UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais FERNANDA BERTACO DA SILVA CINÉTICA DE CRISTALIZAÇÃO DE VIDRO PRODUZIDO COM AREIA DESCARTADA DE FUNDIÇÃO: ABORDAGEM NÃO- ISOTÉRMICA E OBTENÇÃO DA FASE NEFELINA Presidente Prudente 2024 FERNANDA BERTACO DA SILVA CINÉTICA DE CRISTALIZAÇÃO DE VIDRO PRODUZIDO COM AREIA DESCARTADA DE FUNDIÇÃO: ABORDAGEM NÃO- ISOTÉRMICA E OBTENÇÃO DA FASE NEFELINA Dissertação apresentada como requisito à obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais, área de concentração Ciência de Materiais, sob a orientação do Prof. Dr. Silvio Rainho Teixeira. Presidente Prudente 2024 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. S586c Silva, Fernanda Bertaco da Cinética de Cristalização de Vidro Produzido com Areia Descartada de Fundição: Abordagem Não-Isotérmica e Obtenção da Fase Nefelina / Fernanda Bertaco da Silva. -- Presidente Prudente, 2024 126 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientador: Silvio Rainho Teixeira 1. Vitrocerâmica. 2. Resíduo. 3. Areia descartada de indústria de fundição. 4. Nefelina. 5. Cinética de cristalização. I. Título. Dedico este trabalho à minha família. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a você, leitor, pelo interesse e dedicação ao se aventurar nas entrelinhas deste trabalho. À minha família, por todo o apoio, carinho e cuidado. Meu pai Mauricio, minha mãe Edna e meu irmão João, agradeço por estarem comigo. Ao Prof. Dr. Silvio Rainho Teixeira, por ter me orientado durante o mestrado e me fornecido suporte, ensinamentos e confiança no decorrer de todo o meu processo. À profª. Dra. Agda Eunice de Souza Albas, pelo apoio e compreensão em cada etapa da minha formação, desde o meu período da graduação. Aos membros da banca, prof. Dr. Rafael Zodorosny, prof. Dr. Victor Ciro Solano Reynoso, prof. Dr. Deuber Lincon da Silva Agostini e prof. Drª Agda Eunice de Souza Albas, por dedicarem tempo e esforços à correção do meu trabalho, além de compartilharem seus conhecimentos, fornecendo um valioso apoio ao meu desenvolvimento. Aos meus amigos, principalmente Luna Alessandra Carneiro, Luis Henrique Precoma, Valdinei Liber de Faria e Bruno dos Santos Potensa, que colaboraram com meu desenvolvimento acadêmico e pessoal. Sem vocês eu não teria chegado aqui. Ao grupo LCGRS pelo suporte e colaborações. A Renata da Silva Magalhães pelos aprendizados compartilhados que deram início à minha pesquisa, ao Gleyson Tadeu de Almeida Santos por todos os conselhos trocados, ao Luis Fernando dos Santos pela colaboração e, novamente, ao Bruno dos Santos Potensa, pelo apoio em cada etapa descrita neste trabalho. Ao prof. Dr. João Carlos Silos Moraes pela realização dos testes de microdureza Vickers e ao Dr. Mateus Dassie Maximino pelas medidas do MEV. À Fernanda do passado que persistiu, foi forte e paciente, e que chegou até aqui. Gostaria de agradecer a todos aqueles que eu não mencionei individualmente, mas que fizeram parte da minha trajetória, me apoiaram e contribuíram positivamente com alguma etapa da minha vida pessoal ou profissional. À Univesp pelo suporte financeiro. O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. “E eu posso ter cometido um erro ontem, mas o eu de ontem ainda sou eu. Hoje, eu sou o que sou com todos os meus defeitos e erros. Amanhã, eu posso ser um pouco mais sábio, e isso também será eu. Essas falhas e erros são o que eu sou, compondo as estrelas mais brilhantes da constelação da minha vida.” Kim Nam-joon SILVA, F. B. Cinética de Cristalização de Vidro Produzido com Areia Descartada de Fundição: Abordagem Não-Isotérmica e Obtenção da Fase Nefelina. 2024. 126 p. Dissertação (Mestre em Ciência e Tecnologia de Materiais) – UNESP, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, 2024. RESUMO O setor de fundição desempenha papel crucial na indústria, sendo responsável pela fabricação de peças metálicas por meio de diversos processos. A ampla utilização de moldes de areia na fundição resulta na produção de resíduos sólidos, demandando uma abordagem sustentável. O objetivo da presente pesquisa consistiu em estudar a cinética de cristalização de um vidro obtido a partir da areia descartada, com a proposta de produzir a fase vitrocerâmica anortita devido às suas propriedades físicas, como alta resistência mecânica. Dessa forma, tanto o vidro quanto o material vitrocerâmico foram obtidos a partir de uma composição desenvolvida com base no diagrama ternário CaO-Al2O3-SiO2, com foco na obtenção da fase anortita, combinando a utilização da areia descartada proveniente de uma indústria de fundição. A análise dos materiais foi realizada mediante as técnicas de análise térmica, para compreender as reações térmicas associadas à mudança de fase, desidratação e decomposição de compostos presentes no material, fluorescência de raios X, para determinação da composição química, difração de raios X, para identificação de fases, e ensaios tecnológicos. A areia descartada de fundição (ADF) apresentou alta porcentagem de pureza, sendo 96,5% composta por sílicia e 3,5% de contaminantes. O vidro foi obtido utilizando as quantidades, em porcentagem de massa, de 19,32% de CaO, 34,22% de Al2O3, 40,38% SiO2 e 6,09% de Na2O, atuando como fundente. Esses materiais precursores foram submetidos a uma temperatura de 1560 ºC. O vidro obtido foi tratado termicamente a uma temperatura de 930 ºC, temperatura essa que consolidou a cristalização do material, formando a vitrocerâmica. De acordo com a ficha 23-475, foi obtida a fase vitrocerâmica nefelina. Foi conduzida uma análise cinética, visando compreender os mecanismos de cristalização com base na curva de DSC, usando os métodos de Kissinger, Augis-Bennett e Matusita e Sakka. Os resultados obtidos através dos parâmetros Índice de Avrami, n, e fator numérico, m, foram confirmados através de imagens obtidas via microscopia eletrônica de varredura, apresentando crescimento tridimensional. Os resultados mostram que a fase desejada, anortita, não foi obtida, mas sim a fase nefelina, discorrendo sobre as variáveis que interferiram no objetivo. Palavras-chave: Vitrocerâmica; resíduo; areia descartada de indústria de fundição; nefelina; cinética de cristalização. SILVA, F. B. Kinetics of Crystallization of Glass Produced with Discarded Foundry Sand: Non-Isothermal Approach and Attainment of the Nepheline Phase. 2024. 126 p. Dissertation (Master in Materials Science and Technology) – UNESP, University of Science and Technology, Presidente Prudente, 2024. ABSTRACT The foundry sector plays a crucial role in the industry, being responsible for the manufacturing of metallic parts through various processes. The extensive use of sand molds in casting results in the production of solid waste, requiring a sustainable approach. The objective of this research was to study the crystallization kinetics of a glass obtained from discarded sand, with the proposal of producing the glass ceramic phase anorthite due to its physical properties, such as high mechanical strength. Thus, both the glass and the glass ceramic material were obtained from a composition developed based on the CaO-Al2O3-SiO2 ternary diagram, focusing on obtaining the anorthite phase by combining the use of discarded sand from a foundry industry. The analysis of the materials was conducted using thermal analysis techniques to understand the thermal reactions associated with phase change, dehydration, and decomposition of compounds present in the material, X-ray fluorescence for determination of chemical composition, X-ray diffraction for phase identification, and technological tests. The discarded foundry sand (DFS) showed a high purity percentage, being 96.5% composed of quartz and 3.5% contaminants. The glass was obtained using the mass percentages of 19.32% CaO, 34.22% Al2O3, 40.38% SiO2, and 6.09% Na2O, acting as a flux. These precursor materials were subjected to a temperature of 1560 ºC. The obtained glass was thermally treated at a temperature of 930 ºC, consolidating the material's crystallization, forming the glass ceramic. According to sheet 23-475, the nepheline glass ceramic phase was obtained. A kinetic analysis was conducted to understand the crystallization mechanisms based on the DSC curve, using the Kissinger, Augis-Bennett, and Matusita and Sakka methods. The results obtained through the Avrami Index parameters, n, and numerical factor, m, were confirmed through images obtained via scanning electron microscopy, showing three-dimensional plate-like growth. The results indicate that the desired phase, anorthite, was not obtained, but rather the nepheline phase, discussing the variables that interfered with the objective. Key words: Glass ceramic; waste; discarded foundry sand; nepheline; crystallization kinetics. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Ilustração da etapa de vazamento do metal em molde de areia, preenchendo completamente a cavidade correspondente a peça. .................................................................. 35 Figura 2 - Ilustração esquemática do processo de formação de vidros por meio da análise da entalpia, delineando a transição entre os estados vítreo e cristalino durante o processo de resfriamento de um dado líquido. ............................................................................................. 39 Figura 3 - Representação esquemática da influência das taxas de resfriamento (𝛽1>𝛽2>𝛽3) na transição vítrea. ......................................................................................................................... 42 Figura 4 - Representação da curva característica da variação da viscosidade com relação a temperatura. .............................................................................................................................. 43 Figura 5 - Identificação e delimitação das diferentes regiões térmicas correspondentes a temperaturas características específicas no contexto dos vidros. ............................................. 45 Figura 6 - Representação da unidade básica da rede tetraédrica de silício. .............................. 50 Figura 7 - Representação da unidade básica da rede tetraédrica de silício, com predisposição de oxigênios nos vértices do tetraedro. ......................................................................................... 50 Figura 8 - Representação de um composto cristalino hipotético (a) e a forma vítrea do mesmo composto (b). ............................................................................................................................ 52 Figura 9 - Representação da quebra de uma ponte Si-O-Si provocada pelo acréscimo do óxido modificador Na2O. .................................................................................................................... 53 Figura 10 - Influência de alguns óxidos nas propriedades dos vidros, sendo atribuídas uma ou mais funções a cada óxido. ....................................................................................................... 55 Figura 11 - Apresentação gráfica que evidencia a transformação do embrião cristalino em um núcleo estável, destacando a influência da energia livre em relação ao raio crítico (rc). ......... 58 Figura 12 - Ilustração esquemática do processo de transformação de vidro em vitrocerâmica, contendo os estágios de formação dos núcleos (a), crescimento dos cristais (b) e a microestrutura resultante (c) durante o tratamento térmico...................................................... 68 Figura 13 - Areia descartada de indústria de fundição (ADF), após passar por processo de peneiração, com intervalo granulométrico de 0,074 à 0,5mm.................................................. 72 Figura 14 - Diagrama ternário de fases do sistema SiO2-CaO-Al2O3. ..................................... 73 Figura 15 - Balança analítica com precisão de 0,1 mg. ............................................................ 