Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação NATÁLIA NAKANO Princípios do Design da Informação na Curadoria Digital de Ambientes Virtuais de Aprendizagem sob a perspectiva da Ciência da Informação Marília - SP 2019 NATÁLIA NAKANO Princípios do Design da Informação na Curadoria Digital de Ambientes Virtuais de Aprendizagem sob a perspectiva da Ciência da Informação Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília, para o exame de defesa do doutorado em Ciência da Informação. Área de Concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento Linha de Pesquisa: Informação e Tecnologia Orientadora: Prof. Dr. Maria José Vicentini Jorente Co-orientador: Jordi Planella-Ribera Marília - SP 2019 N163p Nakano, Natália Princípios do Design da Informação na Curadoria Digital de Ambientes Virtuais de Aprendizagem sob a perspectiva da Ciência da Informação / Natália Nakano. -- Marília, 2019 165 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientadora: Maria José Vicentini Jorente Coorientador: Jordi Planella-Ribera 1. Informação e Tecnologia. 2. Design da Informação. 3. Curadoria Digital. 4. Educação à Distância. 5. E-learning. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. NATÁLIA NAKANO Princípios do Design da Informação na Curadoria Digital de Ambientes Virtuais de Aprendizagem sob a perspectiva da Ciência da Informação BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Profa. Dra. Maria José Vicentini Jorente (orientadora) Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista / UNESP Departamento de Ciência da Informação ____________________________________________ Prof. Dr. Jordi Planella Ribera (co-orientador) Universitat Oberta de Catalunya Departamento de Psicología y Ciencias de la Educación ____________________________________________ Prof. Dr. Aquiles Alencar-Brayner British Library ____________________________________________ Prof. Dr. Edberto Ferneda Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista / UNESP Departamento de Ciência da Informação ____________________________________________ Prof. Dr. Seán Bracken Worcester University Education Department ____________________________________________ Prof. Dr. Daniel Martínez-Ávila Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista / UNESP Departamento de Ciência da Informação Local: Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Filosofia e Ciências – Campus de Marília. Data: 18/03/2019. Dedico este trabalho ao meu marido Alberto de Almeida Silva e à minha filha Isabela Nakano e Silva, a razão de tudo AGRADECIMENTOS À Deus porque mesmo quando as coisas dão errado, elas dão certo. Ao meu pai (in memorian) e minha mãe por me apoiarem nos meus projetos. À minha irmã e companheira, Mariana Toyo Nakano. Ao meu irmão, Milton Kanenori Nakano, por cuidar de nós. Ao Alberto Almeida Silva e Isabela Nakano e Silva, meus amados, minha vida. À Maria José Vicentini Jorente por existir em minha vida, pela sua generosidade e pelos ensinamentos. À Jordi Planella Ribera por aceitar o desafio. Ao Aquiles Alencar-Brayner, pela valiosa contribuição para esta pesquisa e pela participação como membro na banca. Ao Edberto Ferneda, pelo apoio e colaboração desde o início da minha carreira acadêmica. To Seán Bracken, for supporting me and contributing to my research. Ao Daniel Martínez-Ávila, pela amizade e por torcer por mim. À Débora Deliberato e José Eduardo Manzini por me inspirarem e por serem meus modelos. Aos professores, funcionários, colegas e aos bons amigos que conheci na Unesp, pelo conhecimento compartilhado e amizade que perdurará para a vida. À UNESP, por tornar possível este projeto de vida. À CAPES pelo financiamento da pesquisa RESUMO A Ciência da Informação (CI), ciência interdisciplinar que se preocupa com os processos e configurações da informação desde o momento em que é criada até o momento em que é utilizada, era entendida, no passado, como exclusiva dos estudos em documentação, biblioteconomia e arquivologia. A partir da Segunda Guerra Mundial, e posteriormente com o volume crescente de informação digital produzida na Internet, a CI passa a incorporar novos estudos interdisciplinares para dar conta dos problemas complexos advindos da explosão informacional. A possibilidade de capacitação e educação formal por meio da Internet é fenômeno emergente resultante da consolidação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no âmbito da Sociedade da Informação. As potencialidades do uso das tecnologias no contexto educacional sob a égide da Ciência da Informação - e nela o Design da Informação (DI) - são emergências que também devem ser incluídas como interdisciplinares e domínio de preocupação da CI e do DI. Nesse contexto de introdução das TIC na potencialização da comunicação da informação para a educação estão os cursos de Educação a Distância. Essa pesquisa entende que os processos de tratamento da informação, bem como os processos de interação em plataformas de Educação a Distância (EaD) direcionados à construção do conhecimento estão relacionados ao DI e são concernentes e interdisciplinares à CI. Assim, essa pesquisa propõe um estudo transdisciplinar que objetiva apontar os elementos proporcionados pela interdisciplinaridade entre a CI, o DI e a Curadoria Digital para constituir uma plataforma digital de um curso superior de EaD eficaz, eficiente e que possa promover uma experiência significativa ao cursante. Considerando a complexidade do projeto ideal de uma plataforma de curso EaD, essa pesquisa direcionará os objetivos para o estudo, a discussão e análise em três dimensões: a dimensão pedagógica, a dimensão da curadoria dos objetos digitais de aprendizagem e a interface de interação. A metodologia escolhida para esse estudo é a metodologia do Design Thinking, consideradas nas suas fases de imersão, ideação e prototipação. Na fase de imersão, a observação participante em um curso de graduação na modalidade a distância foi realizada, a fase de ideação se dá com base nos princípios de Design e na sua especialidade, o DI, e a prototipação é sugerida no ambiente Moodle. Palavras-Chave: Informação e Tecnologia. Design da Informação. Curadoria Digital. Educação à Distância. E-learning. ABSTRACT Information Science (IS), an interdisciplinary science that investigates the processes and configurations through which information passes from the moment it is created to the moment it is used was understood, in the past, as exclusive from studies in documentation, librarianship and archival science. Since World War II, and subsequently with the increasing volume of digital information produced on the Internet, IS integrates new interdisciplinary studies to address the complex problems caused by the information explosion. The possibility of education on the Internet is an emerging phenomenon resulting from the consolidation of Information and Communication Technologies (ICT) within the scope of Information Society. The potentialities of technologies in the educational context under the aegis of Information Science - and Information Design in it - are emergencies that must also be included as interdisciplinary and of concern for IS and ID. In this context of introduction of ICT in the enhancement of information communication to education are Distance Education courses. This research understands that the processes of information treatment, as well as the processes of interaction in Distance Education (DE) platforms aimed at knowledge construction are related to ID and are interdisciplinary and related to IS. Thus, this research proposes a transdisciplinary study aiming to point out the elements provided by the interdisciplinarity across IS, ID and Digital Curation to constitute a digital platform of an effective and efficient higher education DE course that can promote a significant experience to the student. Considering the complexity of the ideal design of a DE course platform, this research focuses the objectives for study, discussion and analysis in three dimensions: the pedagogical dimension, the dimension of the digital curation of digital learning objects and the dimension of the interaction interface. The methodology chosen for this study is the Design Thinking methodology, considered in its phases of immersion, ideation and prototyping. In the immersion phase, participant observation in an undergraduate course in the distance modality was carried out, the ideation phase is based on the principles of Design and its discipline, ID, and prototyping phase is suggested in the Moodle environment. Keywords: Information and Technology. Information Design. Digital Curation. Distance Learning. E-learning LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Fases do Design Thinking ..................................................................................... 27 Figura 2 – Crescimento do Ensino Superior no Brasil ............................................................ 33 Figura 3 – Cursos totalmente a distância, por nível acadêmico, em números absolutos ...... 49 Figura 4 – Organização da EaD no Brasil............................................................................... 54 Figura 5 – Mapa conceitual das teorias de aprendizagem e um resumo dos seus princípios basilares ............................................................................................................................ 62 Figura 6 – Teoria do Conectivismo ......................................................................................... 62 Figura 7 – Principais áreas interdisciplinares ao DI ................................................................ 80 Figura 8 – Ciclo de vida da curadoria digital proposto por Higgins ........................................ 82 Figura 9 – Curadoria Digital por Aquiles Brayner ................................................................... 97 Figura 10 – Princípios do DI de acordo com Pettersson ...................................................... 105 Figura 11 – Proporção The Golden Ratio ............................................................................. 111 Figura 12 – The Golden Ration aplicada a um quadrado ..................................................... 111 Figura 13 – Sequência Fibonacci .......................................................................................... 112 Figura 14 – Aplicação da The Golden Ratio em interface e imagem ................................... 112 Figura 15 – Exemplo de unidade .......................................................................................... 115 Figura 16 – Exemplo de segregação .................................................................................... 115 Figura 17 – Exemplo de unificação ....................................................................................... 116 Figura 18 – Exemplo de fechamento .................................................................................... 116 Figura 19 – Exemplo de continuidade ................................................................................... 117 Figura 20 – Exemplo de proximidade ................................................................................... 117 Figura 21 – Exemplo de semelhança .................................................................................... 118 Figura 22 – Exemplo de pregnância ..................................................................................... 119 Figura 23 – Página inicial da instituição observada .............................................................. 125 Figura 24 – Página da área do aluno .................................................................................... 125 Figura 25 – Página principal do curso no Blackboard .......................................................... 