unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP PRISCILLA ALYNE SUMAIO SINALIZANDO COM OS TERENA: um estudo do uso da LIBRAS e de sinais nativos por indígenas surdos ARARAQUARA – S.P. 2014 1 unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP PRISCILLA ALYNE SUMAIO SINALIZANDO COM OS TERENA: um estudo do uso da LIBRAS e de sinais nativos por indígenas surdos Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho, Departamento, Programa de Pós Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Estudos do Léxico Orientador: Prof.ª Dr.ª Cristina Martins Fargetti Bolsa: FAPESP ARARAQUARA – S.P. 2014 2 FOLHA DE APROVAÇÃO: MESTRADO PRISCILLA ALYNE SUMAIO SINALIZANDO COM OS TERENA: um estudo do uso da LIBRAS e de sinais nativos por indígenas surdos Dissertação de Mestrado apresentada ao Conselho, Departamento, Programa de Pós Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Estudos do Léxico Orientador: Prof.ª Dr.ª Cristina Martins Fargetti Bolsa: FAPESP Data da defesa: _27_/_02_/_2014_ MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Profa. Dra. Cristina Martins Fargetti Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – FCLAR Membro Titular: Profa. Dra. Angélica Terezinha Carmo Rodrigues Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – FCLAR Membro Titular: Profa. Dra. Christiane Cunha de Oliveira Universidade Federal de Goiás– UFG Faculdade de Letras Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara 3 Dedico este trabalho àqueles que me ensinam tanto: o povo terena e, em especial, os surdos terena. 4 AGRADECIMENTOS A Deus, criador de toda a vida, dono da sabedoria, por sua infinita graça. Aos meus pais e meus irmãos, por todo seu apoio e amor incondicional. À minha orientadora, por seu trabalho árduo e seu incentivo. Muito obrigada. À FAPESP, que possibilitou a realização dessa pesquisa, financiando-a. Ao povo terena, por me permitir fazer esse trabalho e aprender tantas coisas novas. Ao meu namorado, Diego, por seu amor e carinho, por tudo que compartilhamos. À Denise Silva, por me apresentar ao povo terena e me ajudar de diversas maneiras. A todos os meus professores, em especial Angélica Terezinha Carmo Rodrigues e Christiane Cunha de Oliveira, integrantes da minha banca de qualificação e banca de defesa, pelas valiosas sugestões. A todos os amigos e amigas que me ajudaram a ir em frente, acreditando em mim. Agradeço a Flávia de Freitas Berto por seus conselhos sobre meu trabalho e seu companheirismo. A Cristiane Nogueira Pereira por sempre me incentivar a progredir em meus estudos da língua de sinais brasileira e dos sinais terena. Ao Pr. Joinville Albernaz e sua esposa, irmã Regina Elizabeth de Almeida Albernaz, por suas orações e seu apoio. A Camila Serrador pela amizade e alegria de sempre. 5 RESUMO O povo terena habita os estados de Mato-Grosso do Sul e São Paulo. Essa etnia conta com 28.845 pessoas (dados do IBGE, 2010), que estão divididas em 17 terras. Constataram-se terena surdos primeiramente na Comunidade Indígena de Cachoeirinha, de 9.507 habitantes e, em segunda viagem a campo, também em aldeias vizinhas, próximas ao município de Miranda-MS. A língua oral terena é amplamente falada, e também foi observado o uso de sinais pelos surdos terena, o que deu origem a esta pesquisa. O projeto envolveu o estudo da(s) língua(s) utilizadas por surdos terena de diferentes faixas etárias, sendo a maioria jovens. É notável que parte dessas pessoas não conheça a língua brasileira de sinais (LIBRAS). Alguns nunca frequentaram a escola ou tiveram contato com surdos usuários de LIBRAS. De maneira geral, os familiares dos surdos são ouvintes e falantes de português e terena, e os mais próximos conhecem os sinais terena. Alguns jovens estudam na cidade e estão avançando no uso e conhecimento da LIBRAS, porém estes mesmos jovens utilizam outros sinais na aldeia, com seus familiares ouvintes, amigos e outros surdos, que não sabem LIBRAS. Em última viagem a campo, em 2012, foram coletados sinais terena por meio de fotografia e vídeo, que foram analisados. Avaliou-se então a estrutura, a morfologia no uso desses sinais, e se chegam realmente a constituir uma língua. Entretanto, nesse momento, os aspectos linguísticos não puderam ser mais aprofundados, pois ainda está coletada uma quantidade reduzida de dados, que deverá ser aumentada para a pesquisa do doutorado. Observei também a cultura, educação, cosmovisão terena e surda, as relações dos surdos com seus familiares, professores, intérpretes, amigos e sociedade ouvinte. Palavras-chave: línguas de sinais; sinais terena; LIBRAS; povo terena. 6 ABSTRACT The terena people inhabiting the states of Mato Grosso do Sul and São Paulo. This ethnic group has 28,845 people (IBGE data, 2010) which are divided into 17 indigenous communities. Deaf Terena were discovered first at the indigenous village Cachoeirinha, of 9,507 inhabitants and, on second field trip, also in the neighboring villages, near the city of Miranda-MS. The Terena oral language is widely spoken, and the use of signs by deaf Terena was also observed, which gave rise to this research. The project involves the study of languages used by deaf Terena of different age groups, the majority being young. It is notable that some of these people do not know the Brazilian Sign Language (LIBRAS, from Língua Brasileira de Sinais). Some of them have never attended school or had contact with deaf users of LIBRAS. Generally, family members of the deaf are listeners and speakers of Portuguease and Terena, and the closest know the Terena signs. Some young people are studying in the city and are progressing in the use and knowledge of LIBRAS, but these same young people use other signs in the village with their listeners relatives, friends and other deaf people, who do not know LIBRAS. In last field trip in 2012, Terena signs were collected through photography and video, and were analyzed. It is necessary evaluate now the structure, morphology in the use of these signs and, if they really constitute a language. However, at that moment the linguistic aspects can not be more profound because a small amount of data was collected , and should be increased to the PhD research. I also observed the culture, education, Terena and deaf worldview, the relations of the deaf with their families, teachers, interpreters, friends and hearing society. Keywords: sign languages; Terena signs; LIBRAS; Terena people. 7 LISTA DE TABELAS Tabela 1 As línguas de sinais do leste europeu, de Albert Bickford 39 Tabela 2 Países africanos que possuem línguas de sinais 41 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 1.1 Objetivos 10 15 2 APRESENTAÇÃO DO POVO, DA LÍNGUA, DOS SURDOS TERENA 2.1 Sobre a História do Povo Terena 2.2 Índios Surdos – Surdos Terena 2.3 Breve História da educação dos surdos e dos indígenas no Brasil – A relação entre índios, surdos e índios surdos 2.4 Em busca da língua terena de sinais 2.5 Linguística e as línguas de sinais 2.6 Os índios surdos no Brasil e no mundo 2.7 A relação entre o conhecimento dos índios surdos e sua educação 3 DISCUSSÃO SOBRE SURDEZ E LÍNGUAS DE SINAIS NO MUNDO E NO BRASIL 3.1 Sobre Surdez 3.2 Sobre surdos, línguas e a relação da aquisição da linguagem e cognição 3.3 A língua de sinais, a cultura e a identidade do surdo 3.4 Sobre gestos, sinais caseiros e sinais 3.5 Etiologia da Surdez 3.6 Línguas de sinais no mundo 3.7 Impressões sobre a língua de sinais Ka’apor 3.8 Análise dos sinais Ka’apor 4 DISCUSSÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA 4.1 Métodos: coleta e descrição dos dados 4.1.1 Métodos 4.2 Discussão de Teorias 5 DISCUSSÃO DOS DADOS TERENA 5.1 Análise de dados 5.2 Os sinais terena 17 17 21 23 24 26 29 31 32 32 35 37 41 42 44 48 50 61 61 65 69 73 73 73 9 5.3 Pronomes e Expressões Não-Manuais nos sinais terena 6 CARACTERÍSTICAS DOS SINAIS TERENA 6.1 Línguas naturais 6.2 Aspectos descritivos dos sinais 6.3 Evidências de que os sinais terena constituem uma língua de sinais 6.3.1 Flexibilidade e Versatilidade 6.3.2 Arbitrariedade 6.3.3 Padrão 6.4 Contra-evidências de que os sinais terena constituem uma língua de sinais 6.5 Sobre o uso dos termos ‘fonema’ e ‘fonologia’ em estudos de línguas de sinais 6.6 Sobre os parâmetros morfológicos e como os enxergamos neste trabalho 6.7 Morfologia das línguas de sinais 7 CONCLUSÕES FINAIS 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 98 100 100 101 102 102 102 103 104 104 105 107 111 115 ANEXOS 117 10 1 Introdução O presente estudo se propõe abordar sinais, utilizados em uma comunidade indígena. O estudo de uma língua e/ou cultura indígena brasileira mostra-se como de extrema importância num contexto como o atual, em que a preservação e a valorização de uma língua podem significar a sobrevivência e afirmação cultural de um povo, além de permitir a discussão e o entendimento do funcionamento das línguas em geral, contribuindo com o diálogo com teorias. O que dá a este trabalho uma identidade própria, dentre outras razões, é o fato de envolver dois grupos: surdos terena e ouvintes terena, cada uma com suas especificidades e elementos próprios, a começar pela diversidade das histórias de contato de cada sociedade com a chamada “sociedade majoritária”. Coloca Shirley Vilhalva: Podemos citar as Línguas de Sinais indígenas, praticadas pelos índios surdos existentes em diversas comunidades indígenas do país, onde cada uma delas traz consigo características culturais e linguísticas variadas, o que faz com que haja o interesse em registrá-las, assim como são registradas outras línguas brasileiras de diferentes comunidades, com suas especificidades culturais, étnicas, regionais etc . (VILHALVA, 2012, p. 15) O registro dos sinais terena, portanto, se mostrou necessário e urgente, tendo em vista quão poucas informações há sobre eles e sobre línguas de sinais indígenas de maneira geral em nosso país. Para realizar esse registro baseada em fundamentação teórica, busquei informações não só sobre línguas de sinais, surdos e surdos terena, mas também sobre o povo terena e sua história. A língua terena, família Aruak, é falada pelo povo homônimo que habita em várias comunidades indígenas nos estados do Mato Grosso do Sul e São Paulo. O estado de Mato Grosso do Sul abriga a segunda maior população indígena do país, com 65.984 pessoas, divididas em diferentes etnias. Segundo o último censo demográfico (2010) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a etnia terena é a quinta com maior número de indígenas, por localização do domicílio, contando com 28.845 pessoas, divididas em 17 terras: Água Limpa, Limão Verde, Taunay/Ipegue, Aldeinha, Araribá, Buritizinho, Dourados, Ikatu, Kadiwéu, Lalima, Nioaque, Pilade Rebuá, Umutina, Nossa Senhora de Fátima, Terena Gleba Iriri, Cachoeirinha e Buriti. 