75 Figura 16 - Cadinho de alumina, com 5 cm de diâmetro por 10 cm de altura, para fusão em forno elétrico............................................................................................................................. 75 Figura 17 - Forno elétrico, modelo SFM220605 da SERVIFOR-1700 ºC (a) Parte externa contendo painel; (b) Parte interna do forno elétrico, com cadinho de alumina posicionado na base suporte. ............................................................................................................................. 76 Figura 18 - Registro fotográfico do momento de retirada da amostra do forno. ...................... 77 Figura 19 - Registro fotográfico do momento em que a amostra foi vertida em recipiente contendo água destilada à temperatura ambiente. .................................................................... 77 Figura 20 - Na (a), observa-se a placa metálica empregada na formação de bolacha vítrea; (b) Registro fotográfico que documenta o momento em que a amostra é despejada na placa metálica. .................................................................................................................................... 78 Figura 21 - (a) Forno tiplo mufla, modelo 3000, da marca EDG; (b) registro fotográfico do momento em que a placa metálica contendo a amostra foi colocada em forno tipo mufla para resfriamento controlado; (c) registro fotográfico da amostra em forno tipo mufla. ................. 78 Figura 22 - Registro fotográfico do processo de maceração manual das fritas, utilizando um almofariz de porcelana.............................................................................................................. 79 Figura 23 - Fluxograma das etapas de fabricação de uma vitrocerâmica. ................................ 80 Figura 24 - Configuração visual da parte externa do equipamento prensa uniaxial Shimadzu. .................................................................................................................................................. 81 Figura 25 - Pastilhas produzidas com pó de vidro utilizando prensa uniaxial Shimadzu. ....... 81 Figura 26 - Pastilhas de pó de vidro após passarem por tratamento térmico de 930 ºC por 1 hora. .................................................................................................................................................. 82 Figura 27 - (a) Exterior do difratômetro de raios X, modelo XRD6000 da Shimadzu, com a bancada de trabalho situada à direita da imagem; (b) Interior do difratômetro de raios X, incluindo o porta amostra e o detector móvel. .......................................................................... 83 Figura 28 - (a) Exterior do equipamento de fluorescência de raios X, modelo EDX-7000 da Shimadzu, localizado sob a bancada de trabalho; (b) Interior da fluorescência de raios X. .... 84 Figura 29 - (a) Exterior do equipamento de análise termodiferencial e termogravimétrica (DSC/TG), modelo SDT Q600 da TA Instruments; (b) Interior do equipamento, incluindo a presença de dois cadinhos de alumina utilizados para análises. ............................................... 85 Figura 30 - Pastilhas vitrocerâmicas imersas em água disposta em um béquer sob chapa de aquecimento. ............................................................................................................................. 86 Figura 31 - Registro fotográfico do procedimento de aferição de massa imersa das pastilhas vitrocerâmicas, após 24 horas submersas em água destilada, por meio de um aparato de Arquimedes vinculado à balança. ............................................................................................. 86 Figura 32 - Configuração externa da lixadeira e politriz, modelo PLFDV, fabricada pela marca file:///C:/Users/Fernanda/OneDrive/Área%20de%20Trabalho/Dissertação%20-%20com%20correções/Dissertação_Fernanda_Bertaco_da_Silva%20com%20correções%20do%20pdf%20da%20banca%20e%20AugisBennett%20300K.docx%23_Toc162349409 Fortel. ........................................................................................................................................ 88 Figura 33 - Lixas d’água de diferentes granulações (280, 400, 600 e 1200) acompanhadas por uma esponja do tipo espuma. .................................................................................................... 88 Figura 34 - Difratometria de raios X da areia descartada de fundição, com picos identificados conforme a ficha JCDS:89-8937. A marcação dos picos relacionados à fase alpha quarto (SiO2) é indicada pelo símbolo ♦. ........................................................................................................ 92 Figura 35 - Termograma da areia descartada de fundição evidenciando duas quedas de massa. A primeira corresponde à perda de umidade do material, enquanto a segunda indica a decomposição da resina fenólica. ............................................................................................. 93 Figura 36 - (a) Detalhes da bolacha vítrea translúcida, apresentando bolhas em seu interior e tonalidade esverdeada; (b) Exibição das fritas de vidro, evidenciando a formação de esferas quebradiças e fios de vidro. ...................................................................................................... 94 Figura 37 - Registro fotográfico do cadinho de alumina após processo de fabricação do vidro, com a presença do vidro residual e corrosão do cadinho. ........................................................ 95 Figura 38 – Difratometria de raios X do pó de fritas de vidro, revelando um gráfico típico de materiais não-cristalinos. A presença do 'halo' na região de 2θ = 30º, sem picos de difração, sugere a formação de um vidro................................................................................................. 96 Figura 39 - Análise térmica por DSC do pó de vidro, empregando uma taxa de aquecimento de 10 ºC/min. O termograma exibe regiões correspondentes às temperaturas de transição vítrea (Tg), temperatura inicial do pico de cristalização (T0), temperatura do pico de cristalização (Tc) e temperatura de fusão (Tf). ...................................................................................................... 97 Figura 40 - Difratometria de raios X da vitrocerâmica, com picos identificados conforme a ficha 23-475. A marcação dos picos relacionados à fase solução sólida de nefelina é é indicada pelo símbolo ♦, a de um pico não identificado é indicada pelo símbolo ♠, e a referente a picos não listados é indicada pelo símbolo . ........................................................................................ 100 Figura 41 - Picos de cristalização do vidro em diferentes taxas de aquecimento, sendo elas 2,5 ºC/min, 5 ºC/min, 7,5 ºC/min, 10 ºC/min, 12,5 ºC/min e 15 ºC/min. ............................... 102 Figura 42 - Representação gráfica da função linear de 𝑙𝑛 𝜃 𝑇𝑐 2 pelo inverso da temperatura 1 𝑇𝑐 . A linearização da reta dada pelo método de Kissinger é usada para calcular a energia de ativação. ................................................................................................................................................ 104 Figura 43 - Representação gráfica da função linear de 𝑙𝑛 𝜃 𝑇𝑐−𝑇0 pelo inverso da temperatura 1 𝑇𝑐 . A linearização da reta dada pelo método de Augis-Bennett é usada para calcular a energia de ativação e o índice de Avrami. ............................................................................................... 105 file:///C:/Users/Fernanda/OneDrive/Área%20de%20Trabalho/Dissertação%20-%20com%20correções/Dissertação_Fernanda_Bertaco_da_Silva%20com%20correções%20do%20pdf%20da%20banca%20e%20AugisBennett%20300K.docx%23_Toc162349422 file:///C:/Users/Fernanda/OneDrive/Área%20de%20Trabalho/Dissertação%20-%20com%20correções/Dissertação_Fernanda_Bertaco_da_Silva%20com%20correções%20do%20pdf%20da%20banca%20e%20AugisBennett%20300K.docx%23_Toc162349422 file:///C:/Users/Fernanda/OneDrive/Área%20de%20Trabalho/Dissertação%20-%20com%20correções/Dissertação_Fernanda_Bertaco_da_Silva%20com%20correções%20do%20pdf%20da%20banca%20e%20AugisBennett%20300K.docx%23_Toc162349422 Figura 44 - Representação gráfica da função linear de 𝑙𝑛 𝜃𝑛 𝑇𝑐 2 pelo inverso da temperatura 1 𝑇𝑐 . A linearização da reta dada pelo método de Matusita e Sakka é usada para calcular a energia de ativação e o fator numérico referente a dimensionalidade do crescimento cristalino. ........... 107 Figura 45 - (a), (b), (c), (d) e (e): Micrografias da superfície da amostra adquiridas por microscopia eletrônica de varredura, revelando a formação em formato indefinido, achatado e longo, com contorno irregular. ............................................................................................... 109 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Tipos de Fundidos. .................................................................................................. 29 Tabela 2 - Tipos de Moldes e Processos................................................................................... 30 Tabela 3 - Top 10 países no Ranking Mundial de Produção de Fundidos nos anos de 2018 e 2020 em milhões de toneladas (MT). ....................................................................................... 31 Tabela 4 - Etapas do Processo de Fundição. ............................................................................ 33 Tabela 5 - Definição de vidro ao longo dos anos. .................................................................... 37 Tabela 6 - Constantes numéricas para diferentes óxidos, em porcentagem, para vidros silicatos. Os valores são aplicáveis à equação para cálculo da temperatura de fusão, através do método proposto por Chengyu e Tao Ying (1983). ............................................................................... 40 Tabela 7 - Principais constituintes dos vidros. ......................................................................... 46 Tabela 8 - Constituintes dos vidros orgânicos, vidros metálicos e vidros inorgânicos. ........... 47 Tabela 9 - Relação entre número de coordenação, raios iônicos rc/r0 e poliedro de coordenação. .................................................................................................................................................. 48 Tabela 10 - Valores dos raios iônicos de alguns elementos químicos...................................... 49 Tabela 11 - Classificação dos óxidos de acordo com Zachariasen. .......................................... 52 Tabela 12 - Diferentes valores de n e m para diferentes mecanismos de cristalização. ........... 66 Tabela 13 - Raios iônicos do sódio, potássio e cálcio. ............................................................. 71 Tabela 14 - Composição da mistura para a obtenção do vidro. ................................................ 74 Tabela 15 - Analíse química quantitativa-qualitativa da ADF por meio da fluorescência de raios X. .............................................................................................................................................. 90 Tabela 16 - Análise química qualitativa-quantitativa do vidro por meio de fluorescência de raios X. .............................................................................................................................................. 95 Tabela 17 - Análise química qualitativa-quantitativa da vitrocerâmica por meio da fluorescência de raios X. ................................................................................................................................. 98 Tabela 18 - Valores de massa específica aparente, porosidade aparente e absorção de água para a vitrocerâmica tratada a 930 ºC, utilizando o método de Arquimedes.................................. 