UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" CAMPUS DE GUARATINGUETÁ Kelvin dos Santos Alves Caracterização geométrica de horizontes de buracos negros Guaratinguetá 2022 Kelvin dos Santos Alves Caracterização geométrica de horizontes de buracos negros Trabalho de Graduação apresentado ao Conselho de Curso de Graduação em Física da Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Univer- sidade Estatual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Graduação em Física. Orientador: Profº Dr. Rogério Teixeira Cavalcanti Guaratinguetá 2022 A474c Alves, Kelvin dos Santos Caracterização geométrica de horizontes de buracos negros / Kelvin dos Santos Alves – Guaratinguetá, 2022. 64 f : il. Bibliografia: f. 64 Trabalho de Graduação em Física – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, 2022. Orientador: Prof. Dr. Rogério Teixeira Cavalcanti 1. Buracos negros (Astronomia). 2. Superfícies (Matemática). 3. Relatividade (Física). I. Título. CDU 52 Luciana Máximo Bibliotecária CRB-8/3595 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" CAMPUS DE GUARATINGUETÁ KELVIN DOS SANTOS ALVES ESTE TRABALHO DE GRADUAÇÃO FOI JULGADO ADEQUADO COMO PARTE DO REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO DIPLOMA DE "GRADUANDO EM FÍSICA " APROVADO EM SUA FORMA FINAL PELO CONSELHO DE CURSO DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA Profº Dr. JÚLIO MARNY HOFF DA SILVA Coordenador BANCA EXAMINADORA: Profº Dr. Rogério Teixeira Cavalcanti Orientador/UNESP-FEG Profº Dr. Elias Leite Mendonça UNESP-FEG Profº Dr. Júlio Marny Hoff da Silva UNESP-FEG Março , 2022 Dedico esse trabalho aos meus pais. AGRADECIMENTOS Muitas pessoas contribuíram para com que esse trabalho fosse possível, e é de certo modo injusto não poder agradecê-las aqui, entretanto vou me limitar as pessoas que tiveram ao meu lado durante esses quatro anos de graduação. Em primeiro lugar gostaria de agradecer meus pais pelo apoio incondicional, e por possibilitarem com que eu conseguisse realizar o sonho de me tornar um físico. E também a minha irmã por estar ao meu lado e aturar as longas horas que eu falava de física, mesmo contra a vontade dela. Aos amigos que fiz nesse percurso, em especial ao André e Hamilton, pessoas brilhantes, que me aturavam durante as semanas de provas e sempre me ajudavam nos momentos em que precisava. Gostaria de agradecer também ao professor Júlio e ao meu orientador Rogério, profissionais inspiradores que possibilitaram e confiaram em mim para a realização desse projeto. E por fim, gostaria de agradecer a FAPESP pelo apoio financeiro para a realização desse trabalho. Este trabalho contou com o apoio da seguinte entidade: FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Processo nº 2021/03625-8 “O homem não pode obter a felicidade por meio da ciência, mas hoje pode bem menos ainda ser feliz sem ela.“ (Henri Poincaré) RESUMO O presente trabalho tem como objetivo apresentar algumas das caracterizações alternativas de hori- zontes de buracos negros. Diferentemente da noção clássica de horizonte de eventos - que é global - essas caracterizações são baseadas em referenciais quase locais, com a utilização de hipersuperfícies folheadas por superfícies marginalmente aprisionadas. Será discutida a geometria de hipersuperfícies e em especial, as superfícies nulas e os conceitos de horizontes não-expansível, isolados, de Killing e dinâmicos, além de uma breve discussão sobre as soluções dinâmicas de Vaidya e McVittie. PALAVRAS-CHAVE: Buracos negros. Horizontes. Superfície nulas. ABSTRACT The present work aims to present some of the alternative characterizations of black hole horizons. Unlike the classical notion of event horizon - which is global - these characterizations are based on quasi-local frames, with the use of hypersurfaces foliated by marginally trapped surfaces. The geometry of hypersurfaces and in particular the null surfaces and the concepts of non-expanding, isolated, Killing and dynamic horizons will be discussed, in addition to a brief discussion of Vaidya and McVittie’s dynamic solutions. KEYWORDS: Black holes. Horizons. Null surface. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo, linhas de mundo do tipo-tempo ou nula só podem viajar no seu interior. O plano em verde ilustra uma hipersuperfície tipo-tempo Σ dividindo localmente o espaço-tempo, e seu vetor normal n é do tipo-espaço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Figura 2 Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo, linhas de mundo do tipo-tempo ou nula só podem viajar no seu interior. O plano em verde ilustra uma hipersuperfície tipo-espaço Σ dividindo localmente o espaço-tempo, e seu vetor normal n é do tipo-tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Figura 3 Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo, linhas de mundo do tipo-tempo ou nula só podem viajar no seu interior. O plano em verde ilustra uma hipersuperfície nula Σ delimitando exatamente até onde linhas de mundo do tipo-nulas podem estar, e o vetor em preto ilustra o normal nulo n. . . . . . . . 16 Figura 4 Linhas de mundo do tipo-tempo (vermelha e amarela), direcionadas para o futuro cruzando uma hipersuperfície do tipo-tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Figura 5 Linhas de mundo do tipo-tempo (vermelha e amarela), direcionadas para o futuro cruzando uma hipersuperfície do tipo-espaço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Figura 6 Linhas de mundo do tipo-tempo (vermelha e amarela), direcionadas para o futuro cruzando uma hipersuperfície nula. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Figura 7 Parte superior de um cone de luz como uma superfície nula, com geradores geodésicos nulos e o do tipo-normal nulo ℓ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Figura 8 Plano em verde indicando o complementar ortogonal T⊥ p S , e os vetores ℓ e k indicando duas direções linearmente independente do tipo-nula que são sua base. A seção transversal indicada por S deve estar fora do cone de luz, uma vez que é do tipo-espaço, e T⊥ p S indica seu plano tangente. . . . . . . . . . . . . . . . 23 Figura 9 Transporte de Lie da seção transversal S ao longo de εℓ, resultando em uma nova seção transversal Sε. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 Figura 10 Duas seções transversais S e S ′ passando por um ponto em comum p. . . . . 28 Figura 11 Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo e o plano em verde representando um horizonte de Killing H . Em H o vetor χ é nulo, em um lado de H , χ = χ1 é um vetor do tipo-tempo, sendo representado no interior do cone de luz. Em outro lado de H , χ = χ2 é uma vetor do tipo-espaço, sendo representado do lado externo do cone de luz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Figura 12 Comportamento dos raios dos horizontes do buraco negro e cosmológico de McVittie para fundo de poeira dominante. Para a construção do gráfico foi assumido m = 1 e tanto t quanto r são dados em unidades de m. . . . . . . . . 60 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2 GEOMETRIA DE SUPERFÍCIES NULAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.1 HIPERSUPERFÍCIES EM VARIEDADES LORENTZIANAS . . . . . . . . . . 14 2.2 SUPERFÍCIES NULAS E NORMAIS NULOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2.3 IDENTIDADE DE FROBENIUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.4 GERADORES GEODÉSICOS NULOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.5 SEÇÃO TRANSVERSAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2.6 FOLHEAÇÃO DE SUPERFÍCIES NULAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.6.1 TENSOR TAXA DE DEFORMAÇÃO E DE CISALHAMENTO . . . . . . . 30 2.7 EQUAÇÃO NULA DE RAYCHAUDHURI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3 HORIZONTES NÃO-EXPANSÍVEIS E HORIZONTES ISOLADOS . . . . . 34 3.1 HORIZONTES NÃO-EXPANSÍVEIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.1.1 DEFINIÇÃO E PROPRIEDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.1.2 INDUÇÃO DA CONEXÃO AFIM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 3.2 HORIZONTES ISOLADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.2.1 DEFINIÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 3.2.2 SUPERFÍCIE GRAVITACIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 4 HORIZONTES DE KILLING E SOLUÇÕES ESTACIONÁRIAS . . . . . . 41 4.1 VETORES DE KILLING . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.2 HORIZONTES DE KILLING . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 4.2.1 EXPRESSÃO PARA O COEFICIENTE NÃO-AFIM . . . . . . . . . . . . . . 43 4.2.2 LEI ZERO DA MECÂNICA DE BURACOS NEGROS . . . . . . . . . . . . . 44 4.2.3 κ COMO SUPERFÍCIE GRAVITACIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4.3 SOLUÇÕES ESTACIONÁRIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 5 HORIZONTES DINÂMICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 5.1 SUPERFÍCIES DE APRISIONAMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 5.2 FOLHEAÇÃO DE HIPERSUPERFÍCIES POR SUPERFÍCIES DO TIPO-ESPAÇO 54 5.3 HORIZONTES DINÂMICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 5.4 SOLUÇÕES DINÂMICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 5.4.1 ESPAÇO-TEMPO DE VAIDYA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 5.4.2 SOLUÇÃO DE MCVITTIE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 6 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 12 1 INTRODUÇÃO Os buracos negros estão associados a alguns dos fenômenos mais poderosos de nosso universo, como o colapso gravitacional de estrelas, núcleos galácticos ativos e as ondas gravitacionais emitidas por sistemas binários de buracos negros. Eles desempenham um importante papel na física gravitacional e a teoria matemática subjacente é extraordinariamente rica (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Foi durante as décadas de 1960 e 1970 que as propriedades clássicas de soluções exatas e estacionárias foram investigadas e também provados teoremas de singularidade e unicidade (BOOTH, 2005). Buracos negros são caracterizados pela existência de um horizonte que cobre seu interior. A primeira noção de horizonte é devida aos estudos das soluções estáticas e estacionárias de buracos negros em Relatividade Geral, e é denominada de horizonte de eventos (FARAONI, 2015). O horizonte de eventos é definido como a fronteira futura do passado causal do futuro infinito nulo (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004) H = ∂J−(I +) ∩ M , (1.1) sendo M um espaço-tempo assintoticamente plano, munido de uma métrica Lorentziana g, I + o futuro infinito nulo, e J− o passado causal do futuro infinito nulo. Essa definição de horizonte de eventos engloba as características mais peculiares de um buraco negro, como a ideia de que um observador externo não pode olhar o que há dentro dele (FARAONI, 2015). No entanto, a definição clássica 1.1 de horizonte de eventos não é mais aplicável quando se quer tratar de espaços-tempo cosmológicos que não são assintoticamente planos (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2008). O fato de um horizonte de eventos fazer referência ao futuro infinito nulo, implica que para saber se existe de fato um buraco negro em alguma região do espaço-tempo é necessário conhecer toda sua estrutura, por isso, diz-se que um horizonte de eventos constitui uma definição global. Além disso, sua natureza teleológica, respondendo com antecedência a eventos que ocorrerão no futuro e a ausência de relação com a presença de campos gravitacionais fortes é um grande limitante em estudos de situações totalmente dinâmicas (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Caracterizações de horizontes de buracos negros baseadas em referenciais quase locais, utilizando folheação de hipersuperfícies por superfícies marginalmente aprisionadas, são alternativas ao conceito global de horizonte de eventos. Além de fornecer ferramentas poderosas para relatividade numérica e simulações computacionais, possibilita o confronto entre os dados observacionais e a teoria. Com os recentes avanços observacionais como a detecção de ondas gravitacionais emitidas por binários de buracos negros, e a imagem capturada pela colaboração Event Horizon Telescope essa abordagem é de suma importância. Nos próximos capítulos serão discutidas de modo detalhado as definições e propriedades dessas caracterizações locais. No primeiro capítulo será introduzido de modo heurístico por que superfícies nulas devem representar um horizonte de buraco negro em equilíbrio e serão discutidos os principais resultados relacionados à geometria dessas superfícies. Isso está de acordo com a definição clássica 1.1, pois uma vez que H é suave, ele deve ser uma superfície nula (GOURGOULHON; JARAMILLO, 13 2008) (GOURGOULHON, 2022). Nos dois capítulos seguintes são discutidas noções de referenciais que modelam buracos negros em equilíbrio, como os horizontes de isolados e os horizontes de Killing. No capítulo 5 serão discutidos os horizontes dinâmicos, com a análise das soluções dinâmicas de Vaidya e McVittie. Por fim, nas discussões que seguem será assumido que o espaço-tempo é uma variedade Lorentziana M , 4−dimensional, munido de uma métrica g, com uma conexão afim ∇ compatível com a métrica, e que a equação de campo de Einstein é dada por Rµν = Λgµν + 8π ( Tµν − 1 2 Tgµν ) , (1.2) onde Λ é a constante cosmológica, Tµν o tensor energia-momento e T o traço do tensor energia- momento. 