Câmpus de São José do Rio Preto Ilis Magalhães Beloni Funções curvatura para curvas planas singulares São José do Rio Preto 2024 Ilis Magalhães Beloni Funções curvatura para curvas planas singulares Dissertação de Mestrado apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós- Graduação em Matemática, do Instituto de Bioci- ências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câm- pus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profa. Dra. Luciana de Fátima Mar- tins Financiadora: CAPES São José do Rio Preto 2024 B452f Beloni, Ilis Magalhães Funções curvatura para curvas planas singulares / Ilis Magalhães Beloni. -- São José do Rio Preto, 2024 44 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientadora: Luciana de Fátima Martins 1. 3/2-cúspide. 2. Curvatura normalizada. 3. Curvatura cuspidal. 4. Curvas de Legendre. 5. Curvatura de Legendre. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). Ilis Magalhães Beloni Funções curvatura para curvas planas singulares Dissertação de Mestrado apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós- Graduação em Matemática, do Instituto de Bioci- ências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câm- pus de São José do Rio Preto. Financiadora: CAPES Comissão Examinadora Profa. Dra. Luciana de Fátima Martins Orientadora Profª. Drª. Ana Claudia Nabarro USP – Departamento de Matemática-São Paulo Profª. Drª. Michelle Ferreira Zanchetta Morgado UNESP-Câmpus de São José do Rio Preto São José do Rio Preto 27 de setembro de 2024 Aos meus pais à minha irmã e a minha companheira de vida. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por permitir concluir a dissertação. Agradeço aos meus pais Valdelice e Genésio por sempre terem me incentivado aos estudos, também agradeço a minha irmã Eliani que junto comigo sempre gostou de matemática. A minha companheira de vida Raiza por sempre me apoiar. À minha orientadora Luciana por me orientar desde quando comecei a graduação até a defesa da dissertação, me ajudando e apoiando com minhas dúvidas e dificuldades. Aos meus amigos que fiz durante a jornada da graduação, principalmente o Lucas. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. “A imaginação é mais importante que o conhecimento.” Albert Einstein (1931, p. 58.) RESUMO Neste trabalho abordamos conceitos relacionados a 3/2-cúspides e curvas de Legendre planas que envolvem diferentes funções curvatura. Para 3/2-cúspides estudamos a definição de duas cur- vaturas (cuspidal e normalizada) e a relação entre elas e com a curvatura usual da curva nos pontos regulares. Também foi feito um paralelo com alguns conceitos conhecidos para curvas planas re- gulares, como exemplo, curvas parametrizadas por comprimento de arco, contato entre curvas e o teorema fundamental das curvas planas. Para curvas de Legendre, estudamos suas principais propriedades e resultados envolvendo curvatura de tais curvas, adaptando alguns conceitos que conhecemos para curvas regulares. Palavras-chave: 3/2-cúspide. Curvatura normalizada. Curvatura cuspidal. Curvas de Legendre. Curvatura de Legendre. ABSTRACT This work, we address concepts related to 3/2-cusps and plane Legendre curves that involve different curvature functions. For 3/2-cusps we studied the definition of two curvatures (cuspid and normalized) and the relationship between them and the usual curvature of the curve at regular points. We also made a parallel with some known concepts for regular plane curves, such as curves parameterized by arc length, contact between curves and the fundamental theorem of plane curves. For Legendre curves, we study their main properties and results involving curvature of such curves, adapting some concepts we know for regular curves. Keywords: 3/2-cusps. Normalized curvature. Cuspidal curvature. Legendre curves. Le- gendre curvature. Lista de Figuras 2.1 Traços das cuvas do Exemplo 2.1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 3.1 Traços de 3/2-cúspides. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 3.2 Cúspide do Exemplo 3.5. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 4.1 Traços da 3/2-cúspide, 4/3-cúspide, 5/2-cúspide. . . . . . . . . . . . . . . 29 Sumário 1 Introdução 9 2 Preliminares 10 2.1 Geometria diferencial de curvas planas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.2 O Lema de Hadamard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 3 Curvatura de 3/2-cúspides 14 3.1 Curvatura cuspidal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 3.2 Função curvatura normalizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 3.3 Teoremas fundamentais para cúspides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 4 Frontais e curvas de Legendre 28 4.1 Definição e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 4.2 Curvatura de curvas de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 4.3 Teoremas de existência e unicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 4.4 Contato entre curvas de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 4.5 Mudança de parâmetro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 4.6 Curvatura normalizada de curvas de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . 38 5 Conclusão 40 Referências 41 1 Introdução O estudo da geometria diferencial de curvas é um objeto clássico na Matemática, ha- vendo diferentes pontos de vista à considerar. Estamos interessados na categoria das curvas singulares. Nosso objetivo nesta dissertação é abordar alguns temas sobre geome- tria dessas curvas, os quais não encontramos em livros clássicos sobre a teoria. Primeiramente apresentamos no Capítulo 2 resultados de geometria diferencial de curvas planas regulares que utilizamos ao longo do trabalho. No Capítulo 3 focamos em 3/2-cúspides no plano, estudando o artigo [6]. Abordamos a definição de 3/2-cúspide e conceitos interessantes relacionados a ela. Por exemplo, a definição de curvatura cuspidal, que está relacionada com a ciclóide. Prosseguimos com a introdução de curvatura normalizada, apresentando uma relação entre a curvatura cuspidal e a curvatura euclidiana. Por fim abordamos um conceito utilizado para 3/2- cúspides chamado 1/2-comprimento de arco. Esse conceito é inspirado em resultados análogos para curvas planas regulares. Adiante prosseguimos com resultados análogos ao teorema fundamental das curvas planas para curvas regulares sob o ponto de vista de 3/2-cúspides. No Capítulo 4 estudamos frontais e curvas de Legendre, estudando o artigo [3]. Apre- sentamos alguns resultados de curvas planas mas agora sob o ponto de vista dessa curva, na qual também é preciso considerar um campo de vetores. Um desses conceitos é a curvatura de curvas de Legendre que é representado pelo par (ℓ(t), β(t)) conforme a De- finição 4.7. Através dos conceitos de existência e unicidade para curvas planas regulares apresentamos conceitos similares a esses mas agora considerando curvas de Legendre. Existe também o conceito de contato entre curvas regulares, da mesma forma podemos obter o conceito de contato entre curvas de Legendre. Analisamos também a mudança de parâmetro da curvatura de Legendre, aonde verificamos que a curvatura de Legendre da reparametrização é um múltiplo da curvatura da curva inicial. Por fim, retomamos o conceito de curvatura normalizada sob o ponto de vista de curvas de Legendre. 9 2 Preliminares Enunciamos nesse capítulo alguns conceitos que serão importantes no decorrer deste trabalho. Supomos todos os resultados desse capítulo conhecidos. Nosso objetivo aqui é usá-los como referência nos capítulos seguintes. 2.1 Geometria diferencial de curvas planas A referência usada nesta seção para consulta é o livro [7]. Uma curva parametrizada suave em R2, onde I ⊂ R é um intervalo aberto, é uma aplicação diferenciável γ : I → R2 de classe C∞. A curva γ é dita regular se para todo t ∈ I, γ′(t) ̸= (0, 0). Por outro lado, dizemos que t0 é um ponto singular de γ se γ′(t0) = (0, 0). O traço de uma curva é a sua imagem. Exemplo 2.1. A curva γ(t) = (t, t2) é regular pois, para todo t ∈ I, γ′(t) = (1, 2t) ̸= (0, 0). (Figura (2.1), esquerda). A curva γ(t) = (t2, t3) é singular em t = 0, uma vez que γ′(t) = (2t, 3t2), ou seja, γ′(0) = (0, 0) (Figura (2.1), centro). Considere um círculo de raio a > 0, com centro no eixo-x e rolando sobre esse eixo sem deslizamento. Um ponto dessa circunferência descreve uma curva chamada ciclóide, e pode ser parametrizada por: c(t) = a(t − sen t, 1 − cos t), (2.1.1) onde a é o raio da ciclóide. A Figura 2.1, direita, é o traço de uma ciclóide com a = 1. A ciclóide é singular em t = 2nπ, com n inteiro. Figura 2.1: Traços das cuvas do Exemplo 2.1 Fonte: Elaborado pelo autor. Suponhamos que γ : I → R2 é uma curva regular. A aplicação s(t) = ∫ t t0 ∥γ′(u)∥du é chamada função comprimento de arco de γ a partir de t0. Esta função é diferenciável de classe C∞, pois γ é uma curva regular. 