001) O design criou propostas específicas no sentido de conter este processo de deterioração ambiental (MACIEL e BECHELLI, 2009), já que este se encontra diretamente ligado à produção e aos processos em geral. Por meio de pressões governamentais e dos próprios consumidores, empresas e designers são, então, obrigados a repensar produtos e produção, dando mais atenção aos aspectos ambientais; fazendo surgir um novo enfoque projetual, com ênfase em melhor performance ambiental: Design para o Meio Ambiente ou Ecodesign. Este termo surgiu em 1971, apresentado pela primeira vez por Victor Papanek, no seu livro intitulado Design for the Real World – Human Ecology and Social Change, dando início às dicussões sociais e ecológicas no campo do design. Segundo Papanek (1984), a base de toda a atividade humana é o design, cujo profissional é carregado de responsabilidade moral e social, devendo se preocupar em responder as reais necessidades do homem, sem deixar de levar em conta com as conseqüências da produção, uso e descarte do objeto. 34 Assim, sendo necessárias mudanças, é proposto um novo modelo de fabricação e consumo, buscando o equilíbrio entre a produção e meio ambiente; sendo que o produto deve ser pensado em todas as etapas, ou seja, desde a extração da matéria-prima, passando pela produção, transporte, uso e pós-uso (ALCANTARA, 2003). Nesse novo modelo, é importante implantar um modelo que saia do fluxo linear berço-túmulo (fig. 2), para um baseado em berço-berço (fig. 3), ou seja, que considere todas as fases do ciclo de vida de um produto. Figura 2 – Modelo linear de produção Fonte: KAZAZIAN (2005, p.52) Figura 3 – Modelo circular de produção Fonte: KAZAZIAN (2005, p.53) 35 Denis (2000) diz que o dilema do designer na era pós-moderna é justamente conseguir conciliar o problema ambiental com o econômico; e é ao designer que cabe conciliar estes mundos aparentemente tão díspares. Assim, a atuação consciente do designer com outros profissionais, tendo acesso ao conhecimento e tecnologias apropriadas, pode influir na relação até então destrutiva, entre indústria e meio ambiente. Segundo Manzini e Vezzoli (2002), o papel do design industrial é ligar o tecnicamente possível com o ecologicamente necessário, contribuindo para o surgimento de novas propostas que sejam socialmente e culturalmente aceitáveis, por isso uma nova abordagem foi desenvolvida com o intuito de estimular uma mudança nos padrões de produção e consumo atuais e, consequentemente, nos estilos de vida em voga. Já se pode perceber um movimento de governos, empresas e consumidores mais engajados com a causa ambiental em busca de produtos e serviços mais ecologicamente eficientes. Ferreira et. al (2008, p.1) afirmam que a prática do Ecodesign pelas empresas preocupadas com o meio ambiente, “é de vital importância para o sucesso no longo prazo, pois promove vantagem como redução dos custos, menor geração de resíduos, gera inovações em produtos e atrai novos consumidores”. Assim, os eco-produtos refletem um novo paradigma de consumo, em que a maior consciência ambiental traz a reflexão e modificação do conceito de qualidade de vida e do produto (MAINON, 1996). Estes produtos apresentam características diferentes dos produtos tradicionais, incluindo fabricação, transporte, armazenamento, utilização e pós – uso. Cabe aos designers, engenheiros e projetistas a tarefa de reformulação desses produtos, a partir de sua concepção. Epelbaum (2004) nos apresenta as principais definições e conceitos utilizados no design ambiental de produtos, conforme tabela 2 a seguir: O Ecodesign pode ajudar a resolver muitas das questões ecológicas: sendo uma estratégia de início do processo, este vem auxiliar as empresas a reduzirem ao máximo seus impactos ambientais. Neste novo modelo projetual, todas as outras premissas do design são levadas em conta – funcionalidade, estética, ergonomia, qualidades, custos, entre outras, acrescentando-se os aspectos ambientais que tornarão o produto mais ecologicamente correto. 36 Tabela 2: Definições e conceitos utilizados no eco-design de produtos Conceito Definição Design for Environment, Eco-Design, Green Design Projetar e entregar produtos minimizando os impactos ambientais diretos e indiretos em qualquer possível oportunidade (Lewis; Gertsakis, 2001). Design for Sustainability Aquele que contempla as questões sócio- ambientais globais como necessidade de consumo, equidade, ética, impacto social e eficiência total do recurso, além dos objetivos tradicionais do ecodesign (Lewis; Gertsakis, 2001). Aquele que promove a capacidade do sistema produtivo de responder à procura social de bem- estar utilizando uma quantidade de recursos ambientais drasticamente inferiores aos níveis atualmente praticados (Manzini e Vezzoli, 2002). Design for Disassembly Conceber e projetar produtos facilitando sua desmontagem (Manzini e Vezzoli, 2002). Ecoeficiência A entrega de bens e serviços com preços competitivos que satisfazem as necessidades e trazem qualidade de vida, enquanto que reduzem impactos ecológicos e a intensidade do uso de recursos através do seu ciclo de vida, no mínimo em linha com a capacidade de assimilação do planeta (WBCSD, 2006). Desmaterialização Drástica redução de número e da intensidade material dos produtos e serviços necessários para atingir um bem-estar socialmente aceitável (Manzini e Vezzoli, 2002). Biocompatibilidade Uso de recursos renováveis na capacidade de auto-renovação do sistema ambiental, e a reintrodução nesse sistema como resíduos totalmente biodegradáveis (Manzini e Vezzoli, 2002). Life Cycle Design Desenvolvimento ecológico de produtos considerando, em todas as suas fases, o conceito do ciclo de vida (Manzini e Vezzoli, 2002). Ciclo de vida do Produto Estágios consecutivos e interligados de um sistema de produto, desde a aquisição das matérias-primas ou geração de recursos naturais até a disposição final (ISO 14040, 1997). 