UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR) O uso de um sistema LC-ESI-IT-TOF/MS e MSn na prospecção de novos componentes peptídicos do veneno da vespa social Polybia paulista. Nathalia Baptista Dias Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (área de concentração Biologia Celular e Molecular). Dezembro - 2011 NATHALIA BAPTISTA DIAS O USO DE UM SISTEMA LC-ESI-IT-TOF/MS E MSn NA PROSPECÇÃO DE NOVOS COMPONENTES PEPTÍDICOS DO VENENO DA VESPA SOCIAL Polybia paulista. ORIENTADOR: PROF. DR. MARIO SERGIO PALMA Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (área de concentração Biologia Celular e Molecular). Rio Claro 2011 Dias, Nathalia Baptista O uso de um sistema LC-ESI-IT-TOF/MS e MSn na prospecção de novos componentes peptídicos do veneno da vespa social Polybia paulista. / Nathalia Baptista Dias. - Rio Claro : [s.n.], 2011 121 f. : il., figs., gráfs., tabs. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Mario Sergio Palma 1. Vespa. 2. Peptidômica. 3. Veneno. 4. Toxinas. 5. ESI-MS. 6. LCMS. I. Título. 595.798 D541u Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP NATHALIA BAPTISTA DIAS O USO DE UM SISTEMA LC-ESI-IT-TOF/MS E MSn NA PROSPECÇÃO DE NOVOS COMPONENTES PEPTÍDICOS DO VENENO DA VESPA SOCIAL Polybia paulista. Comissão Examinadora ____________________________________ ____________________________________ ____________________________________ Rio Claro, ____ de _____________ de ____ Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (área de concentração Biologia Celular e Molecular). AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Prof. Mário Sérgio Palma pela dedicada orientação, confiança e esforço fundamentais para a realização deste trabalho. Agradeço pelo trabalho que pude realizar e mais que tudo pela amizade construída durante estes anos de convivência. Aos professores e funcionários do Centro de Estudo de Insetos Sociais (CEIS) e da UNESP-Rio Claro pela amizade e ajuda para realização deste trabalho. Ao Sr.Relator deste projeto junto à FAPESP e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro. Aos amigos do LBEZ, Diego, Ana Maria, Francielle, Beto, Lucy, Analy, Nicoli e Daniel, Patricia e Danilo e àqueles que não estão mais tão presentes no laboratório, Keity, Helen, Virginia, Lorenzo, Alessandra, pela grande amizade. Ao Sérgio (Sérjãooo) e Andrigo pelas coletas das vespas. Aos amigos Bibi, Bob, Luiza e Paulo pela imensa ajuda na realização de todo o trabalho e acima de tudo pela amizade de anos! Aos meus amigos de graduação... Principalmente à Vanessa, Priscila (Rose), Michele e Felipe ... não tão perto mas sempre no coração! À todos os meus amigos de Rio Claro!!!... Principalmente à Ana Lucia (Aninha), Mariana (Margutinha), Cris, Priscila, e André que nos últimos tempos foram companheiros inseparáveis em todos os momentos!!! À Tereza, Natalia Trento, Maria Tereza pela amizade de anos. Obrigada à todos os outros que não citei, pela ajuda nos momentos difíceis e por fazerem minha vida sempre mais divertida!!! Amo mais que chocolate !!! Aos meus pais Maria Aparecida e Ronaldo pelo apoio, sempre presentes nas horas mais difíceis e nas mais felizes. À minha querida irmã Camila, pelo companheirismo, amor, respeito e por todos os momentos que passamos juntas em todos esses anos!!! E a minha gatinha companheira Any ... À toda a minha família, principalmente aos meus tios, avós e primos que sempre estão ao meu redor fazendo com que eu me sinta apoiada e amada. À Deus por estar me dando forças para realizar meus sonhos e coragem para vencer os obstáculos. RESUMO O desenvolvimento dos venenos e aparelhos de ferroar entre os Insecta representa um atributo evolutivo que contribuiu para a adaptação dos insetos em muitos ambientes terrestres diferentes. Os venenos desses insetos são misturas complexas de compostos biologicamente ativos, tais como compostos de baixa massa molecular, peptídeos e proteínas. Estudos recentes têm demonstrado a capacidade de se detectar e identificar diferentes compostos de natureza peptídica, em concentrações bastante reduzidas nos venenos animais, utilizando-se diferentes abordagens de espectrometria de massas. Isso tem permitido a construção de bibliotecas peptídicas de grande interesse aplicado à biotecnologia. O veneno da vespa social Polybia paulista tem sido intensamente investigado, porém somente os peptídeos mais abundantes deste veneno são conhecidos: os mastoparanos Polybia -MPI e -MPII, o peptídeo quimiotáctico Polybia-CP e a Paulistina. Este fato deve-se principalmente à utilização de abordagens clássicas até então, com coletas “off-line” em relação às análises de sequenciamento, fazendo com que somente os peptídeos mais abundantes pudessem ser investigados. Com os avanços na área da espectrometria de massas, incluindo o desenvolvimento da tecnologia de analisadores do tipo “ion-trap” utilizado no presente trabalho, tornou-se possível a investigação de amostras pouco abundantes, com alta velocidade de aquisição de dados e elevada resolução. O presente estudo visou a obtenção de um perfil peptídico detalhado do veneno de P. paulista por uma abordagem analítica moderna e mais sensível, além de padronizar o sequenciamento destes peptídeos por espectrometria de massas sequencial de maneira “on-line”. Os peptídeos foram detectados e sequenciados utilizando-se um sistema LC-ESI-IT-TOF/MS e MSn de alta resolução e sensibilidade. A análise do veneno foi realizada através de cromatografia líquida de alto desempenho, sob fase reversa (HPLC), e os analítos (peptídeos) caracterizados por espectrometria de massas ESI no modo positivo, continuamente durante todo o experimento. Os componentes peptídicos do veneno de P. paulista estão distribuídos ao longo da faixa de massa molecular de 400-3000 Da, e em conjunto, compõem até 70% do peso seco deste veneno. As análises permitiram traçar um perfil da composição das amostras de veneno, sendo feita uma comparação destes perfis entre diferentes ninhos de P. paulista, e também amostras de um mesmo ninho em diferentes épocas do ano. A presente investigação revelou um nível surpreendentemente elevado de variação intraespecífica e permitiu a identificação de novos peptídeos no veneno desta espécie. Trabalhando-se com três ninhos coletados em diferentes localizações, foi possível detectar a presença de 169 peptídeos com diferentes massas moleculares e diferentes tempos de retenção, sendo 108 peptídeos na amostra A, 92 na amostra B, e 98 peptídeos na amostra C. Quando o veneno de um mesmo ninho (amostra D) foi observado em três épocas diferentes, com intervalos de 60 dias entre cada coleta (D1, D2 e D3), foi possível detectar a presença de 94 peptídeos diferentes na amostra D1, 95 peptídeos na amostra D2, e 78 peptídeos em D3. O padrão de semelhanças e diferenças encontradas no presente trabalho pode estar relacionado ao padrão genético e reprodutivo das espécies de vespas sociais da subfamília Polybiinae, que normalmente possuem várias rainhas na mesma colônia, que podem ser irmãs ou meio-irmãs entre si, acasalando-se cada uma delas com vários machos diferentes, e suas progenias descendentes destes cruzamentos coexistem na mesma população dentro da colônia. Além de confirmar a presença dos três peptídeos já conhecidos para este veneno, novos componentes de famílias peptídicas típicas dos venenos de vespídeos tais como cininas, mastoparanos e peptídeos quimiotáticos, também foram encontrados. No total, foi possível sequenciar quatorze peptídeos, sendo três já conhecidos e onze inéditos. A estratégia analítica desenvolvida no presente trabalho permitirá sua aplicação imediata no estudo dos venenos de outras espécies animais. Três dos novos peptídeos da família das cininas foram manualmente sintetizados em fase sólida pela estratégia Fmoc, e caracterizados funcionalmente com relação à produção de dor e inflamação em mamíferos. Além disso, estes resultados demonstraram a importância da bioprospecção de produtos naturais a partir de venenos de animais, uma vez que novas moléculas podem ser encontradas e a riqueza e a diversidade desses venenos elucidada. Palavras-chave: Peptidômica, veneno, toxinas, ESI-MS, armadilha de elétrons, LCMS. ABSTRACT The evolution of venoms and their injection apparatuses among the Insecta represents an evolutionary attribute which contributed for thr adaptation of the insects to many different terrestrial environments. The venoms of insects are complex mixtures of biologically active compounds, such as low molecular mass compounds, peptides and proteins. Recent studies have demonstrated the ability to detect and identify different compounds in very low concentrations in animal venoms, using different approaches of mass spectrometry. This has allowed the construction of peptide libraries of great applied interest in biotechnology. The venom of the social wasp Polybia paulista has been intensively investigated, but only the most abundant peptides of this venom are known: the mastoparans Polybia-MPI and -MPII, the chemotactic peptide Polybia-CP and the Paulistine. This fact is mainly due to the use of classical approaches, using off- line collections in relation to peptide sequencing, so only the more abundant peptides could be investigated. With the advances in mass spectrometry, including the development of analyzers type ion-trap as the one used in present work, it became possible to investigate low abundance samples, with high speed of data acquisition at high resolution. The objective of this study was to profile and sequence the peptide compounds present in the venom of the social wasp P. paulista using a modern and very sensitive analytical technique, and standardize the sequencing of peptides by high resolution LC-MS and MSn strategy. Peptides were detected and sequenced using a LC- ESI-IT-TOF/MS and MSn system of high resolution and sensitivity. The analysis of the venom was performed by high performance liquid chromatography on a reverse phase (HPLC), and the analytes (peptides) were characterized by ESI mass spectrometry in positive mode, continuously throughout the experiment. The peptide components from P. paulista venom are spread over the molar mass range 400 to 3000 Da, and together comprise up to 70% of the weight of this venom. The analysis allows drawing a profile of the venom composition of the samples, and a comparison of profiles among different nests of P. paulista, and also samples of the same nest in different seasons. The present investigation revealed a surprisingly high level of inter-specie variation and allowed the identification of many novel peptides in the venom of this specie. It was possible to detect the presence of 169 different peptides presenting different molecular masses and different retention times, being 108 peptides in nest A, 92 in nest B, and 98 in nest C. When the venom of same nest (Sample D) was collected in three different months of the year, with an interval of 60 days between each collection (D1, D2 and D3), it was possible to detect the presence of 94 different peptides in sample D1, 95 in sample D2, and 78 in sample D3. The pattern of similarities and differences found in this work may occur due to the genetic and reproductive model in Polybiinae, which usually has several queens in the same colony, which can be sisters or half-sisters to each other, mating with several different males, and their progeny from these crosses descendants co-exist in the same population within the colony. Besides confirming the presence of three already known peptides from this venom, new components of typical peptides families such as kinins, mastoparanos and chemotactic peptides were also found. In total, it was possible to sequence fourteen peptides, three was already described in the venom of P. paulista and eleven novel ones. The analytical strategy developed in this work will allow immediate application in studies of other animal species venomous. Three