10 Geometria diferencial de curvas planas 11 Dizemos que γ está parametrizada pelo comprimento de arco quando, para cada t0, t1 ∈ I, t0 ≤ t1, o comprimento do arco de γ de t0 a t1 é igual a t1 − t0, isto é, s(t1) = ∫ t1 t0 ∥γ′(t)∥dt = t1 − t0, onde s(t) é a função comprimento de arco de γ a partir de t0. Pode ser mostrado que γ está parametrizada pelo comprimento de arco se e só se ∥γ′(t)∥ = 1 para todo t ([7], Proposição 3.4). Além disso, toda curva regular admite uma reparametrização que esteja parametrizada pelo comprimento de arco, isto é, compondo γ com um difeomorfismo de R, obtemos uma nova curva parametrizada que tem o mesmo traço de γ e está parametrizada pelo comprimento de arco. De fato, basta tomar γ ◦ s−1, onde s é a função comprimento de arco de γ a partir de t0, para algum t0 ∈ I ([7], Proposição 3.6). Se o difeomorfismos for crescente, as curvas possuem a mesma orientação. Supondo que γ está parametrizada pelo comprimento de arco e denotando por s seu parâmetro, seja t(s) = γ′(s) seu vetor tangente unitário e n(s) seu vetor normal unitário, isto é, n(s) = J(t(s)), onde J é uma rotação anti-horária de 90◦ . O par {t(s), n(s)} é chamado referencial de Frenet. As fórmulas de Frenet são dadas por: t′(s) = κ(s)n(s) e n′(s) = −κ(s)t(s) onde κ(s) = ⟨t′(s), n(s)⟩ é a curvatura de γ em s. Se t é um parâmetro qualquer de γ, seu vetor tangente unitário é t(t) = γ′(t) ∥γ′(t)∥ . O vetor normal principal é o vetor ortogonal a t(t). Assim, as fórmulas de Frenet são dadas por t′(t) = ∥γ′(t)∥κ(t)n(t) e n′(t) = −∥γ′(t)∥κ(t)t(t), onde k(t) = −x′′(t)y′(t) + x′(t)y′′(t) ((x′(t))2 + (y′(t))2) 3 2 = det[γ′(t), γ′′(t)] ∥γ′(t)∥3 (2.1.2) é a curvatura de γ em t, onde γ(t) = (x(t), y(t)). Recordemos o seguinte resultado, em que apresentamos a demonstração, pois estu- daremos um resultado similar para curvas singulares e veremos que a demonstração é inspirada nessa para curvas regulares. Teorema 2.2. (Teorema fundamental das curvas planas) ([7], p. 52) a) Dada uma função diferenciável κ(s), s ∈ I ⊂ R, existe uma curva regular α(s), parametrizada pelo comprimento de arco s, cuja curvatura é κ(s). b) A curva α(s) acima é única quando fixamos α(s0) = p0 e α′(s0) = v0, onde v0 é um vetor unitário de R2. c) Se duas curvas α(s) e β(s) têm a mesma curvatura, então diferem por sua posição no plano, isto é, existe uma rotação L e uma translação T em R2 tal que α(s) = (L ◦ T )(β(s)). Demonstração. O Lema de Hadamard 12 a) Consideremos θ(s) = ∫ s s0 κ(t)dt, onde s0 ∈ I é fixo. Note que θ′(s) = κ(s). Fixemos um ponto p0 = (x0, y0) de R2 e λ ∈ R. Definimos uma curva α(s) = (x(s), y(s)) por x(s) = x0 + ∫ s s0 cos(θ(t) + λ)dt y(s) = y0 + ∫ s s0 sen (θ(t) + λ)dt. Vamos verificar que a curva α assim definida está parametrizada pelo comprimento de arco s e sua curvatura é κ(s). Como o referencial de Frenet é t(s) = α′(s) = (cos(θ(s) + λ), sen (θ(s) + λ)), n(s) = (− sen (θ(s) + λ), cos(θ(s) + λ)), então ∥α′(s)∥ = 1, ou seja, α está parametrizada pelo comprimento de arco, e a curvatura de α é dada por ⟨t′(s), n(s)⟩ = ⟨(− sen (θ(s) + λ)θ′(s), cos(θ(s) + λ)θ′(s)), (− sen (θ(s) + λ), cos(θ(s) + λ))⟩ = sen 2(θ(s) + λ)θ′(s) + cos2(θ(s) + λ)θ′(s) = θ′(s) = κ(s), como queríamos. b) Seja α(s) = (x(s), y(s)) uma curva regular parametrizada pelo comprimento de arco s, cuja curvatura é k(s). Segue das equações de Frenet que (x′′(s), y′′(s)) = κ(s)(−y′(s), x′(s)), isto é, x(s) e y(s) satisfazem as equações x′′(s) = −κ(s)y′(s) e y′′(s) = −κ(s)x′(s). Portanto, segue do teorema de unicidade de solução do sistema de equações diferencias que, fixados α(s0) = p0 e α′(s0) = v0, a curva α é única. c) Sejam α e β duas curvas que têm a mesma curvatura. Fixado s0, existe uma rotação L e uma translação T de R2 tal que a curva α̃ = L ◦ T ◦ β satisfaz α̃(s0) = α(s0) e α̃′(s0) = α′(s0). Segue-se do item b) que α̃ ≡ α. Portanto, α = L ◦ T ◦ β. 2.2 O Lema de Hadamard A seguir apresentamos o Lema de Hadamard que terá o resultado utilizado no capítulo da 3/2-cúspide, na Proposição 3.11. Teorema 2.3. (Lema de Hadamard) ([2], p. 50) Sejam f : I → R função suave e k ≥ 0, onde I é um intervalo contendo t0. Se f (i)(t0) = 0, para i = 1, 2, . . . , k, então existe uma função suave f1 : J → R tal que f(t) = f(t0) + (t − t0)k+1f1(t), para todo t próximo de t0, onde J = (t0 − ϵ, t0 + ϵ) com ϵ < 0. Além disso, se f (k+1)(t0) ̸= 0, então f1(t0) ̸= 0. O Lema de Hadamard 13 Demonstração. Considere inicialmente o caso particular t0 = f(t0) = 0. Seja F : U → R uma função diferenciável, onde U intervalo contendo a origem. Provaremos que se F (p)(0) = 0 para todo p = 1, 2, . . . , k, então F (t) = tk+1F1(t), com F1 diferenciável. A prova será por indução sobre k. De fato, i) Se k = 0, F (0) = 0, provemos que F (t) = tF2(t), para alguma F2 diferenciável. Note que, pelo Teorema Fundamental do Cálculo: F (t) = F (t) − F (0) = ∫ 1 0 d du F (tu)du Ou seja, F (t) = ∫ 1 0 d du F (tu)du = t ∫ 1 0 F ′(tu)du. Seja F2(t) = ∫ 1 0 F ′(tu)du, que é uma função diferenciável. Portanto F (t) = tF2(t). ii) Agora suponhamos que isso vale para k, ou seja, F (p)(0) = 0, para todo p = 1, 2, 3 . . . , k, então F (t) = tk+1F1(t). iii) Vamos mostrar que se F p(0) = 0, para todo p = 1, 2, . . . , k + 1 então F (t) = tk+2F3(t), com F3 uma função diferenciável. Do caso k = 0 temos que F (t) = tF2(t). Derivando ambos os lados p vezes chegaremos a F (p)(t) = p · F (p−1) 2 (t) + t · F (p) 2 . Quando t = 0, F (p)(0) = p · F (p−1) 2 (0). Da hipótese do passo iii) de indução, F (p)(0) = 0 para todo p = 1, 2, . . . , k + 1 e como p ̸= 0, logo F (p−1) 2 (0) = 0 para todo p = 1, 2, . . . , k + 1, o que equivale a dizer que F (p) 2 (0) = 0, para todo p = 1, 2, . . . , k. Assim, por hipótese de indução, F2(t) = tk+1F3(t), com F3 diferenciável. Ou seja, F (t) = tF2(t) = ttk+1F3(t) = tk+2F3(t). Portanto, F (t) = tk+2F3(t), para uma F3 diferenciável. Provemos, para o caso geral. Considere f (p)(t0) = 0 para todo p = 1, 2, . . . , k. Seja F (t) = f(t + t0) − f(t0). Como f é diferenciável segue que F é diferenciável, e para t = 0, F (0) = f(t0) − f(t0) = 0. Além disso, F ′(t) = f ′(t + t0). Para t = 0, F ′(0) = f ′(t0) = 0, do mesmo modo as derivadas de F se anulam até a ordem k, pois F (k)(0) = f (k)(t0) = 0. Logo concluímos que F (p)(0) = 0 para todo p = 1, 2 . . . , k. Assim, pela primeira parte da prova para o caso t = 0, existe uma função F1 diferen- ciável tal que F (t) = tk+1F1(t). Como F (t) = f(t + t0) − f(t0), então f(t + t0) − f(t0) = tk+1F1(t). Tomando s = t − t0, temos f(s + t0) = f(t0) + (s)k+1F1(s). Logo, chamando f1(t) = F1(s), chegaremos que f(t) = f(t0) + (t − t0)k+1f1(t), em que f1 é diferenciável, pois F1 é diferenciável. Portanto, se f (p)(0) = 0 para todo p = 1, 2, . . . , k, então existe f1 diferenciável, tal que f(t) = f(t0) + (t − t0)k+1f1(t), como queríamos. 3 Curvatura de 3/2-cúspides Neste capítulo estudamos curvaturas para 3/2-cúspides em R2 (Definição 3.1). As referências para esse estudo são os artigos [6] e [5]. Embora não trabalhamos com ger- mes de aplicações e com os fundamentos gerais da Teoria de Singularidades, observa- mos que é conhecido que as singularidades de germes de aplicações (R, 0) → (R2, 0) que são determinados pelos seus 5-jatos com respeito à A-equivalência são somente as j/i- cúspides, com (i, j) = (2, 3), (2, 5), (3, 4), (3, 5), sendo uma j/i-cúspide um germe de curva γ : (R, 0) → (R2, 0) que é A-equivalente a t 7→ (ti, tj). Denotando por κ a curvatura de uma curva em R2 definida em seus pontos regulares, no caso de 3/2 cúspides podemos verificar que essa função diverge no ponto singular. Em [5] os autores definem uma curvatura para 3/2-cúspides no ponto singular, chamada curvatura cuspidal, e mostram que o quadrado da curvatura cuspidal é igual ao inverso do raio da ciclóide que dá uma melhor aproximação para a 3/2-cúspide (Proposição 3.11). Este resultado é análogo ao que ocorre em pontos regulares em que a curvatura κ é não nula, considerando seu círculo osculador, conforme comentaremos mais adiante. Em [6], os autores definem uma função de classe C∞ para 3/2-cúspides, chamada fun- ção curvatura normalizada, apresentam uma expressão que relaciona a curvatura cuspidal com a curvatura κ no ponto singular da 3/2 cúspide em t = 0, e estudam suas proprie- dades. Essa relação é dada por µ(0) = 2 √ 2 limt→0 √ |s(t)| κ(t), onde µ(0) é a curvatura cuspidal da 3/2-cúspide em t = 0 e √ |s(t)| κ(t) é a curvatura normalizada. Ao longo desse capítulo I denotará um intervalo aberto de R contendo a origem e todas as aplicações consideradas são suaves, isto é, de classe C∞. 3.1 Curvatura cuspidal Definição 3.1. Uma curva suave γ : I → R2 é chamada uma 3/2-cúspide, ou cúspide ordinária, em 0 ∈ I, se 0 é um ponto singular de γ e existem uma mudança de coordena- das h : J → I, com J um intervalo aberto contendo 0 tal que h(0) = 0, e um difeomorfismo local φ : U → R2, com U ⊂ R2 um aberto contendo γ(0), tal que φ ◦ γ ◦ h(t) = (t2, t3). Dizemos também que o ponto singular t = 0 é uma 3/2-cúspide de γ (ou uma cúspide ordinária de γ). Observação 3.2. Conforme acima, dizemos que uma curva suave γ : I → R2 é chamada n/m-cúspide se φ ◦ γ ◦ h(t) = (tm, tn) e 0 é um ponto singular de γ. Exemplo 3.3. A curva γ(t) = (at2, bt3), com a, b ∈ R não nulos, é uma 3/2-cúspide em 0. De fato, tomando os difeomorfismos h(s) = s e φ(x, y) = (x/a, y/b), obtemos φ ◦ γ ◦ h(s) = φ ◦ γ(s) = φ(at2, bt3) = (t2, t3). 