37 Análise de Ciclo de Vida Compilação e avaliação das entradas, saídas e dos potenciais impactos ambientais de um sistema de produto por meio de seu ciclo de vida (ISO 14040, 1997). Fonte: EPELBAUM (2004, p.59) 2.1.4 Estratégias de Ecodesign Manzini e Vezzoli (2002) sugerem quatro níveis de interferência possíveis de atuação do design na busca de redução dos impactos ambientais, que são: Redesign de produtos existentes levando-se em consideração aspectos ambientais – consumo de matéria-prima, energia, reciclabilidade e reutilização de componentes; Design de novos produtos substituindo os atuais na busca por produtos mais eficientes ecologicamente; Projeto de novos produtos-serviços intrinsecamente sustentáveis; - que correspondam a estilos de vida sustentáveis, promovendo novos critérios de qualidade sustentáveis para o meio ambiente, socialmente aceitáveis e culturalmente atrativos; Proposta de novos cenários ambientais correspondentes a novos estilos de vida. Entre estes, o redesign de produtos existentes é a estratégia mais colocada em prática, já que não exige grandes alterações nos produtos e processos. Porém, embora as duas primeiras estratégias, que são as mais simples de serem colocadas em prática, sejam de grande valia aos impactos negativos no meio ambiente, continuam a promover a fabricação e consumo de produtos. Ramos (2001) aponta que as estratégias usadas no desenvolvimento de produtos, com o objetivo de reduzir a pressão sobre os recursos naturais e reduzir os impactos ambientais causados pela geração de resíduos ao longo da vida dos produtos (processos produtivos, utilização e descarte), podem ser 38 classificados em duas categorias: estratégias de redução e estratégias de extensão da vida útil do produto, dos seus componentes ou dos seus materiais. As estratégias de redução objetivam a redução no consumo de recursos naturais, como matéria-prima e energia, durante todas as fases do produto, bem como a redução de emissões poluentes. A redução no consumo de matéria-prima pode ser conseguida através da simplificação de formas, eliminação de excessos decorativos, diminuição do número de componentes e agrupamento de funções em um mesmo produto, ou seja, produtos multifuncionais. Como, normalmente, o maior consumo de energia de um produto é durante o seu uso pelo consumidor, nem sempre interessa aos fabricantes resolver este tipo de problema. Hoje, felizmente, já contamos com legislação e selos de eficiência energética (no Brasil, PROCEL – Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica) que nos permitem comparar produtos similares e seus respectivos consumos, o que nos dá diretivas para a compra, possibilitando-nos economias significativas. Ainda conforme Ramos (2001), a extensão de vida útil tem como objetivo prolongar o tempo de utilização do produto ou dos materiais nele incorporadas. Para alcançar esse objetivo podem ser usadas no projeto do produto estratégias para o aumento da durabilidade, para facilitar a reutilização do produto, para a remanufatura ou, ainda, para a reciclagem dos materiais que compõe o produto. O desenvolvimento de produtos de curta vida útil tem se mostrado constante, devido à necessidade de baratear produção ou mesmo à obsolescência planejada. Muitas vezes é preferível financeiramente comprar um novo produto, ao invés de repará-lo, o que leva ao descarte do produto danificado. Se, no entanto, durante o projeto, forem previstas facilidades para manutenção e substituição de componentes, isso levará ao prolongamento do tempo útil de utilização do produto. Uma estética ultrapassada também pode comprometer a vida útil dos objetos. Novas intervenções estilísticas e tendências são introduzidas todos os anos, ou até estações, dependendo dos produtos. Portanto, para prolongar a vida útil dos objetos, suas qualidades estéticas, devem ser capazes de 39 permanecer atuais ao longo do tempo, valendo-se da simplicidade de formas e evitando-se acabamentos excêntricos, que logo caem em desuso. A adaptabilidade pode solucionar problemas de defasagem tecnológica, prevendo durante o projeto sistemas modulares que permitam a substituição e atualização de componentes. Assim, as estratégias de redução, em todas as fases do ciclo de vida, e de extensão da vida útil, são algumas das mais utilizadas no processo projetual (RAMOS, 2001; ARRUDA, 2009). A tabela 3 apresenta exemplos dessas estratégias: Tabela 3: Estratégias de redução e extensão de vida dos produtos Estratégias de Redução: Exemplos: Redução do uso de recursos naturais • Simplificação da forma • Agrupar funções • Evitar superdimensionamentos • Diminuir volume • Diminuir peso • Diminuir uso de água • Usar materiais abundantes Redução do uso de energia • Reduzir energia na fabricação • Reduzir energia na utilização do produto • Reduzir a energia no transporte • Usar fontes de energia alternativas Redução de resíduos • Usar materiais reciclados, • Usar materiais vindos de fontes abundantes • Evitar material que produza emissões tóxicas Estratégias - extensão da vida útil Exemplos: Aumentar a durabilidade • Facilitar manutenção • Facilitar substituição de peças • Incentivar mudanças culturais (p. ex.: descartável x durável) Projetar para o reuso • Na mesma função • Em outras funções Projetar para a remanufatura • Facilitar desmontagem • Prever atualizações tecnológicas • Projetar intercâmbio das peças Projetar para a reciclagem • Facilitar desmontagem • Identificar diferentes materiais • Agregar valor estético aos materiais reciclados 40 Planejar final da vida útil dos materiais/produtos • Utilizar materiais biodegradáveis em produtos de vida útil breve, • Utilizar materiais que possam ser incinerados para a geração de energia sem que produzam emissões tóxicas. Fonte: RAMOS (2001, p. 61) Para decidirmos a melhor estratégia a ser empregada, é necessário identificar em qual fase ocorrem os maiores impactos ambientais, em cada fase do seu ciclo de vida, de modo que os custos sociais, ambientais e econômicos possam ser avaliados. Uma ferramenta de grande ajuda nesta decisão é a Análise