100 Tabela 19 - Microdureza Vickers da vitrocerâmica. Os resultados contemplam a unidade de medida de dureza na escala Vickers (HV) e seu valor correspondente em gigapascal (GPa). ................................................................................................................................................ 101 Tabela 20 - Picos de cristalização em diferentes taxas de aquecimento. ............................... 103 Tabela 21 - Valores de n obtidos pela energia de ativação de Augis-Bennett. ...................... 106 Tabela 22 - Energias de ativação correspondentes aos métodos de Kissinger, Augis-Bennett e Matusita e Sakka. .................................................................................................................... 107 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AA Absorção de água ABIFA Associação Brasileira de Fundição ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas ADF Areia descartada de indústria de fundição Al2O3 Óxido de alumínio CaO Óxido de cálcio CETESB Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo Cn Constantes DRX Difratometria de raios X DSC Calorimetria Exploratória Diferencial DTA Análise térmica diferencial Ea Energia de ativação Fe2O3 Óxido de ferro FRX Fluorescência de raios X FWHM Largura a meia altura do pico de cristalização GPa Gigapascal HV Dureza Vickers JMA Teoria Johnson-Mehl-Avrami k Constante de velocidade da reação k0 Fator pré-exponencial (ou frequência de colisão) LCGRS Laboratório de Caracterização e Gestão de Resíduos Sólidos m Parâmetro numérico associado a dimensionalidade do crescimento dos cristais MEAq Massa específica aparente de queima MEV Microscópio eletrônico de varredura mi Massa imersa ms Massa seca em estufa mu Massa úmida n Parâmetro de Avrami Na2CO3 Carbonato de sódio Na2O Óxido de sódio NBR Norma Brasileira PA Porosidade aparente Pn Frações, em porcentagem (%), de óxidos PNRS Política Nacional de Resíduos Sólidos R Constante dos gases ideais r Raio rc Raio crítico SiO2 Óxido de silício SiO4 Silicato T0 Temperatura do início do DSC (ou temperatura ambiente equivalente a 300 K) TA Análise térmica Tamol Temperatura de amolecimento Tc Temperatura do pico de cristalização Tf Temperatura de fusão TG Termogravimetria Tg Temperatura de transição vítrea θ Taxa de aquecimento SUMÁRIO 1. MOTIVAÇÃO .................................................................................................................. 20 2. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 21 1.2. Problema de Pesquisa ........................................................................................................ 23 3. OBJETIVOS...................................................................................................................... 24 3.1. Objetivo Geral ................................................................................................................... 24 3.2. Objetivos Específicos ........................................................................................................ 24 4. REVISÃO DA LITERATURA ......................................................................................... 25 4.1. Resíduos Sólidos Indústriais ............................................................................................. 25 4.1.1. Legislações e Normas no Brasil ................................................................................. 26 4.2. Indústrias de Fundição ...................................................................................................... 27 4.2.1. Indústrias de Fundição no Brasil................................................................................ 31 4.2.2. Etapas do Processo de Fundição ................................................................................ 33 4.2.3. Areia Descartada de Indústria de Fundição ............................................................... 34 4.3. Vidros e Vitrocerâmicas .................................................................................................... 36 4.3.1 Vidros ......................................................................................................................... 36 4.3.1.1 Diferenças entre vidro e sólido amorfo ...................................................................... 38 4.3.1.2 Transição Vítrea ......................................................................................................... 38 4.3.1.3 Fusão do Vidro (Melting-Quenching) ....................................................................... 39 4.3.1.4 Temperatura de Fusão pelo Método de Chengyu e Tao Ying (1983)........................ 40 4.3.1.5 Correlação entre transição vítrea e taxa de resfriamento ........................................... 41 4.3.1.6 Relaxação vítrea e viscosidade .................................................................................. 42 4.3.1.7 Regiões de temperaturas características de vidros ..................................................... 44 4.3.1.8 Principais constituintes dos vidros ............................................................................. 45 4.3.1.9 Tipos de vidros ........................................................................................................... 47 4.3.1.10 Formação e estrutura dos vidros silicatos .............................................................. 47 4.3.1.10.1 Critério de Goldschmidt ..................................................................................... 48 4.3.1.10.2 Regras de Zachariasen ........................................................................................ 50 4.3.1.10.3 Funções dos óxidos nos vidros ........................................................................... 54 4.3.2 Cristalização ............................................................................................................... 55 4.3.2.1 Nucleação ................................................................................................................... 55 4.3.2.1.1 Agentes nucleantes ................................................................................................. 58 4.3.2.2 Crescimento de cristais .............................................................................................. 59 4.3.3 Cinética de cristalização ............................................................................................ 59 4.3.3.1 Equação de Arrhenius (1889) .................................................................................... 60 4.3.3.2 Teoria JMA ou Johnson-Mehl-Avrami (1937-1939) ................................................. 61 4.3.3.2.1 Tratamento isotérmico............................................................................................ 61 4.3.3.2.2 Tratamento não-isotérmico .................................................................................... 63 4.3.3.2.2.1 Método de Kissinger (1956-1957) ...................................................................... 63 4.3.3.2.2.2 Método de Augis-Bennett (1978) ....................................................................... 64 4.3.3.2.2.3 Método de Matusita e Sakka (1980) ................................................................... 65 4.3.4 Vitrocerâmicas ........................................................................................................... 66 4.3.4.1 Tratamento térmico .................................................................................................... 67 4.3.4.2 Vitrocerâmicas fabricadas a partir da reutilização de resíduos .................................. 68 4.3.4.3 Sinterização de vitrocerâmicas .................................................................................. 69 4.3.4.4 Anortita ...................................................................................................................... 70 4.3.4.5 Nefelina ...................................................................................................................... 70 5. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................. 72 5.1. Materiais ............................................................................................................................ 72 5.2. Métodos ............................................................................................................................. 73 5.2.1. Preparação do vidro e da vitrocerâmica ..................................................................... 73 5.2.2. Caracterizações do vidro e da vitrocerâmica ............................................................. 79 5.2.2.1 Difração de raios X .................................................................................................... 82 5.2.2.2 Fluorescência de raios X ............................................................................................ 83 5.2.2.3 Análise térmica .......................................................................................................... 84 5.2.3 Ensaios físicos ............................................................................................................ 85 5.2.3.1 Método de Arquimedes da Vitrocerâmica ................................................................. 85 5.2.3.2 Microdureza Vickers da vitrocerâmica ...................................................................... 87 5.2.3.3 Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) da vitrocerâmica ................................ 87 6. RESULTADOS E DISCUSSÕES .................................................................................... 90 6.1. Areia descartada de indústria de fundição......................................................................... 90 6.1.1. Fluorescência de raios X da ADF .............................................................................. 90 6.1.2 Difração de raios X da ADF ...................................................................................... 91 6.1.3 Análise térmica da ADF............................................................................................. 92 6.2 Vidro.................................................................................................................................. 93 6.2.1 Fluorescência de raios X do vidro ............................................................................. 94 6.2.2 Difração de raios X do vidro ...................................................................................... 96 6.2.3 Análise térmica por DSC do vidro ............................................................................. 97 6.3 Vitrocerâmica .................................................................................................................... 98 6.3.1 Fluorescência de raios X da vitrocerâmica ................................................................ 98 6.3.2 Difração de raios X da vitrocerâmica ........................................................................ 99 6.3.3 Método de Arquimedes da vitrocerâmica ................................................................ 100 6.3.4 Microdureza Vickers da Vitrocerâmica ................................................................... 101 6.4 Cinética de cristalização .................................................................................................. 102 6.4.1 Método de Kissinger (1956-1957) ........................................................................... 103 6.4.2 Método de Augis-Bennet (1978) ............................................................................. 104 6.4.2.1 Índice de Avrami (n) ................................................................................................ 106 6.4.3 Método de Matusita e Sakka (1980) ........................................................................ 106 6.5 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) .................................................................. 108 7. CONCLUSÕES ............................................................................................................... 