14 Curvatura cuspidal 15 Na figura abaixo apresentamos o traço da curva γ(t) = (t2, t3) (basta tomar a = b = 1 no exemplo anterior), à esquerda, e de γ̃(t) = (−3t2, 2t3), à direita (a = −3 e b = 2). Figura 3.1: Traços de 3/2-cúspides. Fonte: Elaborado pelo autor. A seguinte proposição é um resultado conhecido (ver por exemplo em [1]) que apresenta um critério para reconhecimento de 3/2-cúspides, onde det[a, b] = a1b2 − a2b1, sendo a = (a1, a2) e b = (b1, b2). Proposição 3.4. (Critério para 3/2-cúspides) Seja γ : I → R2 uma curva singular em t = 0. Uma condição necessária e suficiente para que γ seja uma 3/2-cúspide em 0 é que det[γ′′(0), γ(3)(0)] ̸= 0, ou seja, os vetores γ′′(0) e γ(3)(0) são linearmente independentes. Exemplo 3.5. A curva γ(t) = (cos t+t sen t, −t cos t+ sen t) é uma 3/2-cúspide em t = 0. De fato, temos: γ′(t) = (t cos t, t sen t) γ′′(t) = (cos t − t sen t, sen t + t cos t) e γ′′′(t) = (−2 sen t − t cos t, 2 cos t − t sen t). Assim, det[γ′′(t), γ(3)(t)] = 2 cos2 t − t cos t sen t − 2t sen t cos t + t2 sen 2t + 2 sen 2t + t sen t cos t + 2t cos t sen t + t2 cos2 t = 2 cos2 t + 2 sen 2t + t2 sen 2t + t2 cos2 t = 2 + t2 . Como γ′(0) = (0, 0) e det[γ′′(0), γ(3)(0)] = 2, segue do critério de 3/2-cúspides que γ é uma 3/2-cúspide em t = 0. O traço de γ é dado na Figura (3.2). Figura 3.2: Cúspide do Exemplo 3.5. Fonte: Elaborado pelo autor. Curvatura cuspidal 16 Definição 3.6. Uma 3/2-cúspide γ : I → R2 é positiva se det[γ′′(0), γ(3)(0)] > 0 e negativa se det[γ′′(0), γ(3)(0)] < 0. Exemplo 3.7. (a) Considerando γ(t) = (t2, t3), temos γ′′(t) = (2, 6t), γ(3)(t) = (0, 6) e, portanto, det[γ′′(0), γ(3)(0)] = 12 > 0, ou seja, γ é uma cúspide positiva. Por outro lado, para a curva γ̃(t) = (−3t2, 2t3), temos γ̃′′(t) = (−6, 12t) e γ̃(3)(t) = (0, 6) e, assim, det[γ̃′′(0), γ̃(3)(0)] = −36 < 0, ou seja, γ̃ é uma cúspide negativa. (b) Seja γ(t) = (at2, bt3) com a, b reais não nulos. Temos γ′′(t) = (2a, 6bt) e γ(3)(t) = (0, 6b), e portanto det[γ′′(0), γ(3)(0)] = 12ab. Quando ab > 0 obtemos que a cúspide é positiva. Quando ab < 0 obtemos que a cúspide é negativa. Observe que o sinal da cúspide é invariante por difeomorfismos de R2 que preservam orientação, isto é, dado um difeomorfismo ϕ de R2 tal que det(Jϕ(0)) > 0, onde Jϕ(0) é a matriz Jacobiana de ϕ em 0, então ϕ ◦ γ é uma 3/2-cúspide que tem o mesmo sinal da 3/2-cúspide γ. De fato, det[(ϕ ◦ γ)′′(0), (ϕ ◦ γ)(3)(0)] = det(Jϕ(0)) det[γ′′(0), γ(3)(0)]. Nos pontos regulares de uma 3/2-cúspide temos bem definida sua curvatura, dada por (2.1.2). No ponto singular t = 0, temos a seguinte definição para curvatura, a qual foi apresentada em [5]. Definição 3.8. Seja γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em 0. A curvatura cuspidal µ de γ em t = 0 é o número real dado por: µ = det[γ′′(0), γ(3)(0)] ∥γ′′(0)∥ 5 2 . (3.1.1) O raio da curvatura cuspidal é o número real positivo 1 µ2 . Segue da Proposição 3.4 que γ′′(0) ̸= (0, 0). Além disso, uma 3/2-cúspide é positiva (respectivamente, negativa) se, e somente se, sua curvatura cuspidal é positiva (respectiva- mente, negativa) e, portanto, o sinal da curvatura cuspidal é invariante por difeomorfismos de R2 que preservam orientação. Exemplo 3.9. (a) Calculemos a curvatura cuspidal das 3/2-cúspides do Exemplo 3.7(a). Considerando γ(t) = (t2, t3), temos γ′′(0) = (2, 0). Portanto, µ = 3 √ 2 2 . Para a curva γ̃(t) = (−3t2, 2t3), temos γ′′(0) = (−6, 0) e, portanto, µ = − √ 6 6 . (b) Mostremos que a ciclóide c(t) = a(t− sen t, 1−cos t), com a > 0, é uma 3/2-cúspide em t = 0 e encontremos sua curvatura cuspidal. Temos: c′(t) = (a − a cos t, a sen t), c′′(t) = (a sen t, a cos t) e c(3)(t) = (a cos t, −a sen t). Assim c′(0) = (0, 0), c′′(0) = (0, a), c(3)(0) = (a, 0) e, portanto det[c′′(0), c(3)(0)] = −a2 ̸= 0. Segue da Proposição 3.4, que c(t) é uma 3/2-cúspide em t = 0. Sua curvatura cuspidal é dada por µ = −a2 a 5 2 = −1√ a . Consequentemente, seu raio de curvatura cuspidal é igual a 1 µ2 = a. Curvatura cuspidal 17 Em um ponto regular t0 de γ em que a curvatura κ é não nula, o inverso do valor absoluto da curvatura é o raio de curvatura de γ e o círculo osculador de γ em t0 (círculo com centro no ponto γ(t0) + 1 κ(t0) n(t0), onde n(t0) é o vetor normal unitário de γ, e tem raio igual a 1/|κ(t0)|) é o círculo que melhor aproxima a curva até uma determinada ordem. Para sermos mais precisos, recordemos a seguinte definição: Definição 3.10. Sejam α : I → R2 e β : Ī → R2 curvas regulares tal que α(t0) = β(t0), onde t0 ∈ I ∩ Ī. Dizemos que α e β têm contato de ordem ≥ n em t0 (n ≥ 1 inteiro) se todas as derivadas de ordem ≤ n de α e β coincidem em t0. Se além disso, ocorrer de as derivadas de ordem n + 1 em t0 serem distintas, dizemos que o contato é de ordem n em t0. É conhecido que a reta tangente à uma curva regular em t0 é a única curva que tem contato de ordem ≥ 1 em t0 com a curva dada (conforme Proposição 7.3 de [7]). O círculo osculador tem contato de ordem ≥ 2 com a curva, e a demonstração pode ser encontrada, por exemplo, em [7] (Proposição 7.4). Ainda mais, pode ser mostrado que ele é o único círculo que passa pelo ponto considerado da curva e que tem contato de ordem ≥ 2 no parâmetro considerado. Podemos dizer que o círculo osculador da curva é o círculo que melhor aproxima da curva até ordem 2. Veremos a seguir um resultado análogo para uma 3/2-cúspide no ponto singular. Neste caso, uma ciclóide (definida no Exemplo 4.3) fará o papel do círculo osculador. Proposição 3.11. ([5], p. 604) Seja γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em 0. Então, a menos de uma rotação de R2 e uma mudança de coordenadas em R, existe uma única ciclóide c(t) tal que o raio de curvatura cuspidal de γ coincide com o raio da ciclóide. Além disso, γ(t) − c(t) = o(t3), onde o(t3) = limt→0 ∥γ(t) − c(t)∥ | t3 | = 0, isto é, os polinômios de Taylor de c(t) e γ(t) coincidem até ordem 3. Demonstração. Podemos supor que γ(0) = (0, 0). Como γ é uma 3/2-cúspide em 0, então γ′(0) = (0, 0) e γ′′(0) ̸= (0, 0). Portanto, pelo Lema 2.3 (Hadamard) existem funções suaves a(t) e b(t) tais que γ(t) = t2(a(t), b(t)), com (a(0), b(0)) ̸= (0, 0), ou seja, a(0) e b(0) não se anulam simultaneamente. Suponhamos que b(0) ̸= 0 (se b(0) = 0, então a(0) ̸= 0 e a demonstração segue de modo análogo). Podemos assumir, a menos de rotação de R2, que b(0) > 0 e a(0) = 0. De fato, tomando a rotação Rθ(x, y) = (x cos θ − y sen θ, x sen θ + y cos θ), com θ ∈ (−π 2 , π 2 ) satisfazendo tg θ = a(0) b(0) , obtemos: Rθ ◦ γ(t) = t2(a(t) cos θ − b(t) sen θ, a(t) sen θ + b(t) cos θ) = t2(ã(t), b̃(t)), onde ã(t) = a(t) cos θ − b(t) sen θ e b̃(t) = a(t) sen θ + b(t) cos θ. Então, temos: tg θ = sen θ cos θ = a(0) b(0) ⇔ a(0) cos θ − b(0) sen θ = 0, ou seja, ã(0) = 0. Curvatura cuspidal 18 Além disso, temos: b̃(0) = a(0) sen θ + b(0) cos θ = a(0)a(0) b(0) cos θ + b(0)2 b(0) cos θ = cos θ b(0) (a(0)2 + b(0)2) ̸= 0, uma vez que θ ∈ (−π 2 , π 2 ). Se b(0) > 0, como cos θ > 0, então b̃(0) > 0. Caso b(0) < 0, então basta tomar (π 2 , 3π 2 ) como domínio da rotação. Portanto, assumimos que γ(t) = t2(a(t), b(t)), com a(0) = 0 e b(0) > 0. Seja h(t) = t √ b(t) definida em uma vizinhança de t = 0 em que b(t) > 0. Como h′(t) = √ b(t) + t b′(t) 2 √ b(t) , então h′(0) = √ b(0) ̸= 0 e, portanto, h é um difeomorfismo local em t = 0. Tomemos a reparametrização de γ dada por γ̃(s) = (γ ◦ g)(s), onde g = h−1. Vamos mostrar que γ̃(s) = (λs3, s2) + o(s3), para algum λ > 0, onde o(s3) é como no enunciado da proposição. Para mostrarmos isso, encontremos a expressão de Taylor de γ̃ em t = 0. Temos: γ̃′(s) = g′(s)γ′(g(s)), γ̃′′(s) = g′′(s)γ′(g(s)) + g′(s)2γ′′(g(s)) e γ̃(3)(s) = g(3)(s)γ′(g(s)) + 3g′(s)g′′(s)γ′′(g(s)) + g′(s)3γ(3)(g(s)). Como g′(s) = 1 h′(g(s)) e g(0) = 0, obtemos: g′(0) = 1√ b(0) e g′′(s) = ( 1 h′ ◦ g )′(s) = −g′(s)h′′(g(s)) h′(g(s))2 . Como h′′(t) = b′(t)√ b(t) + t∗, onde ∗ é uma função de t, obtemos h′′(0) = b′(0)√ b(t) , de onde segue que g′′(0) = −1 h′(0)2 h′′(0)g′(0) = −b′(0) b(0)2 . Como γ(t) = (t2a(t), t2b(t)), temos: γ′(t) = (2ta(t) + t2a′(t), 2tb(t) + t2b′(t)), γ′′(t) = (2a(t) + 4ta′(t) + t2a′′(t), 2b(t) + 4tb′(t) + t2b′′(t)) e γ(3)(t) = (6a′(t) + 6ta′′(t) + t2a(3)(t), 6b′(t) + 6tb′′(t) + t2b(3)(t)). Logo, γ′′(0) = (0, 2b(0)) e γ(3)(0) = 6(a′(0), b′(0)). Portanto, γ̃(0) = (0, 0), γ̃′(0) = (0, 0), γ̃′′(0) = (0, 2) e γ̃(3)(0) = 6( a′(0)√ b(0) 3 , 0). Assim, pela fórmula de Taylor em t = 0, obtemos: γ̃(s) = γ̃(0) + γ̃′(0)s + γ̃′′(0) 2 s2 + γ̃(3)(0) 6 s3 + o(s3) = (0, 1)s2 + a′(0) 1√ b(0) 3 , 0  s3 + o(s3) =  a′(0)√ b(0) 3 s3, s2 + o(s3) = (λs3, s2) + o(s3), Curvatura cuspidal 19 onde λ = a′(0)√ b(0) 3 ̸= 0, uma vez que, como γ é uma 3/2-cúspide em 0, temos det[γ′′(0), γ(3)(0)] = −12a′(0)b(0) ̸= 0, e como b(0) > 0, segue que a′(0) ̸= 0 . Podemos supor λ > 0 pois, caso contrário, trocamos h por −h. Consideremos