UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ANÁLISE DAS PROPOSTAS INSTITUCIONAIS DE CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS PAULISTAS KARINA WENDT SIXEL Rio Claro – SP 2024 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ANÁLISE DAS PROPOSTAS INSTITUCIONAIS DE CURRICULARIZAÇÃO DA EXTENSÃO NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS PAULISTAS KARINA WENDT SIXEL Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Dra. Maria Antonia Ramos de Azevedo Rio Claro – SP 2024 W473a Wendt Sixel, Karina Análise das propostas institucionais de curricularização da Extensão nas Universidades Federais Paulistas / Karina Wendt Sixel. -- Rio Claro, 2024 121 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientadora: Maria Antonia Ramos de Azevedo 1. Curricularização. 2. Extensão Universitária. 3. Política institucional. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Rio Claro Análise das propostas institucionais de curricularização da Extensão nas Universidades Federais Paulistas TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: CERTIFICADO DE APROVAÇÃO AUTORA: KARINA WENDT SIXEL ORIENTADORA: MARIA ANTONIA RAMOS DE AZEVEDO Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Mestra em Educação, pela Comissão Examinadora: Profa. Dra. MARIA ANTONIA RAMOS DE AZEVEDO (Participaçao Presencial) IB / UNESP/Rio Claro (SP) Prof. Dr. FERNANDO STANZIONE GALIZIA (Participaçao Virtual) Departamento de Metodologia de Ensino / Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR Profa. Dra. JOYCE MARY ADAM (Participaçao Presencial) Departamento de Educação / UNESP - Instituto de Biociências de Rio Claro - SP Rio Claro, 19 de setembro de 2024 Instituto de Biociências - Câmpus de Rio Claro - Av. 24-A no. 1515, 13506900 ib.rc.unesp.br/#!/pos-graduacao/secao-tecnica-de-pos/programas/educacao/CNPJ: 48.031.918/0018-72. Assinado de forma digital por Maria Antonia Ramos de Azevedo:09207393859 Dados: 2024.09.25 11:32:33 -03'00' Joyce Mary Adam Assinado de forma digital por Joyce Mary Adam Dados: 2024.09.25 13:35:40 -03'00' DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus avós, Margarida (in memorian) e Guilherme, por construírem boa parte do que sou, e a todos os meus alunos, que me ensinaram o real sentido de pertencer. AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer por todas as pessoas que acreditaram em mim desde o começo e a todos que me viram como uma inspiração, admirando o meu trabalho e meu jeitinho de ser. A todos os meus amigos, que de perto ou de longe me apoiaram de diversas formas e tornaram o caminho mais fácil. Dentre eles, agradeço a Carol, que dividiu muitos ambientes comigo, além de sempre atuar como uma inspiração na minha trajetória profissional e pessoal; a Maria, ajudando tanto em questões pessoais quanto acadêmicas; meus amigos unespianos de longa data, Lucas, Maori, Jhon e Sorisso e Kuti, que mesmo distantes, se fazem presentes e incentivadores de alguma maneira; Aos meus amigos de infância Chris e Hugão, que são amigos incríveis e estiveram comigo em todas as minhas fases de vida, e continuam do meu lado até hoje. Ao meu namorado Felipe, que apareceu no meio do caminho e me trouxe muito amadurecimento, companheirismo, suporte, carinho, afeto, amor e uma nova perspectiva de mim mesma, que definitivamente foi essencial para que eu conseguisse chegar à etapa final. Aos meus pais por me darem a oportunidade de viver o meu sonho e as minhas irmãs por estarem sempre do meu lado. Ao meu avô por ter me mostrado mais uma vez um outro lado da vida e por minha família de Jaguariúna, que sempre me recebem e me acolhem com muito carinho. Ao grupo “Roda de Viola”, por terem me acolhido tão bem e por terem dado a oportunidade de me reencontrar com minhas raízes mais uma vez. A minha psicóloga Simone, uma profissional incrível que foi crucial em todo processo para que eu conseguisse chegar até aqui, disponibilizando muito amor, força de vontade, carinho e aprendizado. A orientadora Maria Antônia, pelo partilhar de sua experiência e conhecimentos e pelas trocas realizadas ao longo de nossa longa trajetória. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana” Carl G. Jung RESUMO A prática extensionista é essencial para uma formação universitária de qualidade. Entretanto, nem sempre a Extensão Universitária esteve nas documentações oficiais das universidades. Apesar do seu surgimento ocorrer nos anos sessenta, apenas muitos anos depois ocorreu a sua curricularização. Isto posto, o surgimento da curricularização da Extensão Universitária nas Universidades Federais do Estado de São Paulo (UFSCAR, UFABC, UNIFESP) torna-se um marco importante no início da trajetória da aplicação da Extensão Universitária. Entretanto, por muitas vezes a prática extensionista é visualizada como um apêndice na formação, desconsiderando a sua ligação e valor dividido com o ensino e a pesquisa. Considerando esse fator e a importância do papel da prática extensionista de modo adequado, a pesquisa realizada possui finalidade de compreender as propostas institucionais de curricularização das Universidades Federais do estado de São Paulo (UFSCAR, UFABC, UNIFESP), por meio de uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório. O trabalho consiste no desenvolvimento de capítulos baseados na leitura de contemporâneos e artigos científicos que tratam do tema e na análise documental dos documentos das Universidades selecionadas. A análise dos dados teve como metodologia a análise de conteúdo. Os resultados obtidos trazem características semelhantes e particulares em cada material estudado. Principalmente na conceitualização de extensão, os documentos se baseiam em definições presentes em marcos legais, mas também apresentam suas particularidades, principalmente no que se refere à priorização de determinadas diretrizes, como a interprofissionalidade e interdisciplinaridade na UFABC e na UFSCAR e um foco mais aprofundado na transformação social na UNIFESP. Em relação ao foco das propostas, as diferenças de estrutura e bagagem se mostram mais evidentes, especialmente no que se refere ao nível de aprofundamento em particularidades ligadas a questões políticas e posicionamentos das instituições frente ao objetivo de aplicação da prática extensionista, que é fortemente observado na proposta institucional da UNIFESP e acaba deixando lacunas nas documentações da UFSCAR e UFABC. Palavras-chave: Curricularização, Extensão Universitária, Política institucional. ABSTRACT Extension practice is essential for quality university education. However, University Extension was not always included in the universities' official documentation. Although its emergence occurred in the sixties, its curricularization only took place many years later. That said, the emergence of the curricularization of University Extension in the Federal Universities of the State of São Paulo (UFSCAR, UFABC, UNIFESP) becomes an important milestone at the beginning of the trajectory of the application of University Extension. However, extension practice is often viewed as an appendix, disregarding its connection and shared value with teaching and research. Considering this factor and the importance of the role of extension practice in an appropriate way, the research carried out aims to comprehend the institutional proposals for curricularization of the Federal Universities of the State of São Paulo (UFSCAR, UFABC, UNIFESP), through qualitative research of exploratory nature. The work consists of developing chapters based on the reading of contemporary and scientific articles that deal with the topic and on the documentary analysis of documents from the selected Universities. Data analysis used content analysis as a methodology. The results obtained bring similar and particular characteristics to each material studied. Mainly in the conceptualization of extension, the documents are based on definitions present in legal frameworks, but also present their particularities, mainly with regard to the prioritization of certain guidelines, such as interprofessionality and interdisciplinarity at UFABC and UFSCAR and a deeper focus on social transformation at UNIFESP. In relation to the focus of the proposals, the differences in structure and background are more evident, especially with regard to the level of depth in particularities linked to political issues and institutions' positions in relation to the objective of applying extension practice, which is strongly observed in UNIFESP's institutional proposal and ends up leaving gaps in UFSCAR and UFABC documentation. Keywords: Curricularization, University Extension, Institutional policy. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Universidade Federal de São Carlos visualizada pelo Google Maps ........................................................................................ 66 Figura 2 Localização da Universidade Federal de São Carlos .............. 67 Figura 3 Vista do terreno em 2009 ......................................................... 71 Figura 4 Projeto do Campus .................................................................. 72 Figura 5 Cerimônia de lançamento da pedra fundamental em 2009 ..... 72 Figura 6 Mapa do campus atual ............................................................. 73 Figura 7 Logotipo da Escola Paulista de Medicina ................................ 76 Figura 8 Logotipo da Escola Paulista de Enfermagem .......................... 77 Figura 9 Edifício sede em 1948 .............................................................. 78 Figura 10 Universidade Federal de São Paulo visualizada pelo Google Maps ........................................................................................ 79 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Propostas Institucionais ................................................................... 63 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS FIES Financiamento ao Estudante do Ensino superior FORPROEX Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PNE Plano Nacional de Educação PNExt Plano Nacional de Extensão PPI Projeto Pedagógico Institucional PPP Projeto Político Pedagógico PPC Projeto Pedagógico de Curso PROEXTE Programa de Fomento à Extensão Universitária PROUNI Programa Universidade para Todos TCC Trabalho de Conclusão de Curso UFABC Universidade Federal do ABC UFSCAR Universidade Federal de São Carlos UNIFESP Universidade Federal de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................ 13 1 CAPÍTULO 1: BREVE PANORAMA DO ENSINO SUPERIOR E SUA RELAÇÃO COM O SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO ........................................... 18 2 CAPÍTULO 2: PAPEL DA EXTENSÃO ................................................. 27 2.1 História da Extensão ............................................................................... 27 2.2 A prática não assistencialista da Extensão ............................................. 32 2.3 Curricularização da Extensão.................................................................. 36 2.3.1. Diretrizes da Extensão Universitária ....................................................... 39 2.3.1.1 Interação dialógica .................................................................................. 39 2.3.1.2 Indissociabilidade-ensino/pesquisa/extensão ......................................... 45 2.3.1.3. Interdisciplinaridade e interprofissionalidade .......................................... 46 2.3.1.4. Impacto na formação do estudante ........................................................ 50 2.3.1.5. Impacto na transformação social ............................................................ 52 3 CAPÍTULO 3: DOCUMENTOS NORTEADORES DAS UNIVERSIDA- DES (PDI, PPI E PPP/PPC) ................................................................... 