of the new peptides of the kinin family were synthesized manually by solid phase (Fmoc strategy), and functionally characterized with respect to the production of pain and inflammation in mammals. Moreover, these results demonstrate the importance of bioprospecting for natural products from animal venoms, as new molecules can be found and the richness and diversity of these venoms elucidated. Key words: Peptidomics, venom, toxins, ESI-MS, ion-trap, LCMS. TABELA DE ABREVIAÇÕES ACN Acetonitrila BK Bradicinina C18 Octadecil CID Dissociação induzida por colisão CP Peptídeo Quimiotático Da Daltons DMF N-N-Dimetilformamida e/g Equivalente/Grama ESI-MS Espectometria de Massas com fonte de ionização do tipo Eletrospray Fmoc N-9-fluorenilmetoxicarbonil g Gramas h Horas HOBt N-hydroxybenzotriazoel.H2O HPLC Cromatografia líquida de alta Performance i.pl. Via intraplantar IT “ion trap” ou armadilha de elétrons kDa Kilodaltons kHz Kiloheartz kV Kilovolts LBEZ Laboratório de biologia estrutural e zooquímica LC-MS Cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas LDH Enzima lactato desidrogenase L/h Litros por hora M Molar MALDI “Matrix-assisted laser desorption/Ionization” MCM “mast cell médium” MIC Concentração inibitória mínima Min Minuto mL Mililitro mm Milimetro mM Milimolar mmol Milimol MS/MS ou MS2 Espectrometria de massas sequencial (Tandem) mseg Milisegundo m/z Relação Massa por carga nm Nanômetro PyBOP Benzotriazole-l-yl-oxy-tris- pyrrolidino-phosphonium hexafluorophosphate RF Radio frequência RMN Ressonância Magnética Nuclear rpm Rotações por minuto RP- HPLC Cromatografia líquida de alta performance sob fase reserva RPM Rotações por minuto s Segundos SH Solução contendo p-nitrofenil- Nacetil-β-glucosaminidina em Citrato trissódico TFA Ácido trifluoroacético TIC Cromatograma de íons totais TOF “time of flight” ou tempo de vôo TTC Trifeniltetrazolium u.m.a Unidade de massa atômica V Volts v/v Volume por volume µm Micrometro µg Micrograma µL Microlitro µM Micromolar UV Ultravioleta W Wats % por cento °C Graus Celsius TABELA DE AMINOÁCIDOS Nome (Símbolo) Composição Massa Média Massa Monoisotópica Íon Imonium Alanina Ala ou A C3H5NO 71,0788 71,03711 44 Arginina Arg ou R C6H12N4O 156,1876 156,10111 129 (112, 100, 87, 73, 70, 59) Asparagina Asn ou N C4H6N2O2 114,1039 114,04293 87 (70) Ácido Aspártico Asp ou D C4H5NO3 115,0886 115,02694 88 Cisteina Cys ou C C3H5NOS 103,1448 103,00919 76 Ácido Glutâmico Glu ou E C5H7NO3 129,1155 129,04259 102 Glutamina Gln ou Q C5H8N2O2 128,1308 128,05858 101 (84, 129) Glicina Gly ou G C2H3NO 57,0520 57,02146 30 Histidina His ou H C6H7N3O 137,1412 137,05891 110 (166, 138, 123, 121, 82) Isoleucina Ile ou I C6H11NO 113,1595 113,08406 86 (72) Leucina Leu ou L C6H11NO 113,1595 113,08406 86 (72) Lisina Lys ou K C6H12N2O 128,1742 128,09496 101 (129, 112, 84, 70) Metionina Met ou M C5H9NOS 131,1986 131,04049 104 (61) Fenilalanina Phe ou F C9H9NO 147,1766 147,06841 120 (91) Prolina Pro ou P C5H7NO 97,1167 97,05276 70 Serina Ser ou S C3H5NO2 87,0782 87,03203 60 Treonina Thr ou T C4H7NO2 101,1051 101,04768 74 Triptofano Trp ou W C11H10N2O 186,2133 186,07931 159 Tirosina Tyr ou Y C9H9NO2 163,1760 163,06333 136 Valina Val ou V C5H9NO 99,1326 99,06841 72 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12 1.1. Composição dos venenos de insetos da Ordem Hymenoptera ...................................... 12 1.2. A riqueza peptídica em venenos animais e aplicação biotecnológica ........................... 16 1.3. Peptidômica e técnicas utilizadas na prospecção de componentes peptídicos .............. 18 2. OBJETIVOS ......................................................................................................................... 21 3. MATERIAIS E MÉTODOS ................................................................................................. 22 3.1. Extração do veneno ....................................................................................................... 22 3.2. Experimentos de LCMS-IT-TOF-MSn .......................................................................... 22 3.3. Síntese manual dos peptídeos em fase sólida ................................................................ 24 3.4. Purificação dos peptídeos .............................................................................................. 25 3.5. Atividade hemolítica ..................................................................................................... 25 3.6. Desgranulação de mastócitos......................................................................................... 26 3.6.1. Preparo das soluções ............................................................................................... 26 3.6.2. Isolamento dos mastócitos ...................................................................................... 27 3.6.3. Ensaio de desgranulação de mastócitos .................................................................. 27 3.7. Atividade de liberação de lactato desidrogenase (LDH) ............................................... 28 3.8. Prova de sensibilidade bacteriana (MIC) ...................................................................... 29 3.9. Atividades farmacológicas relacionadas à dor e inflamação ......................................... 30 3.9.1. Animais ................................................................................................................... 30 3.9.2. Avaliação da sensibilidade dolorosa. ...................................................................... 30 3.9.3. Von Frey Eletrônico ............................................................................................... 30 3.9.4. Edema de pata ......................................................................................................... 31 3.9.5. Análise estatística ................................................................................................... 31 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................................... 32 4.1. Análise de variabilidade de composição peptídica do veneno em diferentes condições: .............................................................................................................................................. 33 4.1.1. Inter-ninhos (venenos de diferentes ninhos coletados na mesma época do ano) ... 33 4.1.2. Intra-ninho (veneno do mesmo ninho em diferentes épocas do ano) ..................... 41 4.2. Sequenciamento dos peptídeos encontrados nos venenos. ............................................ 50 4.3. Resultados das atividades biológicas. ............................................................................ 88 4.3.1. Hemólise ................................................................................................................. 90 4.3.2. Desgranulação de mastócitos.................................................................................. 91 4.3.3. Atividade de liberação de lactato desidrogenase (LDH) ........................................ 92 4.3.4. Antibiose ................................................................................................................. 93 4.3.5. Atividades Farmacológicas de Dor e Inflamação ................................................... 94 4.3.5.1. Efeito da cinina Thr6-BK sobre a sensibilidade dolorosa e sobre o efeito edematogênico .................................................................................................................. 94 4.3.5.2. Efeito da cinina RA_Thr6-BK sobre a sensibilidade dolorosa e sobre o efeito edematogênico .................................................................................................................. 96 4.3.5.3. Efeito da cinina RA_Thr6-BK_DT sobre a sensibilidade dolorosa e sobre o efeito edematogênico ........................................................................................................ 98 5. CONCLUSÃO .................................................................................................................... 103 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 105 12 1. INTRODUÇÃO 1.1. Composição dos venenos de insetos da Ordem Hymenoptera As vespas sociais são conhecidas por utilizar venenos de composição complexa para própria defesa (NAKAJIMA, 1986), e também para caça (OLSON, 2000). Os compostos geralmente encontrados em venenos animais são associados com aparelhos de ferroar especializados, os quais permitem a injeção de toxinas em tecidos macios dos animais, via subcutânea, intramuscular ou rotas endovenosas (LEWIS; GARCIA, 2003). Vespas sociais frequentemente causam acidentes por ferroadas no homem, seguida de uma série de manifestações farmacológicas, inflamatórias e imunopatológicas (NAKAJIMA, 1986), sendo que a identificação química e do perfil biológico destes compostos vem atraindo a atenção de pesquisadores por décadas. Os venenos dos insetos da ordem Hymenoptera contêm compostos de baixas massas moleculares, histamina, acetilcolina, aminas biogênicas, peptídeos farmacologicamente ativos, e proteínas (HOFFMAN, 2006). Os compostos polipeptídicos são responsáveis pelas dores prolongadas, edemas, eritema e reações alérgicas e sistêmicas (PALMA, 2006). Peptídeos bioativos provenientes de venenos de várias espécies de vespas têm sido isolados e caracterizados (HO et al., 1998). Dentre eles, destacam-se os mastoparanos, peptídeos quimiotácticos e cininas. A silverina faz parte de um quarto grupo de peptídeos provenientes do veneno de vespas, sendo que recentemente foi descrita, uma quinta família de peptídeos encontrados nesses venenos, os quais são semelhantes às taquicininas, envolvidas na produção de inflamação neurogênica (YSHII et al., 2009). Os peptídeos encontrados nestes venenos geralmente são anfipáticos, policatiônicos e apresentam uma série de ações farmacológicas, as quais contribuem para a ocorrência de intensos processos inflamatórios (PALMA, 2006). Mastoparanos Os mastoparanos são tetradecapeptídeos geralmente policatiônicos, ricos em resíduos hidrofóbicos como leucina, isoleucina e alanina, apresentando algumas lisinas em suas sequências primárias, encontradas classicamente nas posições 4, 11 e 12 (NAKAJIMA et al., 1986; PALMA, 2006). Segundo Park e colaboradores (1995), os mastoparanos apresentam 13 várias atividades biológicas diferentes, e de acordo com seu modo de ação podem ser classificados em dois grupos: 1- Aqueles que promovem a lise celular através da formação de poros nas membranas celulares (ARGIOLAS; PISANO, 1983; MENDES et al., 2004b; NAKAJIMA, 1986) 2- Aqueles que interagem com receptores acoplados às proteínas G, conduzindo à ativação de mecanismos de desgranulação, e resultando em diferentes tipos de secreções, dependendo do tipo de célula-alvo. (HIGASHIJIMA et al., 1990; MENDES et al., 2005). As atividades biológicas apresentadas pelos mastoparanos estão altamente relacionadas com a interação dos peptídeos com membranas biológicas (MATSUAKI et al., 1996). Foi constatado que os peptídeos ao ligarem-se às membranas fosfolipídicas, assumem a conformação em hélice anfipática (SCHWARZ; BLOCHMANN, 1993), a qual causa perturbações nas bicamadas lipídicas levando a um aumento na permeabilidade (DANILEKO et al., 1993), em alguns casos pela formação de canais iônicos (MELLOR; SANSOM, 1990). Em 1979, Hirai e colaboradores identificaram e caracterizaram o primeiro mastoparano a partir do veneno da vespa social Vespula lewisii. Este peptídeo, composto basicamente de lisina e resíduos de aminoácidos hidrofóbicos, foi o primeiro exemplo de peptídeo desgranulador de mastócitos isolado do veneno de vespas. A sequência primária dos mastoparanos assemelha-se muito à da Bombinina, um peptídeo hemolítico isolado da pele do sapo Bombina variegata (CSORDÀS; MICHL, 1970). Konno e coalboradores (2000) isolaram o Eumenine Mastoparano-AE (EMP-AF) da vespa solitária Anterhynchium flavomarginatum micado, que difere