do Ciclo de Vida (ACV). Desenvolvida na década de 1970, trata-se de uma abordagem berço ao berço, avaliando os impactos ambientais ao longo de toda vida útil do produto. Abrange desde a extração de matéria-prima, fabricação e produção, distribuição, transporte, uso pelo consumidor e ainda descarte e resíduos resultantes deste processo, quantificando o uso de energias, recursos e emissões de poluentes (MAINON, 1996). Nesse conceito de berço ao berço os resíduos se tornam matéria prima para um novo produto, de qualidade igual ou superior ao original, sem que, necessariamente, tenha a mesma aplicação que o produto original (MCDONOUGH E BRAUNGART, 2002). Assim, o conceito de ecoefetividade é proposto pelos autores, baseando-se no ciclo completo da natureza, pois trata as matérias como nutrientes perpétuos, como ocorre com os organismos vivos. Os autores ainda propõem cinco premissas para se alcançar a efetividade. São elas: ausência de produtos tóxicos conhecidos (como cádmio, mercúrio, chumbo, benzeno, cromo, entre outros); escolha de matérias-primas menos agressivas ao meio ambiente e ao ser humano; inovação na escolha de matérias-primas com menor impacto social e ambiental; busca pela eficiência e qualidade; e reinvenção para garantir efeitos reais e positivos para o meio ambiente. Para Annes (2005) a ACV tem relação direta com o Ecodesign, já que permite a comparação e a escolha entre duas ou mais opções que causem menos impacto ao meio ambiente. 41 Os impactos ambientais são dados pelas entradas e saídas geradas no seu ciclo de vida. A identificação destas entradas e saídas é parte obrigatória de uma ACV. Consideramos as entradas como as de matérias, energias e saídas como emissões poluentes no ar, água e resíduos sólidos, bem como ruídos, vibrações, radiação, entre outros. Kazazian (2005), mostra-nos os processos no desenvolvimento de produtos ambientalmente corretos, na figura 4, nos na qual chama de processo de “ecoconcepção”: “Trata-se de uma abordagem que consiste em reduzir os impactos de um produto, ao mesmo tempo que conserva sua qualidade de uso (funcionalidade, desempenho), para melhorar a qualidade de vida dos usuários de hoje e amanhã” (2005, p. 36) Figura 4 – Roda de ecoconcepção Fonte: KAZAZIAN (2005, p.37) Para ganhos efetivos, porém, a fim de promover uma transição para uma sociedade verdadeiramente sustentável, é necessária uma mudança radical da 42 economia baseada na fabricação de bens e consumo para a uma economia baseada em padrões de consumo desmaterializado, sendo o Sistema Produto Serviço, ou PSS (do inglês Product-Service System), um destes elementos (UNEP). Nesta perspectiva, a sociedade passará de um modelo em que o bem- estar e a saúde econômica são medidos segundo o crescimento da produção e consumo para uma em que o consumo e a produção de bens materiais sejam menores, mas que ainda seja possível viver melhor (MANZINI e VEZZOLI, 2002). Assim, ainda segundo os autores, nesta economia sustentável as empresas não dependam da produção e venda de produtos, mas sim de seus resultados, por exemplo, não da venda de automóveis, mas de mobilidade; não de aspiradores de pó, mas de limpeza. Esta estratégia, no entanto, é de difícil aplicabilidade, já que depende de profundas transformações na sociedade e no seu modo de consumo. Manzini e Vezolli (2002) dizem que os designers não detêm o poder de impor (através de leis) nem convencer (através de considerações morais) novos comportamentos. Entretanto, podem oferecer soluções que os usuários possam reconhecer como melhores aos anteriormente oferecidos, valorizando os anseios que vão ao encontro de um comportamento sustentável. Assim, o designer pode atuar como agente colaborador na busca de soluções mais sustentáveis, (ARRUDA, 2009), aumentando o número de possibilidades e oferecendo novas propostas, valores e visões, de forma a tentar influenciar o mundo para que, de fato, caminhemos para uma sociedade sustentável (MANZINI e VEZOLLI, 2002). 2.1.5 Design for x (DfX) No início dos anos 1990, começaram a surgir novas concepções de projetos, vindas, principalmente da Europa e dos EUA. Denominadas DfX (Design for X), onde o X pode ser considerado uma característica a ser maximizada durante o projeto, deram origem a uma série de variações, com foco em destacar uma ou mais qualidades, (Anne, 2005; Venzke, 2002), como podemos observar na tabela 4: 43 Tabela 4: Variações do DfX Df X Dirigido a: A ASSEMBLY (montagem) Facilitar a montagem, evitar erros de montagem, projetar peças multifuncionais. C COMPLIANCE (conformidade) Cumprir as normas necessárias para manufatura e uso, como por exemplo, quantidade de substâncias tóxicas ou biodegradabilidade. D DISASSEMBLY (desmontagem) Possibilitar e facilitar a desmontagem do produto, facilitar a remoção e separação de peças, prever produtos modulados com partes de fácil desencaixe. E ENVIRONMENT (ambiente) ou Eco-Design Diminuir as emissões e os resíduos do produto desde sua fabricação até seu descarte, determinando o ACV do produto. L LOGISTIC (logística) Facilitar o transporte e armazenamento através do gerenciamento direto e reverso de materiais; minimizar embalagens. M MANUFACTURABILITY (processabilidade) Integrar o design do produto com os processos de fabricação, como processamento e montagem. O ORDERABILITY (ordenamento) Integrar o design no processo de manufatura e distribuição de forma a satisfazer às expectativas do consumidor. R(1) RELIABILITY (resistência) Atender condições de operação em condições de ambiente agressivo, como meios corrosivos ou de descarga eletrostática. R(2) RECYCLING (reciclagem) Permitir que partes dos produtos possam ser identificadas, separadas, recuperadas, reusadas. Determinar uso matérias primas recicláveis. Prever redesign, revenda e redistribuição. 