A HISTÓRIA E FILOSOFIA DA CIÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS E PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES Luciana Aparecida de Araújo Penitente lucianapenitente@marilia.unesp.br Rosane Michelli de Castro FFC- Unesp/Marília Grupo de Pesquisa GP FORME (Formação do Educador) rosanemichelli@marilia.unesp.br Resumo Este artigo integra resultados de reflexões sobre a importância da história e da filosofia da ciência para o ensino de ciências e para a formação de professores. Centralmente, pautou-se em resultados de reflexões acerca da importância desses saberes para a formação do professor e para a ação de planejamento de ensino de Ciências pelo professor, mediante abordagem temática. Para tratar deste último tópico, buscou-se fazê-lo considerando a ação de planejamento do ensino de Ciências na escola fundamental. Tal opção deve-se ao fato de, na referida disciplina, ficar claramente explicitada a grande abrangência da sua área, ao integrar, conhecimentos sobre a natureza, o ser humano e as tecnologias, entre outros, numa perspectiva histórica e filosófica. Palavras-chave: educação; formação de professores; História e filosofia da ciência; ensino de Ciências mailto:lucianapenitente@marilia.unesp.br mailto:rosanemichelli@marilia.unesp.br Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 232 THE HISTORY AND PHILOSOPHY OF SCIENCE: CONTRIBUTIONS TO THE SCIENCE EDUCATION AND FOR TEACHER TRAINING This article integrates results from reflections on the importance of history and philosophy of science for science education and teacher training. Centrally, was based on results from reflections on the importance of this knowledge for teacher training and action planning of science teaching by the teacher, through a thematic approach. To address this latter topic, we attempted to do so by considering the action planning of science teaching in elementary schools. This option is due to the fact that in the discipline, be clearly stated the broad reach of its area, to integrate knowledge about nature, human beings and technology, among others, in a historical and philosophical perspective. Keywords: education; teacher training; History and philosophy of Science; Science teaching. Introdução O surgimento das sociedades contemporâneas, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico, e o crescimento dos meios de comunicação e informação têm exercido fortes influências no contexto escolar, e, sobretudo, no que diz respeito à formação de professores. Tais influências exigem a busca de saberes e conhecimentos científicos, educacionais e didático- pedagógicos para enfrentar as situações desafiantes presentes no cotidiano escolar, mediante pontos de vistas histórico-filosóficos. Visando a corroborar com tal formulação, este artigo integra resultados de reflexões sobre a importância da história e da filosofia da ciência para o ensino de Ciências e para a formação de professores. Centralmente, pautou-se em resultados de reflexões acerca da importância desses saberes para a formação do professor e para a ação de planejamento de ensino de Ciências pelo professor, mediante abordagem temática. Para tratar deste último tópico, buscou-se fazê-lo considerando a ação de planejamento do ensino de Ciências na escola fundamental. Tal opção deve-se ao fato de, na referida disciplina, ficar claramente explicitada a grande abrangência da sua área, ao integrar, conhecimentos sobre a natureza, o ser Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 233 humano e as tecnologias, entre outros, numa perspectiva histórica e filosófica. O campo da pesquisa sobre formação de professores Segundo Castro, Bigheti e Reis (2010, p. 1), muito se têm caminhado nas investigações sobre a formação de professores e têm sido realizadas muitas pesquisas com a preocupação de conhecer mais e melhor a maneira como se desenvolve o processo de aprender a ensinar. Há quase três décadas, é possível observarmos a existência de um movimento de incremento dessas temáticas e novas perspectivas e enfoques que vêm sendo utilizados para abordá-las. Também, o interesse pelas investigações das temáticas sobre a formação de professores tem ocupado lugar de destaque ao lado de outras já consagradas como currículo, didática, políticas educacionais, administração da educação, entre outras. No que diz respeito à formação de professores (as), é possível afirmar que as preocupações recaem sobre os chamados saberes de referência da profissão docente e ao lócus de produção desses saberes. Reconhecem-se, a propósito, os estudos voltados a um campo desses saberes de referência que podem ser classificados em quatro grandes grupos, a saber: saberes das diversas áreas do saber e do ensino, ou seja, das ciências humanas e da natureza, da cultura e das artes; saberes didático-pedagógicos