UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA MARCELA CORRÊA TINTI DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE EM UMA PERSPECTIVA COLABORATIVA: A INCLUSÃO ESCOLAR, AS TECNOLOGIAS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA Presidente Prudente 2016 MARCELA CORRÊA TINTI DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE EM UMA PERSPECTIVA COLABORATIVA: A INCLUSÃO ESCOLAR, AS TECNOLOGIAS E A PRÁTICA PEDAGÓGICA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de Presidente Prudente, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Área de concentração: Educação Linha de Pesquisa: Processos formativos, ensino e aprendizagem. Orientador: Prof.ª Dr.ª Elisa Tomoe Moriya Schlünzen Presidente Prudente 2016 FICHA CATALOGRÁFICA Tinti, Marcela Corrêa. S--- Desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva colaborativa: a inclusão escolar, as tecnologias e a prática pedagógica. Marcela Corrêa Tinti. - Presidente Prudente : [s.n], 2016 --- 216f. : il. Orientador: Elisa Tomoe Moriya Schlünzen Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Desenvolvimento Profissional Docente. 2. Inclusão Escolar. 3. Trabalho Colaborativo. 4. Espaços Digitais Abertos. I. Schlünzen, Elisa Tomoe Moriya. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva colaborativa: a inclusão escolar, as tecnologias e a prática pedagógica. TERMO DE APROVAÇÃO DEDICATÓRIA Para João Pedro e Tiago, minha família, meu porto seguro, que complementam meu olhar sobre o mundo. Para Derci e João, amados pais, e meus queridos tios Hélio (in memória) e Edvaldo (in memória), pela inspiração e sonhos. AGRADECIMENTOS Uma jornada inesperada. Talvez fossem necessários mais conceitos para descrever o que vivi. Pensei inúmeras vezes como apresentaria esta escrita, para transcrever os reais e sinceros sentimentos, e para agradecer de forma digna todos os que participaram da minha vida e que agregaram valor de importância às experiências. Entretanto, confesso que temi esquecer alguém, justamente aquele alguém que em um momento específico foi o diferencial. Assim, prefiro me ausentar da formalidade e do padrão vigente de nomeações, e agradecer, da maneira que melhor encontrei, neste espaço íntimo, aquilo que realmente me pertence. Este foi um tempo de somatórias, em que encontrei amigos, fomentei colegas e formei família. Por isso agradeço aos meus avós maternos Antônio e Maria Helena (in memorian) e paternos Clério e Isaltina pelo incentivo e credibilidade inabalável durante todo o percurso e percalços. Pessoas fortes, trabalhadores do campo, simples, a quem dediquei minhas primeiras cartas escritas. A família que se formou pelo misto de cultura afrodescendente e europeia, fornecendo a mim um lar. Indiscutivelmente agradeço a família que eu construí, o meu esposo Tiago e meu filho João Pedro, que vivenciaram comigo todo esse processo e que ainda conseguem me amar. Aos amigos do presente, da vida cotidiana, do passado, e todos os que um dia me fizeram amar. Amar a vida, amar o ser humano, amar o futuro. As conversas e discussões, as risadas e distrações, os salgados e as cervejas. Nas formalidades do Programa de Pós-Graduação em Educação encontrei uma oportunidade de ser professora, pesquisadora, de reinventar a maternidade; professores que contribuíram para a formação da pesquisa e com os momentos de estudo; professores que acreditaram que eu conseguiria e por quem serei eternamente grata. Há de ser importante mencionar aquela que tem me acompanhado em todos esses anos. Que me permite ser livre, que respeitou o meu tempo (que é longo, eu confesso) e vê em mim muito mais do que eu ainda enxergo. Minha amiga e orientadora Elisa. A dedicação e paciência, virtude máxima, dos professores que compuseram a banca examinadora desse trabalho; ao Programa de Apoio a Educação Especial (PROESP) e a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo financiamento da pesquisa. Nosso grande medo não é o de que sejamos incapazes. Nosso maior medo é que sejamos poderosos além da medida. É nossa luz, não nossa escuridão, que mais nos amedronta. Nos perguntamos: "Quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso e incrível?" Na verdade, quem é você para não ser tudo isso?...Bancar o pequeno não ajuda o mundo. Não há nada de brilhante em encolher-se para que as outras pessoas não se sintam inseguras em torno de você. E à medida que deixamos nossa própria luz brilhar, inconscientemente damos às outras pessoas permissão para fazer o mesmo. (Nelson Mandela - Discurso de Posse – 10 de maio de 1994) RESUMO TINTI, Marcela Corrêa. Desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva colaborativa: a inclusão escolar, as tecnologias e a prática pedagógica. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências e Tecnologias. UNESP/FCT. Presidente Prudente, 2016. Esta pesquisa está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp/FCT e foi desenvolvida com apoio do Programa de Apoio a Educação Especial (Proesp) na linha de pesquisa: Processos formativos, ensino e aprendizagem. Teve por intuito analisar as contribuições de uma proposta de formação continuada para o desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva colaborativa, entre professores da Sala Comum (SC) de ensino e do Atendimento Educacional Especializado (AEE), vivenciada em um espaço digital aberto e flexível. As ações que pautaram a pesquisa basearam-se pelos referenciais teóricos para a formação de professores, perpassando as discussões complementares sobre um espaço educacional democrático e a composição para a prática pedagógica de qualidade. Consolidada na abordagem qualitativa foi desenvolvida a partir dos pressupostos do modelo metodológico colaborativo de pesquisa-intervenção, em que desenvolvemos um curso de formação continuada e em serviço de professores, visando o desenvolvimento profissional dos docentes de um município do interior paulista. O curso compreendeu dois momentos: o primeiro momento aconteceu vinculado ao projeto “Núcleo de Ensino” e tratou das necessidades formativas dos professores do AEE para o uso de tecnologias em ambiente escolar a favor da inclusão escolar. A fim de aproximar das necessidades formativas dos participantes, por meio de encontros presenciais, foram realizadas oficinas temáticas a respeito do uso de tecnologia em ambiente educacional. A partir dos indicativos suscitados neste primeiro momento, que acenderam da realidade escolar sobre as dificuldades encontradas pelos professores do AEE em articular os trabalhos educacionais com os professores SC de ensino fomentaram o segundo momento de formação: um resultado da proposta anterior que considerou como principio a ação colaborativa entre professores do AEE e da SC para discussão e aprofundamento de temáticas que compunham o ambiente escolar. A proposta foi estruturada a partir de encontros presenciais e virtuais, em que utilizamos ambientes digitais abertos, principalmente o Facebook e o Google Drive (GD). Os dados que compõe a pesquisa são oriundos dos questionários, das narrativas escritas dos professores, das atividades no GD e Facebook, bem como dos depoimentos e do grupo de discussão no decorrer do curso. A partir da análise, os resultados e discussão indicam aspectos sobre a propositura de cursos para o desenvolvimento profissional docente, ofertados presencial e virtualmente, que valorizem a prática cotidiana como possibilidade formativa, e que promovam a reflexão do professor durante a concepção da prática pedagógica por meio de ações colaborativas. A partir dos indicativos da pesquisa, ressaltamos como necessidade para elaboração de propostas desse tipo, considerar a realidade escolar em que os professores estão inseridos; compreender as necessidades formativas e as condições do trabalho docente. Com tudo, consideramos que a promoção do desenvolvimento profissional docente, a partir de uma perspectiva colaborativa na construção da prática pedagógica, é um movimento a favor de um olhar profundo às práticas escolares democráticas e inclusivas. Palavras chaves: Formação em Serviço de Professores; Inclusão Escolar; Trabalho Colaborativo; Espaços Digitais Abertos; Desenvolvimento profissional docente. RESUMO – LINGUA ESTRANGEIRA TINTI, Marcela Correa. Teacher professional development in a collaborative perspective: school inclusion, technologies and pedagogical practice. Thesis (Doctorate in Education). Graduate Program in Education of the Paulista State University "Julio de Mesquita Filho" - Faculty of Science and Technology. UNESP / FCT. Presidente Prudente, in 2016. This research is linked to the Unesp / FCT Postgraduate Program in Education and was developed with the support of the Special Education Support Program (Proesp) in the line of research: Training processes, teaching and learning. It was intended to analyze the contributions of a continuing education proposal for professional teacher development in a collaborative perspective, between teachers of the Common Room (CR) teaching and Specialized Educational Assistance (SEA), experienced in an open and flexible digital space. The actions that guided the research were based on theoretical references for a teacher education, passing as complementary discussions about a democratic educational space and a composition for a quality pedagogical practice. Consolidated in the qualitative approach was developed from the presuppositions of the collaborative methodological model of intervention research, in which it develops a course of continuous training and in service of teachers, aiming at the professional development of the teachers of a municipality of the interior of São Paulo. The course comprised two moments: the first stage involved the "Teaching Nucleus" project and addressed the teacher education needs of ESA teachers for the use of technologies in school environment in favor of school inclusion. In order to approach the course needs of the participants, through face-to-face meetings, thematic workshops were built on the use of technology in an educational environment. From the concepts of education and teachers, from elementary and high school, the knowledge acquired are as follows: Collaborative action between teachers of the ESA and the SC to discuss and deepen the themes that made up the school environment. The proposal was structured from face-to- face and virtual meetings on Facebook and Google Drive (GD). The data that make up a research come from the questionnaires, the written narratives of the teachers, the activities in the GD and Facebook, as well as the testimonies and the discussion group during the course. From the analysis, the results and discussions indicate the proposition of courses for professional teacher development, offered in person and virtually, that value a daily practice as possible formative, and also promote a reflection of the teacher during a conception of pedagogical practice. Through collaborative actions. From the research indicators, the requirements for the elaboration of study models, consider a school reality in which the teachers are inserted; Also as conditions of teaching work. Nevertheless, we consider that a promotion of professional teacher development, from a collaborative perspective in the construction of pedagogical practice, is a movement in favor of an in-depth look at democratic and inclusive school practices. Key words: Teacher Education; School Inclusion; Collaborative Work; Open Digital Spaces; Professional Teacher Development. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Atividade 03 do Grupo 2 ................................................................................ 115 Figura 2 Atividade 03 do Grupo 03 .............................................................................. 