55 4 CAPÍTULO 4: PERCURSO METODOLÓGICO ..................................... 61 4.1. Contexto histórico e caracterização das Universidades Federais do Estado de São Paulo .............................................................................. 64 4.1.1 UFSCAR ................................................................................................. 64 4.1.1.1. Historização.............................................................................................. 64 4.1.1.2. Caracterização......................................................................................... 67 4.1.2. UFABC .................................................................................................... 70 4.1.2.1. Historização................. ........................................................................... 70 4.1.2.2. Caracterização ........................................................................................ 73 4.1.3. UNIFESP ................................................................................................. 76 4.1.3.1. Historização.............................................................................................. 76 4.1.3.2. Caracterização ........................................................................................ 79 CAPÍTULO 5: ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE CURRICULARIZAÇÃO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS PAULISTAS............................................................................................. 84 5.1. Conceito de Extensão ............................................................................. 84 5.1.1. UFSCAR .................................................................................................. 87 5.1.2. UFABC .................................................................................................... 89 5.1.3. UNIFESP.................................................................................................. 90 5.1.4. Análise conjunta: conceitulização............................................................ 92 5.2. Foco da proposta .................................................................................... 94 5.2.1. UFSCAR.................................................................................................. 94 5.2.2. UFABC ................................................................................................... 95 5.2.3. UNIFESP ................................................................................................ 96 5.2.4. Análise conjunta: foco da proposta ........................................................ 99 5.3. Consonância com o PDI das Universidades em relação à temática ...... 101 5.3.1. PDl da UFSCAR ..................................................................................... 101 5.3.1.1 Associação conjunta à proposta institucional ......................................... 104 5.3.2 PDI da UNIFESP ..................................................................................... 105 5.3.2.1 Associação conjunta à proposta institucional ao PDI da UNIFESP ........ 106 5.3.3 PDI da UFABC ........................................................................................ 107 5.3.3.1 Associação conjunta à proposta institucional (PDI 2013-2022) .............. 110 5.3.3.2 Associação conjunta à proposta institucional (PDI 2024-2033) .............. 111 5.3.4 Associação entre os PDI e as propostas institucionais ........................... 111 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 113 7 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 116 13 INTRODUÇÃO Nasci na cidade de São Paulo, a famosa capital, cheia de pessoas e perigos. A cidade, dependendo do ambiente que se vive e sua condição de vida, enfrenta diversos obstáculos. Como criança, que está cheia de energia e vontade de correr, brincar, explorar, etc., a cidade de São Paulo se mostra como uma jaula das vivências e da espontaneidade. Por questões pessoais, afetivas e de saúde, o envolvimento com esportes se tornou uma válvula de escape e criação de um ambiente mais próximo e amoroso dentro daquelas paredes de cimento. São Paulo, a cidade cheia de pessoas com pressa, sem tempo, gastando o tempo e energia na locomoção, se tornando cada vez mais distante afetivamente uns dos outros. Minha sorte foi poder ter avós que moravam em uma chácara, cheia de vida, afetividade, natureza e luz do sol. No período de férias eu e meus primos ficávamos os 60 dias seguidos naquele ambiente maravilhoso. Cheio de sons, sentidos, florescimentos. O "Coral" dos sapos na beira da piscina em período de reprodução, como diz o meu avô, os Ipês floridos na primavera, a árvore pelada que repousavam os tucanos e passavam os gaviões. Em meio de toda essa beleza descobri uma afetividade diferente, mais pessoal, calorosa e diversificada. A quantidade de cores, ventos, sensações, vivências, ciclo de vida, animais, ciclos e ambientes abertos, cheios de grama e liberdade, o mundo tão grande para o meu eu criança que estava doido para viver e explorar essa vivência. Quando mais velha, devido a cobranças da vida e da idade, acabei indo menos para o sítio e vivendo mais na grande São Paulo, lugar que a cada dia que passava me dava mais a sensação de "não pertencimento". Por mais que eu tentasse de diversas maneiras, nunca me sentia pertencente em lugar nenhum daquela cidade cheia de gente, mas com escasso envolvimento afetivo. Hoje pensando melhor, reflito que no meio dessa tentativa de me encontrar e de ter válvulas de escape, juntamente com minhas irmãs e o avanço da tecnologia, buscamos resgatar essas relações com a natureza e a afetividade que encontrávamos no sítio nos jogos de computador, que retomavam essa vivência mais prática próxima da natureza. 14 Em determinado ponto da minha vida, junto com a pressão do período de vestibular, acabei obtendo grande interesse pela biologia e o curso de Ciências Biológicas. Gostava muito das aulas na área e tive muitos professores que me inspiraram. Visto isso, quando passei na universidade, por mais irônico que seja, eu não queria morar fora da minha cidade. Relutei muito, mas fui convencida pela minha irmã a ficar em Rio Claro. Dentro do curso e da realidade da Cidade Universitária, encontrei a minha relação afetiva com o estudo da natureza e com a intimidade gerada pelo ambiente universitário, a proximidade e o acolhimento. Levando em consideração as experiências vividas na universidade, dentro da sala de aula e fora dela, em festas, em práticas, em Campos, dentro e fora das quadras, dentre tantas outras vivências. Em determinado momento da graduação, me indaguei sobre a falta de adaptação da aula aos alunos, de conhecer a turma e adaptar aquela realidade e existências presentes, e sobre a impressão de aprender muito mais com outras vivências fora da sala de aula. Para mim, essa vivência Universitária fora da sala de aula e dos estudos em si, fez de mim o que sou hoje, me aproximou de questões político-sociais, vivência de grupos, amadurecimento de vida pessoal e coletiva, autoconhecimento. Nesse momento, começo a me questionar sobre a ausência de diversidade dentro da sala de aula, das questões político-sociais envolvidas nessa ausência e apagamento. Seguindo essa linha de raciocínio, sobre a importância de uma vivência educativa fora da sala de aula e como sentia que não havia muitos espaços ou conhecimentos sobre grupos de extensão que englobam as diferenças dentro da universidade. Ao ter contato com a licenciatura, descobri o que faltava para dar sentido ao meu curso, exercendo conexão com a biologia e as questões políticas, filosóficas e sociológicas que tanto gostava e que se mostrava como "sinto falta de trabalharmos com gente, com a parte humana". Ao descobrir que poderia juntar as duas partes, automaticamente me apaixonei pela área da Educação e descobri que era o que eu queria seguir. Juntando a parte da natureza, afetividade, as vivências e mundos de pessoas diferentes, compartilhar e aprender. 15 Por meio da minha orientação de TCC na licenciatura com a professora Maria Antônia, consegui desmistificar minha visão fragmentada da biologia com o ser, e consegui colocar em prática uma visão mais ampla, educacional, filosófica, com natureza e ciências, englobando questões pessoais do meu mundo e questões políticas do nosso mundo. Em determinado momento e considerando toda essa trajetória, a diversidade do planeta Terra e nossa inclusão nela me fez questionar e estudar bastante o assunto, principalmente após a transformação do vírus responsável pelo Covid-19 a um inimigo ao invés de reconhecer nossas falhas como seres humanos, visão de mundo e percepção da natureza. Reconhecendo a diversidade do mundo, me persegue a aflição de perceber que o ambiente Universitário não engloba e não permite que essa diversidade esteja presente na vivência dos alunos fora da sala de aula e dentro da aprendizagem na universidade em grupos de extensão, um ambiente que possui a possibilidade de incluir todos os cursos, pois teoricamente todos eles abraçar e estudar ativamente a diversidade para poder engloba-la em sua vivência profissional e cidadã. Entendendo melhor o que é a extensão e como ela é vista, reconheço que essa ausência se apresenta muitas vezes pela perspectiva em que a extensão é vista na universidade, como algo acoplado e que não se constitui como parte fundamental da construção de um cidadão crítico e participante de uma sociedade cheia de diferenças e carregada de mundos dentro de cada um, que muitas vezes não se permitem ser explorados e compartilhados com suas relações, mantendo uma ideia de compartilhamento de conhecimento adquirido dentro da universidade para automaticamente transpassá-lo para a comunidade, sem considerar a parte ativa da mesma e que na verdade deveria ocorrer uma troca entre todas as pessoas envolvidas. Me interessei então em entender porque a extensão existe, como ela é aplicada e o que faz com que ela seja aplicada dessa forma, compreendendo também como esta aborda e inclui a diversidade em sua estrutura, buscando compreender como esta poderia atuar nessa formação cidadã crítica, inclusive por meio de vivências extra sala de aula, mas dentro da estruturação e formação acadêmica, valorizando a importância da interdisciplinaridade na aprendizagem aplicada na realidade dos envolvidos no processo educacional universitário. 