agora a ciclóide dada por c(t) = 2 9λ2 (t − sen t, 1 − cos t), que tem raio 2 9λ2 . Tomando a mudança de variável g(s) = 3λs e a reparametrização de c(t) dada por c̃(s) = (c ◦ g)(s) = 2 9λ2 (3λs − sen (3λs), 1 − cos(3λs)). Afirmamos que c̃ é a ciclóide desejada. De fato, calculando a expressão de Taylor em 0 de c̃(s), obtemos: c̃(s) = (0, 0) + (0, s2) + (λs3, 0) + o(s3) = (λs3, s2) + o(s3). Portanto γ̃(s) − c̃(s) = o(s3). Mostremos que o raio de curvatura cuspidal de γ̃ coincide com o raio da ciclóide c̃. Como γ(3)(s) = (6λ, 0), então µc = det[γ′′(0), γ(3)(0)] ∥γ′′(0)∥ 5 2 = −12λ 2 5 2 = −3λ√ 2 , e assim 1 µ2 c = 2 9λ2 , como queríamos. Para a unicidade, tomemos uma ciclóide d(t) = a(t− sen t, 1−cos t) de raio a qualquer. Considerando a mesma mudança de coordenada g(s) = 3λs, temos a reparametrização d̃(s) = (d ◦ g)(s) = a(3λs − sen (3λs), 1 − cos(3λs)), que também é uma ciclóide de raio a. Expandindo d̃(s) em Taylor na origem, obtemos d̃(s) = (0, 9λ2a) 2 s2 + (27λ3a, 0) 6 s3 + o(s3) = ( 27λ3a 6 s3, 9λ2a 2 s2 ) + o(s3). Assim γ̃(s) − d̃(s) = o(s3) se, e somente se, 27λ3a 6 = λ e 9λ2a 2 = 1 Portanto a = 2 9λ2 , de onde concluímos que é única a ciclóide satisfazendo as condições da proposição. Função curvatura normalizada 20 3.2 Função curvatura normalizada Nosso objetivo agora é estudar um resultado que apresenta uma expressão que re- laciona as curvaturas κ e µ de uma 3/2-cúspide, sendo κ a curvatura usual dada em 2.1.2, o que inspira a definição de uma segunda curvatura, chamada função curvatura normalizada, apresentada em [6]. Consideremos a 3/2-cúspide γ(t) = (t2, t3). Temos: lim t→0 κ(t) = lim t→0 det[γ′(t), γ′′(t)] ∥γ′(t)∥3 = lim t→0 3 4|t| = ∞. Logo a curvatura k de γ diverge em t = 0. Veremos que a função curvatura normalizada para 3/2-cúspides é uma função suave definida em I. Seja γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em t = 0. Podemos tomar a função comprimento de arco de γ a partir de t0 = 0 dada por: s(t) = ∫ t 0 ∥γ′(u)∥du . Sabemos que no caso de curvas regulares, a inversa da função comprimento de arco a partir de qualquer t0 fixado é uma mudança de coordenadas para a curva. No Teorema 1.1 de [6] os autores apresentam uma adaptação dessa função, obtendo uma mudança de coordenadas para 3/2-cúspides. Definição 3.12. Dada uma 3/2-cúspide γ : I → R2 em t = 0, a aplicação τ : I → R dada por τ(t) = sgn(t) √ |s(t)| (3.2.1) é chamada função 1/2-comprimento de arco de γ, onde sgn(t) denota o sinal de t, isto é, sgn(t) = 1 se t ≥ 0 e sgn(t) = −1 se t ≤ 0. Exemplo 3.13. A função comprimento de arco da 3/2-cúspide γ(t) = (t2, t3) é dada por s(t) = ∫ t 0 √ 4t2 + 9t4dt = sgn(t) ∫ t 0 t √ 4 + 9t2dt . Chamando u = 4 + 9t2, por substituição obtemos s(t) = sgn(t) ∫ 4+9t2 4 √ u 18 du. Como ∫ √ udu = 2 3u 3 2 + cte, obtemos s(t) = sgn(t) |(9t2 + 4) 3 2 − 8| 27 , que é uma função contínua, porém não é de classe C∞ em t = 0. Por outro lado, a função 1/2-comprimento de arco de γ é τ(t) = sgn(t) √ |s(t)| = sgn(t) √ |(9t2 + 4) 3 2 − 8| 3 √ 3 é suave em t = 0. Função curvatura normalizada 21 Veremos que τ é uma mudança de parâmetro para 3/2-cúspides. Para isso, usaremos o seguinte lema: Lema 3.14. (Lema A1, [6]) Sejam φ(t) uma função de classe C∞ em t = 0 e ϕ(t) =∫ t 0 |u|φ(u)du. A função Φ(t) = ϕ(t) sgn(t)t2 é de classe C∞ em t = 0. Além disso, Φ(0) = φ(0) 2 . Demonstração. Como ϕ(t) é de classe C1, pois ϕ′(u) = |u|φ(u), obtemos: ϕ(t) = ϕ(t) − ϕ(0) = ∫ 1 0 dϕ(tu) du du = ∫ 1 0 tϕ′(tu)du = sgn(t)t2 ∫ 1 0 |u|φ(tu)du. Como ∫ 1 0 |u|φ(tu)du é de classe C∞ em t = 0, segue o resultado aplicando a regra de L’Hospital. Finalmente, temos o seguinte resultado, que é parte do Teorema 1.1 de [6]. Teorema 3.15. (Lema 2.1 [6]) Seja γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em t = 0. A função 1/2-comprimento de arco τ de γ é um difeomorfismo crescente de classe C∞ em uma vizinhança de t = 0. Demonstração. Podemos assumir sem perda de generalidade, que γ(0) = (0, 0). Seja Ψ(t) := √ |s(t)| |t| . (3.2.2) Vamos mostrar primeiramente que Ψ é uma função de classe C∞ em (uma vizinhança de) t = 0. Pela regra de L’Hospital, temos: lim t→0 γ′(t) t = γ′′(0) ̸= (0, 0), (3.2.3) o que implica que γ′(t)/t é de classe C∞ em t = 0 e, assim, φ(t) := ∥γ′(t)∥ |t| é uma função de classe C∞ em 0. Seja ϕ(t) = ∫ t 0 |u|φ(u)du. Então ϕ(t) = s(t). Pelo Lema 3.14 e como sgn(s(t)) = sgn(t), segue que Φ(t) = s(t) sgn(t)t2 = |s(t)| t2 é uma função classe C∞ em t = 0. Pela regra de L’Hospital e por (3.2.3), obtemos: lim t→0 ∣∣∣∣∣s(t) t2 ∣∣∣∣∣ = lim t→0 ∥γ′(t)∥ 2|t| = ∥γ′′(0)∥ 2 > 0 . Em particular, lim t→0 √ |s(t)| |t| = √ ∥γ′′(0)∥ √ 2 . (3.2.4) Função curvatura normalizada 22 Portanto Ψ(t) é uma função de classe C∞ em t = 0, como afirmamos. Consequentemente, τ(t) = sgn(t) √ |s(t)| = tΨ(t) é uma função de classe C∞ em t = 0. Além disso, pelo Lema 3.14, Φ(0) > 0 e, portanto, τ ′(0) > 0, de onde concluímos que a função τ é um difeomorfismo crescente em uma vizinhança de t = 0. Segue da proposição anterior que podemos considerar uma reparametrização de uma dada 3/2-cúspide (compondo com τ−1) obtendo uma nova curva, que continua sendo uma 3/2-cúspide. Apesar da demonstração desse fato ser bem simples, formalizamos a seguir. Corolário 3.16. Sejam γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em t = 0 e τ : I → R a função 1/2−comprimento de arco de γ. A curva γ̃ = γ ◦ τ−1 : J → R2, onde J = τ(I), é uma 3/2-cúspide em 0. Demonstração. Seja h = τ−1. Escrevendo τ(t) = u, como τ(t) = sgn(t) |s(t)|1/2 então τ(0) = 0. Temos γ̃(u) = γ ◦ h(u) e γ̃′(u) = h′(u)γ′(h(u)) , γ̃′′(u) = h′′(u)γ′(h(u)) + h′(u)2γ′′(h(u)) e γ̃(3)(u) = h′′′(u)γ′(h(u)) + 3h′(u)h′′(u)γ′′(h(u)) + (h′(u))3γ′′′(h(u) . Portanto det[γ̃′′(0), γ̃′′′(0)] = h′(0)5 det[γ′′(0), γ′′′(0)] ̸= 0, uma vez que γ é uma 3/2- cúspide em 0 e τ é um difeomorfismo local em t = 0. Encontrar a função inversa de τ nem sempre é uma tarefa fácil. A função τ encontrada no Exemplo 3.13 ilustra isso. Veremos a seguir um exemplo em as contas podem ser feitas facilmente. Exemplo 3.17. A função comprimento de arco da 3/2-cúspide γ dada no Exemplo 3.5 é dada por s(t) = ∫ t 0 ∥γ′(t)∥dt = ∫ t 0 √ t2 cos2 t + t2 sen 2t dt = sgn(t)t2 2 . Assim, τ(t) = sgn(t) √ |s(t)| = sgn(t) √ t2 2 = t √ 2 2 . Portanto, τ−1(t) = √ 2 t. Obtemos assim a reparametrização de γ dada por: γ̃(u) = γ ◦ τ−1(u) = (cos( √ 2 u) + √ 2 u sen ( √ 2 u), − √ 2 u cos( √ 2 u) + sen ( √ 2 u)). Para curvas regulares parametrizadas por comprimento arco, sabemos que a função comprimento de arco de t0 a t1, com t0 ≤ t1, é igual a t1 − t0 e a norma do vetor tangente é constante igual a 1. Fazemos a seguir um estudo similar para 3/2-cúspides usando a função 1/2-comprimento de arco. Definição 3.18. Dizemos que uma 3/2-cúspide γ : I → R2 em 0 está parametrizada por 1/2-comprimento de arco (por simplicidade, diremos que γ é 1/2-ppca) quando sua função 1/2-comprimento de arco satisfaz τ(t) = t, isto é, quando sgn(t) √ |s(t)| = t. Dizemos nesse caso que t é o parâmetro 1/2-comprimento de arco de γ. Exemplo 3.19. A 3/2-cúspide γ̃ obtida no Exemplo 3.17 está parametrizada por 1/2- comprimento de arco. De fato, temos: γ̃′(u) = (− √ 2 sen ( √ 2 u) + √ 2 sen ( √ 2 u) + 2 u cos( √ 2 u), − √ 2 cos( √ 2 u) + 2u sen ( √ 2 u) + √ 2 cos( √ 2 u)), Função curvatura normalizada 23 de onde obtemos ∥γ̃′(u)∥ = √ 4u2(cos2( √ 2 u) + sen 2( √ 2 u)) = 2|u|. Assim, a função comprimento de arco de γ̃ é s(u) = ∫ u 0 ∥γ̃′(t)∥dt = ∫ u 0 2|t|dt = sgn(u)u2. Portanto, a função 1/2-comprimento de arco τ de γ̃ é dada por τ(u) = sgn(u) √ |s(u)| = sgn(u) √ u2 = u, de onde concluímos que γ̃ está parametrizada por 1/2-comprimento de arco. Proposição 3.20. ([6], Observação 2.2) Uma 3/2-cúspide γ : I → R2 em t = 0 está parametrizada por 1/2-comprimento de arco se, e somente se, ∥γ′(t)∥ = 2|t|. Demonstração. Suponhamos que γ é 1/2-ppca, isto é, que τ(t) = sgn(t) √ |s(t)| = t. Então t2 = |s(t)| = sgn(t)s(t). Derivando essa última expressão, obtemos: s′(t) = sgn(t)2t = 2|t| . Como s′(t) = ∥γ′(t)∥, obtemos que ∥γ′(t)∥ = 2|t|, como queríamos. Reciprocamente, se ∥γ′(t)∥ = 2|t|, então s(t) = sgn(t)t2. Assim, τ(t) = sgn(t) √ |s(t)| = sgn(t)|t| = t , ou seja, γ é 1/2-ppca. A seguir, mostraremos que toda 3/2-cúspide admite uma reparametrização que está parametrizada por 1/2-comprimento de arco. Proposição 3.21. Seja γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em t = 0 e τ a função 1/2- comprimento de arco de γ. Então a 3/2-cúspide γ̃ = γ ◦ τ−1 está parametrizada por 1/2-comprimento de arco . Demonstração. Como τ(t) = sgn(t) |s(t)|1/2, temos τ 2(t) = |s(t)|. Sejam τ(t) = u e h = τ−1. Temos γ̃(u) = γ ◦ h(u) e γ̃′(u) = h′(u)γ′(h(u)). Escrevendo |s(t)| = sgn(t)s(t) temos: τ ′(t) = s′(t) 2|s(t)|1/2 . Logo, h′(u) = 1 τ ′(h(u)) = 2|s(h(u))|1/2 s′(h(u)) . Portanto, como ∥γ′(t)∥ = s′(t) e |s(t)|1/2 = sgn(t)τ(t), obtemos ∥γ̃′(u)∥ = |h′(u)| ∥γ′(h(u))∥ = 2|s(h(u))|1/2 = 2 sgn(h(u))τ(h(u)) = 2|u|, uma vez que sgn(h(u)) = sgn(u). Função curvatura normalizada 24 Com o objetivo de definir uma nova função curvatura, provemos primeiramente o seguinte resultado, que