44 SL SAFETY AND LIABILITY PREVENTION (segurança e prevenção de falhas) Atender aos padrões de segurança, evitar usos equivocados, prevenção de falhas e de ações legais delas decorrentes. S(1) SERVICEABILITY (utilização) Facilitar a instalação inicial, o reparo e a modificação em campo ou em uso. TESTABILITY (testabilidade) Facilitar a instalação inicial, o reparo e a modificação em campo ou em uso. S(2 SUSTEINABILITY (sustentabilidade) Procurar favorecer a preservação dos recursos social, econômica e cultural de maneira que não cause impactos negativos na sociedade humana nem no meio ambiente. Fonte: TEIXEIRA (2005, p.18) Essas variações de DfX não se excluem ou se bastam individualmente, pelo contrário, se integram e se complementam de forma a buscar um projeto mais completo e ambientalmente correto. O conceito de Ecodesign pode ser considerado bem recente, pois se originou do conceito de Design orientado ao meio ambiente (DfE). Esta concepção e projeto teve início nos anos 1990, devido ao interesse das indústrias eletrônicas dos EUA em buscarem uma forma de produção menos danosa ao meio ambiente. Para tanto a Associação Americana de Eletrônica (AEA - American Electronics Association) formou uma força-tarefa para o desenvolvimento de projetos com preocupação ambiental beneficiando os membros da associação. A partir de então, o interesse pelo tema vem crescendo cada vez mais e os termos Ecodesign e “Design for Environmental” tornaram-se comuns e associados a programas de gestão ambiental e prevenção de poluição. (Fiskel, 1996 apud Venzke, 2002). O DfE apresenta uma proposta importante para modelos de produção sustentáveis, na medida em que combina, adequadamente, o uso, atualização, reúso, reciclagem e deposição de matéria e energia (Arruda, 2009). Sua principal vantagem , ainda segundo a autora, é possibilitar respostas rápidas, auxiliando a tomada de decisões ainda na fase de projeto. 2.1.6 Ecologia Industrial 45 A ecologia industrial vem dar suporte ao desenvolvimento industrial visando à eficiência ecológica, atuando um modelo de projeto sistemático natural, baseado nas relações dos sistemas naturais. Desta forma, busca-se a transformação de um modelo industrial linear para um sistema cíclico, em que matérias-primas, energia e resíduos sejam sempre reaproveitados. Giannetti et. al. (2004) dizem que não existe um consenso para uma definição única sobre ecologia industrial, porém alguns pontos são comuns entre os vários conceitos sugeridos. De acordo com os autores (p.190, 2004), são eles: “ a visão sistêmica das interações entre os sistemas industriais e a biosfera; acompanhamento dos fluxos de material e energia; a redução da demanda por matérias-primas, água e energia e da devolução de resíduos a natureza, com contribuição (trans) multidisciplinar; a transformação de processos lineares (ciclos abertos), em processos cíclicos, visando que os resíduos de um processo possam ser utilizados como matéria prima de outros; um caminho para reduzir o impacto ambiental dos sistemas industriais; ênfase na integração das atividades industriais com o ambiente.” Para Ramos (2001), a ecologia industrial visa à implantação de um ciclo de vida do produto de forma similar aos ecossistemas naturais, tendo como objetivo principal transformar o lixo de um em recursos de outro. Assim, este sistema deixa para trás a demanda e o desperdício individual para atuar de forma mais integrada, na qual o consumo de energia e materiais é otimizado e os resíduos de um processo servem como matéria-prima de outro. A Ecologia Industrial, segundo Pereira et. al. (2007), apresenta três níveis de atuação: dentro da empresa, entre empresas e em escala regional. Giannetti et. al. (2003) considera, entretanto, que a implementação da cooperação efetiva entre empresas seja bastante crítico. 2.1.7 Produção mais limpa (P + L) 46 A P + L difere da ecologia industrial ao priorizar os esforços de redução de impactos ambientais em cada etapa do processo produtivo, isoladamente, considerando a reciclagem externa como uma das últimas opções (Marinho e Kiperstok, 2001). Assim, o principio básico da metodologia consiste em eliminar a poluição durante o processo de produção, não no final. Apesar das diferenças significativas, muitas a consideram como complementares. A UNIDO (United Nations Industrial Development Organization) define o conceito de P + L como sendo a aplicação contínua de uma estratégia econômica, ambiental e tecnológica integrada aos processos e produtos, a fim de aumentar a eficiência no uso de matérias-primas, água e energia, através da não geração, minimização ou reciclagem de resíduos gerados, com benefícios ambientais e econômicos para os processos produtivos. Para Giannetti e. al. (2003) a aplicação de conceitos de Produção Mais Limpa contribui para a diminuição de resíduos e rejeitos gerados e no desenvolvimento de um produto que cause menor impacto ambiental no final de seu ciclo de vida. Dentre os principais benefícios da implantação do programa de P + L nas empresas, destacam-se: Para a produção: Redução no consumo de matéria-prima, energia e água. Redução de resíduos e emissões. Reuso de resíduos de processo. Reciclagem de resíduos. Para os produtos: Redução de desperdícios. Uso de material reciclável para novos produtos. Diminuição do custo final. Redução de riscos. (FIESP, 2009) 2.1.8 Selos e certificações ambientais O surgimento, em muitos países, de um público consumidor mais consciente do ponto de vista ecológico, associado a um maior interesse, por parte de algumas indústrias, em fornecer bens de consumo mais saudáveis ambientalmente, constitui acontecimento significativo que deve ser estimulado. 