relacionados ao campo da prática docente; saberes ligados aos saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; e saberes centrados na explicitação do sentido da existência e experiência individual e social (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005, p. 13). Sobre o lócus de produção desses saberes, é possível reconhecer um conjunto de investigações centradas no papel do ensino superior (licenciaturas), em nível de graduação e, sobretudo, nos cursos em nível de pós-graduação, de mestrados e doutorados, e programas de pós-graduação em educação, dos centros de pesquisa e das universidades. Certamente que, quando se pensa em formação de professores, é possível reconhecer os vários tempos e espaços, bem como os vários níveis em que ela ocorre. Porém, é consenso afirmar que ela se dá, sobretudo, nos centros universitários. Com relação aos estudos que ressaltam o papel das licenciaturas na formação dos professores, é possível reconhecer, pois, uma “tradição acadêmica” que tem buscado revelar as preocupações com os efeitos insatisfatórios das práticas docentes perante à complexidade apresentada por nossos alunos e por nossas escolas, e, em decorrência, propor referenciais teórico-metodológicos centrados na concepção de desenvolvimento de uma prática docente Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 234 reflexiva pautada em três idéias centrais: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a reflexão da ação (SCHÖN, 1991 apud NÓVOA, 1992). Nesse contexto, observam-se discussões no âmbito dos cursos e dos programas de pós-graduação em educação – mestrados e doutorados, em busca de se reestruturar a relação social, política e econômica da produção de conhecimento em pesquisa educacional, mediante a adoção de metodologias que buscam amalgamar, de maneira mais ou menos coerente, os saberes científicos dos pesquisadores aos saberes das experiências dos professores em serviço, sempre em constante transformação, como ocorre com todo conhecimento. Assim, são notáveis, igualmente, as transformações que ocorreram na história da ciência sobre os diferentes fenômenos da natureza, principalmente a partir do século XVI, quando começaram a surgir os paradigmas das ciências modernas, como se segue. A história e a filosofia da ciência e a formação de professores (as) É possível afirmar que as transformações que ocorreram na história da ciência sobre os diferentes fenômenos da natureza tiveram início por volta dos séculos XVI e XVII na astronomia, com Copérnico, Galileu e Kleper que, mediante aperfeiçoamento das técnicas, reinterpretaram as observações celestes propondo o modelo heliocêntrico, que desloca a Terra do centro do Universo. No campo da mecânica (século XVII), com base nos trabalhos de Galileu e Kleper, Newton reinterpreta tais idéias com o auxílio de um modelo matemático, estabelecendo um paradigma rigoroso e hegemônico até o século passado. Na química, Lavoisier (século XVIII) propõe a teoria da combustão pelo oxigênio, que teve papel importante na solução dos debates da época, sendo considerada por alguns filósofos e historiadores como a pedra angular da revolução química. Na geologia, século XIX, Lyell apresenta uma teoria sobre a costa terrestre que se constitui a partir de camadas de diferentes idades, o que significa que a Terra se formou ao longo do tempo, através de mudanças graduais e lentas e não como produto de catástrofes. Um pouco mais tarde no campo das ciências da vida, Darwin, com base nos conhecimentos produzidos pela botânica, zoologia, paleontologia e embriologia, apresenta uma teoria da evolução que possibilita uma interpretação geral para o fenômeno da diversidade da vida, pautado nos conceitos de adaptação e seleção natural. Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 235 Essas mudanças representaram revoluções não apenas no âmbito interno das ciências, mas alcançaram, cedo ou tarde, toda a sociedade. É certo que essas revoluções não trouxeram explicitamente a rede de relações entre a produção científica e o contexto socioeconômico e político em que ocorreram, mas é possível se perceber que tanto a formulação quanto o sucesso dessas teorias científicas estiveram associadas a aspectos de seu momento histórico. Hoje, vivencia-se um intenso processo de criação científica muito superior aos tempos anteriores. Fala-se, neste século, da aproximação entre ciência e tecnologia, assegurando a parceria em resultados, como a engenharia genética, capaz de produzir novas espécies vegetais e animais com características estipuladas, exemplos de tecnologias científicas que estão ao alcance de todos. Conta-se com a medicina avançada, a sofisticação das tomografias computadorizadas e a imensa difusão da teleinformática. Ao mesmo tempo em que verificamos esses avanços, aumentam as ameaças à vida