14 2 GEOMETRIA DE SUPERFÍCIES NULAS O presente capítulo tem como objetivo desenvolver as ferramentas matemáticas que serão de suma importância nos capítulos posteriores. Buraco negro é uma região do espaço que nenhum tipo de partícula pode escapar, sendo elas massivas ou não. Portanto é natural questionar se deve haver alguma fronteira que delimita tal região. A essa fronteira dá-se o nome de horizonte de eventos, ou simplesmente, horizonte. O horizonte é uma membrana unidirecional, pois só pode ser atravessado em um único sentido, da região exterior ao buraco negro para a região interior, dado que nada pode escapar dele. Segundo (FARAONI, 2015) os horizontes de buracos negros são formados por geodésicas nulas que não atingem o infinito e por isso devem ser superfícies nulas. Diante disso, será visto na seção 2.1 que, de fato, superfícies nulas são boas candidatas a modelar o horizontes de buracos negros. Após expor e discutir sobre as classificações de hipersuperfícies em variedades lorentzianas (seção 2.1), e motivado do porque o horizonte de eventos deve ser uma superfície nula, será discutida em detalhes a geometria dessas superfícies. 2.1 HIPERSUPERFÍCIES EM VARIEDADES LORENTZIANAS Considere o espaço-tempo sendo uma variedade lorentziana M , 4-dimensional, munida de uma métrica g. Uma subvariedade Σ de M , 3-dimensional (codimensão 1) é denominada de hipersuperfície. As hipersuperfícies dividem localmente uma variedade em duas regiões. Em uma variedade lorentziana (M , g), as hipersuperfícies Σ podem ser classificadas via métrica induzida g|Σ em Σ por g como segue (GOURGOULHON, 2022): • Σ será do tipo-tempo se a assinatura da métrica induzida for g|Σ = (−,+,+), ou seja (Σ, g|Σ) é uma variedade lorentziana; • Σ será do tipo-espaço se a assinatura da métrica induzida for g|Σ = (+,+,+), ou seja, (Σ, g|Σ) é uma variedade riemanniana; • Σ será do tipo-nula se a assinatura da métrica induzida for g|Σ = (0,+,+), ou seja, g|Σ é degenerada. Pode-se ainda, classificar as hipersuperfícies Σ em M via seus vetores normais n. • Se n for do tipo-espaço Σ será do tipo-tempo; 15 Figura 1 – Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo, linhas de mundo do tipo- tempo ou nula só podem viajar no seu interior. O plano em verde ilustra uma hipersuperfície tipo-tempo Σ dividindo localmente o espaço-tempo, e seu vetor normal n é do tipo-espaço. Fonte: Produção do próprio autor. • Se n for do tipo-tempo, Σ será do tipo-espaço; Figura 2 – Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo, linhas de mundo do tipo- tempo ou nula só podem viajar no seu interior. O plano em verde ilustra uma hipersuperfície tipo-espaço Σ dividindo localmente o espaço-tempo, e seu vetor normal n é do tipo-tempo. Fonte: Produção do próprio autor. • Se n for do tipo-nulo Σ será do tipo-nula; 16 Figura 3 – Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo, linhas de mundo do tipo- tempo ou nula só podem viajar no seu interior. O plano em verde ilustra uma hipersuperfície nula Σ delimitando exatamente até onde linhas de mundo do tipo-nulas podem estar, e o vetor em preto ilustra o normal nulo n. Fonte: Produção do próprio autor. As hipersuperfícies nulas possuem a característica única de que seu vetor normal é ortogonal e tangente a ela ao mesmo tempo por definição, uma vez que g(n,n) = 0. (2.1) Uma vez definidas as hipersuperfícies em uma variedade lorentziana, pode-se analisar o comportamento das linhas de mundo cruzando elas, uma vez que elas dividem o espaço-tempo em duas regiões. Assumindo linhas de mundo do tipo-tempo ou o tipo-nula direcionadas para o futuro, elas podem cruzar hipersuperfícies do tipo-tempo de uma região 1 para uma região 2, ou da região 2 para região 1, sem nenhum empecilho, de tal forma que hipersuperfícies do tipo-tempo são membranas bidirecionais (ver Figura 4). Figura 4 – Linhas de mundo do tipo-tempo (vermelha e amarela), direcionadas para o futuro cruzando uma hipersuperfície do tipo-tempo. Fonte: Produção do próprio autor. 17 Para hipersuperfícies do tipo-espaço, linhas de mundo do tipo-tempo ou do tipo-nulas direcionadas para o futuro, podem cruzar da região 2 para região 1, mas não em sentido contrário (ver Figura 5). Figura 5 – Linhas de mundo do tipo-tempo (vermelha e amarela), direcionadas para o futuro cruzando uma hipersuperfície do tipo-espaço. Fonte: Produção do próprio autor. Em hipersuperfícies nulas, linhas de mundo do tipo-nulas direcionadas para o futuro podem cruzar de uma determinada região 2 para região 1, porém quando tentam cruzar da região 1 para região 2 ficam presas na hipersuperfície como ilustra a Figura 6. Figura 6 – Linhas de mundo do tipo-tempo (vermelha e amarela), direcionadas para o futuro cruzando uma hipersuperfície nula. Fonte: Produção do próprio autor. Hipersuperfícies do tipo-espaço e hipersuperfícies nulas são unidirecionais, ou seja, só podem ser atravessadas em uma única direção. Diante dos comportamentos apresentados, as hipersuperfícies nulas são naturalmente escolhidas para modelar o horizonte de eventos. Por simplicidade, elas passarão a chamadas apenas de superfícies nulas, e denotadas por H . 2.2 SUPERFÍCIES NULAS E NORMAIS NULOS Seja U um aberto em M em torno de algum ponto de H , um campo escalar suave Φ : U 7→ R define uma superfície nula se1 ∀p ∈ M , p ∈ H ⇐⇒ Φ(p) = 0. (2.2) 1 Apesar de estarmos nos restringindo o estudo de superfícies nulas, a presente definição pode ser estendida para superfícies do tipo-espaço e tipo-tempo (ver (POISSON, 2004) e (CARROLL, 2003)). 18 e ∇αΦ ̸= 0 (2.3) A condição (2.3) acima garante que a superfície é regular, ou seja, que ela não pode se auto- interceptar (GOURGOULHON, 2022). Considere um campo vetorial ℓ direcionado para o futuro; ℓ será normal a H se, e somente se, g(ℓ, ℓ) = 0, (2.4) ou seja, ℓ é um campo vetorial do tipo-nulo. Como ℓ é definido apenas em H , e não em uma vizinhança da superfície, não pode ser tomada a derivada covariante ∇ℓ uma vez que não foi introduzida uma conexão definida intrinsecamente em H . Entretanto, pode-se assumir ℓ definido em uma vizinhança de M folheada por uma família (H )Φ de superfícies nulas rotuladas por Φ, tal que que para cada valor de Φ definido em 2.2 tem-se um elemento da família de superfícies nulas, e para Φ = 0 obtém-se H . Esse procedimento faz com que ℓ não esteja confinado apenas em H , mas em uma vizinhança da superfície, possibilitando que possa ser tomada a derivada covariante usando a conexão de variedade M . Dado um vetor v ∈ TpM , v será tangente a superfície H definida pelo campo escalar Φ (2.2) se, e somente se, g(∇⃗Φ,v) = 0, (2.5) ou em notação indicial vα∇αΦ = 0. (2.6) Portanto o campo vetorial definido pelo gradiente ∇⃗Φ deve ser colinear ao campo vetorial normal ℓ, pela definição dada pela equação 2.5. Pode-se sempre escolher um campo escalar ρ, tal que ℓ = −eρ∇⃗Φ, (2.7) ou seja ℓα = −eρgαµ∇µΦ = −eρgαµ ∂Φ ∂xµ . (2.8) A constante que relaciona ℓ com ∇⃗Φ deve ser estritamente negativa. Essa escolha é sempre possível devido a escolha do campo escalar Φ. Se Φ está aumentando é direção ao futuro, ℓ será direcionado para o futuro (GOURGOULHON, 2022). 19 2.3 IDENTIDADE DE FROBENIUS Considere o dual do campo vetorial tipo-nulo normal a H : ℓα = −eρ∇αΦ. (2.9) Tomando a derivada covariante da equação 2.9, obtém-se ∇αlβ = ∇α(−eρ∇βΦ) = ∇αρ(−eρ∇βΦ)− eρ∇α∇βΦ = (∇αρ)lβ − eρρ∇α∇βΦ. (2.10) Antissimetrizando e usando a propriedade de que a conexão é livre de torção (∇α∇βΦ = ∇β∇αΦ) tem-se: ∇αℓβ −∇βℓα = ∇αρℓβ − eρρ∇α∇βΦ−∇βρℓα + eρρ∇β∇αΦ = ∇αρℓβ −∇βρℓα, ∇αℓβ −∇βℓα = ∇αρℓβ −∇βρℓα. (2.11) Usando a derivada exterior e o produto exterior pode-se escrever ainda a equação 2.11 como dℓ = dρ ∧ ℓ. (2.12) A equação 2.12 reflete o teorema de Frobenius em sua versão dual (WALD, 1984) que dá um critério para verificar se H é uma superfície ortogonal. Isso significa que ℓ é ortogonal a uma família de superfícies que folheia M (POISSON, 2004) como descrito na seção 2.2. 2.4 GERADORES GEODÉSICOS NULOS Como citado anteriormente, os horizontes são formados por raios nulos que não atingem o infinito, e por isso devem ser superfícies nulas (FARAONI, 2015). No entanto, exceto pela discussão qualitativa feita na seção 2.1, que mostrou que linhas de mundo do tipo-nulas ficam presas em superfície nulas quando tentam atravessar uma determinada região, nenhum resultado mais formal foi apresentado, mostrando que elas de fato geram a superfície nula. Essas linhas de mundo são geodésicas nulas que podem ser associadas a raios de luz tentando escapar de um buraco negro (Figura 6), no entanto ficam presas no seu horizonte, evidenciando uma das principais características de sua definição, a inescapabilidade. Como superfícies nulas foram escolhidas para modelar um horizonte de buraco negro, é esperado que elas sejam de fato geradas por raios nulos, e isso é enunciado no resultado a seguir Proposição 2.4.1. Qualquer superfície nula H é governada por uma família de geodésicas nulas chamadas de geradoras de H , e cada normal do tipo-nulo ℓ a H é tangente a essas geodésicas nulas. 20 Demonstração. Contraindo a identidade de Frobenius (equação 2.11) com o vetor nulo ℓα: ℓα∇αℓβ − ℓα∇βℓα = ℓα∇αρℓβ −∇βρ ℓ αℓα︸︷︷︸ =0 . (2.13) Como ∇β(ℓ αℓα) = 2ℓα∇βℓα = 0, (2.14) tem-se ℓα∇αℓβ = ℓα∇αρℓβ. (2.15) Definindo κ ≡ ℓα∇αρ = ∇ℓρ, (2.16) obtemos a equação ℓα∇αℓβ = κℓβ. (2.17) Tomando o dual métrico das equação (2.18), obtém-se ∇ℓℓ = κℓ. (2.18) A equação acima mostra que os campos de linhas de ℓ são geodésicas devido ao fato de satisfazer a equação geodésica. Portanto a proposição 2.4.1 mostra que de fato, assim como os horizontes, as superfícies nulas são geradas por raios nulos, e o campo vetorial do tipo-nulo ℓ abarca seus vetores tangentes, ou numa abordagem física, seus vetores velocidade. A condição acerca da inescapabilidade desses raios são discutidas na seção 2.6. Corolário 2.4.1. O normal do tipo-nulo ℓ pode sempre ser reescalonado por um campo escalar positivo σ ℓ 7→ ℓ′ = σℓ, (2.19) de modo que ℓ′ seja um campo vetorial geodésico, ou seja, ∇ℓ′ℓ′ = 0. (2.20) Demonstração. Das equações (2.18) e (2.19) temos que ∇ℓ′ℓ′ = (∇ℓσ + κσ)ℓ′, onde, de modo análogo a equação 2.18, tem-se que o comportamento de κ definido na equação 2.16 sob reescalonamento de ℓ é dado por κ′ = ∇ℓσ + κσ. (2.21) 21 Como σ > 0, ∇ℓ′ℓ′ = 0 ⇐⇒ ∇ℓ lnσ = −κ. (2.22) Portanto para que se obtenha de ℓ um campo vetorial geodésico a equação diferencial ordinária (equação 2.22) deve ser resolvida afim de obter o campo escalar σ para que o reescalonamento (equação 2.19) resulte em um campo vetorial geodésico de normais do tipo-nulo. O normal do tipo-nulo ℓ é um vetor pré-geodésico, uma vez que não satisfaz identicamente a equação 2.18. Isso significa que o gerador de H cuja o qual ℓ é tangente, não está parametrizado por um parâmetro afim λ. Porém pelo corolário 2.4.1, pode-se fazer um reescalonamento (equação 2.19) afim de que os geradores de H sejam parametrizados por um parâmetro afim λ e seus vetores tangentes ℓ′ sejam vetores geodésicos. Portanto ℓ e ℓ′ são evidentemente colineares e compartilham o mesmo campo de linhas. O coeficiente κ definido pela equação (equação 2.16) por estar diretamente associado a ℓ devido ao fato dele ser um vetor pré-geodésico é denominado de coeficiente não-afim. Figura 7 – Parte superior de um cone de luz como uma superfície nula, com geradores geodésicos nulos e o do tipo-normal nulo ℓ. Fonte: Produção do próprio autor. Outro resultado de suma importância para a geometria de superfícies nulas é enunciado e demons- trado a seguir Lema 2.1. Todo vetor tangente a uma superfície nula é do tipo-espaço ou do tipo-nulo. No último caso, ele também é tangente aos geradores geodésicos nulos. Demonstração. Sejam v e ℓ, respectivamente, vetor tangente a superfície nula H e seu vetor normal. Por definição tem-se que g(ℓ, v) = 0 e g(ℓ, ℓ) = 0. Uma vez que os vetores podem sempre ser escritos numa base ortonormal tal que v = (v0, v1, v2, v3) e ℓ = (ℓ0, ℓ1, ℓ2, ℓ3), tem-se que ℓ0v0 = ℓ1v1 + ℓ2v2 + +ℓ3v3 e (ℓ0)2 = (ℓ1)2 + (ℓ2)2 + (ℓ3)2. Usando a desigualdade de Cauchy-Schwarz, obtém-se ((ℓ1)2 + (ℓ2)2 + (ℓ3)2)((v1)2 + (v2)2 + (v3)2) ≥ (ℓ1v1 + ℓ2v2 + ℓ3v3)2 = (ℓ0v0)2 (2.23) 22 o que implica g(v, v) ≥ 0. Caso g(v, v) > 0, v será do tipo-espaço, ou então se g(v, v) = 0, v será do tipo-nulo, colinear a ℓ e portanto tangente aos geradores geodésicos nulos. 