307 Oliveira F.S., Delfini A., Martins L.L., Faria Jr. D. & Machado M.R.F. 2009. Obstrução intestinal e enterotomia em tigre d´água (Trachemys dorbignyi). Acta Scientiae Veterinariae. 37(3): 307-310.Acta Scientiae Veterinariae. 37(3): 307-310, 2009. HOSPITAL FORUM Pub. 849 ISSN 1679-9216 (Online) Obstrução intestinal e enterotomia em tigre d’água (Trachemys dorbignyi) Intestinal obstruction and enterotomy in d’orbigny’s slider (Trachemys dorbignyi) Fabrício Singaretti de Oliveira1, Aline Delfini2, Leandro Luís Martins3, Domingos de Faria Junior4 & Márcia Rita Fernandes Machado3 1Departamento de Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Campus de Umuarama, Av. Colombo no. 5790, Jd. Universitário, CEP 87020-900 Maringá, PR, Brasil. 2Universidade Paulista (UNIP), Campus de Campinas, SP, Brasil. 3Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus Jaboticabal, SP. 4Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Campus Sinop, MT, Brasil. CORRESPONDÊNCIA: F.S. Oliveira [singaretti@ig.com.br ; Fax: +55 (44) 3621 9412]. Received: January 2009 Accepted: March 2009www.ufrgs.br/actavet RESUMO A obstrução intestinal ocorre em quelônios, principalmente em decorrência de parasitismo e corpos estranhos, como pedras e areia. Um caso de compactação intestinal foi descrito em um tigre d’água macho com aproximadamente cinco anos de idade. O animal foi atendido no Hospital Veterinário da UNICASTELO, Campus Fernandópolis, SP, apresentando anorexia há uma semana, desidratação severa e estupor. O diagnóstico definitivo foi realizado mediante exame radiográfico simples, no qual se verificou grande quantidade de material radiopaco intestinal compactado. O animal foi submetido à celiotomia de emergência para retirada dos corpos estranhos intestinais. Para a indução e manutenção anestésica, utilizou-se anestesia inalatória com isofluorano. Após antissepsia local, uma abertura de 4cm2 foi realizada no plastrão com auxílio de serra vibratória. O peritônio foi incidido, o intestino exteriorizado e a enterotomia realizada. Durante a cirurgia, o animal foi novamente submetido a exames radiográficos para confirmação da retirada dos corpos estranhos. Foi utilizado fio mononylon 4-0 para sutura intestinal em dois planos e peritonial em único plano. O segmento do plastrão retirado foi recolocado e fixado com resina epóxi e gaze, imperme- abilizando-a. No período pós-operatório, o animal recebeu analgésico por dois dias e pentabiótico por cinco dias após a cirurgia. Alimentação oral pastosa foi fornecida via sonda do segundo ao décimo dia, com ótima recuperação clínica-cirúrgica. Descritores: obstrução intestinal, enterotomia, cirurgia, tigre d’água, Trachemys dorbignyi. ABSTRACT Intestinal obstruction occurs in chelonian mainly due parasitism and foreign bodies, as stones and sand. An intestinal compaction was described in a five year-old male d’orbigny’s slider which was taken to the Veterinary Medical Teaching Hospital of the UNICASTELO, at Fernandópolis, SP, Brazil, presenting anorexia for a week, severe dehydration and stupor. Definitive diagnostic was performed by radiographic exam and great amount of intestinal radiopac substance was detected. The animal went through emergency celiotomy for removing the intestinal foreign bodies. Inhalatory anesthesia with isofluorane was used for anesthesia induction and manutention. After local antisepsy, a 4cm2 oblique opening was conducted on plastron by using a vibratory saw. Peritoneum was cut, intestines exteriorized and enterotomy performed. During the surgery, the animal was radiographed to confirm the complete taken out of the foreign bodies. Mononylon 4-0 strand was applied for intestinal suture in two planes. The plastron piece that was taken out was replaced and set with epoxy resine and gaze on the surgical window, making it waterproof. In the postoperative time, animal was medicated with analgesics for two days and pentabiotics for five days. Oral creamy diet was used with oral tube from the second to tenth day, what provided a great clinicosurgical recovering. Keywords: intestinal obstruction, enterotomy, surgery, d’orbigny’s slider, Trachemys dorbignyi. 308 Oliveira F.S., Delfini A., Martins L.L., Faria Jr. D. & Machado M.R.F. 2009. Obstrução intestinal e enterotomia em tigre d´água (Trachemys dorbignyi). Acta Scientiae Veterinariae. 