116 Figura 4 Fluxograma das Oficinas Temáticas .............................................................. 117 Figura 5Página Inicial do Facebook ............................................................................. 141 Figura 6 Nuvem de Tag ................................................................................................ 143 Figura 7 Serviços Google ............................................................................................. 144 Figura 8Funcionalidade do Google Drive e associações de serviços online. ............... 145 Figura 9Mapa mental das relações estabelecidas durante o momento formativo ........ 146 file:///C:/Users/22803989824/Desktop/ARQUIVOS%20TESE%20FINALIZADOS/ULTIMA%20VERSÃO/Arquivo%20Tese%20total.docx%23_Toc447109630 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Levantamento das Necessidades Formativas ................................................. 78 Quadro 2 Processo de Formação Continuada e em Serviço Aberto ............................... 86 Quadro 3 Etapas do Programa de Formação .................................................................. 87 Quadro 4 Resumo do Perfil dos Participantes do Segundo Momento da Pesquisa ........ 93 Quadro 5 As categorias de análise ................................................................................ 102 Quadro 6 Recursos Tecnológicos que os professores utilizavam ................................. 109 Quadro 7 Síntese dos Indicativos para a composição do Primeiro Momento Formativo ...................................................................................................................................... 112 Quadro 8 Necessidades formativas e as concepções dos professores durante o processo formativo ...................................................................................................................... 119 Quadro 9 Organização das Atividades do Curso .......................................................... 131 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AEE Atendimento Educacional Especializado ANA Avaliação Nacional de Alfabetização BIOE Banco Internacional de Objetos Educacionais CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior DCN Diretrizes Curriculares Nacionais DI Deficiência Intelectual E Espaço EPAEE Estudante Público Alvo da Educação Especial FCT Faculdade de Ciências e Tecnologias GD Google Drive HTFC Hora de Trabalho de Formação Contínua HTPC Hora de Trabalho Coletivo Pedagógico IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação P Participantes PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PROGRAD Pró Reitoria de Graduação PISA Programme for International Student Assessment PROESP Programa de Apoio a Educação Especial PROINFO Programa Nacional de Informática na Educação SC Sala Comum TDIC Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação URCA Projeto Um Computador Pro Aluno ONU Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO: .......................................................................................................... 13 1.1 APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 14 1.2 REFLEXÕES INICIAIS .................................................................................................. 18 1.3 EIXOS TEÓRICOS, QUESTÕES E OBJETIVOS DA PESQUISA. ............................................ 26 OBJETIVO GERAL ............................................................................................................ 28 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................................. 28 1.4. ESTRUTURA DA TESE ................................................................................................ 28 2 DELINEAMENTO TEÓRICO DA PESQUISA ....................................................... 30 2.1 SOBRE INCLUSÃO ESCOLAR ....................................................................................... 31 2.2 A ESCOLA QUE TEMOS E A ESCOLA QUE QUEREMOS ................................................... 38 2.3 POSSIBILIDADES PARA ENSINAR E APRENDER ............................................................. 44 2.4 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O MUNDO CONTEMPORÂNEO. ................................. 55 2.41 O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR EM SERVIÇO. ......................... 60 2.5 O USO DAS TECNOLOGIAS PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ................................... 66 3 CAMINHOS E PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS: COMO A PESQUISA SE CONSTITUIU. ............................................................................................................... 75 3.1 O MÉTODO DA PESQUISA: CARACTERIZAÇÃO DE DOIS MOMENTOS DE INTERVENÇÃO. 76 3.2. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DA PESQUISA ............................................................. 87 3.3 CONTEXTO DA PESQUISA ........................................................................................... 90 3.4 PARTICIPANTES DA PESQUISA .................................................................................... 92 3.5 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS ........................................................................ 95 3.5.1 QUESTIONÁRIOS ..................................................................................................... 95 3.5.2 NARRATIVAS .......................................................................................................... 96 3.5.3 GRUPO DE DISCUSSÃO ............................................................................................ 97 3.6 INSTRUMENTOS DE SELEÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ................................................ 98 3.6.1 DIÁRIOS DE CAMPO ................................................................................................ 99 3.6.2 DEFINIÇÃO DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO. ........................................................... 100 3.6. 3 CATEGORIZAÇÃO DOS DADOS E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS .................... 101 4 DESENVOLVIMENTO, RESULTADOS E ANÁLISES. ....................................... 103 4.1AS NECESSIDADES FORMATIVAS DOS PROFESSORES .................................................. 104 4.1.1 ASPECTOS TECNOLÓGICOS: PERCEPÇÕES INICIAIS. ................................................ 105 4.1.2 A FORMAÇÃO PARA LIDAR COM A DIFERENÇA ...................................................... 111 4.2 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DOS PROFESSORES: O PROCESSO REFLEXIVO SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA ..................................................................................... 122 4.2.1 A SISTEMATIZAÇÃO DAS NECESSIDADES FORMATIVAS E A ELABORAÇÃO DO SEGUNDO MOMENTO FORMATIVO. ................................................................................. 123 4.2.2 A SISTEMATIZAÇÃO DAS NECESSIDADES FORMATIVAS .......................................... 125 4.2.3 A ELABORAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO SEGUNDO MOMENTO FORMATIVO ............... 128 4.3 A ESCOLA COMO ESPAÇO PARA A FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS PROFESSORES ................................................................................................................. 135 4.4. O ESPAÇO VIRTUAL DE APRENDIZAGEM: AS REDES SOCIAIS E AMBIENTES DIGITAIS ABERTOS COMO ESPAÇO PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE ............. 139 4.4.1. ESPAÇOS DIGITAIS ABERTOS: O FACEBOOK E O GOOGLE DRIVE .......................... 140 4.4.2. O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE NOS ESPAÇOS DIGITAIS ABERTOS . ...................................................................................................................................... 155 4.4.3. PROBLEMAS, DILEMAS, INTERCORRÊNCIAS E CONFLITOS NO DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA FORMATIVA .................................................................................................. 163 4.5. O EIXO COLABORATIVO DA PROPOSTA FORMATIVA ................................................ 168 4.6 O PAPEL DA PESQUISADORA NA CONSOLIDAÇÃO DA PESQUISA ................................ 176 5 CONSIDERAÇÃO FINAIS ...................................................................................... 180 5.1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA E O DELINEAMENTO DA PROPOSTA ............................ 181 5.2 REFLEXÕES RECORRENTES AO AMBIENTE DE PESQUISA ........................................... 186 5.3 PERSPECTIVAS FUTURAS .......................................................................................... 188 6. REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 192 ANEXOS ...................................................................................................................... 207 APÊNDICES ................................................................................................................ 208 13 Capítulo 1 Introdução: Apresentação e Reflexões Iniciais. As palavras são, na minha não tão humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia. Capazes de ferir e de curar. (J.K. Rowling, 2007). 14 1.1 Apresentação Para nós, este é o fim de todas as histórias, e podemos dizer, com absoluta certeza, que todos viveram felizes para sempre. Para eles, porém, este foi apenas o começo da verdadeira história. Toda a vida deles neste mundo e todas as aventuras (...). Agora, finalmente, estavam começando o Capítulo Um da Grande Historia que ninguém na terra jamais leu: a história que continua eternamente e na qual cada capítulo é muito melhor do que o anterior. (C. S. Lewis, 2009). Existem sonhos que precedem um nascimento. A construção desta trajetória mostrou- se como revelação nos sonhos maternos ainda em gestação. Em uma família em que poucos acessaram as primeiras séries escolares, fui a primeira a concluir a educação básica, a acessar e concluir um curso universitário. É por isso que acredito que este trabalho apresenta em sua essência, os percalços das vivências de exclusão, de inclusão, de superação e dificuldade que presenciei no decorrer da minha vida, em que tomo liberdade de descrever brevemente nessa parte da escrita. Somos formados a partir das relações que estabelecemos, das pessoas que conhecemos e dos ambientes que pertencemos. E hoje, compreendo que essas experiências, apresentadas desde a infância, auxiliou a olhar para a escola e a discutir inclusão. A constituição do nosso espaço escolar nem sempre foi fundamentada no propósito de um espaço comum a todos. E minha primeira vivência na escola me aproximou de circunstâncias que atualmente constituem com uma as temáticas da pesquisa: a inclusão escolar. Ao sobreviver a um parto complicado e com um prognóstico clínico de sequelas neurológicas, aos dois anos de idade fui impossibilitada de ter minha primeira convivência escolar. Para a escola eu não tinha condições de estar ali. Para a escola aquele não era meu lugar. Aos poucos fui percebendo que ser diferente, era um dos primeiros passos para excluir, em que, para ser parte de algo, para ser aceito, era necessário ser igual. Vi e vivi momentos em que a cor da pele e/ou a classe econômica foram elementos que segregavam a participação no grupo escolar. E essas experiências convergiram em uma espiral de atitudes e aprendizagens distintas, que considero compor o meu entendimento sobre sociedade. No desenvolver das atividades de estudo e trabalho durante a adolescência, o vestibular para o curso de Pedagogia aconteceu mediante a isenção do pagamento da inscrição. Oportunidade cedida pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” à Unidade Escolar que eu frequentava; ação que configurou no início da minha vida acadêmica. 