Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Tecnologia Programa de Pós-graduação em Geografia LUIS FLÁVIO DE ARAÚJO Ilhas de calor em Sinop-MT: análise das características térmicas em conjunto com os aspectos socioeconômicos e ambientais Presidente Prudente 2021 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Tecnologia Programa de Pós-graduação em Geografia LUIS FLÁVIO DE ARAÚJO Ilhas de calor em Sinop-MT: análise das características térmicas em conjunto com os aspectos socioeconômicos e ambientais Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Geografia. Área de concentração: Produção do Espaço Geográfico Orientadora: Prof.ª Dr.ª Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim Coorientador: Prof. Dr. Vincent Dubreuil Discente: Luis Flávio de Araújo Presidente Prudente – SP 2021 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. A663i Araújo, Luis Flávio de Ilhas de calor em Sinop-MT: análise das características térmicas em conjunto com os aspectos socioeconômicos e ambientais / Luis Flávio de Araújo. -- Presidente Prudente, 2021 166 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientadora: Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim Coorientador: Vincent Dubreuil 1. Clima urbano. 2. Ilhas de calor. 3. Modelagem espacial. 4. Sinop/MT. I. Título. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Presidente Prudente CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA DISSERTAÇÃO: Ilhas de calor em Sinop-MT: análise das características térmicas em conjunto com os aspectos socioeconômicos e ambientais AUTOR: LUIS FLÁVIO DE ARAÚJO ORIENTADORA: MARGARETE CRISTIANE DE COSTA TRINDADE AMORIM COORIENTADOR: VINCENT DUBREUIL Aprovado como parte das exigências para obtenção do Título de Mestre em GEOGRAFIA, área: Produção do Espaço Geográfico pela Comissão Examinadora: Profa. Dra MARGARETE CRISTIANE DE COSTA TRINDADE AMORIM (Participaçao Virtual) Departamento de Geografia / FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente Prof. Dr. VINCENT DUBREUIL (participação Virtual) Departamento de Geografia / Universidade de Rennes 2 Prof. Dr. JOSÉ TADEU GARCIA TOMMASELLI (Participaçao Virtual) Departamento de Geografia / FCT/UNESP - Câmpus de Presidente Prudente Profa. Dra. CAMILA RIBOLI RAMPAZZO (Participaçao Virtual) Departamento Geografia / Universidade Federal da Grande Dourados Presidente Prudente, 13 de julho de 2021 Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente - Rua Roberto Simonsen, 305, 19060900, Presidente Prudente - São Paulo http://www.fct.unesp.br/pos- graduacao/--geografia/CNPJ: 48.031.918/0009-81. http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--geografia/CNPJ http://www.fct.unesp.br/pos-graduacao/--geografia/CNPJ DEDICATÓRIA Aos meus pais, familiares e amigos que me incentivaram e incentivam na jornada pela busca dos sonhos. E a todos aqueles que tive o prazer e a honra de conhecer nesta caminhada. AGRADECIMENTOS Refletindo sobre a caminhada e os processos enfrentados para – e durante – a elaboração deste trabalho, não consigo conter as emoções. Fico extremamente feliz em notar que grande parte dos sentimentos que se fazem presentes agora sejam positivos e, no mínimo, felizes, pois me arremetem às pessoas, que cada qual a sua maneira, contribuíram/contribuem no processo de formação profissional, de cidadão e, claro, de ser humano. Assim faz-se necessário agradecer oportunidades e indivíduos, aos quais – já me desculpo caso esqueça de apontar nominalmente – são/foram primordiais para este momento. No âmbito institucional, menciono a toda política pública educacional das quais sou fruto, embora não sejam abrangentes o suficiente, mas foram de fundamental importância, sendo necessária sua manutenção, ampliação e defesa, sempre! Agradeço a Prof.ª Margarete Amorim, pela paciência, motivação, sensibilidade, seriedade profissional, confiança e, claro, pela orientação nos caminhos teóricos- metodológicos que perpassaram pela pesquisa. Meu muito obrigado, pela profissional e pelo ser humano que és! Ao Prof. Vicent Dubreuil, pela dedicação, leituras, parceria, apontamentos e reflexões sobre os dados e resultados, e disponibilização dos dados que embasaram e permitiram a identificação das características da ilha de calor sinopense. Meus sinceros agradecimentos. Agradeço também ao Prof. Tadeu Tomaselli pelos apontamentos e instigação de outros aspectos a serem analisados dentro deste campo e pelo aceite em estar conosco no Exame de Qualificação e na Banca de Defesa. Meu muito obrigado a Prof.