2.5 SEÇÃO TRANSVERSAL A seção transversal de uma superfície nula é a primeira parada antes de introduzir o conceito de expansão de uma superfície nula, que será discutido na próxima seção. Define-se seção transversal como Definição 2.1. A seção transversal de uma superfície nula H , é uma subvariedade S de M com codimensão 2 (dim S = 2), tal que: • o vetor normal do tipo-nulo ℓ não é tangente a S em nenhum ponto; • cada gerador geodésico nulo de H cruza S uma, e apenas uma, vez. A seção transversal de uma superfície nula S é o que delimita o Horizonte de um buraco negro e portanto é ela que dá o seu formato e permite localizá-lo (a grosso modo é o que veríamos em uma observação), por isso será assumido que as seções transversais são variedades fechadas, ou seja, compactas e sem fronteiras. Munidos da definição de seção transversal e da condição de que S deve ser uma variedade fechada, a topologia de H será um “tubo” ou “cilindro” (GOURGOULHON, 2022) H ≃ R× S (2.24) Para o caso de buracos negros 4-dimensional padrão, como o de Schwarzschild, H ≃ R× S2. Proposição 2.5.1. Qualquer seção transversal S de uma superfície nula, é do tipo espaço. Ou seja, todos os vetores tangentes a S são do tipo-espaço. Demonstração. Seja p ∈ S e v ∈ TpM um vetor tangente a S . Pelo Lema 2.1, tem-se que v deve ser tipo-espaço ou tipo-nulo, e no último caso será tangente aos geradores geodésicos nulos que passam por p. No entanto, nesse caso os geradores seriam tangentes à S o que não é possível pela definição 2.1. Portanto v é necessariamente do tipo-espaço, o que prova que S é tipo-espaço. Seja p ∈ S um ponto qualquer, pode-se definir a métrica induzida q por g em S via Definição 2.2. ∀(u, v) ∈ TpS × TpS , q(u, v) = g(u, v). (2.25) Uma vez que S é do tipo-espaço (Proposição 2.5.1), a métrica induzida q deve ser positivo definida, ∀v ∈ TpS , q(v, v) ≥ 0 e q(v, v) = 0 ⇐⇒ v = 0, (2.26) 23 ou seja (S ,q) é uma variedade Riemanniana. Portanto dado um ponto p ∈ S , o espaço tangente TpS deve possuir um completar ortogonal T⊥ p S tal que TpM = TpS ⊕ T⊥ p S , (2.27) de forma que T⊥ p S deve ser necessariamente do tipo-tempo para que a assinatura da métrica do espaço-tempo seja g = (−,+,+,+). Como a dimensão de TpS é 2, a dimensão de T⊥ p S deve ser 2, uma vez que a dimensão de TpM é n. Portanto T⊥ p S é um 2-plano do tipo-tempo formado por duas direções independentes e munido de uma métrica lorentziana. A base de T⊥ p S será formada por dois vetores do tipo-nulo linearmente independentes, o normal do tipo-nulo ℓ e um vetor do tipo-nulo k, de modo que as seguintes relações sejam satisfeitas: Figura 8 – Plano em verde indicando o complementar ortogonal T⊥ p S , e os vetores ℓ e k indicando duas direções linearmente independente do tipo-nula que são sua base. A seção transversal indicada por S deve estar fora do cone de luz, uma vez que é do tipo-espaço, e T⊥ p S indica seu plano tangente. Fonte: Produção do próprio autor. ℓµℓµ = 0, kµkµ = 0, ℓµkµ = −1. (2.28) Uma vez dada S , o normal do tipo-nulo ℓ e a condição dada pela equação2.28, a escolha do vetor tipo-nulo k é única (GOURGOULHON, 2022). A forma bilinear q é definida apenas em TpS inicialmente, mas pela decomposição ortogonal (equação 2.27), pode-se estendê-la a todos os vetores de TpM , exigindo ∀v ∈ T⊥ p S , q(v, ·) = 0. (2.29) Ademais, dado um par de vetores (u, v) de vetores de TpM , a soma direta (equação 2.27), implica 24 uma decomposição única u = u|| + u⊥ e v = v|| + v⊥, com u||, v|| ∈ TpS , u⊥, v⊥ ∈ T⊥ p S , (2.30) que permite, usando a bilinearidade de q e a propriedade dada pela equação 2.29, obter ∀(u, v) ∈ TpM × TpM , q(u, v) = q(u||, v||). (2.31) As equações 2.2 e 2.31 podem ser consideradas juntas a definição de q. Uma definição equivalente é dada como segue Proposição 2.5.2. A métrica induzida q pode ser definida explicitamente como q = g + ℓ⊗ k + k ⊗ ℓ, (2.32) onde ℓ e k são os duais das direções tipo-nula linearmente independentes dada pela equação 2.28. Demonstração. Será mostrado que a equação 2.32 implica as equações 2.25 e 2.31. Dado o par de vetores (u, v) ∈ TpM , da equação 2.32 tem-se que q(u, v) = u · v + (ℓ · u)(k · v) + (k · u)(ℓ · v). (2.33) Como ℓ e k são bases de T⊥ p S e dada equação 2.30, pode-se escrever os vetores como u = u|| + u0ℓ+ u1k e v = v|| + v0ℓ+ v1k. (2.34) Usando a equação 2.28, u · v = u|| · v|| − u0v1 − u1v0, (2.35) ℓ · u = −u1, k · u = −u0, ℓ · v = −v1, k · v = −v0, obtém-se que da equação 2.33 q(u, v) = u|| · v|| − u0v1 − u1v0 + u1v0 + u0v1 = u|| · v||, (2.36) i.e. a equação 2.25. Dada a métrica q via definição 2.32, pode-se definir a métrica dual 25 Definição 2.3. A métrica dual é um tensor do tipo (1, 1) dado por −→q := I+ ℓ⊗ k+ k ⊗ ℓ (2.37) ou em notação indicial qαβ = δαβ + ℓαkβ + kαℓβ. (2.38) Uma consequência imediada da definição acima é enunciada como segue Corolário 2.5.1. −→q é o projetor ortogonal sobre seção transversal S ∀v ∈ TpM , −→q (v) = v||. (2.39) Demonstração. Da equação 2.38 tem-se que qαβℓ β = δαβℓ β + ℓαkβℓ β + kαℓβℓ β, (2.40) qαβk β = δαβk β + ℓαkβk β + kαℓβk β, (2.41) portanto usando equação 2.28 −→q (ℓ) = 0, (2.42) −→q (k) = 0. Dado v ∈ TpM , pode-se decompor como na equação 2.34 tal que −→q (v) = −→q (v||) + v0−→q (ℓ) + v1−→q (k) (2.43) e da equação 2.42 −→q (v) = v||. (2.44) Como já mencionado (ℓ,k) formam uma base nula de T⊥ p S . Entretanto, uma base ortonormal (n, s) pode ser obtida via { n = 1 2 ℓ+ k s = 1 2 ℓ− k. (2.45) 26 O inverso pode ser facilmente obtido { ℓ = n + s k = 1 2 (n − s). (2.46) Usando a equação 2.28, pode-se verificar que (n, s) é uma base ortonormal de um plano Lorentziano T⊥ p S , ou seja n · n = −1, s · s = 1 e n · s = 0. (2.47) Se a definição 2.5.2 de métrica induzida for escrita em termos dos vetores ortonormais (n, s) utilizando a equação 2.46, será obtido q = g + n ⊗ n + s ⊗ s. (2.48) 2.6 FOLHEAÇÃO DE SUPERFÍCIES NULAS Dado um parâmetro infinitesimal ε ≥ 0, tome um ponto p ∈ S e desloque-o ao longo do vetor infinitesimal εℓ, obtendo assim um ponto pε. Uma vez que ℓ é tangente a H e p ∈ H , tem-se que pε ∈ H ( Figura 9). Repetindo isso para cada ponto em S , mantendo o valor de ε fixo, define-se uma nova superfície Sε de codimensão 2. Diz -se que Sε é obtido de S via transporte de Lie ao longo de ℓ pelo parâmetro ε. Pode-se ainda variar ε de tal forma a obter uma família Sε, tal que para S0 = S , e uma vez que pε ∈ S ,∀p ∈ S , tem-se que Sε ⊂ H (GOURGOULHON, 2022). Figura 9 – Transporte de Lie da seção transversal S ao longo de εℓ, resultando em uma nova seção transversal Sε. Fonte: Produção do próprio autor. Definição 2.4. Em cada ponto p ∈ S , a expansão de S ao longo de ℓ é definida a partir da taxa de variação θ (ℓ) do elemento de área δA 7→ δAε em torno de p (Figura 9) θ (ℓ) = lim ε→0 1 ε δAε − δA δA = Lℓ ln √ q = 1 2 qµνLℓqµν , (2.49) 27 onde Lℓ é a derivada de Lie ao longo do normal nulo e qµν a métrica induzida em S e q seu determinante. O elemento de área δA pode ser calculado via δA = S ϵ(dx2, dx3), onde S ϵ é o tensor de Levi-Civita induzido, e associado com métrica q de S , dx2 e dx3 são vetores infinitesimais que delimitam δS. Proposição 2.6.1. Seja (n, s) é uma base ortonormal de T⊥ p S , o tensor S ϵ é induzido em S via o tensor de Levi-Civita do espaço-tempo ϵ por meio S ϵ = ϵ(n, s, ...), (2.50) ou em notação indicial S ϵγ1γ2 = ϵαβγ1γ2n αsβ. (2.51) Demonstração. A equação 2.50 define uma 2−forma linear totalmente antissimétrica em TpS . Como para dimensão de TpS o espaço de tais formas é 1-dimensional, tem-se necessariamente que ϵ = cS ϵ, onde c é uma constante de proporcionalidade. Uma vez que ϵ(n, s, dx2, dx3) é o volume de um paralelepípedo 4−dimensional construído com os vetores n, s, dx2 e dx3, sendo n e s vetores unitários com respeito a métrica g, tem-se ϵ(n, s, dx2, dx3) = δA (2.52) e portanto c = 1. Corolário 2.6.1. Se ℓ for do tipo-nulo em uma vizinhança de H , a expansão de S ao longo de ℓ (equação 2.49) pode ser expressa via θ (ℓ) = ∇ · ℓ− κ (2.53) onde κ é o coeficiente não afim do normal tipo-nulo definido na equação 2.16. Demonstração. Partindo do último termo do lado direito da Definição 2.4, substituindo qµν segundo a equação 2.32 e usando a regra de Leibniz, tem-se θ (ℓ) = 1 2 qµν ( Lℓgµν + Lℓℓµkν + ℓµLℓkν + Lℓkµℓν + kµLℓℓν ) . (2.54) Expressando a derivada de Lie em termos da derivada covariante, obtém-se Lℓgµν = ℓα ∇αgµν︸ ︷︷ ︸ 0 +gαν∇µℓ α + gµα∇νℓ α = ∇µℓν +∇νℓµ. 28 Como ℓ e k são ortogonais à S , tem-se que qµνℓν = 0 e qµνkν = 0, portanto θ (ℓ) = 1 2 qµν (∇µℓν +∇νℓµ) . (2.55) Como qµν é simétrica θ (ℓ) = qµν∇µℓν . (2.56) Expressando qµν via equação 2.32, usando a equações 2.16, e 2.28 e assumindo que ℓ é do tipo-nulo em uma vizinhança de H , tem-se que θ (ℓ) = (gµν + ℓµkν + kµℓν)∇µℓν (2.57) = gµν∇µℓν + ℓµ∇µℓν︸ ︷︷ ︸ κℓν kν + kµℓν∇µℓν︸ ︷︷ ︸ 0 (2.58) = ∇µℓ µ − κ. (2.59) Escrevendo a divergência de ℓ como ∇ · ℓ = ∇µℓ µ θ (ℓ) = ∇ · ℓ− κ. (2.60) Apesar da definição 2.4 dar a primeira impressão que a expansão de S depende de sua escolha específica, no sentido em que se for escolhida uma nova seção transversal S ′ a expansão deverá mudar, isso não parece mais evidente na equação 2.53, e de fato não deverá ser, pois Figura 10 – Duas seções transversais S e S ′ passando por um ponto em comum p. Fonte: Produção do próprio autor. Proposição 2.6.2. A expansão θ (ℓ) depende apenas da escolha do vetor normal tipo-nulo ℓ na superfície nula H . Logo, θ (ℓ) indica a expansão da superfície nula ao longo do normal do tipo-nulo. Demonstração. Considere duas seções transversais S e S ′ passando por ao menos um ponto em comum p. Seja dx um vetor infinitesimal tangente a uma das seções transversais com origem no ponto 29 p onde as seções transversais se interceptam, e dx′ também um vetor infinitesimal tangente a outra seção transversal S ′, com a mesma origem que dx (Figura 10). Pode-se obter dx′ via dx′ = dx + ϵℓ, (2.61) onde ϵℓ é um deslocamento infinitesimal ao longo dos geradores geodésicos nulos. Pode-se ainda calcular o quadrado escalar de dx′ dx′ · dx′ = dx · dx + 2ϵdx · ℓ+ ϵ2ℓ · ℓ, (2.62) levando em consideração a ortogonalidade entre dx e ℓ, temos: dx′ · dx′ = dx · dx. (2.63) Logo todos os comprimentos de segmentos com origem no ponto em comum das seções transversais não dependem da escolha da seção transversal. Se o normal tipo-nulo for reescalonado ℓ 7→ ℓ′ = αℓ onde α é uma campo escalar positivo, a expansão θ (ℓ′ ) estará relacionada com θ (ℓ) por meio de θ (ℓ′ ) = ∇ · ℓ′ − κ′ = α∇ · ℓ+∇ℓα−∇ℓα− κα, (2.64) onde no lado direito da expressão acima usa-se a equação 2.21. Portanto θ (ℓ′ ) = ∇ · ℓ′ − κ′ = α(∇ · ℓ− κ) = αθ (ℓ). (2.65) A expansão de uma superfície nula indica a taxa com a qual a área da seção transversal muda ao longo do normal tipo-nulo ℓ, como expresso na definição 2.4. Como visto na seção 2.4, o normal ℓ pode ser associado aos raios de luz tentando escapar do horizonte. No entanto, dada a condição de inescapabilidade de um buraco negro, eles sempre ficarão presos no horizonte e portanto a taxa com a qual a área dessa seção transversal deve mudar ao longo de ℓ será nula, i.e, θ (ℓ) = 0. Isso implica, como será visto no capítulo 3, que a área do horizonte é constante, ao menos para buracos negros em equilíbrio. Apesar de inicialmente a expansão θ (ℓ) ser definida utilizando a seção área da seção transversal S , ela descreve como os raios de luz cujo vetor velocidade é ℓ se comportam em uma determinada região do espaço-tempo. Isso pode ser visto com mais clareza por meio do corolário 2.6.1 que associa a expansão θ (ℓ) apenas ao vetor ℓ. Portanto se θ (ℓ) > 0 diz-se que os raios de luz divergem, ou seja, eles podem viajar infinitamente longe para fora da fonte que os originaram. Se θ (ℓ) < 0 os raios de luz convergem e vão em direção a um único local. Finalmente, se θ (ℓ) = 0 os raios de luz ficam preso na fonte que os originaram.2. 