15 A universidade mostrou que estudar interligava vários espaços, formais e informais. A licenciatura proporcionou discutir temáticas que antes eu compreendia como pertencentes apenas a minha vida e os estudos estiveram primeiramente na compreensão da minha própria trajetória. As atividades acadêmicas transitaram entre grupo de pesquisa, iniciação científica, aulas, e atividades voluntárias inseridas no contexto escolar sobre temática acerca da democratização do espaço escolar e da estruturação de uma escola pública com ensino de qualidade para todos: o interesse sobre os assuntos relacionados à docência aos poucos configurou um lugar de destaque. Com o término do curso de Graduação iniciei duas atividades: o Mestrado em Educação, e a carreira como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental em uma escola pública municipal. O ambiente escolar mostrou-se complexo e foi a partir das interações, percepções, aprendizagens e questionamentos sobre promover um ensino para todos, que surgiu e foi desenvolvida a pesquisa de Mestrado. Tivemos por intuito contribuir com a ação e reflexão sobre o planejamento pedagógico com uso de tecnologias e perspectivas para a inclusão escolar. Foram analisadas as propostas de Planos de Aula, disponíveis no Portal do Professor 1 , a partir da discussão sobre as concepções do uso das tecnologias no Brasil e uma prática pedagógica inclusiva. Os resultados contemplaram indicadores sobre o uso das tecnologias para o planejamento pedagógico, assim como sobre a composição da estruturação de um plano de aula para todos. As incumbências junto à pós-graduação e a atuação docente foram colocadas em xeque, pois as atividades do programa de pós-graduação exigiam tempo e as escolares também. No impasse, optei pela pós-graduação e iniciei o curso de Doutorado em Educação. O doutoramento configurou-se como um divisor diante as exigências que compreende a concepção de uma tese, pois pensar como se apresentam as necessidades educacionais do país, tem se mostrado uma atividade complexa e dinâmica. Assim como indicar diretrizes para o desenvolvimento da educação em uma sociedade em que primam as desigualdades. Dessa forma, discutir cientificamente sobre educação é antes de qualquer tentativa, pensar a respeito da própria trajetória. Enquanto sujeitos sociais, crescemos vinculados aos processos educacionais, e como estudantes, vivenciamos as práticas de ensino na escola. 1 O Portal do Professor é um repositório digital e gratuito, instituído a partir do Programa Nacional de Informática na Educação, em 2008. 16 Por isso Gatti (2012) e Dalbosco (2014) discorrem que articular as reflexões, atitudes e temáticas às discussões pertinentes ao processo educacional são uma atividade densa, que exige compreensão sobre o desenvolvimento do ser humano que acessou a escola e as expectativas sociais desse pertencimento. Dessa maneira a ação educativa torna-se uma prática complexa e, as pesquisas educacionais, muitas vezes, frágeis. A pluralidade de sentidos da experiência humana não pode ser concebida de uma única perspectiva nem definida de modo uniforme. Sua redução ao empírico compreendido pelo ideal de objetividade próprio ao procedimento metódico-experimental mostra-se muito limitada às pesquisas educacionais. (DALBOSCO, 2014 p.1038). Frente aos aspectos que caracterizam a dificuldade e exigência em se estruturar a composição das pesquisas educacionais, foi necessário considerar que refletir sobre a instituição escolar brasileira é entender a escola como um campo de pesquisa amplo e enigmático, enredado a uma expectativa que excede o ato de aprender e de ensinar. Ao encontro dessa ideia, Saviani (1994) afirma que a escola precisa proporcionar e possibilitar o acesso a um saber elaborado e científico, e para que isso aconteça é necessário organização e clareza sobre a função social e política que a escola precisa desempenhar. A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica devem se organizar a partir dessa questão. Se chamarmos isso de currículo, poderemos então afirmar que é a partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar. Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber é aprender a ler e escrever. Além disso, é preciso também aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. (SAVIANI,1994, p. 18). A partir dos pressupostos descritos, entre a escola e o olhar científico a respeito da educação, é que as discussões nesta tese aconteceram. Nada é tão pessoal que não possa ser científico, ou tão científico que não possa ser pessoal, por se tratar de campos construídos humanamente com intersecção de valores. Pesquisar em educação é também interferir na construção da própria história, uma vez que sou estudante, professora e pesquisadora. Nesse sentido a consolidação da temática da pesquisa tem por base principalmente dois fatores: as angústias vivenciadas, em processos anteriores, enquanto professora dos anos iniciais de uma escola municipal e durante a pesquisa de mestrado, perante a elaboração da prática pedagógica sob a premissa de uma escola democrática; e do convite, a partir das necessidades formativas, de um grupo de professores sobre o uso de tecnologias a favor da inclusão escolar. 17 Assim, organizamos os conceitos que fundamentam a construção desse trabalho, e resgatamos as discussões teóricas que nos auxiliaram pensar sobre inclusão, tecnologias e formação de professores. Esse processo de aprendizagem está contido nas páginas desta investigação, assim como a relação com os saberes adquiridos gradualmente durante os anos que antecederam este estudo. A partir da junção desses fatores nasceu à pesquisa que está apresentada a seguir. 18 1.2 Reflexões Iniciais Estranho seria se eu não me apaixonasse por você, o seu allstar azul combina com o meu preto de cano alto. (Nando Reis, 1999). Debruçamo-nos para compreender o desenvolvimento da educação no Brasil e nas leis e decretos encontramos, principalmente a partir do disposto na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n. 9.394 de 1996 (BRASIL, 1996), o discurso da fundamentação da escola como um espaço que favoreça o desenvolvimento pleno do estudante para o exercício da cidadania e qualificação para o mercado de trabalho. Entretanto, apesar do respaldo organizacional, o contexto escolar tem indicado outro panorama, que se distancia da perspectiva da promoção do saber científico descrito por Saviani (1994), em que Pimenta et.al. (2013, p.150) destaca que: As escolas estão fragilizadas e não conseguem ensinar tudo a todos; os educadores defrontam-se com a questão do o que ensinar; os professores, com o como ensinar; e toda sociedade ainda não tem resposta para a questão para que ensinar? (PIMENTA et.al. 2013, p.150) [Grifo do autor]. Mesmo que a escola tenha sido, no decorrer do tempo assunto que corrobore para a reflexão sobre o que compreende um ensino de qualidade, a educação escolar tem consigo, em sua atual composição, os mesmos elementos que fundamentaram seu início: ensino pautado em monólogos, conceitos distanciados do cotidiano, seleciona, segrega e hierarquiza o ensinar e o aprender como catalizadores de medidas ponderadas entre satisfatório e insatisfatório, e fecha-se ao conceito de autossuficiência. Refletir sobre educação não é uma ação solitária, e foi a partir de um grupo de educadores que esta pesquisa surgiu. Um convite do grupo gestor para pensar a respeito do uso de tecnologias para a construção de práticas que favorecessem a inclusão escolar dos Estudantes Público Alvo da Educação Especial (EPAEE). Eles ansiavam por meios que auxiliassem os estudantes a aprender, mas que os amparassem no ensinar. Imersos em uma escola para todos, os professores do AEE relatavam sentir que a eles cabia à responsabilidade pelo ensinar e aprender, e não a Sala Comum (SC) de ensino, e enxergavam nas tecnologias uma possibilidade para superar desafios. Na tentativa de auxiliá-los e constituir esta pesquisa, foi preciso olhar para a sociedade, educação e escola, para compreender a proposta para inclusão escolar no Brasil. Nesse sentido, diante o leque de funções que precisa ou deveria desempenhar, a escola contemporânea está aparentemente imersa em uma crise, que segundo Di Giorgi (2002) gera a 19 patologização do ensino. Pimenta et.al. (2013, p.151) acrescenta que a escola tem tomado um rumo preocupante tornando-se um espaço excludente e distanciando-se de sua função principal que é emancipatória. Ao encontro dessas ideias Nóvoa (2009) complementa que: Um dos grandes perigos dos tempos atuais é uma escola a “duas velocidades”: por um lado, uma escola concebida essencialmente como um centro de acolhimento social, para os pobres, com uma forte retórica da cidadania e da participação. Por outro lado, uma escola claramente centrada na aprendizagem e nas tecnologias, destinada a formar os filhos dos ricos. (NÓVOA, 2009, p.13). Frente a esses subsídios a respeito da composição da escola contemporânea que apresenta em seu escopo a complexidade para a estruturação dos conceitos e propósitos, Rodrigues (2006 p.01) salienta que, “poder-se-ia dizer que quanto mais a exclusão social efectivamente cresce, mais se fala em Inclusão”. A isso, Gatti (2013) Gomes (2010) e Mantoan (2004) acrescentam que o discurso é contemporâneo, pois a escola ainda pauta seu trabalho a partir da concepção de um estudante idealizado e que mantém uma proposta educacional que exclui tudo o que for diferente das expectativas dessa idealização. Esses pressupostos suscitam que pensar sobre educação compreende refletir sobre os aspectos que compõem um processo amplo com diversos sujeitos em diferentes modalidades: do ensinar, do aprender e do que comporá a sociedade atual e futura. Assim, a partir desse olhar para a sociedade, educação e escola, acreditamos que o paradigma da inclusão escolar tem se consolidado no decorrer dos anos propondo ações que garantam principalmente o acesso e permanência da pessoa com deficiência na escola regular na tentativa de não exclusão dos estudantes. Diante disso, surge uma discussão mundial fomentada, sobretudo a partir de 1990, com propostas que versavam sobre a integração do estudante com algum tipo de deficiência ao processo de ensino e aprendizagem no espaço regular de ensino. A esse movimento, atribuímos o desenvolver legislativo atual que ampara o direito do estudante e o dever do Estado em oportunizar um espaço educativo inclusivo. (MENDES, 2006). Nesse sentido, Santos (2014 p. 78) sintetiza que: A Educação Inclusiva e Especial conforme a compreendemos hoje teve como ápice o direcionamento das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na educação básica no país (MEC/SEESP, 2003), com vistas à priorização da educação escolar dos estudantes com deficiência no sistema regular de ensino, previsto por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, n. 9.394 de 1996 (BRASIL, 1996) e já assegurado na Constituição Federal (BRASIL, 1988). (SANTOS, 2014, p. 78). 