dos demais mastoparanos descritos por ter os resíduos de lisina localizados nas posições 5, 8 e 12 ao invés das posições 4, 11 e 12 como ocorre nos demais. Este peptídeo foi considerado como o principal componente peptídico do veneno desta vespa, com atividade hemolítica e inflamatória proporcional à do mastoparano extraído do veneno da Vespula lewisii (KONNO et al., 2000). Além da estrutura primária semelhante à dos mastoparanos isolados do veneno de vespas sociais, o EMP-AF possui ainda atividades biológicas similares às dos mastoparanos clássicos. Peptídeos similares, como a Crabrolina e os HR-I e HR-II, foram isolados de Vespa crabro e Vespa orientalis, respectivamente (NAKAJIMA et al., 1986). A Cabrolina, assim como o mastoparano, é um ativador da fosfolipase A2 e causa liberação de histamina de mastócitos peritoneais (ARGIOLAS; PISANO, 1984b). Os mastoparanos HR-I e o HR-II, 14 isolados de Vespa orientalis (TUICHIBAEV et al., 1988), ocorrem em concentrações muito menores que a Crabrolina, isolada do veneno de Vespa crabro (ARGIOLAS; PISANO, 1984b). Ambos também causam hemólise e liberação de histamina de mastócitos peritoneais. Embora as sequências de aminoácidos destes peptídeos sejam relativamente conservadas, substituições de alguns resíduos de aminoácidos parecem alterar as atividades biológicas destes peptídeos, demonstrando ser esta uma interessante base para estudos futuros utilizando aplicações farmacológicas (MURATA et al., 2006; CEROVSKY et al., 2008). Peptídeos Quimiotácticos Peptídeos quimiotácticos geralmente são tridecapeptídeos, policatiônicos, com a sequência primária apresentando algumas semelhanças em relação aos mastoparanos, como a presença de resíduos de aminoácidos hidrofóbicos e amidação do resíduo C-terminal (NAKAJIMA, 1986). Estes peptídeos induzem quimiotaxia em leucócitos polimorfonucleares e macrófagos (YASUHARA et al., 1983), podendo ainda causar liberação de histamina pelos mastócitos (NAKAJIMA, 1986). Os peptídeos quimiotácticos foram inicialmente encontrados nos venenos das espécies Vespa tropica, V. mandarinia, V. analis, V. cabro, V. xanthoptera, V. orientalis, Paravespula lewisii, Icaria sp (NAGASHIMA et al., 1990). No entanto, outros peptídeos com essas características foram isolados dos venenos das vespas Agelaia pallipes pallipes, Protonectina silveirae, Polybia paulista, Vespa magnífica e Polistes rothneyi iwata (BAPTISTA- SAIDEMBERG et al., 2010; DE SOUZA et al., 2005; MENDES et al., 2004a, MENDES; PALMA 2006). Mendes e colaboradores (2004a), isolaram um peptídeo do veneno da vespa social Agelaia pallipes pallipes caracterizado como um potente agente quimiotáctico para leucócitos polimorfonucleados e não hemolítico; além disso, esse peptídeo possui elevada atividade antibiótica contra bactérias Gram+ e Gram-. Os peptídeos quimiotáticos isolados do veneno da vespa V. magnifica podem exercer amplo espectro de atividade antimicrobiana contra bactérias e fungos (XU et al., 2006). Cininas Jaques e Schachter (1954) identificaram um peptídeo no veneno de Paravespula vulgaris, que devido à sua similaridade com as propriedades farmacológicas da bradicinina de 15 mamíferos, recebeu o nome de cinina de vespa. As cininas são peptídeos que possuem parte de suas sequências primárias homólogas às bradicininas, com algumas exceções, onde ocorre uma substituição dos resíduos de aminoácidos nas posições três e seis na sequência da bradicinina (NAKAJIMA, 1986). As cininas mostraram propriedades farmacológicas similares às das bradicininas, calidinas (Lys-bradicinina) e Met-Lys-bradicininas isoladas de mamíferos (PISANO, 1970). Quando injetadas intravenosamente, as cininas causam hipertensão em ratos, cachorros, coelhos e gatos, hipotensão em galinhas, broncoconstrição em porcos e contração em músculo liso isolado (PISANO, 1979). As cininas são componentes neurotóxicos dos venenos de vespas e formigas, causando bloqueio pré-sinaptico da transmissão colinérgica, por meio de uma depleção irreversível, provavelmente causada por uma inibição não competitiva, da captação de colina (PIEK, 1991). São polipeptídeos de 9-18 resíduos de aminoácidos, contendo uma sequência típica das cininas clássicas como parte da molécula; tal sequência conservada pode ser aquela da própria bradicinina, ou da Hyp3-bradicinina, ou ainda da Thr6-bradicinina (PIEK et al., 1991). Dois peptídeos similares às bradicininas (Protopolybiakinina-I e Protopolybiakinina- II) foram isolados do veneno da vespa social Protopolybia exígua por HPLC sob fase reversa e sequenciada pelo método de Química Degradativa de Edman (MENDES; PALMA, 2006). Estes dois peptídeos causaram constrição muscular e desgranulação de mastócitos, a qual foi sete vezes mais potente do que a atividade da própria bradicinina (MENDES; PALMA, 2006). Pisano (1970) demonstrou que a polistescinina-3 chega a ser de duas a vinte vezes mais potente que a bradicinina em muitos bioensaios. Além disso, Johnson e Erdos (1973) mostraram que em um concentração de 3x10-7 M desta cinina, causa liberação de histamina de mastócitos de ratos com uma potência dez vezes maior que a bradicinina nesta mesma concentração. Silverinas A silverina faz parte do quarto grupo de peptídeos policatiônicos anfipáticos provenientes do veneno de vespas. Este peptídeo contém 21 a 25 resíduos de aminoácidos, apresentando uma única ponte dissulfeto. Estes peptídeos são potentes desgranuladores de mastócitos, porém não apresentam atividade hemolítica conhecida (PALMA, 2006). Dohtsu e colaboradores (1993) isolaram do veneno da vespa Protonectarina sylveirae, um peptídeo chamado silverina que não apresentou homologia de sua sequência primária com nenhuma classe de peptídeo anteriormente caracterizada. Nos últimos anos, também foram 16 encontrados outros peptídeos deste tipo nos venenos das vespas Agelaia pallipes pallipes (Pallipina) (COSTA, 1996), Protopolybia exígua (Exiguina) (DOHTSU et al., 1993) e Synoeca cyanea (Cyanina) (DOHTSU et al., 1993). Baptista-Saidemberg (2010) isolou três peptídeos, Pallipina-I, Pallipina-II e Pallipina- III similares ao peptídeo Silverina (DOHTSU et al., 1993) no que diz respeito a sequência de aminoácidos. Corsi (2001) em estudos relacionados com os mecanismos de secreção de insulina por células β pancreáticas, determinou que a Silverina provoca significativa redução da secreção de insulina dessas células, sugerindo que a ação é independente do metabolismo celular. Provavelmente este peptídeo é capaz de modular a captação de íons cálcio, interagindo com o movimento desse íon para o interior das células beta, interferindo, dessa forma, na extrusão dos grânulos de insulina (BAPTISTA-SAIDEMBERG, 2010). Taquicininas As taquicininas compõem uma família de peptídeos que possuem uma sequência C- terminal do tipo: Fe-X-Gli-Leu-Met-NH2. Esta família foi assim denominada por produzir rápida contração de vísceras animais, em oposição à bradicinina, que provoca contração intestinal de ação lenta (KALIL-GASPAR, 2003). Análises de espectrometria de massas do veneno da vespa social Polistes lanio lanio, revelaram a presença de dois peptídeos (QPPTPPEHRFPGLM e ASEPTALGLPRIFPGLM) com sequências similares à região C- terminal dos peptídeos semelhantes à taquicininas encontradas no veneno da aranha Phoneutria nigriventer e em vertebrados (YSHII et al., 2009). 1.2. A riqueza peptídica em venenos animais e aplicação biotecnológica A riqueza em componentes peptídicos presentes nos venenos é uma questão intrigante e um grande desafio para a pesquisa, especialmente quando alguns destes peptídeos se constituem em modelos estruturais para o desenvolvimento de novos fármacos. Numerosos estudos, produzidos nos últimos 30 anos, vêm elucidando estruturas e atividades biológicas de vários componentes dos venenos animais, demonstrando a complexa composição destes venenos (ESCOUBAS et al., 2008). A descoberta de compostos em venenos, que apresentam atividades seletivas contra receptores celulares bem definidos, representa um exemplo de aproximação desta linha de pesquisa com a busca de novas drogas (LEWIS; GARCIA, 2003). 17 Em 1970 a droga antihipertensiva captopril foi desenvolvida a partir de um peptídeo isolado da serpente brasileira Bothrops jararaca (CUSHMAN; ONDETTI, 1991). Mais recentemente, outras drogas foram produzidas a partir de moléculas isoladas de venenos animais: a ω-conotoxina MVIIA (Ziconitide, Prialt®), um peptídeo de 25 resíduos isolado do veneno de Conus magus foi aprovada em 2004 como um analgésico para o tratamento da dor crônica (MILJANICH, 2004), enquanto o exenatide (Byetta®), um peptídeo de 39 resíduos isolado da saliva do lagarto (Heloderma suspectum) foi aprovado em 2005 para o tratamento de diabetes tipo II (MALONE et al., 2009). Os peptídeos antimicrobianos vêm atraindo muita atenção como uma nova classe de antibióticos, especialmente contra patógenos antibiótico-resistentes (ZASLOFF, 2002). Como é uma rica fonte de componentes bioativos, os venenos de vespas vêm demonstrando ser um excelente material para a busca de novos agentes antimicrobianos (CHEN et al., 2008). Foram isolados três peptídeos antibióticos a partir da geléia real de Apis mellifera (FONTANA et al., 2004). Esses peptídeos se destacaram principalmente pela atividade antibiótica tanto contra bactérias Gram-positivas quanto Gram-negativas. Mendes e colaboradores (2004a), isolaram dois novos peptídeos do veneno da vespa social Agelaia pallipes pallipes, nomeados Protonectina (ILGTILGLLKGL-NH2) e Agelaia- MP (INWLKLGKAIIDAL-NH2). A Protonectina foi caracterizada como um potente agente quimiotáctico para leucócitos polimorfonucleados e não hemolítico; além disso, esse peptídeo possui elevada atividade antibiótica contra bactérias Gram+ e Gram-. Já o peptídeo Agelaia- MP mostrou uma potente atividade hemolítica e desgranuladora de mastócitos peritoneais, porém uma baixa atividade antibiótica e nenhuma atividade quimiotáctica (MENDES et al., 2004a). Outro peptídeo antibiótico foi isolado à partir do veneno da vespa social Polybia paulista, este peptídeo é pertencente à classe dos mastoparanos e foi denominado Polybia- MP-I, também apresentou atividades hemolítica, desgranuladora de mastócitos e quimiotáctica para leucócitos polimorfonucleares (DE SOUZA et al., 2005). Wang e colaboradores (2008) estudaram a eficácia anti-tumoral e a seletividade celular para este peptídeo. O estudo revelou que Polybia-MPI exerce eficácia citotóxica e anti-proliferativa por formação de poro, podendo inibir seletivamente a proliferação de células de câncer de próstata e bexiga, mas apresentando menor citotoxicidade à fibroblastos normais de camundongos (WANG et al., 2008). 18 Foram isolados também do veneno de P. paulista, outros dois peptídeos, com o resíduo N-terminal bloqueado por uma acetilação, com atividade antibiótica, denominados Polybina-I e –II (RIBEIRO et al., 2004). Um composto com atividade antinociceptiva do veneno da vespa social Polybia occidentalis foi isolado, sendo que o peptídeo isolado e identificado pertence à classe das neurocininas, anteriormente descrito em outras vespas como sendo uma Thr6-Bradicinina (MORTARI et al., 2006). A primeira descrição dessa molécula foi no veneno da vespa social Polistes rothneyi iwatai, há 30 anos (WATANABE et al., 1976), e, mais tarde, no veneno da vespa solitária Megascolia flavifrons (YASUHARA et al., 1987). Muitas neurotoxinas de artrópodes têm sido isoladas e caracterizadas. No sistema nervoso central, essas moléculas podem atuar em diferentes alvos neuronais, como: receptores, transportadores de canais iônicos em ambas as neurotransmissões excitatórias e inibitórias (BELEBONI et al., 2004; MELLOR ; USHERWOOD , 2004). Assim, essas neurotoxinas têm sido extremamente úteis tanto como ferramentas farmacológicas, quanto na prospecção de novos fármacos para o tratamento de desordens neurológicas, como a epilepsia e a isquemia, e para o controle da dor (SHEN et al., 2000; WANG; CHIN, 2004). 