Rafaella de Souza Martins Grupos wallpaper e sua relação com cohomologia de grupos São José do Rio Preto - SP 2014 Rafaella de Souza Martins Grupos wallpaper e sua relação com cohomologia de grupos Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do t́ıtulo de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós-Graduação em Matemática, Área de Concentração - Topologia Algébrica, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Orientadora: Profa Dra Ermı́nia de Lourdes Campello Fanti Co-Orientadora: Profa Dra Flávia Souza Machado da Silva São José do Rio Preto - SP 2014 Rafaella de Souza Martins Grupos wallpaper e sua relação com cohomologia de grupos Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do t́ıtulo de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós-Graduação em Matemática, Área de Concentração - Topologia Algébrica, do Ins- tituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Comissão Examinadora Profa Dra Ermı́nia de Lourdes Campello Fanti UNESP - São José do Rio Preto Prof. Dr. Pedro Luiz Queiroz Pergher UFSCar - São Carlos Profa Dra Maria Gorete Carreira Andrade UNESP - São José do Rio Preto São José do Rio Preto - SP 25 de Março de 2014 Martins, Rafaella de Souza. Grupos wallpaper e sua relação com cohomologia de grupos / Rafaella de Souza Martins. - - São José do Rio Preto, 2014 78 f. : il. Orientador: Ermı́nia de Lourdes Campello Fanti Coorientador: Flávia Souza Machado da Silva Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas 1. Matemática. 2. Topologia algébrica. 3. Grupos de simetria. 4. Cohomologia de grupos. I. Fanti, Ermı́nia de Lourdes Campello, II. Silva, Flávia Souza Machado da. III. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. IV. T́ıtulo. CDU - 513.831 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE Campus de São José do Rio Preto - UNESP Aos meus pais e minha vó, Sergio, Rosângela e Alzira, dedico. iii Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus, por Ele ser meu suporte em todos os momentos e por guiar minha vida e permitir que este sonho se realizasse. Em especial agradeço: À minha famı́lia maravilhosa, o meu porto seguro. À minha avó Alzira, pelo amor, pelo apoio incondicional, todos os conselhos e orações constantes. Aos meus pais Sergio e Rosângela, pelo amor, dedicação e compreensão. Aos meus irmãos Neto e Gabriella pela amizade, confiança e torcida. Obrigada por compreenderem minha ausência em certos momentos, mas todos vocês são minha vida. Ao Rafael e sua famı́lia por todo carinho dedicado a mim nestes anos. À minha famı́lia de São José do Rio Preto, irmãos de coração, vocês encheram minha vida de amor, alegria e esperança todos esses anos, em especial: Ana Maria, Luana, Pedro, Leonardo, Monisse, Giane e Luiz Fernando. Vocês serão meus companheiros para o resto da vida. À Profa Dra Ermı́nia de Lourdes Campello Fanti por todos esses anos de orientação, por partilhar seus conhecimentos e sua admiração pela pesquisa, pela amizade, paciência e dedicação a este projeto. À Profa Dra Flávia Souza Machado da Silva por toda disponibilidade a ensinar, pela amizade e dedicação a este projeto. À Profa Dra Maria Gorete Carreira Andrade pelas orientações constantes, pela amizade e por toda proteção que sempre senti ao seu lado. Aos professores que passaram pela minha vida, em especial aos do Departamento de Matemática do IBILCE. Um carinho especial aos professores Adalberto Spezamiglio, Hermes Antonio Pedroso e Antônio Aparecido de Andrade. Ao professor doutor Oscar Ocampo por toda disponibilidade e todos os comentários esclarecedores e inspiradores. À banca examinadora. À CAPES, pelo apoio financeiro, importante para a realização deste projeto. Ao término deste trabalho, meus agradecimentos sinceros a todos que colaboraram para a realização deste meu sonho. iv “O que nós somos é o presente de Deus a nós. O que nós nos tornamos é o nosso pre- sente a Deus.” Eleonor Powell Resumo O objetivo principal deste trabalho é estudar a relação entre cohomologia de grupos e o problema de classificar grupos wallpaper, que são grupos de simetrias de certas figuras do plano chamadas padrões wallpaper. Há, a menos de equivalência, exatamente 17 grupos wallpaper, que classificamos usando teoria dos grupos e álgebra linear. Dado um grupo wallpaper G, temos associado inicialmente a G um subgrupo abeliano normal T (sub- grupo das translações) chamado reticulado, um grupo G0 ∼= G/T chamado grupo ponto, uma ação de G0 sobre T (de modo que T é um ZG0-módulo) e uma extensão do grupo G0 por T , 0 → T → G → G0 → 0. Usando o fato de que existe uma correspondência biuńıvoca entre o segundo grupo de cohomologia, H2(G0, T ), e o conjunto das classes de equivalência de G0 por T que dão origem a ação induzida de G0 sobre T e computando H2(G0, T ), para as várias possibilidades para G0, apresentamos um limitante superior para o número de grupos wallpaper. Para o cálculo de H2(G0, T ), para certos grupos pontos G0, utiliza-se a sequência espectral cohomológica e a sequência exata de cinco termos. Palavras-chave: Grupos wallpaper, extensões de grupos, cohomologia de grupos e sequência espectral cohomológica. vi Abstract The main goal of this work is to study the relation between the cohomology of groups and the problem of classifying wallpaper groups, which are symmetry groups of certain figures on the plane called wallpaper patterns. There are, up to isomorphism/equivalence, exactly 17 wallpaper groups, classified by using group theory and linear algebra. Given a wallpaper group G, we initially associate to G an abelian normal subgroup T (subgroup of the translations) called lattice, a group G0 ∼= G T called point group, an action of G0 on T (in such a way that T is a ZG0-module) and an extension of the group G0 by T , 0 −→ T −→ G −→ G0 −→ 0. Using the fact that there is an one-to-one correspondence between the second cohomology of group, H2(G0, T ), and the set of equivalence classes of the extensions of G0 by T , that gives rise to the induced action of G0 on T , and computing H2(G0, T ), for the sereval possibilities for G0, we present an upper bound for the number of wallpaper groups. For the calculation ofH2(G0, T ), of certain point groups G0, it is used the cohomological spectral sequence and the five terms exact sequence. Key-words: Wallpaper groups, group extensions, cohomology of groups and cohomolo- gical spectral sequence. vii Sumário Introdução 1 1 Grupos Wallpaper ou planos 4 1.1 Isometrias de R n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 1.2 O grupo Isom(R2) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.3 Grupos Wallpaper: definição e algumas propriedades . . . . . . . . . . . 17 1.4 Grupos Wallpaper equivalentes e um estudo dos grupos pontos . . . . . . 27 1.5 Classificação dos Grupos Wallpaper . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2 Cohomologia e extensões de grupos 44 2.1 RG-módulos, Resoluções Livres e Projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . 44 2.2 Cohomologia de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 2.3 Uma relação entre extensões de grupos e cohomologia de grupos . . . . . 51 3 Um limitante para o número de Grupos Wallpaper via cohomologia de grupos 61 3.1 Sequência espectral cohomológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 3.2 Calculando o segundo grupo de cohomologia dos grupos pontos de um Grupo Wallpaper . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 3.3 Obtendo um limitante para o número de Grupos Wallpaper . . . . . . . . 72 Bibliografia 75 viii Introdução Neste trabalho estamos interessados no estudo do problema de classificar figuras planas simétricas do tipo papel de parede, também referidas como “padrão wallpaper” ou “modelos periódicos”. Pode-se mostrar que no plano existem três classes de figuras simétricas: rosetas, frisos e papéis de parede. Um padrão wallpaper no plano é um desenho (figura) se estendendo pelo plano todo tendo a seguinte propriedade: existem uma região limitada e duas translações linearmente independentes do plano, de modo que o conjunto de todas as imagens dessa região, por elementos do grupo gerado pelas translações, produz o desenho original (ou seja, a região se repete em intervalos regulares em duas direções no plano de modo a se estender completamente). Tais padrões são assim denominados usualmente, pois são comuns em papéis de parede. Observamos ainda que ladrilhos, revestimentos, estampas em tecidos, coleções de arte decorativa, e os trabalhos de Escher, dentre outros, fornecem valiosas fontes de tais padrões (imaginando-os se estendendo sobre o plano). Existem várias formas de repetir uma região básica de modo a obter diferentes padrões de papel de parede. A maneira de se classificar os padrões de papel de parede consiste em associar a cada figura um grupo chamado grupo de simetrias (que no caso em que a figura é papel de parede é denominado grupo wallpaper) e então classificar os posśıveis grupos, a menos de equivalência. Dada uma figura no plano, o grupo de simetrias dessa figura é o subgrupo do grupo de isometrias (aplicações que preservam distâncias) de R2, denotado por Isom(R2), formado por todas as isometrias que aplicam a figura nela mesma. Este trabalho contém, essencialmente, duas partes principais: a primeira, em que apresentamos as demonstrações de forma detalhada usando resultados da Teoria de Gru- pos e Álgebra Linear, que existem 17 grupos wallpaper a menos de equivalência (baseada em Morandi [10], Schwarzenberger [12], [13] e Spira [15]) e a segunda, que julgamos ser mais relevante onde exibimos um limitante para o número de grupos wallpaper via coho- mologia de grupos dado em Hiller [6] e Morandi [10]). Como encontrar os grupos de cohomologias de um grupo não é, em gera, uma tarefa simples, usamos neste trabalhos duas técnicas interessantes de sequência espectral para auxiliar nos cálculos. Esta ideia de classificar papéis de parede (no plano) através do grupo wallpaper se estende de modo natural para dimensões superiores. Neste caso os grupos associados são denominados grupos espaços e as regiões que se repetem são subconjuntos de Rn do tipo blocos/cristais. De fato, os primeiros estudos de classificação de “modelos periódicos” 1 foram no R 3 (na teoria de cristais), em que os grupos associados são referidos como grupos cristalográficos. O problema de classificar grupos espaços n-dimensionais é objeto de estudos e pesquisas. Ele está relacionado com o 18o Problema de Hilbert. Os “Problemas de Hilbert” são uma lista de 23 problemas em Matemática propostos pelo matemático alemão David Hilbert na conferência do Congresso Internacional de Matemáticos de Paris em 1900. De fato o 18o problema trata de 3 questões. A primeira é a que está mais relacionada com o nosso estudo “Existe no espaço euclideano n-dimensionais ... apenas um número finito de grupos de isometrias essencialmente diferentes que agem com região fundamental [compacta]?” Esta questão foi respondida por Bieberbach em 1910, e corresponde a dizer que para cada n o número de grupos espaços n-dimensional é finito. Esta questão impulsionou as pesquisas em cristalografia. Uma das outras duas questões é usualmente conhecida como o problema do empacotamento de esferas. Observamos entretanto, que saber que existe um número finito de tais grupos é interessante, mas fica a questão de saber exatamente quantos, e como são esses grupos, pois o número aumenta consideravelmente com n. A tabela seguinte nos dá o número de grupos espaços, para n ≤ 6. Dimensão (do reticulado) Número de Grupos Nomenclatura 0 2 Grupos de Roseta 1 7 Grupos de Fita 2 17 Grupos Wallpaper 3 219 Grupos de Cristais 4 4783 Grupos Espaço 4 Dimensional 5 222018 Grupos Espaço 5 Dimensional 6 28927922 Grupos Espaço 6 Dimensional Como observado, trataremos aqui somente o caso n=2. Este trabalho está assim dividido: No Caṕıtulo 1 demonstramos através de quatro teoremas a classificação completa dos grupos wallpaper. Para tanto, definimos o grupo das isometrias do R n, Isom(Rn), estudamos alguns