20 É válido ressaltar, que outros documentos surgiram após a LDBEN 9394/96, com o intuito de complementar o desenvolvimento das ações nesse processo. Santos (2014) ressalta ainda que o processo legislativo, tem apresentado, a partir dos documentos, preocupação importante, o que nos ajuda pensar a respeito de uma educação verdadeiramente inclusiva. De modo geral, entende-se que a legislação brasileira, mediante a LDBEN 9394/96 e, mais recentemente, o Decreto n. 6.571/08, entre outras, apresenta-se como um marco bastante significativo na concepção de Educação Inclusiva e Especial do país, pois preconiza a implementação do Atendimento Educacional Especializado (AEE), em rede pública, aos EPAEE desde a Educação Básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) ao Ensino Superior. Portanto, são marcos fundamentais para se pensar em uma Educação Inclusiva, pois abrem-se novas perspectivas de acesso e permanência nas instituições de ensino para esses estudantes. (SANTOS, 2014, p. 78). Entretanto, apesar da proposta legislativa vigente amparar os propósitos inclusivos, pesquisas realizadas por Garcia (2013), Kassar (2013), Braun (2012), Tartuci (2012), Gomes (2010), Pletsch (2010), evidenciam e descrevem que o processo de segregação ainda é forte e está enraizado nas escolas apresentando-se imerso as dificuldades e desafios a enfrentar. A estas concepções, Gomes (2010) descreve que os profissionais da educação acabam por reforçar o desejo de manter o público com deficiência em espaços especializados e afastados dos espaços escolares regulares. O autor salienta ainda que, os indicativos foram observados, por meio da resistência dos professores e direções que manifestam, por meio de questionamentos e queixas, expectativas de que as pesquisas na área possam apresentar soluções mágicas de aplicação imediata para a resolução dos problemas. Tais expectativas causam decepção e frustração no ambiente educacional, principalmente porque os professores julgam-se incapazes de dar conta dessa demanda; julgam-se despreparados e impotentes frente à realidade das propostas, a favor da inclusão escolar, da compreensão sobre a questão da deficiência, e que tal cenário é agravado pela falta de material adequado, de apoio administrativo e recursos financeiros. Embora a Instituição Escolar pareça despreparada para o recebimento de estudantes com deficiência, Mantoan (2004) ressalta que é função da escola auxiliar o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes, não os punindo se não atingem os objetivos, mas auxiliando- os a alcançá-los. A autora retrata ainda que os desafios para a escola e os professores estão postos e que é necessário pensar em um projeto escolar que contribua para o desenvolvimento global do estudante, por meio de uma prática educacional para o ensino Þ todos, caracterizando assim a inclusão escolar. 21 De tal modo, acreditamos que pensar e conceber a inclusão escolar significa compreender que a inserção de pessoas com deficiência em ambiente educacional regular é o início desse processo. É contemplar que é função da escola garantir que os estudantes incluídos, e este serão todos os que se diferem de um público esperado, apreendam. Contudo, é importante ressaltar que, se por um lado temos leis assegurando que os alunos sejam justamente atendidos, por outro, são os professores que farão valer e acontecer esse direito. São os professores que saberão o que fazer, quando fazer e como fazer a inclusão escolar. Diante dessa constatação, fica evidente a necessidade de maior aproximação entre teoria e prática, entre quem teoriza e quem pratica, entre o professor e os profissionais de apoio. (PAROLIN, 2011, p.05). Corroboramos as ideias suscitadas por Stainback (1999) de que o processo para a inclusão escolar é difícil e permeia dois cenários: ou respeita e promove o valor da sociedade quando as escolas incluem os estudantes, e/ou valorizam o preconceito e perpetuam o conflito social quando excluem. Nesse sentido a proposta para a inclusão escolar amplia-se sobre as questões da deficiência, pois requerem mudanças perante a compreensão e aceitabilidade do ser humano na propositura do ensino e da escola a fim de valorizar as potencialidades e habilidades de todos. Desse modo, a partir da ação da aula e da composição da prática pedagógica que os estudantes perpassarão do status de inseridos para pertencentes e incluídos. Diante a esses fatores, pode-se dizer então, que a educação para todos, na perspectiva inclusiva, não se resume à matrícula, à infraestrutura e ou disponibilidade de recursos. São necessárias práticas educativas eficazes, a garantia do acesso e permanência e a aprendizagem de qualidade de todos os estudantes. A essa discussão, Matos e Mendes (2014, p.40) enfatizam que, debater sobre inclusão precisa considerar a complexidade da diversidade na vida social. Isso significa necessariamente ultrapassar o aspecto sociocultural e praticar a dimensão ética e política. Para isso, ressaltamos a ideia de que é necessário assegurar o trato democrático e público da diversidade, em que as diferenças não poderão ser socialmente hierarquizadas, mas destacar a identidade e as diferenças dos grupos que foram historicamente excluídos para assim, desmistificar a ideia de inferioridade ao redor deles. Desse modo, pensar sobre inclusão escolar é considerar e refletir a respeito da prática docente. Principalmente a partir de perspectivas que ultrapassem ações excludentes e que favoreçam aprendizagem. E ao refletir sobre a construção dessa escola inclusiva, e nos elementos que compõem a sociedade contemporânea, vemos nas tecnologias, não apenas uma 22 parte da sociedade, mas como uma proposta em potencial a contribuir com o ambiente escolar e a prática pedagógica para todos. Nesse viés, Demo (2009) ressalta que, é necessário pensar e compreender sobre tecnologias, pois não possibilidade de se pensar na sociedade atual sem atrelar os valores que o tecnológico tem sobre a humanidade. Nas novas tecnologias aparecem em um lado peremptório, já que não haveria como colocar a pretensão de se livrar delas. Não são apenas fato consumado, são, sobretudo parte de nossa existência atual. (DEMO, 2009, p.03). Por isso, a partir do que descreve Demo (2009), acreditamos que, pensar sobre sociedade, escola, professor, práticas, economia, políticas, é necessariamente, pensar, sobre tecnologias. São processos intrínsecos que caracterizam o ser humano contemporâneo. As tecnologias estão presentes no cotidiano da população e estas se apresentam, a cada dia, mais indispensáveis para a sobrevivência das grandes civilizações. Se os anos 1990 foram chamados de e-década, a atual pode ser cunhada como a-década (código aberto, sistemas abertos, padrões abertos, acessos abertos, arquivos abertos, tudo aberto). Esta tendência, agora chegando com força especial na educação superior, reafirma uma ideologia que tem sua tradição construída desde o começo da computação em rede. (MATERU, 2004, p. 05). Nesse sentido, as tecnologias permeiam os caminhos de dentro e fora da escola. Fora da escola configuram-se como possibilidade de estudo, trabalho, entretenimento, relacionamentos, comunicação, entre outros. Dentro da escola, apresenta-se como contribuintes, especialmente a partir dos trabalhos pioneiros realizados no Brasil por Valente (1993, 1999, 2002), sobre a aprendizagem a partir do uso do computador (SCHLUNZEN, 2000), e para o ensino por meio de práticas ativas que evidenciam e promovem a ação, reflexão e construção do conhecimento pelo estudante. Assim, temos que: A cidadania na era da informação impõe o direito de se comunicar, de armazenar, de processar informações velozmente, independente da condição social, capacidade física, visual ou auditiva, gênero, idade, raça, ideologia e religião. (SILVEIRA, 2003, p.44). Compreendemos que, a partir de tais conceitos, a sociedade atual, tem em seu cerne, uma composição deliberadamente ativa e colaborativa. Essas possibilidades amplificaram-se principalmente diante da internet e da web 2.0, em que há disponível uma multiplicidade de ferramentas como blogs, wikis, podcasts, portfólios, social networking, social bookmarking, photo sharing, Second Life, softwares gratuitos, entre outros. (DEMO, 2009; MASON e RENNIE, 2008). 23 Estamos falando em rede, em produção colaborativa e, também, em software livre, software de código aberto, em crowdfunding (financiamento coletivo), em formas de licenciamento das produções culturais e científicas que avancem para muito além das restritivas leis de direito autoral (copyright) em vigor em praticamente todo o mundo. (PRETTO, 2012, p.92). O conceito de rede compõe as propostas educacionais brasileira, em que evidenciamos iniciativas por meio de programas e projetos de Lei em nível municipal, estadual e federal, que introduziram, nas escolas, salas de informática e disponibilizaram recursos tecnológicos. Principalmente a partir do Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo 2 ), e dos projetos oriundos desse programa como o Projeto Um Computador Por Aluno (UCA 3 ), Portal do Professor 4 e do Banco Internacional de Objetos Educacionais (BIOE) 5 . A essa discussão e diante a intersecção das tecnologias com a sociedade atual, acreditamos que a razão de ser da tecnologia é a construção do conhecimento e a aprendizagem, e que as novas tecnologias fazem parte das novas alfabetizações, como ressaltam Tapscott (2012) e Demo (2009). Novas tecnologias fazem parte de novas alfabetizações, das habilidades do século XXI, tornando-se, em particular na versão da web 2.0, parte fundamental de estratégias de aprender bem. Frente às novas tecnologias não cabem repulsa, nem encantamento, mas posição do educador: critica e autocrítica. (DEMO, 2009, p.65). Para isso, é necessário que aconteça a articulação dos indicativos teóricos, para a compreensão do público que acessa a escola, com as possibilidades que circundam a prática pedagógica. É a associação dessas percepções que consistirá em propostas educativas para inserção de tecnologias no ambiente escolar. Entretanto Moraes (2012; 2006), enfatiza que embora todas as ações dos projetos implantados tivessem por objetivo promover mudança pedagógica no ensino intermediado por tecnologias, à formação de professores, vislumbrando o uso desses recursos, geralmente, acontece de maneira distanciada da problemática do ambiente escolar. Quando ofertada, acaba por se dar de maneira aligeirada e não é incorporada às atividades escolares por meio de uma 2 Programa Nacional de Informática na Educação visa disponibilizar salas de informática para o ambiente educacional, desenvolvendo a partir da premissa maior outros projetos como Canal Tv Escola, Portal do Professor e o Banco Internacional de Objetos Educacionais. 3 Foi um projeto implantado com o objetivo de intensificar as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas escolas, por meio da distribuição de computadores portáteis aos estudantes da rede pública de ensino e complementou as ações do Ministério da Educação. 