126 Figura 26 – Caixa dropdown ................................................................................................. 127 Figura 27 – Disciplina no Blackboard .................................................................................... 128 Figura 28 – Fale com seu tutor ............................................................................................. 128 Figura 29 – Fórum da disciplina ............................................................................................ 129 Figura 30 – Pessoas matriculadas na disciplina Língua Inglesa .......................................... 130 Figura 31 – Exemplo de página inicial do material didático ................................................. 132 Figura 32 – Tela inicial do Blackboard acesso móvel ........................................................... 134 Figura 33 – Tela menu da versão móvel do aplicativo ......................................................... 135 Figura 34 – Tela cursos da versão móvel do aplicativo ........................................................ 136 Figura 35 – Exemplo de uma disciplina no acesso móvel do curso ..................................... 137 Figura 36 – Exemplo da tela discussões .............................................................................. 138 Figura 37 – Tela collaborate .................................................................................................. 139 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Perfil dos alunos por curso e categoria administrativa ......................................... 50 Tabela 2 – Justificativa para evasão ....................................................................................... 51 Tabela 3 – Carga horária dos cursos totalmente a distância, por categoria administrativa... 51 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Resumo das teorias de aprendizagem ................................................................ 60 Quadro 2 – Resumo dos três aspectos propostos por Carliner para abordagem do Design da Informação ................................................................................................................. 103 Quadro 3 – Checklist de Interação ........................................................................................ 124 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABED Associação Brasileira de Educação a Distância ASIS American Society for Information Science AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem BIOE Banco Internacional de Objetos Digitais CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CCD Digital Curation Center CCK08 Connectivism and Connective Knowledge CD Curadoria Digital CF Constituição Federal CFE Conselho Federal de Educação CI Ciência da Informação CNE Conselho Nacional de Educação DED Diretoria de Educação a Distância DI Design da Informação DT Design Thinking EaD Educação a Distância GPL Affero General Public License IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDJ Information Design Journal IEEE Institute of Electrical and Electronic Engineers IES Instituições de Educação Superior INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IUB Instituto Universal Brasileiro HP Hewlett Packard LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LISa Repositório Digital de Recursos Educacionais Livre Saber LOM Learning Objetct Metadata Standard LTI Interoperabilidade de Ferramentas de Aprendizagem MEC Ministério da Educação MIT Massachusetts Institute of Technology MOOCs Massive Open Online Courses NEaD Núcleo de Educação a Distancia da Unesp PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PLANATE Plano Nacional de Tecnologias Educacionais PPC Projeto Pedagógico de Curso PPI Projeto Pedagógico Institucional Prontel Programa Nacional de Telecomunicação OAI-PMH Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting ODA Objetos Digitais de Aprendizagem SBDI Sociedade Brasileira de Design da Informação Sebrae Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SEED Secretaria de Educação a Distância Sistema UAB Sistema Universidade Aberta do Brasil TIC Tecnologias de Informação e Comunicação UnB Universidade de Brasília UX User Experience W3C World Wide Web Consortium WCAG Web Content Accessibility Guidelines XML Extensible Markup Language SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16 1.1 Pressuposto, Tese e Hipótese ............................................................................... 19 1.2 Objetivo Geral ......................................................................................................... 20 1.3 Objetivos específicos ............................................................................................. 21 1.4 Metodologia ............................................................................................................ 21 1.5 Estrutura do Trabalho............................................................................................. 29 2 PANORAMA DA EAD NO BRASIL ......................................................................... 32 2.1 A Educação a Distância no Brasil: marcos regulatórios, as políticas públicas e o estado da arte da EaD no Brasil .................................................................................. 35 2.2 Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância ......................... 40 2.3 Caracterização da EaD no Brasil: o estado da arte da EaD no Brasil ................. 48 2.4 Considerações do Capítulo .................................................................................... 53 3 O CONECTIVISMO E A HERANÇA FREIREANA PARA A EaD .......................... 57 3.1 A Teoria do Conectivismo ...................................................................................... 59 3.2 A Teoria do Conectivismo convergente aos ensinamentos de Paulo Freire ....... 71 3.3 Considerações do Capítulo .................................................................................... 73 4 INTERDISCIPLINARIDADES ENTRE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, DESIGN DA INFORMAÇÃO E CURADORIA DIGITAL ............................................................ 77 4.1 Repositórios de Objetos Digitais de Aprendizagem .............................................. 84 4.1.1 Curadoria Digital para Repositórios de Objetos Digitais de Aprendizagem ...... 88 4.2 Uso de redes sociais na Curadoria Digital de Ambientes Virtuais de Aprendizagem............................................................................................................... 96 4.3 Considerações do Capítulo .................................................................................... 99 5 PRINCÍPIOS DO DESIGN DA INFORMAÇÃO PARA INTERFACES DE AVA .. 102 5.1 Princípios Funcionais e Princípios Estéticos do Design da Informação............. 106 5.2 As Leis da Gestalt ................................................................................................ 113 5.3 Considerações do Capítulo .................................................................................. 119 6 RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E PROTOTIPAÇÃO DA PLATAFORMA EaD NO MOODLE........................................................................... 122 6.1 Observação Participante na Plataforma Blackboard .......................................... 124 6.2 Considerações da observação participante ........................................................ 140 6.3 Protótipo na plataforma Moodle para cursos EaD .............................................. 141 6.4 Interoperabilidade no Moodle .............................................................................. 144 6.5 Considerações do Capítulo .................................................................................. 146 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 149 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 153 1 Introdução 16 1 INTRODUÇÃO Os designers estão eternamente ligados a tratar como real aquilo que existe somente em um futuro imaginado, e tem que especificar maneiras nas quais aquilo que ele previu pode vir a existir. (JONES, 1992, p. 10) A Sociedade da Informação tem sido moldada por uma série de fatores como redes sociais e novas tecnologias móveis. Além disso, a possibilidade de acessar a Internet a custos baixos têm impactado o acesso, a produção, a disseminação e o compartilhamento da informação e, consequentemente, tem possibilitado a construção de conhecimento de forma nunca antes testemunhada pela humanidade. A Ciência da Informação (CI), que se preocupa com os processos e configurações da informação desde o momento em que é criada até o momento em que é utilizada, era entendida, no passado, como exclusiva dos estudos em documentação, biblioteconomia e arquivologia. A partir da Segunda Guerra Mundial, e posteriormente com o volume crescente de informação digital produzida na Internet, a CI passa a incorporar estudos interdisciplinares, uma vez que o objeto informação não é exclusivo somente dessa ciência. Do ponto de vista de Saracevic (1996, p. 42) a CI volta-se aos problemas humanos da efetiva comunicação do conhecimento em um contexto social, podendo suas características fundamentais serem expressas como: 1) interdisciplinar por natureza e em constante movimento agregador; 2) ligada inexoravelmente à tecnologia da informação; 3) participante ativa da evolução da sociedade da informação, de maneira convergente a outros campos de pesquisa e aplicação. Portanto, a CI como disciplina social deve abarcar também as associações relativas à informação e deve permear os aspectos físicos, cognitivos, contextuais e sociais da informação. Um dos objetivos da CI é organizar recursos de informação para que os indivíduos possam acessar as informações relevantes convenientemente, satisfazer suas necessidades e utilizar adequadamente a informação. No mesmo sentido, de acordo com Orna e Stevens (1991, p. 197, tradução nossa), o Design da Informação (DI) pode ser amplamente entendido como "tudo o que fazemos para tornar as ideias visíveis para que outras possam torná-las próprias e usá-las para seus 17 próprios propósitos". Essa forma de pensar a informação tanto na CI quanto no DI significa, de fato, instituir um processo de operação sobre o conhecimento representado por sinais. Capurro (1992) sugere, no seu artigo What is Information Science for? A philosophical reflection, que o foco dos estudos da CI, a partir de estudos de tecnologia da informação, está intimamente relacionado às possibilidades que essas tecnologias têm em relação às capacidades corporais dos sujeitos, o que não implica em avaliar apenas a facilidade de uso e o design ergonômico (questões estruturais) de sistemas de informação. Assim, Capurro (1992) destaca a observação de Orna e Stevens (1991) em que os autores descrevem uma relação/aliança entre CI e DI, e consideram todas as dimensões da existência humana, que vão além das questões estéticas e corporais, incluindo a percepção e o comportamento do indivíduo como um todo. O DI surge como uma disciplina que aborda questões projetuais anteriores aos problemas estruturais ao destacar a organização da informação em espaços físicos e digitais, ao lidar com a representação de maneira tridimensional, ao produzir significado e compreensão por meio da linguagem, dos sinais, das palavras e formas – o DI busca abordar grande volume informacional, especialmente em ambientes digitais. Outro fenômeno emergente resultante da consolidação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no âmbito da Sociedade da Informação diz respeito à possibilidade de capacitação e educação formal por meio da Internet. As potencialidades do uso das tecnologias no contexto educacional são emergências que também devem ser incluídas como