37(3): 307-310. INTRODUÇÃO Dentre as desordens gastrintestinais, a consti- pação é frequente em quelônios e é causada pelo acú- mulo de matéria seca, como pequenas pedras ou compo- nentes da cama dos recintos dos animais, nos intestinos [4]. Os sinais clínicos das desordens gastrintestinais em quelônios incluem anorexia, desidratação, letargia e queda do peso corporal e estão associados à ingestão de corpos estranhos, obstrução ou compactação intes- tinal, enterites bacterianas, enterohepatite por Entamoeba invadens e parasitismo crônico [5]. A hipofagia crô- nica ou anorexia são frequentes em cágados e jabutis com obstrução gastrintestinal, doenças metabólicas ou infecciosas e parasitismo [6]. O diagnóstico é realizado pelo exame radiográ- fico ou endoscópico [5] e o manejo depende da causa da constipação. Na constipação primária, os animais de- vem ser hidratados e banhados em água morna (30°C) uma ou duas vezes ao dia para estimular a defecação. Laxantes também podem ser utilizados, como vaselina ou leite de magnésia, via oral ou por enema. Em casos severos, a celiotomia é necessária [4]. Se a compactação for causada pela ingestão de areia, esta pode requerer procedimentos cirúrgicos, ingestão de fibras ou fluidote- rapia [5]. A celiotomia em quelônios deve ser realizada incidindo-se o plastrão com broca ou serra e o frag- mento retirado deve ser mantido em solução de Ringer aquecida durante a cirurgia [8]. Deve-se sempre tentar fazer incisão oblíqua no plastrão para que o fragmento retirado não se desloque e invada a cavidade quando for recolocado [9]. Como a broca ou serra utilizada normalmente superaquece o plastrão, deve-se resfriá- lo com solução salina durante o procedimento [7]. Incidi-se a pele, a musculatura abdominal e a mem- brana celômica em um único plano [8]. A sutura de aproximação deve ser com fio inabsorvível em um único plano e com pontos simples separados [7]. Deve- se realizar a fixação do fragmento de plastrão retirado com acrílico odontológico [8], resina epóxi ou fibra de vidro [7]. Embora o halotano seja um anestésico inalató- rio frequentemente utilizado, o recomendado é o isofluo- rano, devido à rápida indução e recuperação anestésica [4]. Os quelônios devem ser colocados em um ambiente com temperatura mantida entre 27 e 29°C, para facili- tar o retorno anestésico [1]. Cetamina (60mg/kg) foi utilizada para celiotomia em uma tartaruga grega (Testudo graeca) anoréxica com presença de pedras no intestino. Foi conduzida a enterotomia para retirada dos corpos estranhos, com óti- ma recuperação pós-cirúrgica, incluindo normofagia [3]. Corpos estranhos intestinais foram retirados de uma tarta- ruga leopardo (Geochelone pardalis) via laparoscopia [2]. RELATO DE CASO Um caso de obstrução intestinal foi descrito em um tigre d’água (Trachemys dorbignyi) macho pesando 260 gramas e com aproximadamente cinco anos de idade. O animal foi encaminhado ao Setor de Animais Selvagens do Hospital Veterinário da UNICASTELO, Fernandópolis, SP, apresentando anorexia há uma se- mana, desidratação severa e estupor. O diagnóstico definitivo foi realizado mediante exame radiográfico simples, com incidência dorsoventral dos raios X, no qual verificou-se distensão de alças intestinais devido à presença de grande quantidade de material radiopaco (Figura 1). Foi realizada hidratação com solução fisio- lógica via subcutânea (1ml/kg/hora) e o animal subme- tido à celiotomia de emergência para retirada dos cor- pos estranhos intestinais. Para a indução e manutenção anestésica utili- zou-se anestesia inalatória com isofluorano1 mediante adaptação de seringa sem êmbolo à traqueia do apa- relho de anestesia. Após antissepsia local, uma abertura oblíqua de quatro cm2 foi realizada no plastrão com auxí- lio de serra vibratória. O peritônio foi incidido e com o auxílio de duas pinças anatômicas pequenas, o intestino grosso foi exteriorizado e a enterotomia realizada. Foram removidos 20 gramas de pedras prove- nientes do terrário onde o animal era mantido. Durante a cirurgia, o animal foi novamente submetido a exames radiográficos para confirmação da retirada dos corpos estranhos. Foi utilizado fio2 mononylon 4-0 para sutura intestinal em dois planos (suturas tipo simples contínua e tipo Cushing) e peritonial em único plano (sutura tipo simples contínua). O segmento do plastrão retirado para o acesso cirúrgico foi recolocado e fixado com resina epóxi e gaze na abertura cirúrgica, impermeabilizando- a (Figura 2). O animal recebeu analgésico3 (0,02mg/kg de buprenorfina, IM) por dois dias e pentabiótico4 por cinco dias (30.000UI/kg de três penicilinas e 12,5mg/kg de duas estreptomicinas, IM) após a cirurgia. Alimen- tação oral pastosa foi fornecida via sonda do segundo ao décimo dia depois da cirurgia, com ótima recuperação 309 Oliveira F.S., Delfini A., Martins L.L., Faria Jr. D. & Machado M.R.F. 2009. Obstrução intestinal e enterotomia em tigre d´água (Trachemys dorbignyi). Acta Scientiae Veterinariae. 