11 Meu foco, a princípio, foi a comunidade indígena de Cachoeirinha, próxima ao município de Miranda, estado do Mato Grosso do Sul, onde a língua indígena é amplamente falada e onde se encontram grupos de pessoas surdas cujo tipo de língua me interessa. Apesar das discussões em torno das línguas de sinais, uma língua indígena de sinais é fato raro no país. Dificilmente tem divulgação na mídia, o que seria interessante para garantir ainda mais os direitos desses grupos minoritários. Pude perceber, visitando a aldeia de Cachoeirinha, com a devida autorização da comissão de educação e do cacique, e sob a supervisão da pesquisadora Denise Silva – que trabalha com a língua oral terena há vários anos - e de minha orientadora que: existem várias pessoas surdas na comunidade - apesar de não se saber se a razão é genética ou de outro tipo - bem como em Babaçu, Argola e outras. Esses jovens foram receptivos à minha proposta, se comunicando comigo. Todos os que conheci inicialmente falavam a língua brasileira de sinais, apesar de apenas um deles falar com bastante fluência. Conheci as famílias com filhos surdos1, com quem conversei. O estudo dessas pessoas, das línguas que utilizam, gera uma sensação de integração em toda a comunidade. Não que os surdos sejam excluídos propositalmente, muito pelo contrário: toda a comunidade, os professores, e principalmente, as famílias desejam se aproximar e conhecer, de fato, quem são esses que falam outra língua, que possuem outra cosmovisão. Outras famílias, porém, com outros membros surdos, ainda seriam contatadas numa próxima visita à aldeia e consultadas sobre o desejo de participar do projeto, para uma maior coleta de dados e melhor análise da situação, até mesmo do ponto de vista demográfico, na medida do possível. Alguns surdos são oralizados e fazem um pouco de leitura labial da língua portuguesa. Fazem isso também, mas com dificuldade, com a língua terena. Ainda assim, a bibliografia consultada e minha experiência como intérprete para surdos permitiram perceber que, de fato, a língua mais natural para o surdo é a de sinais. Desta forma, dar assistência à comunidade com oficinas sobre línguas de sinais, que foi um pedido formal feito a mim por parte dos professores, também se mostra parte importante do projeto, pois visa à integração, de fato, dos surdos à comunidade e inclui a observação de como isso se dá por meio da língua apropriada e do combate aos preconceitos. 1 O termo “deficiente auditivo” é geralmente util izado na literatura dentro do contexto médico, e, para muitos, representa um distanciamento entre surdos e ouvintes, destacando o que falta no surdo. Os surdos, inclusive os surdos terena, gostam de ser chamados de surdos (cf Gesser, 2009), por isso optamos por nomeá-los assim nesse trabalho. 12 Uma oficina com conceitos básicos sobre características de línguas visuais, o surdo e a surdez foi ministrada por mim na Escola Estadual “Cacique Timóteo” – que é uma escola da aldeia Cachoeirinha. Ao final foram ensinados tópicos básicos da língua brasileira de sinais como o alfabeto manual, os números, os cumprimentos e os dias da semana. Os professores receberam essa oficina com ansiedade e muito entusiasmo. Percebi que a comunidade necessita e deseja muito ter professores e intérpretes autóctones, capacitados para atender a esses surdos terena da melhor maneira possível, interpretando as aulas e respeitando sua cultura surda e também indígena. Como já dito, o trabalho envolve grupos distintos, destacando elementos da visão de mundo dos surdos e da visão de mundo dos ouvintes terena, que caminham juntas nesse caso. Espero, de maneira geral, poder colaborar para que ocorram mudanças positivas na comunidade em relação à língua e à cultura dos surdos. Conversando com a direção e a coordenação da escola onde os jovens surdos estudam na cidade de Miranda, foi possível perceber que, apesar de a escola ser a referência em educação especial local, os alunos sofrem, sim, com o preconceito e a falta de conhecimento da sociedade envolvente. Situação diversa dessa de preconceito e falta de conhecimento por parte de alguns dos que convivem com os surdos e ainda, surdos indígenas, parece haver entre os ka’apor, em que existe uma língua de sinais própria. Nesse grupo indígena, há algumas décadas, houve uma epidemia de bouba neonatal que resultou em surdez nos bebês. Estas crianças e seus familiares, portanto, criaram, sem influência externa alguma, uma língua de sinais própria. Esta é utilizada por toda a comunidade, tanto por ouvintes quanto por falantes, sendo toda a sociedade bilíngüe. De acordo com Jim Kakumasu (2005), pesquisador que registrou a existência dessa língua, ela diferencia-se da Língua de Sinais dos Índios da Planície Norte- Americana por ser intra-tribal e não inter-tribal. Além da língua Kaapor de sinais, não há notícias de outras línguas indígenas de sinais no país. Entretanto, um grupo de pessoas terena surdas, localizado na comunidade de Cachoeirinha-MS, desperta a atenção da comunidade e de linguistas, pois os surdos estão se comunicando com sinais diferentes dos sinais da LIBRAS2, então questiona-se se isso seria uma língua terena de sinais, criada por eles. 2 A LIBRAS é uma sigla que designa “língua brasileira de sinais”, e foi criada por pesquisadores ouvintes. A sigla LSB designa “língua de sinais brasileira”, segue os padrões internacionais de siglas para l ínguas de sinais e foi criada pela comunidade surda. Optei pelo uso da sigl a “LIBRAS” nesse trabalho devida a maior familiaridade 13 Este tipo de trabalho se justifica, portanto, por seu caráter inédito e relevante, por ser necessário verificar se esta língua indígena de sinais está realmente sendo utilizada e, se está, de que maneira, por estas pessoas. Ao lado da clara importância científica/acadêmica, apresenta importância social, por contribuir com a melhoria da condição de vida do surdo. O estudo de universais lingüísticos - padrões que determinam certas características em línguas diferentes, em todo o mundo - está crescendo e muitas descobertas interessantes estão surgindo. Conhecemos autores que defendem o “universal linguístico” de que verbo é verbo e nome é nome em todas as línguas. Entretanto, a realidade não é exatamente essa, há exemplos de línguas em que isso é muito mais fluido. Como exemplo consideramos a LIBRAS e outras LS: o mesmo sinal para ‘comer’ é usado para ‘comida’, o sinal para ‘beber’ também significa ‘bebida’, ‘correr’ para ‘corrida’ e assim por diante e isso não resulta em confusão, pois podemos compreender o significado do sinal devido a uma breve repetição do movimento do sinal que refere-se a nome e/ou também pelo contexto. O estudo de línguas de sinais (em especial, talvez, as ainda pouco descritas) pode ajudar a rever e quebrar universais como esse. Sabemos que “mudar a história de comunidades para melhor pode parecer uma postura onipotente, porém é um fato que, após os primeiros estudos sobre línguas de sinais, as comunidades surdas passaram a ser mais respeitadas e sua língua valorizada.” (FERREIRA, 2010, p.13) Não desejo estabelecer uma postura onipotente, mas se for confirmado que os sinais terena são parte constituinte de uma língua, então isso pode gerar maior respeito por e valorização desses sinais, dessa manifestação lingüística e pode melhorar a vida da comunidade surda terena; portanto, o fato da existência de uma língua pode ser considerado um objetivo de pesquisa, com consequências, no âmbito social, do trabalho científico. É importante explicitar como os dados dessa pesquisa surgiram. Eles não foram coletados em sentenças completas em sinais terena. Foram dados que surgiram em diálogos em LIBRAS. Portanto, não tenho por hora pistas morfossintáticas dos sinais terena para fazer uma melhor categorização gramatical. Procurei fazer uma categorização semântica dos sinais pela falta de opção. Os critérios variam de língua para língua, mas não havia como aplicar esse conhecimento nesse momento. Os melhores critérios para classificação de nomes e verbos são os morfossintáticos (SCHACHTER, 1985). Os dados, porém, não ocorreram em situação normal de uso dos sinais terena, foram de maneira geral apenas citados. Há suspeitas de que exista uma língua de sinais terena. Entretanto, talvez os surdos que aparentemente só que os brasileiros, em especial os que não trabalham com linguística, tem com esse nome, tendo em vista seu uso constante na mídia e inclusive, pelo Ministério da Educação (MEC). 14 usam sinais terena hoje tenham tido contato com a língua de sinais brasileira há muitos anos atrás e não exista a ciência de que seus sinais atuais venham desses sinais aprendidos antigamente. Existem surdos que não tiveram escolaridade e se expressam de uma outra forma que aparentemente não é a língua de sinais brasileira. Entretanto, um estudo morfossintático mais aprofundado irá esclarecer melhor essas questões. Possuindo então conhecimento lexical de apenas alguns itens, espero obter mais dados posteriormente que confirmem a hipótese de que existe ou existia uma língua terena de sinais. Nesta primeira seção do trabalho apresento o que ele aborda, ou seja, os sinais terena e a relação dos surdos terena com esses sinais e com a língua de sinais brasileira. Coloco também a justificativa para essa pesquisa e quais são seus objetivos. Na segunda seção há informações sobre a história do povo terena, sobre sua origem e sua situação atual. Também falo sobre surdos e índios surdos, principalmente os surdos terena. Também é colocada a relação entre linguística e as línguas de sinais. Na seção três discuto pontos de vista sobre a surdez, sobre a relação da aquisição da linguagem e cognição, as línguas de sinais do mundo e as do Brasil e comento sobre a relação entre língua, cultura e identidade do surdo e como isso influencia em minha visão na coleta e análise de dados. Pontuo também sobre o que vem a ser gestos, sinais caseiros e sinais e comento sobre a etiologia da surdez. Na quarta seção coloco meus métodos de coleta e descrição dos dados. Descrevo como levantei os inquéritos de fala espontânea, gravados em formato de vídeo sendo os sinais terena fotografados posteriormente. Cito também os autores cujos trabalhos trouxeram contribuição para essa investigação, como Fargetti, Vilhalva, Giroletti, Neves, Givón e Schachter dentre outros. A análise dos dados coletados encontra-se na quinta seção, com exemplos dos tipos de classe de palavra, com descrição linguística dos sinais e explicitando qual é a sua relação com a cultura local, com imagens que retratam o sinal e a trajetória de seu movimento. Comento também sobre a influência da LIBRAS no sinais terena. Na sexta seção coloco características dos sinais terena, características das línguas naturais e evidências e contra-evidências de que os sinais terena constituem uma língua de sinais. Na sétima e última parte, estão as conclusões finais do trabalho. Nos trabalhos de campo realizados em 2011 e 2012 coletei dados relevantes para a investigação. Inicialmente, tive mais conhecimento sobre a realidade social e educacional dos informantes e 15 posteriormente mais dados linguísticos, que foram filmados, fotografados e analisados de acordo com teorias funcionalistas e teorias de pesquisadores de línguas de sinais nacionais, como a língua ka’apor de sinais (Kakumasu) e a LIBRAS (Ferreira, Karnopp, Quadros, Gesser). Algumas características foram analisadas, mas são necessários mais dados para se chegar a maiores conclusões sobre os sinais terena constituírem uma língua de fato ou não. Essas maiores coletas serão realizadas no doutorado. 1.1 Objetivos Ciente de que há uma situação de contato (aldeias muito próximas à área urbana), que a LIBRAS, língua oficial brasileira é uma variedade de prestígio que se opõe a variedades estigmatizadas - como as utilizadas por indígenas - inclusive por eles mesmos, não desejo assumir de antemão que a LIBRAS influencia diretamente os sinais terena, entretanto, devo admitir que essa influência é possível pelos fatores citados. Os objetivos do trabalho, portanto, eram confirmar se existiam, de fato, sinais próprios dos terena, filmar o uso desses sinais e posteriormente, fotografá-los de forma sistematizada para a pesquisa, analisar qual é a relação desses sinais com a LIBRAS, ou, no caso de se tratar apenas de uma variedade da LIBRAS, quais são as diferenças na língua utilizada dessa região em comparação com a LIBRAS utilizada no sudeste. Pretendi, também, além de avaliar sua relação com a língua brasileira de sinais, fazer uma análise da influência da cultura terena sobre o surgimento e uso desses sinais terena. O estudo também tencionou lançar luz sobre as difíceis questões que os povos indígenas precisam enfrentar, hoje, com a expansão da educação escolar indígena, mas que ainda encontra barreiras, por muitas famílias imaginarem que a melhor educação, ou a única maneira de aprender a se defender do “branco”, é aprender tudo o que ele sabe, ou seja, aprender na escola dele, na cidade, e não na escola da aldeia. Era relevante, portanto, avaliar não só o contexto lingüístico, mas também o contexto cultural, antropológico, educacional e psicológico dessas pessoas. Levantei essas, dentre outras questões: era necessário saber se os surdos terena estão, de fato, criando e utilizando sinais nativos. Se sim, como surgiram? Por influência da LIBRAS? Os pais conhecem um pouco sobre línguas de sinais? Os surdos terena sofrem preconceito? Na comunidade ou na cidade? 