de seus subgrupos importantes, o subgrupo das translações, T, e o subgrupos das isometrias lineares, H, mostrando que podemos ver Isom(Rn) como um produto semidireto destes subgrupos. Dado um subgrupo G do Isom(R2) definimos o reticulado T de G, o subgrupo das translações que estão em G, e o grupo ponto G0, das isometrias lineares em que existe uma translação tal que a composta desta translação com a isometria linear é um elemento de G. Um grupo wallpaper, que denotamos por G é um subgrupo de Isom(R2) em que o reticulado T é isomorfo a Z × Z e o grupo ponto G0 é finito, e tem-se G0 ∼= G/T . Caracterizamos os grupos G0 ∼= G/T a menos de isomorfismos, descrevemos as bases convenientes para T (Proposições 1.3.2 e 1.3.3) e analisamos como os elementos de G0 atuam sobre as bases e portanto sobre T (Observação 1.4.2). Ressaltamos que a ação de G0 sobre T é de fundamental importância 2 na descrição e determinação dos grupos wallpaper. Finalizando, por meio de quatro teoremas, a classificação dos 17 grupos wallpaper. No Caṕıtulo 2 relacionamos as classes de equivalência de extensões de grupos com o segundo grupo de cohomologia, Teorema 2.3.2. Esse resultado será essencial para o principal resultado do último caṕıtulo. Para isto, recordamos primeiramente alguns conceitos e resultados de Álgebra Homológica: módulos livres e projetivos, RG-módulos, resoluções projetivas e livres de R sobre RG, destacando as resoluções padrão, bar e bar normalizada. Definimos a seguir cohomologia de grupos, extensões de grupos e considerando que associado a um grupo wallpaper G temos: o reticulado T (que é um subgrupo normal abeliano), o grupo ponto G0 com G/T ∼= G0, uma ação de G0 sobre T de maneira que T torna-se ZG0-módulo (Proposição 1.3.1 e Observação 1.4.2), e uma extensão de G0 por T , 0 �� T �� G �� G0 �� 1 , demonstramos então o teorema desejado. Finalmente, no último caṕıtulo exibimos um limitante superior para o número de grupos wallpaper não equivalentes, via cohomologia de grupos (Teorema 3.3.1). Na primeira seção estudamos brevemente a sequência espectral cohomológica e apresentamos os teoremas de Lyndon-Hochschild-Serre e da sequência exata de 5 termos (baixos). Na seção seguinte calculamos o segundo grupo de cohomologia, H2(G0, T ), de todos os posśıveis grupos pontos G0 (levando em conta as diferentes ações de G0 sobre T , Observação 1.4.2), onde para obtenção de alguns usou-se a teoria apresentada na seção anterior. Por fim, usando o fato que a cada grupo wallpaper G pode-se associar, a partir de seu grupo ponto G0 e reticulado T , uma classe de equivalência de extensões de G0 para T , e o fato que o conjunto de tais classes está em correspondência com H2(G0, T ) (que foram calculados anteriormente), conclui-se que o número de grupos wallpaper é finito, e que 18 é o limitante para esse número (Teorema 3.3.1). Vale observar que o limitante obtido é muito próximo do número exato, ou seja, em apenas uma das 18 situações encontradas (via classes de extensões/cálculos do segundo grupo de cohomologia) é exclúıda, pois existem duas extensões não equivalentes que dão origem a grupos wallpaper equivalentes. 3 Caṕıtulo 1 Grupos Wallpaper ou planos O objetivo principal deste caṕıtulo é apresentar a classificação completa dos padrões wallpaper de acordo com seus grupos de simetrias, referidos como grupos wallpaper. Mais precisamente mostraremos, baseados nas referências Morandi [10] e Schwarzenberger [12], [13], que existem 17 tipos distintos (não equivalentes) de grupos wallpaper. O estudo dos grupos wallpaper inicia-se na Seção 3, nas duas seções anteriores apresentamos alguns pré-requisitos . 1.1 Isometrias de R n Uma vez que os grupos de simetrias das figuras planas a serem estudados são subgrupos do grupo de isometrias de R 2, faz-se necessário conhecer melhor tal grupo. Como alguns resultados básicos que valem em dimensão 2 são também válidos para n, inicialmente consideraremos o caso mais geral, das isometrias de R n. Considere R n o espaço vetorial de dimensão n sobre R. Um ponto em R n é da forma x = (x1, x2, ..., xn), xi ∈ R. A operação adição e a multiplicação por escalar são dadas componente a componente. Em R n temos bem definido o produto interno de dois vetores < x, y >:= ∑ i xiyi, onde x = (x1, x2, ..., xn), y = (y1, y2, ..., yn) ∈ R n. Também podemos considerar a norma ou comprimento de um vetor x, ||x|| := √ < x, x >, e a distância entre x e y é dada por ||x − y||. Se x e y são vetores, então existe um único ângulo θ, com 0 ≤ θ ≤ π tal que ||x− y||2 = ||x||2 + ||y||2 − 2||x||.||y||. cos θ. Esta igualdade é uma reformulação da desigualdade de Cauchy-Schwartz. Uma consequência desta equação é < x, y >= ||x||.||y||. cos θ, e deste modo o ângulo θ (0 ≤ θ ≤ π) entre dois vetores x e y, não nulos, é θ = arccos(< x, y > /||x||.||y||). É usual referirmos o espaço R n com estas estruturas adicionais de espaço euclidiano e denotá-lo por En. Por comodidade nos referimos sim- plesmente por Rn. Definição 1.1.1. Uma isometria de R n é uma aplicação bijetora f : Rn → R n que preserva distância, isto é, ||f(x) − f(y)|| = ||x − y||, para todos x e y em R n. Vamos 4 denotar por Isom(Rn) o conjunto de todas as isometrias de R n. O Grupo Isom(Rn): Notemos que a aplicação identidade id : R n → R n é, obviamente, uma isometria e a composta de isometrias também é uma isometria, pois ||(f ◦ g)(x)− (f ◦ g)(y)|| = ||f(g(x))− f(g(y))|| = ||g(x)− g(y)|| = ||x− y||, ∀x, y ∈ R n. Ainda, a inversa f−1, de uma isometria f , é uma isometria, visto que ||f−1(x)− f−1(y)|| = ||f(f−1(x)) − f(f−1(y))|| = ||x − y||, ∀x, y ∈ R n, e vale a propriedade associativa para os elementos desse conjunto. Portanto, Isom(Rn) é um grupo com a operação composição de funções. O grupo das isometrias, Isom(Rn), é também referido, às vezes, como Grupo Euclidiano ou Grupo de Movimentos Rı́gidos (de R n ou En). Observação 1.1.1. Não é necessário exigir que uma aplicação f do R n que preserva distância seja bijetora para que ela seja isometria. A injetividade de uma tal f é óbvia e pode-se mostrar que esta será também sobrejetora. Dois subgrupos particulares do Isom(Rn) de bastante interesse são: o das translações e o das isometrias lineares. Subgrupo das Translações: Seja v ∈ R n e considere a aplicação τv, translação pelo vetor v, dada por τv(x) := x+ v, ∀x ∈ R n. Notemos que uma translação fica completamente determinada se nós conhecemos sua imagem na origem 0 (pois τv(0) = 0 + v = v). É simples ver que τv se trata de uma isometria, pois se x, y ∈ R n então ||τv(x)− τv(y)|| = ||(x+ v)− (y + v)|| = ||x− y||. Note que se 0 é o vetor nulo, então τ0 é a aplicação identidade e neste caso, é chamada translação trivial. Ainda, a composta de duas translações é uma translação, pois (τv ◦ τw)(x) = τv(x + w) = (x + w) + v = x + (v + w) = τv+w(x), ∀ v, w, x ∈ R n, e o inverso de τv é τ−v. Assim, o conjunto T das translações forma um subgrupo do Isom(Rn), chamado subgrupos das translações. Notemos que T é abeliano, pois τv ◦τw = τv+w = τw+v = τw ◦ τv, ∀v, w ∈ R n. Lema 1.1.1. O grupo (aditivo) Rn é isomorfo ao subgrupo das translações T, de Isom(Rn), pela aplicação ψ : Rn −→ T; v −→ τv. Demonstração: ψ é um homomorfismo, pois ψ(v+w) = τv+w = τv ◦ τw = ψ(v)+ψ(w). Note que ψ é sobrejetora pela definição de translação, e é injetora visto que Ker(ψ) = {0}. Notemos que as translações (não triviais) são isometrias que não são transformações lineares. Subgrupos das Isometrias Lineares : Considere H := {ϕ ∈ Isom(Rn); ϕ é linear }. É fácil ver que H é um subgrupo do Isom(Rn). Tal H é chamado subgrupo das isometrias lineares. Observamos que T ∩H = {id}, uma vez que τv não é linear se v �= 0. 5 Definição 1.1.2. Uma aplicação f : Rn −→ R n é ortogonal se preserva o produto interno, isto é, satisfaz a seguinte condição: ∀u, v ∈ R n, < f(u), f(v) >=< u, v >. Lema 1.1.2. Se f é uma isometria do R n com f(0) = 0, então f preserva comprimento de vetores, ângulos e produto interno. Isto é, ||f(x)|| = x, ∀x ∈ R n para qualquer x, y ∈ R n, o ângulo entre f(x) e f(y) é o mesmo ângulo entre x e y, e < f(x), f(y) >=< x, y >, de modo que f é uma aplicação ortogonal. Demonstração: Se f é uma isometria com f(0) = 0, então para qualquer x ∈ R n, ||f(x)|| = ||f(x)− f(0)|| = ||x− 0|| = ||x||, ou seja, f preserva comprimento do vetor. Sejam x, y ∈ R n e θ o ângulo entre esses vetores, então ||x− y||2 = ||x||2 + ||y||2 − 2||x||.||y||. cos θ. Agora, se θ′ é o ângulo entre f(x) e f(y), então ||f(x)− f(y)||2 = ||f(x)||2 + ||f(y)||2 − 2||f(x)||.||f(y)||. cos θ′. Entretanto, como ||f(x)|| = ||x||, ||f(y)|| = ||y|| e f é uma isometria, obtemos ||x− y||2 = ||f(x)− f(y)|| = ||x||2 + ||y||2 − 2||x||.||y||. cos θ′. Dessa forma, cos θ = cos θ′ e como 0 ≤ θ, θ′ ≤ π, conclúımos que θ = θ′. Para ver que f preserva produto interno, note que como os ângulos entre os vetores são iguais, temos < x, y >= ||x||.||y||. cos θ, < f(x), f(y) >= ||f(x)||.||f(y)||. cos θ, mas ||f(x)|| = ||x|| e ||f(y)|| = ||y||, donde podemos conclúır que < f(x), f(y) > = < x, y >. Observação 1.1.2. Para uma transformação linear f : Rn −→ R n sabemos que são equivalentes as condições: f é isometria, f transforma base ortonormal em base ortogo- nal e f preserva produto interno. No entanto, como já observamos antes, não é sempre que uma isometria é uma transformação linear. Proposição 1.1.1. Seja f uma isometria do R n. Então f(0) = 0 se e somente se f é uma transformação linear. Demonstração: Seja f uma isometria do R n. (⇒) Suponhamos f(0) = 0. Considere {x1, . . . , xn} uma base ortornormal do R n, e tome yi = f(xi). Notemos que 1 = ||xi|| = ||f(xi)|| = ||yi||, pois f preserva comprimento. Pelo resultado anterior, se i �= j, então o ângulo entre xi e xj é o mesmo que entre os vetores yi e yj, que é π/2. Logo, {yi, . . . , yj} é uma base ortornormal do Rn. Sabemos que se w =∑ i αixi, então os coeficientes αi são determinados por αi =< w, xi >. Similarmente tem- se f(w) = ∑ i < f(w), yi > yi. Pelo resultado acima, αi =< w, xi >=< f(w), f(xi) >= < f(w), yi >. Logo, f(w) = ∑ i < w, xi > yi. A partir disso mostramos que f é uma transformação linear. De fato, se w,w′ ∈ R n e γ ∈ R, então 6 f(w + w′) = ∑ i < w + w′, xi > yi = ∑ i < w, xi > yi + ∑ i < w′, xi > yi = f(w) + f(w′) e f(γw) = ∑ i < γw, xi > yi = ∑ i γ < w, xi > yi = γ ∑ i < w, xi > yi = γf(w). Portanto, f é uma transformação linear. (⇐) É óbvia. Corolário 1.1.1. Toda isometria f do R n pode ser escrita, de modo único, como uma composição f = τv ◦ϕ, para alguma isometria linear ϕ de H e alguma translação τv ∈ T (v ∈ R n), e Isom(Rn) = T ◦H. Demonstração: Seja f ∈ Isom(Rn). Considere v = f(0) e defina ϕ : R n −→ R n; ϕ(x) = f(x) − v, ∀ x ∈ R n. Então ϕ = τ−v ◦ f (composta de isometria) e assim ϕ é uma isometria. Como ϕ(0) = f(0) − v = v − v = 0, segue da proposição anterior que ϕ é uma transformação linear, isto é, ϕ ∈ H e tem-se f = τv ◦ϕ ∈ T◦H. Assim, Isom(Rn) = T ◦ H, uma vez que claramente, T ◦ H ⊆ Isom(Rn). Para a uni- cidade, observe que τw ◦ φ = τv ◦ ϕ implica, pelo fato que ϕ e φ são lineares, que w = (τw ◦ φ)(0) = (τv ◦ ϕ)(0) = v e assim τv ◦ φ = τv ◦ ϕ. Donde segue que φ = ϕ. Recordemos que uma matriz quadrada (de ordem n) é ortogonal se satisfaz a condição At.A = Id. O conjunto das matrizes ortogonais é um grupo (multiplicativo) denotado por On(R), denominado Grupo Ortogonal. Corolário 1.1.2. Se f é uma isometria do R n, então f(x) = Ax+ v para algum v ∈ R n e alguma matriz A ∈ On(R). Demonstração: Seja f ∈ Isom(Rn). Pelo corolário anterior, f = τv ◦ ϕ, para algum v ∈ R n e ϕ isometria linear. Como ϕ é uma transformação linear em R n, olhando os elementos do R n como matrizes coluna podemos escrever ϕ(u) = Au para alguma matriz A de ordem n × n. Ainda, < x, y > = ∑ i xiyi = xt.y, para todos x e y em R n. A matriz de uma isometria linear ϕ não é arbitrária, existe restrição em A pelo fato de ϕ(0) = 0 e ϕ preservar o produto interno. Seja {ei, . . . , en} a base canônica do R n. Se ϕ(x) = Ax, então o conjunto (i, j) de entradas de At.A é < ϕ(ei), ϕ(ej) > = < ei, ej >, o qual é 1 se i = j e 0 caso contrário. Isso garante que At.A = Id. Assim, A ∈ On(R) e f(x) = Ax+ v, como afirmado. Note que se A é uma matriz tal que At.A = Id, então a aplicação linear f definida por f(x) = Ax é uma isometria, pois se x e y são vetores quaisquer em R n, < f(x), f(y) > = < Ax,Ay >= (Ax)t.