1.3. Peptidômica e técnicas utilizadas na prospecção de componentes peptídicos Devido às suas propriedades físico-químicas, os peptídeos podem ser diretamente analisados através de espectrometria de massas. Estes estudos são também chamados de peptidômica, sendo o modelo experimental e instrumentação revisados em Boonen e colaboradores. (2008). O termo “Peptidômica” foi introduzido em 2001 (CLYNEN et al., 2001), e é definido como a tecnologia para a descrição qualitativa e quantitativa de peptídeos de uma determinada amostra biológica (SCHULZ-KNAPPE et al., 2001), compreendendo o estudo de todos os peptídeos expressos por uma célula, órgão ou organismo (CLYNEN et al., 2003). Desde o ano de 1980 (HUNT et al., 1986; BIEMANN; SCOBLE, 1987), a espectrometria de massas vem sendo utilizada para investigação estrutural de peptídeos e proteínas. A espectrometria de massas tornou-se desde então uma importante ferramenta nos laboratórios de bioquímica e biologia molecular. Novas técnicas cromatográficas para separação de peptídeos estão constantemente sendo desenvolvidas, com grande aumento na sensibilidade, resolução e alcance dinâmico, baseadas em tecnologias nano, chip e UPLC. Combinadas com espectrômetros de massas de 19 alta resolução (como o utilizado no presente trabalho), estas técnicas se tornarão muito úteis para o futuro da venômica (DE GRAAF et al., 2009). Espectrômetros de massa híbridos, combinando diferentes tipos de analisadores massas, como por exemplo “Quadrupolo-Time-Of-Flight” (Q-TOF) têm sido utilizados cada vez mais em um grande número de aplicações, devido à velocidade de aquisição de dados, precisão de alta massa, poder de resolução, e alta sensibilidade (STEEN et al., 2001). A incorporação de analisadores do tipo “ion-trap” (ou a armadilha de íons) (IT) com TOF (IT- TOF) levou não só a um aumento no poder de resolução, mas também permitiu experimentos de espectrometria sequencial de alta performence, uma vez que o sistema IT é capaz de análises MSn. Enquanto instrumentos com analisadores TOF exibem um poder de resolução de massa superior a 10.00, e precisão de massa menor que 5 ppm, um equipamento híbrido IT-TOF representa uma plataforma atraente para aplicações bioanalíticas (DODONOV et al., 2000). As vantagens das técnicas de MSn com respeito a velocidade, sensibilidade e aplicabilidade em misturas peptídicas complexas, gradualmente têm levado a substituição de técnicas como Edman por técnicas de LC-MS/MS (SEIDLER et al., 2010). A combinação de técnicas, como a Cromatografia Líquida de Alto Desempenho (HPLC) e Espectrometria de Massas tem sido determinante para a revelação de muitos componentes dos venenos animais (KRISHNAMURTHY et al., 1996; ESCOUBAS et al., 2008). A combinação destas técnicas possibilitam a separação e identificação de componentes peptídicos que se encontram em reduzidas quantidades na amostra a ser estudada, revelando cada vez mais novos componentes. Por exemplo, estudos envolvendo venenos de aranhas do gênero Brachypelma por HPLC e MALDI-TOF/MS revelaram a presença de 40-50 componentes peptídicos diferentes no veneno bruto, dependendo da espécie (ESCOUBAS et al., 1997). Outros exemplos incluem o estudo de modificações N- e C- terminais em toxinas presentes no veneno da aranha do gênero Phoneutria por MALDI-TOF MS, e LC-MS/MS, mostrando heterogeneidade e a presença de múltiplas isoformas peptídicas no veneno (PIMENTA et al., 2005). Trabalhos de proteômica e peptidômica utilizando-se de técnicas avançadas como LC- ESI-MS e nano ESI-MS/MS permitem a identificação rápida e sensível e a caracterização de proteínas e peptídeos com grande eficiência. Venenos de serpentes são conhecidos por conterem cerca de 100 componentes peptídicos diferentes (CALVETE et al., 2007), enquanto venenos de escorpiões, aranhas e moluscos marinhos do gênero Conus têm demonstrado conterem de 300 à 1000 componentes diferentes (PIMENTA et al. 2001; ESCOUBAS et al.. 2006; NEWTON et al., 2007; BIASS et al., 2009; DAVIS et al., 2009). 20 Até hoje, a maioria dos peptídeos isolados dos venenos de Hymenoptera têm sido isolados e caracterizados estruturalmente com a utilização de protocolos analíticos convencionais, onde classicamente se fraciona os venenos por cromatografia de fase reversa, onde as frações são coletadas, concentradas e analisadas “off-line” por espectrometria de massas e Química Degradativa de Edman (MENDES at al, 2004a, 2004b, 2005, 2006; DE SOUZA et al., 2005, 2009). Utilizando-se da combinação do o fracionamento “off-line”, combinado com análises ESI-IT-TOF/MS e MSn Baptista-Saidemberg e colaboradores (2010) detectaram e sequenciaram nove novos peptídeos no veneno da vespa social neotropical Agelaia pallipes pallipes. As abordagens experimentais convencionais, como por exemplo, o uso de técnicas de fracionamento em larga escala, com coletas de frações “off-line”, se concentram apenas nos componentes mais abundantes, não considerando a presença dos componentes minoritários. Assim, trabalhos de proteômica e peptidiômica utilizando-se de técnicas avançadas como LC- ESI-MS e nano ESI-MS/MS permitem identificações rápidas, utilizando-se pequenas quantidades de amostra. Por exemplo, um estudo proteômico por LC-ESI-MS “on-line” revelou mais de 85 massas moleculares diferentes no veneno bruto de Apis mellifera (STOCKLIN; FAVREAU, 2002). Recentemente, o veneno da abelha solitária Osmia rufa (Hymenoptera: Megachilidae) foi analisado pelo método “on-line” LC-ESI-MS e nanoESI- MS, sendo que mais de 50 componentes diferentes foram encontrados, com massas moleculares variando de 400 a 4000 Da (STOCKLIN et al., 2009). Trabalhos realizados anteriormente em nosso laboratório (LBEZ) possibilitaram a identificação de vários peptídeos presentes em venenos de vespas sociais, porém muitos dos peptídeos menos abundantes não puderam ser estudados com as técnicas utilizadas nestes trabalhos (MENDES et al. 2004a e b, 2005; DE SOUZA et al., 2004; DE SOUZA, 2006). Os protocolos de Cromatografia Líquida e Espectrometria de Massas em micro-escala desenvolvidas no presente trabalho permitiram a padronização de técnicas de fracionamento, associadas ao sequenciamento de compostos peptídicos pouco abundantes nos venenos de vespas por espectrometria de massas. Estas técnicas utilizam menores quantidades de material biológico, em menor tempo de aquisição de dados, e utilizando-se de quantidades muito menores de fase móvel. 21 2. OBJETIVOS O presente trabalho teve sua inspiração em um dos objetivos maiores do programa BIOprospecTA/FAPESP, voltado a bioprospecção de novos compostos naturais de espécies autóctones da fauna do Estado de São Paulo. Assim, foi proposto o desenvolvimento de uma plataforma analítica que permitisse a detecção, identificação e caracterização de peptídeos presentes nos venenos de vespas sociais. Como modelo biológico de estudo foi escolhida a vespa Polybia paulista. Este trabalho teve como objetivos: - Padronizar técnicas de separação e sequenciamento de novos peptídeos presentes no veneno da vespa social P. paulista, presentes em menores quantidades diminutas, ou ainda componentes mais abundantes ainda não descritos em literatura, através da utilização do sistema UFLC (SHIMADZU) acoplado diretamente ao Espectrômetro de Massas do tipo IT- TOF/MS e MSn; - Comparar os perfis peptídicos do veneno de diferentes ninhos da mesma espécie de vespa e acompanhar as diferenças de composição peptídica do veneno de um mesmo ninho, em diferentes períodos do ano; - Investigar a ação hemolítica, desgranuladora de mastócitos, antibiótica, edematogênica e hipernociceptiva de alguns dos novos peptídeos encontrados no veneno; - Sob o ponto de vista de formação de recursos humanos, este trabalho teve por objetivo a formação de recursos humanos altamente qualificados em técnicas de cromatografia líquida de alto desempenho, espectrometrias de massas, síntese de peptídeos, e análise de atividades biológicas, que também se enquadram dentro dos objetivos maiores do programa BIOprospecTA/FAPESP. 22 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. Extração do veneno Três ninhos da vespa social P. paulista foram coletados e georreferenciados no município de Rio Claro (SP) em localidades próximas: Ninho/Amostra A (22º23’43.0’’S, 047º32’32,8’’W), Ninho/Amostra B (22º23’43.2’’S, 047º32’33,6’’W) e Ninho/Amostra C (22º23’43.0’’S, 047º32’35,3’’W) para observação das variações de composição peptídica dos venenos comparados inter-ninhos. Além disso, vespas de outro ninho, nomeado Amostra D (22º23’43.0’’S, 047º32’38,3’’W) foram coletadas três vezes com intervalos de 60 dias entre as coletas, para observação de variações de composição peptídica do veneno comparado intra-ninho. Os reservatórios de veneno de 30 operárias da espécie P. paulista (Hymenoptera, Vespidae) foram extraídos manualmente de cada um dos ninhos com auxílio de pinças de ponta fina, e nomeadas como amostra A, B, C, e D1, D2, D3 seguindo a denominação dos ninhos e épocas de coleta. Depois de extraídos, os reservatórios foram comprimidos com auxílio de um bastão de vidro, com ponta arredondada. Em seguida, este material foi centrifugado em uma micro-centrífuga de alta rotação MSE (SANYO) a 8000 rpm por 10 minutos, em presença de solução de acetonitrila (ACN) (MALLINCKRODT) 50% (v/v) em água. Este procedimento foi repetido por mais duas vezes. O sobrenadante foi filtrado em filtro hidrofóbico de acetato-celulose 0,45 μm (MILLIPORE) e em seguida, liofilizado em liofilizador (HETO, modelo MLW – LGA 05) acoplado a um concentrador de amostras à vácuo (HETO) e mantido à -20º C até a utilização. 3.2. Experimentos de LCMS-IT-TOF-MSn As amostras da fração peptídica (40 g cada) extraídas do veneno bruto foram analisadas por espectrometria de massas com a utilização de um sistema LCMS-IT-TOF, tanto para detecção de novos compostos peptídicos, quanto para o sequenciamento dos mesmos. Foi utilizado o sistema UFLC (SHIMADZU) contendo duas bombas LC-20AD, detector de arranjo de diodos SPD-M20A, amostrador automático SIL-20AHT e forno para coluna CTO-20A, acoplado diretamente (“on-line”) ao espectrômetro de massas. As análises cromatográficas foram realizadas sob gradiente de ACN de 5 a 90% (v/v), contendo 0,05% (v/v) de TFA por 90 min., utilizando-se uma coluna XBrigdeTM BEH300 C18 (2,1x100mm; 23 3,5 µm) (WATERS). A eluição dos componentes foi monitorada por absorbância ultravioleta a 214 nm, com fluxo de 0,2 mL/min. A obtenção dos espectros de massas foi realizada em um espectrômetro de massas equipado com fonte de ionização “electrospray” (ESI), e analisador de massas híbrido formado pela combinação de sistemas “ion-trap” e “Time-of-Flight” (IT-TOF) (SHIMADZU). As analises foram realizadas no modo positivo (ESI+) e contínuo, durante todo o experimento O software LCMS solution (SHIMADZU) foi utilizado para controle de aquisição e análise de dados. Durante todos os experimentos a temperatura do CDL e da interface foi mantida a 200º C, a voltagem na agulha a 4,5 kV e a voltagem no cone a 3,5 V. O fluxo de gás secante (Nitrogênio) foi de 100 L/h e o fluxo de gás nebulizador (Nitrogênio) de 1,5 L/h. A detecção no espectrômetro de massas foi realizada com varreduras feitas no intervalo de m/z 50 a 3000, com uma resolução de aproximadamente 15000. Os experimentos de espectrometria de massas sequenciais, ou seja, espectros de fragmentação peptídica em condições de decomposição induzida por colisão (CID) (MS2) foram realizados utilizando-se os mesmos parâmetros dos experimentos de MS1. Foi utilizado argônio como gás de colisão, a uma pressão de 100 kPa. Os íons produzidos através dos experimentos MS/MS foram aprisionados e acumulados durante 50 mseg no “íon trap”, utilizando-se energia de colisão de 50% e freqüência de 30 kHz, para os íons moleculares de carga +2 ([M+2H] +2), + 3 ([M+3H]+3) e assim sucessivamente. Os espectros de massas obtidos foram analisados primeiramente com as ferramentas