16 Podemos colocar que os objetivos desta investigação, em resumo, foram: 1. Observar, registrar e analisar os sinais usados pelos surdos terena e como elementos do seu léxico, sua cultura e sua identidade, buscando reconhecer se trata-se de uma língua e 2. Propor melhoria da educação e qualidade de vida em geral do índio surdo baseada na valorização desses sinais 17 2 Apresentação do povo, da língua, dos surdos terena 2.1 Sobre a História do Povo Terena Sobre a sua origem, é importante destacar que “o povo terena, juntamente com os Laiana e os Kinikinau, faz parte da história de grupos indígenas que vivem em várias regiões e países da América.” (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 11) De acordo com os antropólogos Azanha e Ladeira, O Mato Grosso do Sul abriga uma das maiores populações indígenas do país. Os Terena, por contarem com uma população bastante numerosa e manterem um contato intenso com a população regional, são o povo indígena cuja presença no estado se revela de forma mais explícita, seja através das mulheres vendedoras nas ruas de Campo Grande ou das legiões de cortadores de cana-de-açúcar que periodicamente se deslocam às destilarias para a changa, o trabalho temporário nas fazendas e usinas de açúcar e álcool. Essa intensa participação no cotidiano sul- matogrossense favorece a atribuição aos Terena de esteriótipos tais como “aculturados” e “índios urbanos”. Tais declarações servem para mascarar a resistência de um povo que, através dos séculos, luta para manter viva sua cultura, sabendo positivar situações adversas ligadas ao antigo contato, além de mudanças na paisagem, ecológica e social, que o poder colonial e, em seguida, o Estado brasileiro os (sic!) reservou. (AZANHA; LADEIRA, 2004, ISA) Sabemos que “a tradição oral revela os momentos mais significativos da história dos povos indígenas. A língua falada pelos Terena é a mais importante fonte que se tem para se conhecer parte da história mais recente e também do passado mais distante.” (BITTENCOURT;LADEIRA, 2000,p. 11) As autoras estão se referindo à língua oral terena. Entretanto, acreditamos que os sinais, e possível língua de sinais dos terena, também possuem essa característica, ou seja, são capazes de fornecer informações valiosas acerca da história dos surdos terena, dos processos pelos quais passaram e pelos quais ainda estão passando ou passarão, no desenvolvimento de seus conhecimentos, sua cultura, suas identidades como indivíduos e também como surdos e indígenas. As antropólogas também colocam que Podemos conhecer o passado dos Terena pelos produtos da cultura material, como objetos de cerâmica, de tecelagem, instrumentos musicais, que revelam muito dos hábitos e costumes antigos e que atualmente nem sempre existem mais. Pode-se também recorrer aos textos escritos, desenhos, pinturas, fotografias feitos por brancos que estabeleceram contatos em diversos momentos com os Terena. (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p.11) 18 Além de revelarem histórias do passado desse povo, devemos perceber que os sinais terena, assim como os sinais da LIBRAS e de qualquer outra língua de sinais, possuem uma grande carga de iconicidade. Por isso, conhecer a cultura material terena e seus elementos, como colares de sementes, potes de cerâmica, cocares, pintura corporal nos permitiu questionar acerca de sinais para falar3 desses importantes símbolos culturais. Conhecemos os sinais para esses objetos, que são diferentes da LIBRAS e não parecem ter sofrido influência dessa língua. Os sinais terena também não parecem sofrer de alguma maneira influência da língua oral terena, visto que os surdos terena com os quais trabalhamos nunca passaram por tratamento com fonoaudiólogos específicos com treinamento para oralização nem de português e nem de terena. Na coleta de dados com eles e com suas famílias, também tomei conhecimento de que eles oralizam poucas palavras do português, como pude também presenciar em estada na aldeia, como “água”, “leite”, “nenê’, “mãe” e alguns palavrões. Com exceção de um deles, Nilton, que oraliza muito bem a língua portuguesa, os outros surdos terena não o fazem, e nem demonstram interesse ou necessidade de fazê-lo. Alguns deles (Elcio, Everton, Maria Elisa, Hudson, Nilton, Jucilene e Regiane) como já dito, freqüentam ou já frequentaram a escola na cidade e, portanto, conhecem muito do léxico da língua portuguesa devido ao processo de cópia, de escrita e de leitura, mas o processo de oralização dessa língua não se faz presente. A maioria desses surdos percebe que existe uma grande diferença entre a língua oral terena e a portuguesa, e tenho informações que mostram que essa descoberta, a princípio, pode causar espanto. A mãe de Hudson conta da surpresa dele quando percebeu que seus pais estavam falando numa língua diferente de seus outros conhecidos, afirmando que eles estavam “falando errado” e então ela explicou a ele que a língua dos avós, a língua falada na aldeia era diferente. O interesse pela língua terena existe, mas não por sua oralização, entretanto cheguei a presenciar raras vezes os informantes oralizando algo dessa língua, como “Ye Hakapú” (expressão que indica ordem para “fazer algo depressa”). Como se percebe, então, a língua oral terena não parece ter influenciado nos sinais usados pelos surdos desse povo. O nome Aruák vem de povos que habitavam principalmente as Guianas, região próxima ao norte do Brasil e algumas ilhas da América central, na região das Antilhas. Quando os Europeus começaram a dominar a região, os Aruák dividiam e disputavam o mesmo espaço com outro povo indígena, os Karib. E foi com estes 3 O verbo “falar” é comum nos trabalhos da área de línguas de sinais, apesar de a l íngua não ser oral, e, portanto não falada. 19 dois povos que os europeus tiveram seus primeiros contatos. Tal como aconteceu com o nome Karib, que passou a designar aquela região, o Caribe, também o nome Aruák veio a ser usado pelos europeus para identificar um conjunto de línguas encontradas no interior do continente sul-americano.(BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p.12) No livro “A História do Povo Terena”, também se pode conhecer as quatro áreas em que vivem atualmente os povos Aruak no Brasil, sendo que a quarta e última área é a que corresponde aos grupos que vivem na região mais meridional da família Aruák no Brasil. É o povo Terena, que habita na região dos rios Aquidauana e Miranda, afluentes do rio Paraguai, no estado do Mato Grosso do Sul. Na década de 30 um grupo de Terena foi transferido para o estado de São Paulo, numa área onde vivem os Kaingang e Nhandeva (Guarani), na região de Bauru. Em consequência desta migração, há meio século que a língua Terena também é falada nesta região.(BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p.18) Todos os grupos indígenas da família Aruak citados pelas autoras, como os Moxo, os Choné e os Guaná e os Terena, tem diferenças entre si, mas possuem uma mesma língua de origem. Além desta proximidade que indica uma origem comum, estes grupos têm semelhanças na forma de sua organização social. Todos esses grupos possuem ou possuíram formas de organização internas características, sendo tradicionalmente agricultores e conhecedores das técnicas de tecelagem e cerâmica. (BITTENCOURT;LADEIRA, 2000, p.18) Pode-se sentir a presença dessas formas de organização característica nas aldeias de Cachoeirinha, Babaçu, Morrinho e Argola, nas quais trabalhamos. Conheço pessoas e famílias que trabalham com agricultura, tirando dela o seu sustento bem como mulheres que trabalham com cerâmica, que atualmente é feita apenas para uso comercial; mas não tive contato com pessoas que conhecem as técnicas de tecelagem, embora pudesse notar que vários homens são obrigados a aceitar o trabalho na changa, ou seja, como cortadores de cana, com péssimas condições de trabalho, para ter como manter o sustento da família. Isso é colocado pelas autoras também e, passada mais de uma década, a situação não aparenta ter mudado. Vi também muitas famílias que gostariam de continuar com a tradição da agricultura, mas que estão impossibilitadas disso, por falta de terras e devido a pestes que acabam com as plantações. As escolas indígenas dentro das aldeias parecem oferecer a esperança de dias melhores, com mais educação e capacitação para todos, resultando em mais condições para se conseguir bons empregos e melhores condições de vida. Entretanto, ainda faltam 20 oportunidades e condições de trabalho para os terena, tanto dentro das áreas indígenas quanto fora delas, onde o preconceito ainda pode ser um grande fator impeditivo. Bittencourt e Ladeira falam do direito dos diversos povos indígenas no Brasil, que são diferentes, de defenderem essa diferença, mantendo sua língua e seus costumes tradicionais, o que é garantido pela Constituição Brasileira de 1988: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Art. 231) O direito a preservação e estudo das línguas indígenas nas escolas também é lembrado na Constituição, no artigo 210, parágrafo 2º: “O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.” Penso que os sinais terena, utilizados pelos surdos terena desde sua infância, caso se mostrem como uma língua de sinais, de fato, podem ser entendidos como uma língua materna terena – no caso, especificamente dos surdos terena . Essa constatação pode gerar, portanto, uma série de mudanças e renovações no ensino desses surdos terena nas aldeias, que na prática poderia ser a capacitação de surdos terena e de professores terena ouvintes ou ainda outros ouvintes interessados em LIBRAS, sinais terena e as línguas orais utilizadas na comunidade para que trabalhem com esses surdos, além de maior capacitação para todos os professores que trabalharem com eles, salas de recursos nas escolas indígenas, materiais pedagógicos adaptados e apropriados para essa situação, dentre outras mudanças necessárias e desejadas pela comunidade. Pode-se observar que os terena tiveram três grandes momentos em sua história, que se destacam (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000,p. 25): o primeiro foi a saída do Êxiva (no século XVI), conhecido pelos não-indígenas como Chaco Paraguaio, transpondo o rio Paraguai e chegando à região do atual estado de Mato-Grosso do Sul. Esse é o chamado “Período dos Tempos Antigos”. Em seguida veio a Guerra do Paraguai (1846-1870) e com ela muitas mudanças para os terena. Esse período é denominado “Tempos da Servidão”. O terceiro momento corresponde à delimitação de terras constituindo as reservas terena (em 1905), com a chegada da comissão construtora das linhas telegráficas chefiadas por Rondon, e que continua até os tempos atuais (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000,p. 26). Percebe-se que as lutas dos terena continuam, para garantir seu direito às terras e ao usufruto delas, seu direito ao uso de suas línguas, direito à educação, cultura, trabalho, saúde, qualidade de vida. 21 Bittencourt e Ladeira relatam como a Guerra do Paraguai afetou profundamente a história do povo terena. Esse povo, que sempre se dedicou à agricultura, forneceu alimentos para os combatentes nessa guerra, além de enfrentar bravamente o exército paraguaio (idem, p. 56). Porém, quando os combatentes terena retornaram, muitas terras de posse dos índios haviam sido tomadas e vendidas em leilão; essas terras eram dos índios considerados como não mais “selvagens”, os que viviam sem conflitos com os chamados “civilizados” (ibidem, p. 76). Esta era uma nova situação da história da propriedade da terra no Brasil e afetou muito a vida dos grupos indígenas. Pela primeira vez o governo do Império estabelecia em lei a diferença entre “índio bravo – índio manso”. O “índio bravo” era selvagem porque defendia através das armas a sua terra, e nesse caso o governo reconhecia sua posse. Agora, o “índio manso” não brigava mais, então podia ser expropriado de sua terra. E esta era a condição do povo Terena. (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 76) Até hoje pode-se ver as conseqüências dessa tomada da maior parte de suas terras na vida dos terena. Muitos homens terena foram obrigados após esse período a trabalhar forçadamente em fazendas das regiões de Miranda, sob falsa acusação de roubo, como punição. Trabalharam por anos em uma condição semelhante à de escravidão, sob ameaças constantes de morte e torturas. Pode-se perceber que a história do povo terena tem marcas de lutas, sofrimentos e conquistas. 