(Ay) = xt.(At.A).y = xt.y =< x, y >. Dáı, se consideramos x = y = w, obtemos ||f(w)|| = ||w||, para todo w. Por fim, usando esta última condição e o fato que f é linear, conclui-se que f é isometria: ||f(u)− f(v)|| = ||f(u− v)|| = ||u− v||. Proposição 1.1.2. H � On(R). Demonstração: Considere a aplicação μ : On(R) −→ H, que a cada A associa a isometria μ(A): x −→ Ax, isto é, μ(A)(x) = Ax. Como observado acima, μ está bem definida. Temos, ∀A,B ∈ On(R) e ∀x ∈ R n, μ(AB)(x) = (AB)x = A(Bx) = μ(A)(Bx) = μ(A)(μ(B)(x)) = (μ(A) ◦ μ(B))(x). 7 Logo, μ(AB) = μ(A) ◦ μ(B), ou seja, μ é um homomorfismo de grupos. Se μ(A) é a função identidade, então μ(A)(x) = x, ∀x, isto é, Ax = x, ∀x ∈ R n, donde segue que a matriz A = Id. Portanto, μ é injetora. Agora, se g ∈ H, então g é uma isometria e g(0) = 0. Pelo Corolário 1.1.2, g(x) = Ax + w para algum w ∈ R n e alguma matriz A ∈ On(R). Temos 0 = g(0) = A.0 + w. Logo, ∀x ∈ R n, g(x) = Ax = μ(A)(x) o que implica g = μ(A), com A ∈ On(R). Assim μ é sobrejetora. Portanto, μ é um isomorfismo de grupos, ou seja, H � On(R). Lema 1.1.3. Isom(Rn)/T ∼= H ∼= On(R). Demonstração: Considere agora a aplicação Ψ : Isom(Rn) → H; τv ◦ ϕ → ϕ. Tal aplicação está bem definida pela unicidade como os elementos de Isom(Rn) são descri- tos pelo Corolário 1.1.2, e é claramente sobrejetora. Além disso, Ψ é homomorfismo e KerΨ = T, pois Ψ(τv ◦ ϕ) = id, implica ϕ = id, donde segue que τv ◦ ϕ = τv ∈ T. Queremos exibir uma “ação” Φ de H sobre T e mostrar que Isom(Rn) é um “pro- duto semidireto” de H por T, T�Φ H. Para tanto apresentamos a seguir os conceitos de ação de grupos e produto semidireto. Definição 1.1.3. (Ação de Grupos) Sejam G um grupo denotado multiplicativamente e X um conjunto não vazio. Uma ação à esquerda de G sobre X ou uma G-ação à esquerda sobre X é uma aplicação Φ : G×X −→ X (g, x) −→ Φ(g, x) not = g · x satisfazendo, para todo x ∈ X, as condições: (1 ) 1 · x = x (onde 1 denota o elemento neutro de G), (2 ) g1 · (g2 · x) = (g1g2) · x, para todos g1, g2 ∈ G. Equivalentemente, uma G-ação à esquerda sobre X é um homomorfismo (que por abuso também vamos denotar por Φ): Φ : G −→ S(X) g −→ Φ(g) : X −→ X x −→ Φ(g)(x) := g · x, onde S(X) denota o grupo das bijeções de X. Neste caso, dizemos também que G atua sobre X e que X é um G-conjunto. Se X tiver uma estrutura de grupo (que vamos denotar aqui aditivamente), na definição acima, para que a estrutura seja preservada pela G-ação, além das condições (1 ) e (2 ) exige-se a seguinte condição: (3) g · (x1 + x2) = g · x1 + g · x2, para todo g ∈ G e todos x1, x2 ∈ X, de modo que Φ : G −→ Aut(X). Observação 1.1.3. (i) Define-se similarmente G-ação à direita sobre X. (ii) A partir de uma G-ação à esquerda sobre X podemos definir uma G-ação à direita sobre X, por considerar x · g := g−1 · x. 8 Definição 1.1.4. Para todo X �= ∅ é sempre posśıvel dar uma G-ação (sobre X) defi- nindo g · x = x, para todo x ∈ X e todo g ∈ G. Tal G-ação é chamada G-ação trivial e neste caso X é chamado G-conjunto trivial. Definição 1.1.5. Seja X um conjunto no qual G atua. Dizemos que a ação de G em X é livre se g · x = x, para algum x ∈ X se, e somente se, g = 1. Neste caso dizemos também que X é um G-conjunto livre (ou que G atua livremente sobre X). Definição 1.1.6. Sejam X um G-conjunto e x um elemento de X. Definimos a G- órbita de x como sendo o conjunto G(x) := {g · x; g ∈ G}. Definição 1.1.7. (Produto Semidireto) Seja T um grupo abeliano com uma G-ação (homomorfismo de grupos) Φ : G −→ Aut(T ) e considere a seguinte operação sobre T ×G: (a, g) ∗ (b, h) := (a+ g · b, gh), onde g · b = Φ(g)(b) indica a ação de g em b ∈ T . É fácil ver que T ×G com a operação assim definida é um grupo com elemento neutro (0, 1G) e elemento inverso de (a, g) dado por (−g−1 · a, g−1). Este grupo é denominado produto semidireto de T por G e é denotado por T �Φ G. Observação 1.1.4. É simples ver que o grupo T �Φ G contém os subgrupos T ′ = {(a, 1); a ∈ T} ∼= T e G′ = {(0, g); g ∈ G} ∼= G. E ainda, que T ′ é normal, T ′G′ = T �Φ G, e T ′ ∩ G′ = {1 = (0, 1G)}. Reciprocamente, se G é um grupo contendo sub- grupos T ′ e G′ com T ′ normal em G e abeliano, G = T ′G′ e T ′ ∩ G′ = {1 = (0, 1G)} então G é isomorfo ao produto semidireto T ′ �ΦG ′, via a aplicação (a, g) −→ a · g, onde Φ : G′ −→ Aut(T ′) é dada por Φ(g)(a) = gag−1. Exemplo 1.1.1. Considere o grupo diedral de ordem 2n, Dn := 〈x, y; xn = 1 = y2 e xy = yxn−1〉. Dn é usualmente conhecido como grupo das simetrias de um poĺıgono regular de n lados (ver Exemplo 1.3.3) e é às vezes denotado por D2n. Sejam T = Zn (grupo aditivo), n ≥ 2 e G =< α >� Z2 (grupo multiplicativo). Então Dn ∼= Zn �Φ Z2, onde a ação Φ de G ∼= Z2 sobre T = Zn é a multiplicação por −1, isto é, αk · u := (−1)ku, ∀u ∈ Zn e ∀k ∈ {1, 2}. De fato, defina a aplicação η : Zn × Z2 −→ Dn (u, αk) −→ xuyk. Temos que: (i) η está bem definida: Sejam (u, αk1), (v, αk2) ∈ Zn �Φ Z2 tais que (u, αk1) = (v, αk2). Então, u = v e αk1 = αk2. Assim, existem j1, j2 ∈ Z satisfazendo u = v + j1n e k1 = k2 + 2j2. Logo, η(u, αk2) = xuyk1 = xv+j1nyk2+2j2 = xv(xn)j1yk2(y2)j2 = xvyk2 = η(v, αk2). (ii) η é homomorfismo: Primeiramente observemos que xy = yxn−1 ⇔ xy = yx−1 ⇔ yxy = y2x−1 = x−1 ⇔ yx = x−1y. 9 Dessa forma, ykxu = { xu, se k é par yxu = x−uy, se k é ı́mpar (1.1) Agora, dados (u, αk1), (v, αk2) ∈ Zn�ΦZ2, da definição de produto semidireto temos, η((u, αk1).(v, αk2)) = η(u+ αk1 .v, αk1+k2) = η(u+ (−1)k1v, αk1+k2) = = { η((u+ v), αk2), se k1 é par η((u− v), αk1+k2), se k1 é ı́mpar = { xu+vyk2 , se k1 é par xu−vyk1+k2 , se k1 é ı́mpar Por outro lado, η(u, αk1).η(v, αk2) = xuyk1xvyk2 (1.1) = { xu+vyk2 , se k1 é par xu−vy1+k2 = xu−vyk1+k2 , se k1 é ı́mpar. Portanto, η((u, αk1).(v, αk2)) = η(u, αk1).η(v, αk2). (iii) η é injetora: Seja (u, αk) ∈ Zn �Φ Z2 tal que η(u, αk) = 1. Então, k é par pois para k ı́mpar, η(u, αk) = xuy �= 1. Suponhamos que k = 2m,m ∈ Z. Então, 1 = η(ū, αk) = xuyk k par = xu(y2)m = xu e assim, u = sn, s ∈ Z. Logo, (u, αk) = (sn, α2m) = (sn, (α2)m) = (0, 1). (iv) η é sobrejetora: Considere w ∈ Dn. Assim, existem k e u tais que w = xuyk. Tomando z = (u, αk) ∈ Zn �Φ Z2, temos que η(z) = η(u, αk) = xuyk = w. Desse modo, η é sobrejetora. De (i), (ii), (iii) e (iv), segue que η é isomorfismo. Portanto, Dn ∼= Zn �Φ Z2. Retornemos agora ao nosso estudo do grupo Isom(Rn). Lema 1.1.4. (Ação de H em T) O subgrupo H das isometrias lineares atua por con- jugação sobre o subgrupo T das translações em R n; Φ : H × T → T; (ϕ, τv) → ϕ · τv := ϕ ◦ τv ◦ ϕ−1 = τϕ(v) e T é um subgrupo normal (abeliano) de Isom(Rn). Demonstração: Mostremos primeiro que se ϕ ∈ H e τv ∈ T, v ∈ R n, então ϕ ◦ τv ◦ ϕ−1 = τϕ(v) ∈ T. De fato, usando que ϕ é linear tem-se: ϕ ◦ τv ◦ ϕ−1(x) = ϕ(τv(ϕ −1(x)) = ϕ(ϕ−1(x) + v) = ϕ(ϕ−1(x)) + ϕ(v) = x+ ϕ(v) = τϕ(v)(x). Assim, ϕ ◦ τv ◦ ϕ−1 = τϕ(v) ∈ T. Além disso, é fácil ver que Φ satisfaz as condições (1) e (2) da Definição 1.1.3 e ainda preserva a estrutura do grupo abeliano T (condição (3)), pois ϕ · (τu ◦ τv) = (ϕ · τu) ◦ (ϕ · τv), ∀ ϕ ∈ H e τv, τu ∈ T. Vejamos agora que T é subgrupo normal de Isom(Rn), ou seja que f ◦T◦f−1 ⊆ T, para todo f ∈ Isom(Rn). Seja f = τv ◦ ϕ um elemento qualquer de Isom(Rn) = T ◦H. Então f ◦ τv ◦ f−1 = (τv ◦ ϕ) ◦ τv ◦ (τv ◦ ϕ)−1 = τv ◦ (ϕ ◦ τv ◦ ϕ−1) ◦ τ−v ∈ T, uma vez que ϕ ◦ τv ◦ ϕ−1 = τϕ(v). Acabamos de ver que H atua sobre T por considerar Φ : H × T → T; (ϕ, τv) → ϕ · τv = τϕ(v), ou equivalentemente, Φ : H → Aut(T), ϕ → Φ(ϕ) tal que Φ(ϕ)(τv) = τϕ(v). Assim podemos falar no produto semidireto T �Φ H, cujos elementos são dados pelos pares (τv, ϕ) ∈ T×H, com a operação (τv, ϕ) ∗ (τw, φ) := (τv ◦ Φ(ϕ)(τw), ϕ ◦ φ) = (τv ◦ τϕ(w), ϕ ◦ φ) = (τv+ϕ(w), ϕ ◦ φ). Proposição 1.1.3. Isom(Rn) ∼= T �Φ H. 10 Demonstração: Basta verificar que a aplicação Isom(Rn) → T�Φ H; τv ◦ϕ → (τv, ϕ) é um isomorfismo de grupos. Corolário 1.1.3. Isom(Rn) ∼= R n �Φ H, onde a operação em R n �Φ H é dada por (v, ϕ) ∗ (w, φ) = (v + ϕ(w), ϕ ◦ φ). Demonstração: Podemos identificar o subgrupo das translações T com o grupo aditivo R n (em função do isomorfismo dado no Lema 1.1.1). Neste caso, a ação de H sobre R n é Φ : H → Aut(Rn), ϕ → Φ(ϕ), tal que Φ(ϕ)(v) = ϕ(v) e temos o grupo R n �Φ H, cuja operação é dada por (v, ϕ) ∗ (w, φ) = (v + ϕ(w), ϕ ◦ φ). É fácil ver que Isom(Rn) −→ T �Φ H −→ R n �Φ H τv ◦ ϕ −→ (τv, ϕ) −→ (v, ϕ), é um isomorfismo. Observação 1.1.5. (i) Em função do isomorfismo acima usa-se a notação (v, ϕ) para representar os elementos de Isom(Rn). Note que T pode ser identificado com o subgrupo {(v, id); v ∈ R n} de R n �Φ H e H com {(0, ϕ);ϕ ∈ H}. (ii) Se identificamos o subgrupo das translações T com o grupo aditivo R n, e o subgrupo das isometrias lineares H com o subgrupo multiplicativo On(R), das matrizes ortogonais, podemos considerar a ação de On(R) em R n, Φ : On(R) → Aut(Rn), A → Φ(A), tal que Φ(A)(v) = Av e tem-se, neste caso, Isom(Rn) ∼= R n �Φ On(R); τv ◦ ϕ → (v, Aϕ); onde A = Aϕ é a matriz da isometria linear ϕ (na base canônica) e a operação em R n �Φ H é dada por (v, A) ∗ (w,B) = (v + Aw,AB). 1.2 O grupo Isom(R2) Nesta seção estudamos os diferentes tipos de isometrias no plano e apresentamos uma descrição mais clara do grupo Isom(R2), por analisar as suas isometrias lineares. Isometrias no Plano: 1. Translação: Já vimos que as translações são isometrias de Rn, em particular, temos, para n = 2, que translações são isometrias em R 2. Figura 1.1: Translação por um vetor v ∈ R 2. 2. Reflexão: Seja l uma reta em R 2. Então a reflexão em relação a l, denotada por Rl, é uma isometria. 11 Figura 1.2: Reflexão em relação a uma reta l. Pode-se ver que Rl é uma isometria por um argumento geométrico, mas daremos aqui um argumento mais algébrico. Suponhamos primeiramente que l é uma reta que passa pela origem e é paralela a um vetor w. Se x ∈ R 2 então, a partir da fórmula da projeção de um vetor sobre outro, obtém-se que a reflexão em relação a l é dada por Rl(x) = 2 ( < x,w > ||w||2 ) w − x. Vejamos que neste caso Rl é uma isometria: se x, y ∈ R 2 então ||Rl(x)− Rl(y)||2 = ∣∣∣∣ ∣∣∣∣2 ( < x,w > ||w||2 ) w − x− 2 ( < y,w > ||w||2 ) w + y ∣∣∣∣ ∣∣∣∣ 2 = = ∣∣∣∣ ∣∣∣∣2 ( < x,w > ||w||2 − < y,w > ||w||2 ) w − (x− y) ∣∣∣∣ ∣∣∣∣ 2 = ∣∣∣∣ ∣∣∣∣2 ( < x− y, w > ||w||2 ) w − (x− y) ∣∣∣∣ ∣∣∣∣ 2 = = 〈 2 ( < x− y, w > ||w||2 ) w − (x− y), 2 ( < x− y, w > ||w||2 ) w − (x− y) 〉 = = 4||w||2 ( < x− y, w >2 ||w||4 ) − 4 < x− y, w >< w, x− y > ||w||2 + < x− y, x− y >= = 4 < x− y, w >2 ||w||2 − 4 < x− y, w >2 ||w||2 + ||x− y||2 = ||x− y||2 =⇒ ||Rl(x)− Rl(y)|| = ||x− y||, É fácil ver, a partir da expressão de Rl, que Rl é uma transformação linear. Agora para uma reflexão arbitrária Rl′ , seja τ a translação que leva algum ponto escolhido da reta l′ (fixado pela reflexão Rl′) na origem. Então, τ leva l′ a uma reta l que passa pela origem. Tem-se, Rl′ = τ−1 ◦ Rl ◦ τ , de modo que Rl′ é uma isometria, já que composta de isometria é isometria. 12 Figura 1.3: Reta l de reflexão. Observamos que se Rl é a reflexão em relação a uma reta l passando pela origem e paralela ao vetor w = (cos θ, senθ), então a matriz de Rl com relação a base canônica é A = ( cos 2θ sen2θ sen2θ − cos 2θ ) . De fato, dado x = (x1, x2) ∈ R 2 tem-se < x,w >= x1 cos θ + x2senθ, dáı Rl(x) = 2. < x, w > ||w||2 w − x = 2(x1 cos θ + x2senθ)(cos θ, senθ)− (x1, x2). Agora, considerando a base canônica do R 2, Rl(1, 0) = 2 cos θ(cos θ, senθ)− (1, 0) = (2 cos2 θ − 1, 2senθ cos θ) = (cos 2θ, sen2θ), e Rl(0, 1) = 2senθ(cos θ, senθ)− (0, 1) = (2senθ cos θ, 2sen2θ − 1) = (sen2θ,− cos 2θ). De onde segue que a matriz de Rl é como afirmado. Notemos que quando θ �= π/2 + kπ, a equação de reta l é dada por y = (tan θ)x. 3. Rotação: Se θ é um ângulo, então a rotação Θ pelo ângulo θ em torno da origem é dada por Θ(x1, x2) = (x2. cos θ−x2.senθ, x1.senθ+x2. cos θ). Usando a notação matricial temos, Θ ( x1 x2 ) = ( cos θ −senθ senθ cos θ ) . ( x1 x2 ) = ( x1. cos θ − x2.senθ x1.senθ + x2. cos θ ) . Adotando esta notação vejamos que a rotação em torno da origem é uma isometria. De fato, se (x1, x2), (y1, y2) ∈ R 2 então ||Θ(x1, x2)−Θ(y1, y2)|| = ||(x1. cos θ − x2.senθ, x1.senθ + x2. cos θ)− (y1. cos θ − y2.senθ, y1.senθ + y2. cos θ)|| = = √ ((x1 − y1). cos θ − (x2 − y2).senθ)2 + ((x1 − y1).senθ + (x2 − y2). cos θ)2 = = √ (x1 − y1)2(cos2 θ + sen2θ) + (x2 − y2)2(cos2 θ + sen2θ) = √ (x1 − y1)2 + (x2 − y2)2 = ||(x1, x2)− (y1, y2)||. Podeŕıamos também ter usado o fato que A é ortogonal. 