é parte do Teorema 1.1 de [6]. Teorema 3.22. ( [6], Lema 2.1) Seja γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em t = 0. A função κn(t) = √ |s(t)| κ(t) é de classe C∞ em uma vizinhança de t = 0, onde κ é a curvatura de γ definida em seus pontos regulares e s é a função comprimento de arco de γ. Demonstração. Podemos assumir sem perda de generalidade, que γ(0) = (0, 0). Aplicando a regra de L′Hospital, obtemos: lim t→0 det[γ′(t), γ′′(t)] t2 = lim t→0 det[γ′′(t), γ(3)(t)] + det[γ′(t), γ(4)(t)] 2 = det[γ′′(0), γ(3)(0)] 2 ̸= 0 , (3.2.5) o que implica que det[γ′(t), γ′′(t)]/t2 é uma função de classe C∞ em t = 0. Assim, podemos escrever |t|κ(t) = |t|det[γ′(t), γ′′(t)] ∥γ′(t)∥3 = det[γ′(t), γ′′(t)] t2 ( ∥γ′(t)∥ |t| )−3 , (3.2.6) o que implica que |t|κ(t) é de classe C∞ em uma vizinhança de t = 0, onde usamos também que γ′(t)/t é de classe C∞ em t = 0, devido a (3.2.3). Como na demonstração do Teorema 3.15 provamos que a função Ψ(t) = √ |s(t)|/|t| dada em (3.2.2) é de classe C∞ em uma vizinhança de t = 0, segue que κn(t) = √ |s(t)| κ(t) é de classe C∞ em uma vizinhança de t = 0, como queríamos. Com as notações dadas no teorema anterior, temos: Definição 3.23. Dada uma 3/2-cúspide γ : I → R2 em t = 0, a função definida por κn(t) = √ |s(t)| κ(t) ( = sgn(t)τ(t)κ(t) = |τ(t)|κ(t) ) , (3.2.7) é chamada curvatura normalizada de γ. Exemplo 3.24. Consideremos a ciclóide γ(t) = a(t − sen t, −1 + cos t), com a > 0. Calculemos sua função 1/2−comprimento de arco para encontrarmos sua função curvatura normalizada. Encontremos a derivada de γ(t): γ′(t) = a(1 − cos t, − sen t), e sua norma é ∥γ′(t)∥ = 2a ∣∣∣∣ sen ( t 2 )∣∣∣∣ . Calculando o comprimento de arco s(t): s(t) = ∫ t 0 ∥γ′(u)∥du = 2a ∫ t 0 ∣∣∣∣ sen ( u 2 )∣∣∣∣ du = 8a sen 2 ( t 4 ) . Portanto, a função τ(t) é τ(t) = sgn(t) √ |s(t)| = 2 √ 2a sen ( t 4 ) , Função curvatura normalizada 25 pois sgn(t) = sgn( sen ( t 4 ) ). Encontremos a curvatura usual κ(t): A segunda derivada é dada por γ′′(t) = a( sen t, − cos t). Calculando o determinante, podemos reescrever: det[γ′(t), γ′′(t)] = 1 − cos t = 2 sen 2 ( t 2 ) . Assim: κ(t) = det[γ′(t), γ′′(t)] ∥γ′(t)∥3 = 2 sen 2 ( t 2 ) (2a| sen ( t 2 ) |)3 = 1 4a2| sen ( t 2 ) | . Agora, para o produto sgn(t)τ(t)κ(t): sgn(t)τ(t)κ(t) = sgn(t) ( 2 √ 2a sen ( t 4 )) 1 4a2| sen ( t 2 ) |  . Simplificando, obtemos: sgn(t)τ(t)κ(t) = √ 2a sen ( t 4 ) 2a2| sen ( t 2 ) | . Utilizando a identidade sen ( t 2 ) = 2 sen ( t 4 ) cos ( t 4 ) : sgn(t)τ(t)κ(t) = √ 2a sen ( t 4 ) 2a2 · 2 sen ( t 4 ) cos ( t 4 ) = 1 2 √ 2a cos ( t 4 ) . Portanto, a função curvatura normalizada é dada por: κn(t) = sgn(t)τ(t)κ(t) = 1 2 √ 2a cos ( t 4 ) . Agora estamos interessados em encontrar uma relação entre a curvatura cuspidal e a curvatura normalizada. O teorema a seguir apresenta essa relação. Teorema 3.25. ([6], Teorema 1.1) Sejam γ : I → R2 uma 3/2-cúspide em t = 0, µ sua curvatura cuspidal dada em (3.1.1), κn sua função curvatura normalizada e k a função curvatura definida em seus pontos regulares. Então µ = 2 √ 2 lim t→0 κn(t). Demonstração. De (3.2.3), (3.2.5) e (3.2.6), obtemos: lim t→0 |t|κ(t) = det[γ′′(0), γ(3)(0)] 2∥γ′′(0)∥3 . (3.2.8) Temos: Teoremas fundamentais para cúspides 26 lim t→0 κn(t) = lim t→0 √ |s(t)| κ(t) = lim t→0 √ |s(t)| |t| |t|κ(t). De (3.2.4) e (3.2.8) obtemos lim t→0 κn(t) = ∥γ′′(0)∥ 1 2 √ 2 det[γ′′(0), γ(3)(0)] 2∥γ′′(0)∥3 = det[γ′′(0), γ(3)(0)] 2 √ 2∥γ′′(0)∥ 5 2 = µ 2 √ 2 , como queríamos provar. Exemplo 3.26. Considerando novamente a ciclóide γ(t) = a(t − sen t, −1 + cos t), com a > 0. Utilizando a relação dada no teorema anterior obtemos : µ = 2 √ 2 lim t→0 κn(t) = 2 √ 2 1 2 √ 2a = 1√ a , onde κn é dada no exemplo anterior. 3.3 Teoremas fundamentais para cúspides Vimos que dada uma 3/2-cúspide, temos bem definidas duas curvaturas, a curvatura cuspidal e a curvatura normalizada. Para essas duas curvaturas, temos resultados aná- logos ao teorema fundamental das curvas planas para curvas regulares (Teorema 2.2). Primeiramente, consideremos um resultado que envolve a curvatura cuspidal. Proposição 3.27. ([6]), p. 286 Se γ1(t) e γ2(t) são 3/2 cúspides em t = 0 com a mesma curvatura cuspidal, então existe uma isometria de R2 que preserva orientação e um difeomorfismo u = u(t) definido em uma vizinhança de 0 ∈ R tal que T ◦ γ2 ◦ u(t) − γ1(t) = o(t3), onde o(t3) = limt→0 ∥T ◦ γ2 ◦ u(t) − γ1(t)∥ |t3| = 0, isto é, os polinômios de Taylor de T ◦ γ2 ◦ u(t) e γ1(t) coincidem até ordem 3. Demonstração. Pela Proposição 3.11, existe uma única ciclóide ci(t) com raio coincidindo com o raio de curvatura cuspidal de γi tal que, a menos de uma isometria de R2 que preserva orientação e um difeomorfismo u = u(t) definido em uma vizinhança de 0 ∈ R, tem-se γi(t) − ci(t) = o(t3), com i = 1, 2. Como γ1 e γ2 têm a mesma curvatura cuspidal, então elas têm o mesmo raio de curvatura cuspidal, o que implica que c1(t) = c2(t), de onde concluímos o resultado. Consideremos agora um resultado análogo ao teorema fundamental das curvas planas regulares para a curvatura normalizada de 3/2-cúpides. Teorema 3.28. ([6], Teorema 1.1) Seja f(t), com t ∈ I, uma função de classe C∞ tal que f(0) ̸= 0. Então, a menos de isometria de R2 que preserva orientação, existe uma única (a menos de ordem 3) 3/2-cúspide, parametrizada por 1/2-comprimento de arco, tal que sua função curvatura normalizada em t é igual a f(t), ou seja, κn(t) = f(t), para todo t. Teoremas fundamentais para cúspides 27 Demonstração. Seja θ(t) = ∫ t 0 2f(u)du. Note que θ′(t) = 2f(t). Considere a curva γ(t) = (x(t), y(t)) dada por por x(t) = ∫ t 0 2s cos θ(s)ds y(t) = ∫ t 0 2s sen θ(s)ds. Vamos verificar que γ é a 3/2 cúspide procurada. De fato, temos: γ′(t) = 2t(cos θ(t), sen θ(t)); γ′′(t) = 2(cos θ(t) − tθ′(t) sen θ(t), sen θ(t) + tθ′(t) cos θ(t)); γ′′′(t) = 2(−2θ′(t) sen θ(t) − tθ′′(t) sen θ(t) + t(θ′(t))2 cos θ(t), 2θ′(t) cos θ(t) + tθ′′(t) cos θ(t) − t(θ′(t))2 sen θ(t)) . Logo, γ′(0) = (0, 0), γ′′(0) = (2, 0) e γ′′′(0) = (0, 8f(0)). Portanto, det[γ′′(t), γ(3)(t)] = 16f(0). Concluímos assim que γ é uma 3/2-cúspide em t = 0. Além disso, ∥γ′(t))∥ = ∥(2t cos θ(t), 2t sen θ(t))∥ = 2|t| . Logo, concluímos da Proposição 3.20 que γ está parametrizada por 1/2-comprimento de arco. Portanto, segue da Definição 3.18 que a função 1/2-comprimento de arco τ(t) de γ satisfaz τ(t) = t, de onde concluímos que a função curvatura normalizada de γ dada por (3.2.7) satisfaz: κn(t) = |t|κ(t) . Temos: κ(t) = det[γ′(t), γ′′(t)] ∥γ′(t)∥3 = 4t2θ′(t) det[(cos θ(t), sen θ(t)), (− sen θ(t), cos θ(t))] 8|t|3 = = t22f(t) 2|t|3 = f(t) |t| . Consequentemente, κn(t) = f(t), como queríamos. A unicidade segue do fato de que, se uma outra curva satisfaz o teorema, então ela teria a mesma curvatura cuspidal que γ (pelo Teorema 3.25) e, portanto, da proposição anterior, concluímos que a menos de uma isometria e um difeomorfismo, as curvas coincidem (até ordem 3). 4 Frontais e curvas de Legendre Uma curva plana regular possui uma função curvatura e, a partir dessa função e de uma base ortonormal positiva de R2 ao longo da curva, estuda-se propriedades geomé- tricas da curva. Além disso, são bem conhecidos resultados de existência e unicidade de uma curva regular plana usando a função curvatura. Neste capítulo estudamos o artigo [3] onde os autores definem uma base ortonormal ao longo de uma curva de Legendre (frontais) e a partir dela definem o conceito de curvatura, estudam teoremas de existên- cia e unicidade de curvas de Legendre e introduzem um parâmetro especial, similar ao parâmetro comprimento de arco para curvas regulares. Como aplicação, estudam contato entre curvas de Legendre. Todo o estudo feito nesse capítulo é válido para 3/2-cúspides uma vez que, como veremos, elas são curvas de Legendre. Ao longo desse capítulo, I denota um intervalo aberto de R e S1 ⊂ R2 denota a circunferência centrada na origem e de raio 1. 