2 Uma discussão acerca do comportamento de raios de luz no horizonte é feita em mais detalhes no capítulo 5. 30 2.6.1 TENSOR TAXA DE DEFORMAÇÃO E DE CISALHAMENTO Definição 2.5. A taxa de deformação Θ da seção transversal S ao longo do normal tipo-nulo ℓ é definida como a derivada de Lie da métrica induzida q ao longo de ℓ em S Θ = 1 2 −→q ∗Lℓq, (2.66) sendo −→q ∗ a ação do projetor ortogonal de S em Lℓq. A atuação de −→q ∗ permite estender a definição de Θ, definido inicialmente apenas para vetores de TpS , para todos vetores de TpM : ∀(u, v) ∈ TpM × TpM , 1 2 −→q ∗Lℓq(u, v) = Lℓq(−→q (u),−→q (v)) (2.67) Pode-se observar que, uma vez que q é simétrica, Θ também será um campo simétrico em S . Em notação indicial, a equação 2.66 torna-se Θ = 1 2 qµαq ν βLℓqµν . (2.68) Expressando a derivada de Lie na equação 2.68 em termos da derivada covariante ∇, e usando a equação 2.32, obtém-se Θαβ = 1 2 qµαq ν β(ℓ σ∇σqµν + qσν∇µℓ σ + qµσ∇νℓ σ) = 1 2 qµαq ν β[ℓ σ(kν∇σℓµ + ℓµ∇σkν + kµ∇σℓν + ℓν∇σkµ) +∇µℓν + kν ℓσ∇µℓ σ︸ ︷︷ ︸ 0 + kσℓν∇µℓ σ +∇νℓµ + ℓµkσ∇νℓ σ + kµ ℓσ∇νℓ σ︸ ︷︷ ︸ 0 ]. Como qµαℓµ = 0 e qµαkµ = 0 a expressão acima é simplificada de forma a obter-se Θαβ = qµαq ν β∇µℓν . (2.69) Substituindo o projetor ortogonal qµν na equação 2.69 pela equação 2.38 Θαβ = (δµα + ℓµkα + kµℓα)(δ ν β + ℓνkβ + kνℓβ)∇µℓν , (2.70) realizando algumas manipulações e utilizando propriedades como a equação 2.14 obtém-se ∇αℓβ = Θαβ + ωαℓβ − ℓαk µ∇µℓβ, (2.71) onde a 1-forma ωα é definida por ωα = −kν∇µℓν(δ µ α + kµℓα) = −kν∇µℓνΠ µ α, (2.72) 31 sendo Πµ α = δµα + kµℓα, (2.73) o projetor em H ao longo de k. Seja v ∈ TpH , a atuação do projetor dado pela equação 2.73 em v é dada por Πα µv µ = (δαµ + kαℓµ)v µ = vα + kα ℓµv µ︸︷︷︸ 0 = vα e também Πα µk µ = (δαµ + kαℓµ)k µ = kα + kα ℓµk µ︸︷︷︸ −1 = 0. (2.74) Diante disso, a simples ação da 1-forma ω em vetores de H é dada por ∀v ∈ TpH , < ω, v >= −k ·∇vℓ. (2.75) Comparando as definições 2.4 e 2.5, pode-se observar que a expansão θ (ℓ) nada mais é que o traço de Θ θ (ℓ) = gµνΘµν = qµνΘµν = Θµ µ. (2.76) Definição 2.6. A parte livre de traço de Θ é chamada de tensor de cisalhamento de S σ = Θ− 1 2 θ (ℓ)q. (2.77) Por definição, tem-se que σµ µ = gµνσµν = qµνσµν = 0 (2.78) e vale observar que ∀v ∈ T⊥ p S , Θ(v, ·) = σ(v, ·) = 0, (2.79) em especial para v = ℓ e v = k. 2.7 EQUAÇÃO NULA DE RAYCHAUDHURI A equação de Raychaudhuri é uma ferramenta para avaliar como a expansão θ (ℓ) evolui ao longo dos geradores de H , para isso, pretende-se avaliar ∇ℓℓ, assumindo que ℓ está direcionado para o 32 futuro. Partindo da identidade de Ricci aplicada ao normal nulo ℓ (GOURGOULHON, 2022) (∇α∇β −∇β∇α) = Rγ µαβℓ µ, sendo Rγ µαβ o tensor de Riemann da métrica g, tomando o traço do tensor de Riemann com respeito aos índices (α, γ) e substituindo β → α, tem-se ∇µ∇αℓ µ −∇α∇µℓ µ = Rµαℓ µ, onde Rµα = Rσ µσα é o tensor de Ricci de g. Usando as equações 2.60 e 2.71, tem-se ∇µ(Θ µ α + ωαℓ µ − ℓαk ν∇νℓ µ)−∇α(θ(ℓ) + κ) = Rµαℓ µ. (2.80) Expandindo e simplificando a equação acima com auxílio das equações 2.60 e 2.71, novamente, e aplicando ao resultado ℓ, tomando o cuidado que ℓµℓµ = 0 e fazendo α → ν, obtém-se ℓν∇µΘ µ ν + ℓνℓµ∇µων − ℓµ∇µ(θ(ℓ) + κ) + ℓµωµ(θ(ℓ) + κ) = Rµνℓ µℓν . (2.81) Usando a equações 2.71 e 2.79, pode-se observar que ℓν∇µΘ µ ν = ∇µ(Θ µ νℓ ν︸ ︷︷ ︸ 0 )−Θµ ν∇µℓ ν = −Θµν∇µℓν = −Θµν(Θµν + ωµℓν − ℓµk σ∇σℓν) = −ΘµνΘµν , e também ℓνℓµ∇µων = ℓµ∇µ(ωνℓ ν)− ων ℓ µ∇µℓ ν︸ ︷︷ ︸ κℓν = ℓµ∇µ(ωνℓ ν)− κωνℓ ν . A equação 2.81 torna-se −ΘµνΘµν + ℓµ∇µ(ωνℓ ν)− κωνℓ ν − ℓµ∇µθ(ℓ) + ℓµ∇µκ+ ℓµωµθ(ℓ) + ℓµωµκ = Rµνℓ µℓν . Da equação 2.72 pode-se escrever ωµℓ µ = −kν ℓµ∇µℓν︸ ︷︷ ︸ κℓν −kσ ℓµℓµ︸︷︷︸ 0 kν∇σℓν = −κkνℓν = κ (2.82) e portanto obtém-se −ΘµνΘµν − ℓµ∇µθ(ℓ) + κθ(ℓ) = Rµνℓ µℓν . (2.83) 33 Expressando o primeiro termo do lado direito com auxílio da definição 2.6, ΘµνΘ µν = σµνσ µν + 1 2 θ2(ℓ), a equação 2.83 torna-se ∇ℓθ(ℓ) = κθ(ℓ) − σabσ ab − 1 2 θ2 (ℓ) − R(ℓ, ℓ). (2.84) A equação 2.84 é conhecida como equação nula de Raychaudhuri e é um caso especial da equação de Raychaudhuri para congruência de geodésicas nulas, onde o termo de vorticidade, associado com a rotação de superfícies, desaparece devido ao fato de H ser uma superfície ortogonal. Se o espaço-tempo (M , g) satisfazer a equação de Einstein, então o tensor de Ricci pode ser expresso em termos do tensor energia-momento R(ℓ, ℓ) = Λ g(ℓ, ℓ)︸ ︷︷ ︸ 0 +8π T(ℓ, ℓ)− 1 2 T g(ℓ, ℓ)︸ ︷︷ ︸ 0  = 8πT(ℓ, ℓ) e a equação nula de Raychaudhuri toma a seguinte forma ∇ℓθ(ℓ) = κθ (ℓ) − σabσ ab − 1 2 θ2 (ℓ) − 8πT(ℓ, ℓ). (2.85) 34 3 HORIZONTES NÃO-EXPANSÍVEIS E HORIZONTES ISOLADOS No capítulo 2 foi apresentado o porque o horizonte de eventos deve ser uma superfície nula, e foi discutida a geometria de tais superfícies. Entretanto não foi feita a distinção entre uma superfície nula que modela um horizonte de um buraco negro e uma superfície nula que, por exemplo, representa um cone de luz no espaço-tempo de Minkowski (GOURGOULHON, 2022). A existência de superfícies nulas, com seções transversais compactas e expansão nula é uma assinatura de um campo gravitacional forte (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2006). Portanto é quase natural assumir que a expansão de superfícies nulas que modelam buracos negros em equilíbrio deve ser nula (GOURGOULHON, 2022) e a essas estruturas dá-se o nome de horizonte não-expansível. Os horizontes não-expansíveis são a primeira noção para se definir estruturas introduzidas recente- mente por (ASHTEKAR; FAIRHURST; KRISHNAN, 2000) conhecidas como horizontes isolados, e estão diretamente relacionados com a noção de superfícies de aprisionamento introduzidas por Penrose em 1965 (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2006). Os horizontes isolados modelam buracos negros em equilíbrio no estágio final do colapso gravita- cional, quando a radiação e matéria absorvida pode ser negligenciada. Eles encerram os horizontes não-expansíveis com uma classe de equivalência de normais nulos especifica (ASHTEKAR; BEETLE; LEWANDOWSKI, 2002) e exigem que a geometria intrínseca do horizonte deva ser invariante ao longo dos geradores geodésicos nulos. Essa é uma noção de horizonte quasi-local como a de Killing, entretanto os horizontes de Killing1 demandam a existência de um campo vetorial de Killing em todo o espaço-tempo constituindo ainda uma noção muito global e restritiva no ponto de vista físico (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Os horizontes isolados são bem definidos quando há ausência de simetria do espaço-tempo (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2006). O presente capítulo tem como objetivo introduzir e discutir as definições dos horizontes não- expansíveis e isolados que modelam buracos negros em equilíbrio, bem como suas propriedades e mostrar como a lei zero da mecânica de buracos negros pode ser estendida naturalmente. 3.1 HORIZONTES NÃO-EXPANSÍVEIS 3.1.1 DEFINIÇÃO E PROPRIEDADES Define-se um horizonte não-expansível como segue (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2006): Definição 3.1. Um horizonte não-expansível é uma superfície nula H do espaço-tempo (M , g), tal que 1. A topologia de H é dada por H ≃ R× S , (3.1) onde S é uma subvariedade fechada 2−dimensional; 1 A definição de horizontes de Killing e suas propriedades serão apresentadas no capítulo 4. 35 2. A expansão de H ao longo do normal nulo2 ℓ é nula, θ (ℓ) = 0; 3. O tensor energia-momento Tµν satisfaz a condição de energia dominante, ou seja, −T µ νℓ ν é um vetor causal direcionado para o futuro do tipo tempo ou tipo nulo. Da condição 2, pode-se observar que se o normal nulo ℓ for reescalonado por um campo escalar positivo como feito em 2.65, e θ (ℓ) = 0 , então θ (ℓ′ ) = 0 para qualquer outro normal nulo ℓ′. Analogamente para a condição 3. Portanto as propriedades de um horizonte não expansível são propriedades intrínsecas a H (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2006). A condição 1 que afirma que a seção transversal S de H deve ser fechada reforça a noção de buraco negro para os caso fisicamente mais relevantes (GOURGOULHON, 2022), entretanto pode ser enfraquecida em alguns caso e permitir que H tenha seções transversais não compactas, como por exemplo no caso de certos horizontes de aceleração (ASHTEKAR; FAIRHURST; KRISHNAN, 2000). Definição 3.2. Dada S uma seção transversal de H , a área de S com respeito a métrica do espaço-tempo g é dada por A = ∫ S ϵ(dx(2), ..., dx(n−1)) = ∫ S √ qdx2...dxn−1, (3.2) onde xa = (x2, ..., xn−1) é o sistema de coordenadas em S e q o determinante da métrica q induzida por g em S . A definição 2.4, afirma que a expansão θ (ℓ) expressa a taxa de variação da área de uma elemento de superfície ao longo do normal nulo ℓ. Portanto, uma vez que por definição em um horizonte não-expansível θ (ℓ) = 0, pode-se afirmar que a área das seções transversais S de H é constante, como provado a seguir (GOURGOULHON, 2022). Proposição 3.1.1. A área A da seção transversal de um horizonte não-expansível é constante e não depende da escolha da seção transversal S , por isso é denominada de área do horizonte não- expansível H . Demonstração. Seja ℓ o normal nulo a H , tome duas seções transversais, S e S ′, e considere um parâmetro λ associado aos geradores geodésicos nulos, portanto ℓ = d/dλ. Pela definição de seção transversal 2.1, os geradores geodésicos interceptam cada seção transversal apenas uma única vez, então pode-se assumir que em S tem-se que λ = 0, e S ′ em λ = λ0. Introduzindo um novo parâmetro λ′ para os geradores geodésicos nulos, tal que λ′ = λ λ0 =⇒ ℓ′ = d dλ′ . (3.3) Para λ = 0 =⇒ λ′ = 0, estamos em S ; Para λ = λ0 =⇒ λ′ = 1, estamos em S ′; Pode-se afirmar que S ′ foi obtida de S por meio do transporte de Lie ao longo de ℓ′ por um parâmetro δλ′ = 1. De forma mais geral, podemos afirmar que S ′ foi obtida de S por meio de uma 2 Como ℓ ̸= 0 em H , ele passará a ser chamado por simplicidade de normal nulo. 36 deformação contínua, dessa forma pode-se introduzir uma família (Sλ′) de seções transversais, tal que S0=S e S1=S ′. Associando a essa família uma função de valores reais λ′ 7→ A(λ′), que informa a área de cada elemento da família (Sλ′). Da definição de expansão ao longo do normal nulo ℓ′, tem-se dA(λ′) dλ′ = ∫ Sλ′ θ(l’)δA. Como H é um horizonte não-expansível, θ (ℓ′ ) = 0, logo A(λ′) é constante. Antes de prosseguir para a analise do comportamento do tensor taxa de deformação introduzido na seção 2.6.1 em um horizonte não-expansível, será provado um resultado auxiliar que ajudará no que se segue (GOURGOULHON, 2022). Corolário 3.1.1. Uma vez que a métrica induzida q em S é positivo definida σabσ ab ≥ 0. (3.4) Demonstração. Como, por definição, o tensor de cisalhamento σ é simétrico, ele pode ser diagona- lizado em uma base ortonormal de q, logo σab = diag(t1, ..., tn−2). A métrica q é riemanniana em alguma base, assim temos que qab = diag(1, ..., 1), portanto qaiqbjσij , logo σabσab = t21 + ...+ t2n−2 ≥ 0. (3.5) Partindo da equação de Raychaudhuri 2.85 e considerando a condição 2 da definição de horizontes não-expansíveis, tem-se que σabσ ab + 8πT(ℓ, ℓ) = 0. (3.6) Como do corolário 3.1.1 o primeiro termo da equação acima deve ser sempre maior ou igual a zero, e da condição 3 da definição tem-se que T(ℓ, ℓ) ≥ 0, da equação 3.6 conclui-se que em um horizonte não-expansível σabσ ab = 0 (3.7) e T(ℓ, ℓ) = 0. (3.8) A identidade 3.7 só é possível se o tensor de cisalhamento for identicamente nulo, ou seja σ = 0. Uma vez que o tensor de cisalhamento σ e a expansão θ (ℓ) estão diretamente relacionado com o tensor 37 taxa de deformação (Definição 2.5 ), tem-se Θ = 0, (3.9) ou usando a definição 2.5 1 2 −→q ∗Lℓq = 0. (3.10) Isso implica que a métrica de qualquer seção-transversal de um horizonte não-expansível ao longo dos geradores geodésicos nulos é invariante (GOURGOULHON, 2022). De modo mais geral, pode-se afirma que a métrica intrínseca de um horizonte não-expansível é independente do tempo, isso dá o sentido de que um horizonte não-expansível está em equilíbrio (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). 