interdisciplinares e de preocupação da CI e nela, o DI. Nesse contexto de introdução das TIC na potencialização da comunicação da informação para a educação estão os cursos de Educação a Distância (EaD). Embora os cursos à distância existam há mais de 100 anos no Brasil - uma vez que seu início se deu como cursos por correspondência no fim do século XIX, com a expansão da estrada de ferro e a impressão de material (CARVALHO JÚNIOR, 2012) - atualmente, a disponibilidade de cursos na Internet é uma realidade implementada no Brasil sob a forma de EaD, ou até mesmo formatados como Massive Open Online Courses (MOOCs). O que caracteriza os cursos a distância 18 são as possibilidades tecnológicas e de interação de cada período histórico, mas é inegável que se encontram imbricados na nossa sociedade para aqueles que preferem capacitar-se por meio de um ambiente digital, para os nativos digitais, e em especial para aqueles sujeitos que possuem limitações de recursos e de locomoção. Essa pesquisa entende que os processos de tratamento da informação, bem como os processos de interação em plataformas de EaD direcionados à construção do conhecimento estão relacionados ao DI e são concernentes e interdisciplinares à CI. A criação e disponibilização de cursos que utilizam a Internet como meio para divulgar e disseminar conhecimento tornam-se relevantes não apenas no cenário mundial, mas principalmente no cenário brasileiro atual, pois a crise econômica e educacional enfrentada pelos brasileiros leva cientistas e profissionais de diferentes áreas a pensar em soluções criativas menos custosas mas não menos eficientes que possam alcançar o maior número de pessoas possível. A iniciativa do Núcleo de Educação a Distancia da Unesp (NEaD) e a Universidade Aberta do Brasil são exemplos bem-sucedidos do uso da Internet para construção do conhecimento sem custo para os aprendizes cursantes. As TIC são necessárias na contemporaneidade quando o número de pessoas que aspiram se especializar e precisam de educação superior está aumentando, e, portanto, a necessidade de se adaptar e lidar com esse fenômeno se torna evidente. Em 2002, o Ministério da Educação (MEC) designou uma Comissão Assessora com a finalidade de apoiar a Secretaria de Educação Superior na alteração das normas que regulamentavam a oferta de EaD em nível superior e dos procedimentos de supervisão e avaliação do ensino superior a distância (BRASIL, 2002). A justificativa para alteração das normas foi o grande número de brasileiros desejosos de uma formação superior, e que por diversas razões, principalmente econômicas, não conseguiam ingressar nos cursos presenciais oferecidos naquela época. A estimativa do MEC naquele ano era de que a demanda por vagas excedia a oferta em três vezes o número de vagas ofertadas, e que o contingente de estudantes do ensino superior crescia rapidamente a cada ano, com o aumento dos concluintes do ensino médio. A estimativa da época era de 3 milhões de alunos 19 matriculados em cursos de graduação em 2002, e que seria necessária a abertura de 875 mil novas vagas até 2004. Assim, de acordo com o relatório, Considerando as dimensões do país, a quantidade de pessoas a serem educadas, a infraestrutura física disponível e o número de educadores com capacidade para facilitar esse processo, a educação à distância no ensino superior é, mais do que viável, necessária (BRASIL, 2002, p. 5). Nesse contexto social da disseminação do conhecimento e da informação, emerge, na configuração desse processo, a necessidade de se considerar o DI como ciência, disciplina e metodologia para lidar com os problemas trazidos por essa emergência e a apresentação de soluções efetivas. Assim, esta pesquisa propõe um estudo sobre a complexidade da realidade informacional brasileira e a proposição da inclusão princípios do DI para ambientes virtuais de aprendizagem de cursos de educação superior em EaD, considerando que a busca da melhora é constante nas iniciativas brasileiras nesta modalidade de cursos. 1.1 Pressuposto, Tese e Hipótese Partindo do pressuposto de que dificuldades na interação com o ambiente virtual de aprendizagem (AVA) pode ser impeditiva para o aprendiz cursante e se caracterizar em uma das razões de evasão dos cursos EaD, o DI, em especial, tem papel fundamental, uma vez que esse não se preocupa apenas com a interface de interação ou a estrutura do ambiente, mas vai além, abarcando os processos envolvidos desde a concepção da ideia do projeto, a construção do espaço digital até a sua implantação, a avaliação e o ciclo iterativo, pois o DI objetiva apresentar e garantir o acesso efetivo à informação nesses espaços de maneira que o conhecimento possa ser construído. De acordo com o Censo EaD 2015/2016 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2016), as taxas de evasão reportadas nos cursos a distância são maiores que as taxas dos cursos presenciais, de 26% a 50%, com 40% das ocorrências nas instituições que oferecem cursos totalmente a distância. As instituições de cursos presenciais apontam o fator tempo como o mais influente no fenômeno evasão, seguido do fator finanças. No 20 entanto, as instituições que oferecem cursos totalmente à distância não justificaram a evasão, pois afirmam que os alunos podem retornar ao curso a qualquer momento (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA, 2016). Nesse cenário, a tese do presente projeto é que universidades públicas necessitam prever, considerar e incluir no Projeto Pedagógico da Instituição ou no Projeto Pedagógico do Curso uma plataforma de EaD que seja eficaz, eficiente e que ofereça uma boa experiência para o cursante internauta. A CI pode contribuir com conhecimentos disciplinares desenvolvidos na Curadoria Digital (CD) com equipes multidisciplinares na construção de ambientes digitais de aprendizagem e capacitação. Partimos da hipótese de que uma pesquisa apontando os princípios de DI para constituir um curso a distância pode subsidiar as universidades públicas brasileiras na oferta de cursos EaD. Pretende-se utilizar as bases epistemológicas da CI, em especial dos estudos de CD, bem como os princípios do DI dentro dos preceitos legais da Educação Superior a Distância no Brasil, a fim de construir o arcabouço teórico-prático que possa orientar o desenvolvimento de plataformas de cursos EaD de qualidade em universidades públicas brasileiras. A justificativa se dá, não apenas pela demanda contemporânea de aliar as TIC ao compartilhamento da informação e formação de cidadãos, mas pela premência do país em suprir as necessidades dos jovens e adultos em se qualificar para a vida. 1.2 Objetivo Geral Esse projeto de pesquisa propõe um estudo transdisciplinar que pretende apontar os elementos proporcionados pela interdisciplinaridade entre a CI, o DI e a CD para constituir uma plataforma digital de um curso superior de EaD eficaz, eficiente e que possa promover uma experiência significativa ao cursante. Considerando a complexidade do projeto ideal de uma plataforma de curso EaD, essa pesquisa direcionará os objetivos para o estudo, a discussão e análise de três dimensões: a dimensão pedagógica, a dimensão da curadoria dos objetos digitais de aprendizagem e a interface de interação. Assim, discussões sobre a biblioteca na EaD, o papel dos agentes da EaD, por exemplo, não serão incluídas. 21 1.3 Objetivos específicos 1. Investigar os marcos regulatórios, as políticas públicas e o estado da arte da EaD no Brasil a fim de estabelecer o contexto do ponto de partida do objeto de pesquisa; 2. Apresentar o Conectivismo como uma proposta pedagógica adequada para fundamentar um curso a EaD, para fundamentar a dimensão pedagógica a ser discutida. O Conectivismo está alinhado à herança freireana e também em consonância com o mundo conectado; 3. Traçar as interdisciplinaridades entre a CI, o DI e a CD, disciplinas que oferecem soluções estratégicas para as dimensões propostas da investigação; 4. Propor elementos teóricos de DI para uma plataforma EaD que incorpore os elementos complexos e peculiares da sociedade da informação; 5. Apresentar e discutir as possibilidades de um software livre que possa subsidiar um protótipo de curso EaD eficaz e eficiente. 1.4 Metodologia A metodologia escolhida para esse trabalho foi a metodologia do Design Thinking (DT), consideradas nas suas fases de imersão, ideação e prototipação. Jones (1992), no livro Design Methods reconhece que o designer também deveria ser chamado de planejador, pois afirma que o objetivo do designer é “iniciar a mudança nas coisas feitas pelo homem”, isto é, que os objetivos do Design desviam o foco do objeto ou produto manufaturado e passa a se preocupar mais com as mudanças que os fabricantes, distribuidores, indivíduos e sociedade como um todo podem fazer para se adaptar e se beneficiar de um novo design. Neste mesmo sentido, Mitchell (1992, p. ix) afirma que a velha ideia do Design, herança da época da Revolução Industrial, traduzida como uma atividade de desenho de objetos para serem produzidos em larga escala está superada e convive com outras ideias do que é o Design: a) Design como processo de conceber não apenas produtos individualmente, mas sistemas completos ou ambientes como 22 aeroportos, hipermercados, currículos educacionais, sistemas bancários, redes de computadores, software, etc; b) Design como participação, como o envolvimento do público no processo de tomada de decisões; c) Design como criatividade, supostamente presente em todas as pessoas; d) Design como uma disciplina educacional que une arte, ciência e metodologia; e) Design como uma ideia de desenhar um processo ou modo de vida, sem necessariamente a existência de um produto. Por outro lado, para Tim Brown (2009, p. 30, tradução nossa), o que se deu foi uma evolução do Design para o DT: “a evolução do design para o design thinking é a história da evolução da criação de produtos para a análise da relação entre pessoas e produtos e daí para a relação entre pessoas e pessoas”. De acordo com Brown (2009), o DT oferece uma abordagem efetiva e amplamente acessível para alcançar soluções não apenas para empresas, mas também para a sociedade; trata-se de uma metodologia que permite ser integrada a diferentes questões e que motiva as pessoas a criarem e gerarem ideias possíveis de serem realmente implementadas. Para o autor, a metodologia do DT deve colocar as ferramentas nas mãos das pessoas que nunca antes se imaginaram como designers e poder aplicar essas ferramentas. No Brasil, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) tem encorajado a aplicação do conceito e da metodologia do DT para resolução de problemas empresariais. O Sebrae reconhece que o DT “[...] ajuda na imersão e no entendimento de parâmetros e padrões essenciais para criar projetos de melhor qualidade” (Sebrae, 2017). Como exemplo de aplicação do DT para resolução de um problema real, um case de DT no Vietnã é relatado pelo Sebrae. O problema a ser resolvido pela equipe de Design era que em determinada região no Vietnã, 65% das crianças abaixo de 5 anos encontravam-se subnutridas. Com a aplicação da metodologia de DT, a equipe conseguiu diminuir esse número para 20%. As seguintes etapas metodológicas do DT foram aplicadas: na fase de Imersão, a equipe observou não apenas as crianças subnutridas, mas observou também famílias com valores atípicos – famílias muito pobres cujos filhos estavam com boa saúde. Destaca-se que, nessa fase de imersão, o designer deve esquecer a especificidade, 23 especialização ou o foco no problema em si para tentar enxergar a complexidade do todo, para ser capaz de perceber que a solução do problema não necessariamente precisa vir de um produto novo ou de um novo processo, o que pode ser de difícil aplicação com as pessoas da comunidade observada. Com a análise dos