4.1 Definição e exemplos Definição 4.1. Dada uma curva suave γ : I → R2, um campo suave de vetores unitários normais à γ é uma aplicação suave ν : I → S1 tal que, para todo t ∈ I, tem-se ν(t) ortogonal a γ′(t), isto é, ⟨γ′(t), ν(t)⟩ = 0. Definição 4.2. Uma aplicação suave γ : I → R2 é uma frontal se existe um campo suave ν de vetores unitários normais à γ. Dizemos nesse caso que (γ, ν) : I → R2 × S1 é uma curva de Legendre. Se uma curva de Legendre (γ, ν) : I → R2 ×S1 é uma imersão, isto é, se satisfazer (γ′(t), ν ′(t)) ̸= 0, então dizemos que γ é uma frente de onda (ou apenas frente) e que (γ, ν) é uma imersão de Legendre. Apresentamos a seguir exemplos envolvendo tais definições. Exemplo 4.3. Seja γ : I → R2 uma curva regular plana com γ(t) = (x(t), y(t)). Nesse caso, tomando ν : I → S1 dado por ν(t) = (−y′(t), x′(t))√ (x′(t))2 + (y′(t))2 , obtemos ⟨γ′(t), ν(t)⟩ = 0. Como γ é regular sabemos que γ′(t) ̸= (0, 0). Assim (γ′(t), ν ′(t)) ̸= 0 e portanto a curva γ é uma frente de onda e (γ, ν) é uma imersão de Legendre. Note que (γ, −ν) também é uma imersão de Legendre. Exemplo 4.4. Seja γ : R → R2 a 3/2-cúspide dada por γ(t) = (t2, t3). Nesse caso, 0 é um ponto singular de γ. Se tomarmos ν : R → S1 dado por ν(t) = (−3t, 2)√ 9t2 + 4 , obtemos que 28 Curvatura de curvas de Legendre 29 ⟨γ′(t), ν(t)⟩ = 0. Além disso, como ν ′(t) = (−12, −18t) (9t2 + 4) 3 2 ̸= (0, 0), então (γ′(t), ν ′(t)) ̸= 0. Portanto, γ é uma frente de onda e (γ, ν) é uma imersão de Legendre. Exemplo 4.5. Seja γ : R → R2 a 4/3-cúspide dada por γ(t) = (t3, t4), a qual é singular em t = 0. Tomando ν : R → S1 dado por ν(t) = (−4t, 3)√ 16t2 + 9 , obtemos que ⟨γ′(t), ν(t)⟩ = 0. Além disso, ν ′(t) = (−36, −48t) (16t2 + 9) 3 2 ̸= (0, 0) e portanto γ é uma frente de onda e (γ, ν) é uma imersão de Legendre. Exemplo 4.6. Seja γ : R → R2 a 5/2-cúspide dada por γ(t) = (t2, t5). Neste caso, 0 também é um ponto singular de γ, mas γ é uma frontal que não é frente. De fato, tomamos ν(t) = (−5t3, 2)√ 25t6 + 4 , que é um campo unitário de vetores normais à γ. Como ν ′(t) = (−60t2, −150t5) (25t6 + 4) 3 2 obtemos que, em t = 0, (γ′(0), ν ′(0)) = (0, 0), e portanto γ não é uma frente de onda. Consequentemente (γ, ν) não é uma imersão de Legendre. Note que poderíamos ter tomado −ν, mas isso levaria à mesma conclusão. Na figura abaixo apresentamos os traços das curvas singulares dos exemplos acima. Figura 4.1: Traços da 3/2-cúspide, 4/3-cúspide, 5/2-cúspide. Fonte: Elaborado pelo autor. 4.2 Curvatura de curvas de Legendre Seja (γ, ν) : I → R2 × S1 uma curva de Legendre. Pode-se definir um tipo da fórmula de Frenet para uma frontal. Seja µ(t) = J(ν(t)) onde J é uma rotação anti-horária por 90◦. Chamamos o par {ν(t), µ(t)} de referencial da frontal γ(t) em R2. Observe que para cada t, {ν(t), µ(t)} é uma base positiva para R2, ainda mais, det[ν(t), µ(t)] = 1. Assim, obtemos: ( ν ′(t) µ′(t) ) = ( 0 ℓ(t) −ℓ(t) 0 )( ν(t) µ(t) ) , onde ℓ(t) = ⟨ν ′(t), µ(t)⟩. De fato, como ⟨ν(t), µ(t)⟩ = 0 e ⟨ν ′(t), ν(t)⟩ = 0 então µ(t) é paralelo a ν ′(t). Portanto ν ′(t) = ℓ(t)µ(t). Fazendo o produto escalar por µ(t), obtemos que ⟨ν ′(t), µ(t)⟩ = ℓ(t), já que ⟨µ(t), µ(t)⟩ = 1. Curvatura de curvas de Legendre 30 Como ⟨ν(t), µ(t)⟩ = 0 e ⟨µ′(t), µ(t)⟩ = 0 obtemos que µ′(t) é paralelo a ν(t), ou seja, µ′(t) = r(t)ν(t). Fazendo o produto escalar por ν(t), obtemos r(t) = ⟨µ′(t), ν(t)⟩. Assim, µ′(t) = ⟨µ′(t), ν(t)⟩ν(t) e concluímos que µ′(t) = −ℓ(t)ν(t), pois como sabemos que ⟨µ(t), ν(t)⟩ = 0 então derivando esse produto interno encontramos que ⟨µ′(t), ν(t)⟩ = −⟨µ(t), ν ′(t)⟩ = −ℓ(t). Além disso, como γ′(t) = α(t)ν(t) + β(t)µ(t) para funções suaves α(t), β(t), então segue da condição ⟨γ′(t), ν(t)⟩ = 0 que α(t) = 0, pois basta aplicar o escalar à direita por ν(t). Assim, existe uma função suave β(t) tal que γ′(t) = β(t)µ(t). Assim, β(t) = ⟨γ′(t), µ(t)⟩ e β(t) = 0 se e somente se γ é singular em t. O par (ℓ, β) onde ℓ e β são obtidos conforme acima é um importante invariante das curvas de Legendre. Observamos que quando uma curva de Legendre (γ, ν) : I → R2 × S1 é uma imersão, isto é, se satisfazer (γ′(t), ν ′(t)) ̸= 0, o par (ℓ(t), β(t)) = (⟨ν ′(t), µ(t)⟩, ⟨γ′(t), µ(t)⟩) ̸= (0, 0) não se anula simultaneamente. Definição 4.7. O par (ℓ(t), β(t)) é chamado de curvatura da curva de Legendre (γ, ν) em t. Exemplo 4.8. Calculemos a curvatura de Legendre de (γ(t), ν(t)), onde γ(t) = (x(t), y(t)) é a curva regular dada no Exemplo 4.3. Como ν(t) = (−y′(t), x′(t))√ x′(t)2 + y′(t)2 então µ(t) = (−x′(t), −y′(t))√ x′(t)2 + y′(t)2 . Seja ν ′(t) = (c(t), d(t)). A primeira coordenada c(t) de ν ′(t) é igual a: c(t) = −y′′(t)(x′(t)2 + y′(t)2)2 + y′(t)(x′(t)x′′(t) + y′(t)y′′(t)) (x′(t)2 + y′(t)2)5/2 , e a segunda coordenada d(t) de ν ′(t) é: d(t) = x′′(t)(x′(t)2 + y′(t)2)2 − x′(t)(x′(t)x′′(t) + y′(t)y′′(t)) (x′(t)2 + y′(t)2)5/2 . Portanto, ℓ(t) = ⟨ν ′(t), µ(t)⟩ = x′(t)y′′(t)(x′(t)2 + y′(t)2)2 − y′(t)x′′(t)(x′(t)2 + y′(t)2)2 (x′(t)2 + y′(t)2)5/2 = = x′(t)y′′(t) − y′(t)x′′(t) (x′(t)2 + y′(t)2)1/2 = det[γ′(t), γ′′(t)] ∥γ′(t)∥ . Como β(t) = ⟨γ′(t), µ(t)⟩, então β(t) = − √ x′(t)2 + y′(t)2 = −∥γ′(t)∥. No caso em que γ está parametrizada pelo comprimento de arco, ou seja, ∥γ′(t)∥ = 1, obtemos ℓ(t) = x′(t)y′′(t) − y′(t)x′′(t) = κ(t) e β(t) = −1, como esperávamos que ocorresse para a curva de Legendre (γ, ν) que toma- mos, uma vez que µ é rotacionado de π/2 no sentido anti-horário de ν, que por sua vez, é o rotacionado de γ′, ou seja, γ′(t) = −µ(t). Curvatura de curvas de Legendre 31 Exemplo 4.9. Calculemos a curvatura de Legendre de (γ(t), ν(t)), onde γ(t) é uma 3/2-cúspide conforme o Exemplo 4.4. Como ν(t) = (−3t, 2)√ 9t2 + 4 , então µ(t) = (−2, −3t)√ 9t2 + 4 . Temos também que ν ′(t) = (−12, −18t) (9t2 + 4) 3 2 , portanto ℓ(t) = ⟨ν ′(t), µ(t)⟩ = 24 + 54t2 (9t2 + 4)2 . Para calcularmos β(t), sabemos que β(t) = ⟨γ′(t), µ(t)⟩ = 〈 (2t, 3t2), (−2, −3t)√ 9t2 + 4 〉 = −4t − 9t3 √ 9t2 + 4 . Portanto, β(t) = −t √ 9t2 + 4. Logo a curvatura de Legendre de (γ, ν) é( 24 + 54t2 (9t2 + 4)2 , −t √ 9t2 + 4 ) . Exemplo 4.10. Calculemos a curvatura de Legendre de (γ(t), ν(t)), onde γ(t) é uma 4/3-cúspide conforme o Exemplo 4.5. Como ν(t) = (−4t, 3)√ 16t2 + 9 , então µ(t) = (−3, −4t)√ 16t2 + 9 , temos também que ν ′(t) = (−36, −48t) (16t2 + 9) 3 2 ̸= 0. Portanto ℓ(t) = ⟨ν ′(t), µ(t)⟩ = 108 + 192t2 (16t2 + 9)2 . Para calcularmos β(t), temos: β(t) = ⟨γ′(t), µ(t)⟩ = 〈 (3t2, 4t3), (−3, −4t)√ 16t2 + 9 〉 = −9t2 − 16t4 √ 16t2 + 9 . Portanto, β(t) = −t2√16t2 + 9. Assim a curvatura de Legendre de (γ, ν) é( 108 + 192t2 (16t2 + 9)2 , −t2√16t2 + 9 ) . Exemplo 4.11. Dada (γ(t), ν(t)), onde γ(t) é uma 5/2-cúspide conforme o Exemplo 4.6. Encontremos a curvatura de Legendre. Como ν(t) = (−5t3, 2)√ 25t6 + 4 , então µ(t) = (−2, −5t3)√ 25t6 + 4 , temos também que ν ′(t) = (−60t2, −150t5) (25t6 + 4) 3 2 , portanto ℓ(t) = ⟨ν ′(t), µ(t)⟩ = 120t2 + 750t8 (25t6 + 4)2 . Calculando β(t): β(t) = ⟨γ′(t), µ(t)⟩ = 〈 (2t, 5t4), (−2, −5t3)√ 25t6 + 4 〉 = −4t − 25t7 √ 25t6 + 4 . Assim, β(t) = −t √ 25t6 + 4. Logo a curvatura de Legendre de (γ, ν) é( 120t2 + 750t8 (25t6 + 4)2 , −t √ 25t6 + 4 ) . O seguinte resultado relaciona a curvatura de uma curva de Legendre regular, com a curvatura usual κ(t) definida para curvas planas regulares. Proposição 4.12. ([4], Lema 3.1) Seja (γ, ν) : I → R2 × S1 uma curva de Legendre regular e sejam (ℓ(t), β(t)) e κ(t) suas curvaturas. Então ℓ(t) = |β(t)|κ(t), sendo β(t) < 0, se ν(t) = n(t), e β(t) > 0, se ν(t) = −n(t), onde n(t) é o vetor normal principal de γ. Teoremas de existência e unicidade 32 Demonstração. Como γ′(t) = β(t)µ(t), γ′′(t) = β′(t)µ(t) − β(t)ℓ(t)ν(t) e β(t) ̸= 0 para todo t, então: κ(t) = det[γ′(t), γ′′(t)] ∥γ′(t)∥3 = det[β(t)µ(t), −β(t)ℓ(t)ν(t)] |β(t)|3 = β(t)2ℓ(t) |β(t)|3 = ℓ(t) |β(t)| , pois det[µ(t), ν(t)] = −1. Como µ(t) é o vetor obtido rotacionando ν(t) de π/2 no sentido anti-horário então, quando ν(t) = n(t), obtemos que γ′(t) e µ(t) têm sentidos opostos e, portanto, β(t) < 0, obtendo assim que ℓ(t) = −β(t)κ(t). Quando ν(t) = −n(t), temos β(t) > 0, obtendo assim que ℓ(t) = β(t)κ(t). 4.3 Teoremas de existência e unicidade Os teoremas de existência e unicidade para curvas regulares planas mostram que a função curvatura da curva a determina, a menos de composição de rotação com translação. Recordemos a seguir esses resultados: Teorema 4.13. ([3], Teorema 1.1) (Teorema da Existência) Seja κ : I → R uma função suave. Existe uma curva parametrizada regular γ : I → R2 cuja a função curvatura associada é κ. Sejam γ, γ̃ : I → R2 curvas regulares. Recordemos que γ e γ̃ são congruentes se existe uma congruência C em R2 tal que γ̃(t) = C(γ(t)), para todo t ∈ I, onde a congruência é a composição de uma rotação e uma translação em R2. Teorema 4.14. ([3], Teorema 1.2) (Teorema da Unicidade) Sejam γ, γ̃ : I → R2 curvas regulares parametrizadas pelo comprimento de arco e tais que suas curvaturas coincidem em cada ponto do parâmetro. Então γ e γ̃ são congruentes. Veremos a seguir que há resultados similares a esses para curvas de Legendre. Teorema 4.15. ([3], Teorema 1.4) (Teorema da Existência.) Seja (ℓ, β) : I → R2 uma aplicação suave. Existe uma curva de Legendre (γ, ν) : I → R2 × S1 cuja curvatura associada é (ℓ, β). Demonstração. Seja θ : I → R uma função qualquer com a propriedade que θ′(t) = ℓ(t) para todo t ∈ I. Além disso, sejam ν(t) = (cos θ(t), sen θ(t)) e µ(t) = (− sen θ(t), cos θ(t)) curvas em um círculo unitário. Definindo funções suaves x(t) e y(t) com x′(t) = −β(t) sen θ(t), y′(t) = β(t) cos θ(t), tomamos γ : I → R2 dada por γ(t) = (x(t), y(t)), isto é, γ(t) = ( − ∫ (β(t) sen ∫ ℓ(t)dt)dt, ∫ (β(t) cos ∫ ℓ(t)dt)dt ) . Então γ′(t) = β(t)µ(t), ν ′(t) = (− sen θ(t)θ′(t), cos θ(t)θ′(t)) = ℓ(t)µ(t) e ⟨γ′(t), ν(t)⟩ = 0, para todo t ∈ I. Dessa forma (γ, ν) : I → R2 × S1 é uma curva de Legendre cuja curvatura associada é (ℓ(t), β(t)). Teoremas de existência e unicidade 33 Quando consideramos curvas de Legendre, há um campo de vetores normais unitários associado à curva e a definição de congruência para curvas de Legendre também considera esse campo. Definição 4.16. Sejam (γ, ν) e (γ̃, ν̃) : I → R2 × S1 curvas de Legendre. Dizemos que (γ, ν) e (γ̃, ν̃) são congruentes como curvas de Legendre se existe uma congruência C em R2 tal que γ̃(t) = C(γ(t)) = A(γ(t))+b