2.2 Índios Surdos – Surdos Terena Minha primeira experiência mais concreta, ou seja, inserida numa comunidade indígena, ocorreu no ano de 2009. Em meu primeiro ano na universidade, juntamente com um grupo de colegas, pesquisei sobre produção textual e produção textual com surdos. Minha orientadora, que pesquisa a língua juruna há mais de 20 anos, sempre citava a beleza da cultura e da língua desse povo, o que despertou em mim a vontade de conhecê-los e aprender com eles. No segundo ano de minha graduação, então, comecei a trabalhar com numerais, matemática e educação escolar indígena dos yudjá (autodenominação). Fui para o Xingu, para a aldeia Tubatuba, em julho desse mesmo ano, com minha orientadora, a Profa. Dra. Cristina Martins Fargetti. A grandeza desse lugar e desse povo causou um profundo impacto em mim e me despertou a buscar cada vez mais conhecimento das culturas indígenas. Posteriormente, 22 pude fazer mais duas coletas de dados, uma com uma informante, Yawadá, que mora em Brasília, mas veio até Araraquara trabalhar com minha orientadora, comigo e outros pesquisadores do mesmo projeto e outra vez em Piracicaba, com professores juruna que vieram trabalhar conosco. Trabalhei com o povo Yudjá por 3 anos, até concluir minha graduação, e essa pesquisa de IC resultou em uma monografia. No início de 2010, tive a oportunidade de conhecer o povo terena. Passava então as férias na casa de um tio que mora em Aquidauana e que trabalha com muitos terena das aldeias dessa região. Ele convidou a mim e a minha família para conhecermos algumas aldeias e,sempre com a autorização dos respectivos caciques, fizemos isso. Em dois dias de visitas, pude conhecer 8 aldeias. Fiquei igualmente encantada por esse povo, sua cultura material, a beleza natural de suas terras. Mas não imaginava que um dia iria trabalhar com eles. Aprendi Língua de Sinais Brasileira e trabalhei como sua intérprete por aproximadamente três anos, até o primeiro ano da graduação (2008). Depois, não pude mais continuar com esse trabalho, que sempre apreciei. O que não esperava é que no final de 2010, uma colega do doutorado, pesquisadora da língua oral terena, procuraria alguém que conhecesse LIBRAS e tivesse conhecimento e/ou desejo de trabalhar com povos indígenas para trabalhar com os surdos terena. Não nos conhecíamos ainda, então nossa orientadora nos apresentou. Conversamos sobre o assunto, sobre esse desejo de Ondina, mãe de três filhos surdos (Maria Elisa, Everton e Elcio, conhecidos como Tainara, Bebeto e Dully, respectivamente) de Cachoeirinha e também de outras pessoas da região. Em 2011 – julho – pude ir para o Mato Grosso do Sul, com o apoio da CAPES e Abralin/IPHAN para conhecer a comunidade, os surdos e assim, organizar meu projeto de mestrado. Fiquei em torno de 15 dias hospedada próxima a Aldeia de Cachoeirinha. Ficou bastante claro para mim nessa viagem que, apesar da lei 10.436, de 24 de abril de 2002 que reconhece a LIBRAS como língua oficial do país e do decreto 5.626/2005 - os quais colocam em pauta a comunidade surda e seus direitos - muito falta ainda para o efetivo conhecimento e reconhecimento dessa língua e dessa comunidade (surda). Dos surdos indígenas também pouquíssimo ainda se sabe. Quando fiz essa primeira viagem, suspeitávamos da existência de uma língua terena de sinais, de acordo com relatos de Ondina (e outras pessoas) e também por conhecermos casos de outras línguas de sinais que surgem espontaneamente quando há contato entre surdos, como por exemplo, no caso dos ka’apor. 23 Coloquei-me à disposição, então, para conhecer melhor a história e cultura do povo terena, os surdos terena e seus sinais, fazendo um estudo lexicológico também visando à melhoria da educação para os surdos indígenas, buscando sempre a valorização das cosmovisões tanto surda quanto indígena e seus direitos. Desse modo, me dediquei a conhecer melhor os surdos terena, suas famílias, seus amigos, professores, intérpretes, todo seu contexto e registrar seus sinais, buscando entender como esses se ligam a sua realidade/cultura e influenciam na construção de sua identidade. Assim, buscamos registrar os sinais, entender sua origem e seu uso, e procuramos perceber a conexão entre eles, se existe uma estrutura, uma gramática, ou seja, se podemos considerar que existe uma língua terena de sinais. Comecei meu trabalho na aldeia de Cachoeirinha, do município de Miranda-MS, onde mora Ondina, mãe de três filhos surdos e, à medida que o trabalho avançava, pude conhecer surdos nas aldeias Babaçu, Morrinho e de Argola (uma senhora), bem como outros de Cachoeirina e assim, hoje trabalho com informantes dessas aldeias também, onde todos falam terena e português, exceto em Babaçu, onde apenas se fala português atualmente. 2.3 Breve história da educação dos surdos e dos indígenas no Brasil – A relação entre índios, surdos e índios surdos Sabe-se que os surdos durante muito tempo foram perseguidos ao longo de sua história, considerados na Idade Média incapazes de aprender, de receber educação formal, doentes mentais e até mesmo endemoniados pela Igreja e pela sociedade, que considerava que estavam presos espiritualmente e por isso não podiam “falar”. Os surdos muitas vezes viviam isolados em suas casas, proibidos de sair e ter vida social, ou colocados em internatos para surdos em que tinham suas mãos amarradas e castigadas quando tentavam se comunicar por meio de gestos e outros sinais com outros surdos. Eram obrigados a treinar a leitura labial e a oralização com seus professores, mas o fato de estarem juntos no mesmo local só colaborou ainda mais para o crescimento e fortalecimento da língua de sinais, que eles utilizavam à noite, escondidos, à luz de velas, fazendo valer de qualquer forma seus direitos linguísticos e sociais. Em 1400, há notícias de padres com uma visão diferente, que buscavam conceder aos surdos uma educação formal diferenciada, voltada só para eles. Alguns educadores, como o monge beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-1584) na Espanha e o abade Charles Michel 24 de L’Epée (1712-1789) na França (GOLDFELD, 1997) começaram a aprender as línguas de sinais dos surdos e começaram a mudar sua metodologia, ensinando não só com as línguas orais, mas também com as de sinais que aos poucos iam aprendendo. Com o passar do tempo, mais escolas para surdos foram surgindo, e com os professores de surdos, metodologias como o oralismo, o uso da datilologia, os sinais, a escrita da língua oral e a comunicação total, ou seja, o uso de todas essas metodologias com os alunos. Hoje em dia, no Brasil, são utilizados o bilinguismo, o oralismo e a comunicação total, segundo Márcia Goldfeld (idem). Em relação aos índios do Brasil, calcula-se que existiam de 3 a 5 milhões quando da chegada dos portugueses. Esse número, como se sabe, foi reduzido drasticamente devido a pestes, doenças diversas, dizimação pelos colonizadores, além de guerras entre eles. Muitos grupos indígenas foram proibidos de usar suas línguas, de realizar seus ritos, de ter sua própria religião. Foram obrigados a aprender português e obrigados a agir como os europeus e trabalhar para eles. Os índios, assim como os surdos no Brasil e tantos outros países do mundo, sabem o que é não poder se expressar em sua língua materna ou sua língua mais natural, não poder escrever com ela e viver sua cultura livremente, sem ser punido ou julgado por isso. O índio surdo conhece essas duas realidades. E sabe também que vive em um meio de diversidade linguística (multilíngue). Em um meio em que se fala a língua portuguesa, a língua terena, a língua espanhola e/ou inglesa na escola, a LIBRAS e também os sinais terena, o surdo terena luta e resiste, com perseverança, em seus direitos linguísticos, sociais e cognitivos. Ele não deseja se esconder, passar por ouvinte, como muitos já precisaram fazer, mas deseja ser aceito e respeitado em sua totalidade, e para a realização desse objetivo a comunidade deseja contribuir. Este trabalho pretende buscar o conhecimento dos sinais terena, situado na linha de Estudos do Léxico e contribuir para o desenvolvimento de novas teorias linguísticas, bem como contribuir com a comunidade surda e pesquisadores que desejam conhecer as línguas de sinais do Brasil, de diferentes lugares, ainda pouquíssimo registradas. 2.4 Em busca da língua terena de sinais Como já citado, em 2010 recebi a notícia da existência de índios terena surdos nas aldeias do município de Miranda, no Mato Grosso do Sul. Organizei-me então, em 2011, com tudo que seria necessário, para ir ao encontro deles e organizar meu projeto de mestrado. 25 Nessa ocasião, parti sozinha. Não pude levar um especialista em cinematografia e fotografia, e também não sabia o que esperar, o que poderia encontrar de evidências linguísticas e culturais. Fui muito bem recebida pela comunidade. Logo no início fui convidada para uma reunião com a comissão de professores de Cachoeirinha, para que pudesse me apresentar, explicar o meu trabalho e conhecê-los. Eles apreciaram a proposta e solicitaram uma oficina sobre surdos e línguas de sinais, que eu já havia preparado previamente, avisada por colegas e também pela experiência com o povo juruna, que sempre espera por oficinas de formação em sua escola (embora eu não tenha trabalhado sobre línguas de sinais com eles). O momento da oficina, logo nos meus primeiros dias de trabalho de campo, me permitiu conhecer melhor os professores, os alunos, os surdos e as famílias e os amigos dos surdos na comunidade. Foi uma excelente oportunidade para troca de ideias, de conhecimento e reflexão. Em determinado momento da oficina, os professores me pediram licença para discutir entre eles na língua terena. Eu havia acabado de explicar que os surdos gostam de ser chamados de surdos, não de “surdos-mudos”, porque não são mudos, ou de “mudinhos”, “bobos” ou outros nomes que não são convenientes e muitas vezes ofensivos, mas que a sociedade muitas vezes não entende dessa maneira (GESSER, 2009). Eles chegaram à conclusão de que não deveriam mais utilizar a palavra que antes utilizavam para se referir ao surdo, mas outra. Falaram-me também do grande desejo de conversar com os surdos, de fazer com que se sintam mais integrados, o que não conseguem realizar a não ser por meio de um abraço, um sorriso, gestos e apontamentos. Fica claro, então, que não só desejam cursos de LIBRAS mas que também deles precisam, e também dos sinais terena, os professores, familiares e todos os interessados na realidade linguística e cultural dos surdos na comunidade. Nessa primeira viagem conheci seis surdos terena: Elcio, Everton, Maria Elisa, Nilton, Jennifer e Hudson. Visitava as casas da família explicando minha intenção de organizar o projeto de mestrado e coletando dados. O fato de a comunidade ser bilíngue certamente viabiliza mais o trabalho, pois podia me comunicar com as famílias em português, além de usar LIBRAS com todos esses surdos que a utilizam, exceto por Jennifer, na época com 5 anos, que ainda não aprendeu essa língua. Todos esses surdos, exceto por Jennifer, estavam e ainda estão na escola, todos na cidade de Miranda (Elcio agora está na escola pública em Campo Grande e Jennifer em escola estadual indígena na aldeia). 