humana, como o buraco da camada de ozônio, a bomba atômica, a fome, doenças endêmicas e decorrentes da poluição. Nesse contexto, a associação entre ciência e tecnologia se amplia, tornando- se cada vez mais presente na vida das pessoas e proporcionando mudanças no próprio mundo. Quanto às ideias herdadas da cultura clássica, essas parecem ser insuficientes para explicar os fenômenos, quando abordados do ponto de vista do infinitamente pequeno e do infinitamente grande (BRASIL, 2000). Segundo Carvalho (1990), quando buscamos conhecer a história de alguns conceitos e conteúdos, estamos buscando a evolução deles e sua identificação com a forma mais natural de abordar um fato novo e com as diversas formas e visões de mundo. Isso também ocorre com o ensino de ciências, pois o conhecimento construído ao longo dos séculos passa por um processo de transformação, portanto, ele deve ser acessível, tangível e possível, sem deixá-lo cair na banalização. No entanto, isso só será possível se o professor e a professora souberem auxiliar o aluno e a aluna a transformarem seu sistema cognitivo, favorecendo sua aprendizagem e proporcionando a ambos os desafios, apontando lacunas e aproximando níveis de compreensão e ação. A dimensão histórica assume nesse contexto uma importância muito significativa, uma vez que as pessoas constroem historicamente o que conhecem, e nesse sentido o conteúdo parece se tornar mais atrativo e mais próximo do universo cognitivo do aluno e da aluna. Funciona quase como uma tradução do discurso hermético e formal da ciência (por conseqüência de sua própria elaboração sucessiva no indivíduo e na espécie) para um discurso passível de identificação, de intervenção e por isso mesmo possível de ser praticado, enquanto se reestruturam os esquemas cognitivos rumo a uma compreensão mais completa e formal da realidade. (CARVALHO, 1990, p. 68) Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 236 Dessa maneira, tal como a história, também a filosofia da ciência assume um papel relevante na formação do professor e da professora, embora pareça, muitas vezes, que ambas fiquem em segundo plano. Conhecer o passado, os conhecimentos anteriores e compreender sua evolução e as diversas visões que os explicam permitem ao professor entender o papel da ciência como um recorte da realidade que se relaciona com outras áreas e atividades humanas. Nesse sentido, o professor e a professora, ao entenderem a evolução histórica e filosófica dos conteúdos científicos, poderão conhecer as facilidades e dificuldades que se colocaram na evolução dos mesmos, utilizando-a como recurso em suas atividades didáticas, de estratégias de ação em sala de aula, na análise do que se deve ou não ensinar aos alunos e alunas. A interdisciplinaridade é outra contribuição dessa abordagem apresentada por Carvalho (1990, p. 68), pois propicia a compreensão da estrutura do conhecimento, das relações entre ciência e poder e da ciência como força produtiva. Dessa forma, o pensamento e ação crítica são vistas como atitudes necessárias àqueles que desejam ensinar, tendo em vista que se busca por um processo de construção que se encontra no saber científico e no ensino dele, objetos de estudo e de trabalho do professor e da professora. Quando a ciência deixa de ser compreensível em suas tramas, a história e a filosofia podem auxiliar na sua compreensão e assim, o professor e a professora podem propiciar a ruptura no discurso autoritário do conhecimento, como instrumento de manipulação e opressão. Existem situações em sala de aula que requerem análises à luz da história e da filosofia da ciência, justamente por elas darem vida aos conteúdos, conceitos e idéias trabalhadas pelo professor e pela professora, contextualizando tais saberes e aproximando-os de aspectos da vida humana. Da mesma maneira, espera-se formar professores e professoras que busquem compreender as relações entre o as pessoas e o conhecimento, a educação, o ensino e a escola, com consciência política sustentada por atividades didáticas que contemplem o nível cultural e científico dos alunos e alunas; que valorizem a mediação docente como elemento estimulador do pensamento autônomo, do duvidar e interrogar a realidade, e em condições de dar respostas criativas a problemas práticos. A partir disso, acredita-se que a aprendizagem participativa, significativa e autonomizante será uma decorrência deste, que se constitui em um processo capaz de proporcionar ao aluno e à aluna a busca de novos conhecimentos e reorganização de conhecimentos anteriores, experienciando e transformando suas ações e a realidade em que estão inseridos. Para Alarcão (2000, p. 181), é dessa forma que o aluno e a aluna emergem no papel de pesquisadores (as), e o Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 237 professor e a professora assumem o papel