e ν̃(t) = A(ν(t)), para todo t ∈ I, onde C = T ◦A, com A sendo uma rotação e T uma translação em R2 dada por T (x, y) = (x, y) + b, com b ∈ R2. Estudamos a seguir o teorema da unicidade para curvas de Legendre. Teorema 4.17. ([3], Teorema 1.5) (Teorema da unicidade.) Sejam (γ, ν), (γ̃, ν̃) : I → R2 × S1 curvas de Legendre cujas curvaturas (ℓ, β) e (ℓ̃, β̃) coincidem. Então (γ, ν) e (γ̃, ν̃) são curvas de Legendre congruentes. Para a demonstração do teorema acima, iremos demonstrar dois lemas. Lema 4.18. ([3], Lema 2.1) Se (γ, ν), (γ̃, ν̃) : I → R2 × S1 são curvas de Legendre congruentes então suas curvaturas, como curvas de Legendre, coincidem. Demonstração. Sejam (ℓ, β) e (ℓ̃, β̃) as curvaturas das curvas de Legendre (γ, ν) e (γ̃, ν̃), respectivamente. Como (γ, ν) e (γ̃, ν̃) são curvas de Legendre congruentes, então existe uma rotação A e um vetor fixo b com a propriedade que: γ̃(t) = A(γ(t)) + b e ν̃(t) = A(ν(t)), para todo t ∈ I. Então: µ̃(t) = J(ν̃(t)) = J(A(ν(t))) = A(J(ν(t))) = A(µ(t)). Como γ′(t) = β(t)µ(t) e ν ′(t) = ℓ(t)µ(t), teremos γ̃′(t) = A(γ′(t)) = A(β(t)µ(t)) = β(t)A(µ(t)) = β(t)µ̃(t), ν̃ ′(t) = A(ν ′(t)) = A(ℓ(t)µ(t)) = ℓ(t)A(µ(t)) = ℓ(t)µ̃(t). Portanto β(t) = β̃(t) e ℓ(t) = ℓ̃(t), como queríamos provar. Lema 4.19. ([3], Lema 2.2) Sejam (γ, ν) e (γ̃, ν̃) : I → R2 × S1 curvas de Legendre com mesma curvatura de Legendre, isto é, (ℓ(t), β(t)) = (ℓ̃(t), β̃(t)), para todo t ∈ I. Se existe um parâmetro t = t0 para o qual (γ(t0), ν(t0)) = (γ̃(t0), ν̃(t0)), então (γ, ν) e (γ̃, ν̃) coincidem. Demonstração. Seja f(t) = ⟨ν(t), ν̃(t)⟩ + ⟨µ(t), µ̃(t)⟩ uma função suave em I. Então: f ′(t) = ⟨ν ′(t), ν̃(t)⟩ + ⟨ν(t), ν̃ ′(t)⟩ + ⟨µ′(t), µ̃(t)⟩ + ⟨µ(t), µ̃′(t)⟩ = ⟨ℓ(t)µ(t), ν̃(t)⟩ + ⟨ν(t), ℓ̃(t)µ̃(t)⟩ + ⟨−ℓ(t)ν(t), µ̃(t)⟩ + ⟨µ(t), −ℓ̃(t)ν̃(t)⟩ = ⟨(ℓ(t) − ℓ̃(t))µ(t), ν̃(t)⟩ + ⟨(ℓ̃(t) − ℓ(t))ν(t), µ̃(t)⟩ = 0, uma vez que ℓ(t) = ℓ̃(t). Isso mostra que f é constante. Além disso, tomando t = t0 tal que ν(t0) = ν̃(t0), µ(t0) = µ̃(t0) obtemos f(t0) = ∥ν(t0)∥2 + ∥µ(t0)∥2 = 2. Assim, o valor da função f é constante igual a 2. Pela inequação de Cauchy-Schwarz, temos: Contato entre curvas de Legendre 34 ⟨ν(t), ν̃(t)⟩ ≤ ∥ν(t)∥∥ν̃(t)∥ = 1 e ⟨µ(t), µ̃(t)⟩ ≤ ∥µ(t)∥∥µ̃(t)∥ = 1. Assim, dessas inequações chegamos que ⟨ν(t), ν̃(t)⟩ = 1 e ⟨µ(t), µ̃(t)⟩ = 1,para todo t ∈ I, pois senão o valor de f seria menor que 2. Logo, ∥ν(t) − ν̃(t)∥2 = ⟨ν(t), ν(t)⟩ − 2⟨ν(t), ν̃(t)⟩ + ⟨ν̃(t), ν̃(t)⟩ = 0, e também ∥µ(t) − µ̃(t)∥2 = 0. Portanto ν(t) = ν̃(t) e µ(t) = µ̃(t), para todo t ∈ I. Como γ′(t) = β(t)µ(t) , γ̃′(t) = β̃(t)µ̃(t) e assumindo β(t) = β̃(t), então (d/dt)(γ(t) − γ̃(t)) = 0, ou seja, γ(t) − γ̃(t) é constante. Como existe t0 tal que γ(t0) = γ̃(t0), obtemos que γ(t) = γ̃(t) para todo t ∈ I. Demonstração do Teorema 4.17. Fixe um parâmetro t = t0. Usando uma rotação A e uma translação b, podemos assumir que γ̃(t0) = A(γ(t0)) + b e ν̃(t0) = A(ν(t0)). Defina γ̄(t) = A(γ(t)) + b e ν̄(t) = A(ν(t)). Pelo Lema 4.18, como (γ(t), ν(t)) e (γ̄(t), ν̄(t)) são curvas de Legendre congruentes, as curvaturas de Legendre das curvas (γ, ν) e (γ̄(t), ν̄(t)) coincidem. Pelo Lema 4.19, como as curvaturas de (γ̃(t), ν̃(t)) e (γ̄(t), ν̄(t)) coincidem e existe t0 tal que γ̃(t0) = γ̄(t0) e ν̃(t0) = ν̄(t0) então as curvas de Legendre (γ̃(t), ν̃(t)) e (γ̄(t), ν̄(t)) coincidem. Portanto (γ(t), ν(t)) e (γ̃(t), ν̃(t)) são curvas de Legendre congruentes. □ 4.4 Contato entre curvas de Legendre Podemos estudar o contato entre curvas de Legendre de modo similar ao estudo para curvas planas regulares, porém a definição envolverá também, o campo de vetores. Sejam (γ, ν) : I → R2 × S1; t 7→ (γ(t), ν(t)) e (γ̃, ν̃) : Ĩ → R2 × S1; u 7→ (γ̃(u), ν̃(u)) curvas de Legendre. Definição 4.20. Dizemos que (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem ≥ k (ou, pelo menos k) em t = t0 e u = u0, onde k é um número natural, se (γ, ν)(t0) = (γ̃, ν̃)(u0), d dt (γ, ν)(t0) = d du (γ̃, ν̃)(u0), . . . , dk dtk (γ, ν)(t0) = dk duk (γ̃, ν̃)(u0). Se, além disso, tem-se dk+1 dtk+1 (γ, ν)(t0) ̸= dk+1 duk+1 (γ̃, ν̃)(u0), então dizemos que o contato é de ordem k. É claro que se as curvas de Legendre (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem (pelo menos) k em t = t0 e u = u0, e γ e γ̃ são curvas regulares, então γ e γ̃ têm contato de ordem (pelo menos) k em t = t0 e u = u0. Em geral, podemos supor que (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos 0 em um ponto t = t0, u = u0, a menos de congruência de curvas de Legendre. Sejam (ℓ(t), β(t)) e (ℓ̃(u), β̃(u)) as curvaturas das curvas de Legendre de (γ, ν) e (γ̃, ν̃), respectivamente. Contato entre curvas de Legendre 35 Teorema 4.21. ([3], Teorema 3.1) Sejam (γ, ν) : I → R2 × S1; t 7→ (γ(t), ν(t)) e (γ̃, ν̃) : Ĩ → R2 × S1; u 7→ (γ̃(u), ν̃(u)) curvas de Legendre. Se (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos k em t = t0, u = u0, com k ≥ 1, então: (ℓ, β)(t0) = (ℓ̃, β̃)(u0), d dt (ℓ, β)(t0) = d du (ℓ̃, β̃)(u0), . . . dk−1 dtk−1 (ℓ, β)(t0) = dk−1 duk−1 (ℓ̃, β̃)(u0). (4.4.1) Reciprocamente, se (4.4.1) for satisfeita, para k ≥ 1, então (γ, ν) e (γ̃, ν̃) tem contato de ordem pelo menos k em t = t0, u = u0, a menos de congruência das curvas de Legendre Demonstração. Vamos provar a primeira parte do teorema por indução sobre k, com k ≥ 1. Suponhamos que (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos 1 em t = t0, u = u0 (isto é, k = 1). Teremos então que (γ, ν)(t0) = (γ̃, ν̃)(u0) e d dt (γ, ν)(t0) = d du (γ̃, ν̃)(u0). Como ν(t0) = ν̃(u0) então µ(t0) = µ̃(u0). Consequentemente, como d dt (γ, ν)(t) = (β(t)µ(t), ℓ(t)µ(t)), d dt (γ̃, ν̃)(t) = (β̃(t)µ̃(t), ℓ̃(t)µ̃(t)) então β(t0) = β̃(u0) e ℓ(t0) = ℓ̃(u0), ou seja, (4.4.1) é válida para k = 1. Suponhamos o resultado válido para k − 1, ou seja, se (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos k − 1 em t = t0 e u = u0. Então: (ℓ, β)(t0) = (ℓ̃, β̃)(u0), d dt (ℓ, β)(t0) = d du (ℓ̃, β̃)(u0), . . . dk−2 dtk−2 (ℓ, β)(t0) = dk−2 duk−2 (ℓ̃, β̃)(u0). (4.4.2) Mostremos que o resultado é válido para k. Assim, suponhamos que (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos k em t = t0 e u = u0. Observemos que podemos escrever dk dtk γ(t) = ( dk−1 dtk−1 β(t) ) µ(t) + f1 ( β(t), ℓ(t), . . . , dk−2 dtk−2 β(t), dk−2 dtk−2 ℓ(t) ) ν(t) +f2 ( β(t), ℓ(t), . . . , dk−2 dtk−2 β(t), dk−2 dtk−2 ℓ(t) ) µ(t). (4.4.3) e dk dtk ν(t) = ( dk−1 dtk−1 ℓ(t) ) µ(t) + g1 ( β(t), ℓ(t), . . . , dk−2 dtk−2 β(t), dk−2 dtk−2 ℓ(t) ) ν(t) +g2 ( β(t), ℓ(t), . . . , dk−2 dtk−2 β(t), dk−2 dtk−2 ℓ(t) ) µ(t), (4.4.4) para funções suaves f1, f2, g1 e g2. Como um exemplo para ilustrar as igualdades acima, façamos para k = 3: γ′(t) = β(t)µ(t), γ′′(t) = β′(t)µ(t) + β(t)µ′(t) = β′(t)µ(t) − β(t)ℓ(t)ν(t) γ′′′(t) = (β′′µ + β′µ′ − β′ℓν − βℓ′ν − βℓν ′)(t) = (β′′µ + β′ℓν + β′ℓν − βℓ′ν − βℓ2µ)(t) = β′′(t)µ(t) + (2β′ℓ − βℓ′)(t)ν(t) − (βℓ2)(t)µ(t), Contato entre curvas de Legendre 36 Analogamente: ν ′(t) = ℓ(t)µ(t) ν ′′(t) = ℓ′(t)µ(t) + ℓ(t)µ′(t) = ℓ′(t)µ(t) − ℓ2(t)ν(t) ν ′′′(t) = (ℓ′′µ + ℓ′µ′ − 2ℓℓ′ν − ℓ2ν ′)(t) = (ℓ′′µ − ℓ′ℓν − 2ℓℓν − ℓ3µ)(t) = ℓ′′(t)µ(t) − (3ℓ′ℓ)(t)ν(t) − (ℓ3)(t)µ(t). Assim, para k = 3, obtemos: f1 = 2β′ℓ − βℓ′, f2 = −βℓ2, g1 = −3ℓ′ℓ, g2 = −ℓ3. Com o mesmo raciocínio, podemos escrever dk duk γ̃(u) = ( dk−1 duk−1 β̃(u) ) µ̃(u) + f1 ( β̃(u), ℓ̃(u), . . . , dk−2 dtk−2 β̃(u), dk−2 dtk−2 ℓ̃(u) ) ν̃(u), +f2 ( β̃(u), ℓ̃(u), . . . , dk−2 dtk−2 β̃(u), dk−2 dtk−2 ℓ̃(u) ) µ̃(u). (4.4.5) e dk duk ν̃(u) = ( dk−1 duk−1 ℓ̃(u) ) µ̃(u) + g1 ( β̃(u), ℓ̃(u), . . . , dk−2 dtk−2 β̃(u), dk−2 dtk−2 ℓ̃(u) ) ν̃(u), +g2 ( β̃(u), ℓ̃(u), . . . , dk−2 dtk−2 β̃(u), dk−2 dtk−2 ℓ̃(u) ) µ̃(u). (4.4.6) Como por hipótese dk dtk γ(t0) = dk duk γ̃(u0) e dk dtk ν(t0) = dk duk ν̃(u0) e, usando a hipótese de indução, concluímos que dk−1 dtk−1 (ℓ, β)(t0) = dk−1 duk−1 (ℓ̃, β̃)(u0), como queríamos. Reciprocamente, suponhamos que (4.4.1) é válida. Então segue das expressões (4.4.3), (4.4.4),(4.4.5) e (4.4.6) que di dti (γ, ν)(t0) = di dui (γ̃, ν̃)(u0), para i = 1, . . . , k, portanto, (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos k em t = t0, u = u0, a menos de congruência de curvas de Legendre. Quando estamos no caso de curvas planas regulares γ : I → R2 e γ̃ : Ĩ → R2 parametrizadas por comprimento de arco, veremos a seguir um resultado que relaciona o contato entre elas e o contato entre as imersões de Legendre (γ, ν) e (γ̃, ν̃), considerando γ(t) = (x(t), y(t)), γ̃(u) = (x̃(u), ỹ(u)) e os campos de vetores normais principais conforme o Exemplo (4.3), ou seja, ν(t) = (−y′(t), x′(t)) e ν̃(u) = (−ỹ′(u), x̃′(u)). Com essas notações temos: Corolário 4.22. Sejam γ : I → R2 e γ̃ : Ĩ → R2 curvas regulares parametrizadas por comprimento de arco. As imersões de Legendre (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos k em t = t0 e u = u0 se, e somente se, γ e γ̃ têm contato de ordem pelo menos k em t = t0 e u = u0, onde k ≥ 1. Demonstração. Precisamos somente verificar uma parte do enunciado pois a outra é ime- diata da definição. Mudança de parâmetro 37 Suponhamos que γ e γ̃ têm contato de ordem pelo menos k em t = t0 e u = u0. Pela definição , temos γ′(t0) = γ̃′(u0). Portanto, ν(t0) = ν̃(u0) uma vez que estamos tomando ν e ν̃ como sendo os campos de vetores normais principais de γ e γ̃, respectiva- mente. Sabemos que ν ′(t) = ℓ(t)µ(t), γ′(t) = β(t)µ(t), ν̃ ′(u) = ℓ̃(u)µ̃(u) e γ̃′(u) = β̃(u)µ̃(u). Como µ(t) é uma rotação anti horária de ν(t) e µ̃(u) é uma rotação anti horária de ν̃(u), então µ(t0) = µ̃(u0). Como γ(t) e γ̃(u) são parametrizadas por comprimento de arco, então |β(t)| = |β̃(u)| = 1, para todo t e u e, assim da Proposição (4.12) obtemos que β(t) = β̃(u) = 1, ℓ(t) = κ(t) = det[γ′(t), γ′′(t)] e ℓ̃(u) = κ̃(u) = det[γ̃′(u), γ̃′′(u)]. Observe que ℓ(t0) = ℓ̃(u0) pois, pela definição de contato, γ′(t0) = γ̃′(u0) e γ′′(t0) = γ̃′′(u0). Além disso, como o contato entre as curvas é de ordem pelos menos k, obtemos que ℓ(i)(t0) = ℓ̃(i)(u0), para i = 1, 2 . . . , k − 1. A partir de (4.4.3) e (4.4.5), e usando o que obtivemos acima, concluímos que β(i)(t0) = β̃(i)(u0), para i = 1, 2, . . . , k −1. Assim, segue do Teorema (4.21), que as imersões de Legendre (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato de ordem pelo menos k em t = t0 e u = u0. 