37(3): 307-310. clínica e cirúrgica e foram administrados albendazole5 (50mg/kg) e metronidazol6 (100mg/kg), via oral, com repetição após 15 e 30 dias. DISCUSSÃO A obstrução intestinal no tigre d’água ocorreu devido à ingestão de pequenas pedras mantidas no local de alimentação nos recintos dos animais [4]. Os sinais clínicos observados foram anorexia, desidra- tação, letargia e queda de peso corporal, associados à obstrução intestinal [5]. O diagnóstico foi realizado pelo exame radio- gráfico mediante observação de grande quantidade de material radiopaco intestinal [5] e a celiotomia foi neces- sária devido à severidade do caso [4]. A celiotomia foi realizada incidindo-se o plastrão com serra vibratória e o fragmento retirado foi mantido em solução de Ringer aquecida durante a cirurgia [8]. Utilizou-se resfriamento com solução salina durante o procedimento com a serra vibratória, visando a evitar o aquecimento do plastrão [7]. A pele, a musculatura abdominal e o peritônio foram suturados em um único plano [8] e a sutura realizada com fio inabsorvível e com pontos simples separados. Utilizou-se resina epóxi para recolocação do fragmento de plastrão [7]. A recolo- cação do fragmento de plastrão foi facilitada pela inci- são oblíqua [9]. Não foram utilizados anestésicos gerais inje- táveis ou dissociativos, como os utilizados em uma tartaruga grega com pedras intestinais [3], devido à severidade do quadro clínico do animal. Optou-se pela indução e manutenção anestésica com o isofluorano [4], o que proporcionou ótima analgesia e relaxamento muscular durante a cirurgia. O animal foi colocado em ambiente a 28°C após a cirurgia para facilitar o retorno anestésico [1]. NOTAS INFORMATIVAS 1Forane® – Farmasa S.A., São Paulo, SP, Brasil. 2Fio mononylon – Ethicon Ltda., São Paulo, SP, Brasil. 3Temgesic® – Schering-Plough Ltda, São Paulo, SP, Brasil. 4Pentabiótico Veterinário® – Fort Dodge Saúde Animal Ltda., Campinas, SP, Brasil. 5Albendazol – Neo-Química Ltda., Anápolis, GO, Brasil. 6Metronidazol – EMS Indústria Farmacêutica Ltda., São Bernardo do Campo, SP, Brasil. Figura 1. Imagem radiográfica de tigre d’água apresentando grande quantidade de material radiopaco intestinal. Figura 2. Tigre d’água no período pós-operatório imediato. Notar os corpos estranhos intestinais que foram retirados (seta). REFERÊNCIAS 1 Fowler M.E. 1995. Restraint and Handling of Wild and Domestic Animals. 2nd edn. Iowa: Blackwell Publishing, pp.333-359. 2 Kik M.J.L. & Nickel R.F. 2001. Removal of a foreign body from the intestine of a leopard tortoise (Geochelone pardalis) via laparoscopy. Praktische-Tierarzt. 82: 174-179. 310 Oliveira F.S., Delfini A., Martins L.L., Faria Jr. D. & Machado M.R.F. 2009. Obstrução intestinal e enterotomia em tigre d´água (Trachemys dorbignyi). Acta Scientiae Veterinariae. 37(3): 307-310. 3 Kruger J. & Pier C. 1994. The refusal of food intake because of an intestinal foreign body (stone) in a Greek turtle. Kleintierpraxis. 39: 343-351. 4 Mas M. 2001. Chelonian noninfectious diseases. In: Fowler M.E. & Cubas Z.S. (Eds). Biology, Medicine and Surgery of South America Wild Animals. Iowa: Iowa State University, pp.25-27. 5 Matushima E.R. 2001. Chelonian infectious diseases and general medicine. In: Fowler M.E. & Cubas Z.S. (Eds). Biology, Medicine and Surgery of South America Wild Animals. Iowa: Iowa State University, pp.22-24. 6 Mautino M. & Page C.G. 1993. Biology and medicine of turtles and tortoises. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice. 23: 1251-1271. 7 Oliveira P.M.A. 2003. Répteis. In: Animais Silvestres e Exóticos na Clínica Particular: Peixes, Anfíbios e Répteis. São Paulo: Roca, pp.197-364. 8 Pachaly J.R. 1992. Doenças nutricionais das aves silvestres cativas. In: Medicina de Animais Selvagens. Apostila. Curitiba, pp.80-81. 9 Raphael B.L. 2003. Chelonians (turtles, tortoises). In: Fowler M.E. & Miller R.E. (Eds). Zoo and wild animal medicine. 5th edn. St.Louis: Saunders, pp.48-58. www.ufrgs.br/actavet Pub. 849