112 8. SUGESTÕES DE TRABALHOS FUTUROS ................................................................ 113 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 114 APÊNDICE A – Cálculos para Obtenção da Fase Vitrocerâmica. ........................................ 122 20 1. MOTIVAÇÃO A ênfase crescente da mídia e da comunidade científica na degradação ambiental impulsiona a incessante busca por soluções inovadoras e sustentáveis. Quando uma indústria abraça práticas voltadas para a conscientização ambiental, isso se torna um atrativo para os consumidores, evidenciando a necessidade crucial de seu engajamento na preservação ambiental. Essa adoção também é guiada por legislações atuais, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que promove maior reutilização e responsabilidade no descarte de resíduos. Nesse contexto, surge a necessidade de uma destinação eficaz para areia descartada de fundição. Em primeiro plano, a sustentabilidade ambiental emerge como um dos pilares fundamentais deste trabalho. A incorporação de areia proveniente de resíduos indústriais diminui a demanda por matérias-primas virgens, aliviando o uso de recursos naturais. Ao adotar a abordagem da reutilização, contribuímos para um modelo de economia circular. A economia, por sua vez, ganha destaque. A reutilização de areia se apresenta como uma alternativa financeiramente viável, buscando simultaneamente a redução dos custos relacionados à aquisição de novos insumos. A eficaz utilização desse resíduo industrial pode converter o descarte em uma fonte valiosa de matérias-primas para a indústria vidreira. A pesquisa nesse campo não se restringe apenas à eficiência e qualidade, mas também à fabricação de novos materiais. A capacidade de manipular a estrutura cristalina possibilita a exploração de composições e propriedades não convencionais, podendo resultar em avanços significativos na indústria vidreira, com o conhecimento dos parâmetros necessários para a otimização do processo. Além disso, empresas que adotam práticas sustentáveis, como a incorporação de resíduos, desfrutam de uma imagem corporativa mais positiva, o que pode ser um diferencial competitivo no mercado. Essa pesquisa está vinculada à busca por respostas fundamentais sobre o comportamento das moléculas durante a cristalização. Explorar como as moléculas se organizam e interagem nesse processo oferece respostas cruciais para a compreensão dos fenômenos em sistemas vítreos, enriquecendo o conhecimento em ciência e tecnologia dos materiais. 21 2. INTRODUÇÃO O setor de fundição tem papel fundamental na indústria, sendo responsável pela fabricação de peças e componentes metálicos. É crescente a preocupação do setor de fundição com a sustentabilidade e a gestão de resíduos sólidos, promovendo a reciclagem de sucatas de metal, a redução do uso de recursos naturais e a destinação para os resíduos sólidos gerados que vai além de sua disposição em local apropriado para descarte (Silva, 2010). São realizados alguns tipos de processos para a fundição de metais, como fundição sob pressão, sendo utilizada alta pressão para injetar metal líquido em um recipiente; fundição por cera perdida, onde um modelo de cera é utilizado, sendo perdido durante a fundição, deixando uma cavidade para o metal líquido; fundição centrífuga, com o metal derramado em um molde que é girado formando peças; e fundição em areia, sendo constituído por moldes de areia onde o metal é vertido (FIEMG, 2018). A fundição em areia é o método mais comum utilizado pelas indústrias devido às vantagens oferecidas, como simplicidade, não requerendo equipamentos complexos e caros, acessibilidade, sendo um material amplamente disponível, versatilidade de peças, permitindo a produção de uma ampla variedade de peças, baixo custo de ferramentas, sendo mais acessíveis quando comparado a moldes permanentes, adaptabilidade a diferentes ligas, sendo compatível a diferentes tipos de ligas metálicas, flexibilidade de produção, podendo produzir peças pequenas ou grandes, rapidez na produção, adaptação a mudanças de design, permitindo ajustes mais flexíveis no design da peça e reciclabilidade, uma vez que essa areia pode ser reutilizada tornando o processo mais sustentável (Dawang, 2022). Dentro do setor da fundição, uma série de metais e ligas são fundidos visando a produção de componentes e peças de diferentes tipos. São comumente utilizados os metais e ligas de ferro fundido, alumínio, aço, cobre, ligas de zinco, ligas de magnésio, bronze e ligas especiais (Hermenegildo, 2011). Entretanto, esse tipo de produção gera uma série de resíduos. O Brasil é um dos principais produtores e consumidores de ferro fundido no mundo, ocupando a 9º posição segundo o ranking da revista Modern Casting (data-base dezembro de 2018), ficando atrás da China, Índia, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Rússia, México e Coreia (ABIFA, 2019 apud Modern Casting, 2018). A fundição de ferro possui papel crucial em vários setores econômicos, visto que produtos de ferro fundido têm larga aplicação, incluindo peças automotivas, maquinaria, 22 componentes indústriais, utensílios domésticos e construção, tendo papel ativo na produção de produtos vitais para a sociedade (Lorenzetti, 2023). Durante a produção de peças de ferro fundido é geralmente utilizado o molde de areia. Essa areia é descartada após alguns usos, tornando-se um resíduo sólido. A geração desse resíduo é uma questão significativa na indústria de fundição, precisando ser gerenciada de forma adequada e sustentável, seguindo regulamentações ambientais que visam minimizar impactos no meio ambiente (Zanardi, 2018). A partir disso, surge a necessidade do investimento em pesquisas que encontrem formas inovadoras e eficazes quanto ao gerenciamento e reutilização desse resíduo. A composição química dessa areia é rica em silício, sendo utilizada nesse trabalho como matéria-prima para a produção de vidros e vitrocerâmicas. Esse tipo de areia possui propriedades físicas e químicas excelentes para a aplicação na produção de vidros e vitrocerâmicas. Sua composição é um elemento chave para a fabricação de um vidro, principalmente pela presença do quartzo, que ajuda a formar a estrutura vítrea quando fundida e resfriada rapidamente. Já a vitrocerâmica pode ser obtida a partir do aquecimento e resfriamento controlados desse vidro, permitindo a cristalização de sua estrutura. Vidros são materiais que possuem estrutura desordenada em nível atômico, com a disposição de suas moléculas semelhante à um líquido supercongelado, sem possuir ordem a longo alcance. A produção de vidros engloba a fusão de matérias-primas, como a areia (quartzo) a altas temperaturas. Após a fusão, esse material é resfriado rapidamente, visando evitar a cristalização de sua estrutura, formando o vidro (Akerman, 2000). Vitrocerâmicas são materiais policristalinos que contêm uma fase cristalina e uma fase não cristalina residual (Matos, 2012). A transição do vidro para a vitrocerâmica ocorre em duas etapas. A primeira etapa é a nucleação, onde ocorre a formação de pequenos núcleos cristalinos dispersos na matriz amorfa do vidro, sendo este um processo controlado e desencadeado pelo tratamento térmico. A segunda etapa é o crescimento cristalino, onde os núcleos, formados durante o processo de nucleação, iniciam o processo de crescimento cristalino. Esse crescimento ocorre à medida que a temperatura é mantida ou elevada de forma controlada, possibilitando que os cristais se desenvolvam e interconectem (Cassar, 2014). O estudo dessas etapas é de suma importância para que a vitrocerâmica seja desenvolvida com propriedades e aplicações desejadas. 23 É crescente o interesse no estudo da cinética de cristalização em materiais vítreos, principalmente devido às aplicações avançadas e à evolução do conhecimento sobre esses materiais. Esses materiais são cada vez mais utilizados em aplicações de alta tecnologia, como dispositivos eletrônicos, biomateriais, dispositivos ópticos e revestimentos espaciais. Vitrocerâmicas demonstram propriedades aprimoradas com relação ao vidro, possuindo maior resistência mecânica, melhor durabilidade, estabilidade térmica e condutividade térmica (Barbosa, 2020). Além disso, o estudo da cinética de cristalização permite o controle mais preciso e a customização dos materiais vítreos. Diante disso, o presente trabalho teve como finalidade a investigação da cinética e cristalização de um vidro, obtido utilizando a areia descartada de indústria de fundição como matéria-prima, para a obtenção de uma vitrocerâmica. 1.2. Problema de Pesquisa A pesquisa aborda a preocupação ambiental decorrente dos resíduos sólidos gerados pela indústria de fundição, especialmente relacionado ao descarte dos moldes de areia. O tema busca abordagens sustentáveis para a gestão desses resíduos, considerando implicações ambientais e econômicas. A ausência de uma solução consolidada, aderida pela indústria, enfatiza a lacuna nas práticas industriais, destacando a relevância crítica desse problema. Ao explorar a cinética de cristalização, compreendendo o processo de transição entre um vidro e uma vitrocerâmica, é possível identificar as condições ideais para a formação de uma vitrocerâmica, promovendo a eficiência da produção desses materiais. Dessa forma, o estudo da cinética de cristalização de um vidro produzido utilizando o resíduo areia descartada de fundição avança o entendimento científico, fornecendo soluções para os desafios ambientais enfrentados pelo descarte de resíduos sólidos. 24 3. OBJETIVOS 3.1. Objetivo Geral Obter um material vitrocerâmico a partir da cristalização controlada de um vidro, utilizando como fonte de quartzo para sua fabricação uma areia descartada. 3.2. Objetivos Específicos • Caracterizar a areia descartada de indústria de fundição quanto a sua composição química utilizando a fluorescência de raios X e o comportamento térmico por meio da curva DSC da análise térmica; • Calcular e preparar a composição para obtenção do vidro utilizando a areia descartada de indústria de fundição, óxido de cálcio, óxido de alumínio e óxido de sódio; • Caracterizar o vidro quanto a sua composição química utilizando a fluorescência de raios X e o comportamento térmico pelas curvas DSC; • Tratar termicamente o vidro na temperatura de cristalização, a fim de obter a vitrocerâmica anortita; • Caracterizar a vitrocerâmica quanto a sua composição química e tratamento térmico, bem como identificar a fase cristalina formada a partir da difratometria de raios X; • Estudar a cinética de cristalização do vidro para a fase vitrocerâmica obtida pelos métodos de Kissinger, Augis-Bennett e Matusita e Sakka. 