4.5 Mudança de parâmetro Definição 4.23. Uma mudança de parâmetro é uma aplicação suave bijetora h : I1 → I, onde I1 é um intervalo aberto de R, cuja derivada de primeira ordem é não nula em todos os pontos de I1. Quando h′(t) > 0 (resp. h′(t) < 0) para todo t ∈ I1, dizemos que h é uma mudança de parâmetro positiva (resp. negativa). Observação 4.24. Seja (γ, ν) : I → R2 × S1 uma curva de Legendre. A curva γ1 = γ ◦ h : I1 → R2 é chamada uma reparametrização de γ por h. Obtemos assim a curva de Legendre (γ1, ν1) : I1 → R2 × S1 dada por (γ1(t), ν1(t)) = (γ ◦ h(t), ν ◦ h(t)) e dizemos que (γ1, ν1) é uma reparametrização de (γ, ν) por h. Quando γ for uma curva regular, então γ1 também será uma curva regular e, portanto, suas curvaturas (nos pontos regulares) em h(t) e t, respectivamente, coincidem quando a mudança de parâmetro for positiva, e diferem por sinal, caso contrário. Sejam (ℓ, β) e (ℓ1, β1) as curvaturas de Legendre de (γ, ν) e de (γ1, ν1), respectivamente. Da definição, concluímos que µ1(t) = µ ◦ h(t), para todo t. Como γ′ 1(t) = h′(t)γ′(h(t)) = h′(t)β(h(t))µ(h(t)) = h′(t)β(h(t))µ1(t) então β1(t) = h′(t)β(h(t)) e, como, ν ′ 1(t) = h′(t)ν ′(h(t)) = h′(t)ℓ(h(t))µ(h(t)) = h′(t)ℓ(h(t))µ1(t), então ℓ1(t) = h′(t)ℓ(h(t)) . Assim, quando fazemos uma mudança de parâmetro em uma curva de Legendre, a curvatura de Legendre da reparametrização é um múltiplo da curvatura da curva inicial. Mais precisamente: (ℓ1(t), β1(t)) = h′(t)(ℓ(h(t)), β(h(t)), (4.5.1) Curvatura normalizada de curvas de Legendre 38 para todo t ∈ I1, onde h é a mudança de parâmetro. 4.6 Curvatura normalizada de curvas de Legendre Seja (γ, ν) : I → R2 × S1 uma imersão de Legendre. Então (ℓ(t), β(t)) ̸= (0, 0), para todo t ∈ I. Definição 4.25. A curvatura normalizada da imersão de Legendre (γ, ν), denotada por (ℓ̄(t), β̄(t)), é dada por: (ℓ̄(t), β̄(t)) =  ℓ(t)√ ℓ2(t) + β2(t)) , β(t)√ ℓ2(t) + β2(t))  . Observação 4.26. Sejam (γ1(t), ν1(t)) = (γ ◦ h(t), ν ◦ h(t)), onde h : I1 → I é uma mudança de parâmetro, e (ℓ1(t), β1(t)) sua curvatura de Legendre. De (4.5.1), obtemos que a curvatura normalizada de (γ1(t), ν1(t)) é dada : (ℓ̄1(t), β̄1(t)) =  ℓ1(t)√ ℓ2 1(t) + β2 1(t)) , β1(t)√ ℓ2 1(t) + β2 1(t))  = h′(t) |h′(t)|  ℓ ◦ h(t)√ (ℓ ◦ h(t))2 + (β ◦ h(t))2 , β ◦ h(t)√ (ℓ ◦ h(t))2 + (β ◦ h(t))2  = h′(t) |h′(t)| ( ℓ̄(t), β̄(t) ) = sgn(h′(t))(ℓ̄(t), β̄(t)). Assim, obtemos que as curvaturas normalizadas de uma imersão de Legendre e de uma reparametrização sua coincidem, a menos de sinal. Em particular, quando a mudança de parâmetro é positiva, as curvaturas normalizadas coincidem. Definição 4.27. A velocidade da imersão de Legendre (γ, ν) em t é definida por: ∥(γ′(t), ν ′(t))∥ = √ ⟨γ′(t), γ′(t)⟩ + ⟨ν ′(t), ν ′(t)⟩. (4.6.1) A aplicação s(t) = ∫ t t0 ∥(γ′(t), ν ′(t))∥dt, é denominada função comprimento de arco da curva de Legendre (γ, ν) a partir de t0. Veremos que toda imersão de Legendre pode ser reparametrizada de tal forma que te- nha velocidade unitária. Para a demonstração desse fato, usa-se ideia similar ao resultado análogo para curvas planas regulares, que sabemos poderem ser reparametrizadas de tal forma que o vetor velocidade da curva seja unitário. Proposição 4.28. ([3], Proposição 4.1) Seja (γ, ν) : I → R2 × S1 uma imersão de Legendre e tomemos s : I → s(I) a função comprimento de arco de (γ, ν) a partir de t0 ∈ I. Então existe a função inversa h de s, definida no intervalo aberto J = s(I) tal que h é uma mudança de parâmetro positiva. Além disso, a reparametrização de (γ, ν) por h tem velocidade unitária. Curvatura normalizada de curvas de Legendre 39 Demonstração. Como (γ, ν) é uma imersão de Legendre, então γ′(t) = β(t)µ(t) e ν ′(t) = ℓ(t)µ(t) não são ambos nulos. Portanto, segue de (4.6.1) que ∥(γ′(t), ν ′(t))∥ > 0, para todo t ∈ I. Logo, s′(t) > 0, ou seja, s(t) é uma função estritamente crescente. Portanto, existe a função inversa h : J → I de s, onde J = s(I), de onde concluímos que h é uma mudança de parâmetro, com h(0) = t0. Como h′(s(t)) = 1 s′(t) = 1 ∥(γ′(t), ν ′(t))∥ > 0, concluímos que h é positiva. Consideremos a reparametrização (γ1(u), ν1(u)) = (γ ◦ h(u), ν ◦ h(u)), u ∈ J de (γ, ν) por h. Temos: ∥(γ′ 1(u), ν ′ 1(u))∥ = ∥(γ′(h(s(t))), ν ′(h(s(t))))∥h′(s(t)) = 1 s′(t)∥(γ′(t), ν ′(t))∥ = s′(t) s′(t) = 1, o que conclui a demonstração. Seja (γ, ν) uma imersão de Legendre com velocidade unitária. Pela definição, temos que ⟨γ′(s), γ′(s)⟩ + ⟨ν ′(s), ν ′(s)⟩ = 1. Assim, como γ′(s) = β(s)µ(s) e ν ′(s) = ℓ(s)µ(s) então ⟨γ′(s), γ′(s)⟩ = β2(s) e ⟨ν ′(s), ν ′(s)⟩ = ℓ2(s) e, portanto, β2(s) + ℓ2(s) = 1. Logo , existe uma função suave θ(s) tal que: ℓ(s) = cos θ(s), β(s) = sen θ(s). Abaixo, apresentamos um corolário do Teorema 4.21 que envolve o contato entre as curvas de Legendre e a função suave θ(s). Corolário 4.29. ([3], Corolário 4.2) Sejam (γ, ν) : I → R2 × S1; t 7→ (γ(t), ν(t)), (γ̃, ν̃) : Ĩ → R2 × S1; u 7→ (γ̃(u), ν̃(u)) imersões de Legendre com velocidade unitária. Suponha que θ : I → R e θ̃ : Ĩ → R são funções suaves com as seguintes condições: ℓ(t) = cos θ(t), β(t) = sen θ(t), ℓ̃(u) = cos θ̃(u), β̃(u) = sen θ̃(u). Se (γ, ν) e (γ̃, ν̃) possuem ao menos ordem de contato k em t = t0, u = u0, então existe um inteiro n ∈ Z tal que: θ(t0) = θ̃(u0) + 2nπ, dθ dt (t0) = dθ̃ du (u0), . . . , dk−1θ dtk−1 (t0) = dk−1θ̃ duk−1 (u0) (4.6.2) Reciprocamente, se (4.6.2) for satisfeita, então (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm contato ao menos de ordem k em t = t0, u = u0,a menos de congruência. Demonstração. Suponhamos que ℓ(t) = cos θ(t) e β(t) = sen θ(t). Do Teorema (4.21) concluímos que θ(t0) = θ̃(u0) + 2nπ. Prosseguindo com as derivadas de ℓ(t) = cos θ(t) e β(t) = sen θ(t), obtemos (4.6.2). Reciprocamente, supondo que (4.6.2) é verdadeiro, tomemos ℓ(t) = cos θ(t) e β(t) = sen θ(t), e assim obtemos pelo Teorema (4.21) que (γ, ν) e (γ̃, ν̃) têm ao menos ordem de contato k em t = t0 e u = u0. 5 Conclusão Estudamos as curvaturas de 3/2-cúspides e de curvas de Legendre, apresentando rela- ções com conceitos clássicos para curvas planas regulares . Como exemplo dessa relação, vimos o teorema fundamental para 3/2-cúspides, no qual associamos a curvatura norma- lizada com a curvatura da 3/2-cúspide. Essa análise não apenas mostrou a importância da curvatura cuspidal, mas também destacou como esses conceitos se interconectam com a geometria diferencial. No Capítulo 2, fundamentamos nossa pesquisa revisando os resultados clássicos sobre curvas planas regulares, o que nos proporcionou uma base sólida para explorar as pro- priedades das 3/2-cúspides no Capítulo 3. A discussão sobre a curvatura cuspidal e a introdução da curvatura normalizada mostraram-se fundamentais para compreender as particularidades desse tipo de curva e sua relação com a ciclóide. No Capítulo 4, ao estudarmos as curvas de Legendre, ampliamos nosso entendimento sobre a curvatura sob a perspectiva de campos vetoriais. A comparação entre as curvaturas de Legendre e as curvaturas de curvas regulares revelou que, mesmo em contextos mais complexos, as propriedades geométricas apresentam consistência e estrutura. Assim, esperamos que esta dissertação não apenas contribua para o entendimento atual da geometria diferencial de curvas planas singulares, mas também inspire novas pesquisas que possam aprofundar o conhecimento nesta área. A interconexão entre diferentes tópicos da geometria diferencial ressalta a riqueza e a complexidade do campo, indicando que há muito mais a ser descoberto e compreendido. 40 Referências [1] BRUCE, J. W.; GAFFNEY, T. Simple singularities of mappings C → C2. J. London Math. Soc., v.26, p. 465–474, 1982. [2] BRUCE, J. W.; GIBLIN, P. (1992). Curves and singularities: a geometrical intro- duction to singularity theory. 1. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. [3] FUKUNAGA, T.; TAKAHASHI, M. Existence and uniqueness for Legendre curves. J. 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