ª Camila Rampazzo, pela leitura, apontamentos, indicações e contribuições nesta fase de mestrado. E, também, por ter acreditado, embarcado e me incentivado nesta caminhada do clima urbano na graduação, foi e é uma experiencia incrível. Menciono também os amigos e colegas do Grupo de Pesquisa: Interações na superfície, água e atmosfera – GAIA, pelas novas perspectivas de análise, técnicas, ajuda e cafezinhos, principalmente, ao Gustavo Pereira, Guilherme Sousa, Mariana Nishizima, Marco Aurélio Torres, Tiago Milani, Renata Cardoso, Leandro Pinton, Danielle Teixeira, Núbia Armond, e todos aqueles que tive o prazer de conhecer. Obrigado por tornar esta jornada instigante! Agradeço imensamente aos familiares e amigos que os coloco em três famílias: a família andradense, sendo formada pelos meus pais – Ana Rosa e Roberto – e meus irmãos, Graziela, Alini, Vinicius e a fofura da casa, meu sobrinho Ricardinho, que me incentivam sempre na busca dos sonhos e me nutrem com amor, carinho e na consolidação do meu porto seguro; a família cuiabana, sendo esta selecionada por todas as boas experiências e vínculos que estão em vigor, e formada por Luiz Henrique Santos, Gustavo Caldeira, Verbena Florencia, Vinicius Martiniano, Beatriz Alves, Thamara Arruda e Camila Salles, que me apoiam e embarcam nas minhas loucuras; e a família prudentina, composta pela Gisele Araújo, Giovan Prates, Mariana Nishizima, Marco Torres, Nicolas Veregue, Tiago Milani, Ana Marques, Amanda Amorim, sendo estes o grupo do café, da convivência diária, das trocas de receitas e plantas, dos papos aleatórios até tarde da noite, do acalento e carinho. Obrigado por tornarem esta fase mais leve!!! Nominalmente, agradeço a Gisele Araújo e ao Giovan Prates, pelos ensinamentos, companheirismo, paciência, perseverança, papos, caminhadas, afetos, sorrisos, ajuda na manutenção da sanidade mental, reclamações, apoio e, principalmente, por acreditarem em mim. Vocês são brilhantes e o futuro lhes guarda muitas coisas boas! Agradeço também aos amigos e familiares que infelizmente foram convocados a avançar no ciclo da vida, e a força que nos move cada dia, permitindo sempre um recomeço, independentemente de sua denominação! Agradeço!!!! O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. RESUMO A materialização das relações sociais no espaço, resulta em formas que tendem a alterar as propriedades físicas da área e consequentemente a paisagem. Estas alterações podem ser sazonais ou permanentes e deixam marcas no sistema ambiental que se reorganiza e manifesta novos fenômenos, sobretudo nos elementos do clima local, dada a sua relação de proximidade com a superfície alterada. O espaço urbano, derivado da substituição da cobertura vegetal por novos materiais e usos, e a dinamicidade dada pelas atividades socioeconômicas do entorno rural, se apresentam como exemplos de transformações no espaço e na paisagem que podem resultar em alterações na componente climática da temperatura do ar na escala local. Nesse sentido, as cidades de pequeno e médio porte, sobretudo as associadas a produção agroexportadora, se tornam excelentes áreas de pesquisa para a verificação do impacto das atividades humanas – urbanas e rurais – nos mecanismos físicos da área em que se materializam. O presente trabalho teve como objetivo identificar e analisar as ilhas de calor atuantes em Sinop/MT, por meio da espacialização da temperatura do ar e das intensidades das ilhas de calor superficiais de acordo com os sistemas atmosféricos atuantes e estabelecendo relações com as características paisagísticas urbanas e do entorno rural. Para o atendimento da proposta, fez-se uso da contextualização da área de estudo e seus processos de formação e consolidação que contribuíram para a identificação de classes das propriedades da paisagem baseadas na proposta das Local Climate Zones – LCZ (STEWART, 2011); da espacialização e correlação da temperatura superficial em função dos sistemas atmosféricos atuantes e da sazonalidade da distribuição do Normalized Difference Vegetation Index – NDVI; da análise da variabilidade diária da ilha de calor atmosférica e sua relação com as condições do tempo; da espacialização da temperatura do ar e a sua correlação com as propriedades paisagísticas; e da análise das influências dos aspectos urbanos e geoambientais na alteração da temperatura do ar na escala local. Os resultados encontrados evidenciaram a produção e consolidação do espaço urbano e das atividades pautadas na produção de commodities orientadas por ações governamentais e privadas, que culminaram na intrínseca relação e estruturação da cidade voltada para a produção agrícola, possibilitando a formação de distintas paisagens urbanas e rurais que tendem a manifestar características térmicas diferenciadas. No que condiz às características da ilha de calor superficial, tem-se o padrão geral de maior aquecimento das áreas urbanas no período chuvoso e de produção agrícola, e posterior rearranjo das intensidades mais elevadas para as áreas destinadas aos cultivos, no período de estiagem e vazio sanitário, associadas a sazonal presença de solo exposto. Evidenciou-se também a predominância da fraca magnitude da ilha de calor atmosférica na presença de sistemas atmosféricos instáveis, enquanto os mecanismos de estabilidade possibilitaram a persistência e maior desenvolvimento – horário e mensal – das magnitudes média e forte. No tocante a espacialização da temperatura do ar e intensidade da ilha de calor atmosférica e sua relação com as propriedades paisagísticas, constatou-se a configuração das áreas características de LCZ A como as responsáveis por baixas intensidades e temperaturas, enquanto as LCZs 3, 3B, 6 e 8 – características das áreas construídas – se apresentaram mais aquecidas em relação à anterior; bem como a manifestação, por parte de porções da LCZ DF de valores