resultados da observação, constatou-se que as famílias pobres observadas acrescentavam pequenos camarões, caranguejos e caramujos encontrados em arrozais nas suas refeições. Percebeu-se também que o intervalo entre as refeições era menor do que os intervalos praticados pelas famílias desnutridas. Assim, na fase de ideação, a equipe criou aulas para ensinar as famílias com crianças desnutridas os hábitos culinários das famílias com valores atípicos observados. Na fase de Prototipação houve a reprodução desse trabalho em outras aldeias. Observa-se que a inovação trazida pela metodologia do DT é que o processo de resolução de um problema não se detém apenas no problema em si, mas emerge a partir da observação do que as pessoas fazem ou deixam de fazer. A metodologia do DT inova colocando as pessoas no centro, ou seja, conhecendo-as, imergindo na sua comunidade e conhecendo sua complexidade e seu espírito a fim de encontrar uma solução que seja efetiva, evitando que a solução seja imposta top-down pelas instituições oficiais – o que pode não ser eficaz nem efetivo. Em linha com o que Tim Brown (2009) afirma, qualquer pessoa tem a potencialidade de ser um designer, porém é necessário abandonar pré-conceitos e julgamentos e se abrir para observar pessoas no seu contexto e na sua cultura. A observação torna-se importante uma vez que nem sempre as pessoas sabem o que querem – elas simplesmente se acostumam com um design ruim e até resistem em mudar. De acordo com Brown (2009, p. 29), Henry Ford, criador da marca automotiva, afirmou que se ele tivesse perguntado aos seus clientes o que eles queriam, eles teriam respondido que gostariam de cavalos mais velozes. Nosso objetivo real, então, é [...] ajudar as pessoas a articularem as necessidades latentes que elas talvez nem saibam que têm, e esse é o desafio dos pensadores do design. Como devemos abordar isso? Que ferramentas podem alavancar mudanças incrementais modestas para os insights que redesenharão o mapa? A ciência do Design e suas metodologias não são apenas centradas no humano, elas são o humano, contam com nossa habilidade de sermos intuitivos, 24 nossa habilidade natural de reconhecer padrões, construir ideias que tenham significado emocional, de nos expressarmos. Obviamente contar apenas com o lado emocional não é o ideal, mas considerar apenas o lado racional e analítico dos problemas pode ser ineficiente (BROWN, 2009). A abordagem integrada da metodologia do DT propõe uma maneira de abordar a solução dos problemas1 de CD de plataformas de EaD: equilibrar as emoções e o racional. Com relação às emoções sentidas em ambientes digitais, essas podem ser positivas ou negativas de acordo com as experiências que esses ambientes proporcionam, pois eles são capazes de suscitar as mesmas emoções que os ambientes físicos. São agradáveis, aconchegantes ou convidativos, gerando sensações de bem-estar e consequentemente uma boa experiência; ou são desagradáveis, frios e repulsivos, produzindo mal-estar, e como consequência as pessoas não permanecem naquele ambiente, ou seja, a primeira experiência com aquele determinado ambiente foi negativa. Destaca-se que esse processo é anterior à consciência. As emoções, assim, trazem uma avaliação inerente: positiva ou negativa, boa ou ruim, que se torna imprescindível para determinar as ações futuras, por exemplo, se as emoções ou experiências sentidas em um ambiente digital foram positivas, o indivíduo certamente voltará àquele ambiente, porém se as emoções ou experiências foram ruins, ele não voltará àquele ambiente. De acordo com Hassenzahl (2013, p. 8) as experiências estão intimamente ligadas com as ações, Uma experiência é um episódio, um tempo pelo qual passamos - com visões e sons, sentimentos e pensamentos, motivos e ações; eles estão intimamente ligados, armazenados na memória, rotulados, revividos e comunicados a outros. Uma experiência é uma história, que emerge do diálogo de uma pessoa com seu mundo através da ação. Uma experiência é subjetiva, holística, situada, dinâmica e valiosa. Ainda de acordo com Hassenzahl (2013), na contemporaneidade, no ocidente, nossas ações têm se transformado em razão das nossas experiências. Nós estamos experimentando uma mudança do material para o experimental. O 1 Para este estudo, um problema de Design consiste em qualquer dificuldade impeditiva de concretizar uma vontade. O objetivo da solução do problema então é um projeto sistematizado que envolve a criação de um modelo, produto ou processo que remova ou supere parcial ou totalmente essa dificuldade (MUNARI, 2000). 25 autor menciona que estudos comprovam que as pessoas ficam mais felizes e valorizam situações que possam proporcionar experiências, e então preferem investir seu dinheiro em shows, peças de teatro e viagens do que investir seu dinheiro em aquisição de coisas materiais com valor similar, como roupas ou joias. Por outro lado, os artefatos, as coisas não são opostas às experiências: viajar pressupõe transporte, um show musical pressupõe instrumentos e um local – esses artefatos tecnológicos por sua vez dão forma, medeiam e garantem uma boa experiência. A partir desse novo comportamento reconhecido por designers, surge a disciplina User Experience (UX), que centraliza seu foco em produtos (digitais) interativos que funcionarão como criadores, facilitadores ou mediadores da experiência. Esses produtos (ou ambientes digitais) configuram a maneira como as pessoas se sentem, pensam, agem e inevitavelmente influenciam a experiência de maneira positiva ou negativa (HASSENZAHL, 2013, p. 8). Certamente uma boa experiência em um ambiente digital não pode ser garantida, mas a aplicação de conhecimentos e princípios de Design, e nele DI e Experiência do Usuário podem aumentar a chance de provocar uma boa experiência. Hassenzahl (2013) criou um modelo conceitual de três níveis com o objetivo de nortear o design de uma experiência por meio de um objeto de interação: os níveis do Por quê?, O quê?, e Como? O por quê? compreende as ações que as pessoas realizam por meio de um produto interativo, por exemplo, comprar um livro. O o que? está relacionado à tecnologia ou produto, e o como? compreende a ação realizada por meio do objeto e seu contexto de uso, por exemplo, menus navegados, botões clicados, etc. Assim, no Design de Experiência, o autor afirma que os três níveis devem estar em harmonia. No nível por quê?, o designer deve tentar descobrir as necessidades e emoções envolvidas na atividade, o significado, a experiência. Depois disso, determinar a funcionalidade que vai fornecer a experiência, ou seja, o nível o que?, e a forma apropriada de colocar a funcionalidade para agir configura o Como? Esse modelo de desenho proposto por Hassenzahl (2013) objetiva criar produtos (no caso ambientes) que levem em consideração as peculiaridades da experiência humana. 26 A metodologia científica consagrada na literatura das ciências sociais escolhida para este estudo, uma vez que converge com a metodologia do DT e a complementa, colocando o humano, seu contexto e sua cultura como centrais na resolução de problemas é a Observação Participante ou Etnografia. A observação participante permite que o pesquisador/observador esteja inserido no ambiente, interaja e intervenha no contexto, e participe das atividades comuns aos cursantes de um curso de graduação EaD. A observação participante proporciona uma aproximação do pesquisador com o ambiente digital e seus atores, seus processos e histórias das suas vidas. Com suas raízes na antropologia, segundo Malinowski (1978), o antropólogo somente conseguiria chegar a compreender uma outra cultura por meio da imersão no seu cotidiano. Assim, como conclui Martins (1996, p. 270), [...] um dos pressupostos da observação participante é o de que a convivência do investigador com a pessoa ou grupo estudado cria condições privilegiadas para que o processo de observação seja conduzido e dê acesso a uma compreensão que de outro modo não seria alcançável. Por meio da observação participante, o pesquisador pode reconstruir e fazer parte, intervir, interagir com os processos que compõem o dia a dia do aluno de um curso EaD de ensino superior “de baixo para cima”, ou seja, bottom-up, a partir dos sujeitos que vivenciam diariamente a instituição (tutores, staff do polo, colegas de turma, etc.). De acordo com Valladares (2007), a partir da leitura do livro de Whyte (2005), a observação participante tem dez mandamentos: 1) a observação participante é necessariamente um processo longo; 2) o pesquisador não dispõe do controle da situação; 3) a observação participante pressupõe a interação pesquisador/pesquisado; 4) o pesquisador deve entender e se mostrar como diferente do grupo pesquisado; 5) uma observação não se faz sem um intermediário que dissipa as dúvidas junto à comunidade observada; 6) “o pesquisador é um observador que está sendo observado o tempo todo” (VALLADARES, 2007, p. 154); 7) a observação participante implica no uso de todos os sentidos para realizar a observação; 8) o pesquisador deve manter um diário de campo, observar e anotar 27 sistematicamente; 9) o pesquisador deve aprender com a evolução das observações; 10) poucas pessoas consultam as observações realizadas. A observação participante como metodologia científica é apropriada para essa pesquisa, pois apresenta vantagens como a percepção de acontecimentos que não seria possível a um observador estranho, e permite não apenas a observação de comportamentos, mas também de atitudes, opiniões e sentimentos (VIANNA, 2003, p. 50). Além disso, possibilita uma interação informal entre o pesquisador e as pessoas que integram o ambiente observado com compartilhamento de informações, impossível senão por esse meio. A metodologia do DT - evoluída para uma mentalidade - pode ser ampliada e utilizada em todas e em cada fase do ciclo de vida da CD de uma plataforma EaD, quando a equipe responsável se deparar com um problema a ser resolvido. Erroneamente, o Design está associado a questões estéticas e de comunicação visual de uma interface digital. Ao contrário, quando se compreende que o Design é uma mentalidade (thinking), a metodologia sistematizada proposta nos projetos de Design contribuem além da comunicação eficiente de conteúdo informacional. A Figura 1 descreve as fases do DT. Figura 1 – Fases do Design Thinking Fonte: Wikimedia (2018) 28 A primeira fase do DT é a fase de imersão e empatia. A equipe multidisciplinar trabalhando no projeto de CD do EaD deve imergir no problema para poder criar empatia com os problemas a serem resolvidos. Assim, por exemplo, a equipe deve se engajar para conhecer o conteúdo informacional do curso e as possibilidades dos recursos disponibilizados para os cursantes, o público alvo (cursantes, tutores, professores, administradores) para quem essa plataforma e seus objetos estão sendo disponibilizados, como essas pessoas vão entrar em contato com os recursos e os objetos de aprendizagem (OA)2, em que situações, etc. O uso do DT como metodologia para aprimoramento de serviços e programas em centros de informação já é uma realidade. O uso do DT para bibliotecas é relatado tanto na literatura internacional quanto na nacional. A IDEO, renomada empresa de consultoria em design e inovação criou, em parceria com a Fundação Bill & Melinda Gates e bibliotecas nos EUA e Dinamarca, um toolkit intitulado Design Thinking for Libraries com o intuito de orientar os bibliotecários e motivar o uso da metodologia do DT em bibliotecas para a resolução de problemas e criação de inovação. Observa-se a ênfase do toolkit em explicitar que a metodologia pode ser aplicada em diversas situações, incluindo os programas, serviços, espaços e sistemas das instituições, pois quando a metodologia do DT é entendida e incorporada pelas pessoas, e seu