16 Ao longo do tempo, o saber tornou-se cada vez mais anônimo e restrito aos especialistas (MORIN, 2003). Entretanto, o direito de adquirir o saber especializado muitas vezes vem atrelado à ausência de saber cidadão, perspectivas globalizadas e pertinentes (MORIN, 2003). Logo, compreender os sujeitos como indivíduos que estão em processo de formação e que se modificam ao longo da vida, abre margem para refletir a importância de pensar a complexidade humana, que é formada por seres biológicos e culturais (MORIN, 2003). Isto posto, uma reorganização do saber torna possível o desenvolvimento de uma democracia cognitiva, possibilitando desta forma para além do isolar para conhecer, a ligação do que está isolado, construindo de uma nova forma as noções pulverizadas gerada pelo esmagamento disciplinar, o indivíduo, a realidade, a natureza, o cosmo (MORIN, 2003). Podemos compreender desta maneira que a presença de uma Extensão Universitária bem aplicada pode auxiliar no processo de desenvolvimento de cidadãos críticos, proporcionando o potencial de transformar a sua própria realidade e a união de conhecimentos isolados, sendo estes específicos ou não. Para que seja possível compreender a prática extensionista como um potencial transformador e que englobe todas as suas diretrizes é preciso obter um direcionamento ligado à concepção não assistencialista dessa prática. Logo, busco compreender como e quais são esses grupos nas Universidades Federais, por serem elas as pioneiras na implementação de política de extensão universitária no estado de São Paulo, para buscar propagar a importância de sua presença na formação acadêmica, compreendendo que esta não se enquadra em um eixo externo da formação, mas sim é constituída por vertentes que se incluem dentro do propósito de formação oferecido pela Universidade, enquadrando-se em um dos grandes pilares que podem e devem abranger as temáticas citadas na formação discente. Isto posto, considerando a importância do papel da extensão universitária, nos mobilizamos a realizar uma pesquisa cuja finalidade é compreender as propostas institucionais de curricularização das Universidades Federais do estado de São Paulo (UFSCAR, UFABC, UNIFESP). Para isso, foram identificadas e analisadas como se mostra a conceitualização de Extensão nas propostas extensionistas e qual o foco 17 apresentado em cada documento. Considerando a importância da escolha dos tipos de pesquisa e o estudo na área da educação, esta pesquisa é qualitativa de cunho exploratório. O trabalho consiste no desenvolvimento de capítulos baseados na leitura de contemporâneos e artigos científicos que tratam do tema e na análise documental dos documentos das Universidades selecionadas. A análise dos dados teve como metodologia a análise de conteúdo. O primeiro capítulo traz um breve panorama do ensino superior e sua relação com o surgimento das Universidades Federais do estado de São Paulo analisadas. O segundo aborda o papel da Extensão Universitária, desenvolvendo questões relacionadas ao seu surgimento e trajetória, como foi e é compreendida e o seu potencial de transformação social. O terceiro capítulo discute o papel da curricularização da Extensão Universitária, definindo o conceito de curricularização e como esta avançou ao longo de seu percurso, além de trabalhar as diretrizes da concepção atual estabelecida sobre a Extensão Universitária. O quarto capítulo apresenta a importância dos documentos da própria Universidade (PDI, PPI e PPC), destrinchando de modo mais aprofundado o papel de cada um deles para a instituição. O quinto capítulo abrange o percurso metodológico, explicitando a escolha da metodologia aplicada e como esta se deu ao longo do percurso do trabalho, além de trazer as principais características sobre as instituições federais estudadas como o seu surgimento, localização e representação nos dias atuais. O sexto capítulo apresenta a análise das propostas institucionais. Obteve-se como instrumento a análise de conteúdo, que foi conduzida por meio de três critérios pré-estabelecidos: conceitualização, foco da proposta e consonância com o PDI. 18 1. CAPÍTULO 1: BREVE PANORAMA DO ENSINO SUPERIOR E SUA RELAÇÃO COM O SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO As instituições federais trazem em suas trajetórias anos de implementação e avaliação da extensão universitária. Logo, compreender a ideia do surgimento de cada uma delas, onde se localizam e por que motivo se encontram naquela região, estabelece conexões concretas com a realidade de sua estruturação, formação e objetivo de existência. Ao se estabelecer uma compreensão da história e trajeto percorrido, principalmente de grandes instituições como Universidades públicas, permite-se ampliar o direcionamento da visão sobre os Campi e suas existências, possibilitando ampliar a perspectiva específica das instituições pioneiras, auxiliando no estabelecimento de um desenvolvimento crítico em relação às instituições e a influência da Extensão Universitária em suas existências. Considerando o período de surgimento das Universidades Federais do Estado de São Paulo e a ordem cronológica do ensino superior no Brasil, existem alguns pontos chaves que devem ser marcados para o direcionamento e entendimento da existência dessas instituições. Relacionados a eventos histórico-sociais, o surgimento das Universidades Federais tem relação direta com a formação do Ensino Superior no Brasil. O surgimento das instituições superiores no Brasil deixou de se basear em ideais voltados às características do país para dar espaço a influências externas. Os primeiros cursos superiores do Brasil tiveram uma forte influência colonialista, colonizadora e clerical, que por meio da vinda da Família Real em 1808, desenvolveram escolas militares, médicas e profissionalizantes, com forte vínculo com o modelo francês e se ausentando de obter um caráter nacional (IMPERATORE; PEDDE, 2015). Isto posto, é possível observar que existe, desde o momento inicial, uma falta de consistência na identificação e funcionalidade no ensino superior, já que o direcionamento e embasamento em questões externas, reflete nos objetivos e marcas deixadas ao longo do tempo em relação à falta de uma educação voltada e 19 direcionada especificamente para o público brasileiro, que considera sua própria história e trajetória. Além disso, o ensino brasileiro se constitui tardiamente, e busca por meio de fins de funcionalidade ideias que atendem uma visão elitista, desenvolvendo cursos superiores profissionalizantes que se estabelecem durante o período Imperial e da República (IMPERATORE; PEDDE, 2015). Após muitos processos históricos, o ensino superior público ganha destaque na década de 1930 e possui um caráter fortemente associado com as questões socioeconômicas da época. As instituições que surgiram durante a Revolução de 1930 foram caracterizadas pelas suas ligações relacionadas com a saúde, ensino e pesquisa (BULCÃO, EL-KAREH & SAYD, 2007). A Revolução de 1930 indica um período de mudança na história nacional, que caminha na vertente da urbanização e industrialização (BUENO, 2007). A Revolução denota o encerramento da hegemonia da burguesia cafeeira e dá início a um período de mudanças no que tange a uma maior centralização na ação do Estado, além da característica mais intervencionista e o seu direcionamento para a industrialização (BUENO, 2007). Por meio de um governo provisório, no ano de 1930, surgiu o Ministério da Educação e da Saúde Pública, mostrando a relevância das duas áreas sociais já que se apresentaram reunidas sob um ministério unificado (BULCÃO, EL- KAREH & SAYD, 2007). Dessa forma, nota-se que esse cenário abriu portas para o surgimento da Faculdade de Medicina em 1933, atual Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), instituição que naquele momento era privada e que tinha como ideia principal o embasamento no ramo científico e tecnológico voltado à saúde, com Getúlio Vargas como atuante em parte do processo do surgimento da instituição. No ano de 1937, às vésperas da eleição presidencial direta, os candidatos José Américo de Almeida e Armando Sales de Oliveira se tornam vítimas do golpe de Vargas, que inicia no país a ditadura do Estado Novo (BONAVIDES, 2000). O período que se sucedeu foi fortemente marcado por mudanças políticas, econômicas e sociais, já que época em que Getúlio Vargas se apresentava no poder, até o momento que ocorreu a queda do Estado Novo (1937-1945), apresentando 20 também um aumento considerável da intervenção do Estado nos campos econômico e social (BULCÃO, EL-KAREH & SAYD, 2007). No dia 29 de outubro de 1945 o regime cai a partir de um golpe militar inspirado na sensação de redemocratização que se estabelece na consciência nacional por conta da presença brasileira na Segunda Guerra Mundial (BONAVIDES, 2000). Então, em dezembro de 1945, ocorre a primeira eleição concretamente democrática ocorrida no país e se elege o presidente da República, deputados federais e senadores (DA CUNHA, 2007). A gama de acontecimentos no período gera turbulências e dificuldades, principalmente no ramo educacional, gerando uma sensação de atraso em relação ao resto do mundo. Por volta dos anos 1950, os brasileiros iniciam uma busca pelo que é seu por direito, fator que se relaciona de forma profunda com os desafios enfrentados pela nação em prol da superação de seu atraso e subdesenvolvimento, que se enquadra não só o Brasil, mas a América Latina, à uma subordinação ao sistema mundial (MIGLIEVICH, 2017). Segundo Darcy Ribeiro, as universidades existiam inseridas em sistemas sociais globais, tornando mais fácil reproduzir e manifestar características de uma sociedade superficialmente moderna (“modernização reflexiva”) do que realizar modificações que direcionassem para um desenvolvimento mais único e exclusivo (“aceleração evolutiva) (MIGLIEVICH, 2017). Contudo, ainda segundo o autor, caso existisse mudança no modelo de universidade, se conseguiria antecipar as transformações que ocorrem no contexto social, obtendo a capacidade de inovar de maneira intencional. Dessa forma, seria possível agir como um agente transformador e deixar de lado a perspectiva de “freio de atraso” (MIGLIEVICH, 2017). As forças políticas que ofereceram apoio ao golpe de Estado e de alguma maneira sustentaram a ditadura, acabaram reproduzindo uma série de imagens que desqualificavam o período, como por exemplo a “corrupção”, “incompetência” e a “demagogia” (DA CUNHA, 2007). Logo, os movimentos sociais e populares da década de 1960 foram cruciais para a época, principalmente o Movimento de Cultura Popular (MCP) desenvolvido por Paulo Freire, que se mostra até hoje como uma figura representativa no ramo 21 educacional e que na época foi essencial para desencadear um direcionamento de mudança educacional e social. Nos anos de 1960, no Serviço de Extensão Cultural da Universidade de Recife, Paulo Freire tornou-se responsável por desenvolver juntamente com sua equipe, um sistema educacional que proporcionasse a presença de uma universidade popular (BRANDÃO, 2016). A proposta do Sistema Paulo Freire de Educação indicada no período se desdobrava em seis etapas, que se aproveitavam dos “círculos de cultura”, que tinham como direcionamento a alfabetização e o MCO (Movimento de Cultura Popular) (BRANDÃO, 2016). A atuação dos movimentos sociais refletiu positivamente para a população brasileira, como é possível perceber no considerável aumento no número de eleitores entre a primeira eleição presidencial e a efetuada no período, que foi de 6 milhões da primeira para 12 milhões no ano de 1960 (BONAVIDES, 2000). Esse crescimento se deu principalmente em virtude à expansão do sistema educacional, fator que explica a mudança no número de pessoas analfabetas no país, que passou de 54% em 1945 para 36% de analfabetos na população brasileira no ano de 1962 (BONAVIDES, 2000). Isto posto, após uma grande trajetória, desenvolvido pelo Conselho Federal de Educação, surge em 1962 o primeiro Plano Nacional de Educação, este que se estabelece por meio da ausência de diretrizes e normaliza a divisão dos orçamentos entre os três níveis de ensino (IMPERATORE; PEDDE, 2015). Posteriormente, mais de dez planos de educação surgiram, mas se mostraram incapacitados de exercer o seu papel, já que foram marcados pelo abandono da integração ministerial, falta de recursos financeiros e vontade política, demonstrando por meio do descaso que a educação não se mostrava como prioridade, e que por fim acabou se consolidando por meio de revoltas do poder público e de maneira dispersa e sem objetivos concretos (IMPERATORE; PEDDE, 2015). O período do processo de surgimento da Universidade Federal de São Carlos abrange o período de 1964 e 1968, momento delicado na trajetória nacional. A associação entre empresários e militares trouxe o golpe civil-militar que entrou em vigor no dia primeiro de abril de 1964 (SAVIANI, 2008). Vivia-se a partir de 1964 a 22 ditadura militar, e mais especificamente os primeiros anos do Ato Institucional no. 5 (AI-5), de 1968 a 1973, que implantava horror e censura (FABBRINI, 2017). Dito isso, a direita presente na época instaura uma modernização, que na visão dos artistas de vanguarda poderia ser enfrentada por meio da criação de espaços