26 Nesses dias me comunicava apenas em LIBRAS com eles, sendo que dois deles (Everton e Tainara) pouquíssimo falavam comigo, demonstrando bastante timidez, geralmente apenas sorrindo e fazendo alguns apontamentos e gestos. Entretanto, pude presenciar um momento de comunicação intensa e expressiva entre Tainara e uma prima sua, com sinais que eu não conhecia, diferentes dos sinais da LIBRAS. Pelos relatos de Ondina também, pude perceber que havia muito ainda a ser descoberto. Em agosto de 2012, juntamente com Evandro de Oliveira Silva, cinegrafista, estive nas aldeias Cachoeirinha, Babaçu, Argola e Morrinho e também em Campo Grande, no estado do Mato Grosso do Sul, para realizar coleta de dados, para que grande parte dos objetivos fosse alcançada. Uso e usarei aqui o termo ‘surdo terena’, seguindo o modelo de denominação de outros pesquisadores, e também com a aprovação da comunidade indígena em geral e dos próprios surdos. Muitas vezes, pode acontecer de o surdo não ter consciência de sua condição, ou levar bastante tempo para adquirir esse conhecimento. Pude observar que os surdos terena já passaram pela fase de saber que são surdos (exceto por um informante, mais novo), e, com perseverança e confiança, procuram fazer valer sua presença na comunidade, seu saber diferente, sua visão, seus direitos, enfrentando qualquer preconceito que possa surgir. Procurei sempre deixar claro nas oficinas que ofereci, e também nas conversas com as famílias, que a LIBRAS, bem como outras línguas de sinais são línguas, com estrutura, padronizadas, com gramática, com arbitrariedade e tudo mais que as línguas de sinais também possuem. Colocamos que as LS são tão importantes quanto as línguas orais e seu uso deve ser incentivado e valorizado pela comunidade. Convivendo com língua de sinais, com a comunidade surda, descobri uma nova visão de mundo, uma outra realidade. É um grande desafio para ouvintes como eu adentrarem pouco a pouco nesse universo visual, mas é também fascinante contemplar essas diferenças com admiração e poder compartilhar dos ricos conhecimentos dessa comunidade. 2.5 Linguística e as línguas de sinais Considerando que a linguística é o estudo da linguagem em seu todo, sendo que, por ser algo abstrato, focamos o estudo das línguas, que são a manifestação linguística de maneira 27 mais concreta e sistematizada (MUSSALIN; BENTES, 2011) e seus atributos variados, visando entender o seu funcionamento como um todo, podemos concluir que o estudo das línguas de sinais pode contribuir grandemente para esse objetivo. Além disso, o estudo de línguas de sinais pode colaborar, como também no caso de línguas orais, línguas orais minoritárias, para o avanço da educação, validação de direitos sociais, melhorias na vida entre a sociedade majoritária. Quadros e Karnopp (2004) relembram características das línguas naturais: flexibilidade, versatilidade, arbitrariedade, descontinuidade, criatividade, produtividade, dupla articulação, padrão de organização dos elementos e dependência estrutural. A LIBRAS possui todas essas características (GESSER, 2009) e não só por ser uma língua em pleno crescimento e ultimamente com mais divulgação devido a leis recentes que a envolvem inclusive demandando diversas mudanças na educação no país, ela também chama a atenção por ser uma modalidade diferente de língua, com a qual podemos aprender diferentes especificidades. Exemplos disso podem ser, por exemplo, os verbos que se modificam com a presença da negação (negativos), ex.: ‘não quero’ versus ‘quero’, ‘não posso’ versus ‘posso’, ‘não tenho’ versus ‘tenho’, ‘não sei’ versus ‘sei’ e alguns substantivos (nomes) que, somados a pronomes possessivos, se modificam, ex.: ‘meu nome’, ‘seu nome’, ‘meu sinal’, ‘seu sinal’. Também em verbos como ‘ajudar’, ‘dar’, ‘receber’, existem mudanças morfológicas ou talvez poderíamos dizer fonológicas, ou seja, que mudam a estrutura interna do sinal de acordo com o pronome pessoal (o interlocutor), ex.: ‘eu te ajudo’ que é diferente de ‘você me ajuda’ e ‘eu te dou’ que é diferente de ‘você me dá’. Temos grandes expectativas também em relação a esses elementos dentro das línguas de sinais indígenas. Esperamos que os estudos dessas línguas possam contribuir ainda mais não só para os Estudos Surdos, mas para a ciência em geral. O Summer Institute of Linguistics pontua que há registro da existência de mais de 121 Línguas de Sinais no mundo (conforme citaremos adiante) mas, a exemplo do que vemos no Brasil, podemos imaginar que haja muito mais, e que portanto, temos muitos dados ainda a serem descobertos, elementos a serem desvendados. No Brasil, ainda temos poucos cursos de ensino superior em LIBRAS. Temos somente nas universidades UFPA (primeira turma), UFSC, e UFG. Há projetos para cursos de graduação em breve em algumas instituições além de alguns cursos de pós-graduação, mas muitos mais precisam ainda ser oferecidos considerando o tamanho do país, a sua população e a população de surdos local. Esses cursos, porém, tem possibilitado a formação de surdos na graduação e 28 pós-graduação (como na UFSC e na UNB) e estimulado as produções científicas na área, além do incentivo à criação de mais escolas bilíngues, para crianças surdas. Entretanto, ainda são necessárias mais produções literárias sobre LIBRAS e outras línguas de sinais do país. Como cita a pesquisadora Shirley Vilhalva, apesar de o país contar com diversos grupos indígenas “que falam 170 línguas orais, há apenas uma Língua de Sinais registrada – a LSK (Língua de Sinais Ka’apor) – cuja existência é mencionada apenas em dicionários ou mesmo em sites” (VILHALVA, 2012, p. 29). Contudo, tive acesso a um material em vídeo desses sinais ka’apor, os quais discutirei brevemente a seguir. É fundamental para o surdo e em especial para a criança surda (em fase de aquisição da linguagem) conviver com outros surdos e conhecer a língua de sinais o mais cedo possível, para o seu desenvolvimento social, educacional e até porque a falta da língua pode prejudicar sua cognição, assim como acontece no caso de ouvintes com as línguas orais. Por isso me preocupo com a situação de Jennifer, que é criança, e ainda não adquiriu nenhuma língua. Ela apenas oraliza poucas palavras do português, mas não oraliza nem faz leitura labial do português, do terena, nem sabe LIBRAS (só poucos sinais) e também não conhece os sinais terena. Visitei Jennifer e sua família junto com Tainara e Graciele (prima de Tainara, também surda), elas lhe deram seu sinal (nome próprio em LS) e as incentivei a visitar Jennifer, mantendo sempre contato, ensinando a ela a LIBRAS e os sinais terena. Sua família é toda de ouvintes, que não sabem LIBRAS nem sinais terena. Quanto aos outros informantes, creio que tiveram mais contato com outros surdos e, se não com outros surdos, com pessoas da família que entendiam e ajudavam a estabelecer seus sinais. Convivendo com os terena surdos e suas famílias, em especial suas mães, conheci alguns de seus sinais. Esses sinais seriam chamados, talvez, de sinais caseiros ou sinais emergentes. Entretanto, neste trabalho usarei apenas o termo “sinal” e/ou “sinal terena”, exceto quando se tratar, de fato, de um sinal caseiro, ou seja, de um sinal particular de um surdo e sua família, que não seja conhecido ou utilizado pelos outros surdos terena com quem trabalhamos. Por um lado os sinais são, de fato, ‘desenvolvidos, construídos’ em casa, pelos surdos, juntamente com seus familiares ouvintes e/ou outros surdos, o que faz deles sinais caseiros. Esses sinais também emergiram em algum momento, provenientes de situações diversas em que era necessário estabelecer comunicação, e provavelmente em um tempo não tão distante, o que faz deles, talvez, sinais emergentes. 29 Entretanto, no caso dos sinais terena, acredito que eles possam e devam ser chamados assim, apenas de sinais ou sinais terena, porque ao que tudo indica, os sinais que coletei já não estão mais na fase inicial de serem construídos, desenvolvidos em casa e não estão emergindo agora mas já foram estabelecidos, fixados, padronizados por seus usuários, os surdos terena e pessoas próximas. Portanto, acredito que será mais apropriado chamar-lhes “sinais”, evitando, também, qualquer sentido pejorativo/preconceituoso que os adjetivos ‘emergente’ ou ‘caseiro’ podem carregar. Mesmo porque, apesar de os termos “sinal caseiro” e/ou “sinal emergente” explicitarem, sim, parte do que seus referentes significam, parece que não atingem a totalidade do significado desses referentes, que vem a ser, de fato, sinais. Nas quatro aldeias que citei, além de Campo Grande, para onde alguns surdos se mudaram, conheci surdos que fazem uso desses sinais terena e, na maioria das vezes, os mesmos sinais, iguais, que usam entre si e com os quais alcançam entendimento, estabelecendo comunicação entre eles, apesar de as aldeias serem distantes, e as casas em Cachoeirinha também. Diante disso, desse aparente padrão de uso, dessa organização, teríamos motivos para acreditar que se trata de uma língua? Como exatamente é possível determinar o que é uma língua e o que não é? Será, talvez, necessário esperar mais alguns anos observando e analisando o uso desses sinais para determinar isso? Como será a aquisição da linguagem se nascerem mais crianças terena surdas? A língua, segundo a visão funcionalista, tem como primeira função servir para estabelecer comunicação com um par (NEVES, 2004). Vemos a motivação para a criação dos sinais terena baseada nessa necessidade constante de expressar idéias, se fazer entender e entender o outro, observando os surdos e os ouvintes terena. Para entender melhor como esse sistema se constitui, buscamos referências em trabalhos semelhantes, realizados no Brasil e em outros países. O trabalho de Vilhalva nos mostra vários indícios de línguas de sinais (terena e guarani) no Mato Grosso do Sul, bem como a pesquisa da educadora Giroletti, com surdos Kaingang. 2.6. Os índios surdos no Brasil e no mundo Trataremos aqui das informações atuais sobre índios surdos no país, incluindo o povo terena, em outros países, e da necessidade de mais informações sobre esses temas. 30 Iniciamos já enfatizando que são necessárias muito mais informações sobre surdos indígenas no país e a(s) língua(s) que utilizam. Cremos que há muito ainda a ser descoberto e os pesquisadores, fundações de apoio à pesquisa e governo devem investir nesses temas, tanto pelo viés antropológico, linguístico, educacional, legislativo, de saúde e outros. Temos o artigo de Kakumasu, de 2004, mas escrito originalmente em 1968, que descreve algumas características como sintaxe e criação dos sinais e explica detalhadamente vários sinais da LSKB. Encontramos também informações do instituto socioambiental sobre esses surdos indígenas em seu site: (...) os Ka’apor são linguisticamente peculiares na Amazônia por terem uma linguagem padrão de sinais, usada para a comunicação com os surdos, que até a metade dos anos noventa compunham cerca de 2% da totalidade de sua população. A incidência de surdez deveu-se evidentemente à bouba neonatal e endêmica, que foi erradicada. (BALÉE, 2008) Em 2012, fizemos a leitura do artigo “O fim do isolamento dos índios surdos” da revista Nova Escola, edição 208/2007, tratando da descoberta de índios surdos e seus sinais em Santa Catarina. O artigo nos levou a conhecer a dissertação da pesquisadora Giroletti (2008), que, como professora e intérprete da LIBRAS para alunos kaingang surdos na Escola Indígena de Educação Básica Cacique Vanhkre, pode pesquisar seus sinais, sua cultura, a influência de sua cosmovisão na criação de seus sinais e em sua educação. A pesquisa é da área de educação, mas nos traz importantíssimas referências linguísticas sobre os SKA (sinais Kaingang da aldeia, como nomeado por Giroletti e pelos surdos Kaingang ), que poderiam, como a própria pesquisadora sugere, ser estudados mais detalhadamente, trazendo ainda mais contribuições à área. No mesmo ano, enquanto fazíamos trabalho de campo, conhecemos o livro “Índios Surdos: mapeamento das línguas de sinais do Mato Grosso do Sul” (2012) de Shirley Vilhalva. Essa obra, que surgiu a partir da dissertação de mestrado da pesquisadora, traz informações sobre os surdos terena e principalmente sobre os surdos guarani, bem como exemplos de seus sinais. 