25 4. REVISÃO DA LITERATURA 4.1. Resíduos Sólidos Indústriais Os resíduos sólidos industriais são assunto de grande preocupação pública e constituem um importante desafio de gestão sustentável, demandando uma administração adequada para mitigar efeitos ao meio ambiente e à saúde humana. A disposição inadequada desses resíduos pode resultar na contaminação do solo, da água e do ar, contendo materiais tóxicos à vida selvagem e à vegetação, com implicações diretas para a saúde pública (Ghisleni, 2020). Além disso, os resíduos sólidos contém materiais que, ao não serem reciclados ou reutilizados, resultam na perda de matérias-primas valiosas e uso excessivo de recursos naturais que podem ser substituídos na fabricação de materiais. Paralelamente, a evolução para uma economia circular tem papel principal em maximizar a eficiência da reutilização. O investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias inovadoras têm potencial para transformar a gestão de resíduos, tornando-a mais eficiente e ecologicamente responsável. A areia descartada de indústria de fundição é um resíduo sólido gerado durante o processo de fundição de metais. Conforme dados levantados pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), estima-se que o índice de consumo de areia para a confecção de moldes e machos pela indústria de fundição é de 800 kg a 1000 kg de areia para cada 1000 kg de peças produzidas (CETESB, 2002). Tendo em vista a grande quantidade de areia utilizada na indústria de fundição, é notável a necessidade de gerir de forma sustentável esse subproduto. De acordo com a ABNT, a areia descartada de indústria de fundição é qualificada em diferentes grupos, sendo eles: não perigosos (CLASSE I) ou não inertes (CLASSE IIA) (ABNT, 2004). Em conformidade com essa classificação, a areia descartada de indústria de fundição não é um rejeito perigoso, porém sua nocividade ao meio ambiente está relacionada ao tipo de metal fundido e ao ligante utilizado no processo. A areia é misturada com um ligante, como a resina fenólica, para o preparo dos moldes que são utilizados para a produção de peças, oferecendo maior precisão em moldes complexos e detalhados, além de conferir maior resistência às peças (CETESB, 2002). A resina fenólica é 26 um polímero termofixo, ou seja, ela endurece irreversivelmente quando submetida a altas temperaturas, tornando-se rígida e durável. A resina fenólica é uma substância química potencialmente perigosa, podendo ter efeitos tóxicos e ser prejudicial ao meio ambiente (Rodrigues, 2021), resultando em impactos negativos, perturbando ciclos naturais e desequilibrando habitats se não gerenciada de maneira adequada. Assim, a gestão adequada e responsável da areia utilizada com resina fenólica é de extrema importância para reduzir esses impactos e preservar a saúde humana e o meio ambiente. 4.1.1. Legislações e Normas no Brasil No Brasil, a Lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), contém ferramentas fundamentais para possibilitar o progresso quanto ao enfrentamento dos principais problemas ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado de resíduos sólidos. Essa lei contempla a prevenção e a redução da geração de resíduos sólidos, com a finalidade de promover práticas de consumo sustentável junto a ferramentas que estimulem o aumento da reciclagem e reutilização dos resíduos sólidos, além da destinação adequada. É introduzida, ainda, a responsabilidade compartilhada entre geradores de resíduos, englobando fabricantes, importadores, distribuidores, varejistas, cidadãos e prestadores de serviços (Ministério do Meio Ambiente, 2022). A ABNT NBR 10004, categoriza os resíduos sólidos com base em seus potenciais riscos ao meio ambiente e à saúde pública, possibilitando um gerenciamento adequado dos resíduos. A classificação dos resíduos é embasada em critérios como origem, periculosidade e características físicas, químicas e biológicas. Além disso, a ABNT estipula procedimentos para o gerenciamento, acondicionamento, coleta, transporte e destinação final dos resíduos sólidos, com o objetivo de preservar a saúde pública e o meio ambiente, incentivando a reciclagem e reutilização de materiais (ABNT, 2004). As principais classes de resíduos seguindo a ABNT NBR 10004 contemplam Resíduos Classe I, considerados perigosos e apresentando inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxidade ou patogenicidade; Resíduos Classe II, podendo apresentar propriedades como 27 biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água; e Resíduos Classe III, que são resíduos que não degradam, não sofrem transformações físicas, químicas ou biológicas que causem danos ao meio ambiente. Essas definições e separações possibilitam o correto gerenciamento dos resíduos (ABNT, 2004). As legislações e normas possuem papel fundamental na proteção do meio ambiente e promoção da sustentabilidade. No entanto, sua implementação e fiscalização enfrentam desafios significativos, resultando em práticas inadequadas de gerenciamento de resíduos e contaminação ambiental. 4.2. Indústrias de Fundição A fundição, uma das primeiras formas de metalurgia praticadas pela sociedade, consiste em um processo que tem como objetivo obter um produto sólido a partir de uma liga metálica no estado líquido, que é vertida em um molde no formato da peça a ser produzida. Os primeiros registros da fundição de metais remontam a cerca de 5000 a. C., quando objetos de cobre eram fundidos em moldes de pedra lascada. Acredita-se que a razão pela qual o cobre foi o primeiro metal a ser intencionalmente fundido pelo homem se deve ao seu baixo ponto de fusão (Chiaverini, 1986; Casotti et al., 2011). Na Idade do Bronze, aproximadamente 3300 a. C., a fundição de metais ganhou maior destaque devido ao avanço das técnicas de fundição. A descoberta da liga de bronze, resultante da combinação de cobre e estanho, trouxe benefícios como maior resistência e durabilidade. Essa descoberta possibilitou a produção de ferramentas, utensílios e armas mais eficientes (Casotti et al., 2011). É relevante observar que, durante a mesma época, diversas civilizações contribuíram para o desenvolvimento da fundição em diferentes regiões. Por volta de 3000 a. C., civilizações antigas como egípcios, gregos, romanos e chineses já praticavam a fundição. Os romanos, por exemplo, desenvolveram técnicas avançadas de fundição utilizando-as em estruturas, produção de moedas, esculturas e armas (Casotti et al., 2011). Entre 1700 e 1100 a. C., durante a dinastia Shang, na China e na Mesopotâmia, eram fabricadas peças artísticas com finas paredes de metal, recipientes para armazenamento de alimentos e vinho, além de armas. A confecção de vasilhas, em especial as de cobre destinadas à nobreza devido ao simbolismo cultural do vinho, reflete um sistema de classes estabelecido 28 na época. A diversidade de formas das vasilhas de metal da China são consideradas verdadeiras obras de arte e evidenciam as técnicas avançadas de fundição desenvolvidas naquela época. É relevante notar que muitas dessas técnicas continuam sendo aplicadas de maneira similar até os dias de hoje, destacando os avanços ocorridos nessa época (Embaixada da República Popular da China no Brasil, 2004). Durante a Idade Média e Renascimento, do século V ao XV, o conhecimento sobre fundição era preservado principalmente entre os artesãos e ferreiros. Esse conhecimento era transmitido oralmente, limitado devido ao domínio das guildas, à prática de guardar segredos profissionais e ao contexto histórico e social, com ênfase em ensino teológico e filosófico nas instituições (Kessler, 1988). No período do Renascimento surgiram novas técnicas que aprimoraram o processo de fundição, desempenhando papel significativo na produção artística e na inovação técnica. O desenvolvimento de técnicas metalúrgicas, o uso de fornos e melhorias em ligas metálicas foram fundamentais nesse período, contribuindo para uma expansão artística com maior complexidade, detalhamento e versatilidade, especialmente com o uso de areia. Artistas renomados, como Donatello, Andrea del Verrocchio e Benvenuto Cellini utilizavam a técnica para criar obras de arte de grande complexidade e realismo, muitas vezes produzindo esculturas renascentistas em metais, como o bronze, que permitia detalhes finos e maior expressividade (Byington, 2009; Benutti, 2017). A revolução industrial, do século XVIII ao XIX, marcou um grande avanço na indústria de fundição. As máquinas a vapor e o desenvolvimento de processos indústriais mais eficientes possibilitaram a produção em larga escala de peças fundidas. Com isso houve a expansão das indústrias siderúrgicas, fornecendo metais fundidos para diversas aplicações indústriais (Dathein, 2003). No decorrer do século XVIII, muitas casas de fundição foram criadas no Brasil. Dentre os estados contemplados destacam-se Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Bahia. A fundição do ferro começou a ser feita no século XVII, sendo construídos alguns altos fornos ao final do domínio da Coroa Portuguesa. O desempenho das fundições foi fomentado devido à demanda por ferrovias e portos, estando intimamente relacionada com o transporte de materiais (Casotti et al., 2011). 29 Atualmente são consideradas algumas divisões dentro da indústria de fundição, sendo elas a composição da liga do fundido e o tipo de processo de fundição utilizado. Essas divisões estão intimamente relacionadas às propriedades mecânicas da peça final (Casotti et al., 2011). A composição das ligas determina as características físicas e químicas das peças a serem produzidas, influenciando sua resistência, dureza, durabilidade e resistência à corrosão. Cada tipo de componente metálico é utilizado em determinada área e a sua aplicação deve ser considerada. Devido a esse impacto cada material é previamente selecionado, sendo determinado o metal que melhor desempenha as necessidades, juntamente ao tipo de deposição durante o processo e o tipo de molde utilizado, seguindo de acordo com a aplicação da peça. Dentre as ligas, os fundidos podem ser considerados como ferrosos ou não ferrosos, conforme a Tabela 1. A subdivisão dos tipos de fundidos ferrosos está relacionada a sua composição química (Casotti et al., 2011). Tabela 1 - Tipos de Fundidos. Ferrosos Não ferrosos Ferro fundido branco Alumínio Ferro fundido mesclado Outros Ferro fundido cinzento Ferro fundido nodular Ferro fundido vermicular Ferro fundido maleável Aço Fonte: (Casotti et al., 2011), adaptado pelo autor. A qualidade da peça está intrinsecamente ligada ao processo de fundição, desempenhando um papel primordial na definição do grau dimensional, no acabamento e nas propriedades mecânicas da peça. A resistência mecânica da peça é influenciada pela taxa de dissipação de calor através do molde, que por sua vez determina o tamanho final do grão. Garantir a qualidade do molde é essencial para que peças fundidas sejam produzidas com alto desempenho e precisão, sendo a escolha do molde e da técnicas fatores críticos nesse processo (Casotti et al., 2011; Moro, 2007). Nesse contexto, o material molde é a peça-chave para o sucesso do processo. Por essa 30 razão, os processos de fundição costumam ser categorizados de acordo com o tipo de molde utilizado. Alguns métodos para fabricação de peças fundidas utilizados no mundo são indicados na Tabela 2. Tabela 2 - Tipos de Moldes e Processos. Moldes não-metálicos Moldes metálicos Areia verde Por gravidade Cura Frio Por pressão Shell Cera Fonte: (Casotti et al., 2011), adaptado pelo autor. O processo de fundição envolve a fusão de um metal até o estado líquido e sua subsequente inserção no molde. Posteriormente, ao se solidificar, a peça assume o formato desejado (Fagundes et al., 2009). Por isso, é de extrema importância a etapa da moldagem, que consiste na fabricação do molde conforme o desenho da peça em um determinado material. Além disso, a escolha do molde depende de fatores incluindo o tipo de metal a ser produzido, volume de produção, complexidade da peça, tolerâncias dimensionais e custo do processo. Cada tipo de molde possui suas vantagens e limitações, sendo a seleção adequada o que garante a qualidade da peça. A Modern Casting realiza o levantamento dos dados referentes ao ranking mundial dos países produtores de fundidos, sendo o último levantamento publicado pela ABIFA realizado em 2020 (ABIFA, 2020). Vale salientar que o levantamento dos dados em 2020 apresentou queda devido aos impactos da pandemia da covid-19, com exceção da China. Os dados comparativos entre 2018 e 2020 podem ser observados na Tabela 3. Os dados apontam que a China é a principal produtora de peças fundidas, com um total de 51,95 milhões de toneladas em 2020. Ao somarmos os valores dos 9 países seguintes temos um total de 41,67 milhões de toneladas, ou seja, a China produz um valor em toneladas superior à soma dos outros 9 principais países produtores de fundidos no mundo. O Brasil ocupa a 9º posição em relação a 2020, com a produção de 2,07 milhões de toneladas, enquanto em 2018 teve a produção de 2,28 milhões de toneladas. Essa queda foi em decorrência da pandemia da covid-19. 