diferentes de produção e circulação da arte, como uma maneira de resistir ao regime imposto (FABBRINI, 2017). O termo “vanguarda” tem origem militar, e significa estar adiante da tropa em um campo de batalha, em estado de alerta para qualquer emergência, desbravando o desconhecido (RIBEIRO, 2012), o que poderia explicar o caráter vanguardista citado na historização no site da Universidade em seu surgimento e sua fama na época, já que ficou conhecida como “A Pequena Notável” (UFSCAR, 2019). Durante o período da ditadura militar, novas propostas são implementadas e a partir de 1968, por meio de uma “reforma” universitária, se instauram relações diretas com bandeiras históricas do movimento social na educação, ao mesmo tempo que não se rompia com o conservadorismo, e esta se consolida pioneiramente por meio de mudanças no ensino superior (CISLAGHI, 2019). Baixada pelo regime militar, a Constituição de 24 de janeiro de 1967 determina o encerramento da vinculação orçamentária constante das Constituições de 1934 e 1946, que tornava obrigatória a disponibilização de um percentual mínimo de recursos voltados para a educação pela União, pelos estados e municípios (SAVIANI, 2008). Após o regime militar, no ano de 1968 é sancionada a Lei n.5.540, que modifica a estrutura do ensino, gerando uma reforma educacional. A estrutura do ensino deixa de ser construída por uma base da que define a identidade entre curso e departamento para dar espaço a uma fragmentação entre curso e departamento. Essa foi a definição estabelecida como unidade básica na universidade, obtendo o papel de reunir os especialistas de uma mesma área de conhecimento ou de áreas afins (SAVIANI, 2008). As alterações políticas provindas do golpe de Estado determinaram uma mudança qualitativa no processo (CUNHA, 2007), já que, juntamente com ampliação no ensino público superior no Brasil, é aderida uma forte influência baseada no ensino norte-americano. Ainda que essa modernização no nosso país tenha iniciado o seu 23 direcionamento para o modelo norte-americano na segunda metade dos anos 1940, adquiriu forças nos anos 1950 e se intensificou nos anos 1960 (CUNHA, 2007). O poder de influência paradigmática provinda das universidades norte- americanas antes de 1964 era atomizada e espontânea, já que, no Brasil, era colocada em prática por meio de bolsistas retornados e de contratos de assistência técnica e financeira do Ponto IV e da Usaid. Após 1964, além dessas agências desenvolverem programas maiores e mais articulados com o Ensino Superior, o Ministério da Educação não perdeu tempo em contratar norte-americanos no intuito de organizarem o nosso ensino superior e convidá-los para assistir o governo brasileiro durante o planejamento desse grau de ensino (CUNHA, 2007) A substituição do regime de cátedras pelo regime departamental e a junção nas instituições federais do ensino superior da carreira de professor com a de pesquisador assim como outras medidas compuseram o processo de modernização das instituições de Ensino Superior direcionado para o modelo norte-americano. (CUNHA, 2014). A retirada da obrigatoriedade de investimento de recursos direcionados para a educação no ano de 1967 trouxe como consequência a diminuição desse investimento de 7,60% em 1970 para 4,31% em 1975, se recuperando levemente em 1978 com 5,20% (SAVIANI, 2008). Apesar desse fator, certamente houve um período de expansão do ensino superior, que chegou a atingir um aumento de 744,7% entre 1964 e 1973. Entretanto, o aumento de vagas nas universidades públicas ocorre, mas em diferentes proporções de como acontece no ensino privado, que se expande em maior proporção e oferecendo vagas em instituições de baixa qualidade, que em sua maior parte eram ocupadas por trabalhadores de baixa renda (CISLAGHI, 2019). Esse aumento se deu principalmente devido ao incentivo à iniciativa privada, já que o número deu um salto de 234 para 663 nas instituições privadas e aumentou apenas de 129 para 222 instituições públicas (SAVIANI, 2008). Ou seja, o aumento da oferta de vagas nas universidades públicas foi de 210% e na rede privada 410% entre os anos de 1968 e 1970 (CISLAGHI, 2019). 24 Além do avanço do setor privado no ensino, vale ressaltar também que o setor público passa a sofrer invasão por um pensamento privatista, com o intuito de aproximar o processo formativo do processo produtivo, trazendo a adoção de perspectivas e ações voltadas para o modelo empresarial (SAVIANI, 2008). Então, se estabelece um paradoxo marcado pela ampliação do ensino público superior que abre espaço para o estabelecimento de uma hegemonia da rede privada, que em sua maior parte adquire fins lucrativos e tem financiamento indireto de recursos públicos, com qualidade inferior à das universidades da rede pública (CISLAGHI, 2019). Por outro lado, ao final do período ditatorial os movimentos sociais democráticos se organizam em busca de um ensino público, gratuito e de qualidade (CISLAGHI, 2019). Isto posto, durante a década de 1980, ocorre no Brasil a transição entre o regime militar e a democracia neoliberal e em 1988 é aprovada a nova Constituição, que define a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, juntamente com o apoio da sociedade, assim como a gratuidade do ensino superior e autonomia universitária, e a educação na rede privada autorizada somente quando há aprovação de sua qualidade pelo Estado (CISLAGHI, 2019). Por conseguinte, na década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o debate sobre uma reforma universitária volta com força, sendo marcado por determinar um modelo de formação para um trabalho complexo que se relaciona com o incentivo de ações neoliberais em resposta às demandas de reprodução do capital, já que desde a década de 1970 ocorria a crise estrutural do capitalismo (CISLAGHI, 2019). No ensino superior, duas frentes se destacaram nesse processo: a racionalização de recursos direcionados às universidades públicas, que acaba estimulando a busca por fontes alternativas de recurso financeiro, e consequentemente o incentivo de ações que respondem a lógica de mercado, já que um dos caminhos para a falta de recurso é o oferecimento de serviços para empresas e fortalecimento de instituições privadas (ARAÚJO, 2011). Logo, as reformas educacionais escolhidas pelo governo foram orientadas como um serviço e foram reguladas pelas leis do mercado (ARAÚJO, 2011) e as 25 propostas para o ensino superior foram definidas por um alinhamento com os documentos elaborados pelos organismos internacionais, como por exemplo o Banco Mundial (CISLAGHI, 2019). Todavia, a redução do investimento orçamental da época aumentou a carência das Instituições Federais do Ensino Superior (Ifes), o que gerou estruturas educacionais precárias, problemas no corpo docente e técnico-administrativo e um número baixo de matrículas pelos jovens entre 18 e 24 anos no Ensino Superior Público (PAULA, 2020). Com a compreensão do direcionamento e ações do governo é possível observar que existia uma negligência com as instituições públicas, principalmente devido a forma explícita que se estabeleciam os investimentos financeiros no ensino superior de uma forma geral. O governo de Fernando Henrique Cardoso obtinha uma visão negativa das universidades públicas, considerando-as improdutivas, perspectiva que proporcionou forte influência para que surgisse a pauta sobre a necessidade de uma reforma no ensino superior gratuito (RADAELLI, 2013). Desta forma, surgem indagações que relacionam a maneira que se estabelece o acesso ao Ensino Superior como um processo de exclusão social, fator que poderia ser solucionado por meio do aumento no número de vagas, como forma de gerar mais oportunidades de acesso (PAULA, 2020). A fim de proporcionar esse aumento no acesso, torna-se necessário trazer uma diversificação do sistema educacional por meio da construção de novas instituições e a reforma das já existentes, além de expandir modalidades de curso, criar novas políticas mais inclusivas e ações afirmativas (PAULA, 2020). Visto isso, como fragmento do plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), surge no dia 6 de abril de 2007 por meio do Decreto Presidencial n. 6.096 o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades (Reuni), considerando o importante papel que as universidades federais possuem um papel importante no desenvolvimento econômico e social do país (LIMA, 2016). Isto posto, o Reuni possui a finalidade de amplificar o número de vagas, disponibilizar outros cursos, estabelecer uma readequação da infraestrutura, aumentar a quantidade de matrículas e número de concluintes, otimizar os recursos 26 humanos e físicos apresentados (PAULA, 2020), além de diminuir as desigualdades sociais no que se refere à acessibilidade e permanência no ensino superior (LIMA, 2016). Os dados de países supracitados de 2014 quando comparados com os do Brasil em 2010, demonstram uma lacuna em instituições do ensino superior, o que leva ao Governo Federal a implantar na tentativa de suprir essa necessidade ações que possam atender a demanda, lançando uma série de programas que visam realizar a expansão do ensino superior, quantitativamente e qualitativamente (DE MELO COSTA; COSTA; BARBOSA, 2013). Até o ano de 2010, a matrícula nas instituições públicas de ensino superior obtinha crescimento inferior à das instituições privadas (LIMA, 2016). Entretanto, o cenário se modifica com um aumento de 7,9% de aumento na rede pública e 4,8% na rede privada entre o período de 2010 a 2011, indicando um resultado positivo nas metas estabelecidas pelo Reuni (LIMA, 2016). Ademais, no ano de 2012 houve um aumento da taxa de pessoas frequentando o ensino superior equivalente a aproximadamente 30% da população brasileira entre 18 e 24 anos, valor que se aproxima da própria meta estabelecida pelo programa de atingir os 30% (LIMA, 2016). Dito isso, o Reuni proporciona a origem de quatorze novas universidades públicas, além de novos campi de instituições já existentes (DE MELO COSTA; COSTA; BARBOSA, 2013), e se estabelece como um marco muito importante no Ensino Superior público brasileiro. Uma das universidades criadas pelo programa é a Universidade Federal do ABC (UFABC) no ano de 2009. Além do mais, o PROUNI (Programa Universidade para Todos) se amplia e exerce sua ação em conjunto com o FIES (Financiamento ao Estudante do Ensino superior), criando a possibilidade do aumento do número de ingressantes nas universidades públicas (DE MELO COSTA; COSTA; BARBOSA, 2013). Por isso, o incentivo a construção e instauração de novas universidades públicas federais trouxe uma melhora substancial que não resolveu a problemática, mas proporcionou avanços na qualidade de ensino superior público brasileiro e expandiu o acesso a essas instituições, possibilitando ideias e projetos de uma melhora cada vez maior no ramo da educação no Brasil. 