4 O Portal do Professor é um espaço virtual, pensado para que o professor possa partilhar experiências e aprendizagens, fomentar a prática com subsídios para estudo e formação continuada, planejamentos coletivo, entre outros. Disponível em: www.portaldoprofessor.mec.gov.br/ 5 O BIOE é um repositório gratuito com Objetos Educacionais disponibilizados para todos os níveis de ensino. Disponível em: www.objetoseducacionais2.mec.gov.br/ http://www.portaldoprofessor.mec.gov.br/ http://www.objetoseducacionais2.mec.gov.br/ 24 formação continuada, contextualizada e em serviço, limitando-se a tecnicidade das informações. Superar as contradições e dicotomias de forma a criar uma política mais democrática para a formação de professores é um dos nossos maiores desafios. O analfabetismo já não se restringe à leitura e à crítica dos códigos escritos. [...] Alijar os professores dessa formação é aumentar ainda mais o fosso existente entre as classes, pois as camadas dirigentes certamente a terão em detrimento das demais. (MORAES, 2006, p.08). Nesse intento, compreendemos que, a formação de professores precisa atender aos quesitos de aplicabilidade ao contexto, usabilidade do recurso e favorecimento da aprendizagem. Acreditamos que, nas ações reflexivas que permeiam o planejamento, é preciso atentar-se ao processo emancipatório que o ensino e a aprendizagem proporcionam, ou deveriam, ao indivíduo, visando por meio das práticas escolares, a inclusão escolar. A partir das temáticas emergentes das necessidades formativas do grupo de professores sobre inclusão e o uso tecnologias, e das concepções e desafios em que se apresenta a escola atual, este estudo propôs-se a pensar a respeito da problemática em comum nessas discussões: a formação de professores e o desenvolvimento da prática pedagógica. Um estudo que surgiu à luz da necessidade e da possibilidade de uma proposta para a formação para professores. Uma formação que pudesse abranger mais que apenas uma teorização, mas que incluísse a rotina da prática de pesquisa, elemento essencial que colabora tanto para a formação da identidade do professor, quanto para uma ação em sala de aula; que possibilitasse reflexão ao professor sobre o processo de aprendizagem dos estudantes; e que minimizasse os seus anseios. Nesse cenário a problemática de pesquisa emergiu das necessidades formativas de um grupo de professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE). O AEE É um serviço da Educação Especial, e tem por objetivo promover o processo de inclusão dos EPAEE, oferecido de maneira complementar ou suplementar no contra turno escolar, em salas de recursos ou multifuncionais na escola regular, ou em instituições especializadas. Para isso organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade, considerando as necessidades educacionais específicas, a fim de eliminar barreiras para a plena participação dos estudantes. (SEESP/MEC, 2008). Esse movimento compreendeu o primeiro momento da pesquisa, composta a partir do pensar e conceber a respeito de uma proposta de formação docente em serviço, que articulasse a discussão sobre o uso de tecnologias a favor da aprendizagem dos EPAEE, e que ainda 25 atendesse as expectativas dos professores do AEE na tentativa de compreender o contexto escolar em que estavam inseridos. No desenvolvimento da proposta formativa, fomos constatando outras nuances, à medida que os participantes sentiam-se mais seguros e as relações entre os sujeitos se estreitavam. Essas percepções convergiram na ampliação da proposta formativa inicial, e a partir das necessidades formativas reconhecidas, implementamos um segundo momento para a formação de professores. Este consistiu em uma proposta para o desenvolvimento profissional docente, a partir de uma ação colaborativa entre os professores da SC dos anos iniciais do ensino fundamental e os professores do AEE, articulando os conceitos da construção de uma escola para todos a partir da inclusão escolar e do uso de tecnologias para a concepção da prática pedagógica. Com o intuito de estabelecer relação e aproximar do estado do conhecimento sobre esses aspectos, foi realizado levantamento de teses e dissertações defendidas entre 2009 e 2013 em Programas de Pós-Graduação em Educação reconhecidos pela Capes em que evidenciamos lacunas de pesquisas sobre a articulação das temáticas de: formação de professores do atendimento educacional especializado (AEE) e professores da sala comum de ensino sob uma perspectiva colaborativa, a fim de cooperar com a inclusão escolar e o uso das tecnologias em ambiente escolar. Entre os aspectos a considerar para consolidar uma proposta de formação continuada em serviço, temos que uma ação formativa precisa, de acordo com Pimenta (1999), transpor a composição de atualização de conteúdos e/ou suplência com o intuito de alterar da prática docente. Para que isso aconteça, vislumbramos que um processo formativo precisa visar o desenvolvimento profissional e promover que o docente rompa com a “epistemologia da prática para epistemologia da práxis”. (PIMENTA, 2002, p. 123). A práxis consiste no movimento simultâneo de ação e reflexão, ou seja, “a práxis é uma ação final que traz, no seu interior, a inseparabilidade entre teoria e prática” (PIMENTA, 2002, p. 123). Assim, a práxis não é uma ação pela ação, mas sim, uma ação orientada por uma dada teoria e tem consciência de tal orientação. Libâneo (2002) salienta que a formação continuada de professores precisa ser refletida a partir da busca de respostas a questões emergentes, desafios ocorridos pelas novas relações entre sociedade e educação, pautando-se no referencial de qualidade de ensino; o emprego da investigação-ação como uma das abordagens metodológicas da pesquisa; a utilização da perspectiva sócio-interacionista na prática de ensino e de aprendizagem; e o desenvolvimento 26 de novas competências e habilidades que amparem e ultrapassem as perspectivas atuais, incentivando o coletivo e possibilitando discussões teóricas, práticas a partir de experiências. Acreditamos que, tais indicativos auxiliam o docente a entender a diversidade cultural, uma vez que a proposta formativa auxilia em diminuir a distância entre o mundo do professor e o mundo do estudante, e em promover de maneira efetiva a igualdade de condições e oportunidades de escolarização a todos. Para modificar sua própria realidade cultural, a instituição educativa deverá apostar em novos valores. Em vez da padronização, propor a singularidade; em vez de dependência, construir a autonomia; em vez de isolamento e individualismo, o coletivo e a participação; em vez da privacidade do trabalho pedagógico, propor que seja público; em vez de autoritarismo, a gestão democrática; em vez de cristalizar o instituído, inová-lo; em vez de qualidade total, investir na qualidade para todos. (VEIGA 2003, p. 279). Nesse sentido, ações que promovam o desenvolvimento profissional docente tornam- se o eixo articulador entre os contextos educacionais extremamente complexos. Um professor pode assumir práticas diferentes diante de uma mesma sala, visando o sucesso do grupo, e para isso é necessário incentivar o professor a refletir e analisar sobre a elaboração da própria prática pedagógica. A partir dessa premissa nosso interesse se voltou para os aspectos que vão ao encontro das perspectivas sobre a concepção de práticas dos professores para contribuir com a construção do conhecimento sobre a temática, auxiliando o docente em suas práticas e entendimentos sobre a realidade escolar, considerando as habilidades e dificuldades dos professores, a política pública e as propostas de formação continuada e em serviço. Por fim, é importante enfatizar que o presente estudo defende a tese de que o desenvolvimento profissional docente acontece por meio da articulação entre a formação continuada e em serviço de professores, com as necessidades formativas dos docentes e do espaço escolar em que estão inseridos, com os pressupostos que consolidam o trabalho colaborativo e com a construção de uma prática pedagógica libertário-crítico-reflexivo. 1.3 Eixos teóricos, questões e objetivos da pesquisa. Dessa maneira, a natureza que compõe essa investigação e os pressupostos adotados nesta pesquisa, serviram para fomentar a discussão do objeto do estudo, e por meio desta articulação, não testamos afirmações, mas pudemos auxiliar no avanço do conhecimento em torno do objeto de pesquisa. 27 O exame da literatura, o campo e as reflexões sobre a temática e da constituição do campo da pesquisa, assim como os pressupostos teóricos analisados, fomentaram a organização da nossa investigação, a partir de três eixos teóricos: 1- O conceito de inclusão, inserção e permanência escolar e social, parece se constituir como uma possibilidade de estar, mas não necessariamente de pertencer, e está correlacionada apenas às questões de deficiências. A ausência de discussões em âmbito escolar coopera para a mecanização do ensino, distanciando da perspectiva que compõe a inclusão escolar. 2- As tecnologias não se caracterizam apenas como ferramentas, mas apresentam-se como características da sociedade contemporânea. Assim é esperado que o desenvolvimento tecnológico contribua para a composição do espaço escolar e da prática pedagógica inclusiva. 3- A articulação entre os saberes e as necessidades formativas dos professores, características que se apresentam interligadas e são necessárias para a compreensão da realidade educacional em que estão inseridos, compõem os indicadores para o desenvolvimento profissional docente em serviço. A partir desses pressupostos, e atentando-se às implicações desse processo, organizamos a pesquisa a partir dos seguintes questionamentos:  Como formar professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental em serviço e auxiliá-los no processo reflexivo, a respeito da inclusão escolar e da utilização de tecnologias para a prática pedagógica?  Como promover um trabalho colaborativo entre professor do AEE e o professor da SC de ensino?  Como os recursos tecnológicos são utilizados no cotidiano escolar? Estes recursos favorecem o processo de Inclusão Escolar? Esses questionamentos fundamentam a pergunta de pesquisa, a saber: Como contribuir com o desenvolvimento profissional docente por meio de ações formativas em serviço, que considerem como eixo moderador, para a composição prática pedagógica e estrutura do curso o: contexto escolar, as necessidades formativas, o trabalho colaborativo e o saber docente? Os questionamentos que fundamentam a pesquisa foram organizados nos objetivos, geral e específico, delineados a seguir: 28 Objetivo Geral  Analisar as efetivas contribuições de uma proposta de formação continuada para o desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva colaborativa, entre professores da Sala Comum (SC) de ensino e do Atendimento Educacional Especializado (AEE), vivenciada em um espaço digital aberto e flexível. Objetivos específicos  Identificar as necessidades formativas dos participantes da pesquisa a respeito da inclusão escolar e o uso de tecnologias;  Analisar as perspectivas dos participantes para a sistematização da prática pedagógica perante a inclusão escolar e as tecnologias;  Implantar uma proposta de formação continuada, para os professores do AEE e da sala regular de ensino, e as decorrências desse processo sobre as concepções do trabalho colaborativo.  Estabelecer indicadores para o desenvolvimento profissional docente, para os professores que compõem o espaço escolar. 1.4. Estrutura da Tese Apresentados os pressupostos que compõem nossa pesquisa, e os caminhos traçados no intuito de responder as questões e objetivos expostos, descrevemos a seguir a estrutura do trabalho. Esta tese está organizada em cinco partes, sendo que no primeiro capítulo é apresentado um breve memorial descritivo da pesquisadora em que resgatamos as motivações para a concretização dessa pesquisa. Em seguida apresentamos algumas reflexões inicias a respeito das temáticas que será aprofundada nos próximos capítulos bem como as questões norteadoras e os objetivos delineados. O segundo capítulo compreende os subsídios teóricos da pesquisa, em que apresentamos a discussão e definição dos conceitos que serviram de base para desenvolvimento do estudo. Dessa maneira, compreende as temáticas que nos levaram a olhar o aspecto da necessidade de formação em serviço, primeiramente a partir da delimitação do conceito de inclusão escolar, seguida da discussão sobre a sociedade atual, seguida dos fundamentos sobre o desenvolvimento profissional docente em serviço, a partir das ideias estruturadas sobre o conceito libertário-crítico-reflexivo. Discussão que segue para a 29 concepção sobre a utilização de tecnologia na educação e das características necessárias para compor a escola democrática, inclusiva, tecnológica e colaborativa que almejamos. No terceiro capítulo apresentamos à metodologia da pesquisa, em que detalhamos as definições a respeito do campo de pesquisa, a abordagem metodológica que fundamenta o estudo, os procedimentos para a coleta e seleção dos dados, os procedimentos para análise e a organização dos resultados. No quarto capítulo apresentamos o desenvolvimento e as implicações do processo formativo com os professores. Os dados foram articulados a seis categorias. Algumas categorias estão descritas como subcategorias, em que toda analise aconteceu tendo por base os conceitos teóricos revisados. Da análise dos dados, surgiram indicadores estruturais e pedagógicos para formação em serviço de professores. Por fim, no quinto capítulo apresentamos as considerações finais que compreende as principais conclusões do estudo e perspectivas para o desenvolvimento de futuros trabalhos. Esperamos que a leitura desse trabalho possa contribuir com o desenvolvimento de pesquisas na área da educação, e para as concepções que visem o desenvolvimento profissional docente. 