Alfa, São Paulo, v.35, p. 55-64,1991. RITMO E MOTIVAÇÃO SONORA EM PROVÉRBIOS E FRASES FEITAS Rogério CHOCIAY* RESUMO: Este artigo focaliza provérbios e frases feitas em Língua Portuguesa, procurando demonstrar o caráter não apenas expressivo, mas também estruturador, que o ritmo e a motiva­ ção sonora exercem nessas formas simples de discurso. UNITERMOS: Provérbio; ditado; frases feita; ritmo; motivação sonora; Língua Portuguesa; Métrica; Rítmica; versificação; verso. Um dos aspectos que mais chamam a atenção de quem estuda provérbios e frases feitas em Língua Portuguesa é o do alto grau de elaboração a que chegam muitas dessas simples formas de discurso, particularmente no que diz respeito ao ritmo e ao arranjo das sonoridades. Um provérbio como o abaixo exemplificado (Mota, 9, p. 211) apresenta uma organização rítmico-melódica em dois movimentos silábico- acentuais simétricos, * * * * * * * * Quem foi mordido de cobra, tem medo até de minhoca 1 2 3 4 5 6 7 8 1 2 3 4 5 6 7 8 cada qual com oito sílabas e idêntica disposição de intensidade na 1ª, 2ª, 4ª e 7ª sí­ labas (a intensidade da primeira sílaba é atenuada, na emissão, em virtude do predo­ mínio da segunda). A simetria dessa organização é reforçada pela coincidência, no final de cada movimento, das vogais tônica e postónica: cObra/ minhOcA. Seria essa correspondência meramente acidental? Se estivéssemos estudando versos, diríamos que o provérbio acima é constituído por dois redondilhos maiores de esquema acentuai 2-4-7, com rima emparelhada, toante (porque se repetem apenas as vogais tônica e postónica dos segmentos termi­ nais de cada verso.) Esta semelhança estrutural entre provérbios e poesia não é novi- * Bolsista do CNPq (Proc. 301768/88-9) - Departamento de Letras Vernáculas - Instituto de Biociências, Le­ tras e Ciências Exatas - UNESP -15055 - São José do Rio Preto - SP. 56 dade para os estudiosos: Leonardo Mota (9, p.401) afirma que o processo rímico é uma das características formais relevantes dessas formas de expressão. Cascudo (4, p. 13-4) diz que os adágios apresentam "forma rítmica e, em sua maioria, com sete sílabas, mantendo a tradição da redondilha maior". João Ribeiro (apud Mota, 9, p. 54) observa que muitas frases feitas e ditados "tem sete pés métr icos" . Tais características não são, evidentemente, privativas dos provérbios em Língua Portuguesa. Joles (5, p.140) observa que, além de esquemas retóricos comuns, os provérbios alemães realizam também "esquemas silábicos e r í tmicos" comuns, além de evidenciarem como elementos estruturadores a rima e a aliteração. De fato, uma leitura mesmo superficial de qualquer adagiado em Língua Portu­ guesa revela que a grande variedade de soluções formais é um dado ilusório. Por baixo do aparente caos das seqüências proverbiais de maior ou menor número de sí­ labas, fluem e refluem padrões silábicos e acentuais perfeitamente identificáveis (pa­ ra não falar nos padrões sintáticos e retóricos que um estudo mais abrangente detec­ taria com grande facilidade). São freqüentes, por exemplo, em nosso idioma, os pro­ vérbios obedientes ao padrão que identificamos acima: duas seqüências de oito síla­ bas com acento constante na sétima e variável nas interiores, encerradas por rimas toantes (entre vogais), soantes (entre vogais e entre consoantes simultaneamente) ou mesmo sem rima, como se pode verificar nos três exemplares seguintes, colhidos com facilidade em diferentes adagiários: Quem tem alforges e asno, quando quer vai ao mercado. (Lamenza, 6, p. 234) Quem nunca se aventurou, nunca perdeu nem ganhou. (Braga, 3, p. 249) Mulher e pau de porteira em toda a parte se encontra. (Peixoto, 11, p. 61) Essa identidade de padrões silábicos e acentuais não se limita aos redondilhos, mas percorre praticamente toda a extensão dos metros da poesia. Isso nos permite lançar mão do aparato terminológico e conceptual da Métrica e da Rítmica para ten­ tar identificar níveis de organização e hierarquização de padrões dos provérbios, à semelhança dos níveis de organização formal detectáveis na poesia. Nesta linha me­ todológica, podemos começar a estabelecer uma verdadeira "métr ica" proverbial, que começa com seqüências simples, correspondentes a versos, e chega a seqüências mais complexas, análogas a estrofes. Correspondentes a versos são os provérbios que podemos denominar "unimem- bres", ou seja, os que se realizam numa só seqüência silábico-acentual. Descrevemo- los e designamo-los com base no padrão agudo de contagem, usual nos estudos de versificação portuguesa: a) trissílabo: "Di to e feito". (Mota, 9, p. 108) b) tetrassílabo: "Do mal o menos". (Mota, 9, p. 109) Alfa, São Paulo, v. 35, p. 55-64,1991. 