Estudos estruturais e funcionais das hemoglobinas de Phrynops geoffroanus (Schweigger, 1812) Ana Lúcia Ferrarezi Orientador: Prof. Dr. Gustavo Orlando Bonilla Rodriguez Co-orientadora: Profª. Drª. Claudia Regina Bonini Domingos Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de mestre em Biologia Animal. 2006 COMISSÃO JULGADORA DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE Data da Defesa Pública: 23/02/2006 MEMBROS TITULARES: Prof. Dr. Gustavo Orlando Bonilla Rodriguez (orientador) Profª. Drª. Maria Luisa Schwantes Prof. Dr. Carlos Roberto Ceron MEMBROS SUPLENTES: Prof. Dr. Fábio Renato Lombardi Prof. Dr. Luiz Antonio Florindo Ferrarezi, Ana Lúcia. Estudos estruturais e funcionais das hemoglobinas de Phrynops geoffroanus (Schweigger, 1812) / Ana Lúcia Ferrarezi – São José do Rio Preto : [s.n.], 2006 140 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Gustavo Orlando Bonilla Rodriguez Co-orientador: Claudia Regina Bonini-Domingos Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas 1. Hemoglobina. 2. Tartaruga. 3. Polimerização. 4. Oxigenação - Hemoglobina. 5. Eletroforese. 6. Lactato desidrogenase. I. Bonilla Rodriguez, Gustavo Orlando. II. Bonini-Domingos, Claudia Regina. III. Universidade Estadual Paulista. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. IV. Título. CDU – 547.963.4 Dedico este trabalho: À minha família, meus pais Aparecida M. Mastroldi Ferrarezi e Paulo César Ferrarezi, e minhas irmãs Aline Ferrarezi e Andressa Mastroldi Ferrarezi, por sempre incentivarem os meus estudos. Por todo carinho, compreensão e apoio financeiro que recebi. Agradeço por acreditarem em mim. Ao Elison Cortese Duarte, meu grande amor, pela compreensão, amor, carinho e amizade. Especialmente pelo apoio nos momentos de desânimos e incertezas. Agradeço: À orientação do Profº Dr. Gustavo Orlando Bonilla Rodriguez, que me acolheu e me ensinou o caminho da pesquisa. Por me aconselhar no meu trabalho, pela paciência e pelos conhecimentos que me transmitiu. À Profª Drª Claudia Regina Bonini Domingos, pela valiosa co-orientação neste trabalho. Pelos conhecimentos, apoio e incentivo que me foram dedicados. À Profª Drª Eloiza Tajara, por ceder o seu laboratório, e pela ajuda e orientação de suas alunas Profª Drª Andréia Leopoldino e Msc. Alessandra Vidotto nas análises de eletroforese bidimensional, e pelas várias tentativas que nos fizeram perseverar. À Profª Drª Maria Luisa Schwantes e sua aluna Msc. Flavia Munin, pela orientação nas análises enzimáticas, e pela grande contribuição e carinho. Ao Profº Drº Márcio Colombo pelos conselhos e pelo auxilio na análise de alguns dados. Ao Prof° Dr° Luis Dino Vizotto pela orientação na escolha da espécie a ser trabalhada, dos locais de coleta, e por toda a sua colaboração, apoio e dedicação. Ao Profº Drº Carlos Roberto Ceron pela orientação no estágio de docência, pelas palavras de incentivo e confiança. Aos Professores Doutores Luiz Henrique Florindo e Fábio Renato Lombardi pela contribuição ao meu trabalho durante a argüição do Exame Geral de Qualificação. Ao Profº Drº Classius de Oliveira (coordenador do Programa de Pós- graduação em Biologia Animal) e a Profª Drª Denise Cerqueira Rossa Feres (ex- coordenadora do Programa de Pós-graduação em Biologia Animal) pelo incentivo e apoio aos alunos do programa. Aos meus pais, pelo apoio, carinho, compreensão e amor, principalmente nos momentos de dificuldade. Pelas alegrias e momentos felizes que vivemos juntos. Às minhas irmãs pelo carinho, amizade, pelas conversas, fofocas e brincadeiras. Ao meu amor, Elison, que com muita paciência, mesmo sem entender muito sobre o meu trabalho, me aconselhou e me apoiou, sempre levantando o meu astral e me dando muito amor e carinho. Às amigas Débora Noma Okamoto e Patrícia Peres Polizelli, pelas contribuições pertinentes ao meu trabalho, pela grande amizade e companheirismo. Pela grande força e ajuda na conclusão deste trabalho. E pelos almoços e lanches da tarde, recheados de conversas agradáveis, fofocas, incentivos e carinho. À amiga Adriana Granzotto, pela amizade, companheirismo, incentivo e apoio. Aos amigos e companheiros do laboratório de bioquímica que sempre contribuíram de alguma forma, com ensinamentos, brincadeiras, alegrias e amizade: Hamilton Cabral, Luciana Puia Moro, Rejane Yuriko Ouchi, Fernanda Dell Antonio Fachini. À técnica do Laboratório de bioquímica Eliane Ohira, pelo apoio e dedicação em nos ajudar. À Patrícia Caetano de Souza e Fábio Renato Lombardi, por todos conhecimentos que me ensinaram e por me transmitirem a paixão pelas hemoglobinas. À amiga Karina Kazue Okada Thomé (“in memorian”) pela amizade e pelo companheirismo na luta pelo trabalho pioneiro que iniciamos juntas desbravando o mundo das tartarugas. Ao amigo Carlos Eduardo Saranz Zago, que também participou do desbravamento do mundo das tartarugas. Pelas várias visitas que fizemos juntos ao Criadouro, pelas coletas que fizemos, e por todo o auxilio que me prestou neste trabalho. À amiga Luciana de Souza Ondei, pela grande amizade e paciência em me escutar, e pelas grandes contribuições ao meu trabalho, por me ensinar a fazer e analisar as eletroforeses. Pelo apoio incondicional nos bons e maus momentos do meu trabalho e da minha vida pessoal. Aos amigos do laboratório de hemoglobinas e genética das doenças hematológicas, pelo carinho, apoio, ensinamentos e amizade: Luciane Moreno Storti de Mello, Maria Viviane Queiroz, Paula Juliana A. Zamaro, Wanessa Cristina de Souza, Ana Rosa Salvador, Ana Carolina Bonini Domingos, Ana Luiza Bonini Domingos, Gislane Lelis Vilela de Oliveira, Thiago Yukio Kikuchi Oliveira, Carlos Fabian Mandiburu, Nelson Cazuo Tukamoto Junior. Às amigas Sabrina Santos Rochel e Maria Etelvina Pinto, pela amizade, carinho e companheirismo. A todos os companheiros do programa de pós-graduação em Biologia Animal, pelo companheirismo durante as disciplinas, os simpósios e os churrascos. À Capes pelo apoio financeiro. À Deus pela vida e pelo caminho que pude percorrer. “Nossas mentes possuem por natureza um insaciável desejo de saber a verdade.” (Cícero, 106- 43 a.C.) “No fim tudo dá certo, se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim.” (Fernando Sabino) ÍNDICE GERAL 1 INTRODUÇÃO 01 1.1 Aspectos Gerais 02 1.2 Ordem TESTUDINES 02 1.3 Phrynops geoffroanus 06 1.4 Hemoglobina 09 1.5 Modelos Alostéricos 14 1.6 Transporte de Dióxido de Carbono e Efeito Bohr 16 1.7 Ligação de Oxigênio 17 1.8 Efetores homotrópicos e heterotrópicos 19 1.9 Efeito dos íons cloretos (Cl-) 20 1.10 Efeito dos fosfatos orgânicos 20 1.11 Efeito da atividade da água 22 1.12 Efeito da temperatura 22 1.13 Cisteínas e o fenômeno de agregação 22 1.14 Metabolismo anaeróbico e o papel da L-lactato desidrogenase (LDH) 23 2 OBJETIVOS 27 2.1 Objetivos gerais 28 2.2 Objetivos específicos 28 3 MATERIAIS E MÉTODOS 30 3.1 Coleta das amostras de sangue 31 3.2 Padrão Eletroforético 31 3.2.1 Hemolisado 31 3.2.2 Eletroforese em pH alcalino em acetato de celulose 32 3.2.3 Eletroforese em pH neutro 33 3.2.4 Transparentização 33 3.2.5 Eletroforese de diferenciação em ágar – Fosfato, pH 6,2 33 3.2.6 Eletroforese por focalização isoelétrica 34 3.2.7 Eletroforese de globinas em pH alcalino 35 3.2.8 Eletroforese de globinas em pH ácido 35 3.2.9 HPCLC (Cromatografia líquida catiônica de alta eficiência) 36 3.3 Purificação das hemoglobinas para os estudos funcionais 36 3.4 Estudos Funcionais 37 3.4.1 Cálculo da concentração de Oxi-hemoglobina e meta- hemoglobina 37 3.4.2 Análise das propriedades de ligação do oxigênio em várias condições e variados pH (Efeito Bohr) 38 3.4.3 Efeito da temperatura na afinidade de ligação com o oxigênio 42 3.4.4 Titulação com ATP 43 3.5 Oxidação induzida por peróxido de hidrogênio 44 3.6 Análise das Cisteínas 44 3.6.1 Mobilidade eletroforética 45 3.6.2 Cromatografia de filtração em gel para análise de agregação 46 3.7 Eletroforese Bidimensional 47 3.8 Determinação de LDH (Lactato desidrogenase) 48 3.8.1 Preparação dos extratos para análise eletroforética e cinética 48 3.8.2 Eletroforese em gel de amido 49 3.8.2.1 Coloração histoquímica 49 3.8.3 Ensaios enzimáticos 50 4 RESULTADOS 51 4.1 Padrão eletroforético 52 4.1.1 Perfil das hemoglobinas em eletroforese 52 4.1.2 Análises do perfil de hemoglobinas por cromatografia líquida catiônica de alta eficiência (HPCLC) 56 4.2 Purificação 57 4.3 Estudos funcionais 57 4.3.1 Efeito Bohr 57 4.3.2 Efeito da Temperatura 60 4.3.3 Titulação com ATP 64 4.4 Oxidação induzida por peróxido de hidrogênio 65 4.5 Análise das cisteínas 67 4.5.1 Cromatografia de filtração em gel para análise de agregação 68 4.5.2 Mobilidade eletroforética 70 4.6 Eletroforese Bidimensional 71 4.7 Determinação da Lactato desidrogenase (LDH) 74 4.7.1 Ensaio enzimático 74 4.7.2 Eletroforese em amido 76 5 DISCUSSÃO 78 5.1 Padrão eletroforético 79 5.1.1 Perfil das hemoglobinas em eletroforese 79 5.1.2 Análises por cromatografia líquida catiônica de alta eficiência (HPCLC) 80 5.2 Estudos funcionais 80 5.2.1 Efeito Bohr 80 5.2.2 Efeito da Temperatura 83 5.2.3 Titulação com ATP 86 5.3 Oxidação induzida por peróxido de hidrogênio 88 5.4 Análise das cisteínas 88 5.4.1 Cromatografia de filtração em gel para análise de agregação 88 5.4.2 Mobilidade eletroforética 90 5.5 Eletroforese bidimensional 90 5.6 Determinação da Lactato desidrogenase (LDH) 91 6 CONCLUSÃO 93 6.1 Conclusões específicas 94 6.2 Conclusões gerais 95 7 REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS 96 8 ANEXOS 104 1 Protocolo de géis, tampões e corantes utilizados nas análises eletroforéticas. 105 2 Coeficiente de extinção determinados para a hemoglobina humana. 109 3 Pressão atmosférica corrigida. 111 4 Pressão de vapor. 115 5 Protocolo do gel utilizado na análise de mobilidade eletroforética. 117 6 Protocolo do gel e das soluções da eletroforese bidimensional. 119 ÍNDICE DAS FIGURAS FIGURA 01 – Esquema do plastrão e da carapaça do “cágado de barbicha”, com as ossificações dérmicas. 03 FIGURA 02 – Fotografias das Tartarugas de diferentes hábitats. 04 FIGURA 03 – Esquema do Pulmão das tartarugas. 05 FIGURA 04 – Esquema do coração, com dois átrios e um ventrículo parcialmente dividido. 06 FIGURA 05 – Fotografias do plastrão, da carapaça e da cabeça do Phrynops geoffroanus. 08 FIGURA 06 – Fotografias do Phrynops geoffroanus. 08 FIGURA 07 – Esquema representando uma hemoglobina tetramérica. 09 FIGURA 08 – Esquema do grupo heme. 10 FIGURA 09 - Esquema representando a movimentação da hemoglobina na transição do estado T para R. 12 FIGURA 10 – Esquema representando a movimentação do grupo heme após a oxigenação e a influencia sob a molécula. 12 FIGURA 11 - Representação esquemática dos contatos da interface interdimérica ( 1 2 e 2 1) na transição de T para R. 13 FIGURA 12 – Esquema das ligações iônicas entre os resíduos de aminoácidos das cadeias alfa e beta, que estão presente no estado T e são quebradas na transição para o estado R. 13 FIGURA 13 – Modelo seqüencial proposto por Koshland, Nemethy e Filmer (KNF) para a cooperatividade. 14 FIGURA 14 - Modelo alostérico de simetria proposto por Monod, Wyman e Changeux (MWC). 15 FIGURA 15 - Gráfico de Hill. 19 FIGURA 16 – Esquema representando a ligação do 2,3-BPG à cavidade central da hemoglobina. 21 FIGURA 17 – Esquema da via glicolítica e os possíveis caminhos a serem percorridos pelo piruvato. 24 FIGURA 18 – Sistema de eletroforese horizontal utlizando acetato de celulose como suporte. 32 FIGURA 19 – Gráfico da diferença entre as leituras espectrais da forma oxigenada e desoxigenada. 39 FIGURA 20 – Fotografia do tonômetro. 39 FIGURA 21 – Esquema da reação do DTT com uma proteína oxidada. 45 FIGURA 22 – Esquema estrutural da cisteína (Cys) e do DTT (Ditiotreitol). 46 FIGURA 23 – Eletroforese em acetato de celulose em pH alcalino (pH 8,5). 53 FIGURA 24 - Eletroforese em acetato de celulose em pH neutro. 53 FIGURA 25 - Eletroforese em agar-fosfato, em pH ácido (pH 6,2). 53 FIGURA 26 – Focalização isoelétrica. 55 FIGURA 27 – Eletroforese de globinas em pH ácido. 55 FIGURA 28 – Eletroforese de globinas em pH ácido feito a partir de bandas recortadas da focalização isoelétrica. 55 FIGURA 29 – Cromatograma da separação de hemoglobinas. 56 FIGURA 30 – Gráfico log P50 versus pH. 59 FIGURA 31 - Gráfico n50 versus pH, cooperatividade. 