30 Capítulo 2 Delineamento teórico da pesquisa Para realizar a humanização que supõe a eliminação da opressão desumanizadora, é absolutamente necessário transcender as situações-limite nas quais os homens são reduzidos ao estado das coisas. (...) Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. (FREIRE, 2013, p.16). 31 Estruturamos neste capítulo os principais pressupostos teóricos que embasam a pesquisa, com o intuito de propor uma reflexão sobre os conceitos norteadores da investigação. Na dúbia jornada que se estabeleceu perante o estudo do objeto para conceber as perspectivas para a formação de professores, discutir sobre a inclusão escolar foi o que permitiu olhar para a escola, para os professores e para os estudantes. Foi a partir da conceituação sobre inclusão escolar que pudemos refletir características para o desenvolvimento profissional docente, composição do espaço escolar, trabalho colaborativo, uso de tecnologias e a prática pedagógica. Nesse sentido, refletimos sobre a articulação teórica do estudo e, para contemplar o objeto da pesquisa, dividimos o capítulo em cinco partes. Na primeira e segunda parte apresentamos discussão articulada sobre o conceito de inclusão escolar, e as nossas concepções para o delineamento e construção de um espaço educativo inclusivo. Na terceira parte apresentamos a articulação dos conceitos para a concepção da prática, a fim de delinear nossas concepções a respeito da estruturação das ações que circunstanciam a prática pedagógica docente. Na quarta do capítulo expusemos as concepções que serviram de base para refletir e estruturar a proposta de formação continuada de professores em serviço, visando o desenvolvimento profissional docente. Na quinta parte argumentamos sobre o conceito de tecnologia que embasam o estudo articulado a fim de elucidar a composição da sociedade contemporânea e como essas relações interferem na produção do conhecimento. 2.1 Sobre Inclusão Escolar O pensamento sobre a inclusão escolar que permeou inicialmente as discussões e que incitaram esta pesquisa esteve entre os conceitos da deficiência, e inserção da pessoa com deficiência no ambiente educativo e social. Inegavelmente olhar sobre as deficiências substanciam as discussões políticas, sociais e educacionais no Brasil e no mundo, e direcionam no estruturar de diretrizes e propostas pedagógicas. Mas a terminologia “inclusão” não tem sido utilizada apenas nesse intento. Rodrigues (2006) discute sobre a banalidade e uso indiscriminado da palavra, salientando que: 32 O termo Inclusão tem sido tão intensamente usado que se banalizou de forma que encontramos o seu uso indiscriminado no discurso político nacional e sectorial, nos programas de lazer, de saúde, de educação etc. Recentemente até o sistema bancário tem vindo a usar o termo: no Brasil uma instituição bancária lançou uma campanha sobre um “sistema bancário inclusivo” que busca captar contas de clientes iletrados. (RODRIGUES, 2006, p.02). Quando articulamos as discussões sobre a “inclusão” com a área educacional, percebemos que a palavra nos estudos aparece geralmente relacionada aos debates que tratam dos transtornos, dificuldades de aprendizagem e da deficiência. No Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes 6 , encontramos em seus registros 4.192 trabalhos que trazem na temática ou título a palavra “Inclusão”. Desse total, há 597 trabalhos relacionados à área Educacional, sendo 556 trabalhos somente em programas de Pós Graduação em Educação. Sobre essa temática existem 493 pesquisas desenvolvidas em nível de Mestrado Acadêmico, 101 pesquisas em nível de Doutorado e 3 em nível de Mestrado Profissional. Entre os termos associados à palavra “inclusão” ressalta-se a palavra “inclusiva”, que aparece em destaque em 243 trabalhos relacionados à área de Educação, sendo 183 em nível de Mestrado Acadêmico e 60 em nível de Doutorado. Ao refinarmos a busca no Portal de Periódicos da Capes 7 e atentarmos aos últimos anos, mais especificamente entre os anos de 2009 e 2015, há 3.414 trabalhos disponíveis relacionados à área de educação e a palavra “inclusão”, em que 1.480 são artigos. Relacionados à palavra “inclusiva”, considerando o mesmo período e área temática, existem 700 trabalhos, sendo destes 508 artigos. Nessa demanda da produção cientifica atual, percebemos que a temática apresenta-se como reflexo em se tentar compreender a complexidade do espaço educativo, e de suprir as emergências, dúvidas e angústias dos profissionais da educação. Esses trabalhos sustentam a temática a partir do conceito de deficiência, em que sobressaem reflexões sobre inserção, adaptações de práticas pedagógicas, currículos, espaços escolares, linguagem, educação especial, atendimento individualizado, entre outros. Há ainda eminente nesses trabalhos, a influência sobre o aspecto da consolidação do trabalho da educação especial, que por muitos anos foi à ação com maior empenho ao ensino da Pessoa 6 Banco de Teses e Dissertações da Capes. http://bancodeteses.capes.gov.br/ Acesso em Agosto/2015. 7 O Portal de Periódicos da Capes. http://www-periodicos-capes-gov-br.ez87.periodicos.capes.gov.br/ acesso em Agosto/2015. http://bancodeteses.capes.gov.br/ http://www-periodicos-capes-gov-br.ez87.periodicos.capes.gov.br/ 33 com Deficiência (PD). São trabalhos que evidenciam a importância de individualizantes, com ênfase em ações adaptativas ou clínicas. Os estudos descritos apresentam-se como aspecto importante para a composição do cenário científico educacional, ao representar por características que parecem emergir do espaço escolar. Ao trazer para o campo científico as preocupações da escola, as ações de prática pedagógica tornam-se possibilidade para a construção teórica contemporânea. Essas ações auxiliam na construção histórica do conhecimento, por favorecer o desenvolvimento e o aprofundamento do estudo, a fim de compreender e refletir sobre práticas, conceitos, pessoas e espaços. Entretanto, diante as vertentes que se firmam perante a temática Rodrigues (2006; 2015) salienta que: Não se sabe bem o que todos estes discursos querem dizer com Inclusão e é legítimo pensar que muitos significados se ocultam por detrás de uma palavra-chave que todos usam e se tornou aparentemente tão óbvia que parece não admitir qualquer polissemia. (RODRIGUES, 2006, p.02). Dessa maneira, o que é incluir? Quem incluir? Como incluir? Como incluir educacionalmente? O que é estar incluído? O que devemos compreender ao usar esse termo? Que ação determina estar incluído? Quais posicionamentos? O verbo “incluir” dentro da normativa da Língua Portuguesa significa: fechar dentro de, abranger, compreender, conter; envolver, implicar; pôr ou estar dentro; inserir num ou fazer parte de um grupo. Em que “inserir” significa: estar colocado ou implantado; fazer parte de (um contexto). A palavra “inclusão” apresenta o ato ou efeito de incluir e a palavra “inclusiva” é o que inclui ou pode incluir. Nesse sentido, na tentativa de compreender seus sinônimos e empregabilidades linguísticas, a palavra “inclusão” relaciona-se mais ao aglomerado de ações e contexto, enquanto que “inclusiva” relaciona-se a prática ou ação. Na tentativa de atribuir significado e relevância ao termo “inclusão” empregado nessa pesquisa, recorremos ao delineamento sobre a caracterização da escola pública no Brasil. A fundamentação histórica em que a escola brasileira foi promovida, relaciona-se às propriedades de poder econômico, cerceadora da produção científica e do conhecimento a uma restrita parcela social. (GATTI, 2014; 2001; PIMENTA et.al. 2013; SAVIANI, 1994). A essas ideias, Patto (1988) em seus apontamentos sobre a produção do fracasso escolar no Brasil, discorre sobre a hegemonia do pensamento, a partir de um discurso oficial que caracteriza os processos educativos em três esferas, sendo elas: 34 A primeira delas, de caráter mais geral, é a predominância de seus colaboradores, de escolanovistas de primeira ou segunda geração, o que significa afirmar que predominam, do ponto de vista filosófico-político, os pressupostos do liberalismo; do ponto de vista sociológico, a teoria funcionalista de sociedade em seu talhe durkheimiano; e do ponto de vista pedagógico os princípios que nortearam o movimento da Escola Nova. (PATTO, 1988, p.73). Dentro das perspectivas suscitadas pela autora, cabe ressaltar que a produção desenvolvida a partir da concepção da Escola Nova, principalmente defendida por Anísio Teixeira e Lourenço Filho, ia ao encontro de uma ideia libertária de que, em uma sociedade capitalista poderia existir uma igualdade de oportunidades e que a escola seria o espaço para a promoção dessas oportunidades, tornando-se uma escola redentora. Durante os processos de transição social, tais ideias fomentaram o debate por reformas políticas e educacionais que culminaram nas propostas de democracia, e consequentemente de democratização da organização do espaço escolar brasileiro. Nesse processo, o ser humano assumiu papel ativo de responsabilidade e participação, em uma maneira de co-gestão (MIZUKAMI, 2001). Ora, acontece que existe uma diversidade enorme entre os homens não só politicamente, mas também social, cultural, econômica e religiosamente. A democracia deve então, buscar a unidade nesta diversidade, mediando a todos pelo mesmo objeto, a nova comunidade a ser instaurada. Daí que num regime autenticamente democrático devem estar incluídos todos os homens como, igualmente, deve haver lugar para todas as ideologias. Caso tal não se realize, estará acontecendo uma mitificação enganadora sob a capa da democracia. (JORGE, 1981, p.13). Dessa maneira, dentro da prerrogativa da construção de uma sociedade com base no conceito de democracia, compreende a aceitabilidade do ser humano em suas potencialidades e individualidades. Considerando esses apontamentos, as propostas de constituição e legalidade, principalmente a oriunda após a ditadura militar no Brasil proporcionou a população – e está não se limitava mais a uma exclusiva parcela social – o direito a escola, ao ensino e ao aprender (BRASIL, 1988). Tais perspectivas romperam com um estigma operacional hierarquizado e, diante a diversidade da população a ser atendida, foi necessário pensar em inclusão. A esse processo de democratização do espaço e ampliação ao direito à educação, somaram-se as discussões e o movimento mundial sobre educação inclusiva em um crescente consenso de que todas as crianças teriam o direito a frequentar escolas, independente de suas dificuldades e deficiências. (PACHECO, 2007; MENDES, 2006; UNESCO, 1995). 