de coordenadores(as) da aprendizagem na pesquisa. Tanto a pesquisa como as experiências vivenciadas pelos alunos (as) assumem papel importante para a formação docente. Trazer as questões do dia-a-dia escolar para serem analisadas por eles, segundo André (2000, p. 203), além de favorecer a aproximação entre a teoria e a prática, permite, também, que as questões didáticas sejam analisadas dentro de um contexto escolar específico, contextualizando-as e historicizando-as. Além disso, permite analisar questões de ensino em sua interrelação com os aspectos organizacionais como: as relações de poder, a gestão escolar, questões de âmbitos pessoais como histórias de vida dos sujeitos, questões sociais que envolvem a participação de pais e mães, da comunidade, do aluno e da aluna e professores (as) nas questões da escola e da educação como um todo, nas questões políticas, educacionais, na legislação, nas discussões curriculares e filosóficas: concepções sobre educação, escola, ensino, aprendizagem etc. Nessa perspectiva, porém numa visão macro, é possível situar o papel da pesquisa que prepara os professores (as) para assumirem o desafio de repensarem os rumos que as instituições educacionais terão de assumir, para não cair na fragmentação e disciplinarização das sociedades neoliberais, como adverte Morin (2000). Para ele, a educação do século XXI exige um esforço maior que congregue ciências e humanidades e consiga romper com a oposição entre natureza e cultura; que congregue o todo e as partes, o texto e o contexto, o global e o planetário, enfrentando os paradoxos que o desenvolvimento econômico apresenta, globalizando de um lado e excluindo de outro. Para Morin (2000), a identidade terrena, a “terra-pátria” vem sendo desprezada e as instituições educacionais ainda não se conscientizaram em relação a isso. Assim, assumir que a educação do futuro deve ter como prioridade ensinar a ética da compreensão planetária significa entender a ética como uma atitude que deve ser assumida por todos, principalmente por aqueles que acreditam ser ainda possível encontrar sociedades democráticas abertas que se solidarizam. Nessa perspectiva, a história e a filosofia da ciência, ao mesmo tempo em que estimulam o professor (a) a lutar por um mundo com mais beleza e sustentabilidade, corrobora com a sua formação docente. A história e a filosofia da ciência e o ensino de ciências Bastos (1998) evidencia dois possíveis caminhos para a melhoria do ensino de ciências, à luz dos conhecimentos da história e Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 238 da filosofia da ciência, a saber: como conteúdo de ensino em si mesmo e como fonte de inspiração para a definição de conteúdos e estratégias de ensino. Segundo Bastos (1998, p. 43-46), estudos recentes sobre a veiculação da história da ciência, tanto no ensino fundamental quanto médio e superior, apresentam algumas falhas por: apresentarem erros factuais grosseiros; ignorarem as relações entre o processo de produção do conhecimento na ciência e o contexto social, político, econômico e cultural; passarem a ideia de que os conhecimentos científicos progridem apenas por meio de descobertas incríveis realizadas por pesquisadores geniais; glorificarem o presente e seus modelos, menosprezando a relevância das correntes científicas divergentes das atuais, a riqueza dos debates ocorridos no passado, as descontinuidades do passado e presente; estimularem a ideia de que os conhecimentos científicos atuais são verdades imutáveis. Além disso, Bastos (1988) complementa afirmando que, particularmente, os textos de história da ciência que são disponíveis para consulta, dificilmente se adaptam às necessidades específicas do ensino de Ciências na escola fundamental e média. Para ele, isso ocorre talvez por não reunir simultaneamente uma linguagem acessível aos diferentes aspectos que o (a) professor (a) pretende discutir, pois traz informações superficiais e não discutem a fundo o que é relevante. Sendo assim, alguns pesquisadores (as) têm-se dedicado a relatos de história da ciência que deem conta de contemplar os temas considerados relevantes para formação do (a) aluno (a). Maddox (apud DELIZOIVOC; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007, p. 66) destaca quatro pontos que merecem atenção dos (as) professores (as) de Ciências e, principalmente, dos (as) formadores (as) destes professores (as): 1º - o conhecimento científico faz parte de um processo de produção que envolve transformações na compreensão do comportamento da natureza, que impedem esse conhecimento de ser caracterizado como pronto e acabado, mesmo que essas teorias tenham fundamentado a explicação de muitos fenômenos; 2º - cuidado em abordar a conceituação científica contida nos modelos e teorias, ou seja, não descaracterizar a dinâmica que a produziu; 