60 FIGURA 32 - Gráfico de Van´t Hoff, log P50 versus 1/T (K). 62 FIGURA 33 - Gráfico da cooperatividade (n50) versus 1/T (K). 63 FIGURA 34 - Gráfico do log P50 versus log concentração de ATP (M). 65 FIGURA 35 – Gráfico da oxidação por peróxido de hidrogênio. 67 FIGURA 36 - Absorbância normalizada versus volume de eluição (ml). 69 FIGURA 37 – Mobilidade eletoforética. 70 FIGURA 38 – Gel de eletroforese bidimensional sem corar. 72 FIGURA 39 - Gel de eletroforese bidimensional corado com coomassie. 73 FIGURA 40 - Atividade média dos tecidos na presença de 1mM e 10 mM de substrato (piruvato). 75 FIGURA 41 - Razão A/B entre os tecidos analisados. 76 FIGURA 42 – Eletroforese de LDH em amido. 77 ÍNDICE DE QUADROS QUADRO 01- Valores da constante de Henry para algumas temperaturas. 42 QUADRO 02 – Indica a massa molecular e absorbância de algumas proteínas utilizadas para a determinação da existência de polímeros. 46 QUADRO 03 – Relaciona os tecidos coletados do Phrynops geoffroanus. 48 QUADRO 04 – Hemoglobinas separadas por HPCLC. 56 QUADRO 05 – Variação da afinidade por oxigênio em função da temperatura para as hemoglobinas de P. geoffroanus. 61 QUADRO 06 – Parâmetros termodinâmicos da ligação de oxigênio pelas hemoglobinas de P. geoffroanus em diferentes condições experimentais. 62 QUADRO 07 – Siglas usadas no gráfico de atividade da LDH e o seu significado. 74 QUADRO 08 - Atividade média da enzima LDH em 1mM e em 10mM do substrato Piruvato nos vários tecidos analisados. 75 ABREVIAÇÕES G Variação da Energia Livre de Gibbs H Variação da Entalpia S Variação da Entropia Å Angström (1Å=10-10m) Abs Absorbância ADA Ácido N-(2-acetamida)-iminodiacético ATP Adenosina Trifosfato BPG 2,3 – Bifosfoglicerato BSA Soro Albumina Bovina CHAPS 3-[(3-colamidopropil) dimetilamonio]-1-propanosulfonato DTE Ditioeritrol DTT Ditiotreitol EDTA Ácido Etilenodiaminotetracético GTP Guanosina trifosfato Hb Hemoglobina Hb A0 Hemoglobina humana normal (adulta) HEPES Ácido (2-hidroxietil) Piperazina-N-(2-etano Sulfônico) HPCLC Cromatografia Líquida Catiônica de Alta Eficiência IAA Iodoacetamida IEF Isoeletrofocalização ou Focalização Isoelétrica IHP Inositol Hexafosfato IPP Inositol Pentafosfato KCN Cianeto de Potássio KDa Kilodaltons LDH Lactato desidrogenase MTT 3-(4,5-dimetil-2-tiazolil)-2,5-difenil-2H-brometo de tetrazólio n50 ou nH Coeficiente de Hill (cooperatividade) NAD Adenina Nicotinamida Nm Nanômetro (1nm=10-9m) P50 Pressão de oxigênio necessária para saturar metade dos sítios de ligação de oxigênio da hemoglobina pI Ponto Isoelétrico PMS Fenilmetanosulfonil pO2 Pressão parcial de oxigênio SDS Dodecil Sulfato de Sódio TAPs Ácido (N-Tris[hidroximetil] metil-3-aminopropanosulfônico) TCA Ácido Tricloroacético TRIS TRIS (Hidroximetil)aminometano U.A. Unidades de absorbância Coeficiente de absortividade 1 INTRODUÇÃO 2 1.1 Aspectos gerais Os primeiros fósseis de quelônios encontrados datam do fim do Período Triássico, na Era Mesozóica. E desde quando surgiram até os dias de hoje, pouco se modificaram. Esses animais combinam características primitivas e altamente especializadas que não são compartilhadas com outros grupos de vertebrados. A ordem dos quelônios teve origem entre os amniotas primitivos do Carbonífero superior, sendo evidenciado por uma característica comum entre esses animais: crânio anápsido (“sem um arco”) (POUGH et al., 1999). Atualmente, os quelônios sobreviventes estão classificados na ordem TESTUDINES, na qual se diversificaram no fim do Período Cretáceo, e hoje são 260 espécies divididas em 13 famílias (MEYLAN, 2005). Os TESTUDINES são subdivididos em duas subordens: os Policryptodira, na qual está a maioria dos quelônios atuais, que são assim classificados, especialmente pela maneira que a cabeça é encolhida para dentro do casco (jabutis, tartarugas marinhas e algumas tartarugas de água doce), e os Pleurodira, estes animais não encolhem a cabeça para dentro do casco e sim a dobram para o lado (cágados). Os quelônios estão classificados na classe Reptilia, no entanto são considerados animais parafiléticos (ou pararépteis). Embora estejam ligados aos outros répteis por algumas características derivadas compartilhadas, eles não representam uma linhagem monofilética, pois são muito diferentes morfológica, fisiológica e ecologicamente. Além disso, esses animais são tão especializados que nenhum estado intermediário que os ligue a outros vertebrados foi identificado (GAFFNEY; MEYLAN, 1988; POUGH et al., 1999). 1.2 Ordem TESTUDINES A característica mais marcante desses animais é o casco que reveste o corpo do animal, formado por carapaça (dorsal) e plastrão (ventral). Possuem vértebras torácicas e costelas soldadas com a carapaça óssea, que é revestida por escudos epidérmicos. Grande parte do plastrão é formado por ossificações dérmicas (Figura 01). A maxila e a mandíbula 3 não têm dentes, mas apresentam fortes lâminas cornificadas (POUGH et al., 1999; STORER et al., 2000). Os quelônios são ectotérmicos, possuem pele escamosa e, em geral, são adaptados para viverem em ambientes secos. Apresentam também outras adaptações importantes como: fecundação interna, órgãos copuladores e a presença de ovos, que são constituídos por uma casca calcária para retardar a perda de umidade. Além de possuírem membranas embrionárias (âmnion, córion, saco vitelínico e alantóide), cuja função é proteger o embrião contra choques mecânicos, fornecer nutrientes e armazenar excretas. Essas características são diferentes das presentes em peixes e anfíbios (ERNEST; BARBOUR, 1989; STORER et al., 2000). As tartarugas podem ser diferenciadas pelos seus hábitats: algumas espécies são exclusivamente terrestres, como os jabutis (Geochelonia sp); outras vivem em ambientes fluviais e lacustres como os cágados (Phrynops sp) e as tartarugas de água doce (Trachemys sp); e existem ainda as espécies que são exclusivamente marinhas (Caretta caretta) (Figura 02) (GARCIA-NAVARRO; PACHALY, 1994). Cervical Vertebral Costal Periféricos Gular Humeral Peitoral Abdominal Femoral Anal Figura 01 – Esquema do plastrão e da carapaça, evidenciando as ossificações dérmicas (ASHLEY, 1969). 4 A B C D A B C D Figura 02 – Tartarugas diferenciadas pelo tipo de hábitat. (A) Geochelone carbonaria, terrestre (www.geochelone.com.br); (B) Podocnemys unifilis, água doce (sub-ordem Pleurodira) (www.chelonia.org); (C) Trachemys dorbignyi, água doce (sub-ordem Polycryptodira) (www.aw.eti.br/animais/TIGRE.jpg); (D) Chelonia mydas, marinha (www.mexconnect.com/). 5 São pulmonados, mas diferentemente dos amniotas primitivos e dos lagartos, eles não movimentam a caixa torácica durante a respiração, devido ao casco rígido. Nestes animais a respiração pulmonar é realizada por meio de mudanças na pressão pulmonar, que ocorrem devido à contração dos músculos que forçam as vísceras, na qual estão ligadas à lâmina diafragmática (Figura 03) (POUGH et al., 1999). Possuem também respiração acessória, como a bucofaringea e, algumas espécies aquáticas, também respiram por meio da cloaca e da pele (JACKSON et al., 2004; STORER et al., 2000). O coração caracteriza-se por possuir três cavidades: dois átrios e um ventrículo (parcialmente dividido) (ERNEST; BARBOUR, 1989). O sistema circulatório é dividido em dois circuitos: sistêmico e pulmonar. O circuito sistêmico transporta sangue oxigenado do coração para todo o corpo, e o circuito pulmonar transporta sangue desoxigenado do coração para os pulmões. Essa morfologia, na qual o ventrículo se apresenta parcialmente dividido, permite a troca de sangue entre os circuitos pulmonar e sistêmico, havendo um desvio da esquerda para direita dentro do coração (POUGH et al., 1999). Quando o animal respira, a resistência ao fluxo através da circulação pulmonar é baixa, e o fluxo sangüíneo é alto. Quando o animal mergulha, ele não respira, então, a resistência vascular pulmonar aumenta, mas a resistência vascular sistêmica diminui, ocorrendo um desvio sangüíneo no Figura 03 – Esquema do Pulmão mostrando os músculos que forçam as vísceras nas mudanças da pressão pulmonar (RANDALL, et al, 2000). 6 coração, o que diminui o fluxo sangüíneo pulmonar, levando a uma diminuição da freqüência dos batimentos cardíacos (Figura 04) (RANDALL, et al., 2000). Alguns desses animais vivem em ambientes aquáticos ou subaquáticos, podendo permanecer submersos por horas, o que nos remete à hipótese de que existam particularidades ou adaptações em suas hemoglobinas, encarregadas de transportar o oxigênio para os diferentes órgãos e tecidos. 1.3 Phrynops geoffroanus A espécie Phrynops geoffroanus utilizada neste trabalho possui a seguinte classificação: ordem TESTUDINES, subordem Pleurodira, família Chelidae, subfamília Austrochelidinae e gênero Phrynops. Aorta direita Artéria braquicefálica Aorta esquerda Cavidade Venosa Cavidade pulmonar Septo horizontal Figura 04 – Esquema do coração, com dois átrios e um ventrículo parcialmente dividido, mostrando a direção do fluxo sangüíneo (RANDALL, et al, 2000). 7 De modo geral, os cágados possuem carapaças baixas, que oferecem pequena resistência ao deslocamento na água, e patas anteriores modificadas em remos que também auxiliam a sua locomoção (POUGH et al. 1999). O Phrynops geoffroanus ou “Cágado de Barbicha” (Figura 05 e 06), como é popularmente conhecido, possui carapaça achatada e larga com coloração preta ou cinza esverdeada. O plastrão possui um entalhe anal e tem uma coloração vermelha rosada com manchas irregulares e pretas. A cabeça é larga e lisa, com coloração preta, linhas brancas e irregulares. A parte inferior é branca com linhas e pontos pretos. A característica mais proeminente dessa espécie é uma linha preta e larga que se estende longitudinalmente pelo olho. Possui também um par de “barbelas” no “queixo”, e os membros são cinza com manchas brancas. É uma espécie pequena encontrada desde a Colômbia, Venezuela, Guiana, Argentina, Uruguai, extremo sul do Paraguai até sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil. Essa espécie é freqüente em rios, lagos e lagoas com correnteza lenta (ERNEST; BARBOUR, 1989). A literatura nacional é escassa quando se refere ao perfil hemoglobínico dessa espécie de quelônio, e muito pouco se conhece sobre as hemoglobinas de animais brasileiros e sua relação com os aspectos fisiológicos. As tartarugas de maneira geral são excelentes mergulhadoras, podendo permanecer longos períodos em baixo d’água; durante longos mergulhos o sangue é desviado para tecidos que possuem tolerância a baixos níveis de oxigênio, como o muscular e o nervoso. 9 1.4 Hemoglobina A hemoglobina (Hb) está presente nas células vermelhas (hemáceas) do sangue, e é responsável pelo transporte de oxigênio dos órgãos captadores (pulmões ou brânquias) para os demais tecidos, e parte do gás carbônico (15%) no sentido inverso (STRYER, 1992). Em geral, a hemoglobina de vertebrados, incluindo os répteis (COATES, 1975) é uma proteína tetramérica de massa molecular de aproximadamente 64,5 KD, contendo duas cadeias de globinas de um tipo e duas de outro tipo (geralmente alfa e beta), cada uma delas associada a um grupo prostético, heme, onde o átomo de ferro encontra-se no estado ferroso (Fe2+). Na hemoglobina A humana, cada cadeia de globina alfa contém 141 resíduos de aminoácidos e cada cadeia beta contém 146 resíduos de aminoácidos (Figura 07) (LEHNINGER, 1998). Análises por difração de raios X mostraram que a molécula de hemoglobina possui forma globular, com aproximadamente 5,5 nm (ou 55 Å) de diâmetro. As cadeias globínicas enovelam se em uma estrutura terciária, que reunidas compõem um arranjo tetramérico, formando a estrutura quaternária da molécula (PERUTZ et al., 1960). Esse Figura 07 – Esquema representando uma hemoglobina tetramérica com 2 cadeias do tipo alfa (vermelho e verde) e 2 do tipo beta (azul e roxo), com o grupo heme inserido em cada subunidade (www.chemistry.wustl.edu/ ~edudev/LabTutorials). 