31 2.7. A relação entre o conhecimento dos índios surdos e sua educação Vilhalva observa que o ministério da educação ainda “não desenvolveu nada específico para o índio surdo, pensando em outra língua usada que não fosse a Libras” (VILHALVA, 2012, p. 79). Este presente trabalho aponta que há outras línguas de sinais sendo utilizadas no Brasil e os terena, com o apoio em especial dos agentes de educação devem exigir do governo a ampliação das suas possibilidades nesse sentido, construindo, por exemplo, novos projetos político pedagógicos. É possível perceber então que a história do povo terena é marcada por perdas e conquistas desde o início e que esse povo continua lutando em busca de melhorias de sua situação atual, nos âmbitos social, linguístico e em outros. Também percebe-se que os surdos terena possuem diversos sinais que retratam sua cultura e que as línguas de sinais, com várias características como a iconicidade, por exemplo, podem contribuir para o crescimento de discussões nas pesquisas sobre linguística do país e do exterior. 32 3. Discussão sobre surdez e línguas de sinais no mundo e no Brasil 3.1. Sobre Surdez É sabido que o diagnóstico da surdez traz, junto com ele, os pré-construídos culturais em relação ao ‘ser surdo’: impossibilidade de falar, de aprender, falta de inteligência, insucesso na escola, incapacidade de conseguir um bom emprego etc. Quando uma família ouvinte descobre que o filho é surdo, tem de fazer escolhas: se realizará a cirurgia de implante coclear, se aprenderá a língua de sinais, se comprará um aparelho auditivo, se submeterá o filho à terapia fonoaudiológica, se irá colocá-lo em uma escola regular ou especial. (SANTANA, 2007, p.13) As famílias terena também passam por esses dilemas, comuns a todas as famílias de surdos. Apenas em relação à cirurgia de implante coclear parece não existir muita preocupação ou conhecimento em relação ao tema, porém todos os outros aspectos pertinentes ligados à surdez citados pela autora são constantes preocupações dos pais ouvintes com seus filhos surdos com que trabalhei: de ordem médica (sobre a etiologia, o diagnóstico e a cirurgia de implante coclear); de ordem lingüística (processos diferentes de aquisição e de desenvolvimento da linguagem oral e/ou de sinais); de ordem educacional (abordagens específicas para o surdo); de ordem terapêutica (acompanhamento especialmente no campo da fonoaudiologia); de ordem social (dificuldade nas interações com ouvintes); de ordem trabalhista (dificuldade de arranjar emprego e luta pelo aumento da “cota” de vagas para deficientes); e de ordem política (luta pelos direitos dos surdos e pelo reconhecimento da língua de sinais) (SANTANA, 2007, pp. 13-14). Sobre o aspecto de ordem médica, pode-se perceber que a grande maioria dos pais e outros familiares, se não todos, tem grande interesse em conhecer mais da etiologia da surdez, assim como acontece com não-indígenas. Muitos pais nessa situação questionam o porquê disso ocorrer com eles, se possuem alguma “culpa” por isso ter ocorrido ou se não, a quem ou ao que deve ser atribuída essa culpa. Os diagnósticos aos quais tivemos acesso, cedidos pelos pais da maioria dos surdos terena, atestando sua surdez, foram dados quando eles estavam com dois anos ou mais de idade. Isso é um fato comum e não ocorre apenas em terras indígenas mas também nas áreas urbanas. Muitas vezes a percepção da surdez nos filhos, especialmente de pais ouvintes, pode demorar para ocorrer. Hoje a detecção da surdez por meio de testes em bebês recém-nascidos é muito comum, mas não o era até tempos recentes. 33 Por isso essa descoberta acontece muitas vezes apenas na época característica da aquisição da linguagem, ou com o atraso dessa. Isso, segundo os próprios pais com quem trabalhamos e segundo literatura consultada, faz com que tratamentos específicos que podem contribuir para uma melhora ou talvez recuperação da audição não possam ser realizados a tempo. Quanto aos processos diferentes de aquisição e de desenvolvimento da linguagem oral e/ou de sinais, alguns dos pais revelam que não tiveram informações suficientes para saber como proceder. Entretanto, muitos pais tomaram conhecimento acerca das línguas de sinais em algum momento da infância das crianças. Graciele estudou até concluir o Ensino Fundamental II no CEADA, escola para surdos de Campo Grande, na qual aprendeu a LIBRAS, língua na qual é proficiente e sobre a qual apresenta ter muito conhecimento, e orgulho por isso. Uma das mães (Ondina) nos contou que ao perceber que sua filha, ainda bebê, buscava se comunicar com gestos assim como dois de seus irmãos (que também são surdos), se preocupou muito, bem como sua avó, que decidiu criá-la para que assim ela não sofresse “influência” da prática dos irmãos de se comunicarem por gestos. Entretanto, passado um ano, visto que a menina, que de fato é surda e continuava a se comunicar com gestos, não estava apenas imitando os irmãos, como se acreditou no início, voltou a viver com seus pais, que moravam numa casa próxima. Percebendo que seus filhos necessitavam se comunicar por um meio visual gestual, então, os pais optaram por não discriminar esse meio de comunicação, apesar da preocupação com a influência que isso teria no processo de aprenderem a língua oral, que também gostariam que seus filhos aprendessem. Entretanto, o incentivo ao uso dos sinais logo passou a existir, visto que era notadamente o que mais agradava aos filhos. Hudson também logo se mudou com a família para a capital e lá também estudou em escolas para surdos. Hudson sempre estudou LIBRAS e por ela se interessou e também pela oralização/leitura labial da língua portuguesa, à qual se dedicou, estudando na cidade de Miranda. Temos como informantes surdos que nunca aprenderam LIBRAS e nem aprenderam a fazer oralização/leitura labial do português. De maneira geral, os pais não apresentam preconceito em relação à visão de mundo surda e à preferência por sinais dos filhos, tanto que sempre utilizaram e ajudaram no processo de criação de seus sinais. Na ordem terapêutica, em relação a tratamentos com fonoaudiólogos, tivemos acesso a documentos de vários pais que mostram a preocupação de levá-los sempre a esses profissionais, que indicam a evolução e/ou a estabilidade da surdez em seus filhos, sendo que alguns desses profissionais chegaram a ensinar LIBRAS para os surdos terena e são responsáveis por encaminhá-los a outras instituições como o FUNCRAF( Fundação para o 34 Estudo e Tratamento das Deformidades Crânio-Faciais), que oferece tratamentos na área odontológica e em outras de surdos e pessoas com deficiências crânio-faciais. Esses exames com fonoaudiólogos eram e ainda são feitos periodicamente, desde a descoberta da surdez; a princípio de 6 em 6 meses e recentemente uma vez por ano. Quanto à educação, os pais demonstraram sempre ter tido muitos cuidados com seus filhos nessa área. Alguns mudaram-se para Campo Grande devido a ofertas de empregos e matricularam seus filhos em escolas para surdos, com ensino de LIBRAS, como já dito. Outros matricularam seus filhos em escolas na cidade de Miranda, apesar de desejarem que seus filhos pudessem estudar nas escolas indígenas da aldeia, que infelizmente não estavam e ainda não estão preparadas para tanto – como já colocado no DVD anexo a essa dissertação impressa. Outros ainda, preocupados com as dificuldades que seus filhos enfrentariam, procuraram educá-los na medida do possível em casa ou, como aconteceu recentemente, matriculá-los em escola da aldeia, mesmo sabendo que essa não possui ainda a estrutura necessária para dar a educação necessária a essa criança. Creio que podem ser acrescentados, quanto a preocupação de ordem social, a dificuldade também em relação a outros surdos, em relação a relacionamentos afetivos que serão desenvolvidos (como se casamentos serão bem sucedidos ou não), a relação com os terena ouvintes de maneira geral, o contato com as histórias do povo terena e de certa forma como isso poderá influenciar na construção da identidade e/ou da identificação com esse povo. Pude conversar acerca desse temas e ouvir o desabafo de alguns pais em relação a essas preocupações com seus filhos, especialmente das mães de surdos terena. Certamente a preocupação com empregos e meios de sustento para os filhos surdos é uma constante entre esses pais. É difícil para qualquer terena ouvinte pensar nas questões trabalhistas, até os dias de hoje, mas já colocado por outros pesquisadores há algum tempo, como Ladeira. Os surdos certamente são passíveis de sofrer ainda mais preconceitos para trabalhar na cidade e talvez mais dificuldades para trabalhar nas aldeias nas quais é cada vez mais difícil trabalhar com agricultura – como já citado - mas estão conseguindo reivindicar seus direitos perante a sociedade majoritária, com muita determinação. A busca pelo respeito às línguas de sinais e aos surdos na comunidade também é perceptível, e buscada de forma constante. As famílias dos surdos consultadas e também professores, diretores, coordenadores e amigos dos surdos na comunidade estão buscando maneiras de exigir a formação para intérpretes/instrutores de LIBRAS terena para trabalhar com esses surdos nas escolas da aldeia. Além disso, muitos pais, como Ondina e Seu Gildo 35 (pais de Elcio, Everton e Tainara) buscam o reconhecimento e o respeito de outros ouvintes da comunidade pelos surdos, pela LIBRAS e também pelos sinais terena, que parecem apreciar muito. 