47 Os governos e as organizações internacionais, juntamente com o setor privado desenvolveram critérios e metodologias de avaliação de impacto sobre o meio ambiente e das exigências de recursos durante a totalidade dos processos e ao longo de todo ciclo de vida dos produtos, que são transformados em indicadores para a informação dos consumidores. Os selos e certificados ambientais servem para classificar os produtos e as empresas de acordo com seu impacto sobre o meio ambiente, fornecendo indicadores para os consumidores, que podem avaliar e levar em consideração esses aspectos na hora da compra; o que torna o selo, segundo Inkotte (2003), um instrumento de comunicação com o público e de auto-promoção. Mainon (1996), acredita que a adesão aos selos caracteriza os países onde os consumidores têm maior sensibilidade ambiental. O primeiro selo verde foi o Anjo Azul (Angel Bleu), criado em 1977 na Alemanha e garantido pelo ministério do meio ambiente. Para se obter o selo, é necessário que os produtos tenham pelo menos uma característica ecológica, a qual é apresentada no texto explicativo junto ao selo, por exemplo, usar menos energia em comparação com outros produtos da mesma categoria. Um dos mais importantes selos verde é o FSC (sigla em inglês para Forest Stewardship Council, que significa Conselho de Manejo Florestal), criado em1993 e presente em todos os continentes. O objetivo do FSC é difundir e facilitar o bom manejo das florestas conforme Princípios e Critérios que conciliam as salvaguardas ecológicas com os benefícios sociais e a viabilidade econômica, sendo os mesmos para o mundo todo. Segundo dados obtidos no site da organização, no Brasil (figura 5), são 5 milhões de hectares, entre florestas naturais e plantadas e 206 empresas certificadas 1. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) possui duas certificações ligadas ao meio ambiente: o Certificado do Rótulo Ecológico ABNT - Qualidade Ambiental (figura 6) e a série ISO 14000. 1 Dados de 2007, disponível em: http://www.fsc.org.br/arquivos/Completo_PV.pdf 48 Figura 5 – Logo FSC Brasil Figura 6 – Logo ABNT – Qualidade Ambiental Fonte: http://www.fsc.org.br Fonte: http://www.abntonline.com.br/rotulo O Certificado de Rótulo Ecológico atesta que um produto está em conformidade com critérios ambientais estabelecidos para uma determinada categoria de produtos, ou seja, identifica os produtos com menor impacto ambiental em relação a outros produtos comparáveis, disponíveis no mercado, e segue os princípios da ABNT NBR ISO 14024. Envolve a certificação de produtos, como produtos mobiliários, têxteis, gráficos, plásticos, eletro-eletrônicos, papel e celulose, de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, entre outros. A série ISO 14000 foi desenvolvida pela International Organization for Standardization (ISO), uma organização não governamental fundada em 1947, integrada por Organismos Nacionais de Normalização, contando com um representante por país. O objetivo da ISO é desenvolver a normalização de atividades relacionadas para facilitar as trocas de bens e serviços no mercado internacional e a cooperação entre os países nas esferas científicas, tecnológicas e produtivas. Trata-se de um conjunto abrangente de normas que fornece à administração dos negócios uma estrutura para gerenciar os impactos ambientais. As normas incluem uma ampla variedade de disciplinas ambientais, como o sistema de gestão básico, auditoria, avaliação de desempenho, selos, avaliação do ciclo de vida e aspectos ambientais em normas de produto. Lançada em 1996, foram adotadas por milhares de organizações no mundo todo, superando as expectativas iniciais. Os sistemas de rotulagem ambiental apresentam algumas limitações. Para Mattana (2002), uma das dificuldades relacionadas à generalização do 49 selo de rotulagem (com exceção da ISO 14000 cujas normas são mundiais) é que os requisitos para sua obtenção variam de país para país, pois “atender aos requisitos para a obtenção de um rótulo ecológico de um país não significa estar de acordo com os requisitos exigidos por outros países”, conforme Ramos (2001, p. 34). Outra limitação também apontada por Ramos (2001) vem da falta de uma graduação para a maioria dos sistemas de selo ecológico. Uma graduação indicando o grau (como o selo da Procel no Brasil, figura 7) em que o produto atende ou não a um requisito ambiental ajuda o comprador a estabelecer comparações. Figura 7 - Selo da Procel Fonte: INMETRO 50 2.2 O DESIGN E A JÓIA 2.2.1 Breve Histórico da Joalheria Segundo Gola (2008), a relação do homem com os adornos pessoais remontam ao período Paleolítico, cujo significado, provavelmente, não era apenas de adorno, mas sim como um “troféu” de caça, representando sua valentia; ou ainda símbolos religiosos. Corbetta (2007) atribui ao desejo de ornamentar-se à busca da afirmação pessoal e de se destacar entre seus semelhantes, desde os tempos mais remotos. Assim, os adornos, segundo a autora, são importantes elementos simbólicos e culturais. Mas foi somente por volta de cinco mil anos atrás, na chamada Idade do Bronze, que se deu início a construção de jóias com ouro e prata juntamente com pedras de cor. A partir de então, estilos diferentes foram surgindo, refletindo aspectos das sociedades: religião, organização social e econômica, guerras, entre outros fatores. Algumas civilizações antigas se destacaram bastante no ofício da ourivesaria, sendo de grande representatividade e bem marcantes a joalheria egípcia (figura 8), mesopotâmica, grega (figura 9), etrusca e romana (figura 10). 51 Figura 8: Bracelete da rainha Ahhotep Figura 9: Broche grego 18ª dinastia egípcia – 1550 – 1525 A.C. Figura 10: Brinco romano - séc. II-III A.C Até o início da Idade Média, por volta do século XIII, a influência bizantina foi muito forte na joalheria européia. A partir de 1200, o desenho das peças foi mudando, bem como as gemas utilizadas e suas lapidações. Outro grande marco do período foi o surgimento de joalheiros especializados bem como de leis reguladoras, procurando evitar falsificações e alterações das características das pedras. (Gola, 2008) Os grandes centros de confecção de jóias ficavam nas cidades de Paris, Colônia e Veneza. A principal técnica decorativa da Idade Média era o esmalte em suas sucessivas formas: cloisonné 2, champlevé 3, translúcido e em ronde bosse 4. O período gótico vem exercer forte influência também na joalheria: as peças tornaram-se mais leves e angulares como também mais espiritualizadas, expressando sua religião e devoção. 