3.1.2 INDUÇÃO DA CONEXÃO AFIM Como H é uma superfície nula, a métrica induzida g|H por g é degenerada. Isso implica que existem infinitos operadores derivadas livre de torção que são compatíveis com ela (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Entretanto, como H é um horizonte não-expansível, é possível induzir uma única conexão afim D por meio da conexão do espaço-tempo ∇ em H . Seja m e n vetores tangentes a H , usando a equação 2.71, tem-se (GOURGOULHON, 2022) ℓβm α∇αn β = −nβmα∇αℓβ = −nβmα Θαβ︸︷︷︸ 0 −mαωα n βℓβ︸︷︷︸ 0 +nβ mαℓα︸ ︷︷ ︸ 0 kµ∇µℓβ = 0. Portanto ∇mn e ℓ são ortogonais, isso implica que ∇mn é tangente à H . Logo, obtém-se uma conexão afim induzida tal que D : TpH × TpH → TpH (m,n) 7→ ∇mn. Uma consequência importante da definição é que qualquer geodésica em H também será uma geodésica em M , uma vez que a identidade Dmn = ∇mn é satisfeita. Por isso H é chamada também de subvariedade totalmente geodésica de M . Proposição 3.1.2. A derivada do normal nulo ℓ com respeito a conexão induzida em H é dada por Dµℓ ν = ω̃µℓ ν , (3.11) onde ω̃ é chamado de rotação 1-forma de (H , ℓ). Demonstração. Sejam bµ e vµ, respectivamente uma 1-forma e um vetor em H . A ação de Dµℓ ν 38 nesse par é dada por bνv µDµℓ ν = bνv µ∇µℓ ν = bνv µ Θν µ︸︷︷︸ 0 +bνv µωµℓ ν − bν v µℓµ︸︷︷︸ 0 kα∇αℓ ν = bνv µ(ωµℓ ν). Devido ao fato de vµ ser tangente a H conclui-se a prova. A demonstração acima mostra que ω̃ é induzida em H via ω definida na equação 2.72 atuando em vetores de TpH e para uma horizonte não-expansível é uma quantidade intrínseca a H. Sob o reescalonamento do normal nulo ℓ 7→ ℓ′ = σℓ, a 1-forma ω̃ toma a transforma-se da seguinte maneira ω̃′ = ω̃ + d lnσ. (3.12) 3.2 HORIZONTES ISOLADOS Os horizontes isolados são uma subclasse de horizontes não-expansível que modelam horizontes de buracos negros em equilíbrio. Eles podem ser compreendidos de modo análogo a um sistema termodinâmico que está isolado de sua vizinhança, mesmo que ela interaja com outros sistemas, ou seja, horizontes isolados permitem que o espaço-tempo em sua vizinhança possa ser dinâmico, contanto que isso não afete a estrutura do horizonte (BOOTH, 2005). Portanto essa noção aproxima buracos negros em seu estágio final do colapso gravitacional quando a matéria e radiação absorvida podem ser negligenciada (ASHTEKAR; BEETLE; LEWANDOWSKI, 2002). A ideia é estabelecer uma noção local para buracos negros em equilíbrio sem a necessidade de uma estacionariedade global, como admitir a existência de uma campo vetorial de Killing em todo espaço-tempo. Por isso, foi extraído da noção de horizontes de Killing as condições minímas necessárias para definir quantidade físicas (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Isso permite, por exemplo, estender a lei zero da mecânica de buracos negros para situações mais gerais (ASHTEKAR; BEETLE; LEWANDOWSKI, 2002). 3.2.1 DEFINIÇÕES Sejam ℓ e ℓ′ dois normais nulos em um horizontes não-expansível H , pode-se estabelecer uma relação de equivalência ℓ ∼ ℓ′ sempre que ℓ′ = cℓ, onde c é uma constante positiva. A classe de equivalência de normais nulos é denotada por [ℓ]. Tendo estabelecido a noção de classe e equivalência, pode-se definir horizontes fracamente isolados. 39 Definição 3.3. O par (H , [ℓ]) é dito ser um horizonte fracamente isolado se H é um horizonte não-expansível e cada da normal nulo ℓ em [ℓ] satisfaz: (LℓDα −DαLℓ)ℓ β H = 0, (3.13) ou equivalentemente Lℓω̃α H = 0, (3.14) onde ω̃α é a rotação 1-forma introduzida na subseção 3.1.2. A definição de horizontes fracamente isolados garante que a curvatura extrínseca de H , dada por Dαℓ β seja independente do tempo. Essa condição já é o suficiente para que se possa estender a lei zero da mecânica de buracos negros sem a necessidade de se reportar a uma estacionariedade global, e comparada com as condições necessárias para a existência de um horizonte de Killing é muito fraca (ASHTEKAR; BEETLE; LEWANDOWSKI, 2002). No entanto, do ponto de vista geométrico uma noção forte é mais natural, e por isso é introduzida a noção de horizonte isolado (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Definição 3.4. Um horizonte fracamente isolado (H , [ℓ]) é dito ser um horizonte isolado se (LℓDa −DaLℓ)v b = 0, (3.15) para qualquer vetor arbitrário v tangente a H . A definição de horizonte isolado generaliza a noção horizontes fracamente isolados, uma vez que impõem que a conexão seja totalmente independente do tempo em H . 3.2.2 SUPERFÍCIE GRAVITACIONAL Partindo dos resultados apresentados na subseção 3.1.2 e utilizando a equação 2.82, pode-se escrever o coeficiente não-afim introduzido na seção 2.4 como κ = ω̃αℓ α. (3.16) Como já discutido anteriormente, κ está relacionado com a parametrização do normal nulo, portanto não é único em H . Em um horizonte isolado, o comportamento de κ sob um reescalonamento ℓ 7→ ℓ′ = cℓ é dado por κ′ = cκ. Se κ é nulo em H , ele é denominado de horizonte isolado extremo e se κ ̸= 0 é um horizonte isolado não extremo. Foi visto na subseção 3.1.1, que os horizontes não-expansíveis possuem um grande grau de liberdade em relação a escolha do normal nulo, ou seja, dado ℓ, ele pode ser reescalonado por qualquer campo escalar positivo σ. Entretanto, em um horizonte fracamente isolado essa escolha é restringida pela equação 3.13, mas ainda admite um grande grau de liberdade, de modo que dado um horizonte não-expansível H , o mesmo admite um número infinito de estrutura de horizontes fracamente isolados (H , [ℓ]). Sejam g e h duas funções escalares positivas, tal que em H satisfaçam Lℓf H = Lℓh H = 0. O 40 normal nulo ℓ pode sempre ser reescalonado por uma função σ = ge−κυ + h, (3.17) tal que Lℓυ H = 1 e κ é o coeficiente não-afim do normal nulo, que é constante em H . Dessa forma, obtém-se um novo normal nulo ℓ′ /∈ [ℓ], e portanto dá origem a uma nova classe de equivalência de normais nulos [ℓ′] que também satisfaz a definição 3.3. Para horizontes isolados o mesmo não acontece, a condição imposta pela definição 3.4 não pode ser satisfeita para classe de equivalência distintas de normais nulos (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Ela seleciona uma classe preferencial de normais nulos [ℓ] dentre as infinitas classe de um horizonte fracamente isolado (KRISHNAN, 2002). Expressando a equação 3.14 em termos da conexão induzida em H e contraindo com ℓµ, obtém-se ℓνℓµDνω̃µ + ω̃νℓ µDµℓ ν = 0. Usando ℓµDνω̃µ = Dν(ℓ µω̃µ)− ω̃µDνℓ µ e a equação 3.11, pode-se reescrever a equação acima como ℓνDν(ℓ µω̃µ︸︷︷︸ κ )− ℓνω̃µω̃νℓ µ + ω̃νℓ µω̃µℓ ν = 0, ℓνDνκ = 0. (3.18) Da equação 3.18 pode-se afirmar que Dνκ ∝ ℓν , portanto, seja m um vetor tangente a H , tem-se que (TOWNSEND, 1997) mνDνκ = 0. (3.19) Portanto, de modo análogo como foi definido superfícies nulas na seção 2.2, κ = constante define uma superfície, denominada de superfície gravitacional. Isso demonstra a lei zero da mecânica de buracos negros no contexto de horizontes isolados e prova a afirmação feita acima de que o coeficiente não-afim é constante em H . A lei zero da mecânica de buracos negros foi provada tradicionalmente para buracos negros globalmente estacionários, como será discutido em mais detalhes no capítulo 4. 41 4 HORIZONTES DE KILLING E SOLUÇÕES ESTACIONÁRIAS Assim como os horizontes isolados, os horizontes de Killing são abordagens quase locais que modelam horizonte de eventos de buracos negros em equilíbrio, entretanto requerem a existência de um campo vetorial de Killing no horizonte e em sua vizinhança. Do ponto de vista físico, a definição de horizontes de Killing constitui uma noção muito restritiva, dado que necessita que o espaço-tempo seja estacionário (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Apesar disso, os horizontes de Killing são estruturas de crucial importância para a compreensão das soluções estacionárias, dado que o horizonte de eventos de um buraco negro estacionário deve ser um horizonte de Killing (GOURGOULHON, 2022). O presente capítulo tem como objetivo, definir e apresentar as principais propriedades dos horizon- tes de Killing e das soluções de buracos negros estacionários, bem como provar e discutir a lei zero da mecânica de buracos negros no contexto de horizontes de Killing1. 4.1 VETORES DE KILLING Os campos vetoriais de Killing estão relacionados com simetrias no espaço-tempo (FARAONI, 2015), em especial, as simetrias relacionadas a métrica. Seja G um grupo atuando em M , tal que a ação de G em M é dada por ϕλ : G × M → M , sendo λ ∈ R um parâmetro que cuja o valor especifica um elemento do grupo, de modo que para ϕ0 = e tem-se o elemento identidade do grupo. Um grupo cujo parâmetro varia continuamente é um grupo de Lie, no presente caso um grupo de Lie 1−dimensional. A ação do grupo ϕλ desloca pontos de M de modo que a métrica de g seja invariante para qualquer valor assumido por λ, portanto ϕλ é uma isometria de (M , g). Definição 4.1. O gerador do grupo G é um vetor χ associado com o parâmetro λ tal que χ = −−−−→ qϕdλ(q) dλ , (4.1) onde −−−−→ qϕdλ(q) é um vetor infinitesimal que conecta q a ϕdλ(q). Ademais, a ação do grupo restrita a transformações infinitesimais de parâmetro dλ é equivalente a uma translação por um vetor infinitesimal ξdλ. Define-se um campo vetorial de Killing como segue (GOURGOULHON, 2022) Definição 4.2. Um grupo de Lie G de dimensão 1 é um grupo de simetria do espaço-tempo (M , g) se a derivada de Lie da métrica ao longo do gerador χ de G é nula Lχg = 0. (4.2) 1 A lei zero da mecânica de buracos negros foi provada no contexto dos horizontes isolados no capítulo 3, entretanto uma discussão mais detalhada será apresentada nesse capítulo. 42 O campo vetorial χ é chamado de vetor de Killing. A derivada de Lie pode ser expressa via derivada covariante do espaço-tempo, e a equação 4.2 pode ser escrita equivalentemente via a denominada equação de Killing ∇αχβ +∇βχα = 0. (4.3) Ainda, se as coordenadas (xµ) = (α, x1, ..., xn−1) forem adaptadas a um vetor de Killing, tal que χ = ∂α, pode-se expressar a equação 4.2 como ∂gµν ∂α = 0. (4.4) Uma discussão mais detalhada sobre vetores de Killing e simetrias do espaço-tempo pode ser encontra em (GOURGOULHON, 2022) e (O’NEILL, 1983). 4.2 HORIZONTES DE KILLING Introduzida a noção de vetores de Killing, pode-se definir horizontes de Killing como segue Definição 4.3. Uma superfície nula H do espaço-tempo (M , g) é um horizonte de Killing se existe um campo vetorial de Killing χ em M , tal que χ é normal a H . Portanto em H o vetor normal χ é um vetor nulo diferente de zero g(χ,χ) H = 0. Uma consequência imediata da definição de horizontes de Killing é que eles são por definição horizontes não-expansíveis, isso decorre do fato da métrica do espaço-tempo ser invariante ao longo de χ (Equação 4.2), portanto a métrica induzida q também será. Proposição 4.2.1. Qualquer horizonte de Killing com seção tranversal fechada é um horizonte isolado. Demonstração. Uma vez que χ é um gerador de simetria e normal ao horizonte de Killing, a geometria não deve mudar ao longo de sua direção. Portanto a definição 3.4 (LχDa −DaLχ)vb = 0 deve ser satisfeita trivialmente, o que mostra que todo horizonte de Killing é um horizonte isolado. Note que apesar de todo horizonte de Killing ser um horizonte isolado, não foi feita nenhuma restrição prévia em relação ao tensor energia-momento, como feita para horizontes não-expansíveis 3.1. 43 4.2.1 EXPRESSÃO PARA O COEFICIENTE NÃO-AFIM Dado que χ é um campo vetorial de Killing e normal a superfície nula H , pode-se associar a ele um coeficiente não-afim κ, como definido na equação 2.18 ∇χχ H = κχ. (4.5) Tomando a relação dual da equação acima e usando a equação de Killing 4.3, pode-se escrever χµ∇αχµ H = −κχα. (4.6) Como χµ∇αχµ H = 1/2∇α(χµχ µ), a equação 4.6 pode ser reescrita como ∇α(χµχ µ) H = −2κχα. (4.7) Dado que χµχ µ = χ · χ é um campo escalar, pode-se escrever a derivada covariante como uma diferencial d(χ · χ) H = −2κχ. (4.8) Outro meio de obter uma expressão para o coefienciente não-afim κ é usando a identidade de Frobenius 2.11 ∇αχβ −∇βχα H = aαχβ − aβχα, (4.9) onde aα é uma 1-forma que satisfaz a identidade. Reescrevendo 4.9 usando a equação de Killing 4.3, tem-se 2∇αχβ H = aαχβ − aβχα. (4.10) Contraindo a equação 4.10 com χ, tem-se 2χµ∇µχα H = aµχ µχα − aα χ µχµ︸ ︷︷ ︸ 0 . Comparando o lado direito da equação acima com a equação 4.5 obtém-se que aµχ µ H = 2κ. (4.11) 44 Tomando o quadrado da equação 4.10 e usando a equação 4.11 4∇µχν∇µχν H = (aµχν − aνχµ)(a µχν − aνχµ) H = aµa µ χνχ ν︸ ︷︷ ︸ 0 −χνa ν︸︷︷︸ 2κ aµχ µ︸︷︷︸ 2κ − aνχ ν︸︷︷︸ 2κ χµa µ︸︷︷︸ 2κ +aνa ν χµχ µ︸ ︷︷ ︸ 0 H = −8κ2, portanto κ2 H = −1 2 ∇µχν∇µχν . (4.12) Essa é uma expressão explícita para κ em termos do campo vetorial de Killing χ. Entretanto, para cálculos computacionais em que se quer encontrar κ é preferível utilizar a equação 4.8 pelo fato de não envolver nenhuma derivada covariante (GOURGOULHON, 2022). 