semelhantes a LCZ 6. Por fim, verificou-se também a influência das propriedades e características da paisagem, dos elementos físicos, da organização espacial urbana e da interação da energia solar e materiais da superfície sobre a temperatura do ar, atingindo assim o objetivo proposto. Palavras-chave: Clima urbano. Ilhas de calor. Modelagem espacial. Sinop/MT. ABSTRACT The materialization of social relations in space results in shapes that tend to change the physical properties of the area and consequently the landscape. These alterations can be seasonal or permanent and leave marks in the environmental system that reorganizes itself and manifests new phenomena, especially in the elements of the local climate, given its relationship of proximity to the altered surface. Urban space, derived from the replacement of plant cover by new materials and uses, and the dynamicity given by the socioeconomic activities of the rural environment, are examples of transformations in space and landscape that can result in changes in the climate component of air temperature on the local scale. In this sense, small and medium- sized cities, especially those associated with agro-exporting production, become excellent research areas for verifying the impact of human activities – urban and rural – on the physical mechanisms of the area in which they materialize. The purpose of this study was to identify and analyze the acting heat islands in a Brazilian Region named Sinop /Mato Grosso, by the spatialization of air temperature and the intensities of the superficial heat islands according to the acting atmospheric systems and establishing relations with the urban landscape and rural surroundings. To meet the proposal, it was used the contextualization of the study area and its processes of formation and consolidation that contributed to the identification of classes of landscape properties based on the proposal of the Local Climate Zones - LCZ (STEWART, 2011); the spatialization and correlation of the surface temperature according to the acting atmospheric systems and the distribution seasonality of the Normalized Difference Vegetation Index – NDVI; the analysis of the daily variability of the atmospheric heat island and its relation to weather conditions; the air temperature spatialization and its correlation with landscape properties; and the analysis of the influences of the urban and geo-environmental aspects in the change in air temperature on the local scale. The results evidenced the production and consolidation of urban space and activities based on the production of commodities guided by governmental and private actions, which culminated in the intrinsic relation and structuring of the city focused on agricultural production, enabling the formation of distinct urban and rural landscapes that tend to manifest differentiated thermal characteristics. Regarding the characteristics of the superficial heat island, it has the general pattern of higher heating of urban areas in the periods of rain and agricultural production, and the subsequent rearrangement of the higher intensities for areas intended for cultivation, in the dry season and fallowing period, associated with the seasonal presence of exposed soil. It was also evidenced a predominance of the low magnitude of the island of atmospheric heat in the presence of unstable atmospheric systems, while the stability mechanisms made possible the persistence and greater development – hourly and monthly – of the medium and strong magnitudes. Regarding the air temperature spatialization and the intensity of the island of atmospheric heat and its relationship with landscape properties, it was found the configuration of the LCZ A characteristic areas as those responsible for low intensities and temperatures, while the LCZs 3, 3B, 6 and 8 – characteristics of the built areas – were more heated in relation to the previous one; as well as the manifestation by portions of the LCZ DF of values similar to the LCZ 6. Lastly, it was verified also the influence of the landscape properties and characteristics, physical elements, urban space organization and the interaction of solar energy and surface materials on air temperature, thus reaching the purpose of the study. Keywords: Urban climate. Urban heat island. Spatial modelling. Sinop/MT. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Localização da sede municipal de Sinop-MT .......................................................... 12 Figura 2: Esquema dos fluxos no balanço de energia para área rural (a) e para um volume urbano de construções, solo e ar (b) ......................................................................................... 17 Figura 3: Esquema simplificado do perfil clássico da Ilha de Calor com as áreas de cliff, plateau e peak ........................................................................................................................... 18 Figura 4: Regiões climáticas de Londres ................................................................................ 27 Figura 5: LCZ - Local Climates Zones ................................................................................... 