do software LCMS solution (SHIMADZU), utilizado para controle de aquisição e análise de dados. A rotina descrita por Cantú e colaboradores (2008) foi utilizada para a interpretação dos espectros de massas obtidos. Os espectros contendo íons multiprotonados foram convertidos para a forma numérica com auxílio da função Mass Table do software LCMS solution, e então manualmente deconvoluídos para espectros contendo apenas íons monoprotonados, com o objetivo de simplificar a interpretação de tais espectros, possibilitando o assinalamento das sequências primárias dos peptídeos. Os cálculos realizados para a obtenção das sequências foram feitos utilizando uma tolerância de massa de 0,1 u.m.a. A distinção entre os resíduos isobáricos Leucina (L) e Isoleucina (I) foi resolvida em alguns casos através da utilização de íons das séries d e w. 24 3.3. Síntese manual dos peptídeos em fase sólida A síntese dos peptídeos lineares (Tabela 1) utilizados para os bioensaios foi realizada manualmente, através do método de síntese em fase sólida (MERRIFIELD, 1986), utilizando- se N-9-fluorenilmetoxicarbonil, também conhecida como estratégia Fmoc. TABELA 1: Sequências dos peptídeos identificados no veneno de P.paulista e sintetizados. NOME SEQUENCIA Thr6-BK R P P G F T P F R-OH RA_Thr6-BK R A R P P G F T P F R-OH RA_Thr6-BK_DT R A R P P G F T P F R D T-OH Os peptídeos foram sintetizados utilizando-se 100 mg de resina NovaSyn TGR, com grau de substituição de 0,2 mmol e/g. Em cada ciclo da síntese foi adicionado Fmoc- aminoácido-OH (NOVABIOCHEM), contendo N-Hidroxibenzotriazol (HOBt.H2O, NOVABIOCHEM) e N-Metilmorfolina (NNM, ALDRICH) como agentes ativadores dos aminoácidos e Hexafluorofosfato Benzoitriazol-1-i1-oxi-tris-pirrolidino-fosfinio (PyBOP, NOVABIOCHEM) como agente acoplante, por um período de 30 minutos. Após cada ciclo de acoplamento foram realizadas cinco lavagens da resina com N-N-Dimetilformamida (DMF, SYNTH). A retirada do Fmoc foi realizada utilizando-se Piperidina (FLUKA) 30% (v/v) em DMF. Todas as reações foram realizadas sob agitação mecânica em capela de segurança. Após a acoplagem do último resíduo de aminoácido, a resina foi lavada com metanol (MALLINCKRODT) e seca em liofilizador (HETO, modelo MLW – LGA 05). Após a secagem, foi feita a clivagem entre peptídeo/resina utilizando-se uma solução de ácido trifluoroacético (TFA) 82,5% (v/v) (MALLINCKRODT), Anisol 5% (v/v) (SIGMA), Etanoditiol 2,5% (v/v) (ALDRICH), Fenol 5% (m/v) e água ultrapurificada 5% (v/v), durante 2 horas sob agitação mecânica. Esta solução de TFA-Anisol-Etanoditiol-Fenol-Peptídeo foi filtrada para a retirada da resina e centrifugada a 4º C (EPPENDORF, modelo 5810R) por 15minutos a 3000 rpm na presença de éter etílico (SYNTH). O material sedimentado foi então re-suspendido em água bidestilada (destilador MARCONI, modelo MA 078) e ultrapurificada MilliQ Advantage A10 (MILLIPORE) para então ser purificado através de cromatografia 25 líquida. O controle de qualidade foi feito por espectrometria de massas (ESI-MS). O rendimento da síntese de cada peptídeo foi de aproximadamente 30%. 3.4. Purificação dos peptídeos A purificação dos peptídeos provenientes da síntese manual foi feita através de cromatografia líquida de alta performance sob fase reversa (RP-HPLC, Reversed-phase High Performance Liquid chromatrography) utilizando um sistema de HPLC Shimadzu modelo LC-8A, equipado com detector de luz ultravioleta do tipo arranjo de diodos modelo SPD- 20A, constituído por duas bombas LC-8A (bombas A e B), com injetor Rheodyne modelo 7725i com “loop” de 2 mL, um sistema controlador Shimadzu (modelo SCL 10Avp) e coluna preparativa Shimpack C-18 PREP-ODS(K) 30 x 250 mm (SHIMADZU). Para a fase móvel, foram utilizados dois solventes, sendo A: água, contendo 0,1% TFA (v/v); e B: ACN (MALLINCKRODT) contendo 0,1% TFA (v/v). O fluxo do solvente para todos os peptídeos foi de 10mL/min. Para todos os peptídeos foi utilizada uma eluição isocrática com fase móvel constituída de 20% B. As frações coletadas, correspondendo ao pico de absorbância, foram reunidas e parcialmente evaporadas em equipamento Rotavapor, sendo que o material restante foi seco em Speed-vac e pesado. 3.5. Atividade hemolítica Os experimentos de atividade hemolítica foram realizados segundo metodologia descrita por De Souza (2006), com algumas modificações e número de repetições de n=5. Foram adicionados cerca de 500 µL de sangue extraído da cauda de ratos Wistars fêmeas em 50 mL de solução salina (NaCl 0,85%, CaCl2 10 mM) sob leve agitação por 15 minutos, em agitador magnético (MA-089 MARCONI). A suspensão de eritrócitos foi centrifugada em presença de solução salina, em uma centrífuga clínica (Z-200A HERMLE) a 3000 rpm durante 15 minutos para lavagem das células. Esta operação foi repetida por mais duas vezes. O sobrenadante da última centrifugação foi descartado e o concentrado de hemácias obtido ao final das centrifugações foi considerado como sendo 100% de células. Foi preparada uma suspensão de eritrócitos a 4% diluindo-se a suspensão concentrada descrita 26 acima, com solução salina isotônica. Essa suspensão a 4% foi utilizada nos testes de atividade hemolítica. Foram montadas baterias de ensaios em microplacas (COSTAR), onde cada orifício foi preenchido com os diferentes peptídeos, solubilizados em solução salina. A cada orifício foram adicionados 90 µL da suspensão de eritrócitos perfazendo um volume final de 100 µL. Para o controle de 0% de hemólise foram adicionados 10 µL de solução salina a 90 µL da suspensão de eritrócitos; para o controle de 100% de hemólise, foram adicionados apenas 10 µL de solução salina acrescida de 1% (v/v) de Triton X-100 (SIGMA) a 90 µL de suspensão de eritrócitos. Cada placa foi incubada à temperatura ambiente por 2 horas sob agitação. Após este período de incubação, o conteúdo de cada orifício foi centrifugado por 5 minutos a 3000 rpm em uma centrífuga Compacta Avanti 30 (BECKMAN). O sobrenadante de cada preparação foi utilizado para a montagem de uma nova placa, para realização das leituras de absorbância em uma leitora de microplacas (Biotrak II - AMERSHAM BIOSCIENCE, modelo), com filtro de 540 nm. 3.6. Desgranulação de mastócitos Os testes de desgranulação de mastócitos foram feitos segundo metodologia de Hide e colaboradores. (1993) com algumas modificações e número de repetições de n=5. Foram testados os três peptídeos nas concentrações variando de 3x10-4 a 5x10-1 g/L em triplicata e utilizou-se o peptídeo HR1 como peptídeo padrão para desgranulação (TUICHIBAEV et al., 1988), também nas mesmas concentrações. 3.6.1. Preparo das soluções Foram preparadas as seguintes soluções para a realização dos testes de desgranulação de mastócitos: Solução MCM-1 (mast cell medium) Para 100 mL de solução MCM-1, foram colocados 0,877 g de NaCl (MERCK), 0,028 g de KCl (MERCK), 0,043 g de NaH2PO4 (SYNTH), 0,048 g de KH2PO4 (SYNTH), 0,10 g de glicose (SYNTH), 0,10 g de BSA (SIGMA), 90 L de CaCl2 (1M) (VETEC) e 100 mL água mili Q. 27 Solução MCM-2 Para a solução MCM-2 utilizou-se 100 mL de MCM-1 e 50 L de Liquemine (Heparina Sódica 5000 UI/0, ROCHE). Solução SH Dissolveu-se 0,588 g de Citrato trissódico (MERCK) em 10 mL de água bidestilada. O pH foi ajustado para 4,5 com solução de HCl (1M) (SYNTH). A 10 mL desta solução de citrato trissódico (pH 4,5), foram adicionados 0,0034 g de p-nitrofenil-N-acetil-- glucosaminidina (SIGMA). 3.6.2. Isolamento dos mastócitos Os ratos Wistar fêmeas foram anestesiados com 300 L de solução 1/1 dos anestésicos Quetamina e Xilasina, aplicado via subcutânea, e em seguida decapitados para retirada do sangue. Foi feito um corte longitudinal no abdômen para expor a cavidade peritonial. Os órgãos foram afastados e fez-se a lavagem desta cavidade com 20 mL de solução MCM-2, para se extrair o fluído contendo os mastócitos em suspensão. Este fluído foi coletado com auxílio de uma seringa e armazenado em banho de gelo. Repetiu-se este procedimento por três vezes. O fluído peritonial foi centrifugado à velocidade de 100 g por 5 min, a 4º C. O sobrenadante foi descartado, o sedimento de células foi ressuspendido em 2 mL de MCM-1 e centrifugado novamente sob as mesmas condições. O sobrenadante foi novamente retirado e ressuspendido em 2 mL de MCM-1. Esta suspensão de células foi utilizada para o ensaio de desgranulação de mastócitos. Foi feita a contagem das células em câmara de Neubauer com auxílio de uma solução corante 0,05% (v/v) de cristal violeta em HCl (3,6 M). Ajustou-se a concentração para 4,5 x 105 células/mL. 3.6.3. Ensaio de desgranulação de mastócitos Preparou-se microplacas (COSTAR) colocando-se 90 L da suspensão de mastócitos e 10 L das soluções com diferentes concentrações de cada peptídeo. Para o valor de referência “zero%” de desgranulação foram adicionados 10 L de água bidestilada e 90 L da suspensão 28 de mastócitos, para que a diluição do fluído peritonial fosse a mesma em toda a placa. Para o valor de referência “100%” de desgranulação adicionou-se 10 L de água bidestilada contendo Triton X-100 1% (v/v) e 90 L da suspensão de mastócitos. Esta microplaca foi incubada por 15 min a 37º C em banho-maria para que houvesse o extravasamento do conteúdo dos grânulos dos mastócitos. Passado esse tempo, o conteúdo de cada orifício foi centrifugado a 1000 rpm por 5 min, sendo o sobrenadante removido e utilizado na sequência das análises. Com os sobrenadantes, montou-se uma nova placa, com cada orifício contendo 50 L de sobrenadante e 50 L de SH. Esta placa foi incubada por 6 horas, a 37º C. Após a incubação, descartou-se 50 L de cada orifício e acrescentou-se 150 L de solução Tris 0,2 M (SIGMA). A medida de desgranulação foi feita através da leitura de absorbância a 405 nm, em leitora de placas (Biotrak II – AMERSHAM BIOSCIENCE). 3.7. Atividade de liberação de lactato desidrogenase (LDH) Essa atividade mede a liberação da lactato desidrogenase dos mastócitos, para o meio extracelular, como indicador de lise dos mastócitos pelo peptídeo. A LDH é uma enzima citoplasmática, que catalisa a redução reversível do piruvato a lactato, utilizando NADH como coenzima. A atividade de LDH foi realizada com a suspensão de mastócitos extraídos da cavidade peritoneal de ratos Wistar, como descrito para os ensaios de desgranulação e número de repetições de n=5. Incubou-se 20 μL do sobrenadante da suspensão de mastócitos com 800 μL de tampão UV-LDH [Reagente 1 (TRIS 50 mM pH 7,4, ácido pirúvico 1,2 mM, EDTA 5 mM) 80% (v/v). Reagente 2 (NADH 0,18 mM) 20% (v/v)] por 5 minutos a 25°C. Após esse período, a cinética de consumo do substrato NADH foi monitorada pela medida do decréscimo da absorbância a 340 nm, durante 10 minutos a 25°C. Os resultados foram inicialmente calculados como unidades catalíticas (micromols de NADH consumidos por min. a 25°C, pH 7,4). Esses valores foram convertidos em atividade relativa, através da atividade de LDH total (100%) da suspensão de mastócitos lisados, na presença de Triton X- 100 0,1% (v/v). 