2 Técnica de esmaltação onde finíssimos fios de metal são soldados a uma peça formando desenhos em relevo e funcionando como uma divisória de cores para posterior preenchimento com esmalte. 3 Técnica inversa ao cloisonné – nela os desenhos é que ficam em baixo relevo e são preenchidos por esmalte. 4 Técnica de esmaltação que produz pequenas figuras tridimensionais ou relevos, cobertos totalmente ou em grande parte por esmalte. 52 Corbetta (2007) afirma que a joalheria européia, seguindo as outras expressões artísticas, adquiriu grande reconhecimento durante o Renascimento. Novos motivos surgiram da união entre a arte clássica e os temas religiosos da Idade Média, porém, de maneira nova; misturados à mitologia, história clássica e cenas bíblicas. Gola, (2008, p. 69) acredita que “... a arte joalheira alcançou-se a um nível artístico em pé de igualdade aos das Belas Artes, na renovação de motivos e técnicas, o que se deve principalmente ao mecenato.” Exemplos de jóias deste período podem ser vistos nas figuras 11 e 12. Figura 11: Pendente de inspiração mitológica, Figura 12: Pendente religioso aproximadamente 1600 Já no final do século XVI, o estilo do Renascimento se misturou às manifestações barrocas que surgiarm em diferentes momentos em diversos países. Essa mudança gradual no estilo das jóias se deu principalmente por dois fatores. O primeiro era a preocupação com as melhorias no corte das pedras preciosas, enquanto o segundo consistia no interesse pela botânica e floricultura – devido à admiração das novas espécies dos novos “mundos” que estavam sendo descobertos - que se tornaram o tema da moda, espalhando-se por toda a Europa. No século XVII, no Período Barroco, a mudança de estilo é evidente. Foi neste período que os ourives passaram a utilizar em abundância pérolas e gemas, fazendo uso de vazados que tornavam as jóias verdadeiras rendas 53 (CORBETTA, 2007). Exemplos de jóias deste período podem serem vistos na figura 13. As peças da época valorizavam as cores das gemas, favorecendo a evolução das técnicas de lapidação e criando jóias com grande valor estético por suas formas e cores; porém de pouco valor intrínseco (Corbetta, 2007). São característicos deste período os enfeites de cabelo e os pentes, colares com terminações em fita de cetim ou veludo e peças de condecorações usadas pelos homens. Figura 13 – pendentes criados por Gilles l'Égaré, século XVII As jóias do período Rococó eram assimétricas e leves se comparadas com as do período anterior. O esplendor da corte do séc. XVII foi refletido nas jóias. Foram criadas jóias para serem usadas durante o dia, mais leves e com menos pedras e jóias para serem usadas à noite. Os motivos ornamentais de laços, tiras e rolos de papel rococó também tiveram um desenvolvimento considerável. Aproximadamente em 1725, os diamantes brasileiros começaram a ser exportados para a Europa em grande quantidade. As jóias deste período foram feitas e pensadas para valorizar e explorar o corte dos diamantes e de outras pedras preciosas. As formas das jóias barrocas foram substituídas por uma concepção inteiramente diferente, na qual o desenho era feito só de pedras preciosas, enquanto o metal fixador era escondido o máximo possível. 54 A Revolução Francesa empobreceu a Europa. As jóias semipreciosas tornaram-se importantes e grandes quantidades de topázios, ametistas e água- marinhas foram importadas do Brasil e do México. Por volta de 1770, como resultado das descobertas arqueológicas de Pompéia e Herculano, houve um retorno aos motivos clássicos (CORBETTA, 2007). As jóias do período Neoclássico adaptam-se a simplificação do vestir e aos anos de mudança política em toda Europa e América do Norte que se seguiram à Revolução Francesa. A redistribuição da riqueza abriu o mercado de jóias para a classe média e pela primeira vez a produção de jóias alcançou um nível puramente comercial (GOLA, 2008). O crescente gosto pelo luxo, encorajado por um período de prosperidade, baixos impostos e uma sociedade elitizada surgida com o boom da Revolução Industrial, foi expresso pelas inúmeras jóias guarnecidas somente com diamantes, principalmente depois da descoberta das minas na África do Sul em 1868. O uso exacerbado de diamantes mudou o caráter da joalheria da época, que se concentrou principalmente no brilho em detrimento da cor, do design e da expressão de idéias (GOLA, 2008). Além da produção em massa, o século XIX viu o estabelecimento de grandes firmas artísticas comerciais que produziam jóias de alta qualidade para atender as exigências da nova classe burguesa. Uma das mais antigas firmas foi fundada em São Petesburgo por Peter Carl Fabergé, em 1870. Em Paris, no ano de 1898, Alfred Cartier e seu filho Louis fundaram uma firma de jóias de grande refinamento. Por volta de 1850, em Nova Yorque, Charles L. Tiffany produzia pratarias nos Estados Unidos. Outras firmas de alta qualidade fundadas no século XIX foram a Van Cleef e Arpels, em Paris; Bulgari, em Roma; Patek Philippe, em Genebra. No início do século XX, joalheiros como Cartier e Boucheron adotaram um novo estilo, o Belle Epóque, compondo jóias onde a delicadeza das guirlandas, das flores estilizadas e da utilização da platina, era uma reação à banalidade das jóias recobertas por diamantes. A tendência peculiar do século XIX, segundo Corbetta (2007) foi a divisão entre as grandes jóias caras, desenhadas para ocasiões especiais para a aristocracia européia, e as jóias informais ou fantasia, com a intenção de serem usadas diariamente; provocando assim uma clara distinção social. 