32 Figura 6: Esquema para elaboração de subclasses de LCZ ..................................................... 33 Figura 7: Representação da hipsometria, orientação das vertentes e declividade para a área urbana e entorno rural de Sinop ................................................................................................ 37 Figura 8: Transição abrupta da área urbana com uma área de lavoura de milho (pós-colheita) .................................................................................................................................................. 44 Figura 9: A - Croqui com destaque para as primeiras quadras abertas em Sinop; B - Abertura das quadras em 1973 ................................................................................................................ 45 Figura 10: Expansão territorial urbana de Sinop (1984 a 2019) ............................................. 47 Figura 11: Localização dos pontos fixos na área de estudo .................................................... 57 Figura 12: Sensor utilizado para a aferição da temperatura do ar nos transectos entre as 21h e as 22h ........................................................................................................................................ 58 Figura 13: Trajeto dos transectos móveis realizados nas datas de 27 de agosto e 02, 03, 05, 11, 18 e 21 de setembro de 2020, entre as 21h e as 22h em Sinop/MT ................................... 59 Figura 14: Variáveis independentes selecionadas, exemplificação de imagem de entrada, data de imageamento e datas dos modelos em que foram utilizados ............................................... 65 Figura 15: Potenciais LCZs em Sinop..................................................................................... 68 Figura 16: Potencial LCZ 3 em Sinop ..................................................................................... 69 Figura 17: Potencial LCZ 3B em Sinop ................................................................................... 70 Figura 18: Potencial LCZ 6 em Sinop ..................................................................................... 71 Figura 19: Potencial LCZ 8 em Sinop ..................................................................................... 72 Figura 20: Potencial LCZ 9 em Sinop ..................................................................................... 73 Figura 21: Potencial LCZ A em Sinop .................................................................................... 74 Figura 22: Potencial LCZ DF em Sinop .................................................................................. 75 Figura 23: Grupos de LCZs percorridas no transecto móvel (zona de influência de 100 m) . 79 Figura 24: Distribuição sazonal e espacial da intensidade da ilha de calor de superfície, NDVI, e composição colorida (RGB – 432) para Sinop (2018) .............................................. 83 Figura 25: Gráficos de frequência dos intervalos de NDVI para a LCZ DF (jan./set. 2018) ... 84 Figura 26: Distribuição da frequência das intensidades da ilha de calor de superfície para as LCZ 3, LCZ 3B, LCZ 8 e LCZ DF, nos meses de janeiro (chuvoso) e setembro (menos chuvoso) ................................................................................................................................... 90 Figura 27: Variabilidade diária da ilha de calor de Sinop, para o 1º quadrimestre de 2018 ... 94 Figura 28: Variabilidade diária da ilha de calor de Sinop, para o 2º quadrimestre de 2018 ... 97 Figura 29: Variabilidade diária da ilha de calor de Sinop, para o 3º quadrimestre de 2018 . 101 Figura 30: Comparação da variabilidade diária da ilha de calor entre os pontos fixos no período de 27/08/2020 a 27/09/2020 ...................................................................................... 109 Figura 31: Temperaturas aferidas por meio de transectos móveis nos episódios de 27 de agosto e 02, 03 e 05 de setembro de 2020, entre as 21h e as 22h (horário local)................... 115 Figura 32: Temperaturas aferidas por meio de transectos móveis nos episódios de 11, 18 e 21 de setembro de 2020, entre as 21h e as 22h (horário local) ................................................... 118 Figura 33: Espacialização das intensidades da ilha de calor ao longo dos trajetos de transecto móvel em Sinop, às 21h (horário local) .................................................................................. 124 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790814 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790829 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790829 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790829 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790830 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790831 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790832 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790833 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790833 Figura 34: Coeficientes de determinação e correlação para as variáveis preditoras adotadas na modelagem de 27 de agosto e 02, 03, 05, 11, 18 e 21 de setembro de 2020 .......................... 