27 2. CAPÍTULO 2: EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: TRAJETÓRIA, PAPEL E IMPLEMENTAÇÃO NO CURRICULO 2.1. História da Extensão A Extensão Universitária surge pela primeira vez no decreto 19.851 de 11 de abril de 1931, sendo contemplada no artigo 109 pela seguinte definição: Art. 109. A extensão universitária destina-se à difusão de conhecimentos, filosóficos, artísticos, literários e científicos, em benefício do aperfeiçoamento individual e coletivo (BRASIL,1931, art. 109) É possível observar que a concepção de extensão trazida no documento aponta a difusão de conhecimento do lado da instituição de ensino superior para “aperfeiçoamento individual e coletivo”, demonstrando de certa maneira uma conotação de verdade absoluta no lado de produção desse conhecimento universitário. Em seguida, ainda no referido artigo, são apontadas quais são as atividades que seriam consideradas uma prática extensionista: “por meio de cursos intra e extra- universitários, de conferências de propaganda e ainda de demonstrações práticas que se façam indicadas (BRASIL,1931, art. 109, § 1º)”. As atividades propostas se apresentam na forma de “propaganda” e “indicações” do ensino superior para a população, reforçando a conotação citada anteriormente. Além disso, o decreto também aponta que apesar da definição é atribuído livre arbítrio para as instituições de ensino superior aderirem ou não a sua prática, e agir de acordo com sua preferência: “Caberá ao Conselho Universitário, em entendimento com os Conselhos técnico-administrativos dos diversos institutos, efetivar pelos meios convenientes a extensão universitária (BRASIL,1931, art. 109, § 2º)”. As documentações relacionadas à Extensão que se sucederam após o decreto de 1931 ocorreram apenas na década de sessenta, por meio da promulgação da Lei Básica da Reforma Universitária (Lei n. 5.540/68), que instituiu a Extensão Universitária no ano de 1968 como: “(...) as universidades e as instituições de ensino superior estenderão à comunidade, sob a forma de cursos e serviços especiais, as 28 atividades de ensino e os resultados da pesquisa que lhe são inerentes” (Artigo 20) (BRASILEIRAS, 2012, p. 19). É possível observar dentro da promulgação que o objetivo principal em sua definição se direciona por meio das palavras “cursos”, “serviços” e “estenderão à comunidade” uma relação de servir à comunidade, na perspectiva de direcionar e guiar pensamentos e aprendizagens de dentro das Universidades para a população, como uma extensão “para” comunidade, levando o conhecimento para fora por meio de uma visão assistencialista. A institucionalização propôs os seguintes termos: As instituições de ensino superior: a) por meio de suas atividades de extensão proporcionarão aos seus corpos discentes oportunidades de participação em programas de melhoria das condições de vida da comunidade e no processo geral de desenvolvimento; (...)” (Artigo. 40) (BRASILEIRAS, 2012, p.19). Dessa maneira, apesar do processo de responsabilização em relação ao compromisso social da Universidade brasileira iniciar a partir dos anos 1950 e 1960, majoritariamente devido ao surgimento de movimentos sociais, principalmente a participação da União Nacional dos Estudantes (UNE) e o trabalho realizado por Paulo Freire durante o período (GADOTTI, 2017), nota-se que a definição da prática extensionista presente em ambos os documentos ainda é visualizada como a prestação de um serviço exercida por meio de uma passagem unilateral do conhecimento, sem reconhecer a responsabilidade da instituição de ensino superior com a sociedade. Isto posto, ao final da década de 1970 e início da década de 1980 surgem movimentos populares que desencadeiam reformas na legislação partidária (BRASILEIRAS, 2012), trazendo movimentações e o surgimento de novas perspectivas de acordo com a demanda social da época, que abarca questões histórico sociais do período e toda a sua influência no surgimento e envolvimento dessas movimentações. Assim, no ano de 1975 se origina a Política Nacional de Extensão, que amplia as atividades extensionistas por meio da inserção de serviços, cursos, difusão cultural, comunicação em relação aos resultados provenientes das pesquisas, projetos de ação comunitária que incluíam a participação de discentes e docentes 29 (GADOTTI, 2017). Logo, as ações relacionadas ao período abriram portas para que a visão assistencialista fosse colocada em debate: No seio da luta pela redemocratização e reconstrução das instituições políticas e sociais, foi reelaborada a concepção de Universidade Pública, redefinidas as práticas de Ensino, Pesquisa e Extensão e questionada a visão assistencialista das ações extensionistas” (BRASILEIRAS, 2012, p. 21). Desta forma, a Extensão Universitária passa a se relacionar com os movimentos sociais e a ser reconhecida como uma atividade que articula com o Ensino e a Pesquisa. Em detrimento dessa mobilização social e do próprio surgimento da Política Nacional de Extensão, abre-se portas para uma discussão mais aprofundada sobre a temática, englobando questões sociais e aspectos do ensino superior brasileiro que desencadearam em uma grande transformação sobre o tópico da Extensão universitária nos anos seguintes. Entusiasmos diversos e direcionamentos em relação ao coletivo e às regiões envolvidas, possibilitam uma movimentação nacional no que tange a prática extensionista. Logo, surge nesse contexto o Fórum de Pré-reitores de Extensão, cujo processo de surgimento não pode ser visualizado como algo à parte e muito menos como uma ação isolada meramente governamental, já que estabelece relação com questões histórico-sociais do país (NOGUEIRA, 2013). A finalidade do documento é contemplar interesses em comum entre as universidades públicas do país, além da necessidade de trabalhar a articulação sobre a relação das universidades com a sociedade, que passa a ser pauta de discussão devido a experiências diversas compiladas pelas instituições (NOGUEIRA, 2013). Além disso, emerge pela busca de articulação entre as próprias universidades, a fim de proporcionar o fortalecimento enquanto grupo devido à grande disputa de poder interno e a existência de problemáticas e interesses em comum (NOGUEIRA, 2013). O processo é complexo e extenso, com a participação de nuances e investimentos de diferentes regiões que se posicionam em relação à qualidade do ensino superior e no que tange a temática da Extensão Universitária. Visto isso, no ano de 1985 acontece o Encontro de Pró-Reitores de Extensão do Norte do País na cidade de Manaus/AM, que contou com a participação de figuras importantes como representantes do MEC, do Projeto Rondon, e a Superintentência 30 do Desenvolvimento da Amazonia (Sudam), que obteve como temática central o processo de integração da universidade na conjuntura regional (NOGUEIRA, 2013). Em seguida, em abril de 1987, a região nordeste torna-se pioneira na criação formal de um fórum de pró-reitores durante o I Encontro de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas do Nordeste em Aracaju/SE (NOGUEIRA, 2013). Os fóruns de pró-reitores na região sudeste e região sul foram criados nos anos posteriores (NOGUEIRA, 2013). Isto posto, nos dias 4 e 5 de novembro do 1987 é promovida pela UNB em Brasília o I Encontro de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, que obteve a participação de integrantes representativos de 33 universidades públicas federais e estaduais, que resulta no desenvolvimento do Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), composto por uma estrutura coordenativa nacional e cinco regionais, sendo estas Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul. A chegada do Fórum Nacional de Pró-reitores de Extensão aparece devido a uma necessidade institucional, já que a extensão era colocada em prática de maneiras bem diferentes entre as instituições, demonstrando assim a necessidade de realizar a sua institucionalização e o desenvolvimento de novas políticas públicas brasileiras que contemplariam a prática da extensão nas universidades brasileiras (NOGUEIRA, 2013, grifo da autora). Visto isso, no documento surgem ideias consensuais proporcionadas nos encontros que abarcam questões fundamentais para a formulação das diretrizes políticas (NOGUEIRA, 2013). Juntamente com a legalização das atividades extensionistas, a criação do FORPROEX proporcionou à comunidade acadêmica ambiente para redefinir a Extensão Universitária (BRASILEIRAS, 2012), possibilitando efetuar sua prática sob uma nova perspectiva devido a ampliação de possibilidades para sua aplicação e uma definição atualizada sobre temática, que se diferencia em relação às anteriores principalmente no que tange a uma visão não assistencialista: A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre a Universidade e outros setores da sociedade (BRASILEIRAS, 2012, p.42). 31 Desta maneira, os avanços proporcionados pelo FORPROEX foram cruciais, já que ele abrange uma nova perspectiva que direciona a Extensão Universitária como um processo educativo, cultural e científico, que não exerce função sem estar articulado obrigatoriamente com o Ensino e a Pesquisa e que atua por meio do estabelecimento de uma relação entre a universidade e a sociedade, proporcionando dessa maneira a transformação social (GADOTTI, 2017). Logo após, no ano de 1988, emerge a Constituição da República, um marco histórico na trajetória nacional que aponta por meio do artigo 207 a indissociabilidade de ensino-pesquisa-extensão: Em consonância com as definições pactuadas no FORPROEX, a Constituição de 1988 preceitua a “indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988, art. 207) e estabelece que “as atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do poder público” (BRASIL, 1988, art. 213, §2ª). O Programa de Fomento à Extensão Universitária (PROEXTE) se origina no ano de 1993, trazendo contribuições relacionadas a financiamento e elaboração teórico conceitual, principalmente no que tange a definição das diretrizes e dos objetivos estabelecidos para a Extensão Universitária, assim como planos de ação e metodologias a serem utilizadas durante a sua aplicação (BRASILEIRAS, 2012). Então, no dia 20 de dezembro de 1996, por meio da Lei n 9394 surge a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), documento que aponta as finalidades da Educação Superior no Brasil e propõe a Extensão como uma prática que articula os níveis de ensino (BRASIL, 1996, art. 43), assim como possibilita a instituição de apoio financeiro do Poder Público, por meio de bolsas de estudo (BRASIL, 1996, art. 43) (BRASILEIRAS, 2012). Dessa forma, a Extensão Universitária no começo da década de 2000 se manifesta de modo significativo dentro do ramo institucional, já que encontra na Constituição de 1988, regulamentações do FORPROEX e no que tange à legislação federal (BRASILEIRAS, 2012). Logo, a partir desse momento há um grande avanço relacionado a superação da concepção de que a Extensão Universitária seria somente um conjunto de processos responsável por disseminar conhecimentos acadêmicos nos cursos, conferências e seminários, como assistências, ou se utilizar de eventos 32 para difundir cultura e conhecimento e apresentar produtos artísticos (BRASILEIRAS, 2012). 