55 No final do século XIX, joalheiros da corrente Art Noveau, criaram jóias inspiradas nas formas da natureza, com linhas ondulantes e assimétricas e executados com materiais como marfim e chifre de animais, escolhidos mais por suas qualidades estéticas do que por seu valor intrínseco. O movimento Art Noveau foi uma reação contra a imitação dos estilos antigos e à ênfase dada, na criação de jóias, às pedras preciosas, passando a utilizar bronze, vidro, madrepérola e marfim. “Para esses joalheiros, as formas sinuosas da natureza eram suas grandes inspirações. Valorizavam materiais simples, alternativos, criando verdadeiras jóias de arte”. (CORBETTA, 2007, p.31) O grande nome deste movimento foi René Lalique (figuras 14 e 15). Esmalte, marfim, pasta vítrea e vidro gravado eram freqüentemente usados por Lalique para obter efeitos pictóricos e plásticos em suas jóias. Por não serem consideradas jóias “práticas”, o uso rapidamente desapareceu depois da I Guerra Mundial. Figura 14: Broche de René Lalique 56 Figura 15: Broche de René Lalique A Primeira Guerra Mundial causou uma transformação no mercado joalheiro, trazendo um ar de austeridade, com jóias de visual limpo e despojado (CORBETTA, 2007). Com o fim da guerra, uma vontade de esquecer o sofrimento e os anos de privação, foi responsável por um período de exaltação e criatividade. A nova condição da mulher no mercado de trabalho fez surgir uma moda mais prática, e as jóias deste período ficaram mais geométricas e lineares, eliminando os excessos da Art Noveau, como pode ser observado nas figuras 16 e 17. O estilo Art Deco teve seu design associado ao Cubismo, ao Futurismo e à Bauhaus, formando a base para as novas formas usadas nas jóias vanguardistas. Foi dada a preferência por superfícies lisas, polidas e acetinadas de metais preciosos e até mesmo de aço. Diamantes e outras pedras preciosas foram largamente usados, funcionando como acentos cromáticos. Artistas de grande renome internacional também se dedicaram a criação de jóias: George Braque, Max Ernest, Jean Arp, Man Ray, Salvador Dali, Pablo Picasso. 57 Figura 16: Broche, Fouquet Figura 17: Anel Art Deco Baudot (2002, p. 80) afirma que “Durante o entre guerras, a jóia vai de par com as mudanças econômicas e sociais que ocorrem para modificar a aparência feminina.” Assim, neste período, seja valendo-se de matéria-prima preciosa ou não e recorrendo, muitas vezes, à grande simplicidade, a joalheria francesa alcança níveis de excelência (figura 18). Figura 18 – Coco Chanel, com suas famosas pérolas falsas e o bracelete criado por Fulco di Verdura para a Maison Chanel Enquanto na França a influência era a Art Deco e o Cubismo, fazendo uso de materiais como baquelita, esmalte, contas de vidro, entre outros, nos Estados Unidos as jóias fantasias tinham inspiração hollywoodiana. (BAUDOT, 2002). As jóias da década de 1940 receberam o nome de “coquetel”, devido à mistura de temas e inspirações mundiais, cujas formas foram influenciadas 58 pela Art Deco e pela Era Industrial. Influenciada pela crise pós-guerra, a joalheria do período se valeu do trabalho com ouro forjado, criando efeito de pedaços grossos e pesados de metal. Texturas e ouro colorido também foram muito utilizados no período. Gola (2008) acredita que, durante este período, o desenho das falsas jóias e bijuterias influenciou o trabalho nas jóias em metal, rivalizando com a joalheria genuína. Parte disso também se deve ao fato de, com as jóias falsas, as mulheres da classe média poderem adquirir o glamour das divas dos filmes de Hollywood. A joalheria contemporânea começou nos anos 1950, com o trabalho de forma mais artística dos joalheiros: as jóias de autor, que passaram a receber a atenção de galerias, museus e exibições. Para Corbetta (2007), a forma das jóias desse período era mais importante que o seu valor intrínseco, o que permitiu a introdução de novos materiais. Nos anos de 1960, a distinção entre joalheria formal e casual desapareceu, influenciados pelos movimentos de liberdade e experimentação da época (CORBETTA, 2007). Com o alto preço dos metais (ouro e prata), materiais como o plástico passaram a serem usados em larga escala. Os anos 1960 e 1970 sofreram influência da Op-Art e do movimento hippie. Brincos de plásticos em listras brancas e pretas ou de metal pintados de branco brilhante tornaram-se “febre” seguindo o movimento Op-art; influências orientais e étnicas marcaram os acessórios do estilo hippie, no qual a jóia indiana foi a grande inspiração. Ainda na década de 1970, os artistas joalheiros passaram a experimentar novos materiais, como titânio e resinas, tanto por razões estéticas como pelo alto preço do ouro, abrindo caminho para experimentalismos e uma nova estética. A jóia fantasia teve um boom na década de 1980 e o uso de pedras consideradas semipreciosas eclodiu. O tamanho das peças diminuiu, resultante do preço dos metais (CORBETA, 2007; GOLA, 2008). Entretanto, nesta mesma década o espírito romântico volta à joalheria, impulsionado pelo casamento da princesa Diana e do príncipe Charles, que ocorreu em 1981. No final dos anos 1990 e início do novo século XXI, novas formas de pensar a natureza e o papel das jóias foram surgindo. Segundo Gola (p. 130, 59 2008) “O significado e o propósito da jóia para o mundo atual foram redefinidos, e essa redefinição, ao lado das novas tendências, regenera e revaloriza antigas produções.” Neste sentido, Campos (2007), sinaliza a mudança da jóia de um objeto-investimento para um objeto de design, de arte e de consumo, capaz de legitimar o seu tempo. Motivados por novos padrões de consumo e pela dinâmica das tendências, a joalheria renova-se e se mantêm atualizada com seu tempo. Corbetta (2007) acredita nas últimas décadas não houve predomínio de um estilo, mas uma explosão de conceitos e materiais para gostos e padrões financeiros diversos. “Vale aquilo que satisfaz quem o usa.” (CORBETTA, 2007, p.80) 2.2.2. Breve Histórico da joalheria no Brasil Até os primeiros séculos após o descobrimento do Brasil, as poucas e raras jóias usadas por aqui refletiam o que era usado na Europa, já que vinham do velho continente. Com o inicio das expedições dos Bandeirantes pelo interior do país, no século XVIII, houve a descoberta de minas de ouro e gemas preciosas como diamantes, topázios e esmeraldas. O Tratado de Methuen em 1703, entre Portugal e Inglaterra, estabelecia que a primeira fosse abastecida com produtos têxteis, pagos com o ouro brasileiro; o que, de certa forma estimulou a Revolução Industrial e colocou o Brasil em atraso quanto ao desenvolvimento industrial. Magtaz (2008) observa que o surgimento de uma joalheria brasileira original começa a se manifestar devido ao grande número de ajudantes escravos ou negros libertos nas oficinas. Muitos deles aprenderam com os mestres europeus as diversas expressões artísticas do estilo Barroco e, juntamente com o seu repertório cultural africano, bem como o domínio da metalurgia, produziram interessantes peças de joalheria. A partir de então, ainda segundo a autora, os ourives nacionais passam a criar objetos considerados típicos, principalmente pencas de balangandãs com significados mágicos, amuletos e talismãs. 