131 Figura 35: Representação gráfica dos resíduos verificados nos modelos de 27/08 e 02, 03 e 05/09/2020 .............................................................................................................................. 137 Figura 36: Representação gráfica dos resíduos verificados nos modelos de 11, 18 e 21/09/2020 .............................................................................................................................. 140 Figura 37: Espacialização das temperaturas modeladas para as datas de 27 de agosto e 02, 03, 05, 11, 18 e 21 de setembro, referente às 21h ........................................................................ 146 Figura 38: Valores médios, desvio padrão e moda da temperatura modelada para as principais LCZs ...................................................................................................................... 148 Figura 39: Espacialização das intensidades da ilha de calor urbana, derivada das temperaturas modeladas para 27 de agosto e 02, 03, 05, 11, 18 e 21de setembro de 2020 – às 21h ........... 151 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Tipologia das ilhas de calor e suas características ................................................. 20 Quadro 2: Classificação simplificada de formas urbanas distinta organizadas em ordem decrescente da capacidade de influenciar no clima local ......................................................... 30 Quadro 3: Magnitudes da ilha de calor de acordo com as intensidades apresentadas ............ 56 Quadro 4: Participação de LCZs na área de influência dos pontos fixos (raio de 200 m), em porcentagem.............................................................................................................................. 77 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Comparação entre área destinada ao cultivo (em hectares) e a quantidade produzida (em toneladas) de arroz, café, milho e soja, em Sinop (MT) ................................................... 44 Tabela 2: Caracterização da amplitude térmica dos trajetos dos transectos móveis e sistemas atmosféricos atuantes .............................................................................................................. 112 Tabela 3: Valores de F para validação dos modelos gerados ................................................ 133 Tabela 4: Classificação dos resíduos gerados para o modelo de 27/08/2020........................ 134 Tabela 5: Classificação dos resíduos gerados para o modelo de 02/09/2020........................ 135 Tabela 6: Classificação dos resíduos gerados para o modelo de 03/09/2020........................ 135 Tabela 7: Classificação dos resíduos gerados para o modelo de 05/09/2020........................ 136 Tabela 8: Classificação dos resíduos gerados para o modelo de 11/09/2020........................ 138 Tabela 9: Classificação dos resíduos gerados para o modelo de 18/09/2020........................ 139 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790837 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790837 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790838 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790838 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790839 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790839 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790841 file:///C:/Users/luisf/Desktop/Defesa/Dissertação_Luis%20Flávio%20de%20Araújo.docx%23_Toc78790841 Sumário 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10 2. A CONFIGURAÇÃO DO CLIMA URBANO: o fenômeno e seus estudos .................. 15 2.1 As Ilhas de Calor Urbano ................................................................................................ 17 2.2. Estudos e técnicas de análise das ilhas de calor: dos pontos fixos à modelagem estatística ............................................................................................................................... 21 2.2.1 A classificação do ambiente urbano ......................................................................... 27 3. SINOP (1972 - 2020): da floresta à “Capital do Nortão” ................................................ 36 3.1 As características geoambientais da área de estudo ........................................................ 36 3.2 Da floresta ao agronegócio: a integração econômica e seus agentes mediadores .......... 40 3.3 A consolidação urbana e as formas dispostas em Sinop ................................................. 45 4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 50 4.1 Cartografia das características urbanas e geoambientais ................................................ 51 4.2 Coleta e processamento dos dados de temperatura de superfície e NDVI ..................... 52 4.3 Coleta e processamento dos dados associados a atmosfera ............................................ 55 4.3.1 Pontos fixos .............................................................................................................. 56 4.3.2 Transecto Móvel ....................................................................................................... 