10 arranjo é mantido devido às interações (hidrofóbicas e eletrostáticas) que ocorrem entre os aminoácidos presentes nas cadeias polipeptídicas. As estruturas terciária e quaternária das hemoglobinas, nas diferentes espécies de vertebrados, apresentam muitas semelhanças entre si, quando analisadas por difração de raios X e por análises químicas (LEHNINGER, 1998). O grupamento heme é constituído por quatro grupos pirrólicos, um átomo de Fe2+ coordenado por quatro nitrogênios porfirínicos e um nitrogênio proveniente da Histidina proximal (His F8). A ligação do O2 ocorre na cavidade entre o átomo de ferro e a histidina distal (His E7), e o oxigênio forma pontes de hidrogênio entre o Fe e a His (Figura 08) (VOET et al., 2002). Quando o oxigênio está ligado à hemoglobina, diz-se que a molécula está oxigenada, essa reação de ligação é reversível. Então, quando o O2 não está ligado, a molécula encontra se desoxigenada. Sob algumas condições, o Fe2+ se oxida a Fe3+, onde ocorre a ligação de uma molécula de água, formando a meta-hemoglobina. Essa reação é considerada irreversível. Na hemoglobina humana, os hemes estão situados a uma distância de 25 a 37 Å uns dos outros, como não podem interagir eletronicamente, interagem mecanicamente por Figura 08 – Posicionamento do grupo prostético (heme) com o átomo de Fe2+, onde se liga o oxigênio (VOET et al., 1995). 11 movimentos da proteína (STRYER, 1992). Quando a molécula está oxigenada, ocorre uma rotação de aproximadamente 15° de um dos dímeros em relação ao outro, aproximando as subunidades e diminuindo o canal central da hemoglobina (VOET et al., 2002). A hemoglobina apresenta dois estados conformacionais estáveis: o estado T (tenso) e o estado R (relaxado), com afinidade diferencial em relação ao oxigênio; essa ligação inicia uma série de movimentos que resultam na transição do estado T para o R (Figura 09): No estado T, o ferro do anel porfirínico se encontra deslocado 0,6 Å para fora do plano do heme. Quando o O2 se liga, essa distância se encurta para 0,1 Å e o ferro move-se para o plano do heme. Este movimento diminui a estabilidade da estrutura quaternária desoxigenada, levando a um aumento da afinidade a partir de sucessivas ligações (cooperatividade) (Figura 10) (ACKERS et al., 1992): Quando o ferro se desloca carrega junto a histidina proximal (His F8), conseqüentemente a hélice F que está associada a esse aminoácido, desloca-se por 1 Å (Figura 10) (VOET et al, 2002); A maior mudança produzida ocorre na interface interdimérica 1 2 e 2 1. No estado T, a His FG4(97) da cadeia entra em contato com a Thr C6(41) da cadeia . No estado R, a His FG4(97) contacta a Thr C3(38) da cadeia (Figura 11) (VOET et al, 2002); Uma série de ligações iônicas intra e intersubunidades entre o resíduo C- terminal de cada subunidade (Arg 141 e His 146 ) estabilizam o estado T. No entanto, após a mudança conformacional causada pela oxigenação, essas ligações são rompidas, não estando presentes no estado R (Figura 12) (VOET et al, 2002). O efeito do estado de ligação ao ligante de um grupo heme sobre a afinidade de ligação ao ligante de outro heme é chamado de cooperatividade (VOET et al, 2002). A hemoglobina com a sua estrutura quaternária torna possível a interação entre os sítios de ligação do grupo heme, e destes com outros ligantes presentes no meio. Essas interações são denominadas de alosteria e são ocasionadas por algumas moléculas específicas, os efetores, que podem ser: O2, prótons, CO2, cloretos e fosfatos orgânicos (BPG, ATP e GTP) (STRYER, 1992). 12 Figura 10 – Esquema mostrando a movimentação do grupo heme e da hélice F com a ligação do oxigênio à hemoglobina. A estrutura em vermelho corresponde à forma oxigenada e a em azul a forma desoxigenada. (VOET et al., 1995). Figura 09 – Esquema representando a movimentação que ocorre na mudança conformacional do estado T para R; molécula desoxigenada (T - em azul) e molécula oxigenada (R - em vermelho) (VOET et al., 1995). 13 Figura 11 – Esquema apresentando mudança entre contatos na interface 1 2 e 2 1 na transição de T para R após a oxigenação da hemoglobina (VOET et al., 1995). Figura 12 – Representação esquemática das ligações iônicas entre os resíduos de aminoácidos da hemoglobina das cadeias alfa e beta, que estão presentes no estado T e são quebradas quando ocorre transição para o estado R (VOET et al., 1995). 14 1.5 Modelos alostéricos Dois modelos principais foram propostos para tentar explicar as propriedades funcionais de ligação do O2 à hemoglobina. Koshland, Nemethy e Filmer (KNF), propuseram o modelo seqüencial de ligação de oxigênio (KOSHLAND et al., 1966). Este modelo propõe que a Hb se encontra em uma determinada conformação no estado desoxigenado. Com a ligação da primeira molécula de O2 à Hb, a subunidade ligada sofre alteração. Conforme as outras subunidades vão sendo ligadas, também vão sendo alteradas individualmente, promovendo ao final uma mudança estrutural em toda a molécula (Figura 13). Um outro modelo, anterior ao de KNF, foi proposto por Monod, Wyman e Changeux (MWC) em 1965. Esses autores consideraram a existência de apenas dois estados conformacionais diferentes para a Hb. Um se encontraria desoxigenado, denominado estado T (tenso), e o outro estaria na forma oxigenada, chamado de estado R (relaxado). Diferente de KNF, este modelo não aceita formas intermediárias em equilíbrio com as formas T e R. Mesmo quando uma molécula de O2 se liga a um dos sítios heme da Hb, a molécula se mantém em T, até que em determinado momento ocorra a transição de T para R. Isto confere à forma T uma baixa energia se comparada com a energia da forma R. Após a ocupação de todos os sítios, a soma das energias de ligação desfavoráveis torna-se energeticamente favorável (Figura 14) (MONOD et al, 1965). Figura 13 – Modelo seqüencial proposto por Koshland, Nemethy e Filmer (KNF) para a cooperatividade (VOET et al., 1995). 15 Apesar deste modelo ser o mais aceito atualmente pela comunidade científica, ele se mostra insuficiente para explicar alguns achados recentes. Colombo; Seixas (1999) demonstraram a existência de um estado intermediário entre T e R, observado na desoxi- hemoglobina humana, na qual o equilíbrio alostérico ocorre devido à ligação de cloreto. O estado Tx é usado para representar a desoxi-hemoglobina complexada com cloreto e o estado T0, representa o estado T na ausência do efetor (GIARDINA et al., 2004; JENSEN, 2004). Figura 14 – Modelo alostérico de simetria proposto por Monod, Wyman e Changeux (MWC) (VOET et al., 1995). 16 1.6 Transporte de Dióxido de Carbono e Efeito Bohr As mudanças conformacionais que ocorrem na molécula de Hb com a ligação do oxigênio reduzem os pKs de vários grupos (principalmente o amino-terminal alfa e o carboxi-terminal beta). Essa variação de pH altera a afinidade da hemoglobina pelo O2, isto é, um aumento na concentração de prótons reduz o pH sangüíneo, causando uma redução na afinidade da hemoglobina pelo O2. Quando o pH aumenta ocorre a remoção de prótons da molécula, aumentando a afinidade pelo O2 em pressões mais baixas. Esse fenômeno, a influência do pH e do CO2 na ligação do O2 à Hb, é conhecido como efeito Bohr (JENSEN, 2004; VOET et al, 2002). Em pH ácido a Hb libera O2 aumenta, pois a diminuição do pH causa uma redução na afinidade de ligação pelo oxigênio. Esse fenômeno é conhecido como Efeito Bohr alcalino ou normal. Quando ocorre um aumento da afinidade da Hb pelo O2, em pH ácido, o efeito Bohr passa a ser chamado de ácido ou reverso. O efeito Bohr é importante para a liberação do O2 da Hb para os tecidos (VOET et al, 2002). Alguns resíduos de aminoácidos estão envolvidos no efeito Bohr: N-terminal da cadeia , as cadeias laterais dos resíduos His 122 e His 146 PERUTZ et al., 1980; JENSEN, 2004 Em tecidos ativos, a diminuição do pH é ocasionada pela elevação da pCO2 e pelo aumento da concentração de ácido láctico. O CO2, dentro das hemácias, reage rapidamente com a água para formar ácido carbônico (H2CO3) pela ação da anidrase carbônica (reação 01): CO2 + H2O H2CO3 H+ + HCO3 - (reação 01) O ácido carbônico é instável, pois o seu pKa é 6,35 e o pH do sangue é 7,4. Desse modo, o ácido forma bicarbonato (HCO3 -) e libera H+. A maioria do gás carbônico é transportado pelo sangue em forma de bicarbonato dissolvido no plasma (85%) e o restante é transportado pela hemoglobina na forma de carbamato (15%) (reação 02) (CAMPBELL, 2000). Quando o CO2 entra no sangue em nível tecidual, ele facilita a descarga de O2 da hemoglobina, e quando deixa o sangue nos pulmões, facilita a captação de O2 pelo sangue (RANDALL et al., 2000; STRYER, 1992). 17 R NH2 + CO2 R NH COO- + H+ (reação 02) 1.7 Ligação de Oxigênio Archibald Hill em 1910 foi o primeiro a analisar a curva de oxigenação da hemoglobina, e considerou que a ligação do O2 à Hb fosse representada pela seguinte equação (HONDA, 2001;LOMBARDI, 2005; PERES, 2004; VOET et al, 2002): Hb + nO2 Hb(O2)n (1) Onde n representa o grau de cooperatividade; [Hb][O2] n (2) [Hb(O2)n] Onde K é a constante de dissociação da oxi-hemoglobina; [Hb] e a concentração da hemoglobina desoxigenada; [O2] é a concentração do oxigênio e [Hb(O2)n] é a concentração da hemoglobina totalmente oxigenada; A saturação fracional de oxigênio (Y) é definida como a fração ocupada de todos os sítios heme de ligação. O valor de Y varia de 0 (todos os sítios vazios) a 1 (todos os sítios ocupados): n[Hb(O2)n] (3) n([Hb]+[Hb(O2)n]) Combinando as equações 2 e 3: [Hb][O2] n [O2] n K K (4) [Hb][O2] n [O2] n + 1 K K K= Y= + [Hb] = Y= 18 Equação de Hill: [O2] n (5) [O2] n + K É conveniente expressar a concentração do O2 em pO2, que é a pressão parcial de oxigênio em mmHg ou Torr: [pO2] n (6) [pO2] n + K Para expressar a fração de oxi-Hb (Y) sobre a fração de desoxi-Hb (1-Y): Y [pO2] n 1 (7) 1-Y [pO2] n + K [pO2] n [pO2] n + K Obtendo o logaritmo da equação 7: Y (8) 1-Y Como para a hemoglobina K=P50, substituindo na equação 8: Y (9) 1-Y O gráfico de Hill é obtido pelo log (Y/1-Y) versus log pO2, onde a curva de oxigenação da hemoglobina é sigmóide. Essa característica permite que o sangue transfira mais oxigênio para os tecidos do que transferiria se a curva fosse hiperbólica. Esse tipo de curva também indica que existe uma interação cooperativa entre os sítios de ligação da proteína, que pode ser medida pela inclinação n da curva. O gráfico também permite calcular o log P50, que é a pressão parcial de oxigênio (pO2) necessária para saturar metade Y= Y= = * 1- log = n log[pO2] – n log K log = n log[pO2] – n log P50 19 dos sítios de ligação da molécula de Hb. Esse valor é obtido quando a curva de oxigenação intercepta metade da oxigenação (Y=0,5), neste ponto, uma reta é extrapolada para o eixo x (log pO2) (Figura 15). Como podemos observar o gráfico de Hill da mioglobina é linear e apresenta uma inclinação de n=1, o que indica que ela não apresenta processo cooperativo. A inclinação observada para moléculas com processo cooperativo é de n>1, essa medida é chamada de coeficiente de Hill (nH ou n50). Em hemoglobinas humanas normais, essa constante varia de 2,8 a 3,0, mostrando uma alta cooperatividade, mas este número pode variar em Hb anormais e entre Hb de animais de espécies diferentes (LOMBARDI, 2005; VOET et al., 2002). 1.8 Efetores homotrópicos e heterotrópicos O efeito da ligação do oxigênio à Hb pode ser chamado de efeito homotrópico, pois a ligação de uma molécula de oxigênio pode influenciar a ligação de outra molécula do Figura 15 – Gráfico de Hill, mostrando pO2, Y e valores de n50 para mioglobina e hemoglobina (courses.cm.utexas.edu/). Hemoglobi na Hemoglobina Alta Afinidade nH=1 Mioglobi na Hemoglobina Alta Afinidade nH=1 20 mesmo gás de modo a facilitar a sua ligação. O efeito heterotrópico é outro tipo de interação encontrado. Essa interação é causada por vários tipos de moléculas: prótons (H+), dióxido de carbono (CO2), íons cloreto (Cl -), fosfatos orgânicos (BPG, IPP, GTP, ATP), bicarbonato e água. Esses efetores ajudam a modular a função da molécula de Hb e se ligam a ela em sítios diferentes dos sítios de ligação do O2. Ligam-se preferencialmente ao estado T da hemoglobina, auxiliando na estabilidade desta forma. Em alguns casos, esses reguladores podem se ligar à forma R, como acontece no efeito Bohr ácido ou reverso. O efeito dos prótons, dióxido de carbono e bicarbonato já foram citados anteriormente. Em seguida, outros reguladores serão discutidos. 