31 Tabela 3 - Top 10 países no Ranking Mundial de Produção de Fundidos nos anos de 2018 e 2020 em milhões de toneladas (MT). Países 2018 2020 Rank MT Rank MT China 1º 49,4 1º 51,95 Índia 2º 13,4 2º 11,31 Estados Unidos 3º 10,8 3º 9,75 Japão 4º 5,6 6º 3,45 Alemanha 5º 5,4 5º 3,48 Rússia 6º 4,2 4º 4,20 México 7º 2,9 7º 2,86 Coréia 8º 2,5 8º 2,38 Brasil 9º 2,28 10º 2,07 Itália 10º 2,26 - - Turquia - - 9º 2,17 Fonte: (Revista Fundição & Matérias-Primas, 2022) 4.2.1. Indústrias de Fundição no Brasil No Brasil, a primeira casa de fundição surgiu em São Paulo por volta de 1580, cujo objetivo era fundir e cunhar ouro proveniente de regiões mineradoras (Casotti et al., 2011). Essa casa de fundição operou por um período significativo e era responsável por receber ouro bruto de mineradores, fundi-lo em barras e cunhar as moedas de acordo com os padrões estabelecidos pela Coroa Portuguesa (Boxer, 2000). As casas de fundição foram uma medida implementada pela Coroa Portuguesa, cujo intuito era controlar e taxar a produção de ouro. Dessa forma, o ouro era extraído pelos colonos e levado às casas de fundição, onde era derretido, transformado em barras padronizadas conhecidas como “lingotes”. Parte dessas barras era destinada à Coroa Portuguesa como imposto. Eram utilizados moldes de areia para a produção dos lingotes de ouro, onde a areia era compactada criando uma cavidade da forma desejada para o metal ser vertido. Após o resfriamento do metal a areia era quebrada e o lingote retirado (Barcelos, 2019). No século XVIII, com o ciclo do açúcar, a atividade de fundição no Brasil expandiu-se para além do ouro, surgindo fundições voltadas para a produção de peças de ferro e bronze 32 destinadas à indústria açucareira, como caldeiras, engenhos e peças para reparos e manutenção das plantações. Com o processo de industrialização e a chegada da corte portuguesa ao Brasil, a indústria de fundição ganhou impulso no século XIX. As fundições foram estabelecidas em regiões do país como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Essas novas casas de fundição passaram a produzir peças para a indústria em geral, como maquinários agrícolas, locomotivas, peças de veículos e utensílios diversos (Albuquerque, 1987; Glaber, 2015). Ao longo do tempo novos equipamentos e processos foram sendo utilizados e, com isso, houve a modernização das técnicas de fundição. Os moldes adotados eram metálicos e permanentes, permitindo maior precisão e repetibilidade na produção das peças. Entretanto, esse tipo de molde apenas suporta metais com ponto de fundição mais baixo do que o do metal do próprio molde. Atualmente, a indústria de fundição no Brasil é diversificada e atende uma ampla gama de setores industriais, ocupando o 10º lugar no ranking mundial de produção de fundidos, segundo a ABIFA (Evangelista, 2020; Revista Fundição & Matérias-Primas, 2022). Devido ao baixo custo, os moldes são feitos de areia, que é depositada dentro de uma caixa metálica e moldada no formato da peça a ser fabricada. Com o tempo esse metal é resfriado, a areia é desmanchada e pode ser reutilizada algumas vezes, dependendo do tipo de metal trabalhado. Essa fundição oferece flexibilidade, uma vez que podem ser facilmente moldados, baixo custo quando comparado a outras técnicas de fundição, rapidez pelo preparo em um curto período de tempo, altas temperaturas sem a perda de suas propriedades (Casotti et al., 2011; Mascarenhas Filho, 2016). No Brasil, a indústria de fundição é organizada de acordo com diferentes tipos de metais e ligas fundidas. Existem fundições que são especializadas na produção de materiais específicos, que são divididas conforme a composição do metal a ser fundido, como ferro fundido, aço, alumínio, cobre, bronze, entre outros. A divisão também pode ocorrer em consonância com o tipo de processo de fundição utilizado. Algumas das principais divisões seguindo as categorias de metais são fundições de ferro fundido, dedicadas às produções de peças de ferro, fundições de aço, produzindo peças fundidas em aço carbono, aço inoxidável e outras ligas de aço, fundições de alumínio, especializadas em peças de alumínio e ligas de alumínio, e fundições em cobre e suas ligas, produzindo peças de cobre puro ou ligas de cobre, como bronze e latão (ABIFA, 2023). 33 4.2.2. Etapas do Processo de Fundição O processo de fundição de metais corresponde à uma das técnicas mais antigas e essenciais para a fabricação de peças metálicas, envolvendo a fusão do metal e o despejo do líquido em um molde para sua solidificação. Mesmo diante do grande número de variações nos processos de fundição, é possível resumir a obtenção dos diferentes tipos de peças nas operações descritas na Tabela 4. Tabela 4 - Etapas do Processo de Fundição. Etapa Descrição Confecção do modelo/modelação Criação de um modelo no formato da peça a ser fundida. Materiais: madeira, metal, plástico, gesso etc. *É necessário prever a contração do metal à medida que ele se solidifica. Confecção do molde/moldagem Dispositivo onde o metal fundido é vertido para atingir a peça. *O material refratário deve resistir à alta temperatura do metal líquido. Confecção do macho/macharia Dispositivo com a finalidade de formar os vazios, furos e reentrâncias da peça. Fusão Aquecimento do metal para fundi-lo. *Processo que possibilita o vertimento do metal no molde. Vazamento/vertimento Processo de preenchimento do molde utilizando metal no estado líquido. Desmoldagem Consiste na remoção do molde e do macho após a solidificação do metal. Rebarbação e limpeza Consiste na retirada dos canais de alimentação, massalotes e rebarbas que se formaram durante a fundição, bem como incrustações do molde na peça fundida. Controle de qualidade Verificação da conformidade da peça (ausência de defeitos). Fonte: (Moro, 2007), adaptado pelo autor. 34 É possível observar a descrição de cada processo, a fim de conciliar as etapas e compreender melhor as características da areia descartada de indústria de fundição. Moldes destinados à fundição podem ser feitos de vários materiais, entretanto enfatizamos neste trabalho o molde em areia verde. Devido a sua acessibilidade, baixo custo e relativa facilidade no processo de fabricação de moldes e desmoldagem de peças metálicas, este material é extensivamente empregado. Alguns materiais ligantes são utilizados no processo de confecção dos moldes de areia. No caso do presente trabalho, a areia é misturada a resina fenólica, que é um material ligante que pode ser acoplado a essa areia a fim de conferir maior resistência aos moldes e melhor acabamento das peças (Scheunemann, 2004). 4.2.3. Areia Descartada de Indústria de Fundição A Areia Descartada de Indústria de Fundição (ADF) é um resíduo sólido gerado no processo de fundição de metais. Sua composição contém quartzo, proveniente da areia, sendo obtida na natureza por meio da extração de rochas, mas também pode incluir outros materiais, como agentes ligantes e resquícios do metal vertido (Magalhães, 2023). Devido ao seu baixo custo, bem como excelentes propriedades relacionadas à fabricação dos moldes, a areia extraída naturalmente é amplamente utilizada no Brasil e nas indústrias de fundição pelo mundo. Essa areia pode conter bentonita e pó de carvão, sendo chamada areia verde, ou resinas, sendo chamada areia resinada (Leme, 2019; Andrade et al., 2018). A fundição gera uma quantidade considerável de areia a cada ciclo do processo de fundição. Essa areia pode ser reutilizada algumas vezes até que seus grãos sofram deformações e alterações estruturais com o aquecimento e pressão, precisando então ser descartada (Silva, 2010). Os passos seguidos para a fundição de diferentes metais em molde de areia são descritos na Figura 1. Apesar de ser considerado um resíduo não perigoso e não inerte, estudos apontam que a interação da areia descartada de indústria de fundição com microorganismos presentes no solo pode apresentar toxicidade para bactérias fotossintéticas, que são responsáveis pela produção de oxigênio e contribuem para a fertilidade do solo. Além disso, a presença da resina fenólica, como é o caso da areia utilizada no presente trabalho, pode apresentar toxicidade ao ser humano e ao meio ambiente. Em termos de composição, as areias resinadas contêm cerca de 1 a 3% de um ligante químico. É possível que sejam utilizados diferentes tipos de produtos químicos que 35 atuam como ligantes, tal como a resina fenólica (Bastian, 1998; Siddique e Singh, 2011). Figura 1 - Ilustração da etapa de vazamento do metal em molde de areia, preenchendo completamente a cavidade correspondente a peça. Fonte: (Oliveira, 2014), adaptado pelo autor. Resinas fenólicas resultam de reações químicas de condensação entre um fenol, ou um derivado de fenol, e um aldeído, especialmente o formaldeído. As resinas fenólicas podem ser acopladas a areia a fim de melhor fixação e detalhamento do molde, fornecendo um melhor acabamento à peça metálica. Entretanto, o formaldeído é um produto químico perigoso, causando irritação nos olhos, no trato respiratório superior e na pele, podendo ser significativa a gravidade dos sintomas dependendo de sua concentração (Rodrigues, 2018; Gardziella, 2000). De acordo com a Environmental Protection Agency, USA (EPA), o formaldeído é classificado como potencialmente cancerígeno humano, conforme Guidelines for Carcinogen Risk Assessment (Diretrizes para Avaliação de Risco Cancerígeno). Apesar de não existirem pesquisas que provem isto, é necessário um controle rigoroso à sua exposição (Environmental Protection Agency, 2011). Dados divulgados pela ABIFA (2020) apontam que o Brasil produziu 2,07 milhões de toneladas de peças fundidas, o que gera em torno de 1,46 à 2,07 milhões de toneladas de areia descartada, segundo informações fornecidas pela CETESB (2002). Esse descarte deve ocorrer em aterros licenciados, gerando um alto custo que a indústria repassa ao consumidor, o que tem como resultado práticas não regulamentadas de descarte, trazendo implicações ainda mais 36 negativas. Mesmo diante de políticas que englobam o descarte adequado deste resíduo, a quantidade acaba por exigir aterros de tamanho considerável, que de uma forma ou outra interferem no meio ambiente. Conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/10, é prevista a redução na geração de resíduos sólidos, aumentando a reciclagem e reutilização, além da destinação ambiental adequada. Minimizar a produção de resíduos e adotar a prática da reciclagem e reutilização são ações fundamentais e altamente essenciais. É fundamental realizar uma análise de alternativas para o descarte da areia de indústria de fundição, a fim de minimizar o impacto ambiental resultante do resíduo. Ao ser abordada a transformação do resíduo em matéria-prima, é disponibilizada uma solução sustentável às indústrias de fundição. 4.3. Vidros e Vitrocerâmicas 4.3.1 Vidros Vidros naturais existem desde a formação da crosta terrestre, podendo ser gerados pela fusão de determinados tipos de rochas em temperaturas elevadas, resultado principalmente do resfriamento do magma expelido por vulcões. Durante a pré-história, o vidro era utilizado em sua forma natural para produção de utensílios pelo homem. Assim, podemos afirmar que o vidro tem desempenhado um papel importante na história da civilização desde seus primórdios (Setz e Silva, 2019). Acredita-se que a invenção da produção e do processamento do vidro tenha ocorrido ao acaso, provavelmente associado ao uso de fogueiras que continham areia e minerais alcalinos. Dessa forma, a partir da percepção da existência do material, bem como com a evolução da compreensão sobre vidros, foram sendo adaptadas e testadas formas de fabricação e melhoramento de vidros, bem como de sua definição, até os dias atuais (Setz e Silva, 2019). Portanto, historicamente, várias foram as conceituações acerca do que é o vidro. A progressão do conhecimento científico resultou em múltiplas interpretações, sendo a definição de estado vítreo mais difundida na literatura atualmente proposta por Zanotto e Mauro (2017). As principais definições do que é o vidro estão na Tabela 5. 