13 Figura 1.4: Rotação pelo ângulo θ. 4. Reflexão com deslizamento: É posśıvel produzir uma nova isometria, por composição. Por exemplo, podemos compor uma reflexão e uma translação “τv ◦Rl”. O resultado pode ser uma outra reflexão, mas, em geral, se trata de outro tipo de isometria. Chamamos essa composição de uma reflexão com deslizamento, e denotamos por Rv,l, sendo v o vetor que causa o deslocamento/deslizamento e l a reta de reflexão. Se uma reflexão com deslizamento não é uma reflexão então ela é chamada não trivial. Figura 1.5: Reflexão com deslizamento. A seguir listamos algumas das propriedades que as classes de isometrias citadas anteriormente satisfazem: (1) Uma translação (não trivial) não tem pontos fixos. (2) Uma rotação tem um único ponto fixo. (3) Uma reflexão tem uma reta de pontos fixos. Quanto à ordem dessas isometrias: (4) Uma translação (não trivial) tem ordem infinita, isto é, se τu �= id então τnu �= id para todo inteiro n > 0. (5) Uma reflexão tem ordem 2, ou seja, a inversa de uma reflexão é a própria reflexão. (6) Se Θ é uma rotação em torno de um ponto P pelo ângulo θ, então a inversa Θ−1 também é uma rotação pelo ângulo −θ em torno de P . Além disso, se θ = 2π/n para algum inteiro n, então Θn = id. (7) Seja Rl uma reflexão em relação a reta l que passa pela origem. Se v é um vetor perpendicular a l então Rl(v) = −v, o que equivale a v + Rl(v) = 0. No caso em que o vetor v pertence a reta l então Rl(v) = v, de modo que v + Rl(v) = 2v. (8) Por último se f = τv ◦ Rl é uma reflexão com deslizamento (com Rl uma reflexão em relação a uma reta l que passa pela origem, que é linear) então f 2 se trata de uma translação não trivial, pois f 2(x) = (τv ◦ Rl ◦ τv ◦ Rl)(x) = (τv ◦ Rl(v + Rl(x))) = τv(Rl(v) + x) = x+ v + Rl(v) = τv+Rl(v)(x). Queremos mostrar que toda isometria do plano pode ser vista como a composição de uma translação com uma rotação, ou a composição de uma translação com uma 14 reflexão. Ja vimos que Isom(Rn) pode ser constrúıdo a partir do grupo de todas as translações T ∼= R n e do grupo de isometrias lineares H ∼= On(R). Em particular, Isom(R2) ∼= R 2 �ΦO2(R). Vamos analisar melhor o grupo O2(R). Um elemento de O2(R) é uma ma- triz A de ordem 2 que satisfaz a condição At.A = Id, o que garante det(A) = ±1. Como a função determinante det : O2(R) → {−1, 1} é um homomorfismo do grupo O2(R) no grupo multiplicativo {−1, 1} ∼= Z2, seu núcleo é um subgrupo normal de O2(R). Este subgrupo é chamado Grupo Ortogonal Especial , e é denotado por SO2(R), isto é, SO2(R) = {A ∈ O2(R); det(A) = 1}. Observe que [O2(R) : SO2(R)] = 2. No que segue veremos os elementos de O2(R) como isometrias lineares, uma vez que podemos identificar O2(R) com H (Proposição 1.1.2) e mostraremos que toda isometria linear no R 2 é uma rotação (em torno da origem) ou uma reflexão (em relação a uma reta que passa pela origem). Proposição 1.2.1. Os elementos do subgrupo das isometrias lineares H do plano são rotações (em torno da origem) ou reflexões (em relação a uma reta que passa pela origem). Ainda, se identificamos O2(R) com H, SO2(R) identifica-se com o subgrupo das rotações, e os elementos de O2(R)− SO2(R) são reflexões. Demonstração: Considere ϕ uma isometria linear do R 2 e seja A ∈ O2(R) a matriz de ϕ com respeito à base canônica. Se A = ( a b c d ) então a condição At.A = Id nos dá:( a b c d )t . ( a b c d ) = ( a2 + c2 ab+ cd ab+ cd b2 + d2 ) = ( 1 0 0 1 ) . Assim temos a2 + c2 = 1 e b2 + d2 = 1. Logo existe um ângulo θ tal que a = cos θ e c = senθ. Agora, a condição ab + cd = 0 nos garante que os vetores (b, d) e (a, c) são ortogonais. Uma vez que b2 + d2 = 1 devemos ter (b, d) = (−senθ, cos θ) ou (b, d) = (senθ,− cos θ). Note que o primeiro par ordenado fornece uma matriz A com determinante 1, ou seja, A ∈ SO2(R), e o segundo nos dá uma matriz com determinante -1 (A ∈ O2(R)− SO2(R)). A partir disso vemos que se A ∈ SO2(R), então A = ( cos θ −senθ senθ cosθ ) , para algum ângulo θ. Em outras palavras, A é (corresponde a) uma rotação Θ em torno da origem por um ângulo θ. Por outro lado, se A /∈ SO2(R), então A = ( cos θ senθ senθ −cosθ ) . 15 A partir da representação dada para uma reflexão em relação a uma reta passando pela origem, a matriz A corresponde a uma reflexão em relação a reta l, que passa pela origem, dada pela equação y = tan( θ 2 )x. Conclúımos assim, que o subgrupo H das isometrias lineares de R 2 é formado por rotações (em torno da origem) e reflexões (em relação a uma reta que passa pela origem), ainda, o subgrupos das rotações corresponde a SO2(R) e os elementos de O2(R)−SO2(R) correspondem as reflexões. No que segue uma rotação será sempre em torno da origem e as reflexões serão em relação a uma reta passando pela origem. Como vimos anteriormente todo elemento do Isom(R2) é a composição de uma translação com um elemento de O2(R), dessa forma temos o seguinte resultado. Corolário 1.2.1. Toda isometria do plano é uma translação composta com uma rotação (τv ◦Θ), ou uma translação composta com uma reflexão (τv ◦Rl), e assim, Isom(Rn) ≡ {(v, ϕ); v ∈ R n e φ é uma rotação ou uma reflexão}. Demonstração: Isto segue do resultado anterior e do Corolário 1.1.1 Corolário 1.2.2. Se K é um subgrupo de O2(R) gerado por uma rotação Θ pelo ângulo 2π/n (n ∈ N, n ≥ 2) e uma reflexão Rl, então K é finito com K ∼= Dn, o grupo diedral de ordem 2n. Demonstração: Notemos que se Θ ∈ SO2(R) é uma rotação e Rl é uma reflexão (de modo que Rl /∈ SO2(R)), então Θ ◦ Rl ∈ O2(R) − SO2(R) (isto pode ser visto usando determinante), assim Θ ◦ Rl se trata de uma reflexão. Logo (Θ ◦ Rl) 2 = id, que é equivalente a Rl ◦Θ ◦R−1 l = Θ−1. Assim, considerando a rotação Θ em torno da origem por um ângulo θ = 2π/n e o subgrupo K =< Θ,Rl >, tem-se as seguintes relações para os elementos de K: Θn = id = R2 l e Rl ◦ Θ ◦ R−1 l = Θ−1, donde segue que K é isomorfo ao grupo diedral Dn. O resultado anterior nos dá exemplos de subgrupos finitos de O2(R) ∼= H. Já o próximo resultado mostra que de fato os subgrupos finitos de O2(R) são ćıclicos ou como os dados na proposição anterior. Proposição 1.2.2. Seja K um subgrupo finito de O2(R) (que estamos identificando com H). Então K é isomorfo a Zn, o grupo ćıclico de ordem n, ou a Dn, o grupo diedral de ordem 2n, para algum inteiro n, n ≥ 1. Demonstração: Considere S = K ∩ SO2(R), o subgrupo de K que contém apenas rotações. S é um subgrupo normal de K, uma vez que SO2(R) é normal em O2(R), pois [O2(R) : SO2(R)] = 2, e K/S é isomorfo a um subgrupo de O2(R)/SO2(R). Assim temos [K : S] ≤ 2. Se S = {id}, então podemos ter |K| = 1 e assim K = S que é obviamente ćıclico, ou |K| = 2 e K �= S, o que implica K = 〈Rl〉 para alguma reflexão Rl, de modo que K = 〈id,Rl〉 ∼= D1. Suponhamos agora S �= {id}. Como o grupo S consiste apenas de rotações e é finito (pois K é finito), existe uma rotação não trivial Θ em S de ângulo mı́nimo posśıvel θ. Se Θ′ é qualquer outra rotação não trivial em S por um ângulo θ′ > 0, então existe um inteiro m com mθ′ ≤ θ ≤ (m + 1)θ′. A rotação 16 Θ ◦ (Θ′)−m é uma rotação pelo ângulo θ−mθ′, com 0 ≤ θ−mθ′ ≤ θ. Como tomamos Θ com ângulo de rotação mı́nimo, devemos ter mθ′ = θ, de modo que Θ′ m = Θ. Em outra palavras, Θ′ ∈ 〈Θ〉, e assim S = 〈Θ〉 é ćıclico (finito, pois S ⊂ K). Se K = S, então K é ćıclico. Se K �= S então, como [K : S] = 2, existe Rl ∈ K − S, com Rl uma reflexão. Suponhamos |S| = n, então |K| = 2n (pois K será a reunião de duas classes laterais, ou seja, K = S ∪̇ (Rl ◦ S)) e o grupo K terá os geradores Θ e Rl, satisfazendo as relações Θn = R2 l = id e Rl ◦Θ ◦ R−1 l = Θ−1, e assim K ∼= Dn. 1.3 Grupos Wallpaper: definição e algumas propri- edades Nesta seção definimos grupos de simetrias de uma figura plana, em especial os gru- pos wallpaper, apresentamos alguns exemplos e introduzimos os conceitos de reticulado e grupo ponto associados a um subgrupo de Isom(R2). Definição 1.3.1. Dado um subconjuntoW do plano, que denominaremos figura geomé- trica plana, ou simplesmente figura, dizemos que uma isometria φ ∈ Isom(R2) é uma simetria da figura W se φ(W ) = W . O subconjunto de Isom(R2), GW := {φ ∈ Isom(R2); φ(W ) = W}. é um subgrupo do Isom(R2), denominado grupo das simetrias de W . Caso W tenha grupo das simetrias não trivial dizemos que W é uma figura simétrica, caso contrário diz-se que W é uma figura assimétrica. Exemplo 1.3.1. Considere a figura (limitada) W abaixo e imagine-a centrada no plano cartesiano. Seja Θ em Isom(R2), a rotação em torno da origem pelo ângulo 2π/4. Tem- se que Θ é um elemento do grupo GW das simetrias de W . Também estão em GW a identidade id, e as rotações por π e 3π 2 . Notemos que não é posśıvel encontrar outro tipo de isometria em GW , uma vez que nenhuma translação ou reflexão no plano fixa a figura W . Assim GW = {id,Θ,Θ2,Θ3} ∼= Z4. Figura 1.6: Rotação pelo ângulo 2π 4 . Exemplo 1.3.2. Considere o ćırculo S1 (de raio 1 com centro na origem). Qualquer simetria do ćırculo (isto é, isometria do R 2 que fixa o ćırculo) deve aplicar o centro nele mesmo. Dessa forma, pela Proposição 1.1.1, qualquer tal isometria será linear. Reciprocamente, se ϕ é qualquer isometria linear e se P é um ponto qualquer tal que 17 ||P || = 1 (isto é P ∈ S1), então ||ϕ(P )|| = ||ϕ(P ) − ϕ(0)|| = ||P − 0|| = 1. Assim, ϕ envia o ćırculo nele mesmo. Então o grupo de simetrias do ćırculo é o subgrupo (infinito) H ∼= O2(R) de todas as isometrias lineares. Exemplo 1.3.3. (Grupo das Simetrias de um poĺıgono regular) Considere um triângulo equilátero, �ABC. Vamos considerar a origem como sendo o centro do triângulo. Ana- lisando as isometrias do plano que preservam esta figura limitada (a saber o triângulo equilátero), obtemos: a identidade, as rotações em torno da origem pelos ângulos 2π/3 e 4π/3, e as três reflexões em relação as retas que passam pelo centro do triângulo e cada um dos três vértice. Indicaremos tais retas por lA, lB e lC. Figura 1.7: Simetrias do triângulo equilátero. Denotemos por Θ a rotação por um ângulo de 2π 3 e Rl uma das três reflexões, então as duas outras reflexões serão: Θ ◦ Rl e Θ2 ◦ Rl. De modo que o grupo das simetrias do triângulo, denotado por G� é G� = {id,Θ,Θ2,Rl,Θ ◦ Rl,Θ 2 ◦ Rl} = 〈Θ,Rl; Θ 3 = id = R2 l e Θ ◦ Rl = Rl ◦Θ2〉 ∼= D3. Note que a condição Θ ◦ Rl = Rl ◦Θ2 é equivalente a Rl ◦Θ ◦ Rl = Θ−1. Observe também que G� não contém translações, de modo que o subgrupo das translações é trivial. Mais geralmente podemos considerar um poĺıgono regular de n vértices (n lados). Suponhamos que tal poĺıgono tenha seu centro na origem do plano cartesiano e que o eixo x contenha um dos seus vértices. Indiquemos por Rx a reflexão em relação ao eixo x. Então Rx é um elemento do grupo de simetrias do poĺıgono, e pode-se ver que, como no caso do triângulo, tal grupo é dado por {id,Θ, ...,Θn−1,Rx,Rx ◦Θ, ...,Rx ◦Θn−1} = 〈Θ,Rl; Θ n = id = R2 x e Θ ◦ Rx = Rx ◦Θn−1〉 ∼= Dn. Observemos que Θ−1 = Rx ◦Θ ◦ Rx, já que Θn−1 = Θ−1 e R−1 x = Rx. Este grupo Dn contém o subgrupo das rotações Rn = {id,Θ,Θ2, ...,Θn−1} = 〈Θ〉 ∼= Zn. Em geral denotaremos estes grupos (das simetrias de um poĺıgono regular) por Dn (grupo diedral de ordem 2n). Exemplo 1.3.4. Seja W a “fita”(infinita) mostrada na figura abaixo. É fácil ver que existe uma translação τv de comprimento mı́nimo (com v ∈ R 2) que pertence a GW , o 18 grupo de simetrias de W , que as outras translações existentes são do tipo τnv , n ∈ Z, e que não existem outros tipos de isometria em GW , de modo que GW =< τv > ∼= Z. Note que o subgrupo das translações, neste caso, é isomorfo a Z (coincide com GW ). Figura 1.8: Translação em uma única direção. Exemplo 1.3.5. Considere agora a figura W a seguir (que se estende no plano todo) formada por triângulos retângulos. Tal figura pode ser assim obtida: dado um triângulo retângulo, translade-o na horizontal por um vetor u ∈ R 2 não nulo, e na vertical por um outro vetor v ∈ R 2 não nulo. Note que as cópias desse triângulo retângulo, através das translações preenche a figura dada no plano. Assim temos um modelo de“papel de parede”. A região que se repete está representada abaixo. Claramente, τu e τv fazem parte do grupo das simetrias desta figura constrúıda. Além disso, o grupo das simetrias desta figura (no plano) não tem rotações e nem reflexões. Logo GW e seu grupo formado pelas translações coincide, GW =< τu, τv >∼= Z× Z. Figura 1.9: Translação em duas direções. Exemplo 1.3.6. Observe a figura W a seguir (que se estende no plano todo) formada pelos śımbolos Γ. Neste caso a figura pode ser assim obtida: dado Γ, rotacione-o por um ângulo π, tome a região formada por Γ e a parte obtida pela sua rotação, basta então transladar esta região na horizontal pelo vetor u ∈ R 2 não nulo, e na vertical pelo vetor v ∈ R 2 não nulo (Figura 1.10 ). Dessa forma temos um modelo de “papel de parede”. O grupo de simetria desta figura (no plano) não contém reflexões. De fato pode-se verificar que GW = 〈τu, τv,Θπ〉, esse grupo será denominado p2, notação que será melhor detalhada posteriormente. 