1.9 Efeito dos íons cloreto (Cl - ) O íon cloreto é um efetor alostérico que contribui para a regulação da afinidade da Hb pelo O2, ligando-se à forma T. Na presença deste íon a afinidade diminui, e esta regulação ocorre por meio de interações eletrostáticas. Perutz et al (1994) propuseram que a ação do cloreto é neutralizar o excesso de cargas positivas da cavidade central da desoxi- hemoglobina. Na ausência do íon, pode ocorrer um desequilíbrio da forma T, pois o excesso de cargas positivas leva à repulsão eletrostática desestabilizando o estado T. É um ligante não específico, pode-se ligar na superfície externa da molécula (COLOMBO; Seixas, 1999). 1.10 Efeito dos fosfatos orgânicos Em 1921, Joseph Barcroft percebeu que a Hb pura tem uma afinidade muito maior do que a Hb no sangue total, e se questionou sobre uma possível substância presente no sangue que poderia levar a isso. Esse composto é o D-2,3-bifosfoglicerato (BPG), que se liga fortemente à desoxi-hemoglobina humana. A presença do BPG nos eritrócitos de mamíferos reduz a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, pois a mantém na conformação desoxigenada. Ele se liga à cavidade central formada neste estado, onde estão expostos as cadeias laterais da His 2 e 143, Lys 82 e os grupos amino-terminais, todos das cadeias beta 21 (Figura 16). Esses resíduos criam uma região carregada positivamente, adequada à ligação de ânions (cloretos e fosfatos) (ACKERS et al., 1992; VOET et al, 2002). O BPG estabiliza a Hb no estado T, e quando ocorre a oxigenação, é expulso pois ocorre uma diminuição da cavidade e a exposição das cargas negativas dos resíduos C- terminal promovem repulsão eletrostática (VOET et al., 2002). Em outros vertebrados, diferentes fosfatos orgânicos exercem o mesmo efeito. Em répteis, o ATP é um dos principais fosfatos orgânicos que exerce essa função. Outros tipos de fosfatos participam da regulação da oxigenação em alguns vertebrados em geral: IPP e BPG (COATES, 1975). Figura 16 – Esquema representando a ligação do BPG à cavidade central da Hb humana (VOET et al., 1995). 22 1.11 Efeito da Atividade da água O efeito da atividade da água em uma proteína contribui para a estabilização da sua estrutura nativa. Durante a transição T R várias interações intersubunidades são quebradas e áreas da molécula de Hb antes escondidas são expostas ao solvente. Essa mudança implica numa diferença de superfície protéica exposta ao solvente entre esses tipos conformacionais, o que leva a uma diferença de hidratação, isto é, uma diferença no número de moléculas de água que se ligam a forma oxigenada e desoxigenada da Hb. (PERES, 2004). Esta relação pode ser medida por meio da dependência da afinidade da Hb pelo oxigênio com a variação da atividade de água, esse método é conhecido como estresse osmótico (COLOMBO et al., 1992; PARSEGIAN et al., 1986). 1.12 Efeito da temperatura A variação da temperatura também causa mudanças na afinidade da Hb pelo O2, principalmente, em animais ectotérmicos como anfíbios, peixes e répteis, que estão sujeitos à variação da temperatura ambiental. O aumento da temperatura, geralmente, leva a uma diminuição da afinidade por O2 e à liberação do gás nos tecidos. O efeito da temperatura tem sido investigado pela determinação da entalpia de oxigenação ( H) (HONDA, 2001). As tartarugas marinhas e de água doce desenvolveram um mecanismo particular para a manutenção de oxigênio para os tecidos, quando estão submersos e, especialmente, sob condições de hipóxia (GIARDINA et al., 1992). Esse mecanismo pode ser influenciado pelas condições ambientais (principalmente temperatura) em vertebrados ectotérmicos. 1.13 Cisteínas e o fenômeno de agregação Muitos grupos de vertebrados (elasmobrânquios, anfíbios e répteis) possuem hemoglobinas que sofrem polimerização sob condições oxidantes. Essas moléculas contêm grupos SH livres na superfície que formam ligações dissulfeto intermolecular, formando, 23 então, um agregado de tetrâmeros, que normalmente se iniciam após a hemólise das células vermelhas (FYHN; SULLIVAN, 1975). O posicionamento das cisteínas também influencia a formação de agregados, se estão posicionadas na superfície externa da molécula podem formar pontes dissulfeto, mas se estão na superfície interna essas ligações não ocorrem. Existe a indicação para uma possível explicação biológica para este fato, as Hbs ricas em grupos SH são normalmente observadas em animais que possuem resistência à hipóxia, como as tartarugas aquáticas, crocodilos e algumas espécies de anfíbios. Propõe-se que estes polímeros, em associação com a resistência à hipóxia, sejam uma estratégia adaptativa de proteção ao oxigênio reativo, pois sob condições oxidantes ocorre um aumento na formação destes (REISCHL, 1989). 1.14 Metabolismo anaeróbico e o papel da L-lactato desidrogenase (LDH) A L-lactato desidrogenase (LDH, EC1.1.1.27) é a enzima responsável pela transformação do piruvato, produto da degradação da glicose pela via glicolítica, em lactato usando NAD+ (adenina nicotinamida) como coenzima. A produção desse composto ocorre durante a contração muscular sobre grande esforço ou quando o animal (tartarugas aquáticas) se encontra em condições de hipóxia e anoxia. É uma enzima tetramérica composta pela combinação de subunidades A e B: A4, A3B, A2B2, AB3 e B4. Os tetrâmeros A4 (ou M4) e B4 (ou H4) são encontrados em diferentes tipos de tecidos e desempenham diferentes funções, constituindo isoenzimas. Em vertebrados, as subunidades de LDH são codificadas por dois loci gênicos alelos. O locus LDH-A, codifica a subunidade A e é predominante em músculos brancos (tecido esquelético, por exemplo, o peitoral); o locus LDH-B, codifica a isoenzima B, é predominante em tecidos aeróbicos, como o coração e o cérebro. Mamíferos, pássaros e alguns grupos de peixes possuem um terceiro locus, o LDH-C, que é freqüente em espermatócitos primários, olhos e cérebro (COPPES et al., 1987). A LDH tipo A direciona o piruvato, resultado da degradação da glicose, para o metabolismo anaeróbico, tendo como função principal a redução do piruvato a lactato pelo 24 NADH, reconstituindo o NAD+. A LDH-B tem como função, o direcionamento do piruvato para o ciclo do ácido cítrico, no qual o lactato é convertido em piruvato por reação da LDH, utilizando o NAD+ que é reduzido a NADH (VOET et al, 2002; SHOEI-LUNG LI, 1998). Quando a LDH produz o lactato e direciona para o metabolismo anaeróbico, o transporte é feito pelo sangue até o fígado, onde o piruvato é regenerado e entra na via da gliconeogênese, onde será convertido em glicose, na qual produzirá ATP anaeróbico. Quando o piruvato é direcionado para o metabolismo aeróbico, ele é convertido em Acetil- CoA e entra no ciclo do ácido cítrico (Figura 17). Alguns grupos de peixes (por exemplo, ciclídeos da Amazônia) dispõem de estratégias para sobreviverem a um ambiente com baixa concentração de oxigênio. Além Figura 17 - Esquema da via glicolítica e os possíveis caminhos que o piruvato pode percorrer: dois tipos de glicólise anaeróbia e o ciclo do ácido cítrico (VOET et al., 1995). 25 das adaptações fisiológicas, comportamentais e anatômicas, eles combinam a essas características outros tipos de adaptações: a supressão metabólica e ativação do metabolismo anaeróbico. E algumas espécies desse grupo possuem a capacidade de regular as isoformas de LDH (A e B) durante a exposição à hipóxia (CHIPPARI-GOMES et al., 2005). As aves apresentam altas concentrações de enzimas aeróbicas, especialmente nos músculos responsáveis pela movimentação do vôo. Estudos realizados por Burness et al. (2005), verificaram uma alta capacidade aeróbica em algumas espécies de aves marinhas (Sterna hirundo, Stema fuscata e Anous stolidus). A princípio acreditava-se que os mamíferos mergulhadores apresentavam metabolismo anaeróbico. No entanto, Castellini et al. (1981), mostraram que as enzimas anaeróbicas dos mamíferos mergulhadores não apresentavam elevada atividade quando comparadas com os mamíferos terrestres. Desse modo, esses animais quando mergulham, estocam oxigênio nos pulmões, no sangue e nos músculos (alta concentração de mioglobina) para a manutenção do metabolismo aeróbico. Contatou-se a presença de atividade de LDH, podendo ocorrer a produção de ATP anaeróbico se necessário, mas acredita-se que a principal função da LDH nestes animais é a conversão do lactato em piruvato, havendo uma grande concentração de LDH tipo B (FUSON et al., 2003; CASTELLINI et al., 1981). Alguns mecanismos, em vertebrados, compensam a ausência temporária do oxigênio molecular, aumentando a capacidade de geração de ATP anaeróbico. Três características adaptativas dão suporte ao trabalho anaeróbico muscular: (1) um alto potencial glicolítico originado pela alta concentração de enzimas glicolíticas; (2) a presença de isoenzimas musculares específicas afinadas para o direcionamento da função glicolítica; (3) tolerância ao alto acúmulo de lactato (HOCHACHKA; SOMERO, 1973). Segundo Jackson (1968), o mergulho das tartarugas é dividido em três fases metabólicas (HOCHACHKA; SOMERO, 1973): 1ª Fase, durante os primeiros 30 min. A taxa metabólica se mantém constante e a disponibilidade do oxigênio no pulmão cai rapidamente; 2ª Fase, duração de 30 min. A taxa metabólica é 40% menor que a inicial e as reservas de oxigênio estão esgotadas; 26 3ª Fase pode durar várias horas ou dias. O animal está em anóxia, e as funções vitais são sustentadas por metabolismo anaeróbico, e se mantém constante em 20% em relação ao metabolismo inicial, nestas condições o animal está em repouso. Esses animais parecem ser insensíveis à toxicidade ocasionada pelo acúmulo de certas substâncias no organismo, ocorrendo um bloqueio do metabolismo oxidativo, mas não afetando a glicólise anaeróbica. Em tecidos típicos para a função aeróbica (como o coração), onde a capacidade glicolítica é alta, a diferença cinética entre LDH-B4 e LDH-A4 inexiste. Nestes casos, a LDH-B4 não apresenta a usual sensibilidade ao substrato, não sendo inibida quando o piruvato (substrato) se encontra em altas concentrações. Em hipóxia ou anóxia ocorre a regulação da razão do potencial metabólico anaeróbico/aeróbico (HOCHACHKA; SOMERO, 1973). A análise de algumas enzimas metabólicas e a diversidade estrutural e funcional das hemoglobinas reflete a extraordinária variação da morfologia e adaptação dos integrantes do reino animal. Uma grande variedade de isoformas de hemoglobinas ocorre em vertebrados, e esta diversidade pode representar uma adaptação capaz de lidar com um meio ambiente variável. Este trabalho tem como enfoque a análise estrutural e funcional das hemoglobinas de Phrynops geoffroanus, na tentativa de explicar a capacidade de resistência às condições hipóxicas e anóxicas, bem como outras particularidades que auxiliem o animal à sobrevivência. 27 2 OBJETIVOS 28 2.1 OBJETIVOS GERAIS O presente trabalho tem por motivação efetuar a análise das hemoglobinas do “cágado-de-barbicha”, P. geoffroanus, realizando uma caracterização inédita na literatura e que contribuirá com os estudos de hemoglobinas de quelônios. Na medida em que a espécie estudada é capaz de permanecer por longos períodos submersa, quisemos observar as propriedades de transporte de oxigênio de suas hemoglobinas, e o controle alostérico exercido sobre elas. Para isso, traçamos o perfil das isoformas de hemoglobinas em amostras de sangue de Phrynops geoffroanus por procedimentos eletroforéticos em diferentes sistemas, efetuamos a caracterização funcional em relação às propriedades de transporte de oxigênio, fizemos análises da agregação ocasionada pela oxidação de cisteínas livres e também efetuamos análise enzimática de LDH em tecidos musculares. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Estabelecemos o padrão de migração das hemoglobinas por eletroforese em pH alcalino e pH neutro em acetato de celulose; pH ácido em ágar fosfato, focalização isoelétrica e HPCLC; Obtemos o padrão eletroforético de cadeias globínicas em pH alcalino e ácido; Para os estudos funcionais: fizemos a purificação parcial das frações de hemoglobina presentes; Caracterizamos as propriedades de transporte de oxigênio e controle alostérico das hemoglobinas (utilizando amostras parcialmente purificadas); Determinamos a estabilidade estrutural das hemoglobinas; 29 Analisamos a existência de agregação de tetrâmeros por meio de eletroforese nativa e filtração em gel; Medimos a formação de meta-hemoglobina; Realizamos análises das isoenzimas de LDH em tecidos musculares do Phrynops geoffroanus; Observação: outros procedimentos que pretendíamos executar, como a determinação da constante de associação dímero-tetrâmero e a análise das alterações conformacionais por estresse osmótico, não foram realizadas em virtude da existência de agregação de tetrâmeros que será descrito em “Resultados”. 