4.2.2 LEI ZERO DA MECÂNICA DE BURACOS NEGROS No capítulo 3, foi provada a lei zero da mecânica de buracos negros no contexto de horizontes isolados sem muito detalhes. No entanto, esse importante resultado foi provado inicialmente para buracos negros estacionários, e, como será visto na seção 4.3, todo horizonte de eventos de um buraco negro estacionário deve ser um horizonte de Killing. A lei zero da mecânica de buracos negros afirma que (GOURGOULHON, 2022) Teorema 4.1. Se a matéria e campos não gravitacionais obedecem a condição de energia dominante nula em um horizonte de Killing H , então o coeficiente não-afim κ do normal nulo é constante em H . Demonstração. Seja S uma seção transversal de H e χ um campo vetorial de Killing do tipo-nulo normal a H . Projetando a identidade de Ricci 2.81, via projetor ortogonal −→q introduzido na definição 2.3, tem-se ∇µΘ µ νq ν α + χµ∇µωνq ν α −∇ν(θ(χ) + κ)qνα + ων(θ(χ) + κ)qνα = Rµαχ µ. (4.13) Como todo horizonte de Killing é um horizonte não-expansível, tem-se que Θ = 0 e θ(χ) = 0, logo a equação acima se reduz a χµ∇µωνq ν α −∇νκq ν α + κωνq ν α = Rµαχ µ. (4.14) Escrevendo χµ∇µων em termos da derivada de Lie de ωα ao longo de χ tem-se χµ∇µωνq ν α = (Lχων − ωµ∇νχ µ)qνα. (4.15) 45 Introduzindo um vetor qualquer v definido em H , mas que não necessariamente seja tangente a H , pode-se decompô-lo da seguinte forma v = v||− < χ, v > k, sendo v|| a parte tangente a H . Então < Lχω, v >=< Lχω, v|| > − < χ, v >< Lχω,k > . (4.16) O primeiro termo do lado direito da igualdade é nulo devido ao fato de H ser um horizonte isolado < Lχω, v|| >= Lχ < ω̃, v|| > − < ω̃, Lχv|| >=< Lχω̃︸ ︷︷ ︸ 0 , v|| >= 0, onde ω̃ é a restrição de ω a vetores de H . Portanto da equação 4.16 concluí-se que Lχω̃ = − < Lχω̃,k > χ. (4.17) Substituindo a equação acima em 4.15 fica-se com χµ∇µωνq ν α = −kµLχωµ χνq ν α︸ ︷︷ ︸ 0 −ωµ∇νχ µqνα = −ωµ∇νχ µqνα. (4.18) Portanto a equação 4.14 torna-se −ωµ∇νχ µqνα −∇νκq ν α + κωνq ν α = Rµνχ µ, −ωµ(Θ µ ν + ωνχ µ − χνk σ∇σχ µ)qνα −∇νκq ν α + κωνq ν α = Rµνχ µ, −ωµ Θ µ ν︸︷︷︸ 0 qνα − ωµχ µ︸ ︷︷ ︸ κ ωνq ν α + ωµ χνq ν α︸ ︷︷ ︸ 0 kσ∇σχ µ −∇νκq ν α + κωνq ν α = Rµνχ µ, −∇νκq ν α = Rµνχ µ. (4.19) Introduzindo a derivada ao longo da seção transversal S como S D, pode-se escrever SDακ := ∇νκq ν α, (4.20) portanto a equação 4.19 denota a derivada de κ ao longo de S . Usando a equação de Einstein para 46 reescrevê-la, tem-se SDακ = − 2 n− 2 Λ gµνχ µqνα︸ ︷︷ ︸ χµqµα −8π Tµνχ µqνα − 1 n− 2 T gµνχ µqνα︸ ︷︷ ︸ χµqµα  , SDακ = −8πTµνχ µqνα. (4.21) Como os campos de matéria e não gravitacionais devem satisfazer a condição de energia dominante nula T(χ,χ) = −W · χ ≥ 0 (4.22) onde W := −gανTµνχ µ = −T α µ χµ é um vetor direcionado para o futuro do tipo-tempo ou do tipo-nulo, tem-se baseado na discussão feita na subseção 3.1.1 que χ · W = −T(χ,χ) = 0. (4.23) Portanto W deve ser um vetor tangente a H . Logo deve ser do tipo-nulo ou do tipo-espaço pelo Lema 2.1. No entanto, devido a condição de energia dominante nula W não pode ser do tipo-espaço, logo é um vetor do tipo-nulo e colinear ao normal nulo χ, concluindo que qανW ν = −qανT ν µ χµ = 0. Consequentemente a equação 4.21 torna-se identicamente nula SDακ = 0, (4.24) o que prova que κ é constante em S . Entretanto κ também é constante ao longo de cada gerador geodésico nulo, uma vez que χ é gerador de simetria Lχκ = 0, (4.25) o que completa a demonstração de que κ é constante em H . Dado que κ é constante em um horizonte de Killing, se satisfeita a condição de energia dominante nula, pode-se classificar os horizontes de Killing com base se ele é nulo ou não nulo em H como definido abaixo Definição 4.4. Um horizonte de Killing H é dito ser 47 • Degenerado se o vetor de Killing χ normal a H é um vetor geodésico e κ = 0; • Não degenerado se o vetor de Killing χ normal a H é um vetor pré-geodésico e κ ̸= 0; 4.2.3 κ COMO SUPERFÍCIE GRAVITACIONAL Na discussão que segue será assumido que H é um horizonte de Killing não degenerado. Definição 4.5. Em uma vizinhança de um horizonte de Killing não degenerado H , o campo vetorial de Killing χ é do tipo-tempo de um lado de H , do tipo-nulo em H e do tipo-espaço do outro lado de H . Figura 11 – Cone de luz representando a estrutura causal do espaço-tempo e o plano em verde re- presentando um horizonte de Killing H . Em H o vetor χ é nulo, em um lado de H , χ = χ1 é um vetor do tipo-tempo, sendo representado no interior do cone de luz. Em outro lado de H , χ = χ2 é uma vetor do tipo-espaço, sendo representado do lado externo do cone de luz. Fonte: Produção do próprio autor. Focando em uma na região em que χ é do tipo-tempo, pode-se definir a “norma” de χ como V := √ −χ · χ. (4.26) Proposição 4.2.2. Uma nova expressão para o coeficiente não-afim κ pode ser dada em termos de V como κ2 = lim H ∇µV∇µV, (4.27) onde limH denota o limite quando χ se aproxima de H , o que implica V → 0. Demonstração. Definindo uma 3−forma ω′ como ω′ αβγ : = χ[α∇βχγ] = 1 6 [χα(∇βχγ −∇γχβ) + χβ(∇γχα −∇αχγ) + χγ(∇αχβ −∇βχα)] 48 e usando a equação de Killing 4.3 para simplificar obtém-se ω′ αβγ = 1 3 (χα∇βχγ + χβ∇γχα + χγ∇αχβ). (4.28) Vale observar que em H a 3−forma ω′ se anula. Usando a identidade de Frobenius dada pela equação 4.9 ω′ αβγ H = 1 6 [χα(aβχγ − aγχβ) + χβ(aγχα − aαχγ) + χγ(aαχβ − aβχα)] = 0. Calculando ω′ µνρω ′µνρ tem-se ω′ µνρω ′µνρ = 1 9 (χµ∇νχρχ µ∇νχρ + χµ∇νχρχ ν∇ρχµ + χµ∇νχρχ ρ∇µχν + χν∇ρχµχ µ∇νχρ + χν∇ρχµχ ν∇ρχµ + χν∇ρχµχ ρ∇µχν + χρ∇µχνχ µ∇νχρ + χρ∇µχνχ ν∇ρχµ + χρ∇µχνχ ρ∇µχν). Na primeira linha pode-se simplificar χµ∇νχρχ µ∇νχρ = χµχ µ∇νχρ∇νχρ = −V 2∇νχρ∇νχρ = −V 2∇µχν∇µχν (4.29) e usando a equação de Killing 4.3 χµ∇νχρχ ν∇ρχµ = χµ∇ρχµχν∇νχρ = −χµ∇ρχµχν∇ρχν = −1 4 ∇ρV 2∇ρV 2 = −V 2∇ρV∇ρV. (4.30) Portanto pode-se escrever utilizando as equações 4.29 e 4.30 ω′ µνρω ′µνρ = −V 2 3 (∇µχν∇µχν + 2∇µV∇µV ). (4.31) Calculando a derivada covariante de ω′ µνρω ′µνρ, tomando o limite em H e utilizando as equações 4.6 e 4.12, obtém-se ∇αω ′ µνρ ω ′µνρ︸︷︷︸ →0 +ω′ µνρ︸︷︷︸ →0 ∇αω ′µνρ =− 1 3 ∇αV 2︸ ︷︷ ︸ →2κχα (∇µχν∇µχν︸ ︷︷ ︸ →−2κ2 +2∇µV∇µV ) − 1 3 V 2︸︷︷︸ →0 ∇α(∇µχν∇µχν + 2∇µV∇µV ). Portanto em H κ(∇µV∇µV − κ2)χα → 0. Como por definição χα ̸= 0 e H é um horizonte de Killing não degenerado, prova-se 4.27. Como χ é um vetor do tipo-tempo direcionado para o futuro (ver Figura 11), ele pode ser associado 49 à linha de mundo de um observador O . Pode-se definir a 4−velocidade desse observador como u := χ V , (4.32) sendo u um vetor unitário. Como χ é uma vetor de Killing, observador O pode ser chamado de observador estacionário, uma vez que a geometria não muda ao longo de sua linha de mundo. Calculando a 4−aceleração de O a : = ∇uu = ∇V −1χ(V −1χ) = V −1∇χ(V −1χ) = V −1[−V 2(∇χV )χ+ V −1∇χχ]. Uma vez que χ é um vetor de Killing, pode-se mostrar usando a equação de Killing 4.3 que ∇χV = χµ∇µ( √ −χνχν) = − 1 2 √ −χνχν χµ∇µ(χνχ ν) = − 1 V χµχν∇µχν︸ ︷︷ ︸ 0 = 0. Portanto a 4−aceleração toma a seguinte forma aα = 1 V 2 χµ∇µχα. (4.33) Usando a equação de Killing 4.3 , calcula-se a “norma"de aα definida como a := √ aµaµ da seguinte forma aα = − 1 V 2 χµ∇αχµ = − 1 2V 2 ∇α(χµχ µ) = 1 2V 2 ∇αV 2 = 1 V ∇αV a = √ aµaµ = 1 V √ ∇µV∇µV (4.34) A medida que o observador O se aproxima do horizonte, tem-se usando a proposição 4.2.2. κ = lim O→H V a (4.35) entretanto V → 0 quando se aproxima de H fornecendo lim O→H a = +∞. (4.36) Portanto a aceleração experimentada por um observador O diverge em H . De modo simples, pode-se afirmar que a força gravitacional sentida por um observador O em um horizonte de Killing é infinita. No entanto, quando a aceleração a é reescalonada por V , a quantidade V a é finita no horizonte H e tende a κ, essa quantidade denomina-se superfície gravitacional (GOURGOULHON, 2022). A superfície gravitacional κ não é interpretada como uma medida local da gravidade em H , mas pode ser interpretada como a força por unidade de massa experimentada por um observador no infinito 50 que segura uma corda2 infinitamente longa com uma massa unitária na sua ponta que se encontra em H . 4.3 SOLUÇÕES ESTACIONÁRIAS Na seção 4.2 foi discutido de modo detalhado os horizontes de Killing de um modo quase local, derivando os principais resultados da geometria próxima ao horizonte. Com exceção das vezes em que foi feita referência de uma vizinhança próxima, nada foi falado sobre o espaço-tempo M em que esse horizonte existe. Acontece que horizontes de Killing modelam buracos negros em equilíbrio e a sua existência implica estacionariedade global, no sentido em que todo o espaço-tempo deve ser estacionário. Define-se um espaço-tempo estacionário como segue Definição 4.6. Um espaço-tempo (M , g), 4−dimensional é estacionário se admite um campo vetorial de Killing χ do tipo-tempo em todo ponto, incluindo uma vizinhança próxima de H . Considera-se que χ não deve ser do tipo-tempo em H como será esclarecido mais abaixo, por isso é assumida uma vizinhança próxima de H . Isso pode ser entendido de modo análogo a discussão feita na subseção 4.2.3. Lema 4.2. Pode-se definir localmente um sistema de coordenadas (xα) = (t, x1, x2, ..., xn1) em (M , g) estacionário, de forma que o campo vetorial de Killing χ seja dado por χ = ∂t (4.37) e portanto ∂gµν ∂t = 0. (4.38) Do ponto de vista físico, o Lema acima afirma que localmente um observador O em um espaço- tempo estacionário3 que está localizado em ponto p ∈ M não vê a geometria do espaço-tempo mudar conforme o tempo passa, ou seja, o campo gravitacional experimentado por esse observador não varia com o tempo. Uma noção forte de estacionariedade é a de estaticidade que é definida como segue Definição 4.7. Um espaço-tempo assintoticamente plano (M , g) é dito ser estático se é estacionário e o campo vetorial de Killing χ que gera a estacionariedade é ortogonal a uma família de hipersuperfícies. A definição de estaticidade implica que χ deve satisfazer a identidade de Frobenius como discutido na seção 2.3 e portanto χ ∧ dχ = 0, (4.39) 2 Considera-se a corda com massa desprezível e inextensível. 3 Isso justifica porque na subseção 4.2.3 O foi chamado de observador estacionário. 51 ou em termos das componentes e utilizando a conexão do espaço-tempo χ[α∇βχγ] = 0. (4.40) Uma vez que um espaço-tempo estático é também estacionário, pode-se assumir um sistema de coordenadas (xα) como no Lema 4.2, tal que gi0 = 0 para i ∈ {1, 2, ..., n− 1}. Portanto χ é ortogonal a hipersuperfícies t = constante, de modo que o dual χ pode ser escrito como χ = g00dt = (χ · χ)dt. (4.41) Pode-se escrever então a métrica g como gµνdx µdxν = V dt2 + gijdx idxj, (4.42) onde V = χ · χ e gij são funções de (x1, x2, ..., x(n1)). Se for feita a substituição t 7→ −t observa-se que a métrica não muda sua forma, ou seja, a métrica é invariante sob tal transformação. Portanto diz-se que um espaço-tempo estático é simétrico sob reflexão temporal. Com as ferramentas necessárias em mãos, pode-se enunciar seguinte resultado (GOURGOULHON, 2022) Proposição 4.3.1. Em um espaço-tempo estacionário contendo um buraco negro, o campo vetorial de Killing χ que gera a estacionariedade é tangente ao horizonte de eventos H , o que implica χ ser do tipo-nulo ou do tipo-espaço. Se o campo vetorial χ tangente ao horizonte de eventos foi um campo vetorial nulo, pelo Lema 2.1 ele deve ser colinear ao normal nulo; logo, pela definição 4.3, o horizonte de eventos H deve ser um horizonte de Killing. No entanto, caso χ seja do tipo-espaço em H , não se pode afirma que o horizonte de eventos é um horizonte de Killing. Porém um resultado provado por Hawking em 1972 denominado de teorema da rigidez forte, afirma que se g satisfaz a equação de Einstein no vácuo em 4 dimensões deve existir um outro campo vetorial de Killing ξ que é nulo em H , e portanto o horizonte de eventos é um horizonte Killing em relação a ξ. Em 2008, sob a condição de que H tem seções transversais que são compactas e transversais a ξ, o teorema da rigidez forte foi estendido para dimensões maiores ou iguais a 4 por Moncrief e Isenberg (GOURGOULHON, 2022). 