57 c) pentassílabo: "L íngua não tem osso". (Peixoto, 11 , p. 59) d) hexassílabo: " U m gambá cheira outro". (Mota, 9, p. 248) e) heptassílabo: "Cada qual no seu lugar". (Peixoto, 11, p . 59) f) ocossílabo: "Sombra de pau não mata cobra". (Araujo, 2, p. 46) g) eneassílabo: "Rio torto se passa dez vezes". (Mota, 9, p. 230) h) decassílabo: "Saco vazio não se põe em Pé . (Mota, 9, p. 232) i) decassílabo: "Tromba de porco não mata mosquito" (Mota, 9, p. 245) j ) decassílabo: "Urubu pelado não voa em bando". (Mota, 9, p. 249) 1) hendecassílabo: "J ibóia não corre mas pega veado". (Araujo, 2, p. 69) m) dodecassílabo: "Vaqueiro novo faz o gado desconfiado". (Mota, 9, p. 251). Note-se que todos os exemplos acima, colocados em ambiente poemático (poema metrificado) se enquadrariam sem qualquer problema. Neste sentido, vale reparar a variedade métrica dos provérbios decassílabos: o exemplo h é um perfeito "sá f ico" , de esquema 1-4-8-10; o exemplo i apresenta esquema 1-4-7-10 e j o esquema 3-5-8-10, ambos típicos da poesia trovadoresca. O exemplar / realiza o esquema do verso hendecassílabo de arte maior, 2-5-8-11, muito apreciado pelos românticos bra­ sileiros. Já o último provérbio realiza-se como um perfeito alexandrino clássico (dois hemistiquios hexassúabos) . Muito mais numerosos são os exemplos de provérbios "bimembres", em que am­ bas as seqüências, marcadas ou não por rima, apresentam idêntico número de sílabas e, às vezes, a mesma distribuição acentuai. No rol abaixo, para salientar a identidade estrutural entre os dois membros, escrevemo-los na disposição de versos: a) dissflabos: Mão branca, mão manca. (Peixoto, 11, p. 60) b) trissílabos: Muita parra, pouca uva. (Lima, 7, p. 285) c) tetrassílabos: Da mão à boca se perde a sopa. (Lamenza, 6, p. 74) d) pentassflabos: De casa de gato não sai farto o rato. (Lamenza, 6, p. 76) e) hexassílabos: A o galgo mais lebreiro foge a lebre em janeiro. (Araujo, 2, p. 55) f) heptassílabos: Não há cego que se veja, nem torto que se conheça. (Lamenza, 6, p. 143) g) octossílabos: Quem faz filho em mulher alheia, perde o filho e perde o feitio (Nascentes, 10, p. 130) h) eneassflabos: Mulher não casa com carrapato, porque não sabe qual é o macho. (Peixoto, 11, p. 61) i) decassílabo: Se queres que o teu filho engorde e cresça, lava-lhe o corpo e rapa-lhe a cabeça. (Lamenza, 6, p. 247) Alfa, São Paulo, v. 3J, p. 55-64,1991. 58 Essa semelhança com os padrões de versificação, aliada ao fato de que muitos provérbios são mais antigos no idioma que as formas poemáticas mais elementares, demonstra que formas proverbiais e formas poemáticas bebem na mesma fonte e tal­ vez até se tenham influenciado mutuamente ao longo do tempo. É notável, neste sen­ tido, a existência de provérbios com a combinatória de seqüências silábicas e acen­ tuais que lembram a montagem do antigo verso de arte maior, constituído segundo a fórmula 5 + 5 , cujo primeiro hemistiquio podia ser indiferentemente agudo, grave ou esdrúxulo. Observe-se, a propósito, no exemplar abaixo, que o hemistiquio "Amor de mulher" é agudo, enquanto "Afagos são sempre" é grave: Amor de mulher e festa de cão Afagos são sempre pra bolsa ou pra mão. (Lamenza, 6, p. 35) Embora a estruturação bimembre pareça predominante, os provérbios costumam apresentar-se também com três ou mais membros simétricos de diferentes padrões si­ lábicos, constituindo verdadeiros tercetos e quadras: a) terceto A B A em verso tetrassílabo: Chamo-me Aleixo; no mundo acho, no mundo deixo. (Lamenza, 