19 Figura 1.10: Translação em duas direções e rotação pelo ângulo π. Como mencionado, o objetivo principal nesta seção é definir grupos wallpaper e ana- lisar algumas das propriedades de seu reticulado e grupo ponto. Vimos que Isom(R2) ∼= T �Φ H ∼= R 2 �Φ H, sendo H ∼= O2(R) o subgrupo das isometrias lineares e T ∼= R 2 o subgrupo das translações (em R 2). Assim, identificamos Isom(R2) com R 2 �ΦH e consi- deramos seus elementos como da forma (v, φ), com a operação apresentada no Corolário 1.1.3: (v, ϕ) ∗ (w, φ) = (v + ϕ(w), ϕ ◦ φ). O elemento neutro é (0, id), também denotado, às vezes, simplesmente por (0, 1), e o simétrico de um elemento (v, ϕ) é (−ϕ−1(v), ϕ−1). Em particular o simétrico de (v, id) é (−v, id). Definição 1.3.2. Seja G um subgrupo de Isom(R2). Considere T = {v ∈ R 2; (v, id) ∈ G}, e G0 = {φ ∈ H ∼= O2(R); (v, φ) ∈ G, para algum v ∈ R 2}. Tem-se que T é um subgrupo (abeliano) de R 2 e G0 é um subgrupo de H, T é chamado grupo das translações de G ou reticulado (de G) e G0 é denominado grupo ponto de G. Dado φ ∈ G0, um vetor v ∈ R 2 tal que (v, φ) ∈ G0 será referido como vetor ponto associado a φ. Quando conveniente usaremos a notação vφ para indicar um certo vetor ponto (associado a φ). Observação 1.3.1. i) Seja φ ∈ G0. Se (v, φ) e (v′, φ) ∈ G então v − v′ = t ∈ T , pois (v − v′, id) = (v, φ) ∗ (−φ−1(v′), φ−1) = (v, φ) ∗ (v′, φ)−1 ∈ G, isto é, dois vetores pontos associados a φ diferem por um elemento de T . ii) Se consideramos a aplicação Ψ : Isom(R2) ≡ R 2 �Φ H −→ H; (v, ϕ) −→ ϕ (Lema 1.1.3), então T = G ∩Ker(Ψ) e G0 = Ψ(G). Se identificamos T com R 2 (via isomor- fismo já dado), podemos considerar T como o subgrupo das translações que estão em G, isto é T = G ∩ T (pois KerΨ = R 2 ≡ T). iii)Em Schwarzenberger [12] o reticulado de G e o grupo ponto são denotados por T e H, respectivamente. 20 iv) Em Hiller [6] o reticulado é denotado por M (para grupos espaços, n ≥ 2), o grupo ponto por H e o grupo das translações (indicado aqui por T) é denotado por V . v) Em Morandi [10] as notações para reticulado e grupo ponto são T e G0, respectiva- mente. Observamos que o autor considera, na p. 29, G0 = {A ∈ O2(R); (A, b) ∈ G, para algum vetor b ∈ R 2}, e depois, na p. 47, passa a usar que g ∈ G0 se existe um vetor em R 2, que denota por tg, tal que (g, tg) ∈ G. Seja φ ∈ G0, pela definição de G0, existe v ∈ R 2 tal que (v, φ) ∈ G. Se φ é de ordem finita q, então φq = id. Logo, usando a definição da operação em R 2 �Φ H obtém-se (v, φ)q = (v + φ(v) + φ2(v) + · · ·+ φq−1(v), φq(v)) = (a, id). Dáı, a := v + φ(v) + φ2(v) + · · ·+ φq−1(v) ∈ T e verifica-se que φ(a) = a, isto é, a é fixado por φ. Definição 1.3.3. O vetor a ∈ T definido acima pode será denominado vetor desloca- mento de φ (com relação a v). Observação 1.3.2. i) Os vetores deslocamentos não são unicamente determinados. Pois, se v′ ∈ R 2 é outro vetor tal que (v′, φ) ∈ G então, de modo similar (v′, φ)q = (v′ + φ(v′) + φ2(v′) + · · ·+ φq−1(v′), id) = (a′, id). Mas como vimos na Observação 1.3.1 (i) v − v′ = t ∈ T e tem-se a− a′ = t+ φ(t) + φ2(t) + · · ·+ φq−1(t). ii) Obviamente, se (0, φ) ∈ G, então o vetor nulo é vetor deslocamento de φ. Se φ ∈ G0 é uma rotação (não trivial), então a = 0 é o vetor deslocamento de Θ (já que o único ponto fixo de uma rotação é a origem). Se Rl é uma reflexão em relação a uma reta l então a = v +Rl(v), já que R2 l = id, e a é um elemento de T que está em l (pois em l estão os elementos que são fixos por Rl). Observação 1.3.3. Considere W ⊆ R 2 como na figura seguinte (supõe-se que W se estenda sobre o plano todo). Figura 1.11: W ⊆ R 2. Nota-se que o subgrupo GW das simetrias de W possui translação vertical de comprimento mı́nimo τv e contém translações horizontais arbitrariamente pequenas τu (u = α(1, 0), α ∈ R). De modo que o subgrupo T W das translações de W não é isomorfo a Z× Z. Este modelo apresentado não faz parte dos “padrões wallpaper” que serão estu- dados/classificados via seus grupos de isometrias (nem os apresentados nos Exemplos 21 1.3.1 a 1.3.4). Um “padrão wallpaper” W é tal que os subgrupos das translações T W de GW seja isomorfo a Z × Z e seu grupo ponto G0 = Ψ(GW ) seja finito. Desta forma considera-se a seguinte definição. Definição 1.3.4. (Grupo Wallpaper) Um subgrupo G de Isom(R2) é um grupo wall- paper, também referido como grupo plano, ou ainda grupo critalográfico 2- di- mensional, se existem vetores linearmente independentes t1, t2 tais todo elemento de T é escrito como combinação linear de t1 e t2 com coeficientes inteiros, isto é, o reticulado T de G tenha a forma T = {n1t1 + n2t2;n1, n2 ∈ Z} ∼= Z× Z, sendo {t1, t2} uma base integral de T , e se o grupo ponto G0 de G é finito. Usaremos a notação G para indicar um grupo wallpaper. A partir de agora estaremos interessados nos subgrupos G de Isom(R2) que são grupos wallpaper. Observação 1.3.4. i) Pode-se verificar que as condições impostas na definição de grupo wallpaper equivale a exigir que o grupo G = GW seja um subgrupo discreto de Isom(R2), isto é, para todo P ∈ W, existe D disco fechado de centro P (em R 2), tal que G(P )∩D = {P}, onde G(P ) denota a órbita de P , G(P ) = {φ(P );φ ∈ GW}. (Spira [15], Teorema 5.3 e Proposição 5.4 ) ii) O reticulado T de um grupo wallpaper contém um vetor não nulo t (não neces- sariamente único) de comprimento mı́nimo ||t||, pois há sempre um número finito de elementos de T em cada disco, uma vez que para cada k ∈ R, k > 0, há somente um número finito de pares de inteiros (n1, n2) tais que ||n1t1 + n2t2|| < k, e entre eles há um não nulo de comprimento mı́nimo (não único, já que t, −t, φ(t), para φ ∈ G0, por exemplo, tem mesmo comprimento). iii) Se G é um grupo wallpaper, {t1, t2} é base para T e φ ∈ G0, então: iii.1 ) Existe v = vφ ∈ R 2 (vetor ponto, tal que (v, φ) ∈ G) com v = αt1 + βt2 e 0 ≤ α, β < 1 (ou −1 2 ≤ α, β < 1 2 ). iii.2 ) Ainda, se φ =Rl (reflexão em relação a uma reta l), com vetor ponto v = vφ tal que v ∈ l, de modo que Rl(v) = v, então podemos tomar 1 ) v = 0 e o vetor deslocamento a = v + Rl(v) = 0, ou 2 ) v = 1 2 t1 e o vetor deslocamento a = v + Rl(v) = t1, ou 3 ) v = 1 2 t2 e o vetor deslocamento a = v + Rl(v) = t2, ou 4 ) v = 1 2 t1 + 1 2 t2 e o vetor deslocamento a = v + Rl(v) = t1 + t2. iii.1 ) De fato, se φ ∈ G0, existe por definição, w ∈ R 2 (vetor ponto) tal que (w, φ) ∈ G e sabemos que tais vetores não são únicos (eles diferem por elementos de T ). Como {t1, t2} é base para T , existem α′, β′ ∈ R tais que w = α′t1 + β′t2. Podemos escrever α′ = m+ α e β′ = n+ β, com m,n ∈ Z e 0 ≤ α, β < 1. Dáı, v = αt1 + βt2 = w − (mt1 + nt2) = w − t0 é um outro vetor ponto, pois t0 = mt1 + nt2 ∈ T e (v, φ) = (−t0, id) ∗ (w, φ) ∈ G, e tem-se 0 ≤ α, β < 1. 22 iii.2 ) Suponhamos que φ =Rl, tenha vetor ponto vφ paralelo a l. Pelas considerações anteriores podemos tomar v = αt1 + βt2, 0 ≤ α, β < 1. Dáı, o vetor deslocamento, a = v+Rl(v) = 2αt1 + 2βt2 (já que Rl(v) = v). Como a ∈ T devemos ter 2α, 2β ∈ Z. Assim, α = 0 = β ou α = 1 2 = β e obtemos então v = 0, v = 1 2 t1, v = 1 2 t2 ou v = 1 2 t1 + 1 2 t2. Proposição 1.3.1. Se G é um grupo wallpaper com reticulado T e grupo ponto G0, então T é normal em G e G/T ∼= G0. Demonstração: Considere o homomorfismo Ψ : Isom(R2) ≡ R 2 �Φ H −→ H dado por τv ◦ ϕ ≡ (v, ϕ) −→ ϕ. (Vide Lema 1.1.3 e Observação 1.3.1 (ii)). Como Ψ(G) = G0, podemos considerar o homomorfimo restrição (sobrejetor) Ψ|G : G −→ G0. Temos KerΨ|G = G ∩ Ker(Ψ) = T (o subgrupo das translações). Dáı, T = KerΨ|G é um subgrupo normal de G e, usando o Teorema do Homomorfismo, obtemos G T ∼= G0. Observação 1.3.5. (Ação de G0 sobre T e o fato de que ϕ(T ) = T se ϕ ∈ G0) Como já vimos o grupo H ∼= O2(R) atua no grupo T ∼= R 2 das translações por conjugação (Lema 1.1.4). Considerando agora T e H como subgrupos de T �Φ H, se (v, id) ≡ v ∈ T e (0, ϕ) ≡ ϕ ∈ H, então a equação ϕ · v · ϕ−1 = (0, ϕ) ∗ (v, id) ∗ (0, ϕ)−1 = (ϕ(v), ϕ ◦ id) ∗ (0, ϕ−1) = (ϕ(v), id) ≡ ϕ(v), mostra que, sob o isomorfismo natural T ∼= R 2, essa ação conjugação é a ação natural de H em R 2. Considerando v = t ∈ T , para todo ϕ ∈ G0, se vϕ é um vetor ponto associado a ϕ, tem-se que (ϕ(t), id) = (vϕ, ϕ) ∗ (t, id) ∗ (vϕ, ϕ)−1 ∈ G, o que mostra que ϕ(t) ∈ T e temos bem definida uma ação de G0 sobre T ; G0 × T −→ T ; (ϕ, t) −→ ϕ(t) e que ϕ(T ) = T , para todo ϕ ∈ G0. Como já mencionado estamos interessados em classificar os grupos wallpaper. A classificação de tais grupos procederá como segue: se G é um grupo wallpaper, vimos que o subgrupo T das translações é um subgrupo normal de G e que G/T ∼= G0. Então: 1o) determinamos (ainda nesta seção) os posśıveis grupos que surgem como G/T , ou equivalentemente, os posśıveis grupos pontos G0 de um grupo wallpaper; 2o) determinamos todos os posśıveis modos que G0 pode atuar sobre T (Seção 1.4); 3o) analisamos como construir G a partir de T e G/T ∼= G0, de modo a descrever os 17 grupos wallpaper existentes (Seção 1.5). O resultado seguinte nos fornece os posśıveis grupos pontos (a menos de isomor- fismo). Teorema 1.3.1. Seja G0 o grupo ponto de um grupo wallpaper G (com reticulado T ). Então G0 é isomorfo a Zn ou Dn, com n = 1, 2, 3, 4 e 6. Demonstração: Temos que o grupo ponto G0 (que é um subgrupo de H) é finito (pela definição de grupo wallpaper). Assim tem-se pela Proposição 1.2.2, que G0 é 23 isomorfo a Zn ou Dn para algum n. Temos que determinar os posśıveis valores de n. Na demonstração da Proposição 1.2.2, vimos que S := G0 ∩ SO2(R) (o subgrupo de G0 que contém apenas rotações) é um grupo ćıclico gerado por uma rotação Θ, de ângulo mı́nimo posśıvel θ. Além disso, se |S| = n então S =< Θ >, Θ rotação (de ordem n) segundo o ângulo θ = 2π/n. Podemos representar a rotação Θ por meio de duas matrizes. Primeiro consideramos a matriz de Θ com relação a base canônica de R 2, neste caso a matriz é( cos θ −senθ senθ cos θ ) . Considere agora {t1, t2} uma base integral de T (que será base de R 2). Uma vez que Θ(T ) = T (pois Θ ∈ G0) e T = Zt1 ⊕ Zt2, a matriz associada à rotação Θ com respeito a essa base é da forma ( x y z w ) , com x, y, z, w ∈ Z. Como estas duas matrizes representam a mesma transformação linear (em R 2), mas com respeito às bases diferentes, elas são conjugadas e portanto, elas tem o mesmo traço. Assim, temos 2 cos θ = x + w ∈ Z, o que implica que cos θ ∈ {−1,−1 2 , 0, 1 2 , 1}, pois a multiplicação por 2 tem que ser um número inteiro. Analisando a função cosseno e considerando a restrição para cos θ, vemos que quando 0 < θ ≤ 2π, devemos ter θ = 2π n ∈ { π 3 , π 2 , 2π 3 , π, 2π } = { 2π 6 , 