52 5 HORIZONTES DINÂMICOS Nos capítulos precedentes foi motivado de modo heurístico porque o horizonte de eventos deve ser uma superfície nula1 e foi apresentada em detalhes a geometria dessa superfícies. Após isso, foram apresentadas definições e discutidas algumas das propriedades de horizontes quase locais que modelam buracos negros em equilíbrio. Apesar de conduzirem a resultados interessantes, essas definições são aplicáveis apenas após a formação de um buracos negros, quando as pertubações externas podem ser desprezadas numa vizinhança próxima no contexto de horizontes isolados, ou quando o espaço-tempo é globalmente estacionário no caso de horizontes de Killing. Entretanto, quando se quer tratar de situações dinâmicas, como a formação de um buraco negro ou quando a radiação ou matéria não podem ser desprezadas, as definições apresentadas não são mais aplicáveis. Nesse contexto será introduzida a definição de horizontes dinâmicos. Um horizonte dinâmico, é uma definições quase local que modela buraco negro fora do equilíbrio, por isso dada uma região do espaço-tempo, pode-se saber se há ou não um horizonte dinâmico sem o conhecimento da geometria ou campos de matéria da região exterior (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Os horizontes dinâmicos são hipersuperfícies do tipo-espaço, ou seja, também são membranas unidirecionais como discutido no capítulo 2, folheado por superfícies fechadas marginalmente apri- sionadas. O presente capítulo tem como objetivo apresentar e discutir o conceito de superfícies de aprisionamento e de folheações de hipersuperfícies do espaço-tempo por superfícies 2−dimensional do tipo-espaço, bem como apresentar o conceito de horizontes dinâmicos. Também serão discutidas as soluções dinâmicas de Vaidya e McVittie. 5.1 SUPERFÍCIES DE APRISIONAMENTO Seja S uma superfície do tipo-espaço no espaço-tempo (M , g), de dimensão 2 e q sua métrica induzida. 2. Sendo S do tipo-espaço deve viver fora do cone de luz, portanto existem dois vetores nulos direcionados para o futuro que são normais a S. O vetor nulo ℓ é o vetor nulo normal a S, chamado de normal nulo de saída, e k é outro vetor nulo normal a S, chamado de vetor nulo de entrada (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2008) (ver Figura 8). A definição de superfície de aprisionamento foi introduzida por Penrose (1965) e é dada como segue Definição 5.1. Uma subvariedade S de M , 2− dimensional é uma superfície de aprisionamento se é fechada, do tipo-espaço e a expansão ao longo dos normais nulos ℓ e k convergem localmente em S, 1 Uma explicação formal de porque horizonte de eventos de buracos negros devem ser superfícies nulas pode ser encontrada no capítulo 4 de (GOURGOULHON, 2022). 2 No capítulo 2 S foi definida como a seção transversal S de uma superfície nula. No entanto, para evitar ambiguidade nas discussões que seguem, uma vez que não será tratado especificamente de superfícies nulas a subvariedade será chamada de S. 53 ou seja, θ (ℓ) < 0 e θ(k) < 0, (5.1) onde θ(k) = Lk ln √ q = 1 2 qµνLkqµν . O caso limite em que θ (ℓ) = 0 e θ(k) < 0 é denominado de superfície marginalmente aprisionada. Se existe em S uma noção de interno e externo e θ (ℓ) ≤ 0, a superfície S é chamada de superfície aprisionada marginalmente externa. Essa definição foi introduzida por Hawking e diferentemente das superfícies de aprisionamento nenhuma condição é imposta sobre a expansão ao longo do normal nulo de entrada k. A definição de superfície de aprisionamento está relacionada com a existência de um campo gravitacional forte. Um teorema provado por Penrose afirma que se a condição de energia fraca é garantida e existe uma superfície de aprisionamento, então existe uma singularidade em (M , g). Outro teorema devido a Hawking e Ellis, afirma que garantida a conjectura de censura cósmica3 e se o espaço-tempo contém uma superfície de aprisionamento S, então necessariamente existe um buraco negro e a superfície de aprisionamento S está contida nele. Portanto, esses resultados justificam porque a expansão da seção transversal S de um horizonte não-expansível deve ser nula por definição, e com exceção de alguns casos patológicos, S é geralmente uma superfície marginalmente aprisionada (GOURGOULHON, 2022). Para entender o que fisicamente é uma superfície marginalmente aprisionada, suponha que a seção transversal de um horizonte em equilíbrio (i.e. isolado ou de Killing) seja uma esfera4. E que você, leitor, esteja na superfície dessa esfera que separa o interior e exterior do buraco negro. Na sua mão direita você está segurando uma lanterna apontado para dentro dessa esfera, ou seja, para a região interior ao buraco negro, e na mão esquerda você está segurando uma lanterna aponta para a região exterior ao buraco negro. Ao mesmo instante você acende as duas lanternas. Como os raios de luz que saem da lanterna que está na sua mão direita vão em direção ao interior do buraco negro, eles podem ser associados ao normal nulo de entrada k. Como esperado os raios viajam para o interior do buraco negro e por isso diz-se que a expansão ao longo de k deve ser negativa (θ(k) < 0). Como os raios de luz que estão na sua mão esquerda estão apontando para direção exterior ao buraco negro, podem ser associados ao normal nulo de saída ℓ Entretanto como nada pode escapar de um buraco negro, os raios de luz na direção de ℓ são arrastados de volta ao interior do buraco negro, ou seja, a expansão ao longo do normal ℓ também será negativa (θ (ℓ) < 0) e S será uma superfície aprisionada. No caso em que θ (ℓ) = 0 os raios de luz ficam presos circundando a superfície S. 3 A conjectura de censura cósmica afirma que não devem existir singularidades nuas no espaço-tempo, ou seja, se existe uma singularidade no espaço-tempo deve existir um horizonte que a cubra. 4 A seção transversal de um horizonte é o que de fato seria visto em uma observação direta de um buraco negro e é o que chama-se popularmente de horizonte de eventos. 54 5.2 FOLHEAÇÃO DE HIPERSUPERFÍCIES POR SUPERFÍCIES DO TIPO-ESPAÇO No capítulo 2 foi apresentada a geometria de folheação das superfícies nulas por subvariedades 2−dimensionais denominadas de seção transversal (Definição 2.1). A presente seção tem por objetivo apresentar, de modo sucinto, uma generalização da geometria de folheação de hipersuperfícies H , sem a restrição de que H seja tipo-nula. As ferramentas matemáticas desenvolvidas serão de importância para a análise de horizontes dinâmicos definidos na seção posterior, uma vez que esses horizontes devem ser uma hipersuperfícies do tipo-espaço folheados por superfícies marginalmente aprisionadas. Assuma uma família de superfícies 2-dimensional denotada por (St)t∈R, tal que cada elemento St da família será, por definição, do tipo-espaço e fechada (i.e. compacta e sem fronteiras). A folheação de uma hipersuperfície H é definida como H = ⋃ t∈R St, tal que para cada ponto p ∈ H , há uma e apenas uma St passando através dele (GOURGOULHON, 2005). Uma vez que as superfícies Sε são do tipo-espaço, a métrica induzida q em St pela métrica do espaço-tempo g é positivo definida (i.e. Riemanniana), e portanto possui assinatura (+,+). Dado um ponto p ∈ Sε, pode-se realizar a seguinte decomposição ortogonal Tp(M ) = Tp(St)⊕ T⊥ p (St), (5.2) onde Tp(M ) e Tp(St) são respectivamente o espaço tangente a M e a Sε, e T⊥ p (St) é o espaço complementar ortogonal. Uma vez que a dimensão de Tp(St) é 2, o espaço complementar ortogonal é um plano do tipo-tempo (Figura 8). Seja h um vetor tangente a H , e ortogonal a St denominado vetor de evolução, tal que Lht = 1. Isso implica que uma superfície St é transportada para outra St+δt por meio de h (GOURGOULHON; JARAMILLO, 2008). A metade do produto interno de h com ele mesmo é dada pelo valor C, e o produto interno pode ser denotado por g(h,h) = 2C. (5.3) Como h é tangente a H e normal a St, uma base ortogonal de TpH pode ser dada por (h, e1, e2), onde (e1, e2) é uma base ortonormal de TpSt. Nessa base a métrica induzida em H por g será dada por diag(2C, 1, 1) e, portanto, pode-se concluir que (GOURGOULHON, 2005) • H é do tipo-espaço ⇐⇒ h é do tipo-espaço, • H é do tipo-nula ⇐⇒ h é do tipo-nulo, • H é do tipo-tempo ⇐⇒ h é do tipo-tempo. Existe um único par de vetores (ℓ,k) normal a St que são nulos5, tal que para qualquer vetor v normal a superfície St, como h, ℓ ou k, o tensor de cisalhamento de St quando transportada ao longo 5 Eles podem ser os vetores nulos de saída e de entrada respectivamente, como discutido na seção 5.1 55 de v é definido por σ(v) := Θ(v) − 1 n− 2 θ(v)q, (5.4) onde Θ(v) = 1 2 −→q ∗Lvq, (5.5) θ(v) = Lv ln √ q, (5.6) são respectivamente o tensor taxa de deformação e a expansão ao longo do normal v. Observe que se v coincidir com o normal nulo de uma superfície nula, serão obtidas as definições enunciadas no capítulo 2. 5.3 HORIZONTES DINÂMICOS Antes de introduzir a definição de horizontes dinâmicos, serão definidos horizontes de aprisiona- mento, que estão intimamente relacionados com os horizontes dinâmicos. Os horizontes de aprisio- namento foram introduzidos por Hayward (HAYWARD, 1994) e são definidos como (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004) Definição 5.2. Um horizonte futuro, externo e aprisionado é uma subvariedade H , suave, 3 − dimensional, do espaço-tempo M , que é folheada por subvariedades fechadas 2− dimensional S, tal que 1. a expansão ao longo do vetor normal tipo-nulo ℓ direcionado para o futuro é nula θ (ℓ) = 0; 2. a expansão ao longo do outro normal tipo-nulo k, direcionado para o futuro é negativa, ou seja, θ(k) < 0; 3. a derivada de θ (ℓ) ao longo de k é negativa, Lkθ(ℓ) < 0. A condição 2 da definição acima expressa o fato de H ser um horizonte futuro, ou seja, distingue o horizonte de um buraco negro de um horizonte cosmológico (FARAONI, 2015). Portanto as subvariedades S que folheiam H são superfícies marginalmente aprisionadas, capturando a principal característica de um buraco negro. A condição 3 expressa a ideia de que H é um horizonte “externo”, pois pequenos movimentos ao longo do normal nulo de entrada k faz com que S seja uma superfície de aprisionamento, isso mostra a principal ideia de um buraco negro, de que nada pode escapar de seu interior. Corolário 5.3.1. Em um horizonte de aprisionamento H é do tipo-espaço ou do tipo-nula. Demonstração. Seja v um vetor tangente a H e ortogonal as superfícies S que folheiam H de tal forma que v preserve a folheação. Os normais do tipo-nulo ℓ e k pode ser sempre escolhidos de forma 56 que satisfaçam g(ℓ,k) = −1; então o vetor tangente a H toma a forma v = ℓ− Ck para algum C. Portanto, g(v, v) = 2C, logo o valor de C definirá se H é do tipo-tempo, tipo-nula ou tipo-espaço, como discutido na seção 5.2. Pela definição de v, pode-se concluir que Lvθ(ℓ) = 0, o que implica Lℓθ(ℓ) = CLkθ(ℓ). Portanto obtém-se da equação de Raychaudhuri 2.85 que CLkθ(ℓ) = −σabσ ab − 8πT(ℓ, ℓ). (5.7) Se o tensor energia-momento satisfaz a condição de energia dominante, o lado direito da equação não deve ser positivo. Como em um horizonte de aprisionamento Lkθ(ℓ) < 0, tem-se que C não pode assumir valores negativo, e portanto H não pode ser do tipo-tempo. Caso C = 0, H será uma superfície nula e a equação 5.7 retomará a discussão feita no capítulo 3, pois H será um horizonte não-expansível. Caso C seja positivo, H será do tipo-espaço e descreverá uma situação totalmente dinâmica, onde os campos de matéria e radiação estão entrando no horizonte (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Portanto, pode-se afirmar que H é tipo-espaço na região dinâmica, onde a matéria e radiação estão fluindo, e tipo-nula quando atinge o estado de equilíbrio. Discutidos os horizontes de aprisionamento, pode-se introduzir a definição de horizontes dinâmicos devido a Ashtekar (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004) Definição 5.3. Uma subvariedade H do tipo-espaço, suave, 3 − dimensional do espaço-tempo é um horizonte dinâmico se pode ser folheada por uma família de subvariedades fechadas S 2 − dimensional, tal que 1. em cada folheação S, a expansão ao longo do normal tipo-nulo ℓ é zero, θ (ℓ) = 0; 2. a expansão ao longo do outro normal tipo-nulo k, direcionado para o futuro é negativa, ou seja, θ(k) < 0; Apesar de a princípio parecer que as definições 5.2 e 5.3 estão diretamente relacionadas, elas não possuem nenhuma implicação no sentido formal. Mas vale observar que os horizontes dinâmicos que satisfazem a condição adicional Lkθ(ℓ) < 0 são horizontes de aprisionamento, similarmente, horizontes de aprisionamento que são do tipo-espaço são horizontes dinâmicos com a condição adicional Lkθ(ℓ) < 0. Contudo, as duas definições podem ser úteis em diferentes contextos. A definição 5.2 tem a vantagem de permitir que H seja do tipo-espaço ou nula, o que permite uma melhor análise de estágios de transição de uma situação dinâmica para uma situação de equilíbrio. Já a definição 5.3 apresenta-se útil em simulações numéricas, pois utiliza apenas estruturas intrínsecas à H sem fazer referência à evolução nas direções transversais fora do horizonte. Horizontes dinâmicos que também são horizonte de aprisionamento são conhecidos como Horizonte futuro externo do tipo-espaço. Segundo (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004) para descrever totalmente uma situação física de um buraco negro dinâmico, deve-se se restringir ao estudos dos Horizonte futuro externo do tipo-espaço, pois existem buracos negros estacionários que possuem horizontes 57 de aprisionamento e espaços-tempo que possuem horizonte dinâmicos mas não possuem superfícies aprisionadas, de tal modo que nenhum deles podem ser considerados contendo um buraco negro dinâmico. 