valor integrado nas ações, ela se torna mais do que uma abordagem, ela se transforma em uma mentalidade. De acordo com Oliveira (2015, p. 39), sobre o toolkit: 2 De acordo com Braga e Menezes (2014, p. 21), os Objetos de Aprendizagem (OAs) são uma tecnologia relativamente recente, e, portanto, ainda carecem de uma definição universalmente aceita. No entanto, há certo consenso na literatura quanto à característica de reutilização de um OA ser fundamental. Para Wiley (2000 apud BRAGA; MENEZES, 2014, p. 21), um OA é “Qualquer recurso digital que possa ser reutilizado para apoiar a aprendizagem.” Ainda de acordo com Braga e Menezes (2014, p. 21), “Os Objetos de Aprendizagem podem ser vistos como componentes ou unidades digitais, catalogados e disponibilizados em repositórios na Internet para serem reutilizados para o ensino.” Percebe-se assim, que, os OA tem características outras fundamentais que não apenas sua reutilização, mas que fundamentalmente são digitais, catalogados e disseminadas em repositórios na Internet com propósitos educacionais. Uma definição que inclui outras características, é a de Del Moral e Cernea (2005), segundo esses autores, os OAs são a unidade mínima de conteúdo didático com significado próprio, constituídas de pacotes de informação multi-formato e caráter interativo, com determinado objetivo educativo, identificadas por metadados e integradas por conteúdos, recursos, atividades e avaliação. Em seus estudos, os autores propõem uma nova geração de OA dentro do contexto da Web 2.0, denominados de OA 2.0. Caracterizam-se pelo valor colaborativo permitindo que todos os indivíduos que formam uma comunidade educacional colaborativa se beneficiem coletivamente do OA. Exemplos de OAs 2.0 ocorre com a utilização de wikis, construção de mapas conceituais, blogs, folksonomias, tageamentos, etc. 29 A ideia do livro é servir como uma caixa de ferramentas envolvendo as etapas do processo de design thinking, um conjunto de técnicas do Design estendidas para diferentes áreas do conhecimento, centrada nas necessidades das pessoas. Parte-se de uma inspiração para um problema (inspiration), criação e aprendizado ao gerar ideias e torná-las tangíveis (ideation) e finalmente prototipá-las e testá-las com os usuários (iteration) [...] O objetivo não é criar um produto final rapidamente, mas sim utilizar o protótipo para fomentar respostas que contribuem para resolver um problema. No Brasil, Ramírez e Zaninelli (2017) apresentaram casos de sucesso da abordagem do DT e sua importância para a CI, bem como as vantagens que a abordagem representa não apenas para o contexto de negócios, mas também para o acadêmico. O DT como metodologia para alcançar inovação em uma biblioteca também foi relatado por Juliani, Cavaglieri e Machado em 2015. O objetivo da utilização do DT na biblioteca da Universidade do Estado de Santa Catarina foi gerar serviços inovadores na biblioteca. O estudo concluiu que a abordagem possibilitou a disponibilização de informações de qualidade e promoveu acessibilidade informacional da biblioteca universitária (JULIANI; CAVAGLIERI; MACHADO, 2015). Em resumo, as metodologias explicitadas nesta introdução estão sendo aplicadas da seguinte maneira: na fase de imersão do DT, a observação participante em um curso EaD de graduação é utilizada, pois possibilita mergulhar no dia-a-dia do aprendiz cursante; para a fase de ideação, revisão bibliográfica nas áreas da CI, DI e CD formam o arcabouço teórico da pesquisa; e para a fase de prototipação, os resultados obtidos por meio da observação participante bem como os saberes adquiridos a partir da pesquisa bibliográfica subsidiarão o protótipo do curso EaD em um software livre e gratuito. 1.5 Estrutura do Trabalho A Introdução define o contexto no qual o trabalho se insere, a problemática da pesquisa, os objetivos geral e específicos, a metodologia do Design Thinking e uma breve estrutura do trabalho; O primeiro capítulo, intitulado Políticas Públicas, estado da arte e caracterização da EaD no Brasil traz um histórico da EaD no Brasil e as políticas 30 públicas que fomentaram seu crescimento. Esse capítulo inclui também dados e informações sobre a caracterização da EaD no Brasil; O capítulo seguinte, O Conectivismo e a Herança Freireana para EaD apresenta a teoria de aprendizagem Conectivismo proposta por Downes e Simens e como convergem com os ensinamentos de Paulo Freire. Esse capítulo busca discutir a dimensão pedagógica que um curso de EaD deve se pautar; O capítulo Interdisciplinaridades entre CI, DI e CD faz a interrelação entre as três áreas e discute ações para operacionalizar a CD em ambientes virtuais de aprendizagem (AVA); Em DI para Interfaces AVA apresentamos o DI considerado em sua dimensão física, de acordo com o conceito de Carliner (2000) bem como os princípios para nortear o desenho de uma interface AVA; O capítulo Resultados da Observação participante e Prototipação da plataforma EaD no Moodle apresenta os resultados da observação participante obtidos na fase de imersão e apresenta o software Moodle como sugestão para universidades públicas brasileiras; Finalmente, o texto se encerra com o capítulo Considerações finais, em que tem-se as conclusões e a voz da investigadora. 31 2 Políticas Públicas, estado da arte e caracterização da EaD no Brasil 32 2 PANORAMA DA EAD NO BRASIL Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. (FREIRE, 2002, p. 12) A EaD no Brasil é um sucesso comprovado pelas estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). (colocar referencias) Definitivamente as políticas públicas brasileiras têm importante papel no seu crescimento. Impulsionadas pelo desenvolvimento das TIC, encontraram o ambiente propício para educar os brasileiros, especialmente nas áreas remotas do país. Um país de dimensões continentais, ficando atrás apenas da Rússia, Canadá, China e Estados Unidos, o Brasil é paradoxal em muitos aspectos, mas em especial na educação. Se por um lado, algumas das universidades brasileiras, incluindo a UNESP, estão no ranking das melhores do mundo, ainda luta para erradicar a analfabetismo e expandir o ensino superior. O Brasil, país sul-americano de dimensões continentais, conta atualmente com as TIC para fomentar e estimular o crescimento do ensino superior no país. Embora o crescente uso das TIC nas maiores esferas do cotidiano do brasileiro como na forma de e-Gov, e-Saúde e educação podem ser considerados fenômenos que aumentam a exclusão digital, de maneira geral, o uso das TIC é entendido como poderosa ferramenta para disponibilizar e disseminar informação, e possibilitar a construção do conhecimento, especialmente quando disponibilizada para uso em aparatos móveis, por meio de Internet móvel, com custo razoavelmente baixo no país. O número de pessoas com ensino superior tem crescido ao longo dos anos nos país. De acordo com o IBGE (2017), a porcentagem de brasileiros com ensino superior era de 4.4% em 2000 e passou para 7.9% em 2010. Os dados do INEP (2017) confirmam tal tendência: o número de matrículas no ensino superior cresceu de um total de 3.936.933 em 2003 para 7.305.977 em 2013 (crescimento de 33 85,57%), considerando as modalidades presenciais e a distância. Desse número, as matrículas na modalidade presencial saltaram de 3.887.022 em 2003 para 6.152.405 em 2013. E na modalidade a distância, contou com um total de 49.911 em 2003 (39.804 matrículas em instituições públicas e 10.107 matrículas nas escolas privadas), para um total de 1.113.850 matrículas em 2013 (81.624 na pública e 932.226 nas instituições privadas). Assim, comparando o crescimento no número de matrículas nas modalidades presencial e à distância, enquanto a modalidade presencial apresentou um crescimento de 58,28% em 10 anos, a modalidade a distância apresentou um crescimento de 2.131,67%. A Figura 2 representa o crescimento apontado. Figura 2 - Crescimento do Ensino Superior no Brasil Fonte: elaborado pela autora (2018) Neste cenário de crescimento, várias questões surgem com relação à oferta da educação na modalidade a distância para o brasileiro: Quais foram os fatores nacionais que motivaram o país a decidir pelo fomento e incentivo da modalidade a distância? Como o MEC conseguiu desenhar uma política pública de EaD que pode garantir a qualidade do ensino? De que maneira as políticas de educação presencial são similares ou diferentes das políticas da modalidade a distância? A evasão no 34 ensino a distância é fator preocupante no mundo, e no Brasil? Quais são as tendências na modalidade? Este estudo utiliza dados estatísticos do IBGE (2017), do INEP (2017) e o Censo da ABED (2016) para basear nossas conclusões e revelar o caso da EaD no Brasil como um caso de sucesso na implementação e desenvolvimento da EaD, bem como utiliza pesquisa bibliográfica nacional para fazer um levantamento e apresentar os marcos históricos e discussões da EaD no país a fim de explicitar as políticas públicas responsáveis pelo sucesso da modalidade EaD no país. O Censo do IBGE é realizado no país a cada dez anos e mede o perfil da população brasileira em diversas esferas, bem como a densidade populacional. Os dados coletados pelo IBGE direcionam o planejamento das políticas públicas para a década seguinte, de acordo com as deficiências de cada área social. O INEP, por sua vez, é órgão oficial específico do MEC, e por meio do Censo da Educação Superior, concentra-se nas Instituições de Educação Superior (IES) ofertantes de cursos de graduação e pós-graduação nas modalidades presencial e a distância, seus alunos e docentes. Os dados coletados pelo INEP são preenchidos pelas IES por meio de questionários e por importação de dados do Sistema e-MEC. Após a coleta de dados, os resultados são disponibilizados por meio de um Resumo Técnico, mas cabe ressaltar que os dados brutos também são disponibilizados de forma a possibilitar transparência. Nesse estudo, utilizamos o último Resumo Técnico disponível com os resultados comparados entre 2003 e 2013. O Censo da ABED, mais atualizado, é realizado anualmente, porém, como é respondido de forma voluntária pelas IES, conta com uma amostra menor de instituições respondentes. Destaca-se que o ensino na modalidade a distância ofertada por instituições privadas tem importante papel na configuração desse número. De acordo com o INEP, o número de instituições de educação superior no Brasil passou de 1.859 em 2003 para 2.391 instituições em 2013. Cabe ressaltar que o número de instituições federais, estaduais e municipais permaneceu quase o mesmo, e, portanto, as instituições privadas são as responsáveis por tal aumento. 