6, p. 54) b) terceto A B A em verso pentassílabo: Em tempo de guerra, mentira por mar, mentira por terra. (Lamenza, 6, p. 97) c) quadra A B A B em versos pentassílabos: Carrasco em matar; alcaide em prender; ladrão em furtar; ganham de comer. (Lamenza, 6, p. 62) d) quadra A A B B em versos tetras sílabos: Peru calado ganha um cruzado; peru falando sai apanhando. (Peixoto, 11, p. 64) e) quadra A A B B em versos heptassílabos: Se a lua for nova ou cheia, preamar as três e meia; se for crescente ou minguante, de nove e meia em diante. (Peixoto, 11, p. 72) Os provérbios não se realizam, todavia, apenas pela combinação de membros si­ métricos. Semelhantemente ao que ocorre na poesia, há provérbios constituídos de um verso "inteiro" com seu "quebrado". A tradição versificatória considera "que­ brados" estruturais do redondilho maior o trissílabo e o tetrassílabo, combinatório que encontramos em: Alfa, São Paulo, v. 35, p. 55-64,1991. 59 a) 7/4: Quem tem burro e anda a pé mais burro é. b) 7/3: Para onde vai o cachorro, vão as pulgas. (Lima, 7, p. 287) (Mota, 9, p. 186) Não é difícil encontrar exemplares que 8/4, ou seja, octossílabo e tetrassílabo: Casa varrida e mesa posta Igualmente se encontram os arranjos 10/6 (decassílabo e tetrassílabo) e 12/6 (dode- cassflabo e hexassílabo), como se pode observar, respectivamente: Chora à boca fechada, Essa homeometria permite realizações mais complexas, verdadeiras estrofes como a seguinte combinação de tretrassílabos e hexassílabos: Com arte e engano vivo metade do ano; e com engano a arte a outra metade. (Lamenza, 6, p. 66) Saindo do domínio da homeometria (correspondência estrutural entre inteiro e quebrado) para o da heterometria (arranjo livre entre versos de diferente extensão), encontramos igualmente nos provérbios rico material para estudo. No caso da poesia, somente em fins do Simbolismo e a partir do Modernismo ocorreu a conquista do verso livre, que assim ganhou foros de cidadania na Poética. Já no âmbito dos pro­ vérbios, a heterometria é tão antiga quanto a isometria e a homeometria. A explora­ ção do efeito da desigualdade de uma sílaba entre os dois membros dos provérbios é processo dos mais comuns: 2/3 : Boi morto, hóspede espera. (Lamenza, 6, p. 62) e não dês conta a quem te não dá nada. De boas intenções o inferno está calçado e o céu de boas obras. (Lamenza, 6, p. 65) (Mota, 9, p. 99) vaca é. (Peixoto, 11 , p. 54) 3/4 : De madrasta o nome abasta. 5/4 : Enquanto eu correr (Peixoto, 11, p. 56) meu pai tem filho. 6/5 : Em casa de ferreiro, (Peixoto, 11, p. 57) espeto de pau. 7/6 : Doze galinhas e um galo (Lamenza, 6, p. 89) comem como um cavalo. (Lamenza, 6, p. 89) Alfa, São Paulo, v. 35, p. 55-64, 1991. 60 8/7 : Em caso de necessidade, casa a freira com o frade. 8/10: Quem te mandou, urubu pelado, meter-se no meio dos coroados. (Lamenza, 6, p. 94) (Peixoto, 11, p. 68) Diz Cavalcanti Proença (12, p. 71) que essa diferença de uma sílaba, responsável por um efeito típico no plano rítmico, é característica das adivinhas populares, o que reforça a impressão de que, também no plano dos provérbios, não se trate de fato aleatório. Dependendo do contorno melódico de cada membro do provérbio, a falta de uma sílaba pode passar despercebida ao ouvido, ou mesmo ser completamente compensada por outros fatores. Aumentada a diferença de numero de sílabas entre as seqüências que constituem os provérbios, produz-se a autêntica heterometria, com muitíssimos casos bastante semelhantes a seqüência de versos livres da poesia, como se pode observar no rol de exemplos abaixo: Chuva de levante, não deixa coisa constante. Coices d'égua não fazem mal ao potro. Em janeiro, um porco ao sol, outro ao fumeiro. Pão de hoje, carne de ontem e vinho de outro verão fazem o homem são. Para comer, se convida uma vez; para trabalhar, se espera até chegar. Casa de terra, cavalo de erva, amigo de palavra, tudo é nada. Quem tem abelhas, ovelhas e moinhos entrará com el-rei em desafio. Porca com três meses, três semanas, três dias e três horas, bacorinho fora. (Lamenza, 6, p. 65) (Lamenza, 6, p. 66) (Lamenza, 6, p . 