35 Esse movimento que aconteceu concomitante ao momento de transição no Brasil, promoveu a elaboração da nossa Constituição Federal (BRASIL, 1988), estabeleceu o direito de educação para todos, e, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) lei 9.394 de 1996 e pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial (BRASIL, 2003), possibilitou e priorizou que parcelas da população, anteriormente excluídas, vivenciassem a possibilidade formativa em espaço escolar comum. Tivemos instituído que: A educação, é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL 1988, Art.205, p.124). Para complementar o direito estabelecido pela Constituição Federal, temos por meio da LDBEN ações que instituem e promovem o acesso e permanência escolar, por meio de ações que possibilitem igualdade para aprender e ensinar, respeitando cultura, arte, concepções pedagógicas, a garantia da gratuidade no ensino, valorização profissional, preocupação com a qualidade do ensino, entre outras (BRASIL, Art. 3º, 2013). Nesse contexto a proposta constituinte, e as leis oriundas dela, configuram um desenho sobre o panorama educacional que culmina na disposição de um espaço público, inicialmente integralizador. Primeiramente, diante a expansão quantitativa de vagas para o acesso da população à escola: É verdade que, nos últimos anos, houve uma grande expansão das oportunidades de acesso à escola pública, promovendo o atendimento de quase todas as crianças no ensino fundamental. A escola pública para poucos, no passado, cedeu lugar à escola para muitos, no presente. Não há a menor dúvida de que esta expansão é um avanço democrático essencial e que, diante dela, é absurdo qualquer saudosismo em relação à situação em que apenas uma pequena parcela da população tinha acesso à escola. (LEITE e DI GIORGI, 2004, p.01). Isto porque, legalmente a organização das ideias dispostas no artigo 205 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), delibera ultrapassando a perspectiva da diferença, insuficiência e deficiência, versando o ambiente educacional em um espaço a favor do desenvolvimento do ser humano. Nessa discussão, a amplitude do “para todos”, trouxe ao campo educacional a perspectiva e aceitabilidade da diversidade cultural, social, sexual, religiosa e, acima de tudo humana. Concordamos com Mantoan (2004 p.13) que enfatiza que as ações definidas em nossa Constituição (BRASIL, 1988) são um marco na defesa e no movimento a favor da inclusão 36 escolar, e que as questões referentes a essa “inovação” respaldam os avanços significativos para a educação escolar de pessoas com ou sem deficiência, enfatizando que: [...] nossa atual Constituição institui como um dos princípios do ensino a igualdade de condições de acesso e permanência na escola (art. 206, inciso I), acrescentando que [...] o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um (art. 208, V). Estes dispositivos já seriam suficientes para que ninguém pudesse negar a qualquer aluno o acesso à mesma sala de aula. (MANTOAN, 2004, p.13). [Grifo do autor]. Dessa maneira a Constituição é o documento, que viabiliza e universaliza a possibilidade do incluir, é a superação da categorização humana, em que, nesse sentido, pode propiciar a emancipação do indivíduo. A garantia desse direito favorece “ao homem chegar a ser sujeito, constituir-se como pessoa, transformar o mundo e estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade, fazer a cultura e a história...” (FREIRE, 1974a, p.42). Isso porque é o acesso à educação propicia ao ser humano a se estabelecer como indivíduo ativo na sociedade, e reitera o saber, o conhecimento como habilidade humana, e não como favorecimento de classes. Entretanto o acesso de uma nova população a escola apresenta outros paradigmas, e um fator a citar diante ao papel integralizador é, que diante a diversidade humana que adentrou a escola, as práticas escolares e as mediações essenciais que auxiliariam no processo de ruptura das práticas excludentes às libertárias, visando à melhoria qualitativa do ensino, ainda não aconteceram plenamente. (RODRIGUES, 2015; PIMENTA et.al 2013; PAROLIM, 2011; GOMES, 2010; NÓVOA, 2009; MANTOAN, 2004). A organização histórica do ensino escolar, com suas vertentes conteúdistas e reprodutoras do conhecimento, ao invés de se caracterizar como um polo construtor e divulgador para novas reflexões a favor da aprendizagem de todos, vem muitas vezes, se instaurando como um crivo excludente que assola nossa sociedade (CANDAU, 2012; GOMES, 2010; ARROYO, 2001; PATTO, 1996; 1988). As considerações da qualificação escolar como foco central nas discussões sociais é unanime e não se poderia esperar menos que isso. Como se sabe, é o ensino, em seus diferentes níveis, que tem atribuição de desenvolver ações que possam servir de base para um amplo movimento de inclusão social. Ressalta-se que esse mesmo processo, tão promissor, parece se encontrar, atualmente, atado em suas próprias contradições. (GOMES, 2010, p.23). Nesse sentido, atualmente estamos em um cenário educacional em que “inclusão escolar” ultrapassa a perspectiva da deficiência, e compreende-se como um processo de aceitabilidade e reconhecimento de um espaço e de uma população com uma infinidade de 37 características, dentre elas as deficiências. Características essas que se apresentam como novidade ao espaço escolar, e que muitas vezes, testa o discurso em que a escola no Brasil se fundamentou. Desse modo, a fim de transpor essa discussão, é necessário considerar, além de uma nova população que acessou a escola e do papel que a educação precisa assumir diante as características da sociedade atual, o conceber dos sentidos etimológicos as palavras e reflexões realizados por Rodrigues (2006) sobre a “inclusão escolar”, em que esmiúça o ideário sobre a terminologia e a ações educativas sobre a Educação Inclusiva a respeito: dos valores, da educação inclusiva para estudantes “diferentes”, para a formação de professores para a inclusão escolar, dos recursos, do currículo e da gestão da sala de aula. A essa ideias, o autor ressalta que discutir inclusão escolar é uma ação complexa e que: Talvez o mais adequado seja pensarmos que as ideias bem feitas deverão provir de práticas corajosas, reflectidas e apoiadas. Talvez estas ideias e práticas, por mais bem pensadas e feitas que sejam, não nos conduzam inexoravelmente a uma EI. Mas por certo nos vão ajudar a vê-la cada vez mais perto e desta forma promover a justiça e os direitos para todos os alunos. (RODRIGUES, 2006, p.14). Assim, diante do exposto e com o intuito de esclarecer o sentindo e empregabilidade nos termos utilizados nesta pesquisa, o conceito “inclusão escolar” refere-se à complexidade humana presente na escola. Esta população é composta por pessoas essencialmente diferentes, magníficas, com deficiência, com altas habilidades, pobres e ricas; negras, brancas, imigrantes, heterossexuais, homossexuais, religiosas, sem religião, com laudos ou sem laudos. A nós a discussão a respeito da inclusão escolar, está contida justamente na valorização das habilidades humanas, indistintamente se relacionadas apenas as pessoas com deficiência, ou as novas populações que acessaram a escola. É o pensar sobre uma escola e sobre práticas que favoreçam literalmente a todos. Com isso temos que, inclusão escolar enquanto conceito é desafio; enquanto ação é propositura de rompimento ao estigmatizar do ser humano; enquanto possibilidade é rio fluente; enquanto vida é nascente. Inclusão é estar em fluxo. É ser diferente. É não ater-se a diferença. É ultrapassar a expectativa. É a sonoridade no silêncio. É a vida; é o momento. Nesse sentido, com o intuito de aprofundar a discussão sobre inclusão escolar, apresentamos a seguir argumentação e indicativos a respeito da importância da composição escolar a favor de uma escola para todos. 38 2.2 A escola que temos e a escola que queremos Ao observar a construção história do espaço escolar no Brasil, encontramos um ambiente singular, elaborado a partir dos princípios religiosos e dos processos colonizadores. Refletir sobre a escola foi um movimento indissociável, uma vez que tínhamos por intuito compreender as necessidades formativas dos professores e favorecer o desenvolvimento profissional docente. Nesse sentido, a escola tornou-se o cenário pelo qual articulamos as temáticas que enredaram nosso estudo. E nesse processo ao refletir sobre escola e a sociedade contemporânea foi necessário pensar sobre inclusão escolar. Tais ações favoreceram perceber as práticas pedagógicas desenvolvidas, fatos que interligam história e realidade, para assim propor ações futuras. Tal exercício une o sentido do objeto da pesquisa ao campo em que foi desenvolvida, em que não distanciamos o olhar da escola, mas tentamos nos assegurar justamente de aproximá-lo, para assim, compreender aquilo que realmente compõe o discurso sobre escola e educação atualmente. Por escola, no Brasil, compreendemos a composição de um espaço organizacional, estabelecido por políticas públicas, de direito historicamente constituído e deliberado por meio da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que, deveras avançada, nos permite enxergar o ser humano além das diferenças, e a pensar em um espaço educativo para todos. Nossa Constituição atual é, pois, um marco na defesa da inclusão escolar e elucida muitas questões e controvérsias referentes à esta inovação, respaldando os que propõem avanços significativos para a educação escolar de pessoas com e sem deficiência. (MANTOAN, 2004, p.13). Em seu processo histórico, foi composta ideologicamente por medidas que culminaram a estruturação do espaço atual – semelhante ao anterior – e que mantinha seu embasamento sobre os conteúdos, hierarquização do ensino, e embates que culminaram na associação do papel filosófico e social da escola ligado aos conhecimentos lógico e científico, ora relacionado a um pensamento tradicional, ou aparentemente libertador de aceitação as diferenças, ou à tecnicidade e operacionalização de conceitos. (SAVIANI, 1997; MIZUKAMI, 2001). Há várias formas de se conceber o fenômeno educativo. Por sua própria natureza, não é uma realidade acabada que se dá por conhecer de forma única e precisa em seus múltiplos aspectos. É um fenômeno humano, histórico e multidimensional. Nele estão presentes tanto a dimensão humana, quanto a técnica, a cognitiva, a emocional, a sócio-política e a cultural. Não se trata de mera justaposição das referidas dimensões, mas sim, aceitação de suas múltiplas implicações e relações. (MIZUKAMI, 2001, p. 01). 39 Nesse processo, enxergamos nas várias tentativas de melhoria educacional, ajustes, rejeições, criticas, reflexões, concepções práticas, teóricas, metodológicas, ideológicas, que corresponderam à organização espacial da escola, e as modificações e/ou permanecias, renuncias e apegos, sucessos e frustrações, que decorreram destes fatores nas discussões atuais do que a escola precisa oferecer, e do que realmente a compõe. (LIBANEO, 2002; RODRIGUES, 2006; MORAES, 2006; NÓVOA, 2009; FREIRE, 2013; PIMENTA et.al, 2013; GATTI, 2014). Frente às necessidades que surgem da sociedade, e das tentativas de se alcançar o sucesso escolar, as propostas sobre novos paradigmas, e a necessidade aparentemente eminente de se procurar por práticas inovadoras, parecem sustentar as discussões que estruturaram, e apresentam-se ainda hoje como possibilidades para os problemas de infraestrutura, pedagógicos e formativos. Entretanto, tais reflexões não são contemporâneas, e são oriundas justamente da não adequação, ou readequação as necessidades sociais, que a escola, em seu contexto maior, tem tentado. A concepção a respeito do fracasso escolar relatado nos estudos de Patto (1988) ainda se fazem presentes, apesar das discussões da democratização do espaço educacional como possibilidade para construir uma escola para todos. (GOMES, 2010; PIMENTA et.al. 2013; SCHLUNZEN, 2015). Evidenciamos tais fatores nos dados do Programme for International Student Assessment (PISA 8 ) divulgados em 2013 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP 9 ) que mostram as escolas brasileiras nos últimos lugares do ranking. O programa que analisa as áreas de matemática, leitura e ciências de mais de 60 países do mundo para estudantes a partir de 15 anos que concluíram a escolarização básica (Ensino Fundamental), trouxe em seus classificatórios o Brasil em 58º lugar em matemática, 55º em leitura e 59º em ciências. Nos dados dos últimos anos, especificamente