30 3 MATERIAIS E MÉTODOS 31 3.1 Coleta das amostras de sangue Foi feita a análise de 22 exemplares da espécie Phrynops geoffroanus, separados por sexo, sendo 12 machos e 10 fêmeas, pesando entre 1 e 4 Kg, todos provenientes do criadouro Japurá localizado em Tabapuã –SP. Antes da coleta do material todos os animais foram higienizados com álcool 70% na junção entre as placas humaral e peitoral, onde fizemos um pequeno orifício com o auxílio de uma agulha de seringa 40x1,2. Posteriormente, com uma seringa, fizemos punção cardíaca (BRITES, 2002). As amostras de sangue (3 a 5 mL) foram acondicionadas em tubos contendo heparina (5000 U.I) como anticoagulante, e mantidas sob refrigeração até sua utilização. Uma parte das amostras foi destinada para análise eletroforética e o restante foi parcialmente purificado e acondicionado em nitrogênio líquido. 3.2 Padrão Eletroforético 3.2.1 Hemolisado Os eritrócitos foram lavados por centrifugação a 2000 xg com solução fisiológica a 0,86% durante 5 min por 4 vezes. Ao volume de células lavadas acrescentou-se o mesmo volume de água deionizada, agitou-se vigorosamente e depois se adicionou o mesmo volume de clorofórmio para a obtenção do hemolisado. Após centrifugação, o sobrenadante foi transferido para um tubo devidamente identificado e destinado à realização de vários experimentos eletroforéticos. Quando o hemolisado era destinado à purificação para estudos funcionais, o hemolisado era feito da seguinte maneira: a lavagem das hemácias foi feita com solução fisiológica a 0,86%, em abundância, por centrifugação a 4000 xg e 4ºC. A hemólise foi realizada com tampão Tris-HCL 10 mM pH 7,9, sendo os debris removidos por centrifugação a 8500 xg durante 40 minutos e posterior filtração em filtro Millipore. 32 3.2.2 Eletroforese em pH alcalino em acetato de celulose (MARENGO-ROWE, 1965) As fitas de acetato de celulose foram embebidas em tampão Tris – EDTA – Borato1, pH 8,5 por 15 minutos, e depois foram secas entre folhas de papel absorvente e colocadas na cuba, sendo o mesmo tampão adicionado à cuba de eletroforese. As fitas são suporte para esse tipo de eletroforese, as conexões com os compartimentos eletrolíticos foram feitas por meio de tiras de perfex. As amostras foram aplicadas nas tiras de acetato a 2 cm do pólo negativo, e submetidas a uma corrente de 300 V por 30 minutos, neste caso a corrida foi feita do pólo negativo para o positivo (Figura 18). Após a separação das frações de hemoglobinas, as tiras foram coradas com Ponceau1 e descoradas com solução contendo 10% de ácido acético glacial e 5% de metanol. As frações foram avaliadas quanto à migração, e foi utilizado padrão de sangue humano, com as hemoglobinas AS (A= normal, e S= variante falciforme). 1 Ver Anexo 01 fonte acetato de celulose papel de filtro cuba de eletroforese com tampão pólo negativo Fonte Figura 18 – Sistema de eletroforese horizontal utilizando acetato de celulose como suporte. 33 3.2.3 Eletroforese em pH neutro (DACIE, LEWIS, 1985) É uma técnica utilizada para identificação e quantificação de hemoglobinas ditas “rápidas”, ou seja, aquelas que têm ponto isoelétrico afastado da neutralidade. As fitas de acetato de celulose foram embebidas em tampão pH neutro1 durante 15 min e após serem secas entre papel absorvente as conexões com os compartimentos eletrolíticos foram feitas, também com tiras de perfex. Os hemolisados foram aplicadas à 2 cm do pólo negativo e submetidas à 200 volts por 30 minutos, o sentido da corrente foi do pólo negativo para o positivo. A Hb AS humana foi utilizada como padrão. Os métodos de coloração e descoloração utilizados foram os mesmos da técnica anterior. 3.2.4 Transparentização Todas as fitas com as corridas eletroforéticas foram transparentizadas, a fim de facilitar a sua análise. As fitas foram mergulhadas em metanol (±25 mL) por 60 segundos e, em seguida, transferidas para uma solução contendo ácido acético (7 mL), metanol (42,5 mL) e glicerina (0,5 mL) por 40 segundos. Após esse procedimento, elas foram colocadas sobre uma lâmina de vidro e levadas à estufa a 60°C, para secagem (± 2 min). Após secas as fitas de acetato foram destacadas da lâmina e guardadas para análise e documentação. 3.2.5 Eletroforese de diferenciação em ágar – Fosfato, pH 6,2 (VELLA, 1968) A eletroforese em gel de Ágar – Fosfato, pH 6,2 é específica para determinar alguns tipos de hemoglobinas, que em eletroforese em pH alcalino migram em posições semelhantes dificultando sua caracterização. Para o preparo do gel de ágar-fosfato pesamos 500 mg de ágar-ágar e dissolvemos em 25 mL de Tampão fosfato pH 6,2 com aquecimento. O gel (5 mL) foi aplicado sobre lâminas de microscópio. Após a gelificação, as amostras foram aplicadas e a conexão com os compartimentos eletrolíticos foi feita com folha dupla de papel de filtro. As frações 34 foram separadas aplicando uma voltagem de 100 Volts por 40 min, a corrente elétrica foi do pólo positivo para o negativo. O padrão usado foram as Hbs humanas A e S. O gel foi corado com Ponceau1. As lâminas foram deixadas em temperatura ambiente para completa desidratação do gel, posteriormente foi descorado e seco novamente. 3.2.6 Eletroforese por focalização isoelétrica (NAOUM, 1999) Na focalização isoelétrica (IEF) as proteínas são identificadas de acordo com seu ponto isoelétrico (pI) ao longo de um gradiente de pH. Por este processo é possível identificar as isoformas de hemoglobinas. O princípio básico desse tipo de gel reside na separação de espécies moleculares que diferem somente na sua quantidade de carga. É um método analítico de elevada resolução. Para as nossas análises utilizamos o gel de agarose, que foi preparado pesando-se 0,22g de agarose dissolvida em 13,2 mL de água pura. Após a dissolução em banho-maria foram adicionados 0,8 mL de anfólito pH 3-10 e 0,8 mL de anfólito pH 7-9, e a solução foi aplicada sobre uma placa de vidro (5 x 7 cm). Após a solidificação do gel, foram colocadas duas tiras de papel de filtro (5 x 0,5 cm) nas extremidades. Uma das tiras foi embebida em NaOH 1M (extremidade catódica) e a outra em H3PO4 1 M (extremidade anôdica). A placa foi colocada sobre um isopor contendo gelo, para dissipação do calor, e coberta por uma placa de acrílico com os eletrodos sobre as tiras de papel de filtro, para que pudesse ocorrer a passagem de corrente elétrica pelo gel. Foi realizada uma pré-corrida para estabelecimento do gradiente de pH, na qual a corrente foi mantida constante a 5 mA por 25 min. As amostras parcialmente puras foram estabilizadas com monóxido de carbono, para evitar a formação de meta-hemoglobina, impedindo-se assim a geração de artefatos. A amostra foi aplicada diretamente no gel em pequenos orifícios feitos com um pente de plástico. Durante a corrida a corrente é mantida constante a 8 mA durante ± 1,5h. A pré-corrida e a corrida foram realizadas com a cuba de isopor dentro da geladeira. Após a corrida, o gel é fixado com TCA a 20% para a análise das frações encontradas, e quando necessário, depois de desidratado o gel foi corado com Ponceau. 35 3.2.7 Eletroforese de globinas em pH alcalino (SCHNEIDER, 1974) Para realização dessa eletroforese de separação de globinas utilizamos o tampão Tris-EDTA-Borato pH 8,6 contendo uréia e 2-mercaptoetanol. Essa técnica também utiliza as fitas de acetato de celulose como suporte. Para esse procedimento não foi adicionado clorofórmio ao hemolisado, somente água destilada. O tampão foi preparado no dia anterior (agitação por 12 h), dissolvendo 36g de uréia no tampão Tris-EDTA-Borato antes citado. Ao hemolisado com água (50 L) foram adicionados 50 L de tampão e 50 L de 2- mercaptoetanol, mantidos em repouso por 1 hora. Foi adicionado 6,4 mL de 2- mercaptoetanol ao tampão, e as fitas de acetato foram mergulhadas por 1 hora. As tiras foram secas em papel absorvente e colocadas na cuba. Os contatos eletrolíticos foram feitos com papel de filtro duplo. As amostras foram aplicadas na parte superior da fita próxima do pólo positivo. Foram submetidas a uma corrente de 110 volts por 40 min e a 220 volts por 20 min. A corrida foi do pólo positivo para o negativo. Também foi utilizado padrão humano AS. As fitas foram coradas com Negro de amido1 e, em seguida, descoradas com solução descorante. Para melhor análise as fitas também foram transparentizadas. 3.2.8 Eletroforese de globinas em pH ácido (ALTER et al, 1980) Segue o mesmo princípio da eletroforese de cadeias globínicas em pH alcalino, permitindo a separação das frações de globinas por suas afinidades diferenciadas em pH ácido. A metodologia é bastante precisa para a separação de globinas, podendo também ser utilizada para quantificação das frações. Este sistema foi realizado em gel de poliacrilamida1 a 12 % contendo uréia 8 M. Após a polimerização o gel foi submetido a duas pré-corridas, uma a 200 Volts por 1 hora e outra a 150 volts por mais uma hora, sendo que nesta útima 10 L de 2-mercaptoetanol 1 M foi adicionado em cada poço. Ácido acético 5% foi o tampão de corrida usado nos compartimentos eletrolíticos. Após a realização das duas pré-corridas, 1,5 L de cada amostra foram aplicadas com 10 L de tampão de amostra1 contendo uréia e 2- mercaptoetanol para desnaturação das proteínas. A corrida foi realizada a uma corrente 36 constante de 80 mA e 200 volts por 3 horas. O gel foi corado com Azul de Comassie1, e posteriormente descorado e seco. 3.2.9 HPCLC (Cromatografia líquida catiônica de alta eficiência) O equipamento utilizado foi VARIANT da BIO-RAD, para separação das isoformas das hemoglobinas do P. geoffroanus. Consiste da cromatografia de troca iônica em sistema fechado, no qual duas bombas de êmbolo duplo e uma mistura de tampões de diluição com controles de gradientes pré-programados são responsáveis pela eluição da hemoglobina na coluna detectando alterações de absorbância a 415 nm. Essas alterações foram monitoradas e exibidas em cromatograma da absorbância em razão do tempo. O tempo de retenção é o tempo transcorrido entre a injeção da amostra até o ápice do pico da Hb. Foram utilizados Kits de análise para Beta Talassemia e Hb S como padrões, a fim de se comparar as amostras do cágado com algumas hemoglobinas humanas (A, A2, Fetal, S, C e D). Aplicamos 5 L de sangue total com 1,0 mL de água ultra pura. Aplicamos os padrões e ao final obtivemos a leitura impressa em um cromatograma. 3.3 Purificação das hemoglobinas para os estudos funcionais A retirada de fosfatos para a obtenção do hemolisado “stripped” foi realizada por filtração em gel em resina Sephacryl S 100 HR em tampão Tris-HCl 10 mM com NaCl 0,2 M pH 7,9. A resina foi previamente lavada com água bidestilada em abundância, e equilibrada com tampão (Vtampão = 3x o volume da resina). Foi realizada a retirada de sal e concentração das amostras em concentradores Centriprep 50 Amicon com tampão Tris-HCl 10 mM pH 7,9, e estocadas em nitrogênio líquido até a sua utilização. Tentativas de purificação por cromatografia de troca iônica não foram bem sucedidas, tendo sido descartadas da metodologia. 