29 3.8. Prova de sensibilidade bacteriana (MIC) Os testes para verificação de atividade antimicrobiana dos peptídeos foram realizados através da determinação da concentração inibitório mínima (MIC). Os experimentos foram montados em micro-placas de 96 canais e a visualização dos resultados foi feita utilizando-se o cromóforo cloreto de trifeniltetrazolium (TTC) (MALLINCKRODT), segundo metodologia descrita por Coyle e colaboradores. (2003) e Meletiadis e colaboradores (2000). Os peptídeos foram testados contra os seguintes microrganismos: Staphylococcus aureus (ATCC 6538), Bacillus subitis (ATCC 6051), Pseudomonas aeruginosa (ATCC 13388) e Escherichia coli (ATCC 1175), obtidos no Laboratório de Microbiologia do Centro de Estudos de Insetos Sociais – C.E.I.S. (IBRC/UNESP). Foram utilizados: meio de cultivo Müller-Hinton (DIFCO), meio de cultivo Müller-Hinton Broth (DIFCO) para manutenção e cultivo desses microrganismos. Toda a manipulação dos microrganismos foi feita em câmara de fluxo laminar vertical (PACHANE) e todo material utilizado no cultivo foi esterilizado em autoclave vertical AV30 (PHOENIX), por 20 minutos à 121º C e 1 atm. Para a realização do experimento, os inóculos foram preparados em solução salina (NaCl 0,9%) à partir de colônias novas (colônias de 18 horas). A concentração desses inóculos foi ajustada para 0,5 da escala de McFarland. Foram adicionados 200 L de inóculo em 20 mL de meio Müller-Hinton líquido, sendo essa suspensão utilizada para a montagem das micro-placas. Em cada orifício da placa foram colocados 10 L de solução de peptídeo (diluído em água esterilizada em diferentes concentrações), 10 L da suspensão de inóculo e 80 L de meio Müller-Hinton líquido. Para o valor de referência zero, foram colocados 80 L de meio Müller-Hinton líquido, 10 L de água bidestilada esterilizada e 10 L de salina. Para o valor de referência 100%, foram colocados 10 L de água e 10 L da suspensão de inóculo e 80 L de meio Müller-Hinton líquido. Foi montada uma placa para cada espécie de microrganismo mencionado acima. As placas foram incubadas em estufa de cultura a 34º C, por 18 horas. Após este período, acrescentou-se a cada orifício 10 L de TTC 0,5% (m/v) em água. As leituras foram realizadas após 3 horas de re-incubação das placas em estufa a 34º C. 30 3.9. Atividades farmacológicas relacionadas à dor e inflamação 3.9.1. Animais Foram utilizados camundongos Swiss machos pesando entre 18-21g fornecidos pelo Biotério do Laboratório de Biologia Estrutural e Zooquímica do Centro de Estudos de Insetos Sociais da Unesp Campus de Rio Claro-SP. Os animais foram mantidos com água e ração ad libitum em uma sala apropriada com temperatura ambiente de 20 ± 3º C e ciclo claro/escuro (12:12 h), por um período mínimo de 3 dias antes dos experimentos. O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal do Instituto Butantan (CEUAIB, Protocolo número: 567/09) e obedeceram às normas propostas pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) (ZIMMERMANN, 1983). 3.9.2. Avaliação da sensibilidade dolorosa. Os animais foram submetidos, para avaliação da sensibilidade dolorosa, ao teste do von Frey eletrônico. Foi determinado, a partir desse teste, se as cininas testadas apresentavam efeito hiperalgésico ou analgésico. Como controle positivo foi utilizado a carragenina. Para avaliação do efeito inflamatório ou anti-inflamatório das cininas foi utilizado um paquímetro digital (CD-6 CSX-B-MITUTOYO SUL AMERICANA LTDA) Estes testes foram realizados em diversos tempos sendo que cininas (cinina Thr6-BK; cinina RA_Thr6-BK e cinina RA_ Thr6-BK_DT) testadas foram administradas por via intraplantar. 3.9.3. Von Frey Eletrônico Os animais foram colocados em gaiolas plásticas, com fundo de arame, para permitir acesso às patas. Os animais foram colocados nestas gaiolas 30 minutos antes do início do teste, para adaptação comportamental. Os testes foram realizados apenas quando os animais estavam quietos, sem movimentos exploratórios ou defecação e sem lamberem seus membros. Neste experimento, uma medida de pressão eletrônica foi mensurada através de um transdutor de pressão adaptado por um cabo a um contador digital de força (em gramas). A precisão do aparelho é de 0,1 g e o aparelho foi calibrado para registrar uma força máxima de 150 g, mantendo a precisão de 0,1 g até a força de 80 g (INSIGHT EQUIPAMENTOS LTDA., RIBEIRÃO PRETO, SP, BRA). O contato do transdutor de pressão à pata foi realizado 31 através de uma ponteira descartável de polipropileno adaptada. Uma força perpendicular crescente foi aplicada na área central da superfície plantar do membro posterior dos animais, para indução da flexão dorsal da articulação tíbio-társica, seguida da retirada da pata. O aparelho de medida de pressão eletrônica registrou automaticamente a intensidade da força aplicada quando o membro for retirado. O teste foi repetido até que se obtivessem três medidas subsequentes, de tal forma que a variação entre as medidas não fossem maiores que 1 g. Os animais foram submetidos ao von Frey em diversos tempos após a administração, por via intraplantar, das cininas, carragenina (controle positivo) e salina (controle negativo). 3.9.4. Edema de pata Foi avaliado o efeito edematogênico das cininas. Os animais receberam uma aplicação intraplantar (em uma das patas) de cininas, carragenina 1%, ou veículos (controles). O volume da pata foram realizadas nos tempos zero (imediatamente após as injeções das cininas ou carragenina) e em diversos tempos após a injeção do agente flogístico 99, utilizando um Paquímetro digital de especificação 0-150X0,01 mm (modelo CD-6’’CSX-B, MITUTOYO SUL AMERICANA LTDA). O aumento percentual do volume das patas foi calculado através da expressão: A (%)= (Vf-Vi)x 100/Vi Onde: A (%) = aumento percentual do volume da pata; Vi = volume inicial da pata; Vf = volume da pata após a injeção dos peptídeos, carragenina ou veículo (controle). O resultado final foi obtido subtraindo-se os valores controles (animais injetados com veículo) dos valores testes (animais injetados com as cininas). 3.9.5. Análise estatística Os resultados estão expressos como média ± SEM. Os dados referentes aos tratamentos foram estatisticamente examinados utilizando ANOVA de duas vias, seguida por meio de análise de variância associada ao teste de Tukey (p< 0,05) (KLEINBAUM et al., 1998). 32 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados foram divididos em três partes: PARTE I: 4.1 Análise de variabilidade de composição peptídica do veneno em diferentes condições: 4.1.1. Inter-ninho (venenos de diferentes ninhos coletados na mesma época do ano) 4.1.2. Intra-ninho (veneno do mesmo ninho em diferentes épocas do ano) PARTE II: 4.2. Sequenciamento de alguns peptídeos encontrados no veneno. PARTE III: 4.3. Atividades biológicas dos peptídeos sintetizados da família das cininas, 33 PARTE I: 4.1. Análise de variabilidade de composição peptídica do veneno em diferentes condições: 4.1.1. Inter-ninhos (venenos de diferentes ninhos coletados na mesma época do ano) Inicialmente neste trabalho, foram realizados vários experimentos para verificar as melhores condições cromatográficas, para se fazer uma varredura cromatográfica ampla dos peptídeos presentes na porção peptídica do veneno de P. paulista, sendo que o gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) durante 90 minutos foi o que apresentou melhor separação cromatográfica, tanto no cromatograma UV quanto no cromatograma de íons totais (“Total Ion Cromatogram” = TIC). Além disso, a boa qualidade dos cromatogramas foi fundamental para que as análises de amostras diferentes pudessem ser comparadas entre si, principalmente para estabelecer as frações cromatográficas características do veneno e as diferenças entre as amostras. Foi desenvolvido um “cromatograma controle” (branco), nas mesmas condições da amostra, onde se injetou apenas o solvente das amostras. Em paralelo a porção peptídica do veneno foi injetada, onde foram otimizadas as condições de ionização, “aprisionamento” dos íons formados (traping) e de otimização das condições de dissociação induzida por colisão (CID) em baixas energias, de maneira a se conseguir séries completas de íon-fragmentos dos tipos b e/ou y, a fim de facilitar o sequencimento dos peptídeos sob investigação. Primeiramente, foram analisados os cromatogramas UV (com leitura de absorbância em 214nm) de três diferentes amostras. Estas três amostras correspondem às porções peptídicas dos venenos das vespas (20 µg/amostra) extraídos na presença de ACN 50% (v/v), coletados de três ninhos diferentes encontrados em regiões próximas na cidade de Rio Claro, SP, sendo denominadas por Amostra “A”, “B” e “C”. Os cromatogramas UV estão representados nas figuras de 1 a 3, para as amostras A, B e C, respectivamente. 34 Figura 1: Perfil da cromatografia de fase reversa da amostra A de veneno de P. paulista (20 µg), obtido em coluna XBrigdeTM BEH300 C18(2,1x100 mm), sob gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) [contendo TFA 0,05% (V/V)], com fluxo de 0,2 mL/min. Figura 2: Perfil da cromatografia de fase reversa da amostra B de veneno de P. paulista (20 µg ), obtido em coluna XBrigdeTM BEH300 C18(2,1x100 mm), sob gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) [contendo TFA 0,05% (V/V)], com fluxo de 0,2 mL/min. Figura 3: Perfil da cromatografia de fase reversa da amostra C de veneno de P. paulista (20 µg ), obtido em coluna XBrigdeTM BEH300 C18(2,1x100 mm), sob gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) [contendo TFA 0,05% (V/V)], com fluxo de 0,2 mL/min. Os cromatogramas UV (214 nm) são muito semelhantes quando comparados entre si, sendo difícil perceber as diferenças entre as amostras provenientes de diferentes ninhos, coletados em diferentes localidades. Assim, os Cromatogramas de Íons Totais (TIC) dos experimentos realizados com as três amostras, foram utilizados como parâmetro para a análise quantitativa e qualitativa dos peptídeos, uma vez que este formato apresenta maior sensibilidade, podendo detectar pequenas quantidades de compostos e diferenças sutis entre as amostras, quando comparada ao cromatograma UV. 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0 50.0 55.0 60.0 65.0 70.0 75.0 80.0 85.0 Tempo de retenção (min) 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 mAU (x100) PDA Ch1 (214nm) x 1.00 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0 50.0 55.0 60.0 65.0 70.0 75.0 80.0 85.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 mAU (x100) PDA Ch1 (214nm) x 1.00 Tempo de retenção (min) 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0 50.0 55.0 60.0 65.0 70.0 75.0 80.0 85.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 mAU (x100) PDA Ch1 (214nm) x 1.00 Tempo de retenção (min) 35 Para a realização das análises das diferentes massas moleculares presentes nas diferentes amostras, os cromatogramas de massas foram analisados minuto a minuto (considerado como uma janela analítica individual) a fim de se estabelecer quais as massas presentes nestes intervalos (janelas de tempo). A utilização de ionização ESI gera íons de múltiplas cargas, que são ainda mais favorecidas pelo uso de analisador IT, tornando relativamente laboriosa a tarefa de identificar cada peptídeo presente, em cada janela de tempo. Este procedimento de busca dos compostos peptídicos em uma janela de tempo, foi realizado manualmente pela falta de um software específico para tal tipo de análise, e também para que não houvesse dúvidas quanto à deconvolução dos íons; somente aqueles íons que apresentaram envelope de picos com resolução monoisotópica é que foram considerados nas análises. Considerou-se composto diferentes aqueles que, dentro de cada janela de tempo, apresentaram valor de massa molecular diferindo em pelo menos 1 Da. Esta forma de análise também foi realizada por Davis e colaboradores (2009), onde a diversidade peptídica de diferentes indivíduos da mesma espécie, e entre espécies diferentes de animais do gênero Conus foi estudada. Os cromatogramas de íons totais estão representados juntamente com a identificação das diferentes massas moleculares encontradas em cada janela de tempo, nas três diferentes amostras (Figuras 4, 5 e 6, as quais são referentes às amostras A, B e C). A Figura 7 representa a superposição de todos os peptídeos detectados nas três amostras (A, B e C). Figura 4: Cromatograma de íons totais (TIC) da amostra A, com identificação das massas moleculares de todos os peptídeos observados no intervalo de 400 a 3000 Da (pontos vermelhos), em cada janela de tempo, durante os 90 minutos de eluição. 36 Figura 5: Cromatograma de íons totais (TIC) da amostra B, com identificação das massas moleculares de todos os peptídeos observados no intervalo de 400 a 3000 Da (pontos vermelhos), em cada janela de tempo, durante os 90 minutos de eluição. Figura 6: Cromatograma de íons totais (TIC) da amostra C, com identificação das massas moleculares de todos os peptídeos observados no intervalo de 400 a 3000 Da (pontos vermelhos), em cada janela de tempo, durante os 90 minutos de eluição. 