35 2.1 A Educação a Distância no Brasil: marcos regulatórios, as políticas públicas e o estado da arte da EaD no Brasil A EaD no Brasil se iniciou com a instalação das chamadas Escolas Internacionais, em 1904. A instituição particular era filial de uma organização americana e seus cursos eram profissionalizantes, voltados para adultos que visavam empregos no comércio e setor de serviços. O ensino ocorria por correspondência, sendo que os materiais didáticos eram enviados por correios, que naquela época utilizavam ferrovias para o transporte (ALVES, 2007). No entanto, pouco incentivo foi dado ao ensino a distância pelas autoridades educacionais e órgãos governamentais. Depois da iniciativa das Escolas Internacionais, em 1923, a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro deu início a utilização da radio fusão para fins educativos. Depois disso, em 1936, a emissora foi doada ao Ministério da Educação e Saúde, e no ano seguinte foi criado o Serviço de Radiofusão Educativa do Ministério da Educação (ALVES, 1994). Outro evento importante foi a criação do Instituto Universal Brasileiro (IUB), que objetivava a formação profissional de nível fundamental e médio. Consideramos relevante a criação do IUB, que oferecia dois tipos de cursos na época da sua criação: cursos livres ou informais no início da sua criação, e posteriormente cursos formativos educacionais, regulamentados por lei. O IUB investiu na divulgação dos seus cursos, sendo uma das maiores instituições de ensino a distância entre os anos 60 e 80, tendo formado mais de 4 milhões de pessoas (ALVES, 2011; FARIA et al. 2011). O IUB foi fundado em 1941 e continua em exercício até os dias de hoje. O MEC levantou, no final dos anos 1970, a existência de 31 estabelecimentos de ensino a distância distribuídos, em sua maioria, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (ALVES, 1994). Naquela época, os objetivos fundamentais dessas instituições consistiam em disseminar o ensino para diferentes partes do país; fornecer conhecimentos específicos profissionalizantes; transmitir conhecimentos a pessoas que já estavam no mercado de trabalho, mas necessitavam de embasamento teórico; orientar pessoas para realização de exames especializados. O relatório do MEC também incluiu dados sobre os recursos financeiros, na maioria provenientes dos pagamentos efetuados pela compra do material elaborado para o 36 curso, bem como sobre o volume de cartas remetidas diariamente pelas instituições de EaD: cerca de 5 mil correspondências. Ainda na década de 1970, o Programa Nacional de Telecomunicação (Prontel) criado em 1972 e ligado diretamente à Secretaria Geral MEC teve a incumbência de coordenar as experiências existentes e formular uma política nacional para o setor, que acabou sendo apresentada em 1973 intitulada Plano Nacional de Tecnologias Educacionais (PLANATE) (MENEZES; SANTOS, 2001; SANTOS, 2008). Outro projeto do final da década, o Telecurso 2o Grau, resultado do convênio entre Fundações Roberto Marinho e Padre Anchieta em 1978, utilizava TV, rádio e material impresso; em 1981 o grupo lançou o Telecurso 1º Grau para estudantes do ensino fundamental. No tocante ao ensino superior, as experiências são mais recentes. Destaca- se a iniciativa de Newton Sucupira, conselheiro do Conselho Federal de Educação (CFE) que, em 1972 defendeu a criação de uma universidade aberta após visita à Open University na Inglaterra, a fim de ampliar as oportunidades de acesso aberto em nível universitário. Segundo Barreto (2001), nos anos de 1980, a criação do Programa de Ensino a Distância da Universidade de Brasília (UnB) foi um marco para o ensino a distância, bem como o Programa Universidade Aberta do Nordeste, resultado do convênio entre universidades e IES para oferecer cursos de extensão universitária. A aprovação da Constituição Federal (CF) de 1988 foi outro importante marco não somente para a EaD no Brasil, mas para a Educação como um todo, uma vez que define ser a educação um direito de todos e dever do Estado, a ser assegurado em todos os níveis e modalidades pelos entes federados. Depreende-se pela CF que a educação pode ser oferecida tanto por instituições públicas quanto privadas, e que essas devem ser objeto de avaliação, supervisão e regulação pelo poder público, com base nas normas gerais da educação nacional, a fim de garantir padrão de qualidade no território nacional. Alterações importantes nas políticas para educação superior ocorreram após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996 (BRASIL, 1996). Tal dispositivo legal ratifica a educação como direito e explicita as bases para a educação superior e, no seu bojo, da EaD. Importante para o 37 crescimento da EaD no Brasil é a disposição da LDB no art. 87, § 4º que estabelece que até 2006, somente serão admitidos "[...] professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço" (BRASIL, 1996). A estimativa foi que essa exigência legal tenha criado uma demanda pontual de cerca de 700 mil novas vagas (BRASIL, 2002). Assim, observa-se que a iniciativa para a União de regulamentar o EaD no Brasil foi um longo processo iniciado em um momento de necessidade de criação de vagas no ensino superior tanto para os jovens que terminam o ensino médio, quanto para habilitar professores atuantes nas escolas brasileiras que precisam se enquadrar na LDB, ou seja, adquirir formação específica para área. O Decreto nº 5.622 de 2005 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e define EaD no seu art. 1º como "[...] modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e as TIC, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos" (BRASIL, 2005). O Decreto também estabelece que a educação na modalidade a distância pode ocorrer em qualquer nível educacional para jovens e adultos, desde a educação básica (com autorização excepcional) até níveis de pós-graduação, resguardando a necessidade de trabalhos de conclusão de curso, estágios e atividades laboratoriais, quando for o caso. Ainda de acordo com o Decreto, os cursos e programas a distância devem observar a legislação para os níveis e modalidades da educação nacional, bem como serem projetados com a mesma duração dos respectivos cursos na modalidade presencial. As IES devem se credenciar no MEC para poder ofertar cursos e programas a distância, sendo que essas devem informar uma sede institucional e endereços de polos de apoio presencial que integrarão sua estrutura para atividades presenciais obrigatórias como avaliação, estágios, defesa de trabalhos ou prática em laboratório (BRASIL, 2005). De acordo com o Decreto, é de responsabilidade das instituições a seleção e capacitação dos professores e tutores. O parágrafo único do art. 7º estabelece que 38 os Referenciais de Qualidade para a Educação a Distância pautarão as regras para a regulação, supervisão e avaliação dessa modalidade (BRASIL, 2005). Os Referenciais de Qualidade para Educação a Distância foram elaborados pelo MEC a partir de discussões com especialistas no setor, com as universidades e com a sociedade, e tiveram a preocupação central de [...] apresentar um conjunto de definições e conceitos de modo a, de um lado, garantir qualidade nos processos de educação a distância e, de outro, coibir tanto a precarização da educação superior, verificada em alguns modelos de oferta de EAD, quanto a sua oferta indiscriminada e sem garantias das condições básicas para o desenvolvimento de cursos com qualidade (BRASIL, 2007, p. 2). Mais recentemente, destaca-se como marco importante para a EaD no Brasil a criação e institucionalização do Sistema Universidade Aberta do Brasil (Sistema UAB). O Sistema UAB foi criado pelo MEC no ano de 2005 com o objetivo de expandir a educação superior no Brasil, é resultado de uma articulação entre a Secretaria de Educação a Distância (SEED) do MEC e a Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A UAB é um sistema integrado de universidades públicas que oferecem cursos de nível superior na modalidade a distância, que busca alcançar camadas da população que têm dificuldade de acesso à formação universitária. A prioridade da UAB é atender os professores que atuam na educação básica da rede de ensino. O Sistema UAB está fundamentado em cinco eixos principais que norteiam suas ações: a expansão da educação superior pública, o aperfeiçoamento dos processos de gestão das instituições do ensino superior, a avaliação da educação superior, baseados na regulamentação do MEC, estímulo à investigação em educação superior a distância nacionalmente, financiamento dos processos de implantação, execução e formação de recursos humanos em educação superior a distância. Foi instituído pelo Decreto lei 5.800/2006, para "[...] o desenvolvimento da modalidade de EaD, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País" (BRASIL, 2006a). Destaca-se que ao levar a universidade pública de qualidade a locais distantes e isolados, busca-se http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5800.htm 39 incentivar o desenvolvimento de municípios de baixos IDH3 e IDEB4. Assim, o que se busca é a universalização do acesso ao ensino superior e o fortalecimento da escola pública no interior do Brasil. A UAB está em consonância com o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), instituído em 2007, em conjunto com o plano de metas “Compromisso Todos pela Educação” para os 15 anos seguintes. O PDE se estrutura em cinco eixos principais: Educação Básica; Educação Superior; Educação Profissional, alfabetização e diversidade. “Define como suas razões constitutivas a melhoria da qualidade da Educação e a redução de desigualdades relativas às oportunidades educacionais – em outras palavras, o direito de aprender” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013). No contexto da Educação Superior, o PDE tem como princípios norteadores complementares entre si: [...] a expansão da oferta de vagas; a garantia de qualidade; a promoção de inclusão social pela Educação; a ordenação territorial, permitindo que o ensino de qualidade seja acessível às regiões mais remotas do país e o desenvolvimento econômico e social. O plano tem como objetivo fazer da Educação Superior um elemento-chave da integração e da formação do Brasil como nação (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013). Verifica-se, pela trajetória da implantação da EaD no país que as políticas públicas fomentam a criação, manutenção e avaliação de instituições que ofertem cursos e programas na modalidade a distância, de forma a estimular o crescimento da modalidade no país. Atualmente a EaD está regulamentada pela Resolução n° 1 de março de 2016, que estabelece as Diretrizes e Normas para a Oferta de Programas e Cursos de Educação Superior na Modalidade a Distância. Em linha com o Referencial de Qualidade, a resolução deve ser “[...] base para as políticas e processos de avaliação e de regulação dos cursos e das Instituições de Educação Superior (IES) [...]” (BRASIL, 2016). 3 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2018. 4 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). É uma ferramenta de acompanhamento das metas de qualidade do Plano Nacional de Educação. Disponível em: . Acesso em: 16 mar. 2018. http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0.html http://portal.inep.gov.br/ideb 40 2.2 Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância O documento Referenciais de Qualidade para Educação Superior a Distância (Brasil, 2007), prevê que o Projeto Político Pedagógico de um curso ou programa na modalidade a distância deve contemplar os seguintes tópicos principais: (i) Concepção de educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem; (ii) Sistemas de Comunicação; (iii) Material didático; (iv) Avaliação; (v) Equipe multidisciplinar; (vi) Infraestrutura de apoio; (vii) Gestão Acadêmico- Administrativa; (viii) Sustentabilidade financeira. As seções seguintes explanam em detalhes cada um dos tópicos principais: (i) Concepção de educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem Com relação à concepção de educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem, o Referencial estabelece que o projeto político pedagógico deva [...] apresentar claramente sua opção epistemológica de educação, de currículo, de ensino, de aprendizagem, de perfil do estudante que deseja formar; com definição, partir dessa opção, de como se desenvolverão os processos de produção do material didático, de tutoria, de comunicação e de avaliação, delineando princípios e diretrizes que alicerçarão o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem (BRASIL, 2007, p. 8). Os Referenciais ensejam a superação da visão fragmentada do conhecimento e dos processos naturais e sociais por meio da interdisciplinaridade e contextualização, e recomenda que "as possibilidades apresentadas pela interdisciplinaridade e contextualização, em termos de formação do sujeito social, com uma compreensão mais ampla de sua realidade, devem ser contempladas nos projetos