37 3.4 Estudos Funcionais 3.4.1 Cálculo da concentração de Oxi-hemoglobina e meta-hemoglobina Para a determinação da concentração de hemoglobina (oxi) e hemoglobina (meta) foram utilizadas as leituras espectrais em 576 e 630 nm, com coeficientes de extinção2 ( 576 meta, 576 oxi, 630 meta, 630 oxi) determinados para hemoglobina humana (BENESCH et al., 1973). O cálculo das concentrações foi realizado pelas equações 10 e 11, que correlaciona as absorbâncias (576 e 630 nm) com os seus coeficientes de extinção: Abs576 = [oxiHb]* 576 oxi + [metaHb]* 576 meta (10) Abs630 = [oxiHb]* 630 oxi + [metaHb]* 630 meta (11) Dessa forma, a concentração das duas espécies (as duas incógnitas) pode ser resolvida conforme segue, onde “DET” é a determinante da matriz: 576 oxi 576 meta (12) 630 oxi 630 meta 576 oxi 576 meta (13) 630 oxi 630 meta 576 oxi 576 meta (14) 630 oxi 630 meta 2 Ver Anexo 02 DET = [metaHb] = / DET [oxiHb] = / DET 38 3.4.2 Análise das propriedades de ligação do oxigênio em várias condições e variados pH (Efeito Bohr): Os experimentos para análise das propriedades de ligação do oxigênio à hemoglobina foram realizados diluindo a Hb concentrada em tampão, sendo a concentração final de 60 M (heme). Foram utilizados os seguintes tampões: ADA-NaOH 30mM (pH 6,0 e 6,5), HEPES-NaOH 30mM (pH 7,0, 7,5 e 8,0) e TAPS-HCl 30mM (pH 8,5 e 9,0). As análises foram realizadas na ausência (stripped) e presença de reguladores alostéricos (Cloreto 100mM, ATP 0,1mM + Cloreto 100mM, ATP 0,1mM e ATP 1mM). Para se evitar a formação de meta-hemoglobina foi acrescentado às soluções de Hb, catalase 2 M e superóxido dismutase 2,13 M, de forma a inibir a ação de espécies reativas de oxigênio, íon superóxido e peróxido de hidrogênio.. Foi utilizado o método tonométrico-espectrofotométrico (GIARDINA; AMICONI, 1981), baseado nas variações espectrais que ocorrem durante a mudança entre as formas oxigenada e desoxigenada, usando um espectrofotômetro UV-Visível de duplo feixe Cary 100 da Varian. Antes de se iniciar a desoxigenação foi feita a leitura da absorbância da oxigenação inicial da solução nos seguintes comprimentos de onda: 576, 540 e 555 nm (picos da oxi-hemoglobina), 560 nm (pico da desoxi-hemoglobina), 569 nm (ponto isosbéstico), 630 (pico da meta-hemoglobina) e 690 nm (linha de base) (Figura 19). As leituras foram realizadas em todas as etapas e os dados são utilizados para o cálculo da P50, log P50, n50 e medição da formação de meta-hemoglobina durante o experimento. Após a leitura inicial das absorbâncias antes citadas, foi feito o processo de desoxigenação da solução de hemoglobina, passando gás nitrogênio umidificado pelo tonômetro (Figura 20), esse processo durou entre 2 e 3 min. Para auxiliar na desoxigenação foi feito vácuo (com uma bomba de vácuo). Nos casos onde se utilizou ATP, a leitura da oxigenação inicial foi feita antes da adição do mesmo, para se evitar uma subestimação dos valores. Depois da leitura o ATP foi adicionado, procedendo à desoxigenação. 39 Figura 19 - Diferença entre as leituras espectrais da forma oxigenada (linha azul) e desoxigenada (linha vermelha) As linhas tracejadas mostram o comprimento de onda dos pontos isosbésticos. Saturação 0-100% A b s o r b â n c i (nm) Figura 20 – Fotografia do tonômetro usado nos experimentos de estudos funcionais. 40 Após a desoxigenação foi feita a leitura espectral, para a avaliação do grau de desoxigenação da solução de acordo com a proposta de Benesch et al (1965), onde Abs 555 e 540 nm são as leituras de absorbância das formas desoxi e oxigenadas. Se o índice observado for maior ou igual a 1,24 (equação 15), a fase seguinte é iniciada: 1,24 (15) A etapa seguinte consiste na adição de quantidades conhecidas de ar no tonômetro com uma seringa. Entre uma adição e outra foi esperado um tempo de 7 min (necessário para o equilíbrio entre a fase gasosa e a solução), durante o qual o tonômetro ficou em um banho com circulador e com temperatura controlada (20° C). Após cada adição foi feita a leitura da absorbância (540, 555, 569, 560, 576) para o cálculo da saturação da solução. Os comprimentos em 576, 560 e 540nm, foram utilizados para o cálculo da saturação fracional (Y): (A - A0 ) (16) (A100 - A0 ) Onde é o comprimento de onda, A leitura da absorbância da amostra, A0 e A100 as absorbâncias das formas desoxigenada e oxigenada, respectivamente. Como as leituras foram feitas em três comprimentos de onda, consideraremos a variação total ( AREF) das absorbâncias: AREF = (A100 540 - A0 540) + (A0 560 - A100 560) + (A100 576 - A0 576) (17) Após cada adição (i) foi feita a leitura das absorbâncias na solução equilibrada: (Ai 540 - A0 540) + (A0 560 - A i 560) + (Ai 576 - A0 576) (18) AREF Abs555 Abs540 Y= Y= 41 As leituras em 569 nm (ponto isosbéstico) permitiram corrigir as medições espectrais. A pressão parcial de O2 foi calculada pela equação 14 (GIARDINA; AMICONI, 1981), modificada pelo protocolo experimental seguido pelo laboratório do Prof. Dr. Joseph Bonaventura, Duke University, NC, EUA. (O2* ) * (PBC – (PV*UR)) (19) VT - VA Onde a pO2 (mmHg) é a pressão parcial de oxigênio, O2 é fração do gás na atmosfera (0,21), PBC é a pressão atmosférica corrigida3 (mmHg), PV é a pressão de vapor de água4, UR é a umidade relativa (%), VT é o volume do tonômetro (mL), VA é o volume da amostra (mL), VI é o volume de ar injetado (mL), TB é a temperatura do banho (°C) e TA é a temperatura ambiente (°C). As injeções de ar foram feitas até que se conseguissem altos níveis de saturação. Depois o tonômetro era aberto, e era feita a leitura da oxigenação final (100% de saturação). Os dados foram digitados em uma planilha do Excel (Microsoft) e a partir dele obtivemos os valores do log pO2 e log (Y/1-Y) de cada etapa, que foram transferidos para o Origin 6.0 (Microcal lnc.), onde foi construído o gráfico de Hill para cada condição. A partir desse gráfico pudemos executar uma regressão linear (y= a + b*x) na região em torno de 50% de saturação (região da reta onde intercepta o eixo x), obtendo-se o n50, que corresponde à inclinação da reta. Por sua vez, log P50 foi calculado utilizando-se a intersecção da reta no eixo y (-a/b) e P50 = 10 -a/b. Em cada condição era calculada a porcentagem de meta-hemoglobina formada, e os dados experimentais com 5% ou mais de meta-hemoglobina foram descartados. Para a verificação da quantidade de prótons liberada quando da ligação de O2 à Hb, foi utilizada a seguinte equação (JENSEN, 2004): - H+/Heme= log P50/ pH (20) 3, 4 Ver Anexos 03 e 04 TB TA pO2 = *VI 42 3.4.3 Efeito da temperatura na afinidade de ligação com o oxigênio O efeito da temperatura foi realizado também pelo método tonométrico- espectrofotométrico (GIARDINA; AMICONI, 1981) (descrito no item 3.4.2) na ausência (stripped) ou presença de efetores alostéricos (Cloreto 100 mM e ATP 0,1 mM) e em 15, 20, 25° C controlados por banho termostático. Foi usado tampão HEPES-NaOH 30 mM pH 7,5. O cálculo da variação da entalpia ( H) foi obtido pela equação: H = 2,303*a*R (21) Onde “a” é a inclinação da reta obtida pelo gráfico de Van't Hoff (log P50 versus 1/T (K)) e R é a constante dos gases (R= 1,987 cal*mol-1*T-1), e H é medido por Kcal/mol (GIARDINA et al, 1993). A variação da energia livre de Gibbs ( G) foi obtida pela expressão: G = -R*T*ln* (22) Onde “C” é a constante de Henry (ver quadro abaixo), e a unidade de medida do G é Kcal/mol. A constante possui os seguintes valores (BONILLA et al, 1994): Temperatura (°C) Constante de Henry 15 1,98*10-6 20 1,77*10-6 25 1,42*10-6 1 P50* C Quadro 01 – Valores da constante de Henry para cada temperatura utilizada no trabalho. 43 A variação da entropia ( S) foi obtida por: G = H - S*T ou S = (23) S (cal/mol*K); Onde K é a temperatura em unidades Kelvin, que é obtida somando-se a temperatura em graus Celsius com 273 Kelvin (T°C+ 273=K). 3.4.4 Titulação com ATP O número de moléculas de ATP ligadas à molécula de Hb foi determinado pela equação de inter-relação de Wyman (AMICONI, et al., 1985): - x = logP50/ log[ATP] (24) Onde x é o número de moléculas de ATP ligadas por heme. As constantes de associação com ATP a dois sítios foram determinadas por uma estimativa não linear de parâmetros do programa SigmaPlot (JANDEL SCIENTIFIC, EUA), de acordo com a equação seguinte (OLIANAS et al., 2005): log P50 = log P0 + ¼*log (25) Onde log P50 é o logaritmo observado na presença de ATP, log P0 corresponde ao logaritmo da afinidade pelo oxigênio na ausência de ATP, K1t e K2t são as constantes de associação do primeiro e segundo sítio da desoxi-hemoglobina, K1r e K2r são as constantes de associação para o primeiro e para o segundo sítio da oxi-hemoglobina. O método utilizado para determinação da P50 em virtude da concentração de ATP foi o tonométrico-espectrofotométrico (GIARDINA; AMICONI, 1981) já descrito (1 + K1t [ATP] + K2t [ATP] 2) (1 + K1r [ATP] + K2r [ATP] 2) H - G T 44 anteriormente. Utilizamos tampão Hepes-NaOH 30 mM pH 7,5 com concentrações de 0,03 a 2 mM de adenosina trifosfato (ATP). 3.5 Oxidação induzida por peróxido de hidrogênio Realizamos a medição da oxidação de meta-hemoglobina pela adição de peróxido de hidrogênio (H2O2) em amostras não tratadas com agentes redutores dos grupos SH. A concentração de Hb utilizada foi de 60 M em Tampão Hepes-NaOH 30 mM pH 7,5. Foram utilizadas amostras do cágado Phrynops geoffroanus e Hb A0 humana pura. As leituras espectrais foram realizadas em espectrofotômetro UV-Visível Cary 100 Varian durante 15 min após adição de H2O2 10%. Foi utilizada a seguinte fórmula: y=y0 + A1*e -K1t + A2*e –K2t (26) Onde A é a amplitude da curva, K é a constante de decaimento da reação, “t” o tempo em segundos, “e” é a base do logaritmo natural, y é absorbância e y0 é a absorbância no tempo inicial (t=0 min). Essa fórmula é uma regressão não linear aplicada pelo programa Origin 6,0. 3.6 Análise das Cisteínas A polimerização decorrente da formação de pontes dissulfeto entre as moléculas de hemoglobina é comum em alguns vertebrados, como os elasmobrânquios, anfíbios e alguns répteis (FYHN; SULLIVAN, 1975). O intuito dessa etapa do trabalho foi de comprovar a formação de agregados pela oxidação dos grupos tióis ativos. 45 3.6.1 Mobilidade eletroforética Esta técnica foi realizada em um gel nativo (não desnaturante)5 de poliacrilamida a 8%; essa concentração permite visualizar moléculas com massa molecular de 40-200 KDa, assim podemos observar os agregados de tetrâmeros hemoglobínicos mais facilmente. O tampão de corrida5 utilizado foi Tris-HCl 0,012 M com glicina 0,096 M pH 8,3. As amostras foram preparadas adicionando-se 0,25 M de DTT (ditiotreitol) e 10 L de glicerol (para sedimentação das amostras no gel). O gel foi submetido a uma corrente de 100 volts por 3 horas. O DTT (Ditiotreitol) é um agente redutor das pontes dissulfeto, e foram aplicadas amostras tratadas e não tratadas de Hb do cágado e de Hb A0 humana pura. Após a corrida o gel foi fotografado, depois corado com azul de coomassie e descorado. Para registro o gel foi seco em papel celofane verdadeiro com gelatina incolor (CERON et al., 1992). A intenção do tratamento foi de comprovar a existência da polimerização, pois se esse fato realmente ocorre poderemos observar as diferenças no perfil Hb entre as amostras tratadas e não tratadas. A figura 21 mostrou a ação do DTT, agente redutor das pontes dissulfeto. Reischl et al (1984) utilizou essa mesma técnica para as Hbs de Phrynops hilarii, porém utilizou tratamento com DTE (Ditioeritrol). A figura 22 mostra a estrutura da cisteína e do DTT. 5 Ver Anexo 05 Figura 21 – Esquema indicando o DTT reagindo com uma proteína oxidada. Ao final da reação a proteína se encontra reduzida e o DTT oxidado. DTT oxidado 46 3.6.2 Cromatografia de filtração em gel para análise de agregação Em coluna Pharmacia (2,6 x 22 cm) foi aplicada resina Sephacryl S-100 HR equilibrada com tampão Tris-HCl 10 mM, NaCl 0,2 M e 1 mM EDTA pH 7,5. A coluna foi calibrada com proteínas globulares de massa molecular conhecida. O volume de eluição das proteínas foi utilizado para determinação do tamanho das moléculas. As análises foram realizadas por leituras espectrais (espectrofotômetro UV-Visível Cary 100 Varian) durante 400 min. As moléculas usadas para calibrar a coluna e o comprimento utlizado para cada uma nas leituras espectrais foram: Proteínas Massa molecular (KDa) Abs (nm) Soro albumina bovina (BSA) 65 280 Mioglobina 17,8 500 Hb A0 humana pura 64,5 540 O volume eluído foi recolhido em uma proveta, na qual seu peso inicial e o peso final foram computados e a diferença entre eles, dividida pelo tempo, o que nos forneceu o fluxo de eluição em mL/min. Quadro 02 – Indica a massa molecular e a absorbância de cada proteína usada para calibrar a coluna. Figura 22 – Esquema estrutural do aminoácido cisteína (Cys) e do ditiotreitol (DTT). 47 Após as calibrações foi aplicada a amostra de P. geoffroanus. A mesma amostra foi aplicada duas vezes. Na primeira vez foi utilizado o tampão já citado (usado em todas as outras moléculas) para eluição e na segunda vez utilizamos o tampão Tris-HCl 10 mM, 0,2 M de NaCl, 1 mM de EDTA e 0,1 mM de -mercaptoetanol (também um agente redutor de pontes dissulfeto). Aplicamos o mesmo volume de todas as moléculas (200 L), porém a concentração foi variável. Os dados foram tratados no programa Origin versão 6.0. 