37 Figura 7: Superposição de todos os peptídeos detectados na amostras A, B e C, no intervalo entre 400 e 3000 Da, em função dos tempos de retenção; = peptídeos da amostra A; = peptídeos da amostra B; = peptídeos da amostra C. As análises dos cromatogramas de massas (TIC) de cada uma das amostras e a comparação entre as massas moleculares presentes em cada amostra analisada revelaram a existência de muitos peptídeos apresentando massas moleculares diferentes e algumas semelhanças em relação às três amostras. As massas moleculares obtidas para cada um dos peptídeos foi obtida através da deconvolução de espectros apresentando íons com múltiplas cargas (+2,+3,+4 ou mais) para somente íons monoprotonados, como já mencionado anteriormente. Com estes dados foi possível realizar a análise de distribuição das diferentes massas moleculares de cada amostra, bem como do número total de componentes peptídicos acumulados ao longo de todo cromatograma, apresentados em intervalos de massas de 100 Da. As figuras 8,9 e 10 representam o diagrama de barras correspondentes à frequência das faixas de massa molecular das amostras A, B e C, respectivamente. 38 Figura 8: O diagrama de barras corresponde à frequência de cada faixa de massa molecular (no intervalo de 100 Da) encontrada no veneno da vespa P. paulista presente na amostra A. A linha com pontos negros corresponde ao número total acumulado de peptídeos detectados na amostra. Figura 9: O diagrama de barras corresponde à frequência de cada faixa de massa molecular (no intervalo de 100 Da) encontrada no veneno da vespa P. paulista presente na amostra B. A linha com pontos negros corresponde ao número total acumulado de peptídeos detectados na amostra. 39 Figura 10: O diagrama de barras corresponde à frequência de cada faixa de massa molecular (no intervalo de 100 Da) encontrada no veneno da vespa P. paulista presente na amostra C. A linha com pontos negros corresponde ao número total acumulado de peptídeos detectados na amostra. Os resultados acima revelam uma enorme complexidade de composição peptídica nos venenos de P.paulista, quando se comparam amostras coletadas em diferentes ninhos desta vespa. Foi possível detectar a presença de 108 peptídeos distintos na amostra A, 92 peptídeos na amostra B e 98 peptídeos na amostra C. Foram observadas maiores quantidades de peptídeos com os valores de massas entre 1200-1300 Da, 1300-1400 Da, 1600-1700 Da e 1800-1900 Da na amostra A; 1300-1400 Da, 1400-1500 Da e 1600-1700 Da na amostra B; e 1200-1300 Da, 1300-1400 Da, 1400-1500 Da e 1600-1700 Da na amostra C. Estes resultados sugerem a existência de diferenças de composição quanto às massas apresentadas e número de diferentes peptídeos em cada amostra de veneno, mesmo considerando-se que trata de uma mesma espécie sob investigação. A Figura 11 apresenta o diagrama de Venn para comparação entre as amostras A, B e C, de acordo com as massas peptídicas e tempos de retenção encontrados. 40 Figura 11: Diagrama de Venn demonstrando o número de peptídeos comuns identificados nas amostras A, B e C, baseado em massas diferindo em ±1 Da e janelas de tempos de retenção de ±1 min. É possível observar que existem 36 peptídeos com massas moleculares e tempos de retenção, comuns entre as três amostras, 17 peptídeos são comuns somente entre as amostras A e B, 10 peptídeos ocorrem nas amostras A e C, e ainda 20 peptídeos que ocorrem nas amostras B e C. Para estas análises, foram considerados peptídeos que diferiram em suas massas moleculares em mais de 1Da, e que possuíam tempos de retenção diferentes em mais de 1 minuto. Peptídeos considerados comuns, foram aqueles compartilhando mesma massa molecular e mesmo tempo de retenção. Neste diagrama pode-se ainda notar a presença de um total de 179 peptídeos diferentes, quando os valores de massas moleculares obtidos para as três amostras (A, B e C) são analisados em conjunto. Tal padrão de semelhanças e diferenças deve estar ligado ao modo reprodutivo dos Polybiinae, o que será discutido com mais propriedade no próximo item (4.1.2.), onde foram realizadas comparações do veneno de um mesmo ninho em diferentes épocas do ano, possibilitando uma visão da variação de composição intra-ninho. 41 4.1.2. Intra-ninho (veneno do mesmo ninho em diferentes épocas do ano) Além das análises dos venenos pertencentes à ninhos diferentes, foram realizadas análises para avaliar a existência de possíveis diferenças no veneno de P. paulista no decorrer do tempo. Para isso, vespas do mesmo ninho (amostra D) (Figura 12) foram coletadas em intervalos de tempo de 60 dias (Tabela 2), a fim de verificar a interferência principalmente da genética reprodutiva, na composição desses venenos, uma vez que as vespas pertencentes à espécie P. paulista possuem ciclo de vida médio de 60 dias. Decorrido este período, a população do ninho é renovada (CHAUD-NETTO et al, 1994). Figura 12: Ninho de P. paulista utilizado para extração do veneno (Amostra D) em diferentes épocas do ano. Tabela 2: Data de coleta das amostras de veneno do ninho D. Nome da Amostra Data da Coleta D1: 26/11/10 D2: 26/01/11 D3: 26/03/11 42 Assim, 20µg da porção peptídica do veneno de cada uma das coletas (D1, D2 e D3) foram submetidas à análises de LCMS sob as mesmas condições dos experimentos de análise interninho (item 4.1.1). Foram analisados os cromatogramas UV (com leitura de absorbância am 214nm) das três amostras, sendo os mesmos representados nas figuras 13,14 e 15, para as amostras D1, D2 e D3, respectivamente. Figura 13: Perfil da cromatografia de fase reversa da amostra D1 de veneno de P. paulista (20 µg), obtido em coluna XBrigdeTM BEH300 C18(2,1x100 mm), sob gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) [contendo TFA 0,05% (V/V)], com fluxo de 0,2 mL/min. Figura 14: Perfil da cromatografia de fase reversa da amostra D2 de veneno de P. paulista (20 µg), obtido em coluna XBrigdeTM BEH300 C18(2,1x100 mm), sob gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) [contendo TFA 0,05% (V/V)], com fluxo de 0,2 mL/min. Figura 15: Perfil da cromatografia de fase reversa da amostra D3 de veneno de P. paulista (20 µg), obtido em coluna XBrigdeTM BEH300 C18(2,1x100 mm), sob gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) [contendo TFA 0,05% (V/V)], com fluxo de 0,2 mL/min. 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0 50.0 55.0 60.0 65.0 70.0 75.0 80.0 85.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 mAU (x100) PDA Ch1 (214nm) x 1.00 Tempo de retenção (min) 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0 50.0 55.0 60.0 65.0 70.0 75.0 80.0 85.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 mAU (x100) PDA Ch1 (214nm) x 1.00 Tempo de retenção (min) 0.0 5.0 10.0 15.0 20.0 25.0 30.0 35.0 40.0 45.0 50.0 55.0 60.0 65.0 70.0 75.0 80.0 85.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 mAU (x100) PDA Ch1 (214nm) x 1.00 Tempo de retenção (min) 43 Os cromatogramas UV das amostras D1 (Figura 13), D2 (Figura 14) e D3 (Figura15) mostraram-se muito semelhantes entre si, sendo difícil perceber as diferenças entre as amostras. Partiu-se então para comparações entre os cromatogramas de íons totais (TIC) adquiridos ao mesmo tempo dos cromatogramas de UV. Os cromatogramas de íons totais estão representados juntamente com a análise das diferentes massas moleculares encontradas nas três amostras (Figuras 16, 17 e 18, as quais são referentes às amostras D1, D2 e D3, respectivamente). A figura 19 trás a superposição da distribuição peptídica das três amostras (D1, D2 e D3). Figura 16: Cromatograma de íons totais (TIC) da amostra D1, com identificação das massas moleculares de todos os peptídeos observados no intervalo de 400 a 3000 Da (pontos vermelhos), em cada janela de tempo, durante os 90 minutos de eluição. 44 Figura 17: Cromatograma de íons totais (TIC) da amostra D2, com identificação das massas moleculares de todos os peptídeos observados no intervalo de 400 a 3000 Da (pontos vermelhos), em cada janela de tempo, durante os 90 minutos de eluição. Figura 18: Cromatograma de íons totais (TIC) da amostra D3, com identificação das massas moleculares de todos os peptídeos observados no intervalo de 400 a 3000 Da (pontos vermelhos), em cada janela de tempo, durante os 90 minutos de eluição. 45 Figura 19: Superposição de todos os peptídeos detectados nas amostras D1, D2 e D3, no intervalo entre 400 e 3000 Da, em função dos tempos de retenção; = peptídeos da amostra D1; = peptídeos da amostra D2; = peptídeos da amostra D3. As análises dos cromatogramas de massas (TIC) de cada uma das amostras, e a comparação entre as massas moleculares presentes em cada amostra analisada revelaram a existência de muitas massas moleculares diferentes nos venenos de um mesmo ninho no decorrer do tempo, e algumas semelhanças em relação às três amostras, assim como no caso das amostras oriundas de diferentes ninhos. As massas moleculares obtidas para cada um dos peptídeos foi obtida através da deconvolução de espectros obtendo íons multiprotonados, para forma de íons monoprotonados. Com estes dados foi possível realizar a análise de frequência dos intervalos de massas de componentes peptídicos de cada amostra, sendo estes dados representados nas figuras 20, 21 e 22. 46 Figura 20: O diagrama de barras corresponde à frequência de cada faixa de massa molecular (no intervalo de100Da) encontrada no veneno da vespa P. paulista presente na amostra D1. A linha com pontos negros corresponde ao número total acumulado de peptídeos detectados na amostra. Figura 21: O diagrama de barras corresponde à frequência de cada faixa de massa molecular (no intervalo de 100 Da) encontrada no veneno da vespa P. paulista presente na amostra D2. A linha com pontos negros corresponde ao número total acumulado de peptídeos detectados na amostra. 47 Figura 22: O diagrama de barras corresponde à frequência de cada faixa de massa molecular (no intervalo de100 Da) encontrada no veneno da vespa Polybia paulista presente na amostra D3. A linha com pontos negros corresponde ao número total acumulado de peptídeos detectados na amostra. As análises de distribuição e abundância peptídica possibilitaram um melhor entendimento da complexidade da composição peptídica dentro de um mesmo ninho ao longo de um intervalo de tempo de existência da colônia. Foi possível detectar a presença de 94 peptídeos distintos na amostra D1, 95 peptídeos na amostra D2 e 78 peptídeos na amostra D3. Foram observadas maiores quantidades de peptídeos com os valores de massas entre 1000-1200 Da, 1200-1300 Da, 1300-1400 Da e 1400-1500 Da na amostra D1; 1000-1100 Da, 1200-1300 Da, 1300-1400 Da, 1400-1500 Da e 1600-1700 Da na amostra D2; e 1000-1100 Da, 1200-1300 Da, 1300-1400 Da, 1400-1500 Da e 1600-1700 Da na amostra D3. Além disso, a comparação dos perfis cromatográficos e das curvas de abundância peptídica das amostras revelou diferenças nos tempos de retenção e massas dos peptídeos em todas as coletas. Este fato sugere a existência de diferenças de composição e número de peptídeos em função do período de coleta. A Figura 23 apresenta o diagrama de Venn para comparação entre as amostras D1, D2 e D3, de acordo com as massas peptídicas e tempos de retenção encontrados. O diagrama mostra que existem 44 peptídeos com massas moleculares comuns entre as três amostras, 18 peptídeos que ocorrem nas amostras D1 e D2, 7 peptídeos que ocorrem somente nas amostras D1 e D3, e ainda 8 peptídeos que ocorrem nas amostras D2 e D3. 