de cursos ofertados na modalidade a distância" (BRASIL, 2007, p. 9). Essa afirmação remete à Teoria da Complexidade como fundamento norteador para a EaD no Brasil. Além disso, inclui o projeto pedagógico na visão complexa, na seguinte declaração: [...] partindo da ideia de que a realidade só pode ser apreendida se for considerada em suas múltiplas dimensões, ao propor o estudo de um objeto, busca-se, não só levantar quais os conteúdos podem 41 colaborar no processo de aprendizagem, mas também perceber como eles se combinam e se interpenetram (BRASIL, 2007, p. 9). Além disso, estabelece que, como o estudante é o foco do processo pedagógico, recomenda que o projeto preveja um módulo introdutório para esclarecer as habilidades básicas referente a tecnologia utilizada e o conteúdo programático do curso. (ii) Sistemas de Comunicação; De acordo com os Referenciais, o mais importante é que a plataforma na qual o curso de EaD esteja ancorado deve conter elementos de DI que sejam eficientes na busca e recuperação da informação: Em primeiro lugar, um curso superior a distância precisa estar ancorado em um sistema de comunicação que permita ao estudante resolver, com rapidez, questões referentes ao material didático e seus conteúdos, bem como aspectos relativos à orientação de aprendizagem como um todo, articulando o estudante com docentes, tutores, colegas, coordenadores de curso e disciplinas e com os responsáveis pelo sistema de gerenciamento acadêmico e administrativo (BRASIL, 2007, p. 11). Ainda de acordo com o Referenciais, o uso da tecnologia de EaD deve proporcionar aos estudantes efetiva interação no processo ensino-aprendizagem, assim, o sistema deve possibilitar o desenvolvimento de projetos compartilhados, bem como reconhecimento e respeito em relação às diferentes culturas. "[...] o princípio da interação e da interatividade é fundamental para o processo de comunicação e devem ser garantidos no uso de qualquer meio tecnológico a ser disponibilizado" (BRASIL, 2007, p. 10). Com relação à interação face-a-face, por exigência da Lei 5.622/2005 que dispõe sobre os cursos na modalidade a distância (BRASIL, 2005), os cursos superiores devem prever momentos de encontros presenciais, de maneira que a frequência desses encontros deve ser determinada pela natureza da área do curso e pela metodologia de ensino utilizada. Esses encontros, previstos nos Referenciais, são justificados, uma vez que o documento aponta que uma das principais causas de evasão dos cursos a distância é a sensação de isolamento, e que assim, "[...] o 42 projeto de curso deve prever vias efetivas de comunicação e diálogo entre todos os agentes do processo educacional, criando condições para diminuir a sensação de isolamento [...]" (BRASIL, 2007, p. 13). (III) Material Didático Os Referenciais recomendam que o material didático seja preparado por uma equipe multidisciplinar que envolva profissionais não apenas nas áreas do conteúdo da disciplina, mas também das áreas de educação e áreas técnicas como por exemplo equipe de vídeo, webdesigners, etc. (IV) Avaliação A recomendação é que a avaliação contemple duas dimensões: o processo de aprendizagem, e a avaliação institucional. A avaliação da aprendizagem deve [...] comportar um processo contínuo, para verificar constantemente o progresso dos estudantes e estimulá-los a serem ativos na construção do conhecimento. Desse modo, devem ser articulados mecanismos que promovam o permanente acompanhamento dos estudantes, no intuito de identificar eventuais dificuldades na aprendizagem e saná-las ainda durante o processo de ensino- aprendizagem (BRASIL, 2007, p. 16, grifo nosso). Já a recomendação para a avaliação institucional é que esta objetive melhorias de qualidade na oferta de cursos e no processo pedagógico. Recomenda- se também que envolva os diversos atores da EaD: estudantes, professores, tutores, e quadro técnico-administrativo. (V) Equipe Multidisciplinar Há no Brasil e no mundo uma diversidade de modelos de EaD, no entanto, os recursos humanos devem contemplar pelo menos docentes, tutores e pessoal técnico-administrativo. Com relação às habilidades dos docentes, observa-se pela recomendação dos Referenciais, que o perfil do docente se expande nos cursos EaD, uma vez que devem ser capazes de: a) estabelecer os fundamentos teóricos 43 do projeto; b) selecionar e preparar todo o conteúdo curricular articulado a procedimentos e atividades pedagógicas; c) identificar os objetivos referentes a competências cognitivas, habilidades e atitudes; d) definir bibliografia, videografia, iconografia, audiografia, tanto básicas quanto complementares; e) elaborar o material didático para programas a distância; f) realizar a gestão acadêmica do processo de ensino-aprendizagem, em particular motivar, orientar, acompanhar e avaliar os estudantes; g) avaliar -se continuamente como profissional participante do coletivo de um projeto de ensino superior a distância. Com relação aos tutores, ou seja, "um dos sujeitos que participa ativamente da prática pedagógica" (Brasil, 2007, p. 21), de acordo com o referencial, um curso de qualidade deve ter a figura do tutor presencial e do tutor a distância. A principal atividade do tutor a distância é estabelecer a mediação entre o aluno e o conteúdo, esclarecendo dúvidas, auxiliando no gerenciamento dos prazos, etc. No entanto, ele também deve encorajar os alunos a participarem dos espaços de construção coletiva do conhecimento, selecionar material de apoio, etc. Já a tutoria presencial atende os alunos nos polos, em horários pré-estabelecidos. A recomendação dos Referenciais é que o domínio do conteúdo seja imprescindível tanto para o tutor presencial quanto para o tutor a distância. As habilidades que o tutor deve ter são: capacitação no domínio específico do conteúdo; capacitação em mídias de comunicação; e capacitação em fundamentos da EaD e no modelo de tutoria. Com relação ao corpo técnico-administrativo, sua principal função é oferecer apoio para realização dos cursos ofertados, atuando na sede administrativa e nos polos de apoio presencial, em colaboração com a equipe docente responsável pela gestão do curso. As dimensões das suas atividades incluem a administrativa e a tecnológica. Na dimensão tecnológica, nos polos presenciais, sua função é atuar em atividades de suporte para laboratórios e bibliotecas, serviços de manutenção e zeladoria de materiais e equipamentos tecnológicos. Já nos centros de educação, suas atribuições se focam no apoio aos professores conteudistas na produção de materiais didáticos, bem como no suporte e desenvolvimento dos sistemas de informática e suporte técnico aos estudantes. 44 Na dimensão administrativa, [...] a equipe deve atuar em funções de secretaria acadêmica, no registro e acompanhamento de procedimentos de matrícula, avaliação e certificação dos estudantes, envolvendo o cumprimento de prazos e exigências legais em todas as instâncias acadêmicas; bem como no apoio ao corpo docente e de tutores nas atividades presenciais e a distância, distribuição e recebimento de material didático, atendimento a estudantes usuários de laboratórios e bibliotecas, entre outros (BRASIL, 2007, p. 23). A equipe técnica-administrativa deve contar com um coordenador do polo de apoio presencial, responsável pelo funcionamento eficiente dos processos administrativos e pedagógicos desenvolvidos na unidade. (VI) Infraestrutura de apoio A infraestrutura de apoio consiste nos equipamentos necessários para o desenvolvimento do curso, tais como: equipamentos para produção audiovisual e videoconferência, equipamentos de televisão, impressoras, linhas telefônicas, Internet, serviços 0800 (ligações sem custo para o cursante), etc. Além disso, a instituição deve dispor de centros de informação e midiatecas (bibliotecas, videotecas, audiotecas, hemerotecas, etc.) para prover suporte para estudantes, tutores e professores. De acordo com os referenciais de qualidade, essa estrutura deve estar disponível na sede da instituição e nos polos presenciais. A infraestrutura de apoio deve incluir uma coordenação acadêmico- operacional que centralize a gestão dos cursos ofertados, tais como estruturas mais gerais como centros ou secretarias de EaD ou estruturas mais localizadas como salas de coordenação acadêmica ou de tutorias dos cursos e salas de coordenação operacional. O objetivo dessa estrutura é garantir o padrão de qualidade. Os profissionais atuantes nessa estrutura são: coordenador de curso, coordenador do corpo de tutores, professores coordenadores de disciplina, tutores, auxiliares de secretaria, profissionais de tecnologia, etc. Na seção Infraestrutura de apoio, os Referenciais definem e descrevem o papel do polo de apoio presencial. Segundo a Portaria Normativa nº 02/2007, § 1º, “o polo de apoio presencial é a unidade operacional para desenvolvimento 45 descentralizado de atividades pedagógicas e administrativas relativas aos cursos e programas ofertados a distância” (BRASIL, 2007, p. 25). Assim, nos polos as atividades previstas em Lei são desenvolvidas, tais como avaliações, defesas dos trabalhos de conclusão de curso, aulas práticas de laboratório (quando for o caso), estágio obrigatório (quando for o caso), além de orientações pelos tutores, videoconferências, uso de biblioteca, etc. Funciona, portanto, como referência para o estudante. De acordo com os Referenciais, os polos devem atender em horários diversificados, funcionando todos os dias úteis da semana, incluindo os sábados. A escolha dos polos presenciais deve "[...] respeitar as peculiaridades de cada região e localidade, bem como as particularidades dos cursos ofertados e suas respectivas áreas de conhecimento" (BRASIL, 2007, p. 26). Além disso, para assegurar a qualidade dos conteúdos ofertados, os polos devem contar com estruturas essenciais como biblioteca, laboratório de multimídia com acesso a Internet de banda larga, laboratórios de ensino (se for o caso), salas para tutorias, e salas para exames presencias. Vale ressaltar que os Referenciais de Qualidade fazem referência a dois outros requisitos dos polos: condições de acessibilidade e projeto de manutenção e conservação das instalações físicas e dos equipamentos. Além disso, o estabelecimento de parcerias, convênios e acordos entre instituições devem estar de acordo com o art. 26 do Decreto 5.622/2005 (BRASIL, 2005). Art. 26. As instituições credenciadas para oferta de cursos e programas a distância poderão estabelecer vínculos para fazê-lo em bases territoriais múltiplas, mediante a formação de consórcios, parcerias, celebração de convênios, acordos, contratos ou outros instrumentos similares, desde que observadas as seguintes condições: I - comprovação, por meio de ato do Ministério da Educação, após avaliação de comissão de especialistas, de que as instituições vinculadas podem realizar as atividades específicas que lhes forem atribuídas no projeto de educação a distância; II - comprovação de que o trabalho em parceria está devidamente previsto e explicitado no: a) plano de desenvolvimento institucional; b) plano de desenvolvimento escolar; ou 46 c) projeto pedagógico, quando for o caso, das instituições parceiras; III - celebração do respectivo termo de compromisso, acordo ou convênio; e IV - indicação das responsabilidades pela oferta dos cursos ou programas a distância, no que diz respeito a: a) implantação de pólos de educação a distância, quando for o caso; b) seleção e capacitação dos professores e tutores; c) matrícula, formação, acompanhamento e avaliação dos estudantes; d) emissão e registro dos correspondentes diplomas ou certificados. (VII) Gestão acadêmico-administrativa A gestão acadêmico-administrativa deve assegurar que o estudante de um curso a distância tenha as mesmas condições de suporte que um aluno presencial: "o acesso aos mesmos serviços disponíveis para ao do ensino tradicional, como: matrícula, inscrições, requisições, acesso às informações institucionais, secretaria, tesouraria, etc" (BRASIL, 2007, p. 29). Além disso, a instituição deve ter explícito o seu referencial de qualidade em seu processo de gestão, incluindo: a) um sistema de administração e controle do processo de tutorial especificando, quando for o caso, os procedimentos logísticos relacionados com os momentos presenciais e a distância; b) um sistema (logística) de controle da produção e distribuição de material didático; c) um sistema de avaliação de aprendizagem, especificando a logística adotada para esta atividade. d) bancos de dados do sistema como um todo, contendo em particular: cadastro de estudantes, professores coordenadores, tutores, etc; e) cadastro de equipamentos e facilidades educacionais do sistema; f) sistema de gestão dos atos acadêmicos tais como: inscrição e trancamento de disciplinas e matrícula; 47 g) registros de resultados de todas as avaliações e atividades realizadas pelo estudante, prevendo-se, inclusive recuperação e a possibilidade de certificações parciais; h) um sistema que permita ao professor ter autonomia para a elaboração, inserção e gerenciamento de seu conteúdo, e que isso possa ser feito de maneira amigável e rápida, com liberdade e flexibilidade. (VIII) Sustentabilidade Financeira De acordo com os Referenciais de Qualidade, [...] a educação superior a distância de qualidade envolve uma série de investimentos iniciais elevados para a produção de material didático, na capacitação de equipes multidisciplinares, na implantação de polos de apoio presencial e na disponibilização dos demais recursos educacionais, assim como na implantação (metodologia e equipe) da gestão do sistema de educação a distância (BRASIL, 2007, p. 31). Para garantir a sustentabilidade financeira e a continuidade da oferta de um curso superior, a instituição deve planejar os custos em consonância com o projeto político-pedagógico e a previsão de seus recursos, incluindo o investimento de curto e médio prazo, que inclui investimentos de capital, e os investimentos de custeio, que inclui pagamentos de pessoal. Tanto os Referenciais quanto a legislação enfatizam a importância da interação na modalidade a distância como crucial para o acolhimento do aluno nessa modalidade. No entanto, embora a taxa de evasão seja um fator de preocupação para as instituições de ensino que oferecem a modalidade a distância, de acordo com o censo do INEP, comparando o número de ingressantes e concluintes na modalidade a distância em 2003 e depois de 10 anos, 8,02% dos ingressantes na modalidade a distância concluíram o curso em 2003, ao passo que em 2013, 15,65% dos ingressantes concluíram o curso. Comparando a mesma variável na modalidade presencial, em 2003 cerca de 13,69% dos matriculados concluíram os cursos, enquanto que em 2013 esse número passou para 16,10%. Verifica-se que 48 ao longo de 10 anos, a evasão diminuiu pouco, mas quase se equipara à modalidade presencial5. Até o momento, este capítulo apresentou um breve histórico da evolução da EaD no país, e descreveu as políticas que fomentaram seu desenvolvimento ao longo dos anos. Assim, questionamentos surgem com relação ao estado da arte da EaD no Brasil. 2.3 Caracterização da EaD no Brasil: o estado da arte da EaD no Brasil No Brasil, a EaD é ofertada por instituições de quatro diferentes categorias administrativas: 1) instituições credenciadas pelo Sistema Nacional de Educação – MEC e Conselho Nacional de Educação (CNE) – nos níveis de ensino básico, técnico, de graduação e pós-graduação; 2) Instituições educacionais formais e informais que oferecem cursos livres; 3) Instituições que atuam no âmbito da educação corporativa; 4) Empresas fornecedoras de produtos e serviços de EaD. Os cursos são oferecidos em todos os níveis e áreas de conhecimento, com destaque para 1.079 ofertas de cursos de extensão e para as áreas de Ciências Sociais Aplicadas, com 608 ofertas de cursos regulamentados totalmente a distância. Entre os semipresenciais, a preferência é pelas Ciências Humanas, com 1.389 ofertas registradas. Com relação aos cursos regulamentados totalmente a distância, por nível acadêmico, a considerável maioria dos cursos oferecidos é, atualmente, de especialização, o que reforça o papel da EaD no Brasil na oferta de formação continuada. A Figura 3 mostra a oferta de cursos regulamentados totalmente a distância, por nível acadêmico, e em números absolutos. 5 A porcentagem de concluintes de cursos de graduação pode ser muito baixa em comparação com outros países, mas este estudo não pretende investigar a evasão no ensino superior no Brasil, apenas apresenta os números em comparação com a modalidade presencial para termos de comparação. 49 Figura 3 – Cursos totalmente a distância, por nível acadêmico, em números absolutos 0 200 400 600 800 1000 1200 Ensino Fundamental e Médio Ensino Fundamental e Médio EJA Tecnico Profissionalizante Superior: formação específica Superior: complementação Superior: Graduação bacharelado Superior: Graduação licenciatura Superior: Graduação bacharelado e licenciatura Superior: pós-graduação Latu sensu especialização Superior: pós-graduação Latu sensu MBA Superior: pós-graduação mestrado Número de cursos oferecidos totalmente a distância Fonte: Adaptado do Censo EAD.BR 2015 (ABED, 2016) O Censo EAD.BR 2015 contabilizou 5.048.912 alunos no Brasil, sendo 1.108.021 em cursos regulamentados totalmente a distância e semipresenciais e 3.940.891 em cursos livres corporativos ou não corporativos. São 1.180.296 alunos registrados a mais do que em 2014. A maioria das matrículas em cursos totalmente a distância e semipresenciais encontra-se nas licenciaturas, com 148.222 alunos matriculados em licenciaturas propriamente ditas, 134.262 em habilitações mistas (licenciatura e bacharelado) e 410.470 em licenciaturas semipresenciais. Cabe ressaltar que a legislação brasileira de EaD se aplica para as instituições credenciadas pelo MEC. Consequentemente, as instituições que oferecem cursos livres não sofrem as fiscalizações e avaliações das instituições regulamentadas, e, portanto, não certificação reconhecida pelo MEC. De acordo com o Censo EaD.BR 2015, que coletou dados com todos os tipos de instituições que ofertam EaD, independentemente de serem credenciadas ao MEC ou não, a EaD está presente em todo o país, nas capitais e nas regiões interioranas, com instituições de todas as regiões e estados do país, porém com uma concentração de 42% de instituições com sede no Sudeste, sendo que São Paulo com 22%. Com relação aos polos presenciais, as instituições contam com uma média de mais de 59 polos por instituição (ABED, 2016). 50 Com relação ao perfil dos alunos brasileiros de EaD (de ensino superior ou não), 53% são mulheres, 49,78% têm entre 31 e 40 anos. Aproximadamente 70% das instituições privadas com e sem fins lucrativos e das instituições públicas federais contam com alunos que, em sua maioria, estudam e trabalham (ABED, 2016). A Tabela 1 mostra o perfil dos alunos masculino e feminino nos cursos totalmente a distância e presenciais, por categoria administrativa. Tabela 1 - Perfil dos alunos por curso e categoria administrativa Fonte: Adaptado do Censo EAD.BR 2015 (ABED, 2016) Com relação às taxas de evasão, reportadas nos cursos a distância, essas são maiores do que as taxas de evasão nos cursos presenciais (os cursos regulamentados totalmente a distância apresentam os índices mais altos). O Censo EAD.BR 2015 registrou uma evasão de 26% a 50%, com 40% das ocorrências nas instituições que oferecem cursos regulamentados totalmente a distância. As instituições apontam o tempo e as finanças como principal fator que justifique o fenômeno da evasão. A Tabela 2 mostra as justificativas das instituições para evasão. 51 Tabela 2 – Justificativa para evasão Motivo para evasão Totalmente a distância Totalmente presenciais Falta de tempo 2,72 2,33 Questões financeiras 2,55 2,66 Falta de adaptação à modalidade EaD ou metodologia do curso 2,25 1,57 Escolha errada do curso 1,6 1,73 Fonte: Adaptado do Censo EAD.BR 2015 (ABED, 2016) No entanto, cabe ressaltar que as instituições que oferecem cursos totalmente a distância vêm a evasão como algo não justificável, pois consideram que os alunos podem retornar no futuro e retomar o curso de onde pararam. Como a legislação demanda que os cursos a distância devam oferecer encontros presenciais, mesmo nos cursos 100% a distância, bem como oferecer a mesma qualidade e as mesmas condições que os cursos presenciais, inclusive a mesma carga horária e atividades complementares, atividades laboratoriais e estágios, a carga horária varia. De acordo com o Censo, variam de 2 horas a mais de 700 horas nos cursos livres; de menos de 20 horas a mais de 60 horas nas disciplinas semipresenciais; de menos de 360 horas a mais de 700 horas nos cursos regulamentados totalmente a distância. A Tabela 3 mostra a carga horária nos cursos regulamentados totalmente a distância e a porcentagem de instituições que elas representam, por categoria administrativa. Por exemplo, os cursos com carga horária superior a 700 horas representam 90,63% das instituições públicas federais, porém não são ofertados por ONGs ou terceiro setor: Tabela 3 – Carga horária dos cursos totalmente a distância, por categoria administrativa Categoria Administrativa Cursos com carga horária inferior a 360 horas Cursos com carga horária entre 360- 699 horas Cursos com carga horária superior a 700 horas Totalmente a distância N° de instituições (%) N° de instituições (%) N° de instituições (%) Instituição pública federal 7 21,88 13 40,63 29 90,63 52 Categoria Administrativa Cursos com carga horária inferior a 360 horas Cursos com carga horária entre 360- 699 horas Cursos com carga horária superior a 700 horas Instituição pública estadual 3 20 5 33,33 8 53,33 Instituição pública municipal 1 50 0 0 1 50 Instituição privada com fins lucrativos 7 15,91 18 40,91 25 56,82 Instituição privada sem fins lucrativos 4 11,76 15 44,12 22 64,71 Instituição do SNAs (Sesi, Senai, etc.) 7 43,75 2 12,5 6 37,5 ONG e Terceiro Setor 1 100 0 0 0 0 Órgão público ou governamental 4 80 2 40 1 20 Fonte: Censo EAD.BR 2015 (ABED, 2016) A demanda da legislação pelos encontros presenciais denota a preocupação em manter o aluno da modalidade a distância engajado com os estudos da mesma maneira que o aluno da modalidade presencial, que o aluno a distância tenha a mesma qualidade de ensino que o aluno da modalidade presencial. No entanto, embora a legislação seja rigorosa com relação à interação nos momentos presenciais, de que maneira ela ocorre digitalmente? Como é o DI de um curso a distância que garante a interação de forma que o aluno não se sinta isolado e consequentemente desmotivado com seu curso? 53 2.4 Considerações do Capítulo A EaD no contexto brasileiro é uma necessidade ao se considerar a demanda para formação superior no país, a necessidade de profissionalização dos jovens bem como a necessidade de formação continuada de adultos no mercado de trabalho, demanda do mercado contemporâneo resultado das mudanças de paradigma ocasionado pelas TIC. A EaD regulamentada no Brasil não se constitui em mera metodologia de ensino, mas em modalidade educativa regulamentada por lei, e o que se depreende do entendimento dos princípios que basearam a construção da legislação é que o EaD se organiza em três níveis: 1) metodologia; 2) gestão administrativa da instituição que oferta o curso; e 3) avaliação, que ocorre em duas dimensões: avaliação da instituição e avaliação dos cursantes. Por sua vez, esses três níveis que oferecem as bases do EaD devem se materializar na ação articulada entre as políticas públicas, o Plano de Desenvolvimento