3º - sobre a perspectiva curricular, é importante saber: qual o conteúdo é pertinente e relevante para ser ensinado? Quais conteúdos serão excluídos (em virtude do tempo e idade dos alunos) e com base em quais critérios? Como o processo escolar pode formar o aluno para suprir essa lacuna? É consensual, nas propostas curriculares, a veiculação do conhecimento científico e tecnológico não acabado, não neutro, social e historicamente construído. No que diz respeito às teorias e modelos superados ou Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 239 em aceitação, a história da ciência e a epistemologia subsidiam o trabalho docente; 4º - a relação ciência/tecnologia deve ser considerada. Essa relação, aliada à presença da tecnologia na vida das pessoas, não pode ser ignorada no ensino de Ciências. A compreensão dos fenômenos naturais, conciliados à tecnologia, oferecem à área de ciências naturais uma perspectiva interdisciplinar, uma vez que integram conhecimentos de diferentes áreas como a biologia, física, química, e aspectos sociais, culturais e tecnológicos. Assim, acreditamos que a opção do professor em organizar o seu plano de ensino em função dos temas de trabalho e problemas para investigação facilitaria o tratamento interdisciplinar das ciências naturais, permitindo a organização de conteúdos de forma flexível e compatível com os seus critérios de seleção. Assim como Bastos (1998, p. 47), acreditamos, então, na história e filosofia da ciência como áreas do conhecimento possíveis para que o (a) professor (a) busque inspiração para definir conteúdos essenciais, estabelecer suas sequenciais, propor atividades de ensino, principalmente as aulas práticas e experimentais, questionamentos e problematizações a serem estudadas pelos seus alunos (as). Nesse sentido, acreditamos, como possibilidade para a elaboração de uma programação para o ensino de Ciências, na realização de um trabalho mediante a abordagem temática, o que significa abrir mão do que já vem sendo proposto até então, ou seja, da abordagem conceitual que organiza os conteúdos escolares a partir de um conjunto de conceitos científicos. Tal abordagem conceitual, na concepção de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007, p. 273), apresenta uma limitação temporal, no que diz respeito ao tempo de escolarização e, portanto, não há tempo hábil para o desenvolvimento consistente de toda conceituação presente na produção do conhecimento científico. Para Delizoicov, Angotti e Pernanbuco (2007, p. 273), a abordagem temática pode representar um excelente critério de estruturação do programa para o ensino de Ciências, principalmente ao selecionar os conteúdos científicos que devem ser apreendidos. Desse modo, a programação e o planejamento devem articular temas e conceitos científicos, principalmente os temas que representam o ponto de partida para a elaboração do programa. Os temas devem permitir a inclusão dos conceitos científicos que favorecerão a compreensão científica dos temas pelos (as) alunos (as). A articulação entre temas e conceitos científicos, na visão de Freire (1975, apud DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007, p. 274) recebe o nome de redução temática, resultado do trabalho desenvolvido pela equipe de professores (as). Isso significa que, após definição dos temas, que serão trabalhados em sala de aula, e, tendo em vista os conceitos, relações, modelos e teorias de sua área de conhecimento procuram compreender melhor o tema analisado. Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 240 Nesse momento, é importante considerar também os conceitos que os (as) alunos (as) precisam apropriar-se para uma compreensão cientificamente compartilhada. Assim, se estabelece um conjunto de temas que farão parte dos conteúdos programáticos e que serão desenvolvidos, privilegiando a dialogicidade e a problematização, aspectos que poderão favorecer a apropriação dos conhecimentos pelo aluno(a). Segundo Freire (1975, apud DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007, p. 274), essa redução temática é parte do que ele chama de investigação temática, elemento importante para se obter os temas de estudo e alcançar os temas geradores para o planejamento de uma educação problematizadora. Feita a delimitação temática, caberá a cada especialista, dentro de seu campo, apresentar à equipe interdisciplinar o projeto de “redução” de seu tema. Nesse processo, o(a) especialista busca seus núcleos fundamentais, que se constituindo em unidades de aprendizagem e estabelecendo uma sequência entre si, dão a visão geral do tema “reduzido” (FREIRE, 1975, p. 135, apud DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007, p. 276). À medida que os (as) professores (as) lidam com os vários âmbitos do conhecimento, essa equipe vai se tornando