58 4.4 A modelagem espacial da ilha de calor .......................................................................... 60 4.4.1 As variáveis para a obtenção dos modelos estatísticos ............................................ 62 5. A CLASSIFICAÇÃO DA PAISAGEM URBANA: as potenciais LCZs em Sinop ...... 66 5.1 As Local Climate Zones e os pontos de coleta ............................................................... 76 6. AS MODIFICAÇÕES SAZONAIS NA PAISAGEM E NO CAMPO TÉRMICO ...... 81 6.1 A variabilidade da ilha de calor atmosférica em Sinop .................................................. 92 7. A ESPACIALIZAÇÃO DA ILHA DE CALOR: os episódios de agosto e setembro de 2020 ........................................................................................................................................ 106 7.1 As medidas itinerantes e o perfil da ilha de calor em Sinop ......................................... 110 7.2 A modelagem espacial da ilha de calor ........................................................................ 126 7.2.1 Os parâmetros para a seleção das variáveis independentes e validação dos modelos ......................................................................................................................................... 127 7.2.2 A representação cartográfica da modelagem da ilha de calor ................................ 142 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 153 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 157 APÊNDICES ......................................................................................................................... 164 10 1. INTRODUÇÃO Ao materializar as relações sociais sobre o espaço e modificar as estruturas do ambiente onde se insere, as atividades humanas possibilitam o surgimento de paisagens similares e diferentes dentro de contextos semelhantes. Entende-se a paisagem como o “domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc” (SANTOS, 1988, p. 21), isto é, a paisagem não se apresenta imutável, mas sim dinâmica, gerida por lógicas, práticas e apreendidas de acordo com a vivência de seu observador. De acordo com Santos (1988, p. 23), a paisagem é expressa pelo conjunto de formas naturais (vegetação, por exemplo) e artificiais (produtos das atividades humanas), mediada por níveis de produção e seus instrumentos, dentro de um recorte temporal de adições e sucessões, ou seja, historicamente composta dentro de seu contexto e da conexão do local com o global. As cidades ao abrigarem as complexas relações de produção (trabalho) e vivências, apresentam paisagens mais heterogêneas, que ao se relacionarem com as propriedades físicas do sítio em que se inserem, são capazes de alterar as características dos fenômenos e elementos naturais inerentes da localidade, possibilitando a interferência no cotidiano da população que reside e produz estes espaços. Isso não implica em afirmar que na área rural essa relação se dá de maneira monótona, mas sim que apresenta similaridades e particularidades com outras localidades que apresentam processo de formação e atividades análogas, bem como marcada por um ritmo bem definido, sendo também capaz de alterar a estrutura natural anteriormente vigente. O clima local é o componente do sistema ambiental que mais sofre alteração devido a ação direta e indireta das atividades humanas, seja na transformação oriunda do processo produtivo do campo, seja pela materialização das relações sociais nas cidades. No âmbito rural, a intensa modificação do ambiente devido às atividades agropecuárias, pautada num calendário próprio mediante as características atmosféricas ao longo do ano, provocam alterações que vão desde a velocidade dos fluxos de água da chuva no solo, possibilitando processos erosivos, até diferenças térmicas, que podem atingir aproximadamente 8°C a mais nos ambientes de solo exposto e cultivado, quando comparado com área de vegetação natural, no ambiente amazônico (TARIFA, 1994). Nas cidades, a substituição da cobertura vegetal, a nova rugosidade, a inserção de novos materiais, dentre outros aspectos, permite a configuração de fenômenos como o clima urbano e as ilhas de calor, isto é, a reorganização dos componentes do clima local, sobretudo no campo 11 térmico, mediante a sua relação com os novos elementos superficiais (MONTEIRO, 1975; OKE, 1987; AMORIM, 2000; 2020a). No Brasil, especialmente a partir de 1960, as profundas transformações ocorridas no campo contribuíram para o aumento da população urbana. Se por um lado as cidades eram polos de migração dado a oferta de emprego e infraestrutura, por outro a “modernização” e mecanização no campo auxiliaram no movimento populacional do campo para a cidade. Esses dois movimentos acima mencionados, permitiram a configuração do cenário urbano e econômico nacional que caracterizaram as décadas de 1970 a 2000, marcadas pela expansão das atividades relacionadas à agricultura tecnificada (agronegócio) no país, apoiada no surgimento e crescimento dos processos de urbanização e aglomerados urbanos. As cidades bases para a expansão deste novo modelo produtivo, foram denominadas de cidades do agronegócio (ELIAS; PEQUENO, 2007, p. 30) e caracterizadas como espaços urbanos