3.2. Sobre surdos, línguas e a relação da aquisição da linguagem e cognição Santana pontua que A discussão sobre o funcionamento cognitivo na surdez não pode se referir apenas aos aspectos biológicos. A organização cognitiva particular está também relacionada à percepção do mundo e à construção da significação. Podemos dizer que, na surdez, encontramos uma condição neurolinguística de grande complexidade, em decorrência das condições de aquisição da língua, do uso da leitura labial, da língua de sinais, da fala, da “audição” resultante das próteses auditivas e dos implantes cocleares, dos aspectos culturais e do impacto político e social desses aspectos na vida dos surdos. E esses fatores dependem ainda de outras variáveis: usos da língua, interlocutores proficientes, possibilidades de adquirir uma segunda língua, métodos formais ou informais na aprendizagem da segunda língua e a relação de cada sujeito com essa(s) língua(s). (...) Assim, cabe a indagação de como podemos pensar o funcionamento cerebral ante a surdez e as condições de linguagem heterogêneas. (SANTANA, 2007, p. 15) Essa indagação nos leva a refletir sobre a cognição ante a surdez e as condições de linguagem que, mais do que para os surdos que habitam nas áreas urbanas brasileiras, são heterogêneas. Podemos perceber em relação a nossos informantes que a cognição de cada um não parece ter sido prejudicada, de nenhuma maneira. Isso leva a entender que, no período crítico da aquisição da linguagem, eles tiveram, sim, acesso a alguma língua. Sabemos que essa língua não foi a língua oral terena nem o português, como já dito, pois apenas um dos informantes oraliza/faz a leitura labial do português. À Língua Brasileira de Sinais, de acordo com as informações que recebemos, os surdos que a conhecem só tiveram acesso a partir dos 6, 7, 8 anos ou ainda posteriormente, com fonoaudiólogos, professores e intérpretes na cidade, visto que nas aldeias ninguém fala a LIBRAS. Outras línguas não são faladas na comunidade, então resta-nos concluir que essa língua ou sistema de comunicação que permitiu a eles o pleno desenvolvimento de sua cognição e das habilidades a ela ligadas foram os sinais terena, sinais que a princípio eram caseiros, criados por eles e por suas famílias mas que com o 36 tempo, com o contato entre esses surdos, de alguma maneira parece ter e continuar sendo padronizado com a continuidade do uso. Essa é uma conclusão muito relevante que nos leva a ter esperanças de logo poder ter condições de estabelecer qual o papel real desses sinais próprios na vida desses surdos, podendo, inclusive, contribuir para pesquisas de temas semelhantes e podendo dialogar com elas e descobrir se esses sinais efetivamente constituem uma língua. A autora coloca que surge uma série de dicotomias quando discutimos o tema surdez, e estas refletem as diferentes posições que os surdos têm de tomar diante da impossibilidade de ouvir. Não são posições tomadas ao acaso, tampouco são ideologicamente neutras. Elas estão relacionadas com os conflitos e as pressões sociais que os surdos enfrentam na sociedade ouvinte: deficiente/diferente; cultura surda/cultura ouvinte; normalidade/anormalidade; linguagem oral/ língua de sinais. (SANTANA, 2007, p. 22) De maneira geral, podemos perceber que os surdos terena se enxergam e procuram se posicionar como diferentes, não como deficientes. Reconhecem, sim, a surdez como patologia, mas isso não impede de se enxergarem como plenamente capazes de desenvolverem-se como indivíduos completos, com habilidades e conhecimentos como os de qualquer ouvinte para trabalhar, estudar, aprender, se divertir, formar uma família e cumprir com qualquer responsabilidade esperada de um ouvinte pela sociedade. Eles diariamente sentem a visão de ouvintes e ocasionalmente talvez até a pressão para que eles mesmos se enxerguem como deficientes, incompletos, entretanto, eles mesmos não se sentem assim, sabem que são apenas diferentes. Eles aparentam também ter consciência de possuir características diferentes dos ouvintes, elementos que podem ser identificados como pertencentes a uma cultura específica, como, por exemplo, o tipo de piada, de histórias que se contam, de brincadeiras que se fazem e a maneira como essas surgem muito espontaneamente, que são reconhecidas por serem da cultura surda. Eles não parecem entender sua condição como anormalidade, sendo em sua maioria muito independentes e não aceitando o preconceito de ouvintes que insistem em vê-los como incapazes, desprovidos de conhecimentos ou inteligência etc. Os surdos terena em nenhum momento declararam considerar a língua oral superior às línguas de sinais ou aparentam acreditar nisso. Eles apenas conseguem identificar e reconhecer que os ouvintes tem a língua oral e mais especificamente o português como a “língua nacional”, como a mais importante do território. Fica claro que gostam de usar sinais, se identificam com esse tipo de língua, muito mais do que com as línguas orais, apesar do fato 37 de que gostariam de poder se comunicar mais e melhor com os ouvintes, que nem sempre se esforçam para ou conseguem aprender os sinais para estabelecerem contato com eles. A discussão sobre o normal e o patológico antecede a discussão de surdez como diferença ou deficiência. Definir o que é normal ou anormal não diz respeito apenas a questões biológicas, mas, principalmente, a questões sociais. Para Canguilhem (1995), o anormal não é o ser humano destituído de norma, e sim aquele que possui características diferentes e não faz parte da média considerada normal, que segue as normas estabelecidas socialmente. Características individuais distintas do esperado não são bem-vistas. Esse processo ocorre tanto em contexto social, quando, por exemplo, são discriminados os que não conhecem a norma culta da língua falada e escrita, quanto clínico, em que de fato é feita uma “cisão”, referendada por uma “autoridade”, que faz que o indivíduo deixe de pertencer ao normal para integra r o patológico.(...) Em outras palavras, a individualidade é vista como um desvio e, portanto, deve ser corrigida para adequar a pessoa ao que é considerado normal, evitando-se a discriminação. Discriminação esta de que são alvos os gagos, os afásicos, os surdos, os disfluentes, enfim, todos aqueles que fogem à norma vigente. (SANTANA, 2007, p. 23) Apesar de existirem outros estados patológicos, o do surdo parece ser considerado o pior pela sociedade majoritária, como se fosse o mais distante dentre todos esses citados,pois, a partir do momento em que não ouve, não poderia de maneira alguma “falar”, e portanto aprender, refletir, pensar, algo que indivíduos com os outros pathos poderiam realizar, se aproximando mais do “falante ideal” esperado pela sociedade. Assim, um trabalho como este, que mostra o surdo e, mais especificamente, o surdo terena em sua individualidade, fazendo suas atividades conforme suas necessidades e desejos, e que tem uma vida em sociedade como a de qualquer pessoa comum, pode mostrar que essa visão de surdos restrita ao patológico pode ser repensada. 3.3. A língua de sinais, a cultura e a identidade do surdo A identidade do surdo não é uma só, fixa, imutável, certamente é heterogênea, constituída de vários elementos e práticas. Não existe um só tipo de surdo, mas a língua de sinais certamente pode determinar e determina muito dessa identidade e dessa cultura para vários surdos. Acerca da visão preconceituosa da sociedade ouvinte perante os surdos, Santana postula que conferir à língua de sinais o estatuto de língua não tem apenas repercussões lingüísticas e cognitivas, mas também sociais. Se ser anormal é caracterizado pela 38 ausência de língua e de tudo que ela representa (comunicação, pensamento, aprendizagem etc.),a partir do momento em que se tem a língua de sinais como língua do surdo, o padrão de normalidade também muda. Ou seja, a língua de sinais legitima o surdo como “sujeito de linguagem” e é capaz de transformar a “anormalidade” em diferença. Isso é resultado de uma luta pela redefinição do que é considerado normal. A idéia de que a surdez é uma diferença t raz com ela uma delimitação de esferas sociais: a identidade surda, a cultura surda, a comunidade surda. (SANTANA, 2007, p. 33) Uma prova concreta e notável dessa legitimação são as leis criadas a partir desse reconhecimento (da LIBRAS como língua) no Brasil, para que educação, serviços de transporte e saúde, dentre outros, possam ser efetivamente oferecidos aos surdos no país, além do interesse por aprender essa língua, incluindo muitos ouvintes. Entretanto, apesar do uso e legitimação das línguas de sinais, do uso de novas tecnologias que de alguma maneira permitem ao surdo uma percepção de sons (como implantes cocleares e aparelhos de surdez) e técnicas que lhes permitem oralizar o português, por exemplo, eles continuam sofrendo preconceitos, enraizados na sociedade: Mesmo estando bem integrados no ‘mundo dos ouvintes’ – ouvindo, falando ou usando a língua de sinais -, eles continuam sendo e sempre serão surdos e, por isso, tratados como tal. Não parece ter havido avanços tecnológicos ou lutas de política lingüística capazes, até hoje, de acabar com esse modelo socialmente postulado: o “bem falar”. A fala do surdo, caracterizada em geral por distorções, omissões e modulação vocal fixa, não é aceita. Talvez por isso seja comum a idéia de que a fala dele é sempre artificial, como se fosse um estrangeiro diante de uma língua desconhecida. (SANTANA, 2007, p. 39) Ao que tudo indica, a visão do surdo como um ser humano “incompleto” não mudará dependendo de mudanças na vida da comunidade surda, mas sim na visão da sociedade ouvinte perante os surdos. Somente com educação e muitas informações acerca dos surdos, sua língua e sua cultura é que o preconceito poderá ser, talvez, erradicado ou diminuído. Gostaria ainda de destacar determinada reflexão que contribui para uma visão que guia meu método de trabalho pois influencia na coleta e análise de dados dessa investigação: é importante refletir (...) sobre o fato de que ao falar dos surdos como totalidade, poderíamos cometer o mesmo erro que atribuíamos à ideologia dominante e que criticamos. Às vezes, ao falar dos “surdos” podemos, involuntariamente, descrever somente o s surdos homens, brancos, de classe média, que freqüentam as instituições escolares, que fazem parte dos movimentos de resistência, que lutam pelos seus direitos lingüísticos e de cidadania, etc. Por isso, a totalidade não é positiva nem negativa. Seria um equívoco conceber os surdos como um grupo homogêneo, uniforme, dentro do qual sempre se estabelecem sólidos processos de identificação. Também fazem parte dessa configuração que denominamos “surdos”, os surdos das classes populares, os surdos que não sabem que são surdos, as mulheres surdas, os surdos 39 negros, os surdos meninos de rua, entre outros e, ainda, os receios, as assimetrias de poder entre surdos, os privilégios, a falta de compromisso com as reivindicações sociais, etc. (SKLIAR, 2013, pp. 14-15) Portanto, ter sempre a consciência de que não existe uma identidade homogênea entre os surdos, inclusive entre os surdos terena, auxilia a pesquisadora no processo de compreensão das múltiplas identidades surdas terena e sua relação com o uso de sinais da LIBRAS, sinais terena e as línguas que as cercam. O objetivo de reafirmar as línguas de sinais como línguas, continuamente – pois sim, ainda se sente essa necessidade atualmente – e o conhecimento e respeito por suas características, também orientou esta pesquisa. Como coloca Skliar: (...) a linguagem deveria ser definida independentemente da modalidade na qual se expressa ou por meio da qual se percebe. Em outras palavras, a linguagem possui uma estrutura subjacente independente da modalidade, seja essa auditivo-oral ou visuogestual. Desse modo, a língua oral e a língua de sinais não constituem uma oposição, mas sim, canais diferentes para a transmissão e a recepção da capacidade mental da linguagem. Mesmo agora, quando numerosas pesquisas já têm demonstrado que as línguas de sinais cumprem com todas as funções descritas para as línguas naturais, ainda persiste e chama a atenção a sua desvalorização, o seu tratamento como mescla de pantomima e de sinais icônicos, e a sua consideração como um pidgin primitivo. (SKLIAR, 2013, p. 24) Em seu trabalho de mestrado, Cultura surda e educação escolar Kaingang, Giroletti relata que uma inquietude que tinha em sua pesquisa eram os sinais próprios dos kaingang e a sua relação com a LIBRAS: Em alguns momentos, era usada a LSB; em outros, os sinais da comunidade, e ainda em outras conversações podia-se perceber que a LSB e os sinais próprios da aldeia se entrelaçavam. Devia-se investigar se os sinais apresentados eram ligados à cultura local ou se eram momentâneos.