96) (Mota, 9, p. 185) (Mota, 9, p. 186) (Lamenza, 6, p. 62) (Araujo, 2, p. 10) (Araujo, 2, p. 10) Alfa, São Paulo, v. 35, p. 55-64,1991. 61 Deixando de lado o aspecto métrico e rítmico dos provérbios, cujas possibilidades de estudo esperamos ter demonstrado, podemos focalizar agora o trabalho de elabo­ ração que tais formas sofrem no plano das sonoridades. Além da rima, que ajuda a sustentar a seqüência rítmica dos provérbios, estes freqüentemente apresentam ar­ ranjos peculiares de vogais e consoantes, não apenas com efeito meramente "or­ questral", mas também de motivação sonora ou, como dizem os manuais antigos, "harmonia imitativa". Tal arranjo de sonoridade se observa também em outras for­ mas de elaboração popular, como por exemplo nas frases feitas e locuções do idioma. Sirvam de exemplo as chamadas "locuções adverbiais": além de evidenciarem orga­ nização e seleção no nível do ritmo (parecem ser muito freqüentes, senão predomi­ nantes, locuções adverbiais que realizam o esquema rítmico l_ L , variante para _]_ L ou para L , como por exemplo de vez em quando, de vez em vez, de quando em quando, de quando em vez, com mais tardar, de atravessado, de boa fé, de mãos beijadas, de ponto a ponto, horas e horas, num repelão, em derredor), revelam freqüentemente arranjos expressivos no nível das so­ noridades. São notáveis, neste sentido, exemplares que apresentam aliterações, coli- terações, assonâncias, rima toante ou soante: a par e passo, sem mais nem menos, às mil maravilhas, com a mão na massa, com fé formada, ao pé da porta, de cabo a rabo, de capa e espada, de caso raso, de ceca em meca (Silva, 13). Tais processos atingem grande reqüência também nos outros domínios da fraseologia portuguesa: macacos me mordam, bater as botas, apanhar com a boca na botija, não ter mas nem meio mas, lamber os beiços, custe o que custar, dedo de Deus, armado até os dentes, malhar em ferro frio, lançar luzes, etc. (Nascentes, 10). A este respeito, Said A l i ( 1 , p. 24-6) comenta o emprego da rima em frases feitas e demonstra que muitas vezes é a rima por si mesma, e não propriamente o sentido ou a função, que lhes serve de elemento gerador e estruturador. " N ã o ter eira nem beira", segundo o estudioso, foi em certo tempo ampliada para " N ã o ter eira nem beira nem ramo de fi­ gueira", por pura imposição de ritmo e rima, sem respaldo no plano do conteúdo. Na própria constituição original de algumas frases vê Said A l i o predomínio do formal sobre o funcional, como podemos perceber ao Tentarmos justificar, pelo sentido, fra­ ses do tipo: correr seca e meca (que é secai), misturar alhos com bugalhos (?), an­ dar a trancos e barrancos (?), etc. Não é de espantar, portanto, que, largamente empregados como processos expres­ sivos e estruturadores nos mais variados domínios da fraseologia popular, aliteração, coliteração, assonância e rima surjam nos provérbios com regular freqüência e eleva­ do grau de elaboração. Num exemplar como A agulha puxa a linha, a linha puxa a agulha (Lamenza, 6, p. 7) já se percebe o requinte do acúmulo de procedimentos como a reiteração de vocábu­ los (cuja conseqüência são efeitos de aliteração e rima) e a reordenação em quiasmo, procedimento trivial na oratória e na poesia. Noutro provérbio muito conhecido, Alfa, São Paulo, v. 35, p. 55-64, 1991. 62 Briga o mar com as pedras, e quem paga são os mariscos. apesar da heterometria e da ausência de rima, o predomínio de consoantes oclusivas e a linha coliterativa b-m-p sustentam ritmicamente a seqüência, ao mesmo tempo em que criam efeito imitativo. Noutro exemplar bastante conhecido — Cesteiro que faz um cesto, faz um cento — a insistência em consoantes fricativas s-z-f cria um reforço paralelo à insistência no processo descrito pelo provérbio. O arranjo das sonoridades pode em alguns casos atingir requintes inesperados. Em A afeição do falso é fio de navalha. (Lamenza, 6, p. 7) a linha aliterativa de / e s, fechada por uma coliteração f-v, ultrapassa os limites da mera harmonia imitativa, para atingir a sinestesia (os sons fricativos f-s-v criam su­ gestões no plano táctil) e a cenestesia (expressão de sensações interiores; no caso do exemplar em pauta, por via da imagem do fio da navalha). E, todavia, num provérbio dos mais conhecidos, Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. (Lamenza, 6, p. 32) que se observa uma concentração extrema de processos, a começar pela simetria dos membros, correspondentes a dois redondilhos maiores perfeitos, com ritmo trocaico. Além da rima soante (dura/fura), que fecha o conjunto, verifica-se um oportuno ar­ ranjo entre a distribuição de consoantes oclusivas, que predominam maciçamente ao longo dos dois alinhamentos, e a de constritivas que surgem no final: Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. g m p d d t t b t t k f r É evidente o efeito imitativo do ritmo exclusivamente trocaico de ambos os segmen­ tos do provérbio (A insistência com que cai a água), e surpreendente a sugestão no plano da sonoridade: as oclusivas predominam do início ao fim, fazendo paralelo à idéia de "bater" do plano semântico; havendo mudança neste, muda o arranjo das sonoridades, surgindo duas consoantes fricativas, capazes de veicular a sugestão pertinente. Com isto, o plano semântico e o plano rítmico-sonoro somam seus resul­ tados para criar o alto poder sugestivo do provérbio. * * Alfa, São Paulo, v. 35, p. 55-64, 1991. 63 Os comentários feitos e os exemplos analisados até este momento deixam óbvia a relação existente entre os processos que levam à elaboração de verso e à de provér­ bios e frases feitas. Júlio Moreira (8, p. 321-2), em estudo sobre as denominações de provérbios, lembra a grande variedade de sinônimos: provérbios, anexim, rifão, re­ frão, adágio, ditado, palavra, exemplo e verbo. A o longo do tempo, tais formas simples têm sido designadas com estes e talvez outros termos. O mais interessante, porém, é que a própria palavra verso, segundo o estudioso, chegou a ser empregada como sinônimo de provérbio, o que se patenteia em Gi l Vicente, que escreve: Diz um verso acostumado: "Quem quer fogo, busque a lenha". Estaria na raiz deste emprego antigo a consciência da estreita relação entre as duas formas de expressão? Bem mais perto de nós , Amadeu Amaral, poeta neoparnasiano e estudioso de fol­ clore, afirmou (apud Mota, 9, p.54) que "o provérbio, quando não é puro verso, é parente próximo deste, pelo ritmo e pela rima". E André Joles (5, p. 141), vincando o parentesco, enfatiza uma diferença: " . . . o esquema rítmico não tem a mesma função nas formas artísticas e no provérbio; nas primeiras, é o elo que faz progredir a cria­ ção verbal, enquanto que no provérbio é o elo que encerra a Forma". Nada mais conciso para esclarecer que os provérbios são formas simples, dotadas de unidade semântica e rítmica, em que a concentração de processos formais e expressivos é es­ sencial. Não é preciso dizer mais para demonstrar que existe toda uma Poética subjacente aos adagiários em Língua Portuguesa, e que é tarefa das mais promissoras tentar des- crevé-las em seus múltiplos compartimentos. Parece ser esta, de fato, uma boa alter­ nativa para a recuperação dos estudos sobre a matéria, que têm sido realizados cos­ tumeiramente com a mera intenção de recolher o arrolar, ou comparar com similares de outros idiomas. CHOCIAY, R. Rhythm and sonorous motivation in proverbs and stock phrases. Alfa, Sâo Paulo, v. 35, 55-64,1991. ABSTRACT: This paper focuses on proverbs and stock phrases in Portuguese, trying to show not only the expressive but also the structuring role which both rhythm and sonorous motivation play in these simple forms of discourse. KEYWORDS: Proverb stock phrase; rhythm; sonorous motivation; Portuguese language; Metrics; Rhythmics; versification; verse. Alfa, São Paulo, v. 35, p. 55-64,1991. 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. A L I , M . S. Rimas em frases feitas. In: Meios de expressão e alterações semânticas. 2. ed. Rio de Janeiro: Simões, 1951. 2. ARAUJO, C. Os bichos nos provérbios. Rio de Janeiro: Ronega, 1950. 3. BRAGA, T. "Adagiário português". 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