a partir dos anos 2000, o Brasil apresentou melhora em relação à quantidade média de pontos de 368 no ano 2000 para uma média de 402 pontos em 2012, ocupando a 53º posição no ranking mundial, entretanto tal “melhora” ainda não tira o país da situação de fracasso educacional. Relacionado a essas questões, de acordo com pesquisa realizada em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há em nosso país aproximadamente 14 milhões de analfabetos absolutos acima de 15 anos de idade. Ainda segundo a fonte, cerca de 8 http://www.oecd.org/pisa/ 9 http://portal.inep.gov.br/pisa-programa-internacional-de-avaliacao-de-alunos 40 20% da população brasileira enquadra-se na descrição de analfabeto funcional. E dados do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa indicam que aproximadamente 38% dos estudantes universitários no país são analfabetos funcionais. Os dados divulgados pelo INEP referentes à Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) realizada em 2014 com 3.294.729 de estudantes matriculados no 3º Ano do Ensino Fundamental (ano escolar referente ao término do ciclo de alfabetização escolar) das escolas públicas do país, apresentam um Brasil em que a maioria dos estudantes não conseguem ou tem dificuldades em localizar informações em textos curtos e que 1 de cada 5 estudantes só consegue ler palavras isoladas. Em um panorama maior, 56,17% dos estudantes ao final do primeiro ciclo não conseguem ou tem dificuldades para ler e interpretar informações, e apenas 9,88% dos estudantes conseguem escrever e articular ideias a estruturação textual de maneira satisfatória, e mais de 57% da população escolar desse grupo apresentam níveis insuficientes em relação à aprendizagem matemática. Distante do discurso esperado, e diante do que se tem sabido sobre a prática, a escola que temos sustenta um alocução de despreparo e impossibilidades (GOMES, 2010; PAROLIM, 2011). A escola que temos aparece enredada a um espaço que favorece e enaltece a diferença, a exclusão e o fracasso escolar sob a expectativa de um sujeito ideal para a escola – um estudante, um professor, uma família, um governo – e o embate com o que de fato compõe a sociedade brasileira, faz com que os processos educativos se frustrem, e distanciem cada dia mais da essência da proposta do espaço escolar. (PATTO, 1988; LIBANEO, 2002; MANTOAN, 2004; GOMES, 2010; PIMENTA et.al.2013;). Eu e meus colegas fomos obrigados a decorar complexas taxonomias botânicas, nomes, nomes e mais nomes... Mas nenhum professor, jamais, nos convidou a visitar o jardim botânico para conhecermos as plantas a que os nomes se referiam. Na escola se aprendem nomes, não aprendem as coisas a que eles se referem. (ALVES, 2003, p. 23). As ideias delineadas por Alves (2003) descrevem uma escola ainda presente, que apesar das modificações na sociedade, esperam por um espaço em que o saber se quantifique. Isso porque a escola que temos é composta por pessoas. Pessoas que compõem nossa sociedade, e que trazem a este espaço as concepções que as sustentam: uma visão elitizada sobre o direito ao aprender e o direito ao pertencer; uma fragmentação conteúdista sobre os componentes do ensino, avaliação e aprendizagem; e a culpabilização pelo status de fracasso a setores externos, como por exemplo: a família, o sistema político, as condições dos serviços, 41 ausência de formação continuada, o estudante, o sistema, etc. (SAVIANI, 1994; MATOAN, 2004; OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005; PIMENTA et.al., 2013; GATTI, 2014). A miséria da educação não aparece onde ela é pior. Sua miséria se revela justamente onde ela é excelente, competente. Pois... quando é que dissemos que ela é competente? Justamente ali, onde ela consegue, com competência administrar os corpos que ela deseja transformar. E que transformação é esta que ela deseja? Quem da a resposta de maneira mais clara e direta é Clark Kerr, presidente da Universidade de Berkeley, durante a crise estudantil que agitou no inicio da década de 1960. Estas são as suas palavras: “A universidade é uma fábrica para a produção de conhecimento e de técnicos a serviço das muitas burocracias da sociedade.” Coisa que Nietzche havia percebido muito antes, o que indica que essa tendência a educação não é coisa nova. (ALVES, 2003, p. 96). A essas ideias, os autores concordam sobre o conceito de que a escola contemporânea não se apresenta capaz de preparar os estudantes para assumir suas responsabilidades sociais, ingressarem no mundo do trabalho ou no Ensino Superior, seja em decorrência a origem humilde da massa que compõe a escola atual, seja pelas condições de oferta de trabalho e burocratização das propostas de ensino, em que as questões em torno da qualidade esbarram nos índices e prospectos que indicam a escola de “todos” como uma escola ruim. Paro (2007) ressalta que se tem atribuído à escola outras funções além da preocupação com o ensino, um currículo e a seleção de conteúdos, e Luckesi (1993) salienta que é justamente o afastamento da essência pedagógica que favorece a perpetuação da não aprendizagem. Ainda segundo Paro (2007, p.38) “[...] a educação escolar das massas é vista da perspectiva tradicional e conservadora de mera passagem de conhecimentos.” Entretanto é durante o processo educativo que não podemos separar de um lado conhecimento e de outra formação da personalidade do estudante, pois “enquanto se adquirem conhecimento, também se forma a personalidade e desenvolvem as habilidades sociais durante um processo de formação plena do indivíduo”. (LUCKESI 1993, p.142). Nesse sentido, entendemos que é necessário que a proposta educacional ensine as crianças a serem elas mesmas, a tomarem consciência de si, e que ensinem a conviver e respeitas os demais. A vida é convivência, com uma fantástica variedade de seres, seres humanos, velhos, adultos, crianças, das mais variadas raças, das mais variadas culturas, das mais variadas línguas, animais, plantas estrelas... Conviver é viver bem em meio a essa diversidade. (ALVES, 2003, p. 14). Nesse viés, ao considerar esses conceitos e a complexidade que enreda o espaço escolar, a escola que temos atualmente está em processo de consolidação de práticas 42 inclusivas. Ainda não compreende a plenitude do incluir. Não é para todos. Isso não significa que não aconteçam investimentos nas diversas áreas e setores que compõem o espaço escolar, mas, que por se tratar de uma concepção de um espaço em construção para uma diversidade humana que valorize as diferenças, ainda não se estabeleceu totalmente. Isso porque a escola que temos apresenta em seu cerne elementos enraizados na concepção de uma escola que não era para todos, e o rompimento desses costumes e expectativas, requer tempo, pesquisa, reflexão e desprendimento. Ao associar essas indagações sobre o espaço escolar, às discussões sobre inclusão escolar tornam-se ainda mais complexas. Nos trazem questionamentos sobre: como pensar em uma escola contemporânea que ultrapasse um espaço fragmentador de ensino para um de possibilidades para todos aquelas que o acessam? O que é necessário romper, propor ou permanecer? Diante disso, consideramos que: [...] existe um esforço coletivo dos pesquisadores e professores, em seus diferentes contextos institucionais locais, regionais, nacionais e internacionais, no intuito de efetivarem investigações e análises integradas do fenômeno educativo de ensinar, em equipes multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares. Não para delimitação de territórios, mas para significar a atividade científica que se volta para a educação como partícipe da construção de uma sociedade humana mais justa e igualitária. (PIMENTA et.al. 2013, p.146). De tal modo, não é a descaracterização ou ausência de tentativas em melhorar a escola, o ensino e a aprendizagem, mas considerar justamente o ensino como uma possibilidade situada historicamente em seus diversos contextos e desenvolvido por sujeitos professores que o têm como especificidade profissional a atuação prioritariamente em escolas, e para isso o: [...] compromisso é concretizar a aprendizagem para o conjunto dos sujeitos crianças, jovens, adultos, ou seja, sujeitos professores comprometidos com a formação humana emancipatória, nas sociedades desiguais. (PIMENTA et.al., 2013, p.146). A escola que queremos apresenta-se como possibilidade de reconhecimento social, constituída democraticamente, que respeita o ser humano e que possibilita que o ser humano possa aprender os saberes científicos, humanos e sociais. Uma escola democrática que não anula conceitos, não sublima áreas de conhecimento nem determina ou reduz as capacidades dos estudantes. A escola que queremos favorece a igualdade de oportunidades e enfatiza a importância no aprender. 43 A esses conceitos, é necessário articular a proposta de uma escola que reconheça o conceito de inclusão, e que desenvolva as atividades a partir do objetivo de refazer a educação escolar, segundo novos paradigmas, preceitos, ferramentas, tecnologias educacionais, entre outras necessidades que vierem aparecer. [...] penso que escola para a democracia e para a emancipação humana é aquela que, antes de tudo, através dos conhecimentos teóricos e práticos, propicia as condições do desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos.[...] Sendo assim, a tarefa das escolas fica muito clara, que é assegurar as condições para que a aprendizagem escolar se torne mais eficaz, mais sólida, mais consolidada, enquanto ferramenta para as pessoas lidarem com a vida. (LIBÂNEO, 1998, p. 19). Para a concepção da escola que queremos, é necessário considerar ainda o planejamento do ensino, a elaboração dos planos de aulas como ações que apresentam intenções, conscientes ou não da prática educativa que se quer desenvolver, reconhecendo assim o papel político que a escola tem. Pois, o planejamento escolar é uma ação política, um ato político-pedagógico que reflete a visão que o educador possui sobre o mundo educacional. (RAYS, 1989). Nesse sentido, o planejamento precisa ser concebido, assumido e vivenciado no cotidiano da prática social docente, como um processo de reflexão. Esse processo de reflexão de acordo com Fusari (1990 p.09) deve acontecer de maneira articulada, crítica e rigorosa, caracterizando-se como uma atitude reflexiva do educador perante seu trabalho. A essas práticas, acreditamos, na perspectiva a respeito da educação, que é necessário assumir a percepção do mundo, em que Alves (2003 p.104) enfatiza que “para se perceber um objeto, é necessário, antes de mais nada, acordar o sentido pelo qual nos apropriamos dele”. Nesse sentido, a escola que queremos seria o campo das ideias, das perguntas, e oportunidades, sem idealizações, pois teria em sua composição maior a possibilidade da valorização das habilidades humanas. A isso, o autor complementa que: Não existe nada mais fatal para o pensamento do que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as escolas, mas ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido. (ALVES, 2003, p.104). Deste modo a escola que queremos, tem por premissa um espaço democrático e inclusivo, em que se baseia na concepção dos seguintes princípios: Todas as crianças conseguem aprender; todas as crianças frequentam classes regulares adequadas a sua idade em suas escolas locais [...] recebem programas educativos adequados [...] recebem um currículo relevantes a suas necessidades, [...] participam de atividades co-curriculares e 44 extracurriculares, [e] beneficiam da cooperação e colaboração entre seus lares, sua escola e sua comunidade. (BRUNSWICK, 1994; POTTER E RICHLER, 1991). Tal concepção de escola, mesmo que ainda não efetivamente presente nos dias atuais, traz em sua essência o posicionamento reflexivo e histórico, e o questionamento como base da estr