60 As jóias crioulas baianas tiveram um papel importante na joalheria brasileira, nos séculos XVIII e XIX, usadas pelas escravas e negras livres de Salvador e Recôncavo Baiano, burlando as determinações vigentes que restringiam o luxo às camadas ricas da sociedade (Magtaz, 2008). Produzidas através de técnicas de fundição introduzidas pelos negros malês, simbolizavam as ferramentas dos Orixás, as figas, objetos corporais femininos e outras jóias representando entidades divinas nas danças ritualísticas, conforme exemplo da figura 19. Figura 19 – Penca de balangandãs. Bahia, século XVIII Por volta de 1730, a joalheria européia se volta ao estilo Rococó, porém, no Brasil, as peças continuaram a ser pesadas e adornadas com gemas em profusão, devido à abundancia de pedras e metais disponíveis em solo brasileiro, continuando assim a se basear no estilo Barroco (PEDROSA, 2005). Com o movimento de emancipação do Brasil, as jóias agora produzidas em solo nacional, começam a ganhar características próprias, tendo como temas nossa fauna, flora e o universo indígena; o que ganha ainda mais destaque depois da Independência, quando também entram temas que façam alusão às cores da nova bandeira e aos símbolos do novo Império. O mesmo aconteceu com a República, onde os novos símbolos passaram a adornar as peças exaltando o novo status alcançado. 61 Magtaz (2008) lembra que nos primórdios do século XX, e até então, tudo que era considerado elegante vinha da Europa, e na joalheria não era diferente. A joalheria brasileira daria um novo salto por volta da década de 1920, durante o Movimento Modernista (figura 20), inspirada pelas mudanças artísticas e político-sociais do período em questão e utilizando de gemas nacionais. Figura 20 – Anel Clitemenestra, Di Cavalcanti Na década de 1940, segundo Magtaz (2008), dois joalheiros, que viriam a se tornar grandes nomes da joalheria brasileira, passam a acreditar no potencial das cores das pedras brasileiras. São eles Hans Stern (que deu origem à empresa H. Stern) e Jules Roger Sauer (da empresa Amsterdam Sauer). Entre as décadas de 1950 a 1970, o foco da joalheria brasileira passa a ser a utilização de gemas coradas, com foco no consumidor externo e turistas, já que a valorização de tais gemas era muito maior por parte do público estrangeiro (Campos, 2007). Na década de 1960 surgem novas joalherias, com expansão do setor. A indústria brasileira nasce de empresas familiares, situadas no centro das grandes cidades e com foco no atendimento pessoal (Magtaz, 2008). Entretanto, na década de 1970, fora da esfera da joalheria industrial, nomes como Caio Mourão, Bobi Stepanenko, Reny Golcman (figura 21) e, mais adiante, Miriam Mamber e Miriam Korolkovas começam a despontar na joalheria artística e conceitual e, segundo Llaberia (2009), passam a produzir 62 peças com caráter de pesquisa e reflexão em relação aos tradicionais padrões da joalheria. Figura 21 – Colar, Reny Golcman Exposições de jóias passaram a fazer parte do circuito das artes, atraindo arquitetos, artistas plásticos e paisagistas de renome, como Lina Bo Bardi, Burle Marx, entre outros anônimos nos cursos livres e escolas de joalheria em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (Magtaz, 2008). O reconhecimento da jóia brasileira na década de 1970 atraiu olhares da Europa, invertendo o processo natural da moda até então. Clementina Duarte e Caio Mourão criaram coleções exclusivas para Pierre Cardim (figuras 22 e 23). Figura 22 – Colar, Clementina Duarte Figura 23 – Colar, Clementina Duarte 63 Gola (2008) considera que até os anos 1980 as jóias produzidas no Brasil seguiam as tendências das jóias internacionais, porém de baixa diferenciação em design ou ainda se valendo de cópias destas peças. Da mesma forma que em outras áreas do design, a grande transformação da joalheria brasileira se deu no final dos anos de 1990, impulsionada pela abertura econômica que trouxe consigo a necessidade de investimentos em tecnologia e design, para garantir a competição com o novo mercado globalizado. Atualmente, a joalheria brasileira ganhou representatividade no mercado mundial, que a valoriza por suas características próprias, antenadas com as tendências globais de moda e consumo, e com um toque de brasilidade. Não invocando a cultura brasileira de forma piegas e literal, mas com capacidade de transmitir a alegria de seu povo com o colorido de suas gemas e de materiais naturais, e a jovialidade e sensualidade através do design criativo de seus profissionais. 2.2.3 O Design e a Atuação do Designer Design é, nos dias de hoje, um termo muito citado, porém ainda não tão compreendido em relação à sua definição, a abrangência da área e daquilo de que se trata realmente o trabalho do designer. Diversos autores já se debruçaram sobre o significado da palavra design 5, entretanto, a definição do conceito, a visão do trabalho do designer e dos objetivos da área passaram por mudanças inúmeras vezes, geralmente baseado em pressuposições filosóficas existentes em cada época e na ideologia e valores de cada autor. De maneira geral, o design pode ser caracterizado como a solução de problemas, de forma projetual com vistas à produção industrial (LOBACH, 5 A pala