interdisciplinar. Ressalta-se, quando necessária, a inclusão dos chamados temas “dobradiças”, cuja função é a de facilitar a compreensão dos temas propostos no conjunto das unidades programáticas, fazendo a ponte entre os conteúdos da programação e a visão de mundo do (a) aluno (a). Como podemos perceber, há uma nítida aproximação entre as perspectivas de abordagem temática, a programação e o desenvolvimento propostos por Snyders (1988, apud DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007, p. 279) e Freire (1975, apud DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007). Ambos consideram como relevante, na composição do currículo, na elaboração da disciplina e na prática educativa desenvolvidas no interior da escola, a relação entre o conhecimento problematizado, sistematizado e o conteúdo que o (a) aluno (a) já traz consigo e que deve ser superado. Faz-se importante considerar no ensino de ciências naturais a eleição de alguns conceitos supradisciplinares, que podem se constituir como âncoras, que facilitarão o aprendizado e que, também, minimizam os excessos de fragmentação do pensamento dos (as) alunos (as) e dos (as) professores (as). A identificação desses conceitos é norteada por parâmetros epistemológicos e pedagógicos; é o que se pode chamar de conceitos unificadores (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2007, p. 278). São unificadores porque são aplicados em larga escala nos diferentes objetivos das ciências naturais, muitas vezes, fazendo pontes para o conhecimento crítico. Complementam os temas, trazendo para o processo de ensino e aprendizagem o teor epistêmico, pois trazem à tona os aspectos mais partilhados em diferentes épocas pelas comunidades de ciência e tecnologia. Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 241 Delizoicov; Angotti; Pernambuco (2007, p. 279) apresentam quatro temas e conceitos unificadores na estruturação do programa de ensino de Ciências: transformações, regularidades, energia e escala: Transformações: da matéria viva (ou não) no espaço e no tempo; Regularidades de transformações: categorizam e agrupam as transformações mediante regras, semelhanças, ciclos, conversações no espaço e no tempo. São as transformações do conhecimento, principalmente, o científico; Energia: este conceito incorpora os dois anteriores, com o intuito de alcançar maior abstração. Transforma-se, espacial e temporalmente, na dinâmica mutável dos objetos, fenômenos e sistemas. É uma ponte segura, que conecta os conhecimentos de ciência e tecnologia, as contradições do cotidiano permeado pelo natural, fenomênico e tecnológico; Escalas: do campo epistemológico ao pedagógico, podem se localizar espaços intermediários de transição do conhecimento, ou seja, do saber crítico de poucos ao democratizado, da ciência dos cientistas à ciência dos estudantes e professores. Enfim, estes conceitos unificadores podem aproximar as diversas ciências e profissionais, preservando os níveis de cognição e possibilitando que o nível de cultura elaborada seja mais compartilhado. Esses conceitos, além de unificadores, são também supradisciplinares, como mencionado acima, porque permeiam os objetivos da astronomia, geologia, física, química e biologia. Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007, p. 283-287) afirmam que na ciência dos currículos, esses conceitos unificadores podem orientar os (as) professores (as) dessas disciplinas no ensino médio e na graduação, e na disciplina de ciências no ensino fundamental, trabalhando no âmbito da totalidade e estruturação do conhecimento. São poderosos auxiliares no conflito entre fragmentos e totalidades do conhecimento abordado na construção do programa e planejamento de ciências. A articulação entre temas e conceitos unificadores deve constituir um trabalho de equipe e, definidos os temas ou situações significativas, podem ser interpretados mediante conhecimento prévio dos (as) alunos (as). Nessa perspectiva, Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007) afirmam ser um dos objetivos a obtenção e problematização desses conhecimentos, pela via da codificação- problematização-decodificação. Caberá aos (às) professores (as), com base nos conhecimentos específicos de cada área, interpretarem os Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 242 temas ou situações significativas que se constituirão como problemas a serem resolvidos, ou temas geradores, que os auxiliarão na identificação de quais conhecimentos os (as) alunos (as) precisam se apropriar. Sendo assim, o uso dos conceitos unificadores que trazem a estrutura epistêmica do conhecimento científico, articulado com os temas geradores permitem a realização de análises e sínteses, com as quais se estrutura a programação escolar, identificando conceitos, modelos, teorias que constituirão o rol de conteúdos programáticos escolares. Daí, inicia-se a redução temática, cujo objetivo é a elaboração do programa de ensino. Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), a construção de redes ou mapas conceituais permite que o (a) professor (a) tenha uma visão global ou estruturada em relação ao tema. Dessa maneira, o planejamento das atividades de ensino e aprendizagem e, em alguns casos, a construção de materiais didáticos completará o processo de redução temática, que deve ser constantemente atualizado e construído pelos alunos em sala de aula, favorecendo a problematização dos conhecimentos sistematizados e aqueles que os alunos trazem consigo. Com isso, espera-se que a visão de mundo do aluno e da aluna seja ampliada e/ou transformada à medida que ambos vão se apropriando do conhecimento científico e, aos poucos, interagindo de uma forma melhor com a natureza e seus semelhantes. Quanto maior for o contato do professor e da professora com as alternativas materiais, maior será a chance de encontrarem o caminho mais adequado. A propósito, existem vários caminhos que podem ser utilizados pelo professor e pela professora para fazerem o aluno e a aluna reverem seus conceitos e reformulá-los, como questionamentos, problematizações, experimentos e observações, ou seja, situações que levem à busca de novas informações em fontes variadas como: a observação, a experimentação, as experiências travadas no laboratório, a leitura, entrevista, excursão e estudo do meio são imprescindíveis para o ensino, aprendizagem e formação de conceitos em ciências, pois, além de obter informações que contribuirão no desenvolvimento de suas ideias e atitudes, auxiliarão também no desenvolvimento da autonomia em relação à busca desse conhecimento. Considerações finais Ao entender as facilidades e contratempos da evolução científica, bem como todo o processo de sua evolução, como saber em constante processo de elaboração, o (a) professor (a) poderá compreender melhor as dificuldades de seus alunos (as). Isso não Luciana Aparecida de A. Penitente; Rosane M. de Castro - A história e filosofia da Ciência: contribuições para o ensino de Ciências e para a formação de professores Revista Eletrônica Pesquiseduca v.2., n.4, jul.-dez.-2010 243 significa que os problemas e os obstáculos serão os mesmos e de maior ou menor importância, mas o simples fato de conhecerem tais obstáculos pode auxiliá-los no enfrentamento dos obstáculos e dificuldades que estão por vir e, nesse sentido, como aponta Bastos (1998), tais obstáculos e dificuldades podem funcionar como material para a discussão em sala de aula ou como pistas sobre pontos cruciais do conteúdo. Pode-se perceber no decorrer da história que as etapas do saber não ocorrem de forma linear, como afirmam muitos pesquisadores, e que cada etapa a caminho da construção se dá mediante reorganização do que um dia já foi construído. Com o apoio dos estudos e das preocupações em conhecer a maneira como os (as) alunos (as) aprendem o que sabem e o que trazem de conhecimentos sobre determinados assuntos, e conhecer os passos e o encadeamento das ideias podem ajudar o (a) professor (a) a criar soluções e proporcionar um ensino mais eficaz. Tanto a história como a filosofia da ciência podem auxiliar os (as) professores (as) a repensarem sua prática e a considerarem as relações cotidianas como algo importante à aprendizagem do(a) aluno(a). Entender a relação que se dá entre o conhecimento antigo e o novo e as influências de um sobre o outro permitirá ao (à) professor (a) à descoberta do papel do erro nesse processo de busca do saber, como algo natural. Reconhecer que o processo de construção do saber científico não é algo simples e banal já abre as possibilidades de reconstrução deste pelo (a) aluno (a); é claro, com a mediação do (a) professor (a). Isso implica em corroborarmos com as afirmações feitas de que o conhecimento científico é um produto da atividade humana e, embora essa construção do conhecimento apresente dificuldades e limitações, ela permite a participação de todos, como agentes ativos. Talvez, essa seja a maior contribuição que a abordagem histórica e filosófica da ciência pode propiciar aos educadores e educadoras. Referências ALARCÃO, I. Contribuição da didática para a formação de professores 0 reflexões sobre o seu ensino. In: PIMENTA, S. G. (Org.). Didática e formação de professores: percurso e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000, p. 159-190. ANDRÉ, M. E. D. A. de. Tendências no ensino de didática no Brasil. In: PIMENTA, S. G. (Org.). Didática e formação de professores: percurso e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000, p. 191-204. BASTOS, F. História da ciência e pesquisa em ensino de ciências: breves considerações. In: NARDI, R. (Org.). 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