que permitem e auxiliam as atividades agroindustriais por meio de sua estrutura ou pela sua configuração, alterando assim a clássica relação cidade-campo. Do ponto de vista da morfologia e dos elementos que compõem a paisagem destas cidades, em sua maioria, apresentam características de cidades médias e pequenas, onde o entorno rural se apresenta consolidado e próximo às áreas urbanizadas, dotado de um ciclo sazonal que modifica a paisagem rural mediante o período do ano. Deste modo, as cidades ligadas intrinsicamente com as dinâmicas das atividades agrícolas e/ou de porte médio ou pequeno, tornam-se áreas de estudos tanto para os fenômenos do clima urbano, quanto para questões das atividades agrícolas no modo de produção capitalista, sendo preciso incorporar uma análise pautada numa perspectiva que envolva não apenas uma relação causal entre “clima” e “espaço”, mas também, considerando outros elementos que envolveram e envolvem a estruturação tanto do espaço urbano, como de suas atividades econômicas; estando, então, pautada na Geografia do Clima proposta por Sant’Anna Neto (2008). Neste sentido, ao não assumir somente a causalidade clima-espaço, mas sim os desdobramentos de fatores que perpassam por lógicas de produção, consumo e modo de vida, inserida no sistema capitalista, faz-se necessário compreender, também, as consequências das relações predatórias na produção do espaço – e seus agentes – com as relações sociedade e natureza mediada pelo pensamento hegemônico do capital, no que Sant’Anna Neto (2008, p. 56) evidencia que: (...) à medida que o modo de produção capitalista avança na conquista e na ocupação do território, primordialmente como substrato para a produção agrícola e criação de 12 rebanhos e, posteriormente, erguendo cidades, expandindo o comércio, extraindo recursos naturais e instalando indústrias, ou seja, ao se apropriar da superfície terrestre, este se constitui no principal agente produtor do ambiente (SANT’ANNA NETO, 2011, p.56). O município de Sinop se insere neste contexto de produção e consolidação do espaço urbano aliado ao desenvolvimento e expansão do agronegócio nacional. Sua implantação tem estrita relação com os projetos e programas estatais que visavam a “ocupação” e integração da Amazônia junto à economia nacional, por meio da instalação de infraestrutura, “distribuição” das terras, facilitação para a viabilização e incentivo à agroindústria e aos projetos de colonização particulares. O município de Sinop localiza-se entre as coordenadas geográficas de 11° e 13° de latitude Sul e 55° e 56° de longitude Oeste (Figura 1), assentado sobre relevo aplainado que facilitou seu planejamento urbano e a inserção da mecanização do campo. Possui área territorial de 3.941,958 km², sendo aproximadamente 1,7% (65 km²) correspondente à área urbana, onde se concentra 146.005 habitantes (população estimada), de acordo com IBGE (2020). Figura 1: Localização da sede municipal de Sinop-MT 13 No âmbito climático, a localidade apresenta características de clima quente com chuva de verão e estação seca no inverno, tendo seu máximo de precipitações entre dezembro, janeiro e fevereiro, e segundo a classificação de Köppen possui o Tipo Aw (DUBREUIL et al., 2018). Atualmente, a cidade apresenta forte relação com o modelo produtivo pautado na produção de commodities, expresso tanto na paisagem quanto nas características econômicas. No âmbito econômico, o PIB municipal de 2014 atingiu cerca de R$ 4.287.335,00, sendo composto por 63,6% de serviços (com exceção da administração pública), 15,1% da indústria, 15,2% da administração pública e 6,2% da agropecuária, de acordo com a Secretaria de Estado de Planejamento (SEPLAN, 2017). A elevada porcentagem dos serviços e da indústria se liga ao fato de a cidade abrigar diversas sedes de agroindústrias, bem como de empresas ligadas ao sistema produtivo, que oferecem as bases para a manutenção das atividades, sobretudo agrícolas, que se encontram no município. Assim, partindo do princípio da existência de um clima específico para as cidades, bem como as alterações no clima local decorrentes das atividades econômicas e constantes modificações na paisagem natural, a presente pesquisa tem por objetivo principal, identificar e analisar as ilhas de calor em Sinop (MT), por meio da espacialização da temperatura do ar e das intensidades das ilhas de calor superificiais de acordo com os sistemas atmosféricos atuantes, estabelecendo relações com as características da paisagem urbana e do entorno rural. Além disso, verificar os aspectos socioeconômicos e ambientais que contribuíram para a formação e consolidação do ambiente urbano e da atividade agrícola característica da área e suas interferências. Para tanto, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: • Analisar as características do processo de formação e consolidação do espaço urbano, bem como a sua relação com o modelo produtivo vigente em Sinop/MT; • Realizar uma classificação das paisagens urbana e rural do entorno da cidade de Sinop/MT; • Analisar a temperatura de superfície da área urbana e entorno rural em episódios sazonais distintos no ano de 2018, com base em imagens de satélite; • Analisar o índice de