2π 4 , 2π 3 , 2π 2 , 2π 1 } . Consequentemente, S = 〈Θ〉 ∼= Zn e tem ordem n ∈ {1, 2, 3, 4, 6} e como na prova da Proposição 1.2.2, tem-se: se G0 = S então G0 é isomorfo a Zn, e se G0 �= S, [G0 : S] = 2 e G0 ∼= Dn, n = 1, 2, 3, 4 ou 6. Agora determinaremos bases convenientes para T , levando em conta a ação de G0 em T , isto ajudará a descrever os grupos pontos e assim determinar os grupos wallpaper. Note que para G0 = 〈Θ〉 ∼= Z1, com Θ = id e G0 = 〈Θ〉 ∼= Z2, onde Θ 2 = id pode- se tomar para T uma base qualquer {t1, t2}, pois o primeiro grupo age trivialmente em T e o segundo grupo atua em T pela multiplicação por −1 (já que Θ(t) = −t, ∀t ∈ T ). Proposição 1.3.2. Suponhamos que G0 contém uma rotação Θ por um ângulo 2π/n para n = 3, 4 e 6. Se t é um elemento não nulo de T de comprimento mı́nimo, então {t,Θ(t)} é uma base para T . Assim, quando para G0 ∼= Z3, Z4, Z6, D3, D4 ou D6, podemos tomar para T uma tal base. Demonstração: Considere {t′1, t′2} uma base (integral) para T e t um elemento não nulo de T de comprimento mı́nimo. Então, t = at′1 + bt′2, Θ(t) = ct′1 + dt′2, para a, b, c, d ∈ Z. O conjunto {t,Θ(t)} é linearmente independente porque n > 2 (lembremos que para n = 1, Θ(t) = t e para n = 2, Θ(t) = −t, para todo t). Assim 24 podemos resolver as duas equações acima em t′1 e portanto t′1 = xt+ yΘ(t), para alguns números racionais x, y. Podemos escrever x = n1 + ε e y = n2 + ε′ com n1, n2 ∈ Z e |ε|, |ε′| ≤ 1 2 . Temos que s = n1t + n2Θ(t) ∈ T , de modo que (t′1 − s) = εt + ε′Θ(t) ∈ T . Como t e Θ(t) não são paralelos, obtemos que ||t′1 − s|| = ||εt+ ε′Θ(t)|| < ||εt||+ ||ε′Θ(t)|| ≤ 1 2 (||t||+ ||Θ(t)||) = 1 2 (2||t||) = ||t||, uma contradição se t′1 − s �= 0, uma vez que tomamos t ∈ T vetor de comprimento mı́nimo. Portanto, devemos ter t′1 = s, que é uma combinação Z-linear de t e Θ(t). Similarmente, mostra-se que t′2 é uma combinação Z-linear de t e Θ(t). Como {t′1, t′2} é uma base de T , o conjunto {t,Θ(t)} é também uma base de T . Observação 1.3.6. No caso n = 6 (G0 ∼= Z6 ou D6), se Θ é a rotação pelo ângulo de 2π/6 pode-se verificar, usando o mesmo racioćınio acima, que {t1, t2 := Θ2(t1)} é também uma base para T , onde Θ2 é a rotação por 2π/3. Proposição 1.3.3. Suponhamos G0 ∼= D1 ou G0 ∼= D2. Seja Rl uma reflexão não trivial em relação a uma reta l e considere os vetores r em T , com r paralelo a l de comprimento mı́nimo, e s em T , com s perpendicular a l de comprimento mı́nimo. Temos duas situações: 1 ) {r, s} é base para T ; ou 2 ) {1 2 r + 1 2 s, 1 2 r − 1 2 s} (e também {r, 1 2 r + 1 2 s}) é base para T . Demonstração: Considere G0 ∼= D1 (o caso G0 ∼= D2 é similar). Então G0 não contém uma rotação de ordem maior ou igual a 3 e portanto, não podemos usar a Proposição 1.3.2 para obter uma base para T . Desta forma precisamos produzir uma base para T de outra maneira. Em cada um dos grupos dispomos de uma reflexão Rl não trivial em G0 em relação a uma reta l. Seja v ∈ R 2 tal que (v,Rl) ∈ G (v = vRl vetor ponto). Considere t ∈ T (vetor não nulo), como Rl aplica T em T (Observação 1.3.5), os vetores t + Rl(t) e t − Rl(t) são elementos de T , assim T contém vetores não nulos, paralelos e perpendiculares a reta de reflexão l (uma vez que Rl(t+ Rl(t)) = Rl(t) + t e Rl(t− Rl(t)) = Rl(t)− t = −(t− Rl(t)), já que R2 l = id). Figura 1.12: Vetores em T para G0 ∼= D1 ou D2. Sejam r e s vetores não nulos de comprimento mı́nimo em T paralelo e perpendi- cular, respectivamente, a reta de reflexão l. Note que a natureza “discreta” de T implica 25 que tais vetores existem (eles não necessariamente tem o mesmo comprimento). Temos que {r, s} são linearmente independentes e {r, s} ⊂ T . A pergunta que surge é {r, s} gera T , de modo a obter uma base para T . Veremos que {r, s} pode ou não ser base para T . Como r e s são de comprimento mı́nimo em T , qualquer vetor em T paralelo (respectivamente perpendicular) à reta l é um múltiplo inteiro de r (respectivamente de s). Portanto, para qualquer t ∈ T , t+ Rl(t) = mtr e t− Rl(t) = nts, (1.2) com mt, nt ∈ Z. Resolvendo em t, obtemos t = mt 2 r+ nt 2 s. Vamos separar em dois casos: 1) Para todo t ∈ T , os inteiros mt e nt são pares e assim {r, s} geram T e formam uma base para T . Observe que neste caso t + Rl(t) �= r, ∀t ∈ T , pois se fosse igual teŕıamos mt = 1 que é ı́mpar (o que contradiz o fato de mt ser par). 2) Existe t ∈ T tal que mt ou nt é ı́mpar. Então os dois terão que ser ı́mpares, pois se, por exemplo, mt0 = 2q + 1, para algum t0 ∈ T com q ∈ Z e nt0 = 2q′, q′ ∈ Z, então, de (1.2) obtém-se 1 2 r = t0 − qr − q′s ∈ T , o que contradiz a minimalidade de r ∈ T . Seja então t0 ∈ T tal quemt0 e nt0 são ı́mpares (mt0 = 2q+1 e nt0 = 2q′+1, q, q′ ∈ Z). Segue de (1.2) que 1 2 r+ 1 2 s = t0− [qr+ q′s] ∈ T . Assim, t1 := 1 2 r + 1 2 s ∈ T . Portanto, neste caso, {r, s} não é base para T . Precisamos obter então uma base para T . Exibiremos duas bases, a primeira é a que será mais usada: i) Tome, { t1 := 1 2 r + 1 2 s t2 := 1 2 r − 1 2 s = Rl(t1). Note que desta forma t1 + t2 = r, t1 − t2 = s e r + s = 2t1 e t1, t2 são linearmente independentes. Mostremos que {t1, t2} gera T . Para todo t ∈ T , mt, nt serão ambos pares ou ambos ı́mpares (com pelo menos um par deles sendo ı́mpares) e t = mt 2 r + nt 2 s = ( mt + nt 2 )( r + s 2 ) + ( mt − nt 2 )( r − s 2 ) = m′ tt1 + n′ tt2, com m′ t, n ′ t ∈ Z. Uma vez que qualquer t é uma combinação linear inteira de t1 e t2, o conjunto {t1, t2} é uma base para T . ii) Considere agora o conjunto L.I. {r, 1 2 r + 1 2 s}. Tal conjunto também é base para T , pois gera T , já que, para todo t ∈ T , tem-se t = mt 2 r − nt 2 r + nt 2 r + nt 2 s = (mt+nt) 2 r + nt. r+s 2 = m′′ t r + n′′ t t1, com m′′ t = mt − nt, n ′′ t = nt ∈ Z. Assim, apresentamos bases para T como afirmado. Observação 1.3.7. (Ação de G0 ∼= D1 ou D2 sobre T ; G0 = 〈Θ,Rl〉) Podemos sintetizar os dois casos apresentados na demonstração da proposição acima, para Rl ∈ G0 da seguinte forma: 26 i) Se mt, nt são inteiros pares na equação (1.2) para todo t, então t+ Rl(t) �= r, ∀t ∈ T e {t1, t2} := {r, s} é uma base para T formada de dois vetores ortogonais, um dos quais é fixado pela reflexão Rl em G0 (com l paralelo a t1), que podemos denotar por Rx, satisfazendo { Rx(t1) = t1, (t1 = r) Rx(t2) = −t2, (t2 = s) ii) Existe t ∈ T tal que mt e/ou nt é ı́mpar. Disto segue que existe t ∈ T tal que t+ Rl(t) = r, pois t0 + Rl(t0) = (2q + 1)r, para algum t0 ∈ T ⇒ r = t0 + Rl(t0)− 2qr ⇒ r = (t0 − qr) + Rl(t0 − qr) = t′ + Rl(t ′), com q ∈ Z e t′ ∈ T . Neste caso exibimos duas bases, B1 := {t1, t2} = { 1 2 r + 1 2 s, 1 2 r − 1 2 s } = {t1,Rl(t1)}, em que a reflexão Rl permuta os vetores da base de T , isto é, Rl(t1) = t2 e Rl(t2) = t1. Ou B2 := {t′1, t′2} = { r, 1 2 r + 1 2 s } , com Rl(t ′ 1) = Rl(r) = t′1 e Rl(t ′ 2) = t′1 − t′2. 1.4 Grupos Wallpaper equivalentes e um estudo dos grupos pontos Nesta seção (visando classificar os grupos wallpaper) vamos definir quando dois grupos wallpaper são equivalentes, descrever um grupo wallpaper em função de seu reticulado, grupo ponto e vetores pontos, e fazer um estudo dos grupos pontos levando em conta suas ações no reticulado. Definição 1.4.1. (Schwarzenberger [12], p. 4 ) Dois grupos wallpaper G e G ′, com re- ticulados T e T ′ são equivalentes se existe um isomorfismo γ : G −→ G ′ tal que γ(T ) = T ′, isto é, a restrição λ = γ|T leva T em T ′. Um tal γ será denomidado uma equivalência entre G e G ′. Como consequências da definição podemos ver que: i) A restrição de uma equivalência γ : G −→ G ′ para o subgrupo T de G é um ho- momorfismo λ : T −→ T ′, que é injetor e sobrejetor o que nos dá um isomorfismo λ : T −→ T ′. Como T e T ′ contém pares de vetores linearmente independentes, tal ho- momorfismo se estende a uma transformação linear invert́ıvel que também vamos denotar por λ : R2 → R 2. ii) Se (v, φ) ∈ G é aplicado em (v′, φ′) ∈ G ′, φ ∈ G0 e φ′ ∈ G′ 0, então (v, φ) ∗ (t, id) ∗ (v, φ)−1 = (φ(t), id) deve ser aplicado em (v′, φ′) ∗ (λ(t), id) ∗ (v′, φ′)−1 = (φ′(λ(t)), id) e 27 assim, λ(φ(t)) = φ′(λ(t)), ∀ t ∈ T . Uma vez que T contém um par de vetores L.I., segue que λ ◦ φ = φ′ ◦ λ e assim G′ 0 = λG0λ −1 (aqui estamos considerando a extensão λ vista como transformação linear invert́ıvel de R 2). iii) As aplicações acima são compat́ıveis com ações de G0 em T e de G′ 0 em T ′. De fato, dado λ : T −→ T ′, φ ∈ G0 e t ∈ T , temos λ(φ · t) = λ(φ(t)) = (λ ◦ φ)(t) ii) = (φ′ ◦ λ)(t) = φ′(λ(t)) = φ′ · λ(t). iv) Se (v, φ) ∈ G é aplicado em (v′, φ′) ∈ G ′ e φ ∈ G0 tem ordem q, então o mesmo acontece com φ′ = λ ◦ φ ◦ λ−1, e se a é um vetor deslocamento de φ, λ(a) será um vetor deslocamento de φ′, pois (a, id) = (v, φ)q é aplicado em (λ(a), id) = (v′, φ′)q = (a′, id), de modo que a′ = λ(a) é vetor deslocamento de φ′. Proposição 1.4.1. Se G e G ′ são grupos wallpaper equivalentes, então seus grupos pontos G0 e G′ 0 são isomorfos. Demonstração: Suponhamos G equivalente a G ′ e seja γ : G −→ G ′ um isomorfismo com γ(T ) = T ′. Então γ induz um isomorfismo entre G/T e G ′/T ′. Uma vez que, pela Proposição 1.3.1, esses grupos são isomorfos a G0 e G′ 0, respectivamente, segue que os grupos pontos G0 e G′ 0 são isomorfos. Observação 1.4.1. De fato não é necessário exigir, para grupos wallpaper, que se γ : G −→ G ′ é uma equivalência então γ(T ) = T ′, como afirma o seguinte resultado abaixo. Proposição 1.4.2. (Morandi [10] , Lema 3.5, p.32 ) Seja G um grupo wallpaper com reticulado de translação T , e considere Gn = {x ∈ G; xgn = gnx, ∀g ∈ G}. Então T = Gn quando n é um múltiplo de [G : T ]. Além disso, se G e G ′ são grupos wallpaper com reticulados de translação T e T ′, respectivamente, e se γ : G −→ G ′ é um isomorfismo, então γ(T ) = T ′ (e assim G e G ′ serão equivalentes). No que segue, provaremos um lema que descreve os elementos de um grupo wallpa- per em termos do reticulado T , grupo ponto G0 e determinados vetores de R 2 (vetores pontos), o que nos mostra a relevância desses vetores (pontos) para a classificação dos grupos wallpaper. Lema 1.4.1. Seja G um grupo wallpaper com grupo ponto G0 e reticulado T . Então G = {(vφ + t, φ);φ ∈ G0, t ∈ T }, onde vφ ∈ R 2 indica um vetor ponto associado a φ, isto é, com (vφ, φ) ∈ G (unicamente determinado a menos de adição por um elemento de T ). Demonstração: Considere o homomorfismo sobrejetor Ψ|G : G −→ G0; Ψ((v, φ)) −→ φ, com núcleo igual a T (vide demonstração da Proposição 1.3.1). Para cada φ ∈ G0, tome um vetor ponto vφ. Sabemos que se (vφ, φ) e (wφ, φ) pertencem a G então existe t ∈ T tal que wφ = t+vφ, isto é, vφ é unicamente determinado a menos de adição por um elemento de T . Dáı, como Ψ|G é uma sobrejeção em G0 com núcleo T , (vφ, φ) ∈ (Ψ|G)−1(φ) e G = ⋃ φ∈G0 (Ψ|G)−1(φ), vemos que G = {(vφ + t, φ);φ ∈ G0, t ∈ T }. 