2.2. Papel da Extensão: por uma prática não assistencialista É importante compreender que a realidade do ensino brasileiro atual reforça traços conservadores e autoritários de seu passado por meio de desenvolvimentos institucionais que se acobertam em uma falsa luta pela redemocratização, atualizando as estruturas sociais com embasamento em tradições antigas (BRASILEIRAS, 2012). Por isso, a prática precisa ser aplicada de modo a lutar contra os traços conservadores, ou seja, deixar de lado a visão assistencialista que possuía no início de sua trajetória. Infelizmente, a ação extensionista muitas vezes é realizada de maneira a exercer um papel de “apêndice” dentro das atividades acadêmicas formativas. Paulo Freire possui uma importante contribuição sobre a temática em seu livro "Comunicação ou extensão”, onde aponta importantes definições sobre a temática. A definição de “extensão” como algo que atua no sentido de estender alguma coisa ou até alguém, no sentido etnológico da palavra: o têrmo extensão, na acepção que nos interessa aqui – a do último contexto – indica a ação de estender e de estender em sua regência sintática de verbo transitivo relativo, de dupla complementação –: estender algo a. Nesta acepção, quem estende, estende alguma coisa (objeto direto da ação verbal) a ou até alguém – (objeto indireto da ação verbal) – aquêle que recebe o conteúdo do objeto da ação verbal (FREIRE, 2014, p. 11). Neste caso, a palavra extensão consiste em uma ação que entrega, transfere, ressalta ao outro o conhecimento que se possui, atribuindo um sentido totalmente mecanicista (FREIRE, 2014), ignorando a vivência do outro e tomando uma só fonte verdadeira de conhecimento. Compreender a extensão como estender estabelece uma conotação do conteúdo ser algo estático, em que quem estende é a parte ativa e a outra face é o “espectador” (FREIRE, 2014). Logo, nessa perspectiva, o intuito torna-se substituir um conhecimento por outro (FREIRE, 2014). Entretanto, o conhecimento, segundo o autor, se dá de maneira constante e precisa de um sujeito curioso que seja capaz de transformar a sua realidade, por meio do inventar e reinventar, de uma reflexão crítica, reconhecendo e conhecendo a partir 33 da vivência que é condicionado (FREIRE, 2014). “Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer” (FREIRE, 2014, p. 16). Logo, a verdadeira aprendizagem ocorre quando o sujeito se apropria do que é aprendido e o transforma em apreendido, já que se torna apto para realizar a aplicação dessa aprendizagem em sua própria realidade (FREIRE, 2014). Para isso, a ação educativa deve ser constituída por um educando e um educador que assumam o papel de sujeitos cognoscentes, ou seja, que não se ausentem da vontade de conhecer, e que sejam mediados pelo objeto cognoscível (FREIRE, 2014). E, para o autor, “A nada disto nos leva a pensar o conceito de extensão” (FREIRE, 2014, p.16). Isto posto, o conhecimento se constitui por meio das relações que o indivíduo estabelece com a sua realidade, além das relações de transformação e no aperfeiçoamento da problematização crítica delas (FREIRE, 2014). Essa tarefa não consiste em uma ação de extensão, mas sim de proporcionar, por meio de uma conscientização, que os sujeitos envolvidos possam adquirir uma apropriação crítica do espaço que ocupam e suas relações, além da humanização e da prática dos sujeitos como transformadores do mundo. A comunicação, por sua vez, é definida pelo autor como uma participação conjunta de sujeitos no ato de pensar, em que o objeto é o mediador (FREIRE, 2014). Consiste, então, em uma comunicação entre os dois lados de maneira conjunta e construtiva. Assim, “todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de signos linguísticos” (FREIRE, 2014, p. 44). Portanto, a reciprocidade presente no ato de comunicar-se torna-se obrigatória e a prática da comunicação não pode ser constituída por sujeitos passivos (FREIRE, 2014). Assim sendo, “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (FREIRE, 2014, p. 46). Portanto, seguindo as ideias de Paulo Freire, a prática extensionista deve ser constituída por uma prática de liberdade que permite uma comunicação com a comunidade e sendo contrária a se constituir apenas de uma transmissão entre o que é aprendido na universidade para ser apresentado para a comunidade. “Educar e 34 educar-se, na prática da liberdade, não é estender algo desde a “sede do saber”, até a “sede da ignorância” para “salvar”, com êste saber, os que habitam nesta” (FREIRE, 2014, p. 15). Isto posto, a extensão proporciona compartilhar conhecimentos ao invés de apenas transmiti-los, possibilitando a reconstrução do conhecimento dentro da universidade (LIMA, L.; AZEVEDO, M. & AMORIM, M., 2015). Isto posto, as atividades de Extensão Universitária constituem-se como fatores determinantes na qualidade da formação, já que proporcionam a ampliação da visão por diferentes realidades e maior contato com questões contemporâneas (BRASILEIRAS, 2012). Além disso, oferece melhora na capacidade técnica e teórica dos envolvidos, proporcionando subsídio ao governo para a construção de políticas públicas, caso ocupem um cargo relacionado à criação, implementação ou avaliação na área (BRASILEIRAS, 2012) e, consequentemente, a transformação social. Essa prática acadêmica pode proporcionar uma maior ligação com outros setores da sociedade, tornando possível a construção de conhecimentos de maneira conjunta (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). Além disso, exerce um papel fundamental para o crescimento do país, principalmente por meio das universidades públicas (FILHO, 2022). Por isso, é de extrema importância o estabelecimento de objetivos claros, estudos e aspectos formativos dentro da universidade, para que essa possa construir uma relação de confiança com a comunidade e com todos os seus integrantes. Para isso, é preciso lutar para que não haja submissão quando for estabelecido qualquer tipo de relação com instituições privadas. Como aponta Marcovitch: É claro que não se justifica, em hipótese alguma, qualquer subordinação dos programas de doutorado e mestrado a interesses empresariais. A universidade e a empresa são regidas por interesses absolutamente próprios e distintos. São diferentes os seus ciclos de tempo, os seus objetivos e as suas motivações (MARCOVITCH, 1999, p.16). Assim, torna-se possível subsidiar a obtenção de uma autonomia, para que seja possível atuar de maneira única e incisiva dentro do que é proposto, buscando sempre o desenvolvimento de sua própria personalidade e seus próprios propósitos, escolhendo quais aspectos, investimentos e parcerias poderiam agregar no seu processo de desenvolvimento e existência como um referencial de Universidade sem 35 se deixar levar por questões financeiras e empresas que não cumprem o que se deseja dentro de suas perspectivas, direcionamentos, concepções e objetivos. Isto posto, Catani aponta: (...) a universidade deve ter voz ativa na sociedade, ela não pode simplesmente atender às demandas do mercado de maneira automática, porque não é preparada ou estruturada para isso. Mas ela pode, entretanto, dialogar com o mercado, uma vez que possui competência para isso, ela gera conhecimento de ponta. Mas ao mesmo tempo, ela necessita de um processo de longa duração para que tal conhecimento seja produzido e para formar um bom pesquisador (CATANI, 2008, p. 13). Diante disso, é de extrema importância reforçar a valorização das práticas extensionistas, já que a sua ausência pode auxiliar a reforçar a práticas que acarretam a repetição de padrões conservadores e elitistas tradicionais, dando abertura para a transformação de atividades acadêmicas voltadas aos ideais de mercado, deixando de lado o próprio propósito da Universidade Pública (BRASILEIRAS, 2012). Logo, a Extensão deve ser visualizada pelas instituições e pelo ensino superior como um caminho educativo e revolucionário (FILHO, 2022). 36 2.3. Curricularização da Extensão Levando em consideração todos os aspectos importantes presentes na participação da Extensão Universitária dentro da formação nas instituições de ensino superior e nas Universidades, é crucial a compreensão da inserção da Extensão de maneira definitiva e essencial dentro dos currículos, para que seja possível assim refletir sobre como foi constituída a sua trajetória e como esta pode se manter consolidada, auxiliando na preservação de sua existência juntamente com a manutenção quantitativa e qualitativa de todo o processo, a fim de cumprir os objetivos propostos dentro da formação de cidadãos críticos pensantes e uma boa qualidade de ensino público. A partir do momento que se é estabelecida uma documentação da Extensão Universitária, abre-se um caminho para a formulação e execução por meio de novas perspectivas. A curricularização da extensão nas Universidades é uma conquista e um processo que apresenta em sua trajetória reflexos de diversas características relacionadas a questões histórico e político-sociais nacionais, desde o período de seu aparecimento até os dias atuais. Em decorrer ao desgaste relacionado ao regime militar e à condição transitória nas questões democráticas do país, o Congresso Nacional eleito no ano de 1986 constitui-se por poderes constituintes, que desenvolveram a Constituição Federal em vigor na atualidade, obtendo promulgação no dia 5 de outubro de 1988 (SAVIANI, 2020). Em dezembro do ano de sua promulgação, o deputado Octávio Elísio fixa as diretrizes e bases da educação nacional por meio de um projeto de lei apresentado na Câmara Federal (SAVIANI, 2020). O surgimento da temática referente às diretrizes e bases da educação nacional se direciona à Constituição Federal de 1934, que no artigo quinto inciso XIV, demonstra pretensão na organização da educação em âmbito nacional pelo “traçar as diretrizes da educação nacional”, que apesar de não obter a palavra “bases”, enfatiza uma necessidade em organizar diretrizes no território nacional (SAVIANI, 2020). 37 Dito isso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que se apresenta em vigor até os dias atuais e que constrói pontes em relação à temática da Extensão surge no dia 20 de dezembro de 1996 por meio da promulgação da Lei n 9.394 (BRASIL, 1996). O documento propõe “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino (Artigo 8º)” (BRASIL, 1996), que se encaminha para a criação “I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (Artigo 9 º) (grifo da autora)”. Isto posto, em 2001 se origina o Plano Nacional de Educação (PNE), documento que traz a temática da Educação Superior apresentando metas e objetivos que possibilitam o desenvolvimento de ações relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão, de modo autossuficiente pela instituição (ARANTES, 2017). Desse modo, a curricularização da extensão surge pela primeira vez no Plano Nacional de Educação 2001-2010. Em primeiro momento, é apontada na meta 21, que apresenta: 21. Garantir, nas instituições de educação superior, a oferta de cursos de extensão, para atender as necessidades da educação continuada de adultos, com ou sem formação superior, na perspectiva de integrar o necessário esforço nacional de resgate da dívida social e educacional (BRASIL, 2001, grifo da autora). Neste trecho do documento, é possível notar que a inserção da Extensão se apresenta na forma de “cursos de extensão”, demonstrando uma perspectiva que tende a se direcionar à apenas uma complementação na formação superior. Em seguida, a meta 23 traz onde e como deve ser realizada a sua implementação: 23. Implantar o Programa de Desenvolvimento da Extensão Universitária em todas as Instituições Federais de Ensino Superior no quadriênio 2001- 2004 e assegurar que, no mínimo, 10% do total de créditos exigidos para a graduação no ensino superior no País será reservado para a atuação dos alunos em ações extensionistas (BRASIL, 2001, grifo da autora). A inserção das metas nesse documento é de extrema importância, entretanto percebe-se que a obrigatoriedade de cumprimento de créditos nesse momento se aplica somente para as Universidades Federais. 38 Então, entre 2003 e 2014 surge uma proposta de ressignificação do ensino superior no Brasil, que estabelece relação com o novo desenvolvimentismo e pacto social da época, aumentando o número de vagas e das instituições, proporcionando uma nova concepção sobre a relação da formação-pesquisa-inovação e o papel da Extensão (IMPERATORE & PEDDE, 2015). Debates que ocorreram nas lutas para a instauração no PNE atual, principalmente nas Conferências Nacionais de Educação (2010 e 2014), foram responsáveis por estabelecer relações de renovação e revalorização da Extensão Universitária por meio de práticas emancipadoras, deixando de lado o foco direcionado para a difusão do conhecimento acadêmico para dar espaço a um aprofundamento na realidade social e política brasileira (GADOTTI, 2017), e um caráter não assistencialista. No ano de 2012 é publicada uma nova versão do Plano Nacional de Extensão (PNExt), que atualiza alguns pontos propostos no documento anterior. Ele carrega uma base para a ressignificação do conceito de Extensão e do seu papel formativo dentro da universidade brasileira, apontando o seu compromisso ético, cultural, educacional, científico, social e político (AZEVEDO, 2022). Aponta também a importância de sua aplicação dialogada com a sociedade e da compreensão que seu valor não deve ser considerado inferior ao falarmos do ensino-pesquisa-extensão (AZEVEDO, 2022). Isto posto, a curricularização da Extensão aparece pela segunda vez no Plano Nacional de Extensão de 2014-2023 na meta número 12, que estabelece: 12. Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público (BRASIL, 2014). Dito isso, na estratégia número 7 se reforça a obrigatoriedade proposta anteriormente, entretanto tornando obrigatória a prática extensionista para todas as Universidades do Brasil e, como um marco muito importante, apresentando inovações correlacionando a prática extensionista à questões sociais: assegurar, no mínimo, 10% (dez por cento) do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão 39 universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social (BRASIL, 2014, grifo da autora). No dia 18 de dezembro de 2018, juntamente com a aprovação do Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024 por meio da meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, são estabelecidas as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira por meio da resolução CNE/CES nº 7 (BRASIL, 2018). Apesar das Diretrizes já terem se estabelecido anteriormente no FORPROEX, foram inseridas posteriormente no PNE. Logo, as Diretrizes da Extensão Universitária que devem atuar na formação, orientação e no ato de colocar em prática a ação extensionista são: a interação dialógica, a interdisciplinaridade, a indissociabilidade, e o impacto na formação do estudante e o impacto e transformação social (BRASILEIRAS, 2012). 2.3.1. Diretrizes da Extensão Universitária A aplicabilidade da Extensão Universitária, ao se identificar com as ideias de Paulo Freire e ter a perspectiva de cumprir os seus objetivos por meio de uma visão e aplicação não assistencialista, busca proporcionar a comunicação entre as realidades envolvidas e para isso, existem as diretrizes que organizam a aplicabilidade da Extensão Universitária. Logo, obter conhecimento sobre os elementos que constituem as diretrizes é essencial para que haja uma compreensão efetiva da Extensão, dando abertura para esta ser colocada em prática seguindo os direcionamentos que as constituem. Por isso, torna-se essencial adquirir um conhecimento profundo e bem analisado sobre a importância dessas questões inseridas, que compõem um fragmento tão importante do que define a Extensão nos documentos e possibilita sua prática de uma maneira emancipatória. 2.3.1.1. Interação dialógica A obtenção do conhecimento sobre a condição humana se dá por meio do ato de viver, tanto com seres quanto as próprias situações complexas, proporcionando assim o conhecimento da complexidade humana (MORIN, 2012, p. 49). Por uma questão de sobrevivência, os homens dependem uns dos outros, dando sentido ao mundo e a si mesmos (BRANDÃO, 1981). http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=104251-rces007-18&category_slug=dezembro-2018-pdf&Itemid=30192 40 Logo, a partir do momento que colocamos os humanos como sujeitos, se cria um espaço para trabalhar de forma mais aberta seus sofrimentos e alegrias, atingindo assim a compreensão humana, esta que pode ser utilizada como instrumento de luta contra o ódio e a exclusão (MORIN, 2012, p. 51). Como aponta Morin: Devemos compreender que existem condições bioantropológicas (as aptidões do cérebro/mente humana), condições socioculturais (a cultura aberta, que permite diálogos e troca de ideias) e condições noológicas (as teorias abertas), que permitem “verdadeiras” interro-gações, isto é, interrogações fundamentais sobre o mundo, sobre o homem e sobre o próprio conhecimento. Devemos compreender que, na busca da verdade, as atividades auto-observadoras devem ser inseparáveis das atividades obser- vadoras; as autocríticas, inseparáveis das críticas; os processos refle-xivos, inseparáveis dos processos de objetivação (MORIN, 2013, p. 29) Isto posto, como aponta Freire, o diálogo se constitui como um fator fundamental nas relações de todas as coisas do mundo, definindo-o como o próprio sentimento de amor em forma de ação, não podendo ser considerado apenas uma qualidade que o ser humano possui para existir e agir, mas também aquela que constitui a ação de tornar humano o homem que o vive (BRANDÃO, 1981). Sendo assim, ao falar sobre interação dialógica podemos citar algumas palavras como diálogo, expressão e compartilhamento de mundo. É por meio da Interação dialógica que se constrói a ideia de união de diferentes mundos sem estabelecer relações de superioridade de conhecimentos, assim como é defendido por Freire (2011). Os pressupostos do método Paulo Freire transpassam que a educação não deve ser aplicada de forma a assumir uma postura impositiva, mas sim se constituir de um ato coletivo e solidário - um ato de amor - partindo do pressuposto de que ninguém educa ninguém e também de que não se educa sozinho ((FREIRE, p. 21-22). Como afirma Santos1, “Toda ignorância é ignorante de um certo saber e todo saber é a superação de uma ignorância em particular” (SANTOS, 2021, p. 292). Uma interação dialógica que considera a sua própria vivência e a do outro gera a capacidade de unir dois mundos, cheios de informações, sentimentos, indagações, 1 O trabalho reconhece a contribuição do Bonventura de Souza Santos na fundamentação sobre a temática estudada, utilizando-a na construção do texto. Entretanto, não se ausenta da responsabilidade de pontuar a importância das denúncias efetuadas sob o autor entre 2023 e 2024, que não obtiveram resultados comprobatórios até o momento, mas devido a gravidade do caso resultaram no afastamento do autor de seus cargos institucionais. 41 curiosidades, ensinamentos e aprendizados. Essa união de determinada perspectiva, representa a interdisciplinaridade que vivemos no nosso dia a dia. Permitir que o outro se adentre em seu mundo e permitir se adentrar no mundo do outro faz com que o diálogo promova o envolvimento, da maneira mais completa possível, gerando uma emancipação, construção e aprendizado para ambos os mundos envolvidos. Logo, como o ato de educar parte da tarefa de efetuar uma troca entre os seus integrantes, esta nunca pode ser realizada de maneira isolada (até mesmo a auto- educação efetua o estabelecimento de um diálogo), e nem mesmo ter como direcionamento o desejo de construir um lado que detém o saber por completo, e do outro demonstrar a obrigação de ser tratado como se não possuísse nenhum (BRANDÃO, 1981). O ato de explicar não atinge a compreensão do subjetivo, já que exerce função se utilizando de meios objetivos de conhecimentos, estes que por si só não são suficientes para o compreender (MORIN, 2012, p. 51). Diante disso, como aponta Freire, o trabalho de ensinar-aprender ocorre de forma mútua, por meio de educadores-educandos e educandos-educadores de forma obrigatória. (BRANDÃO, 1981). Ao considerar apenas o meu mundo, como se só existisse aquela vivência, vida, sentimento, conhecimento, desconsideramos a existência em si da própria diferença entre os indivíduos. Em vista disso, a construção da consciência do oprimido proporciona uma aprendizagem que pensa por si só, ocupando o espaço gerado na aprendizagem por meio do trabalho pedagógico da educação do opressor, que demonstra uma necessidade de legitimização da ordem de um Mundo que ele impõe ((BRANDÃO, 1981). Com isso, se aprende a discernir o que é imposto, possibilitando dessa maneira realizar uma prática política que mira na sua liberdade (BRANDÃO, 1981). Dessa forma, o diálogo e o compartilhamento de mundos auxiliam nesse processo por meio do aumento de dados e conhecimentos adquiridos, que juntamente com a liberdade de cada um permite a construção de novos conhecimentos e alinhamentos com a realidade atual e momentos futuros. 42 Essa ação constrói de modo progressivo e irreversível uma sociedade conquistada pelo povo, que é conduzida novamente por meio do diálogo ((BRANDÃO, 1981). Isso possibilita uma formação de indivíduos que se consideram sujeitos e atuantes o suficiente para conseguir colocar em prática de forma conjunta e mútua, sem praticar a diminuição do conhecimento existente na individualidade e o no coletivo, possibilitando construções políticas mais bem estruturadas. Para isso, o ato de reconhecer que estamos em constante processo de aprendizagem uns com os outros é essencial (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). Pela conceitualização das cinco características centrais da Extensão na atualidade, fica claro a sua relação com os princípios da dimensão ontológica de Freire (2017), diálogo, amor, humildade, empatia e esperança (LISBOA, 2022). O diálogo está exposto de maneira explícita na interação dialógica, ao mesmo tempo que é transversal; a humildade fica evidente quando reconhecemos a capacidade de compartilhar os conhecimentos por meio de uma troca, uma via de mão dupla; a empatia ao reconhecer as desigualdades e abraçar questões coletivas; amor baseado em laços coletivos; esperança de construir uma nova ordem social justa, como um direcionamento a se seguir (LISBOA, 2022). A extensão abre caminhos para o desenvolvimento de novos saberes por meio da cooperação de pessoas diferentes, que ao realizarem a interação dialógica proporcionam a oportunidade de aprofundamento em determinado assunto (LIMA, AZEVEDO & AMORIM, 2015). A partir do momento em que o ato de ser dialógico se estabelece no empenho para construir uma constante transformação da realidade sem o uso da invasão e manipulação, torna-se possível estabelecer relações de maneira horizontalizada, dando espaço para poder exercer a expressão de ideias com muito respeito e estabelecer uma análise crítica sobre o assunto que se é discutido (LIMA, AZEVEDO & AMORIM, 2015). Isto posto, a diretriz de interação dialógica da curricularização da Extensão que aborda o assunto aponta: De acordo com a Política Nacional de Extensão Universitária (FORPROEX, 2012), a diretriz “interação dialógica” sugere uma relação entre universidade e outros setores da sociedade pautada no diálogo com compartilhamento de saberes, concordando com o posicionamento de Freire (2011) ao propor uma 43 abordagem dialógica para essa prática a partir do questionamento: “extensão ou comunicação?”. (p. 122, LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015) A profissão docente vai muito além do que é aprendido dentro do currículo do curso no processo de formação, já que demanda outros saberes (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). A participação em reflexões sobre o ato de ensinar e aprender, os tipos de abordagens pedagógicas que podem ser utilizadas, o estabelecimento de diálogo com indivíduos que não apresentam escolaridade formal, dentre outros, são fatores essenciais para a formação inicial. Isto posto, o exercício da interação dialógica na verdade deve ser pensado e colocado em prática não apenas dentro do aspecto da Extensão Universitária, mas também deve ser praticado em outros contextos dentro da formação. Como aponta: [...] como poderemos estabelecer uma interação dialógica com outros setores da sociedade quando não exercitamos, dentro da universidade, o diálogo com nossos pares? (LIMA, AZEVEDO & AMORIM, 2015, p. 117). O diálogo representa uma parte muito importante das interações profissionais dentro da profissão docente, já que este permite atuar de maneira a ensinar e permanecer em constante processo de aprendizagem por meio da interação com o outro, dentro e fora da sala de aula (LIMA, AZEVEDO & AMORIM, 2015). O interesse em absorver ou aprender determinado conhecimento é gerado por meio de alguma conexão do aprendiz com seu objeto de estudo. “O entusiasmo é gerado pelo esforço coletivo” (HOOKS, 2020, p. 18). Ao criar uma barreira entre os mundos e reforçar um único ponto de vista correto, além de diminuir e excluir muitas aprendizagens e conhecimentos, não se concretiza de uma maneira verdadeira, compreendida, logo não é carregada para frente. Desta forma, o processo de formação docente não teria como base apenas os conhecimentos adquiridos em sala de aula e da Universidade, mas sim o uso do conhecimento adquirido em confronto com a realidade existente no ambiente escolar (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). A pesquisa deve ser um ato de criativo e não um ato de consumo. A descoberta coletiva da vida através da fala; do mundo através da palavra não deve servir apenas para que os educadores obtenham um primeiro conjunto de material de alfabetização: palavras, frases, dados, desenhos, fotos. Deve servir também para criar um momento comum de descoberta (FREIRE, ?, p. 28, itálico do autor). 