3.7 Eletroforese Bidimensional Esse procedimento foi executado na Faculdade de Medicina e Enfermagem de São José do Rio Preto (FAMERP), com colaboração da Profª Drª Eloiza Tajara, e suas alunas, Profª Drª Andréia Leopoldino e Msc. Alessandra Vidotto. A focalização isoelétrica nativa (não desnaturante) foi realizada em fitas de gel (Immobiline pH 3-10, 13 cm - Amersham). Nosso intuito foi separar as iso-hemoglobinas. Uma solução de rehidratação foi colocada em recipientes próprios para a fita, em seguida colocou-se a fita por cima. Na solução havia 2% CHAPS, DTT e 2% de anfólito pH 6-11 e 0,5% de anfólito pH 3-10 e 150 g de Hb. Foi aplicado um acúmulo total de 26500Vh, sendo 12h de rehidratação mais 19h de focalização. Usamos um gel de poliacrilamida de 12,5%6 desnaturante (SDS) para a separação das cadeias. Esse sistema teve a intenção de separar as proteínas por massa molecular e pI (ponto isoelétrico). Antes de aplicar a tira sobre o gel, foram feitos dois equilíbrios6, o primeiro contendo 6M de uréia, 2% de SDS e DTT por 15 min sob agitação. No segundo equilíbrio havia 6M de uréia, 2 % de SDS e IAA (iodoacetamida, agente redutor de ligações dissulfeto) também por 15 min e agitação. Foi aplicado um padrão de massa molecular (LMW) e o gel foi selado com uma solução seladora de agarose6. O tampão de corrida usado foi Tris 76 mM - glicina 10 mM e 1% de SDS pH 8,3. Foi feita uma pré- corrida: 250 V 30 mA 50 W por 30 min. A corrida: 250 V, 60 mA (constante) e 50 W por 5h ou até o azul de bromofenol (presente no marcador) chegar no fim do gel. O gel foi corado com azul de coomassie. 6 Ver Anexo 06 48 3.8 Determinação de LDH (Lactato desidrogenase) 3.8.1 Preparação dos extratos para análise eletroforética e cinética Os experimentos enzimáticos foram realizados na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), com colaboração da Profª Drª Maria Luiza Schwantes, e sua aluna Msc. Flavia Munin. Para este trabalho foram coletadas amostras dos seguintes tecidos: músculo esquelético peitoral maior e subescapular, deltóide (próximo ao membro superior), reto femoral (próximo ao membro inferior) e cardíaco. O peitoral maior se localiza distalmente sob o plastrão e age como adutor do úmero posterior; o deltóide se localiza na margem anterior sob o plastrão e têm como ação a extensão lateral e anterior da pata dianteira; o reto femoral se localiza na margem posterior sob o plastrão e tem como função a extensão da pata traseira (ASHLEY, 1969). Foram coletadas amostras de três animais diferentes, sendo dois machos e uma fêmea de 1,8 a 2,2 Kg (Quadro 03), e embebidos em solução salina KCl 0,154 M (1:4, w:v) para a conservação do tecido. As amostras foram colocadas em tubos identificados e armazenados em nitrogênio líquido até a sua utilização. Espécime 1 (macho) Espécime 2 (macho) Espécime 3 (fêmea) Músculo esquelético Peitoral maior e subescapular Músculo esquelético Peitoral maior e subescapular Músculo esquelético Peitoral maior e subescapular Músculo cardíaco Músculo esquelético Deltóide (próximo ao membro superior) ---------------- -------------- Músculo esquelético Reto femoral (próximo ao membro inferior) --------------- Quadro 03 – Relaciona o material coletado de cada indivíduo do P. 49 Os tecidos foram homogeneizados em tampão Imidazol 150mM, EDTA 1mM, Triton X-100 1% e DTT 5mM pH 7,4 na proporção aproximada de 1:1 (w: v), sendo, em seguida, centrifugados a 15.000 g durante 30 min a 5 C em centrifuga refrigerada Sorvall RC5B. 3.8.2 Eletroforese em gel de amido O sistema eletroforético utilizado foi horizontal (SMITHIES, 1955) com amido de milho, segundo Val et al. (1981). A concentração do gel utilizada foi de 13%. O tampão Tris-Borato 0,07M com EDTA 0,001M (pH 8,6) (ALLENDORF et al., 1977) foi utilizado para o preparo do gel. A corrida eletroforética ocorreu a 4 C, num intervalo médio de 14 horas, e 4V/cm. Durante a corrida foram utilizados dois tampões: Tris-Borato 0,199M com EDTA 0,0029M (pH 8,6) na cuba anódica (ALLENDORF et al., 1977), e Tris-Borato 0,28M com EDTA 0,004M (pH 8,6) (ALLENDORF et al., 1977) na cuba catódica. Para a aplicação dos extratos dos diferentes tecidos no gel, foram utilizados pequenos retângulos (0,5 x 0,5 cm) de papel de filtro Whatmam 3MM, embebidos nas amostras e inseridos, cuidadosamente, de maneira perpendicular ao gel. 3.8.2.1 Coloração histoquímica Após a corrida eletroforética, as bandas com atividade para as enzimas foram reveladas através de métodos de coloração histoquímica. Todas as soluções de coloração continham 1,5% de ágar e o gel foi recoberto com a solução de coloração e incubado em estufa a 37 C. Para a coloração foi utilizado tampão Fosfato de Sódio 0,5M pH 7,0 (ALLENDORF et al., 1977). Na solução de coloração foi adicionado MTT 0,71 mM, PMS 0,29 mM, NAD 0,25 mM e Lactato de lítio 64 mM (ALLENDORF et al., 1977). 50 3.8.3 Ensaios enzimáticos Os níveis de atividade foram determinados em um espectrofotômetro HP UV-VIS G 11007A, com unidade óptica modelo 8452A controlado por computador PC486, com processador matemático e interface HP-1B, software Kinetics. Todos os ensaios foram realizados a 25 C, em tampão de ensaio Imidazol 50mM pH 7,4, com substrato 1 e 10mM piruvato e cofatores NADH 0,15mM e KCN 1mM (DRIEDZIC, ALMEIDA-VAL, 1996). Para análises das atividades enzimáticas foram obtidos valores de média (mM) e desvio padrão. 51 4 RESULTADOS 52 4.1 Padrão eletroforético Análises do padrão eletroforético das hemoglobinas e globinas de P. geoffroanus foram realizadas a fim de estabelecer algumas características estruturais de relevância para os outros estudos realizados neste trabalho. Foram coletadas 22 amostras de sangue de Phrynops geoffroanus (12 machos e 10 fêmeas) as quais foram submetidas, após hemólise, a análises eletroforéticas. Todas as amostras coletadas foram submetidas a diferentes sistemas eletroforéticos no mesmo dia em que foram coletadas, a fim de se evitar alterações das hemoglobinas, como por exemplo, degradação, oxidação, polimerização, etc. 4.1.1 Perfil das hemoglobinas em eletroforese Na eletroforese alcalina (Figura 23) em acetato de celulose (pH 8,5), observou-se a presença de duas frações difusas, sendo a majoritária superior localizada em posição acima da hemoglobina A humana, e outra minoritária com migração próxima a hemoglobina S humana. Algumas frações difusas foram encontradas na eletroforese alcalina, podendo ser explicadas de duas maneiras: (1) Existência de mais de um tipo de Hb migrando em posições muito próximas, ou (2) pela oxidação das cisteínas, mas como sempre utilizamos amostras frescas não pudemos constatar se ocorreriam alterações com o “envelhecimento da amostra”. Na eletroforese em acetato de celulose em pH neutro (pH 7,0) (Figura 24), observaram-se duas frações próximas, na mesma posição da amostra de hemoglobina humana. Em algumas amostras foi observada uma fração difusa, atribuída à mudança do fornecedor de fita de acetato de celulose. A eletroforese de diferenciação em Ágar – Fosfato (pH 6,2) (Figura 25) apresentou duas frações, uma no ponto de aplicação e outra na posição da hemoglobina Fetal humana, sendo possível observar um rastro entre elas. 53 Figura 23 – (A, B) Eletroforose em acetato de celulose em pH alcalino. 1. Padrão AS humano, 2 e 3. Hb de P. geoffroanus; As setas indicam as frações difusas evidentes. (-) (+) A 1 2 3 1 2 3 B Hb A0 Hb S Hb A2 Anidrase Hb A Hb S Hb A2 Anidrase Figura 24 – Eletroforese em acetato de celulose em pH neutro. (A) Mostra apenas uma fração difusa: 1. Padrão AS Humana, 2 e 3. Hb P. geoffroanus; (B) Mostra a separação de duas frações: 1. Padrão AS Humana, 2 e 3. Hb de P. geoffroanus. AS AS A 1 2 3 B 1 2 3 (+) (-) F A F A 1 2 1 2 A B(-) (+) Figura 25 – Eletroforese em agar-fosfato (pH 6,2) (A, B). 1. Padrão AF humana. 2 e 3. Hb de P. geoffroanus. 54 A focalização isoelétrica (IEF) (Figura 26) permitiu a visualização de três frações hemoglobínicas. Esse método é o mais confiável, pois separa as hemoglobinas pelo pI, podendo ser considerado o método mais sensível utilizado neste trabalho, além de podermos visualizar as frações sem a necessidade de coloração, já que nenhum dos corantes aplicado é específico para hemoglobina, podendo corar outras tipos de proteínas. O sistema de análise eletroforética de globinas em pH alcalino não se apresentou eficiente às análises das hemoglobinas do cágado P. geoffroanus, não sendo possível uma visualização definida das amostras aplicadas. Nas análises de eletroforese de globinas em pH ácido (Figura 27) foi possível observar cinco frações evidentes, sendo que a primeira fração (GI) está localizada acima da cadeia A humana, a segunda (GII) está entre A e G, a terceira fração (GIII) próxima da G, a quarta (GIV) na posição da cadeia e a quinta (GV) na posição de A humana. Sendo que em algumas amostras, é possível visualizar uma separação de duas bandas na posição da terceira fração (GIII). Foi feita uma eletroforese de globinas em pH ácido, onde foram aplicados nos poços bandas recortadas de uma focalização isoelétrica (Figura 28). Observamos duas cadeias globínicas evidentes na fração I e “rastro” (GI e GII), sendo que as duas apresentam uma concentração semelhantes das duas cadeias, o que poderia indicar que o “rastro” seria a fração I oxidada. As frações II e III apresentaram três frações (GI, GII e GIII), mas a II apresenta a cadeia GIII em menos concentração, e a fração III apresenta a cadeia GII em menor concentração quando comparadas com as outras frações. 55 I Rastro II III (-) (+) Figura 26 – Focalização isoelétrica (IEF) de amostras de sangue de P. geoffroanus. As setas indicam as três frações evidentes. As amostras não foram coradas. (-) (+) 1 2 3 4 5 6 1 2 A G A A B Figura 27 – Eletroforese de globinas em pH ácido. (A) 1. Hb humana; 2, 3, 4, 5 e 6. Hb P. geoffroanus; (B) 1 e 2. Hb P. geoffroanus. IEF III II “rastro” I Figura 28 – Eletroforese de globinas em pH ácido realizado a partir das bandas recortadas de Hb de P. geoffroanus separada por focalização isoelétrica; Hb I Hb II Hb III Rastro GI GII GIII GIVGV GI GII GIII 56 4.1.2 Análises do perfil de hemoglobinas por cromatografia líquida catiônica de alta eficiência (HPCLC): Três hemoglobinas se mostraram mais evidentes (Figura 29). A primeira eluiu na janela da hemoglobina A0 humana, com tempo de retenção médio de 2,6±0,1 min variando entre os limites de 2,2 min a 2,8 min, e com concentração média de 5,5%, sendo encontrada em 22 amostras, de um total de 24 amostras analisadas nesse sistema. A segunda, majoritária, apresentou uma concentração média de 67,1% com tempo de retenção médio de 4,70±0,1 min, com variação de 4,65 min a 4,88 min, num total de 22 amostras das 24 analisadas. A terceira hemoglobina foi eluída na janela da hemoglobina C humana, possuindo um tempo de retenção médio de 5,02±0,06 min, variando de 4,97 a 5,02 min e apresentando uma concentração média de 28,5%, observou-se esse componente em 23 amostras (Ver quadro 04). A0 5,5% 2,6 min Unknown 67,1% 4,7 min C-WINDOW 28,5% 5,02 min Quadro 04 - Mostra as hemoglobinas separadas pelo HPCLC, concentração percentual da amostra e tempo de retenção, respectivamente. Figura 29 - Gráfico de eluição do HPCLC, mostrando os picos das hemoglobinas mais evidentes de P. geoffroanus. 57 4.2 Purificação Todas as amostras foram parcialmente purificadas por cromatografia de filtração em gel em resina Sephacryl S-100 HR para retirada de fosfatos e proteínas contaminantes. Houve várias tentativas de separação das hemoglobinas por cromatografia de troca iônica em resina DEAE-Sepharose, mas sem sucesso. Ocorre precipitação de material protéico na resina e indefinição de frações, prejudicando assim a sua separação. 4.3 Estudos funcionais Objetivou-se o conhecimento das propriedades funcionais das hemoglobinas de P. geoffroanus, e sua relação com a sua fisiologia, levando em consideração o hábito de mergulhar e a resistência do animal à hipóxia. 