37 Tabela 5 - Definição de vidro ao longo dos anos. Autor Ano Definição Zachariassen 1932 O arranjo atômico em vidros é caracterizado por uma rede tridimensional estendida, a qual apresentava ausência de simetria e periodicidade. As forças interatômicas são comparáveis àquelas do cristal correspondente. *As forças interatômicas são comparáveis àquelas do cristal correspondente. Gupta 1995 Vidro é um sólido que tem a estrutura de um líquido, um sólido “não-cristalino” ou simplesmente um sólido amorfo, considerando a característica de amorfo como uma descrição da desordem atômica, evidenciada pela técnica de difração de raios-X. Zanotto e Mauro 2017 O vidro é um estado de matéria condensado não cristalino e sem equilíbrio que exibe uma transição vítrea. A estrutura dos vidros é semelhante à dos seus líquidos super-resfriados (SCL), e eles relaxam espontaneamente em direção ao estado SCL. O seu destino final, no limite do tempo infinito, é cristalizar. Fonte: Elaborado pelo autor com base em Alves et al., 2001; Souza, 2015. A definição de vidro é um processo contínuo e adaptativo, sendo alinhada com os desenvolvimentos atuais e futuros na área de materiais e ciência do vidro. Esses avanços são particularmente relevantes devido à versatilidade do vidro como material. Além disso, há um crescente interesse em práticas sustentáveis quanto à fabricação de vidros, além da busca por métodos mais eficientes e matérias-primas que seguem a busca pela sustentabilidade. O vidro é comumente fabricado através do método de fusão e resfriamento, no qual ocorre a fusão de uma mistura de diversos materiais, incluindo areia e outros reagentes, seguida de um rápido resfriamento, possibilitando que a estrutura atômica se assemelhe à de um estado líquido. No entanto, à medida que o processo de resfriamento avança, o arranjo estrutural interno do material fundido pode seguir percursos distintos, de acordo com a taxa de resfriamento empregada (Alves et al., 2001). É possível fabricar o vidro utilizando apenas o quartzo, entretanto a temperatura de fusão é em torno de 1725 ºC, o que não é energeticamente viável devido ao alto custo gerado para produção, sendo este repassado ao consumidor, portanto, elevando o preço do produto final. Assim, a junção de outros elementos é uma prática que visa atender requisitos específicos de propriedades e aplicações. As características variáveis de acordo com a composição do vidro incluem transparência e resistência mecânica, além do ponto de fusão que é dependente dos componentes utilizados e seus respectivos teores. Atualmente, a temperatura para a fabricação de um vidro pode ser diminuída 38 dependendo da composição, do fundente utilizado e da quantidade desse fundente. Com o desenvolvimento da inteligência artificial, modelos algorítmicos e sua aplicação em larga escala, é possível afirmar que as composições e temperaturas de fabricação de vidros e vitrocerâmicas serão pré-calculadas estimando os melhores custos, benefícios e desempenhos para a aplicação desejada (Ravinder, 2021). 4.3.1.1 Diferenças entre vidro e sólido amorfo Recorrentemente, as definições de vidro compreendem e restringem as classificações do vidro como substância inorgânica e sólido amorfo. Em 1995, Gupta utilizou o conceito de formação do vidro proposto por Zachariassen, a fim de esclarecer as diferenças entre o conceito de vidro e sólido amorfo. Conforme publicado por Gupta (1995) em seu artigo (Sólidos Não-Cristalinos: Vidros e Sólidos Amorfos), no que diz respeito a termodinâmica, um sólido não-cristalino pode ser classificado em duas classes distintas: vidros e sólidos amorfos. A definição de sólidos não cristalinos engloba todos os materiais que apresentam uma rede tridimensional aleatória a longa distância, ou seja, não há simetria ou regularidade translacional. Sob a perspectiva termodinâmica, um sólido não cristalino é classificado como vidro quando apresenta a transição vítrea. Em contrapartida, sólidos amorfos são sólidos não cristalinos que não exibem a transição vítrea (Gupta, 1995; Alvez et al., 2001; Fokin et al., 2006). 4.3.1.2 Transição Vítrea O fenômeno de transição vítrea, Tg, é caracterizado como um evento térmico que ocorre quando um material vítreo é submetido às variações de temperatura dentro de uma faixa específica. Nessa fase, o vidro sofre uma transição de um estado sólido rígido para um estado mais flexível e viscoso. Embora os átomos e moléculas do vidro não adotem uma estrutura cristalina ordenada, eles sofrem uma mudança nas propriedades físicas de acordo com a alteração da temperatura. A Tg pode ocorrer gradualmente e em diferentes temperaturas, tendo relação com a história térmica do material, taxas de aquecimento e resfriamento, além da composição química (Alves, 2001; Cassar, 2014). 39 4.3.1.3 Fusão do Vidro (Melting-Quenching) Tradicionalmente, os vidros são obtidos pelo método Melting-Quenching (fusão- resfriamento). Esse método se dá a partir do aquecimento de materiais precursores capazes de formar o vidro. Após a fusão dos materiais é feito um rápido resfriamento (choque térmico) para que o vidro atinja a temperatura necessária para sua solidificação sem que haja a cristalização de sua estrutura (Yadav, 2015). É correto afirmar que os vidros possuem uma temperatura de fusão, Tf, a qual está intrinsecamente ligada à composição química dos materiais precursores. Quando o material se encontra acima da temperatura de fusão, ele está num estado líquido, enquanto abaixo dessa temperatura ele se encontra em um estado sólido (Alves et al., 2001). Ao ser alterada a temperatura de um material ocorre a variação de seu volume, conforme Figura 2. A variável da temperatura está no eixo da abscissa e a variável do volume está no eixo das ordenadas. Podemos observar a presença de duas temperaturas características, sendo elas a temperatura de transição vítrea (Tg) e a temperatura de fusão (Tf). Figura 2 - Ilustração esquemática do processo de formação de vidros por meio da análise da entalpia, delineando a transição entre os estados vítreo e cristalino durante o processo de resfriamento de um dado líquido. Fonte: (Zanotto e Mauro, 2017), adaptado pelo autor. 40 Quando aquecido acima da temperatura de fusão, o material se transforma em um líquido desordenado com mobilidade atômica, com movimentos translacionais, rotacionais e vibracionais. À medida que o material é resfriado, a mobilidade diminui, atingindo a temperatura de transição vítrea, onde a estrutura se torna mais rígida. As fases líquida e cristalina coexistem até a temperatura de fusão e a formação do vidro mediante o resfriamento rápido, evidenciando as transições de fase e a influência da taxa de resfriamento na estrutura final do material. Com a busca pelo menor estado de energia e a formação de estruturas cristalinas, ocorrem as relaxações estruturais nos estados vítreo e líquido super-resfriado. 4.3.1.4 Temperatura de Fusão pelo Método de Chengyu e Tao Ying (1983) A temperatura de fusão do vidro pode ser empregada como uma maneira de estimar a energia de ativação Ea mínima necessária no processo de cristalização. É possível calcular a temperatura de fusão para a fabricação de um vidro a partir da Equação 1, proposta por Chengyu e Tao Ying (1983). 𝑇𝑓 = 1400 + 𝐶1 𝑃1 + 𝐶2 𝑃2 + ⋯ + 𝐶𝑛 𝑃𝑛, (1) A temperatura de fusão é denominada Tf, Cn (C = 1, 2, ..., n) são as constantes associadas dos componentes da mistura e Pn são as frações, em porcentagem (%), dos óxidos. Essa equação é específica para vidros silicatos, não sendo aplicada a todos os sistemas de vidros, sendo, dessa forma, importante considerar suas limitações. Para aplicação deste método são utilizados valores tabelados para diferentes óxidos, conforme Tabela 6. Tabela 6 - Constantes numéricas para diferentes óxidos, em porcentagem, para vidros silicatos. Os valores são aplicáveis à equação para cálculo da temperatura de fusão, através do método proposto por Chengyu e Tao Ying (1983). Óxidos Constantes numéricas SiO2 3,6 (>75%) 3,6 (70-75%) 4,4 (60-70%) 5,1 (50-60%) 5.5 (40-50%) 5.9 (30-40%) Al2O3 3.0 (>20%) 4.5 (15-20%) 5.5 (10-15%) 6.0 (5-10%) 6.5 (<5%) 41 CaO -5 --------------- --------------- Na2O -10.0 (>15%) -11.0 (<15%) --------------- K2O -9.0 (>15%) -10.0 (5-15%) --------------- B2O3 -5.0 (>15%) -6.0 (15-10%) -7.0 (<10%) MgO -3 --------------- --------------- PbO -3.5 (>60%) -4.0 (15-60%) -3.5 (<15%) BaO -3.0 (>15%) -3.9 (10-15%) -4.5 (<10%) ZnO -5.0 (>5%) -3.5 (<5%) --------------- SrO -5.0 --------------- --------------- Li2O -12 --------------- --------------- Fonte: (Chengyu, 1983), adaptado pelo autor. 4.3.1.5 Correlação entre transição vítrea e taxa de resfriamento A taxa de resfriamento (β) é a velocidade com que um material é resfriado, ou seja, é a rapidez com que sua temperatura diminui. Nesse processo, a taxa de resfriamento é evidenciada em termos de variação de temperatura por unidade de tempo. Essa taxa de resfriamento está intrinsecamente relacionada à temperatura de transição vítrea, uma vez que a Tg não é determinada por um valor fixo, mas sim por uma faixa onde ocorrem mudanças cinéticas. Conforme a taxa de resfriamento é alterada, a temperatura de transição vítrea é deslocada. Quanto maior a taxa de resfriamento, isto é, quanto mais rápido o resfriamento, o valor da Tg é deslocado para temperaturas mais altas, enquanto um resfriamento mais lento desloca o valor da Tg para temperaturas mais baixas, conforme Figura 3. O eixo da abscissa contém a variável da temperatura e no eixo das ordenadas a variável do volume. Com isso, é observada a taxa de resfriamento (β), a temperatura de fusão (Tf) e a faixa de temperaturas correspondente à temperatura de transição vítrea, neste caso dada por [Tg], englobando 𝑇𝑔1 , 𝑇𝑔2 e 𝑇𝑔3 . Por essa razão, é mais apropriado substituir a temperatura de transição vítrea por um intervalo referente a transição vítrea, onde os limites inferior e superior são delimitados pelas faixas de resfriamento mais baixa e mais alta. 42 Figura 3 - Representação esquemática da influência das taxas de resfriamento (𝜷𝟏>𝜷𝟐>𝜷𝟑) na transição vítrea. Fonte: (Araújo, 1997), adaptado pelo autor. 4.3.1.6 Relaxação vítrea e viscosidade Os vidros não estão em equilíbrio termodinâmico, sendo a relaxação o processo pelo qual buscam uma situação de equilíbrio. A relaxação vítrea é um fenômeno observado em materiais e está vinculada à capacidade de mobilidade das moléculas ou átomos no material. Esse fenômeno está ligado à transição vítrea, que é o processo pelo qual um material passa de um estado sólido rígido para um estado mais maleável quando aquecido. A progressão da relaxação vítrea acontece de maneira gradual, podendo ocorrer ao longo de uma faixa de temperaturas, sendo acompanhada por uma série de mudanças nas propriedades do material. Durante o processo de relaxação vítrea, à medida que a temperatura do material varia, suas propriedades e viscosidade (η) sofrem alterações. O comportamento da viscosidade em função da temperatura, em escala logarítmica, é mostrado na Figura 4. De forma geral, é apresentado o comportamento de um vidro sodo-cálcico com temperaturas características que se correlacionam com determinados níveis de viscosidade. 