28 Para classificar todos os grupos wallpaper precisamos entender melhor os grupos pontos G0, através dos seus geradores levando em conta a ação de G0 em T . Anterior- mente provamos que o grupo ponto G0 de um grupo wallpaper é isomorfo a um dos dez grupos {Zn, Dn, n = 1, 2, 3, 4, 6}. Observe que esse conjunto tem apenas nove grupos não isomorfos, pois 〈Θ〉 = Z2 ∼= D1 = 〈Rl〉 como grupos. Entretanto, eles fornecerão grupos wallpaper distintos por considerar suas ações em T . Isto pode ser visto em detalhes na Observação 1.5.2 (ii), apresentada ao final deste caṕıtulo. Observação 1.4.2. (Ação de G0 sobre T via forma matricial). Sabemos que em um grupo wallpaper o reticulado T ∼= Z × Z. Fixando uma base integral {t1, t2} do Z-módulo T queremos entender melhor como cada um dos 10 grupos pontos citados atua sobre T . Escolheremos o sistema de coordenadas supondo que t1 = (1, 0). Uma vez que a cada isometria linear no plano φ ∈ G0, φ|T : T −→ T é um isomorfismo linear, fixada uma base integral para T podemos associar a φ a matriz da restrição φ|T na base B, (φ|T )B ∈ GL(2,Z), assim é posśıvel representar cada grupo ponto G0 como um subgrupo de GL(2,Z) (representação matricial). Analisemos cada caso: i)G0 ∼= Z1 ou Z2. Se G0 = 〈Θ〉 ∼= Z1, com Θ = id (a rotação trivial pelo ângulo de 2π), então a ação de G0 = 〈Θ〉 em T é, obviamente, trivial e na notação matricial G0 = 〈Θ〉 ≡ 〈( 1 0 0 1 )〉 ∼= Z1. Se G0 = 〈Θ〉 ∼= Z2 sendo Θ uma rotação de ordem 2 (ângulo de rotação π), a ação de G0 em T será a multiplicação por −1. Assim, Θ(ti) = −ti, i = 1, 2, e tem-se, G0 = 〈Θ〉 ≡ 〈( −1 0 0 −1 )〉 ∼= Z2. ii)G0 ∼= Z4 ou D4. Seja Θ ∈ G0 a rotação pelo ângulo 2π/4. Pela Proposição 1.3.2, se t1 é um vetor em T de comprimento mı́nimo, então {t1, t2 = Θ(t1)} será uma base para T (com t2 ⊥ t1). Usando esta base, e analisando a ação de Θ em T , tem-se Θ(t1) = t2 = 0t1 + 1t2 e Θ(t2) = −t1 = −1t1 + 0t2, de modo que Θ pode ser identificado através dessa base com a matriz ( 0 −1 1 0 ) . Assim, para G0 ∼= Z4, tem-se G0 = 〈Θ〉 ≡ 〈( 0 −1 1 0 )〉 ∼= Z4. Agora, se G0 ∼= D4 então G0 é gerado pela rotação Θ por um ângulo 2π/4 e uma re- flexão Rl em relação a uma reta l, de forma que G0 = 〈Θ,Rl〉 = {id,Θ,Θ2,Θ3,Rl,Θ◦Rl, 29 Θ2 ◦Rl,Θ 3 ◦Rl}, onde os quatro últimos elementos são reflexões. Estas reflexões devem preservar o conjunto de vetores em T de comprimento mı́nimo; quatro tais vetores são ±t1, ±t2 (vide figura abaixo). É fácil ver que qualquer outro vetor, sobre o ćırculo de raio ||t1|| centrado na origem, está a uma distância menor do que ||t1|| de um desses quatro vetores, de modo que a diferença desses dois vetores produzirão um vetor não nulo em T de comprimento menor que ||t1|| (caso o vetor sobre o ćırculo esteja em T e seja diferente de ±t1, ±t2), o que é uma contradição pela minimalidade do vetor t1 ∈ T . Assim, os quatros vetores mencionados são todos os vetores de comprimento mı́nimo em T . Consequentemente qualquer reflexão deve levar estes quatros vetores nestes mesmos vetores (pois Rl(T ) = T ) e temos então quatro retas de reflexão, como ilustrado na figura seguinte, Figura 1.13: Vetores da base de T e retas de reflexões para D4. Supondo t1 pertencente à reta horizontal e denotando por Rx a reflexão em relação à reta l = l1 (na figura) paralela a t1, teremos Rx(t1) = t1 e Rx(t2) = −t2 e assim podemos representar D4 pela forma matricial por G0 = 〈Θ,Rx〉 ≡ 〈( 0 −1 1 0 ) , ( 1 0 0 −1 )〉 ∼= D4. Note que Θ ◦ Rx = Rl2, Θ 2 ◦ Rx = Rl3 e Θ ◦ Rx = Rl4. iii)G0 ∼= Z3, D3, Z6 ou D6. Considere Θ uma rotação por um ângulo 2π/n, n = 3 ou 6. Como visto na Pro- posição 1.3.2 e Observação 1.3.6, podemos considerar a base integral para T , dada por {t1, t2 = Θ(t1)} para n = 3 e {t1, t2 = Θ2(t1)} para n = 6. O grupo G0 ∼= Zn é gerado pela rotação Θ, (para n = 3 ou 6) e considerando as respectivas bases para T , tem-se: para n = 3, { Θ(t1) = t2 Θ(t2) = −t1 − t2 , e para n = 6, { Θ(t1) = t1 + t2 Θ(t2) = Θ(Θ2(t1)) = −t1 . Assim, G0 = 〈Θ〉 ≡ 〈( 0 −1 1 −1 )〉 ∼= Z3 (para n = 3), e G0 = 〈Θ〉 ≡ 〈( 1 −1 1 0 )〉 ∼= Z6 (para n = 6). 30 Figura 1.14: Vetores da base de T . Vamos analisar agora G0 ∼= D3 ou D6. Os seis vetores ±t1, ±t2, t1 + t2, −t1 − t2 (ver figura seguinte) são vetores em T no ćırculo de raio ||t1|| (de comprimento mı́nimo). Assim como no caso G0 ∼= D4, qualquer vetor no ćırculo que, não seja um destes seis está a uma distância menor que ||t1|| de um desses seis vetores, de modo que a diferença dos dois vetores produzirão um vetor de comprimento menor do que ||t1||. O que mostra que esses seis vetores são todos os vetores de comprimento mı́nimo em T . Assim qualquer reflexão deve permutar os seis vetores de T . Suponhamos G0 ∼= D6. Neste caso temos as seis retas de reflexões: li, i = 1, ..., 6. Figura 1.15: Vetores da base de T e retas de reflexões para D6 e D3. O grupo D6 é gerado pela rotação Θ e qualquer uma das reflexões; vamos tomar a reflexão Rl que fixa t1, que por conveniência denotaremos por Rx. Assim Rx(t1) = t1 e Rx(t2) = −t1 − t2. Dáı, G0 = 〈Θ,Rx〉 ≡ 〈( 1 −1 1 0 ) , ( 1 −1 0 −1 )〉 ∼= D6. Se G0 ∼= D3, então o grupo ponto contém três reflexões. As retas de reflexão são separadas por um ângulo de 2π/3 2 , e como toda reflexão Rl em D3 é uma reflexão em D6, temos duas possibilidades: as três retas de reflexão são as retas que formam ângulos de 30◦, 90◦ e 150◦ com t1 (retas indicadas por l2, l4 e l6) ou são as retas que formam 31 ângulos de 0◦, 60◦ e 120◦ com t1 (indicadas por l1, l3 e l5). Isso indica que D3 pode atuar de duas formas diferentes com respeito à base fixada. Escrevemos D3,l e D3,s para distinguir essas duas ações; D3,l e D3,s têm como geradores a rotação Θ de 2π/3 e a reflexão através de uma reta que forma ângulo de 30◦ (que indicaremos por Rl) e um ângulo de 0◦ (indicada por Rx) com t1, respectivamente. Assim, G0 = 〈Θ,Rl〉 ≡ 〈( 0 −1 1 −1 ) , ( 1 0 1 −1 )〉 ∼= D3,l e G0 = 〈Θ,Rx〉 ≡ 〈( 0 −1 1 −1 ) , ( 1 −1 0 −1 )〉 ∼= D3,s. iv)G0 ∼= D1 ou D2. Para cada um destes grupos pontos existem duas possibilidades, correspondendo às duas diferentes bases obtidas para T descritas na Proposição 1.3.3 e Observação 1.3.7, tendo em vista as ações de G0 em T . Para diferenciar as duas situações indicaremos os grupos correspondentes usando ı́ndices p e c, p refere-se a base ortogonal e c a segunda base. Assim, para G0 ∼= D1, tem-se: G0 = 〈Θ,Rx〉 = 〈Rx〉 ≡ 〈( 1 0 0 −1 )〉 not.∼= D1,p , onde Θ é a rotação (trivial) pelo ângulo 2π e Rx a reflexão em relação ao eixo x, tal que Rx(t1) = t1 e Rx(t2) = −t2, sendo {t1, t2} = {r, s} base ortogonal para T . Agora se consideramos a outra base/ação de G0 em T , então G0 = 〈Θ,Rl〉 = 〈Rl〉 ≡ 〈( 0 1 1 0 )〉 not.∼= D1,c. onde Θ é a rotação (trivial) e Rl indica a reflexão em relação à reta l que faz um ângulo de π/4 com t1, tal que Rl(t1) = t2 e Rl(t2) = t1, sendo {t1, t2} base para T . Analisemos D2: como D2 contém a rotação Θ pelo ângulo de 2π/2, temos G0 = 〈Θ,Rx〉 ≡ 〈( −1 0 0 −1 ) , ( 1 0 0 −1 )〉 not.∼= D2,p , com Rx a reflexão em relação à reta l, com l paralelo a t1, de modo que Rx(t1) = t1 e Rx(t2) = −t2, sendo {t1, t2} base ortogonal para T . Considerando a outra base de T (e a ação de G0 em T ), G0 = 〈Θ,Rl〉 ≡ 〈( −1 0 0 −1 ) , ( 0 1 1 0 )〉 not.∼= D2,c, onde Rl é uma reflexão em relação à reta l (que faz um ângulo de π/4 com t1), tal que Rl(t1) = t2 e Rl(t2) = t1, sendo {t1, t2} base para T . 32 Vimos que se dois grupos wallpaper G e G ′ são equivalentes então eles possuem grupos pontos G0 e G′ 0 isomorfos (Proposição 1.4.1). De fato, pode-se mostrar que, se G é equivalente a G ′ então existe uma relação mais forte entre os grupos pontos G0 e G′ 0 (de G e G ′, respectivamente), eles são “conjugados” (Morandi [10] Proposição 3.7, p. 33). Assim, se dois grupos wallpaper G e G ′ são tais que G0 e G′ 0 não são “conjugados” então G e G ′ não são equivalentes. Verifica-se que os seguintes grupos pontos (embora isomorfos) não são “conjugados”: Z2 e D1; Dn,c e Dn,p para n = 1, 2 e D3,s e D3,l (Morandi [10] Proposição 3.11 e 3.10), de forma que estes grupos pontos darão origem a grupos wallpaper não equivalentes. A não equivalência entre os grupos wallpaper associados a tais grupos pontos pode também ser verificada a partir do momento que conseguimos descrever melhor esses grupos wallpaper associados. O que ocorre nos teoremas da próxima seção. Como já mencionado, o caso G0 ∼= Z2 e G′ 0 ∼= D1 está detalhado na Observação 1.5.2 (ii). 1.5 Classificação dos Grupos Wallpaper Finalmente estamos em condições de mostrar que existem 17 classes de equivalência (distintas) de grupos wallpaper (Corolário 1.5.1). Isto será feito em quatro teoremas. Nos baseamos aqui em Schwarzenberger [13] e [12], e Morandi [10]. Teorema 1.5.1. Existem cinco classes de equivalência de grupos wallpaper cujo grupo ponto não contém reflexões, ou seja, em que G0 ∼= Zn, onde n = 1, 2, 3, 4 ou 6. Demonstração: Neste caso, pelo Teorema 1.3.1 o grupo ponto é ćıclico gerado por uma rotação Θ por um ângulo θ = 2π/n, onde n = 1, 2, 3, 4 ou 6. Sejam G e G ′ dois grupos wallpaper, com mesmos grupos pontos (G0 = G′ 0). Notemos que Θ ∈ G0 = G′ 0 implica que existem v e v′ em R 2 (vetores pontos) tais que (v,Θ) ∈ G e (v′,Θ) ∈ G ′. Para mostrar que G e G ′ são equivalentes (indicando por T e T ′ os reticulados de G e G ′, respectivamente), constrúımos primeiro um isomorfismo λ : T → T ′ tal que Θ◦λ = λ◦Θ. Notemos que se n = 1 então Θ = id, e se n = 2, Θ(t) = −t, pois θ = π. Nestes dois casos qualquer isomorfismo λ : T → T ′ serve (já que id ◦λ = λ ◦ id e Θ(λ(t)) = −λ(t) = λ(−t) = λ(Θ(t)). Agora para n = 3, 4 ou 6, escolha t0 ∈ T e t′0 ∈ T ′ (ambos de comprimento mı́nimo) tais que {t0,Θ(t0)} seja base de T e {t′0,Θ(t′0)} seja base de T ′ (de acordo com a Proposição 1.3.2). Defina então λ(t0) = t′0 e λ(Θ(t0)) = Θ(t′0), λ define uma transformação linear do R 2. Pela definição λ ◦ Θ = Θ ◦ λ, e tem-se Θi ◦ λ = λ ◦ Θi para i = 0, 1, ..., n − 1. Podemos escrever cada grupo como a união de n classes laterais G = T ∗ (0, id) ∪ T ∗ (v,Θ) ∪ · · · ∪ T ∗ (v,Θ)n−1, G ′ = T ′ ∗ (0, id) ∪ T ′ ∗ (v′,Θ) ∪ · · · ∪ T ′ ∗ (v′,Θ)n−1. Define-se então γ : G −→ G ′ (t, id) ∗ (v,Θ)i −→ (λ(t), id) ∗ (v′,Θ)i. Para ver que γ é um homomorfismo de grupos, observe primeiro que 33 (v,Θ) ∗ (t, id) ∗ (v,Θ)−1 = (Θ(t), id) implica (v,Θ)i ∗ (t, id) ∗ (v,Θ)−i = (Θi(t), id), ou equivalentemente, (v,Θ)i ∗ (t, id) = (Θi(t), id) ∗ (v,Θ)i (�) Também tem-se (v′,Θ)i ∗ (λ(t), id) = (Θi(λ(t)), id) ∗ (v′,Θ)i (Θ◦λ=λ◦Θ) = (λ(Θi(t)), id) ∗ (v′,Θ)i. (��) Considere g1 = (t1, id) ∗ (v,Θ)i e g2 = (t2, id) ∗ (v,Θ)j em G. Então g1 ∗ g2 = (t1, id) ∗ (v,Θ)i ∗ (t2, id) ∗ (v,Θ)j (�) = (t1, id) ∗ (Θi(t2), id) ∗ (v,Θ)i ∗ (v,Θ)j = (t1 +Θi(t2), id) ∗ (v,Θ)i+j. De modo que γ(g1 ∗ g2) = (λ(t1 +Θi(t2)), id) ∗ (v′,Θ)i+j = (λ(t1) + λ(Θi(t2)), id) ∗ (v′,Θ)i+j. Por outro lado, γ(g1) ∗ γ(g2) = γ((t1, id) ∗ (v, θ)i) ∗ γ((t2, id) ∗ (v, θ)j) = (λ(t1), id) ∗ (v′, θ)i) ∗ (λ(t2), id) ∗ (v′, θ)j (��) = (λ(t1), id) ∗ (λ(Θi(t2)), id) ∗ (v′, θ)i ∗ (v′, θ)j = (λ(t1 +Θi(t2)), id) ∗ (v′, θ)i+j. Assim, γ(g1 ∗ g2) = γ(g1) ∗ γ(g2), e γ é homomorfismo. Que γ é bijetor segue do fato que a aplicação G ′ → G; (t′, id)∗(v′,Θ)i → (λ−1(t), id)∗ (v,Θ)i é uma inversa para γ. Logo γ é um isomorfismo, e claramente aplica T em T ′, o que garante que G é equivalente a G ′. Temos portanto uma classe de equivalência para cada valor de n; obtendo assim cinco classes de equivalência que, de acordo com a notação usada pela União Internacional de Cristalografia (1952), são denotadas por p1,p2,p3,p4 e p6, o śımbolo p significa primitivo. Teorema 1.5.2. Existem três classes de equivalência de grupos wallpaper em que o grupo ponto G0 contém uma única reflexão (e não contém rotação não trivial, isto é, G0 ∼= D1). Demonstração: Neste caso o grupo ponto G0 de G é de ordem 2 com gerador uma reflexão Rl em relação a uma reta l. Então, pela definição de G0, (v,Rl) ∈ G para algum vetor ponto v ∈ R 2 (que depende da escolha da origem no plano). Vamos supor que v seja escolhido como sendo pertencente a l. (Se não, considere o vetor x = 1/4(v−Rl(v)), tem- se Rl(x) = −x, de modo que x é perpendicular a l. Substitua G pelo grupo equivalente G1 = (−x, id) ∗ G ∗ (x, id), que contém o elemento (−x, id) ∗ (v,Rl) ∗ (x, id) = (−x+ v+ Rl(x),Rl) = (v − 2x,Rl). O elemento v1 = v − 2x é tal que Rl(v1) = v1, de modo que v1 ∈ l). Notemos que como v é paralelo a l então Rl(v) = v. Como visto anteriormente (Proposição 1.3.3, Observação 1.3.7 e Observação 1.4.2 (iv)), existem vetores não nulos r, s ∈ T de comprimento mı́nimo, tais que r é paralelo e s é perpendicular a l. De acordo com a ação de D1 em T podemos considerar os grupos D1,p e D1,c. i) G0 = D1,c = 〈Rl〉. Neste caso tomamos como base para T , {t1, t2} := {1 2 r + 1 2 s, 1 2 r − 1 2 s} e temos Rl(t1) = t2 e Rl(t2) = t1. Podemos supor v = αt1 + βt2, 0 ≤ α, β < 1. Usando a ação de Rl em T tem-se que o vetor deslocamento a = 34 v + Rl(v) = (α + β)(t1 + t2). Por outro lado, v = Rl(v), implica α = β. Como a ∈ T , devemos ter 2α = α + β ∈ Z. Assim, α = β = 0 ou 1 2 . Temos então duas situações a considerar: i.1) α = β = 0 ⇒ v = 0 e a = 0, dando origem a um grupo wallpaper G. i.2) α = β = 1 2 ⇒ v = 1 2 t1 + 1 2 t2 = 1 2 r e a = r. Obtendo assim um grupo wallpaper G1. Note que w := v − t2 = 1 2 t1 − 1 2 t2 também será um vetor ponto (associado a Rl), isto é, (w,Rl) ∈ G1. Isto, a prinćıpio, daria origem a dois grupos wallpaper G (com vRl = 0) e G1 (com wRl = 1 2 t1− 1 2 