4.3.1 Efeito Bohr Estes dados se referem às propriedades funcionais do hemolisado total de Phrynops geoffroanus em relação à variação de pH a 20° C. Analisando o gráfico de log P50 versus pH (Figura 30) pode-se observar que todas as formas analisadas (stripped, Cl - 100mM, Cl- 100mM + ATP 0,1mM, ATP 0,1mM e ATP 1 mM) apresentaram efeito Bohr alcalino ou normal. Com a diminuição do pH, a afinidade da molécula pelo O2 diminuiu em virtude da ligação de prótons (evidente pelo aumento da P50), sendo necessária uma maior pO2 para saturar 50% dos sítios heme da hemoglobina. Os valores de P50 na forma stripped (sem fosfatos nem cloreto) variam de 7,8 a 1,1 mmHg entre pH 6 a 9, respectivamente. O efeito Bohr ( H+/heme= logP50/ pH), que mede o número de prótons liberados pela hemoglobina, neste caso foi de – 0,18 0,02 H+/heme, na faixa de pH entre 7 a 8, mantendo-se constante. Na presença de Cl- (NaCl 0,1M) o comportamento da hemoglobina foi semelhante ao da forma stripped, mas ocorreu um decréscimo da afinidade pelo O2 nos 58 pHs 7,0 e 7,5, causando um aumento do efeito Bohr, liberando um pouco mais de 1 próton por molécula (–0,38 0,01 H+/heme). Os valores de P50 variam de 9,6 a 1,8 mmHg entre pH 7,0 a 8,0, maiores que na forma stripped. Na presença simultânea de cloreto (NaCl 100mM) e ATP 0,1 mM, a molécula se comportou de forma semelhante à presença de ATP 0,1mM isoladamente. Entre os pHs 6,0 e 7,5 e no pH 9,0, ocorreu um decréscimo da afinidade se comparados com a forma stripped e com o cloreto. Porém, ocorreu um aumento no efeito Bohr entre os pHs 7,0 e 8,0, com medida de -0,52 0,01 H+/heme para Cl- + ATP e –0,53 0,01 H+/heme para ATP. Na presença dos efetores Cl- + ATP e ATP 0,1mM, o efeito Bohr foi mais significativo se comparado aos outros, e nessa condição, a molécula apresentou menor afinidade, isto é, para que pudesse ocorrer a ligação com o O2 foi necessária uma maior pressão parcial de oxigênio, que nestes casos variou de 16,2 a 1,8 mmHg e 24,0 a 1,7 mmHg entre os pHs 6 e 9, respectivamente, as mais altas se comparadas com as outras formas analisadas. No entanto, não houve diferença significativa entre cloreto + ATP e ATP, o que nos mostra que em presença de ATP, o cloreto não teria muita influência sob o comportamento da hemoglobina. Quando a concentração de ATP foi aumentada (1mM), o efeito Bohr foi o mais significativo entre todas as outras formas analisadas. A liberação de prótons foi de - 0,57±0,09 H+/heme, maior do que ocorre na presença de cloreto + ATP 0,1mM e na presença de ATP 0,1mM. Neste caso, a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio é menor que em todas as outras formas, sendo que a P50 é mais alta na faixa de pH de 6,0 a 7,5, variando de 26,3 a 15,04 mmHg. Em pH 8,0 a pressão é de 4,74 mmHg. No pH 8,5, a afinidade se encontra no mesmo patamar que na presença de Cloreto, e que na presença de Cloreto + ATP 0,1mM, com P50 a 2,56 mmHg. No entanto, em pH 9,0 a Hb apresenta uma afinidade maior do que a encontrada na presença de Cloreto + ATP 0,1mM, com o valor da P50 1,93 mmHg. Vale ressaltar que nos pHs 6,0, 6,5 e 7,0 o ATP (nas duas concentrações diferentes) foi adicionado à solução de hemoglobina somente após a leitura da forma oxigenada inicial, pois quando essa leitura era realizada após a adição de ATP os valores observados eram subestimados, devido a uma pequena desoxigenação. 59 A oxigenação das hemoglobinas de P. geoffranus foi cooperativa em todas as condições (Figura 31). O coeficiente de Hill (n50,) na forma stripped mostrou-se constante entre os pHs 6,0 a 8,5, com valor em torno de 1,47. No pH 9,0, houve um declínio para 1,24. Na presença de Cl-, a cooperatividade variou conforme o pH; os valores foram 1,53 e 1,62, para os pH 6,0 e 6,5, respectivamente, e entre os pHs 7,0 e 8,0, ocorreu um declínio nos valores do coeficiente, sendo que o menor valor chega a 1,23 e nos pHs 8,5 e 9,0, a cooperatividade se mantém constante em torno de 1,33 e 1,34, respectivamente. Na presença de ATP 1mM, a cooperatividade variou de 1,17 a 1,73. Além dessa descrição acima, para todas as condições experimentais é evidente a variação de acordo com o pH, conforme mostrado na figura, situando-se os valores médios entre 1,17 e 1,73. Figura 30 – Gráfico log P50 versus pH. Mostrando a afinidade da Hb pelo O2 com a variação do pH, em algumas condições (stripped, Cl- 100mM, Cl- 100mM + ATP 0,1mM, ATP 0,1mM e ATP 1mM). Dados a 20° C. 60 4.3.2 Efeito da Temperatura Estes dados, também, foram obtidos pelo método tonométrico (GIARDINA; AMICONI, 1981), com o intuito de observar o efeito da temperatura sobre a afinidade do oxigênio pelo hemolisado total de Phrynops geoffroanus em pH 7,5, variando a temperatura (15, 20 e 25 °C). Três condições experimentais foram analisadas: stripped, presença de ATP 0,1 mM e presença de cloreto (Cl-) 0,1 M. Analisando o gráfico de Van't Hoff (log P50 versus 1/T (K)) (Figura 32) observamos que a ligação do oxigênio com a hemoglobina sofreu variação com a Figura 31 – Gráfico n50 versus pH, mostrando os resultados encontradas sobre a cooperatividade do hemolisado de P. geoffranus. Dados obtidos a 20° C. 61 mudança de temperatura; quanto maior a temperatura menor foi a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, sendo necessária, então, uma maior pO2 para saturar a molécula. Esta situação foi observada em todas as condições analisadas, e ocorre devido à natureza exotérmica da oxigenação. O efeito da temperatura também afeta os efetores alostéricos (ATP e Cl-), já que são dependentes da ligação do O2 pela molécula (HLASTALA et al., 1977). O quadro abaixo mostra os valores de P50 encontrados nas análises de efeito da temperatura, onde pode se observar que nas três condições a afinidade por O2 diminuiu proporcionalmente ao aumento da temperatura, sendo os números muito próximos entre a forma stripped, presença de ATP e de Cl-. No entanto, a P50 se apresentou discretamente mais elevada na presença de ATP em 15 e 25°C, e discretamente menor na presença de cloreto em 15 e 20°C. P50 (mmHg) Temperatura stripped ATP Cl- 15º C 3,5 3,9 3,2 20º C 6,2 5,8 5,4 25º C 9,5 10,5 9,9 Quadro 05 – Variação da afinidade por oxigênio em função da temperatura para as hemoglobina de P. geoffroanus. 62 Condições Stripped -17,3 1,2 -6,7 0,1 -36,3 Cloreto 0,1 M -17,3 3,1 -6,6 0,1 -36,1 ATP 0,1 mM -18,8 1,1 -6,70 0,2 -41,4 Observando o quadro 06, notamos que os valores obtidos para a energia livre de reação ( G) foram muito próximos entre si. Por outro lado, a entalpia de oxigenação ( H) da hemoglobina, na forma stripped, foi de –17,3 1,2 Kcal, na presença de cloreto, –17,3 3,1 Kcal e de –18,8 1,1 Kcal para o ATP. Os valores mostraram-se próximos em todas as condições e ligeiramente maiores na presença de ATP. A variação da entropia ( S) foi sempre negativa; aquela obtida na stripped foi de –36,3 cal/mol*K e com cloreto –36,1 cal/mol*K, mostrando uma discreta variação nos dois Figura 32 – Gráfico de Van´t Hoff, log P50 versus 1/T (K), mostrando a variação da P50 das hemoglobinas de P. geoffroanus em diferentes temperaturas e condições. Quadro 06 – Parâmetros termodinâmicos da ligação de oxigênio pelas hemoglobinas de P. geoffroanus, em diferentes condições experimentais. 63 casos. Na presença de ATP, o valor obtido para a entropia foi um pouco maior, - 41,4 cal/mol*K. Observando a figura 33, podemos notar que a cooperatividade também varia com a mudança de temperatura. Os maiores valores de n50 apresentados foram obtidos a 15° C, variando de 1,6 0,2 a 1,7 0,2, não havendo diferença significativa entre as condições analisadas (stripped, Cl- e ATP). Em 20° C, os valores encontrados na presença de ATP foram altos, porém, na forma stripped (1,1 0,04) e com cloreto, (1,2 0,08) decaem. Os menores valores apresentados estão a 25° C, variando de 1,1 0,06 a 1,5 0,07. Apesar da presença de alguns valores muito baixos, o processo cooperativo se mantém (n50>1). Com o aumento da temperatura a cooperatividade diminui. Figura 33 – Gráfico da cooperatividade (n50) versus 1/T (K), mostrando os valores de cooperatividade obtidos para o estudo de efeito da temperatura em várias condições experimentais. 64 4.3.3 Titulação com ATP Este experimento teve como objetivo a determinação da constante de ligação às formas oxi (KO) e desoxigenada (KD) por meio da titulação com fosfatos orgânicos (ATP), estes dados foram obtidos pelo método tonométrico (GIARDINA; AMICONI, 1981). Foram utilizadas concentrações crescentes de ATP (0,03 mM, 0,045 mM, 0,09 mM, 0,1 mM, 0,5 mM, 1 mM e 2 mM). Os resultados (Figura 34) mostraram que a afinidade por oxigênio primeiro decai; a P50 aumenta variando de 4,5 mmHg a 6,3 mmHg, até atingir um platô de P50=8,5mmHg em concentração 0,1mM, conforme esperado para uma hemoglobina com ligação preferencial por fosfatos à forma desoxigenada, porém, após atingir o platô a afinidade começou a aumentar, e a P50 chegou a 4,0 mmHg para concentração de 2mM. Na fase inicial da titulação, foi obtida uma inclinação ( logP50/ [ATP]) de x=0,60/heme, sugerindo que existiriam aproximadamente dois sítios de ligação para ATP na forma desoxigenada. Na segunda curva, o x= -0,56/heme, indicou também a existência de pelo menos dois sítios de ligação na forma oxigenada. As constantes de ligação para as formas oxigenada (KO) e desoxigenada (KD) não puderam ser determinadas, pois não foi encontrado um ajuste para esta situação, não havendo uma fórmula que pudesse encontrar um valor coerente para elas. A fórmula usada nas tentativas de ajustar os dados experimentais foi o modelo proposto por Olianas et al. (2005) (equação 25): logP50=logP0+1/4*log(1+K1t[ATP]+K1t*K2t[ATP] 2)/(1+K1r[ATP]+K1r*K2r[ATP] 2)] (25) 65 4.4 Oxidação induzida por peróxido de hidrogênio Para observação da velocidade da formação de meta-hemoglobina em amostras não tratadas com agentes redutores dos grupos SH, foi adicionada água oxigenada 10% (H2O2) às amostras de Hb do cágado e humana adulta A0. Acompanhamos o decréscimo da absorbância no comprimento de onda de 576 nm (pico da oxi-hemoglobina), durante 15 minutos (Figura 35). A seguir a reação do peróxido de hidrogênio com ferro da hemoglobina: Fe2+ + H2O2 Fe3+ + .OH- + .OH- Para o cálculo das velocidades e plotagem do gráfico usamos a equação 26, decaimento exponencial bifásico: y=y0 + A1*e -K1t + A2*e –K2t (26) Figura 34 – Gráfico do log P50 versus log concentração de ATP (M), na qual é possível observar uma curva bifásica. 66 Analisando o gráfico podemos observar que a Hb humana apresenta duas velocidades de reação K1= 0,41 U.A./min e K2= 0,05 U.A./min, e a diferença da concentração da Hb no t=0 (0,022mM) pela concentração da Hb no t=15 min (0,016mM), foi de 0,006 mM, mostrando que com a formação de meta-hemoglobina, a concentração da forma ferrosa diminuiu 27,3%. Foram aplicadas duas amostras de hemoglobinas do cágado, uma mais recente (H1) e uma mais antiga (H2, 2 meses mais velha), na tentativa de observar a influência do fenômeno de agregação na oxidação da meta-hemoglobina. Apresentando as seguintes velocidades de reação: H1 (recente): K1= 0,99 U.A./min e K2= 0,17 U.A./min; E a diferença de concentração da Hb em t=0 (0,028mM) pela concentração em t=15min (0,018mM) foi de 0,01mM, indicando que houve uma diminuição da concentração da oxi-hemoglobina de 35,7%. H2 (antiga): K1= 1,35 U.A./min e K2= 0,16 U.A./min; A diferença de concentração do t=0 (0,046mM) pelo t=15min (0,037mM) foi de 0,009mM, indicando que houve uma diminuição da concentração de 19,6% na concentração da oxi-hemoglobina. Podemos observar que, independente do tipo de amostra, em K1 há um declínio mais rápido da amplitude, isto é, na primeira fase a oxidação é mais rápida. No K2, a amplitude é menor e se mantém constante, a oxidação se estabiliza. Constatamos que a hemoglobina humana é mais estável que a hemoglobina do cágado independente do tempo da amostra. A diferença observada entre as Hbs da P. geoffroanus poderia ser explicada pela diferença da concentração inicial, pois a H2 está mais concentrada, diminuindo as proporções entre a Hb e o agente oxidante. Outra possível explicação seria que a amostra mais antiga já poderia ter um pouco de meta-hemoglobina formada, pelo fato de estar guardada a mais tempo. 67 4.5 Análise das cisteínas Muitos grupos de vertebrados (elasmobrânquios, anfíbios e répteis) possuem hemoglobinas que sofrem polimerização sob condições oxidantes. Essas moléculas contêm grupos SH livres na superfície, que podem formar ligações dissulfeto entr