48 Figura 23: Diagrama de Venn demonstrando o número de peptídeos comuns identificados nas amostras D1, D2 e D3, baseado em massas diferindo em ±1 Da e janelas de tempos de retenção de ±1 min. Para estas análises, também foram considerados peptídeos que diferiram em mais de 1 Da, e que possuíram diferenças nos tempos de retenção superiores a 1 minuto. Peptídeos considerados comuns foram aqueles compartilhando mesma massa molecular e o mesmo tempo de retenção. Na figura 23 pode-se ainda notar a presença de 146 peptídeos totais diferentes quando os valores de massas moleculares obtidos para as três amostras (D1, D2 e D3) são analisadas em conjunto. Assim como no caso do item anterior onde foram analisadas amostras de três ninhos diferentes de P. paulista, o padrão de semelhanças e diferenças deve estar ligado ao modo reprodutivo dos Polybiinae, que geralmente possui várias rainhas numa mesma colônia, que podem ser irmãs entre si, meio-irmãs, ou mesmo primas. Estas rainhas copulam com vários machos diferentes e armazenam os espermatozóides, que são utilizados em “pacotes” a cada nova progenia, que corresponde a um período entre 45 e 60 dias (CHAUD-NETTO, 1994). Isto significa que numa mesma colônia coexistem várias diferentes progênies de vespas, com cargas genéticas maternas relativamente conservadas, e diferentes cargas genéticas paternas. Este fato cria um enorme polimorfismo genético, que provavelmente resulta numa grande biblioteca peptídica em potencial, em cada colônia de vespas. Desta maneira, o padrão de semelhanças e diferenças no perfil peptídico total dos venenos, revela a enorme riqueza química que este tipo de inseto representa na natureza, tanto nas análises inter-ninho quanto intra-ninho. O período de tempo espaçado de 60 dias entre as coletas do mesmo ninho se 49 justifica porque este é o tempo médio de vida de cada operária, e também porque este corresponde ao tempo necessário à substituição de uma progênie completa. 50 PARTE II: 4.2. Sequenciamento dos peptídeos encontrados nos venenos. Levando-se em consideração os peptídeos presentes em todas as amostras analisadas, foram escolhidos alguns peptídeos para uma investigação mais detalhada. Como referência foi utilizado o cromatograma de íons totais da amostra A para a análise qualitativa dos peptídeos, onde as frações do cromatograma de íons totais foram numeradas de 1 a 24. (Figura 24). Figura 24: Cromatograma de íons totais (TIC) da amostra A, obtido a partir da análise LC-MS em coluna XBrigdeTM BEH300 C18(2,1x100 mm), sob gradiente de 5 a 90% ACN (v/v) [contendo TFA 0,05% (V/V)], com fluxo de 0,2 mL/min durante 90minutos. Em vermelho está a numeração das frações pertencentes ao veneno para referencia nas análises posteriores. As análises de MS foram realizadas no modo positivo, uma vez que apresenta uma sensibilidade mais elevada quando comparadas com análises feitas no modo negativo. Além disso, o modo positivo é capaz de gerar espectros com maior riqueza de íons fragmentos específicos para uma determinada sequência. Em contrapartida, espectros MS2 de íons negativos contêm pouca informação sobre a sequência e são normalmente mais difíceis de interpretar (SEIDLER et al., 2010). Diante destas informações, todos os peptídeos deste trabalho foram analisados no modo positivo (ESI+). Durante a fragmentação peptídica em condições de CID, ocorre a formação dos íons- fragmentos, que recebem uma nomenclatura específica dependendo da região da molécula que retêm a carga residual (próton). Quando a carga residual permanece no lado N-terminal, 51 são gerados os íons do tipo a, b e c (dependendo de qual ligação química foi desfeita), por outro lado, quando a carga residual permanecer no lado C-terminal, são gerados os íons do tipo x, y e z (dependendo de qual ligação química foi fragmentada). Os pares de íons a/x, b/y e c/z são correspondentes a fragmentos opostos e complementares entre si. Desta forma, por exemplo, sempre uma série de íons do tipo b é completar à série de íons do tipo y. Essa complementaridade e a presença de várias séries de íons permitem comprovar através de simulações de fragmentação, se uma sequência obtida está realmente correta. A nomenclatura mais aceita para anotação de íons pertencentes às sequências peptídicas está representada na figura 25, como foi originalmente proposto por Roepstorff e Fohlman (1984) e posteriormente modificada por Biemann (1990). Figura 25: Nomenclatura das principais séries de íons formados através de fragmentaçao peptídica: íons a, b, c, x, y, e z. (de acordo com Biemann, 1990). Rearranjos de hidrogênio estão omitidos nesta anotação simplificada. R1, R2 e R3 representamas cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos. Os equipamentos do tipo “ion-trap” (IT) ou armadilhas de íons são bem conhecidos por sua alta eficiência em experimentos de espectrometria de massa sequencial (MSn). O IT é o análogo tridimensional do filtro de massa quadrupolar linear. No IT os íons são submetidos à forças aplicadas por um campo de RF (radio frequência), porém tais forças ocorrem em três dimensões, ao invés de apenas duas. Movimentos estáveis de íons no quadrupolo linear permitem que íons livres se movimentem em uma única dimensão (direção Z0). No entanto, no ion-trap não existe esse grau de liberdade, uma vez que os íons estão armazenados dentro de um sistema constituído de três eletrodos (um eletrodo em anel e dois eletrodos em seção transversal hiperbólica) (Figura 26). Os íons são então bombardeados em todas as direções para que viagem em órbitas discretas dentro do campo (WONG; COOKS, 1997). 52 Figura 26: Representação esquemática de um analisador do tipo “ion-trap”. O sistema consiste de três eletrodos com superfície hiperbólica: o anel central e duas seções transversais. O esquema demonstra como os eletrodos estão alinhados e isolados através de espaçadores de cerâmica. O dispositivo é radialmente simétrico sendo que ro e zo representam o seu tamanho (WONG; COOKS, 1997). Ao longo dos anos os equipamentos do tipo IT se tornaram um dos equipamentos mais utilizados para o sequenciamento de peptídeos, uma vez que estes apresentam vantagens sobre outros equipamentos para análises realizadas via dissociação induzida por colisão (CID). Íons precursores são excitados com aumento de energia cinética por efeito do CID. Ocorre a colisão entre o gás e os íons, sendo que a energia cinética é convertida em energia interna do íon. Uma vez que o íon atinge a energia crítica de dissociação, antes de sua energia cinética exceder a energia necessária para “escapar” do aprisionamento, e o íon é ressonantemente ejetado, o íon-precursor pode dissociar-se em íons-produtos. O movimento de íons deve ser pequeno o suficiente para permanecer na armadilha de íons, mas suficientemente grande para que a energia cinética possa ser convertida em energia interna, necessária para induzir a dissociação de íons-produtos (SHIPKOVA et al., 2008; CHARLES et al.,1994). Inicialmente foram escolhidos alguns peptídeos já conhecidos do veneno de P. paulista para se estudar os padrões de fragmentação, gerados com a utilização de um espectrômetro de massas do tipo ESI-IT-TOF e para a padronização da forma de interpretação dos espectros de massas sequenciais (MSn), que foram utilizados para o sequenciamento peptídico. Os peptídeos escolhidos foram os pertencentes às frações 13, 15 e 16, correspondentes aos peptídeos Polybia-MPI, Polyiba-MPII e Polybia-CP, respectivamente. 53 O primeiro peptídeo estudado foi o peptídeo de massa molecular 1238,8 Da (Figura 27). Este peptídeo foi encontrado na fração 16, com tempo de retenção de 41,2-41.9 minutos, sendo visualizado nos experimento de MS através do íon de m/z 620,43 na forma [M+2H]+2. Figura 27: Espectro MS1 referente ao peptídeo de massa molecular 1238,8 Da observado no tempo de retenção de 41,2-41,9 min (fração 16); A2 e A3 correspondem aos íons de m/z 620,4 e 413,9 na forma [M+2H]+2 e [M+3H]+3, respectivamente. Os espectros gerados através de fonte de ionização do tipo ESI, normalmente formam íons com múltiplas cargas (+2,+3,+4, etc), especialmente quando o experimento é realizado em instrumentos equipados com analisadores de massas do tipo íon-trap. Devido à sua arquitetura funcional de construção, este tipo de analisador propicia colisões de baixa energia entre os íons favorecendo a transferência de carga entre os mesmos, privilegiando os íons contendo mais de uma carga (PRENTICE et al., 2011). Para que fosse possível interpretar os espectros de MS2, foi necessário deconvoluir e reconstruir cada espectro original, para a forma de íons monoprotonados [M+H]+1. Essa deconvolução e a reconstrução foram feitas de forma manual, com a utilização da ferramenta “mass table”, presente no software “LCMS solution v.3.6” (SHIMADZU). A função “mass table” disponibiliza uma planilha, com as informações de valores m/z, intensidade e carga de cada íon presente no espectro de MS2, além da informação de quais íons são monoisotópicos. Apesar da maior parte do “mass table” conter informações corretas, o tratamento manual do espectro é necessário, pois algumas vezes ocorrem erros na indicação dos valores de massa monoisotópica, pelo algoritmo de processamento de dados do instrumento. Sendo assim, cada espectro de MS2 teve seus íons conferidos manualmente com relação à carga e relação massa/carga (m/z), para evitar possíveis erros na interpretação. Este processo junto à deconvolução dos íons foi realizado com a utilização da planilha de dados Excel (MICROSOFT 2010), sendo esta fundamental para a transformação de todos os íons de múltiplas cargas em íons monoprotonados. Para este processo foi utilizada a seguinte equação 54 (equação 1) para se calcular a massa molecular dos peptídeo e para a deconvolução dos espectros, sendo que a mesma foi adicionada como uma ferramenta no software. Massa (Da) = (m/z x Z) – Z, onde m= massa e z= carga Na deconvolução dos espectros de fragmentação em condições CID (MS2), para a determinação da sequência dos peptídeos, foram considerados somente os íons que possuíam distribuição isotópica completa. Foram utilizados apenas os valores de m/z monoisotópicos dos íons gerados. Foram determinadas condições experimentais ideais para gerar fragmentação dos peptídeos em suas ligações peptídicas, seguido da identificação das diferenças de massas entre os picos consecutivos de fragmentos correspondentes às massas dos resíduos de amino ácidos naturais (–NH–CHR–CO–). Como resultado da fragmentação das ligações peptídicas, são obtidas principalmente séries de íons b e y (complementares entre si), de modo que a diferença de valores de m/z entre dois íons consecutivos da mesma série, revela a massa de um resíduo de aminoácido, e portanto a identidade do mesmo. Enquanto as séries b e y resultam diretamente da clivagem das ligações peptídicas, os íons a são formados pela perda neutra de monóxido de carbono dos íons b (diferença de 27,9949 u.m.a relativo ao íon b correspondente) (TABB et al., 2003; DONGRE.et al.,1996). Considerando todos os íons que teoricamente podem ser produzidos em condições de CID, os íons b e y correspondem à grande maioria dos íons experimentalmente observados. Dessa forma, foi possível o reconhecimento de uma ou mais séries de íons (dos tipos b e/ou y principalmente), os quais por sua vez, permitem a determinação das sequências dos peptídeos. Tal trabalho é bastante difícil devido a uma série de fatores, dentre os quais pode- se citar: i) o conjunto de íon-fragmentos esperados, pode não estar presente na íntegra, ou em outras palavras, pode haver a ausência de alguns íons das séries b e/ou y; ii) alguns íon-fragmentos podem sofrer rearranjos internos e/ou fragmentação; iii) os íons podem estar presente com diferentes estados de carga, dificultando a correta atribuição dos íons (tal dificuldade aplica-se na interpretação de espectros que não são deconvoluídos); iv) alguns fragmentos podem sofrer rearranjo neutro de hidrogênios durante a fragmentação. 55 Para que estes problemas fossem resolvidos e a interpretação dos espectros fosse confiável, mais de uma série de íons foi utilizada para determinar a sequência do peptídeo, principalmente íons da série b e y, frequentemente compleme