43 Figura 4 - Representação da curva característica da variação da viscosidade com relação a temperatura. Fonte: (Akerman, 2000), adaptado pelo autor. Conforme os átomos e moléculas atingem maior mobilidade, a viscosidade do material diminui, o que proporciona menor rigidez. A viscosidade de um vidro depende, também, da composição do material. Ao realizar a conformação do vidro, a viscosidade é uma característica significativa a ser considerada, sendo o parâmetro que determina o comportamento dos vidros dentro de uma faixa de temperatura, tornando possível o conhecimento acerca das temperaturas de fusão, recozimento e pontos de amolecimento e de trabalho (Navarro, 2003). A curva da viscosidade é característica de materiais vítreos, sendo a Figura 4 elaborada tendo como base a curva característica do vidro sodo-cálcico confeccionada por Akerman (2000). É possível observar que à medida que a temperatura diminui, a viscosidade se eleva, conduzindo o congelamento do líquido e resultando em sua solidificação. Acima da temperatura 1050 ºC, sendo a região de fusão, o vidro se encontra em estado líquido, possuindo como característica elevada fluidez. No ponto conhecido como ponto de gota, industrialmente é utilizada uma quantidade necessária do material aquecido, em forma de gota, que é moldado e resfriado até chegar no formato desejado. Conforme a temperatura diminui, tendo como referência 900 ºC, têm-se a temperatura de trabalho. Essa região é definida como conformação, na qual o vidro apresenta viscosidade adequada para ser moldado. 3,0 4,0 7,6 13,5 14,5 400 600 900 1050 (ºC) Ponto de transformação Ponto de amolecimento Ponto de trabalho Ponto de gota 44 No decorrer do processo de conformação, o vidro vai sendo resfriado e, consequentemente, se torna mais viscoso. Ao atingir a forma desejada, o vidro precisa estar suficientemente viscoso para que não se deforme. Entretanto, ao se tornar demasiadamente viscoso no decorrer do processo de conformação, pode não atingir o formato necessário. Dessa forma, é de suma importância o controle e conhecimento sobre o material que está sendo trabalhado (Akerman, 2013). O vidro encontra-se rígido em temperaturas inferiores ao ponto de amolecimento, não sendo possível conformá-lo. Para valores de viscosidade no ponto de transformação, é possível que tensões residuais adquiridas no processo de resfriamento sejam eliminadas. O recozimento é o processo aplicado aos vidros cuja finalidade é eliminar as tensões residuais (Akerman, 2000). Devido ao deslocamento da viscosidade de acordo com a temperatura e com a composição química, a Figura 4 foi elaborada de modo geral, abordando características típicas do processo de fabricação de vidros. 4.3.1.7 Regiões de temperaturas características de vidros Vidros apresentam regiões de temperaturas características, desempenhando papel crucial no entendimento desse material. À medida que o vidro é submetido a mudanças de temperatura, são desencadeadas transições físicas que repercutem em suas propriedades. A Figura 5 ilustra essas temperaturas. A região mais estável do vidro, que é o estado sólido, está localizada antes da temperatura de transição vítrea (Tg). É destacado também que a região adequada para tratamento térmico inicia na temperatura de transição vítrea e termina entre a temperatura de amolecimento (Tamol) e a temperatura do início de cristalização (T0). A partir do início da temperatura de amolecimento tem a região de amolecimento, que o vidro amolece e se deforma, podendo ser manuseado, mas sem que essa deformação seja permanente. Entre a temperatura do início de cristalização e da temperatura de fusão (Tf), podemos observar a região correspondente a cristalização, ou devitrificação. Nessa região podem ocorrer os processos de nucleação e crescimento de cristais de forma simultânea. Na faixa de temperatura que vai do início da temperatura de cristalização até a temperatura de fusão 45 temos, ainda, a temperatura de cristalização (Tc), sendo essa a temperatura máxima de cristalização durante o processo de tratamento térmico. Figura 5 - Identificação e delimitação das diferentes regiões térmicas correspondentes a temperaturas características específicas no contexto dos vidros. Fonte: (Costa, 2010), adaptado pelo autor. 4.3.1.8 Principais constituintes dos vidros Grande parte das matérias-primas utilizadas para o processo de vitrificação consiste principalmente em sólidos granulados, cujos grãos têm tipicamente o tamanho variando entre 0,1 e 2 mm. O controle minucioso da granulometria é de suma importância para proporcionar a distribuição homogênea dos componentes, evitando aglomerações e mantendo a constância na composição do vidro (Matsinhe, 2012). Fisicamente, quanto menor a partícula, maior a superfície de contato. Entretanto, caso a partícula seja muito pequena, inferior a 0,1 mm, existe a possibilidade de grande perda do pó durante a manipulação, além de ser arrastada pelos gases da combustão, o que é indesejável nas emissões atmosféricas (Akerman, 2000). 46 Diferentes tipos de componentes têm papéis específicos no desenvolvimento das características do vidro resultante. Além disso, a interação entre esses componentes e suas concentrações afetam diretamente as propriedades do vidro, como temperatura de fusão, viscosidade, resistência mecânica, transparência, entre outras características. A maioria dos vidros tradicionais, como pratos, copos, e outros, são compostos de materiais inorgânicos. O óxido de silício, por exemplo, é um vitrificante, sendo responsável pelo suporte vítreo. Apesar de existir uma quantidade quase ilimitada de vidros formados a partir de outros vitrificantes, no presente trabalho é apresentado um vidro inorgânico, cuja matéria-prima principal é o óxido de silício. A Tabela 7 fornece a definição de cada mecanismo de ação, englobando os componentes responsáveis por ele. Vale ressaltar que os primeiros componentes mencionados são utilizados neste trabalho, sendo eles óxido de silício (SiO2), óxido de sódio (Na2O), óxido de cálcio (CaO) e óxido de alumínio (Al2O3), bem como a presença do óxido de ferro (Fe2O3), que é um contaminante presente na areia descartada de fundição, e interferiu em uma característica das amostras do presente trabalho. Tabela 7 - Principais constituintes dos vidros. Mecanismo de ação Componentes Definição Vitrificantes SiO2, B2O3, P2O5 Matérias-primas responsáveis pelo suporte vítreo. Fundentes Na2O, CaO, K2O, PbO, B2O3, Li2O Matérias-primas que contribuiem com a diminuição da temperatura de fusão. Estabilizantes Al2O3, PbO e ZnO Matérias-primas cuja finalidade é melhorar a estabilidade química. Componentes Secundários Fe2O3, CoO, NiO, Cr2O3, CuO, V2O5, CeO2 Matérias-primas que intervêm com funções muito específicas, como coloração. Fonte: Elaborado pelo autor com base em Matsinhe, 2012. 47 4.3.1.9 Tipos de vidros Vidros são materiais versáteis que podem ser adaptados para diversas finalidades. Com a progressão do conhecimento científico, foi possível compreender que vidros podem não apenas ser fabricados a partir de compostos inorgânicos. A Tabela 8 apresenta alguns componentes utilizados na produção de vidros, orgânicos, metálicos e inorgânicos (Alves, 2001). Tabela 8 - Constituintes dos vidros orgânicos, vidros metálicos e vidros inorgânicos. Tipo de vidro Componente Orgânicos Compostos orgânicos simples o-terfenil, tolueno, 3-metil-hexano, 2,3- dimetil cetona, etilenoglicol, álcool metílico, álcool etílico, glicerol, éter etílico, glicose Compostos orgânicos poliméricos Poliestireno (-CH2 -)n, Cloreto de Polivinil, Polietileno Orgânicos Mistos Silicone Metálicos Ligas metálicas Au4Si, Pd4Si Ligas metal-metalóides Pd-Si, Fe-B, Fe-Ni-P-B Ligas metal-metal Ni-Nb, Cu-Zn Inorgânicos Óxidos B2O3, SiO2, GeO2, Al2O3, P2O5, As2O3, Sb2O3, TeO2, SeO2, MoO3, WO3, Bi2O3, Ga2O3 e V2O5 Fonte: Elaborado pelo autor com base em Alves, 2001; Nascimento, 2000. 4.3.1.10 Formação e estrutura dos vidros silicatos 48 Tradicionalmente, vidros são formados a partir do método de fusão-resfriamento. Neste método, a fusão dos materiais é feita em alta temperatura, seguida de um rápido resfriamento. A fim de explicar efetivamente a formação de vidros, teorias estruturais surgiram juntamente a “critérios de vitrificação”. Neste trabalho serão abordadas as principais teorias relacionadas ao tema de estudo. 4.3.1.10.1 Critério de Goldschmidt A teoria apresentada por Goldschmidt em 1926 descreve a formação de vidros cuja base é composta por óxidos. De acordo com Goldschmidt, o parâmetro para a vitrificação de óxidos simples, cuja fórmula é AmOn, tem relação com a organização estrutural do átomo. Essa razão estrutural, por sua vez, engloba as limitações geométricas, que influenciam uma configuração espacial específica e, conforme este critério, é condicionada pela razão entre o raio do cátion O (rc) e o raio do ânion A (ro) (Ghussn, 2005). Para óxidos formadores de vidros, a razão 𝑟𝑐 𝑟𝑜 deve estar entre 0,2 e 0,4 Angstrom (Å), intervalo este correspondente às coordenações triangulares e tetraédricas que um formador de rede vítrea pode possuir. Determinando o número máximo de ânions que podem circundar um cátion, Goldschmidt concluiu que a formação de um vidro está condicionada à presença de uma configuração tetraédrica. Com o auxílio das Tabelas 9 e 10 é possível observar que a razão 𝑟𝑐 𝑟𝑜 de SiO4 tem o valor de 0,29, estando dentro da faixa de configuração tetraédrica, ou seja, esta unidade possui o pré- requisito para formar uma rede vítrea (Goldschmidt, 1926). Tabela 9 - Relação entre número de coordenação, raios iônicos rc/r0 e poliedro de coordenação. Número de coordenação rc/r0 Poliedro de coordenação 2 0 – 0.155 Linha 3 0.155 – 0.225 Triângulo 4 0.225 – 0.414 Tetraedro 6 0.414 – 0.732 Tetraedro 49 8 0.732 – 1.0 Cubo 12 1.0 – 1.0 Cubo octaedro Fonte: (Alves, 2013). Tabela 10 - Valores dos raios iônicos de alguns elementos químicos. Cátion Raio Iônico (Å) Ânion Raio Iônico (Å) Al3+ 0,53 Br - 1,96 Ba2+ 1,36 Cl- 1,81 Ca2+ 1,00 F - 1,33 Cs+ 1,70 I - 2,20 Fe2+ 0,77 O2- 1,38 Fe3+ 0,69 S 2- 1,84 K+ 1,38 Mg2+ 0,72 Na+ 1,02 Si4+ 0,40 Ti4+ 0,61 Be2+ 0,31 Fonte: (Alves, 2013). A limitação de elementos presentes na Tabela 10 se deve ao fato do critério de Goldschmidt não ser aplicável a alguns óxidos, considerando que o BeO, por exemplo, cumpre o critério de razão dos raios iônicos, mas não possui a propriedade de ser formador de rede vítrea, ou seja, não pode se vitrificar. Com isso, novas regras e teorias foram sendo criadas e adaptadas a fim de corresponder aos critérios para formação do vidro (Shelby, 2005). 50 De acordo com Goldschmidt, para os vidros silicatos, é possível observar que o poliedro de formação do silício, SiO2, é o tetraedro. Dessa forma, as unidades básicas conectadas do SiO2 são os tetraedros de silício, cuja configuração é constituída por cada átomo de silício sendo conectado a quatro átomos de oxigênio, conforme ilustrado nas Figuras 6 e 7. Figura 6 - Representação da unidade básica da rede tetraédrica de silício. Fonte: Elaborado pelo autor. Figura 7 - Representação da unidade básica da rede tetraédrica de silício, com predisposição de oxigênios nos vértices do tetraedro. Fonte: Elaborado pelo autor. 4.3.1.10.2 Regras de Zachariasen 51 Em 1932, Zachariasen reconsiderou e adaptou o critério proposto por Goldschmidt, sendo estabelecido um conjunto de regras que denotam a causa em que alguns óxidos são formadores de rede vítrea, enquanto outros não, além do motivo pelo qual quando adicionados em determinadas composições formam vidros. Para que essa análise fosse feita, Zachariasen baseou-se em duas considerações, (i) Com base nas propriedades mecânicas similares de vidros e cristais, espera- se que as forças interatômicas sejam semelhantes. (ii) Os vidros, como os cristais, são formados por uma estrutura tridimensional estendida. No entanto, a natureza difusa do espectro de difração de raios-X indica que a estrutura não é simétrica e periódica para longo alcance. Zachariasen identificou, com base em um minucioso estudo das estruturas formadas por diversos poliedros de coordenação, as condições que um óxido precisa cumprir para ser classificado como formador de vidros. São elas: 1. Cada oxigênio não deve formar ligações com mais de dois cátions A. 2. Um átomo A deve estar cercado por um número limitado de oxigênios, não excedendo 3 ou 4. 3. O poliedro deve se unir pelos vértices e não por meio das arestas e faces. 4. Cada poliedro deve ter ao menos três vértices interligados a outros poliedros, o que atribui