44 Segundo o próprio Paulo Freire, a palavra ‘comum’ representa a participação conjunta dos dois lados no ato de alfabetizar, por meio de agentes de educação e as gentes da comunidade (BRANDÃO, 1981, itálico do autor). A partir do envolvimento com as ações extensionistas, tanto na participação quanto no seu desenvolvimento, é possível estabelecer um diálogo com outros setores da comunidade, permitindo dessa maneira a produção do conhecimento pluriversitário (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). A importância desse contato consiste na vivência de determinado contexto mais próximo da realidade e de suas nuances, que será enfrentado no dia-a-dia: Essa ação acadêmica contemplaria a recomendação de Tardif (2002) ao sugerir que os professores, desde sua formação inicial, precisam entrar em contato com situações concretas que demandam posicionamentos, ou improvisações, dificilmente desenvolvidas unicamente no ambiente da universidade (p. 119, LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). Desta forma, a prática extensionista pode construir uma trajetória que permite uma educação, assim como defende Paulo Freire (2006, 2011) em pedagogia da autonomia e do oprimido, que consiste em um ato dialógico que dá valor ao conhecimento do outro indivíduo sobre determinado assunto, tornando- sujeito do conhecimento, permitindo assim que as informações possam ser apropriadas e transformadas em conhecimento (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). A prática da extensão universitária, ao ser aplicada por meio desta linha, permite e se afoga no compartilhamento dos mundos, vivências e conhecimentos, e proporciona uma formação formativa, completa e crítica, com sentido real e aplicável, dentro e fora do contexto universitário. Uma extensão dialógica bem trabalhada viabiliza a eliminação da ideia de invasão cultural presente no ramo acadêmico, em que os sujeitos ativos são visualizados como portadores de um conhecimento a ser repassado para frente com uma ideia de preenchimento de um vazio presente no outro, já que o contato permeado por convite com outros setores da sociedade, execução de um trabalho coletivo tanto em relação às pessoas envolvidas quanto na realização de tarefas usufruindo de diferentes perspectivas e saberes, podem mudar o rumo da concepção 45 do conhecimento acadêmico como superior para dar espaço para uma construção crítica e compartilhada (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). 2.3.1.2. Indissociabilidade-ensino/pesquisa/extensão De acordo com o artigo 207 da Constituição de 1988, a extensão universitária é uma ação indissociável ao ensino e à pesquisa (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). Ao estabelecer e consolidar o caráter acadêmico da extensão como instrumento de democratização do conhecimento produzido e como meio de cumprir a função social da universidade, proporciona a obtenção e troca de outros conhecimentos que complementam a formação. Isto posto, a ação dessa prática proporciona uma aproximação do diálogo com outros setores da sociedade, tornando possível a construção e troca de conhecimentos de maneira colaborativa (LIMA, L.; AZEVEDO, M.; AMORIM, M., 2015). A atuação dessa indissociabilidade pode ser visualizada por exemplo no reflexo que essas trocas trabalhadas na extensão em problemas relacionados à pesquisa, influenciando diretamente na construção de novos conhecimentos, e aos projetos de ensino, presentes dentro e fora do ambiente acadêmico (LISBOA, 2022), o que evidencia a sua importância para uma formação mais completa e formativa. O ensino possui a sua devida importância em relação às temáticas que são construídas na sala de aula, assim como a pesquisa possui o seu papel no ramo científico e na construção de embasamento teórico e prático dentro da Universidade e a extensão é essencial para poder estabelecer uma formação de qualidade e uma relação consolidada com os setores de comunidade e construção de novos conhecimentos. Entretanto, ao ser aplicada, a ação extensionista não deve se apresentar como um apêndice na formação universitária, já que é essencial que haja a sua atuação com o ensino e a pesquisa dentro do currículo, proporcionando dessa maneira a possibilidade de substituir uma educação fragmentada para dar espaço para inserir uma educação integral (GADOTTI, 2017). A diretriz de indissociabilidade insere o estudante como protagonista de sua formação técnica, composta pela obtenção das competências essenciais para a sua formação profissional, e sua formação cidadã, 46 que compõem a perspectiva de seu desenvolvimento como cidadão que luta por seus direitos e deveres e atua na transformação social (MACIEL, 2010). Dessa forma, a indissociabilidade entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão, compõe a base sobre a qual se redimensiona a ação extensionista, na busca de superar a antiga visão de transmissão de conhecimento, e de superar um papel de assistencialismo na sua ação. Ao deixar isolado esse conhecimento e não estabelecer sua devida importância juntamente com o ensino e a pesquisa dentro de universidade, estamos desconsiderando um fragmento muito importante na formação universitária, que por meio da interação dialógica e todos os outros impactos da ação extensionista, possibilitam a abertura de perspectivas sobre a vida, a formação acadêmica, e contribuição para a sociedade, que não pode ser realizada de maneira isolada a troca de saberes exercida por meio do ensino e da pesquisa. Como aponta Gadotti: Para o FORPROEX, a relação entre ensino e extensão “supõe transformações no processo pedagógico” da universidade. A produção do conhecimento “deve ser capaz de contribuir com a melhoria das condições da vida da população. Nesse sentido, é de fundamental importância “a avaliação da sociedade sobre o papel da universidade, bem como o impacto da ação extensionista na transformação da própria universidade, que pode ser percebido pelo estabelecimento de novas linhas de pesquisa, criação de estágios e novos cursos (FORPROEX, 2001)” (GADOTTI, 2017). Logo, desconsiderar qualquer um desses fragmentos é desestruturar a formação acadêmica de seus três pilares de formação, causando o desequilíbrio e uma lacuna quando se refere ao ramo educacional e toda troca de saberes que é partilhada ao longo do caminho. A união desses três pilares constitui uma estrutura estabilizada, completa, individual e coletiva, usufruindo e aplicando todas as trocas estabelecidas cada uma em seu momento, lugar e espaço, isoladamente ou conjuntamente para o desenvolvimento de uma formação universitária que luta contra uma formação homogênea e busca por meio da valorização das diferentes vivências a execução de um trabalho coletivo, formativo, emancipatório e completo aproveitando os setores que embasam toda essa estrutura formativa. 2.3.1.3. Interdisciplinaridade e interprofissionalidade 47 As diferenças histórico-culturais, vivências e individualidades devem ser consideradas durante o processo de ensino. Ao invés de apenas obter conhecimentos, a aprendizagem deve fazer sentido na vida dos discentes, gerando significado para as suas próprias experiências (FARIA, P. M. de F., VENÂNCIO, A. C. L, CAMARGO, D. de., 2021). Como a vida é plural e interdisciplinar, é crucial que a prática da ação extensionista abranja essa realidade trabalhando de modo a exercer suas ações de modo a colocar em prática a interdisciplinaridade, a fim de proporcionar uma formação mais completa. Edgar Morin, importante epistemólogo da atualidade, traz grandes contribuições relacionadas à temática da interdisciplinaridade, abordando que existe a necessidade de busca por (re)ligar saberes das áreas de conhecimento, ao invés de dividi-los em lacunas e fragmentos (MORIN, 2003). A fragmentação do saber sem estabelecer uma conexão é capaz de gerar uma limitação, esta que pode dificultar o processo de ensino e aprendizagem de todos os indivíduos envolvidos (SALLES; MATOS, 2017). O ensino precisa considerar que as coisas não são apenas coisas, mas que constituem uma unidade, que compõe partes diversas (MORIN, 2012). À medida que as matéiras são distinguidas e ganham autonomia, é preciso aprender a conhecer, ou seja, a separar e unir, analisar e sintetizar, ao mesmo tempo. Daí em diante, seria possível aprender a considerar as coisas e suas causas (MORIN, 2012, p. 76, itálico do autor). Na atualidade há o reconhecimento de que o conhecimento das partes é dependente do conhecimento do todo, assim como o inverso. Dessa forma, em diversas frentes do conhecimento surge uma concepção sistêmica em que o todo não pode ser diminuído às partes (MORIN, 2012). Isto posto, torna-se crucial o estabelecimento de um pensamento que analisa os fenômenos multidimensionais de maneira ampla, sem exercer a mutilação de suas dimensões. (MORIN, 2012). Existe uma dicotomia entre a concepção das tecnologias de intervenção social que flutuam entre uma visão abrangente e complexa do todo, que se condenam a serem generalistas, e uma visão específica e especializada, caracterizadas por parcelar o todo (BRASILEIRAS, 2012). Dessa maneira, é imprescindível substituir o pensamento que isola e separa por um que se diferencia e unifica, que ao invés de 48 dividir e reduzir engloba a complexidade no seu sentido original, ou seja, aquilo que é tecido junto (MORIN, 2012). Há uma dificuldade na educação do futuro em enfrentar o dilema entre a inadequação presente na divisão dos saberes em compartimentos e o enfrentamento de realidades e problemas que se mostram cada vez mais amplos, multi-disciplinares, multidimensionais, transversais e globais (MORIN, 2013). De acordo com Morin, determinados fatores acabam sendo invisibilizados nesse processo, e para que o conhecimento seja significativo, a educação deve evidenciá-los, sendo eles: o contexto, o global, o multidimensional e o complexo (MORIN, 2013). Em relação ao contexto, é necessário que as informações e dados tenham sentido, e para isso é fundamental que exista a palavra em união com o texto, e este estar associado ao contexto que se enuncia (MORIN, 2013). Já sobre o global, podemos considerar que o globo terrestre formado por um contexto complexo, repleto de organizadores e desorganizadores, onde os seres vivos e os seres humanos são constituídos pelo todo no interior das partes, como por exemplo as células que em sua totalidade trazem o patrimônio genético do organismo policelular, assim como o todo se apresenta em cada indivíduo, nas suas obrigações e normas, saberes e linguagem (MORIN, 2013). Sobre o aspecto multidimencional, nota-se que a sociedade e o ser humano são compostos por unidades complexas multidimensionais (MORIN, 2013). O ser humano é biológico, social, afetivo, psíquico e racional; e a sociedade abarca diversas dimensões, como as relacionadas com a economia, história, sociologia, religião. Logo, o conhecimento deve considerar a multidimensionalidade sem separar uma parte do todo e nem fragmentar as partes entre si (MORIN, 2013). Por fim, o complexo, já que a complexidade é formada por meio da junção entre a unidade e a multiplicidade (MORIN, 2013). Neste contexto, é essencial c