(...)Buscou-se responder a que momentos os sinais se legitimam e em que contexto eles se fundem e se entrelaçam à LSB. (GIROLETTI, 2008, p. 26) Ela coloca ainda que havia todo um cuidado no registro dos sinais, procurando observar se eles se repetiam diversas vezes em vários momentos e se eles se configuravam como linguagem (p. 27). Essas preocupações e observações permeiam também o meu trabalho. Assim como a pesquisadora, busco observar e registrar os sinais indígenas, bem como notar a freqüência de uso deles, que é constante, ainda que no caso de alguns surdos – os que falam a LIBRAS – eles sejam utilizados em diversas ocasiões concomitantemente com o uso da LIBRAS. A 40 relação da cultura terena e seus elementos com esses sinais também sempre foi questionada, como já citado e como pode ser percebido na descrição e análise dos sinais terena. Assim como Giroletti, também procuro coletar esses dados sem fazer intervenções bruscas, sem influências ou com o mínimo de influência que seja possível na posição de pesquisador. Sem o respeito pelo diferente não é possível realizar um bom trabalho lexicográfico e talvez nenhum tipo de trabalho científico de qualidade. Isso se aplica também a trabalhos como este, com línguas de sinais, e mais, com línguas de sinais de povos indígenas. Numa investigação como esta trabalha-se com duas culturas, a cultura indígena e a cultura surda (terena, no caso). Ambas com sua beleza, com suas especificidades. A cultura surda com sua avidez por saber e se expressar usando sinais e muitas vezes esperando que o ouvinte que fala língua de sinais conheça todos os sinais também e a calma, a “paciência terena” em ensinar, explicar os sinais, várias vezes se for necessário. A cultura surda de se orgulhar de sua língua de sinais e de ser diferente da maioria, e a cultura terena de muitas vezes se sentir (e ser) isolado linguisticamente e às vezes socialmente por ser surdo, por usar língua de sinais. A cultura surda aprecia danças, música, e dá as mãos à cultura terena que possui a dança do bate-Pau (ou Dança do Penacho), dança da Siputrena e outras lindas danças. Tudo isso deve ser levado em consideração no momento de se coletar os dados para a pesquisa, o contexto cultural, a visão de mundo diferente, ainda mais quando se trata do uso de sinais diferentes, de sinais criados e utilizados por eles na aldeia. Todo o cuidado possível é essencial, tanto no momento da coleta quanto no momento de análise desses dados posteriormente, pois se um dicionário reflete o que existe em uma língua, é necessário lembrar que uma língua reflete muitas vezes uma cultura, um conhecimento geralmente inacessível a muitas pessoas, em especial quando se trata de línguas indígenas no Brasil. De maneira geral, observa-se a estreita relação entre língua e sociedade. Se a sociedade e o governo não despertam para a importância de se respeitar as línguas, as variedades e diferenças linguísticas, fica difícil a situação linguística no país, principalmente para as minorias, como surdos e índios. Vemos que língua também pode ser instrumento de poder, instrumento de dominação, de opressão (SCHERRE, 2005, p. 9-10). Assim, deve-se refletir acerca de mudanças linguísticas que já ocorreram e as que ainda precisam acontecer no Brasil, inclusive em relação a LIBRAS, sobre o preconceito linguístico envolvendo o uso do português e outras línguas, especialmente de minorias, como surdos e índios e também sobre a identidade ligada às línguas, em especial dos surdos, no caso desta pesquisa. 41 3.4. Sobre gestos, sinais caseiros e sinais Sobre gestos usados pelos surdos, Santana coloca que Para fugir do isolamento social resultante da ausência de língua, a criança surda usa gestos, icônicos e indicativos, a fim de comunicar-se com os ouvintes. O uso de gestos não é exclusivo dos surdos, pois pequenos ouvintes também os produzem e interpretam durante seu desenvolvimento. Pelo fato de a língua de sinais possuir um canal visuo-manual, os sinais são confundidos, muitas vezes, com gestos. Contudo, uma seqüência de gestos não implica uma língua.Mas até que ponto os gestos fazem parte da língua? Como poderíamos discutir a relação entre gesto e língua tomando como posto de observação o contexto da surdez? (SANTANA, 2007, p. 79) Estudar essa relação parece muito conveniente e enriquecedor para um trabalho como o nosso, visto que uma seqüência de gestos não implica uma língua necessariamente, mas podem ser parte fundamental do início de uma, no caso das línguas visuais. A autora diz que nos estudos sobre a língua de sinais, há poucas referências à s ua relação com o gesto. Tem-se privilegiado, geralmente, a análise da estrutura “padrão” – principalmente em relação à língua de sinais brasileira – enquanto há ainda muitos pontos a serem considerados: relação gesto/língua, discussão sobre o processo de aquisição da língua de sinais, interações efetivas e não efetivas das quais o surdo participa. (SANTANA, 2007, p. 83) Acreditamos que trabalhos como esse, que avaliam sinais criados em uma comunidade específica, em um período relativamente recente (provavelmente menos de um século) e que podem configurar uma língua podem contribuir para uma boa análise dessas relações. A autora explica que no desejo de participar, interagir e comunicar-se, as crianças surdas filhas de pais ouvintes criam um sistema de comunicação particular, denominado, para alguns autores, de simbolismo esotérico e, para outros, de sinais domésticos (home signs). Simbolismo esotérico é o nome dado por Tervoort (1981) ao modo de comunicação gestual particular entre o filho surdo e os pais ouvintes. A formalização dessa significação é chamada, pelo autor, de linguagem esotérica (esoteric language) devido à forma como é construída: por meio da produção de gestos e mímica que nada mais são do que representações subjetivas de objetos e situaçõ es. A criança imita aquilo que lhe chama mais atenção. Ela coloca a subjetividade em ação ( o que o objeto significa para ela: medo, alegria etc). (SANTANA, 2007, pp. 83-84) Santana cita outros autores que chamam esse conjunto de gestos de “sinais domésticos” (Goldin-Meadow, 1979; Mayberry, 1992; Morford, 1996 apud Santana, 2007). 42 Segundo Morford, eles são estruturados independentemente da fala e exibem muitas similaridades com a língua de sinais. Contudo, sua estrutura envolve generalizações simples. Os gestos podem ser definidos como: dêiticos (que marcam referência no ambiente) e icônicos ou descritivos (as pantomimas). O uso dos gestos não está diretamente relacionado à aquisição da língua de sinais, mas o grau do domínio dessa língua depende da estrutura dos gestos. Isso evidencia que os gestos influenciam a aquisição da linguagem: a representação icônica é importante para o processo lingüístico. Morford ainda defende que esses gestos refletem o desenvolvimento da capacidade lingüística inata da criança na ausência da linguagem. Ou seja, as crianças criam o próprio sistema comunicativo quando não recebem input lingüístico. (MORFORD, 1996 apud SANTANA, 2007, p. 85) Consideramos ainda muito relevante colocar uma tese de Kegl, Senghas e Coppola (1999 apud Santana, 2007) citados pela autora: Para os autores, os sinais domésticos podem ser considerados mímicas, mas não contêm sistema gramatical. São realizados com o corpo todo, e a comunicação depende fortemente do contexto, quase como sinais individuais. As expressões faciais transmitem afeto, mas não correspondem a um sistema gramatical, diferente da língua de sinais. Contudo, se uma criança que produz esses sinais entrar em contato com outra que também os produza, estes podem se tornar mais estruturados, mas somente entre as crianças que possuem idade inferior a sete anos. Os autores acrescentam que os sinais domésticos não podem ser considerados um pidgin para a origem da criolização. (KEGL, SENGHAS e COPPOLA, 1999 apud SANTANA, 2007) Como já foi colocado, os sinais terena desenvolveram-se quando os surdos terena que os utilizam eram crianças, em fase de aquisição da linguagem, mais especificamente começando quando tinham seus 2, 3 anos de idade. Entretanto, os sinais que conhecemos e estudamos hoje parecem estar longe de ser apenas mímicas, sem qualquer sistema gramatical. Não são realizados com o corpo todo, como seria próprio de pantomimas, mas em geral apenas com as mãos e expressão facial. De acordo com o que presenciamos, essas expressões faciais são capazes de exprimir afirmação, negação, dúvida, ordem (uso do imperativo) e outras características presentes em línguas de sinais, e não simplesmente afeto. Pode ser que esse tipo de sinal, como se sabe pela literatura acerca da origem das línguas de sinais, possa originar uma língua de sinais de uma comunidade em particular e/ou de um país. 3.5. Etiologia da surdez Gesser coloca as seguintes causas para a surdez: 43 Dentre as causas congênitas, o contato do embrião ou feto com os vírus da rubéola, sífilis, toxoplasmose, citomegalovírus e herpes são as causas mais recorrentes. Outros indicadores de riscos para os recém-nascidos são as anomalias craniofaciais, hiperbilirrubinemis, neurofibromatoses, meningite bacteriana, medicações ototóxicas etc. (GESSER, 2009, p. 72) Sobre o tipo de surdez – visto que existem diferentes tipos, bem como ocorre no caso dos surdos terena – citando Santos, Lima e Rossi, a autora explica que Pode ser condutiva, neurossensorial ou mista. A condutiva ocorre por uma ‘alteração na orelha externa (meato acústico) e/ou média (membrana timpânica, cadeia ossicular, janelas oval e redonda e tuba auditiva)’. Já o tipo neurossensorial afeta a cóclea e/ou o nervo auditivo. As perdas auditivas mistas, por sua vez, englobam alterações condutivas e neurossensoriais. (SANTOS, LIMA &ROSSI, 2003: 19-20 apud GESSER, 2012, p. 72) Quanto ao grau de surdez, este “pode variar de leve a profundo. A surdez leve pode, entretanto, ir se agravando com o tempo e virar surdez profunda” (Gesser, 2012, p. 72). Colocamos a seguir a tabela do BIAP (Bureau International d’ Audiophonologic) com a classificação dos graus de surdez em decibéis: Classificação BIAP (Bureau International d’Audiophonologic) Graus de surdez: - Leve – entre 20 e 40 dB - Média – entre 40 e 70 dB - Severa – entre 70 e 90 dB - Profunda – mais de 90 dB • 1º Grau: 90 dB • 2º Grau: entre 90 e 100 dB • 3º Grau: mais de 100 dB4 Estudos recentes também apontam causas desconhecidas muitas vezes e há alguns manuais para pais que descobrem a surdez dos filhos, que apontam a genética como principal 4 Retirada do site http://www.deficiencia.no.comunidades.net/index.php?pagina=1400768552 , acesso em 21/08/ 2013. http://www.deficiencia.no.comunidades.net/index.php?pagina=1400768552 44 causa, como o “Common Causes of Hearing Loss: for parents & families” (2004, p.3) de Harvard. Entretanto, gostaríamos de pontuar que muitas vezes a preocupação com a etiologia, com os diagnósticos, ganha um papel de destaque quando o tema é a surdez, e então a deficiência parece ser a única forma de enxergar a questão. Essa é a visão de maneira geral da classe médica, e induz a “soluções” como tratamento com implante coclear e aparelhos auditivos. Entretanto, sabemos que esse tipo de resposta ainda apresenta muitos problemas, mesmo quando o implante coclear mais avançado tecnologicamente é utilizado, pois este é capaz de estimular apenas 27 nervos auditivos, enquanto existem milhares de canais com diversos desses nervos (SANTANA, 2007). Como lingüistas, consideramos que devemos repensar formas de classificação de surdez e de enxergar os surdos: podemos falar do surdo como mais ou menos fluente em língua de sinais, enxergando a questão destacando as partes lingüística e cognitiva. 3.6. Línguas de sinais no mundo No artigo “Demographic Information On Sign Languages Around the World: Field Survey Notes”, de 2007 do SIL (Summer Institute of Linguistics) temos a notícia de línguas de sinais diferentes existentes em mais de 80 países ao redor do mundo. O artigo tece breves comentários acerca da língua de sinais de cada um desses países, com informações obtidas a partir do contato com escolas e clubes, locais apontados em mapas nesse trabalho, muito comuns aos surdos e geralmente conhecidos por eles nesses países. São citados livros, artigos, dicionários e outros recursos existentes acerca dessas línguas de sinais, mas de modo bastante resumido. De algumas dessas línguas são conhecidas apenas listas de palavras. No final, ain