t2). Mas G e G1 serão equivalentes via o isomorfismo γ : G1 −→ G dado pela conjugação por (−1 2 t1, id), uma vez que (w,Rl) −→ (−1 2 t1, id)∗(w,Rl)∗(12t1, id) = (0,Rl) e leva T em T . Tem-se então, G = {(t,Rj x), t ∈ T , j = 0, 1} = {(t, id), t ∈ T } ∪ {(t,Rx), t ∈ T } = T ∗ (0, id) ∪ T ∗ (0,Rx). Pela União Internacional de Cristalografia é usual denotar um tal grupo G por cm . ii) G0 = D1,p = 〈Rx〉. Neste caso tomamos como base para T , {t1, t2} := {r, s} e temos Rx(t1) = t1 e Rx(t2) = −t2. Como v e t1 = r são paralelos a l, tem-se v = αt1, com 0 ≤ α < 1. Como antes o vetor deslocamento a = v + Rx(v) = 2αt1 ∈ T implica 2α ∈ Z e α = 0 ou α = 1 2 . ii.1) α = 0 ⇒ v = 0 e a = 0 (indicamos um tal grupo por pm) ii.2) α = 1 2 ⇒ v = 1 2 t1 = 1 2 r e a = r (indicamos um tal grupo por pg) Os śımbolos aqui indicam p para primitivo (canônico), c para centrado, m a existência de reflexão (mirror) e g de reflexão com deslizamento (glide). Obtemos assim dois grupos wallpaper G (pm) e G1 (pg): G = {(t,Rj x), t ∈ T , j = 0, 1} = {(t, id), t ∈ T } ∪ {(t,Rx), t ∈ T } = T ∗ (0, id) ∪ T ∗ (0,Rx), G1 = {(12 t1 + t,Rj x), t ∈ T } = {(t, id), t ∈ T } ∪ {(12 t1 + t,Rx), t ∈ T } = T ∗ (0, id) ∪ T ∗ (12 t1,Rx), G (pm) e G1 (pg) não são equivalentes, pois G contém elementos de ordem 2 (por exemplo (0,Rx)), enquanto G1 contém apenas elementos de ordem infinita (uma vez que (t, id)2 = (2t, id) e ((1/2)t1 + t,Rl) 2 = (t1 + t+ Rx(t), id) = (0, id) implicaria em r = t1 = −1(t+ Rx(t)), o que é um absurdo, de acordo com a Proposição 1.3.3, já que mt seria ı́mpar). Para conclúır a prova, sejam então G e G′ grupos wallpaper os quais determinam/possuem as mesmas configurações descritas acima (em i), ii.1) e ii.2)). De modo que a, r ∈ T estão sobre l e a′, r′ ∈ T ′ em l′, em que Rl′ indica a reflexão em relação à reta l′ (o gerador de G′). Considere ainda s ∈ T e s′ ∈ T ′ vetores não nulos perpendiculares a l e l′, respectivamente. Então existe um isomorfismo λ : T −→ T ′ definido por λ(r) = r′, λ(s) = s′. Podemos escrever cada grupo como a reunião de duas classes laterais: G = T ∗ (0, id) ∪ T ∗ (v,Rl); G′ = T ′ ∗ (0, id) ∪ T ′ ∗ (v′,Rl′). Definimos então γ : G −→ G′ (t, id) ∗ (v,Rl) i −→ (λ(t), id) ∗ (v′,Rl′) i, 35 com i = 0, 1. Como provado no teorema anterior, pode-se mostrar que isto é um homomorfismo de grupos, neste caso usa-se as relações (v,Rl) ∗ (t, id) = (Rl(t), id) ∗ (v,Rl), (v,Rl) 2 = (a, id); (v′,R′ l) ∗ (λ(t), id) = (R′ l(λ(t)), id) = (λ(Rl(t)), id) ∗ (v′,R′ l), (v′,R′ l) 2 = (a′, id) = (λ(a), id). É fácil ver que γ tem inversa, de modo que γ é um isomorfismo. Segue, diretamente da definição, que γ aplica T em T ′, o que nos garante que G é equivalente a G′. Temos assim três classes de equivalência (denotadas por cm,pm e pg, respectivamente). Teorema 1.5.3. Existem quatro classes de equivalência de grupos wallpaper cujo grupo ponto é gerado por duas reflexões “perpendiculares”(isto é, G0 ∼= D2). Demonstração: Considere, como nos teoremas anteriores, G e G′ grupos wallpaper, com reticulados T e T ′, respectivamente, e grupos ponto G0 e G′ 0 isomorfos. Suponhamos G0 gerado por duas reflexões perpendiculares Rl,Rm ∈ G0 isto é, reflexões em relação às retas l e m, respectivamente, com l e m perpendiculares. Notemos que G0 =< Rl,Rm >= {id,Rl,Rm, Rl ◦ Rm} = 〈Θ,Rl〉 = 〈Θ,Rm〉 ∼= D2, uma vez que (Rl ◦ Rm)(x) = −x = Θ(x), onde Θ indica a rotação por π. Tome vetores pontos v, w ∈ R 2 tais que (v,Rl), (w,Rm) ∈ G. Podemos supor v, w pertencentes a reta l e m, respectivamente. (Se isto a prinćıpio não ocorre, considere os vetores x = (1/4)(v − Rl(v)) e y = (1/4)(v − Rm(v)); tem-se Rl(x) = −x e Rm(y) = −y de modo que x é perpendicular a l e y é perpendicular a m, assim x ∈ m e y ∈ l. Substitua G pelo grupo equivalente G1 = (−x− y, id) ∗ G ∗ (x+ y, id), que contém o elemento (−x− y, id) ∗ (v,Rl) ∗ (x+ y, id) = (−x− y+ id(v),Rl) ∗ (x+ y, id) = (−x− y+ v−x+ y,R2 l ) = (v− 2x,Rl). O elemento v1 = v− 2x é um vetor ponto associado a Rl, e é tal que Rl(v1) = v1, de modo que v1 ∈ l. Similarmente tem-se que (w − 2y,Rm) ∈ G1, com w1 = w − 2y pertencente a reta m). De acordo com a Proposição 1.3.3, Observação 1.3.7 e Observação 1.4.2 iv), existem vetores não nulos r, s ∈ T de comprimento mı́nimo, tais que r é paralelo e s é perpendicular a l, de modo que s é paralelo a m. E tem-se, de acordo com a ação de D2 em T , dois casos a considerar, os grupos D2,c (quando 1 2r + 1 2s ∈ T , ou equivalentemente, {r, s} não é base), e D2,p (quando {r, s} é base). Observemos que se r tem a forma t+Rl(t) para algum t ∈ T então s também tem a forma t+Rm(t) para algum t ∈ T , pois r = t+Rl(t) implica (vide demonstração da Proposição 1.3.3) que t1 := 1 2r + 1 2s ∈ T (caso D2,c) e podemos verificar facilmente que s = t1 + Rm(t1). Isso mostra que trabalhando com 〈Θ,Rl〉 ou 〈Θ,Rm〉 o grupo ponto correspondente (considerando a ação sobre T ) é o mesmo (D2,c ou D2,p). Assim, se a, b ∈ T indicam os vetores deslocamentos de Rl,Rm e r, s ∈ T são como acima, temos quatro posśıveis situações: i) G0 ∼= D2,c. Neste caso v = w = 0, a = b = 0, (que dá origem a uma classe de grupo wallpaper denotada por cmm). Neste caso o grupo wallpaper pode ser visto da seguinte maneira: G = 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∪ 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∗ (0,Rl). 36 ii) G0 ∼= D2,p (que corresponde r �= t+ Rl(t) e s �= t+ Rm, ∀t ∈ T ). Neste caso tem-se ii.1)v = w = 0 e a = b = 0, (que nós dá a classe pmm), ii.2)v = 0, w = 1 2s e a = 0, b = s, ou v = 1 2r, w = 0 e a = r, b = 0, (que nós dá uma classe pmg), ii.3)v = 1 2r, w = 1 2s e a = r, b = s, (que nós dá a classe pgg). Observamos que os dois grupos em ii.2) são equivalentes, por isso dão origem a uma única classe. Podemos ver os grupos wallpaper da seguinte forma: G = 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∪ 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∗ (0,Rl) (que nós dá a classe pmm). G1 = 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∪ 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∗ ((1/2)t1,Rl) (que nós dá a classe pmg). G2 = 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∪ 1⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∗ ((1/2)t1 + (1/2)t2,Rl) (que nós dá a classe pgg). Como no teorema anterior, dados G e G′ grupos wallpaper com mesmo grupo ponto G0 e as mesmas configurações (uma das quatro acima, uma em i) e três em ii)), podemos definir uma aplicação γ : G → G′, por aplicar (t, id) em (λ(t), id); (v,Rl) em (v′,R′ l); e (w,Rm) em (w′,R′ m). Isto será um homomorfismo por causa das relações anteriores, junto com as seguintes relações: (v,Rl) ∗ (w,Rm) = (w,Rm) −1 ∗ (v,Rl) −1; (v′,R′ l) ∗ (w′,R′ m) = (w′,R′ m) −1 ∗ (v′,R′ l) −1. Também será um isomorfismo (pois possui inversa) e aplica T em T ′, assim G e G′ são equiva- lentes. Notemos que o caso D2,p nos fornece três tipos de grupos não equivalentes, pois o pri- meiro pmm contém um subgrupo de ordem 4, a saber, K = 〈(0,Rl), (0,Rm)〉, agora pmg não contém um tal subgrupo (consideremos a situação acima pmg, quando v = 0), pois os elementos de ordem 2 em pmg são da forma (t,Θ), para qualquer t ∈ T e (nt2,Rl) para qualquer n ∈ Z. (Observe que, (12s + t,Rm) 2 = (s + t + Rm(t), id) �= (0, id) já que s �= t + Rm(t), ∀ t ∈ T ). Entretanto nenhum produto de dois destes elementos tem ordem 2. Analogamente os únicos elementos de pgg que tem ordem 2 são da forma (t,Θ), e o produto de qualquer dois elementos deste tipo (diferentes) tem ordem infinita. Assim, pmm não é isomorfo a pmg e nem a pgg. Finalmente pode-se mostrar que o grupo pmg e pgg não são equivalentes (vide Morandi [10], Proposição 4.13, p. 54 e Corolário 3.8, p. 33). Obtemos então quatro classes distintas de grupos wallpaper: cmm, pmm, pmg e pgg. No resultado seguinte tratamos o caso em que G0 tem mais do que duas reflexões (que são os casos em que G0 ∼= Dn, n = 3, 4, 6). Embora G0 seja ainda gerado por duas reflexões, estas são agora em retas que formam um ângulo π/n e a prova anterior deve ser modificada. Para tanto precisamos de dois lemas. Lema 1.5.1. Seja G um grupo wallpaper com G0 = 〈Θ,Rl〉 ∼= Dn, n ≥ 2. 37 i) Podemos tomar o vetor nulo como sendo o vetor ponto associado a Θ, isto é, supor que (0,Θ) ∈ G. ii) Se v é um vetor ponto associado a Rl então v −Θ(v) ∈ T . Demonstração: i) Considere um vetor ponto u tal que (u,Θ) ∈ G. A aplicação Θ − id é invert́ıvel, de modo que existe w ∈ R 2 tal que (Θ − id)(w) = u. Podemos então substituir G pelo grupo isomorfo G1 = (w, id)∗G∗(−w, id), que contém o elemento (w, id)∗(u,Θ)∗(−w, id) = (u+ w −Θ(w),Θ) = (0,Θ). ii) Temos que G0 = 〈Θ,Rl〉 ∼= Dn com as relações Θn = id = R2 l e Rl ◦ Θ ◦ Rl = Θ−1, o que implica Rl = Θ ◦ Rl ◦ Θ. Seja v um vetor ponto associado a Rl; assim (v,Rl) ∈ G. Por i) podemos supor que (0,Θ) ∈ G. Dáı, (Θ(v),Rl) = (Θ(v),Θ ◦ Rl ◦Θ) = (Θ(v),Θ ◦ Rl) ∗ (0,Θ) = (0,Θ) ∗ (v,Rl) ∗ (0,Θ) ∈ G. E portanto, Θ(v) é um outro vetor ponto associado a Rl; segue da unicidade do vetor ponto, a menos da adição de elementos de T , que v −Θ(v) ∈ T . Lema 1.5.2. Suponhamos que G e G′ são grupos wallpaper com o mesmo grupo ponto G0 e o mesmo reticulado T , e com o conjunto de vetores pontos {vφ}φ∈G0 e {v′φ}φ∈G′ 0 , respectivamente. Se existe um vetor u ∈ R 2 com v′φ = vφ + u− φ(u) para todo φ ∈ G0, então G ∼= G′. Demonstração: Suponhamos que exista u ∈ R 2 satisfazendo v′φ = vφ + u − φ(u) para todo φ ∈ G0, e considere o automorfismo interno Ψ : Isom(R2) −→ Isom(R2) dado por (v, φ) −→ (u, id) ∗ (v, φ) ∗ (u, id)−1, sendo (v, φ) elemento genérico de Isom(R2). Esta aplicação é dada pela fórmula (u, id) ∗ (v, φ) ∗ (u, id)−1 = (u, id) ∗ (v, φ) ∗ (−u, id) = (u+ v, φ) ∗ (−u, id) = (u+ v − φ(u), φ). Portanto, para φ ∈ G0, Ψ(vφ + t, φ) = (u + vφ + t − φ(u), φ) = (vφ + u − φ(u) + t, φ) = (v′φ+t, φ) para qualquer t ∈ T . Isto mostra que Ψ(G) = G′. Assim, Ψ|G produz um isomorfismo de G em G′. Observação 1.5.1. No lema anterior é suficiente exigir que v′φ − (vφ + u − φ(u)) = tφ ∈ T para todo φ ∈ G0, pois podemos substituir a famı́lia de vetores pontos {v′φ}φ∈G0 por {v′′φ = v′φ − tφ}φ∈G0 que também é uma famı́lia de vetores pontos com relação a G′. Teorema 1.5.4. Existem cinco classes de equivalência de grupos wallpaper cujo grupo ponto contém mais que duas reflexões (isto é, G0 ∼= D3, D4 ou D6). Demonstração: Nesta situação (n = 3, 4 ou 6) consideramos G0 gerado por uma rotação Θ em torno da origem por um ângulo θ = 2π/n, e uma reflexão Rl em relação a uma reta l, as demais reflexões serão combinações/composições, no grupo ponto, de Θ e Rl. Por exemplo, para n = 3, temos G0 = {id,Θ,Θ2,Rl,Rl ◦Θ,Rl ◦Θ2} =< Θ,Rl >; Θ 3 = id = R2 l ∼= D3, (sendo que os três últimos elementos deste grupo são reflexões). Pelo lema anterior parte i) podemos supor que (0,Θ) ∈ G. Considere {t1, t2} base para T de acordo com a Proposição 1.3.2 e ações de D6, D4 e D3 descritas na Observação 1.4.2. Lembrando que para n = 3 ou 4, t2 = Θ(t1) e, para n = 6, t2 = Θ2(t1). Seja v o vetor ponto associado a Rl ∈ G0, isto é, (v,Rl) ∈ G. Como nos casos D1 e D2, podemos supor v paralelo a l. Vamos analisar cada caso separadamente. i) G0 ∼= D6. Neste caso G0 contém seis reflexões, o ângulo entre as retas (consecutivas) de reflexões é de θ/2 = 30◦, e tais retas formam ângulos de 0◦, 30◦, 60◦, 90◦, 120◦, 150◦ com o 38 vetor t1 (Figura 1.15). Consideremos Rl uma dessas reflexões e seja v o vetor ponto associado. Suponhamos v = αt1 + βt2, com 0 ≤ α, β < 1. De acordo com a base {t1, t2} escolhida, e considerando a ação de Θ, tem-se Θ(t1) = t1 + t2 e Θ(t2) = −t1. Usando que v − Θ(v) ∈ T (Lema 1.5.1 ii)), temos que v −Θ(v) = αt1 + βt2 − (αt1 + αt2 − βt1) = βt1 + (β − α)t2 ∈ T , o implica β = 0, α = 0 e v = 0 = a (indicamos um tal grupo por p6mm), de modo que G = 5⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∪ 5⋃ i=0 T ∗ (0,Θ)i ∗ (0,Rl) (p6mm). ii) G0 ∼= D4. Agora G0 contém quatro reflexões, o ângulo entre as retas (consecutivas) de reflexões é de θ/2 = 45◦, e tais retas formam ângulos de 0◦, 45◦, 90◦, 135◦ com o vetor t1 (Figura 1.13). Considere Rl uma tal reflexão e v = αt1 + βt2