5.4 SOLUÇÕES DINÂMICAS 5.4.1 ESPAÇO-TEMPO DE VAIDYA O espaço-tempo de Vaidya é um exemplo simples de espaço-tempo com um buraco negro dinâ- mico e fornece uma boa intuição física do comportamento de horizontes dinâmicos (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Também fornece uma intuição sobre a transição de um horizonte dinâmico para um horizonte em situação de equilíbrio, quando o fluxo de radiação caindo em seu interior se anula (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). O espaço-tempo de Vaidya é uma generalização da métrica de Schwarzschild com as coordenadas de entrada de Eddington-Finkelstein (UNIVERSITY, 2013). Portanto é uma solução esfericamente simétrica, dada por gµνdx µdν = − ( 1− 2m(v) r ) dv2 + 2dvdr + r2dθ2 + r2 sin2 θdϕ2. (5.8) Diferentemente da métrica de Schwarzschild em que a massa m é um parâmetro constante, a massa na solução de Vaidya é um parâmetro dado por m = m(v), ou seja, uma função da coordenada tempo retardado v e pode ser interpretada como a massa do buraco negro na hipersuperfície para v = constante (BOOTH, 2013). A métrica de Vaidya é a solução da equação de Einstein com o tensor energia-momento de poeira nula, dado por Tµν = ṁ(v) 4πr2 δαµδ α ν (5.9) sendo ṁ(v) = dm(v)/dv. O tensor energia-momento Tµν satisfaz a condição de energia dominante, uma vez que (UNIVERSITY, 2013) ṁ(v) ≥ 0, portanto a massa nunca decresce e se ṁ(v) = 0 obtém-se o caso de Schwarzschild. Considere o espaço-tempo de Schwarzschild com um buraco negro de massa m1, e suponha que durante um determinado intervalo de tempo v1 < v < v2 esse buraco negro absorve radiação suficiente para que sua massa seja incrementada, de forma que massa final do buraco negro após absorver a radiação seja m2. A massa desse buraco negro pode ser descrita por m1, v1 ≤ v, m(v), v1 < v < v2, m2, v2 ≥ v, (5.10) 58 onde m(v) é uma função suave que descreve o incremento de massa entre m1 e m2 (POISSON, 2004). A métrica de Vaidya descreve a situação dinâmica durante o processo de absorção de radiação do buraco negro. Uma vez que na situação de equilíbrio o horizonte de eventos é localizado pela hipersuperfície nula r = 2m1 para v1 ≤ v e r = 2m2 quando v2 ≥ v, o objetivo é analisar o comportamento do horizonte r = 2m(v) em uma situação dinâmica descrito pela métrica de Vaidya. Para analisar o que acontece com horizonte H do espaço-tempo de Vaidya define-se o campo escalar dado por Φ(v, r, θ, ϕ) = r − 2m(v), que determina uma hipersuperfície em M . Calculando o normal n a essa hipersuperfície ∇Φ = −2ṁdv + dr, n = ∂v + ( −2 rṁ− r + 2m (v) r ) ∂r. (5.11) No horizonte H em que r = 2m(v), tem-se que g(n,n) H = −4 ṁ (v) . (5.12) Portanto r = 2m(v) é uma hipersuperfície do tipo-espaço, dado que uma vez que equação 5.10 deve ser satisfeita, logo seu vetor normal é do tipo-tempo. Vamos introduzir a métrica da seção transversal S de H dada pela restrição v = constante e r = constante (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004) qµνdx µdν = r2dθ2 + r2 sin2 θdϕ2 (5.13) e os normais nulos ℓ e k associados respectivamente aos raios nulos de saída e de entrada do horizonte ℓ = ∂v + ( r − 2m (v) 2 r ) ∂r, (5.14) k = −∂r, (5.15) satisfazendo g(ℓ,k) = −1. Com as ferramentas necessária em mãos, pode-se calcular a expansão ao longo de ℓ e k θ (ℓ) = r − 2m (v) r2 , (5.16) 59 θ(k) = −2 r . (5.17) No horizonte em r = 2m(v) para v = constante, tem-se θ (ℓ) = 0, (5.18) θ(k) < 0 (5.19) e também Lkθ(k) = −2 r < 0, (5.20) portanto, H é folheado por superfícies marginalmente aprisionadas, logo é um horizonte dinâmico. 5.4.2 SOLUÇÃO DE MCVITTIE A solução de McVittie é uma generalização da métrica de Schwarzschild-de Sitter-Kottler pro- posta em 1933 por McVittie (FARAONI, 2015). Ela descreve um buraco negro embebido em um espaço-tempo cosmológico de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW), sendo a região entre o horizonte do buraco negro e o horizonte cosmológico não estática. Ela é uma solução esfericamente simétrica da equação de Einstein, com fluído perfeito, livre de cisalhamento e assintoticamente FLRW. Por simplicidade é assumido por construção que a componente do tensor de Einstein G1 0 = 0 (em coordenadas esféricas), ou equivalentemente pela equação de Einstein T 1 0 = 0. Isso significa que não deve haver fluxo de matéria radial quando uma inomogeneidade local, esfericamente simétrica, tal como um buraco negro for introduzida (FARAONI; MORENO; NANDRA, 2012). O objetivo de McVittie ao propor essa solução era investigar o comportamento de sistemas locais diante da expansão cosmológica (FARAONI, 2015). A solução de McVittie é dada por gµνdx µdν = − ( 1− 2m r −H (t)2 r2 ) dt2 + ( 1− 2m r −H (t)2 r2 )−1 dr2 + r2dθ2 + r2 sin2 (θ) dϕ2 (5.21) onde H(t) é o parâmetro de Hubble dependente do tempo, necessariamente positivo, pois considera- se o universo em expansão. O parâmetro m positivo informa a massa da inomogeneidade central (FARAONI; MORENO; NANDRA, 2012). Os horizontes da métrica de McVittie estão localizados pelas raízes positivas de 1− 2m r −H (t)2 r2 = 0, (5.22) 60 sendo elas dadas por (FARAONI; MORENO; NANDRA, 2012) r1(t) = 3√ 3H(t) sin θ, r2(t) = 1 H(t) cos θ − 1√ 3H(t) sin θ, r3(t) = − 1 H(t) cos θ − 1√ 3H(t) sin θ, (5.23) com sin(3θ) = 3 √ 3mH(t). Seguindo a discussão feita por (FARAONI; MORENO; NANDRA, 2012), uma vez que H e m são positivos, r3 refere-se a uma solução não física. Para 0 < sin(3θ) < 1, devem existir duas raízes r1 e r2, sendo elas referentes respectivamente ao horizonte do buraco negro e ao horizonte cosmológico. Para sin(3θ) = 1 ambos horizontes devem coincidir, ou seja, r1 = r2. Por fim, para sin(3θ) > 1, não há horizontes. Isso pode ser sumarizado como • Para mH(t) < 1/(3 √ 3) há dois horizontes, r1 e r2; • Para mH(t) = 1/(3 √ 3) há um horizonte, r1 = r2; • Para mH(t) > 1/(3 √ 3) não há horizontes. Assumindo o fundo de poeira dominante, com H(t) = 2/(3t), existe um único tempo t̃ = 2 √ 3m em que mH(t) = 1/(3 √ 3), e portanto três possibilidades podem ocorrer • t < t̃ implica mH(t) > 1/(3 √ 3) e portanto não há horizontes; • t = t̃ implica mH(t) = 1/(3 √ 3) e portanto há um único horizonte coincidindo em r1 = r2 = 1/( √ 3H(t)); • t > t̃ implica mH(t) < 1/(3 √ 3) e portanto há dois horizontes em r1 e r2. Figura 12 – Comportamento dos raios dos horizontes do buraco negro e cosmológico de McVittie para fundo de poeira dominante. Para a construção do gráfico foi assumido m = 1 e tanto t quanto r são dados em unidades de m. Fonte: Produção do próprio autor. 61 A Figura 12 ilustra o comportamento do raios dos horizontes de McVittie. Para t < t̃ há uma singularidade nua em r = 2m. Pode-se afirmar que o universo é muito pequeno nesse caso para acomodar um buraco negro (FARAONI; MORENO; NANDRA, 2012). Em t = t̃ os raios dos horizontes coincidem em r1 = r2 = 3m para o fundo de poeira dominante. Para t > t̃, o horizonte cosmológico e o horizonte do buraco negro se separam. O horizonte do buraco negro se contrai até atingir um valor assintótico r1 = 2m para t → +∞ onde está localizada a singularidade do espaço-tempo. O horizonte cosmológico cresce monotonamente até seu raio se aproximar de r2 = 1/H(t). Vamos investigar o comportamento do horizonte quando t → +∞. A equação Φ = r − 2m (5.24) define uma hipersuperfície H , cujo normal n é dado por n = ( −r3H (t)2 + 2m− r r ) ∂r. (5.25) No horizonte em que r = 2m, obtém-se que g(n,n) H = −4m2H (t)2 . (5.26) Logo H é do tipo-espaço. Introduzindo os normais nulos à folheação S de H ℓ = ∂t + ( −r2H (t)2 − 2m r + 1 ) ∂r, (5.27) k = −1 2 ( r2H (t)2 + 2m r − 1 )−1 ∂t − 1 2 ∂r, (5.28) satisfazendo g(ℓ,k) = −1, pode-se introduzir também a métrica induzida em S, dada por qµνdx µdν = r2dθ2 + r2 sin2 θdϕ2. (5.29) Agora, pode-se calcular a expansão ao longo dos normais nulos ℓ e k θ (ℓ) = − 2 ( r3H (t)2 + 2m− r ) r2 , (5.30) θ(k) = −1 r . (5.31) Como r1 é raiz da equação 5.22 e localiza o horizonte do buraco negro, tem-se então que as equações 62 5.30 e 5.31 tornam-se no horizonte θ (ℓ) = 0, (5.32) θ(k) = −1 . (5.33) No limite em que t → +∞ e r1 = 2m, obtém-se θ (ℓ) = 0, (5.34) θ(k) = − 1 2m , (5.35) confirmando então que o horizonte do buraco negro de McVittie é um horizonte dinâmico, ao menos para t → +∞. 63 6 CONCLUSÃO As caracterizações de horizontes de buracos negros via referenciais quase locais mostram-se uma ferramenta poderosa para a análise desses objetos astrofísicos, sem a necessidade de se reportar a toda estrutura do espaço-tempo. Afinal quando os astrofísicos dizem que descobriram um buraco negro se referem a um objeto mais concreto e local que um horizonte de eventos (ASHTEKAR; KRISHNAN, 2004). Baseado nisso, o conhecimento de geometria de hipersuperfícies mostra-se necessário, pois assim como o horizontes de eventos, a hipersuperfícies dividem o espaço-tempo em duas regiões. Por isso foi desenvolvido no capítulo 2 em detalhes a geometria das superfícies nulas, que são membranas unilaterais e, de fato, mostram-se boas candidatas para modelar horizontes de buracos negros. Dentre os conceitos mais importantes estão o de expansão de superfícies nulas, que está intimamente relacionado com o comportamento de raios de luz no horizontes como apresentado na seção 5.1. Quando uma superfície nula possui uma expansão nula, sob certas condições do tensor energia- momento e da seção transversal, como visto na Definição 3.1, ela é denominada de horizonte não- expansível. Essas estruturas trazem resultados importantes como a invariância da área e da métrica no horizonte, e também possibilita a indução de uma conexão afim, o que são alguns dos requisitos necessários para modelar um buraco negro em equilíbrio. Quando encerrados com uma classe de equivalência de normais tipo-nulo e de uma conexão afim invariante no horizonte, essas estruturas passam a ser denominadas de horizontes isolados. Os horizontes isolados modelam buracos negros em equilíbrio e são estruturas semelhantes aos horizontes de Killing, porém diferente desses últimos pois os horizontes isolados não necessitam de um campo vetorial de Killing em todo o espaço-tempo e portanto não constituem um conceito global. Além disso, uma vez que localmente ambos possuem as mesmas características, a lei zero da mecânica de buracos negros, provada tradicionalmente para horizontes de Killing, pode ser estendida naturalmente para os horizontes isolados. Apesar de global no sentido que necessita de uma campo vetorial de Killing em todo o espaço- tempo, os horizontes de Killing possuem propriedades que possibilitam compreender a lei zero da mecânica de buracos negros e as soluções estacionárias como a de Kerr (ver (GOURGOULHON, 2022)) com mais clareza, uma vez que já foram discutidos amplamente na literatura (CARROLL, 2003) (GOURGOULHON, 2022) (WALD, 1984). Discutido em detalhes