vegetação (NDVI) da área e relacionar com as características de temperatura de superfície; 14 • Caracterizar a variabilidade diária da ilha de calor atmosférica e sua relação com os sistemas atmosféricos atuantes ao longo do ano de 2018 e episódios de agosto e setembro de 2020; • Relacionar as características da temperatura do ar com as propriedades paisagísticas urbana e rural, e as situações sinóticas, por meio de transectos móveis, em episódios de agosto e setembro de 2020; • Analisar em sete episódios de agosto e setembro de 2020, a influência das características geoambientais e urbanas de Sinop na componente climática da temperatura do ar. Assim sendo, a dissertação foi estruturada em oito capítulos, partindo da introdução do assunto e da apresentação dos objetivos, perpassando pela fundamentação teórica e referencial bibliográfico que deram suporte para o desenvolvimento da pesquisa, bem como a apresentação das ferramentas e técnicas utilizadas para o cumprimento dos objetivos, a apresentação e discussão dos resultados, e as considerações finais acerca das análises realizadas. 15 2. A CONFIGURAÇÃO DO CLIMA URBANO: o fenômeno e seus estudos As cidades ao se formarem e consolidarem, dentro da lógica capitalista, possibilitam a aparição de formas e estruturas urbanas distintas, com diversificados usos, densidades, conteúdos e relações. Pautada na superação da natureza (vista como antítese do progresso) por meio da supressão de grande parte da vegetação, retificação e/ou canalização de cursos hídricos, impermeabilização do solo, dentre outros, é capaz de influenciar e alterar fenômenos ambientais locais como o balanço hídrico e o balanço de energia, e consequentemente o sistema de transferência energética superfície-atmosfera. Essa modificação do espaço tende a alterar também as características do ar que as sobrepõem, como temperatura, umidade e pressão atmosférica, tendo-se a delimitação da camada responsável pelo clima urbano (OKE, 1987). Isto é, a configuração de um clima próprio para as áreas urbanas, em que a cidade exerce influência e é influenciada, na proposição de Monteiro (1975), a relação de um fato social com um fato natural, ou numa definição conceitual “um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização” (MONTEIRO, 1975, p. 116). Partindo destes preceitos e em conjunto com a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), Monteiro (1975) propõe o Sistema Clima Urbano (SCU), um modelo teórico pautado no pragmatismo, dinamismo, na consistência, empirismo e modelismo suportadas pela TGS, para aplicação em estudos de clima urbano. O autor sugere que, dentro do SCU, a análise das peculiaridades do clima da cidade se dê por meio de canais de percepção humana, que englobam as principais entradas e ocorrências dentro do sistema, apontando os canais do Conforto Térmico, Qualidade do Ar e Meteoros de Impacto, e justifica seu uso, dado que, O conjunto-produto do S. C. U. pressupõe vários elementos que caracterizam a participação urbana no desempenho do sistema. Sendo variada e heterogênea essa produção, faz-se mister uma simplificação classificadora que deve ser constituída através de canais de percepção humana (MONTEIRO, 1975, p. 124). Esses canais, também recebem o nome de Subsistema Termodinâmico, Subsistema Físico – Químico e Subsistema Hidrometeórico, e podem ser caracterizados, baseado em Monteiro (1975) como segue: 1) Canal I: Conforto Térmico - Subsistema Termodinâmico - em que a reponsabilidade de sua origem se encontra na natureza e nas atividades humanas, dado que sua fonte reside nos elementos naturais como, a radiação solar, circulação horizontal, incluindo a regional, e 16 vertical, variações temporais (sazonais, mensais, horárias etc.), bem como o balanço térmico, que são transformados dentro do sistema por meio das características locais como o uso do solo, a topografia da área, a estrutura e a função urbana. Essa interação acaba por alterar a estrutura térmica urbana e a ventilação local, gerando fenômenos como ilha de calor, ventilação urbana e aumento das precipitações locais, agindo diretamente sobre o conforto térmico no nível individual (no desempenho humano) e no nível social (problemas sanitários). As formas de intervenção auto-reguladora apontadas pelo autor neste canal dão-se por meio do planejamento urbano (regulamentação do uso solo e adaptação da estrutura urbana) no âmbito coletivo, e desenvolvimento de tecnologia de conforto habitacional na esfera individual. 2) Canal II: A Qualidade do Ar - Subsistema Físico – Químico - apresenta forte relação com o canal anterior, dado que ao alterar a estrutura térmica e a ventilação urbana o Subsistema Termodinâmico possibilita a difusão ou concentração de poluentes atmosféricos. A gênese deste subsistema se dá na concentração e circulação de veículos, que consomem combustíveis fósseis; na emissão de poluentes das concentrações industriais; dentre outras formas de contaminação da atmosfera, que aliadas aos tipos de tempo atmosférico, topografia do sítio e padrões de circulação, propiciam o aumento de nebulosidade e diminuição da visibilidade, desgastes de materiais e problemas sanitários (doenças respiratórias, circulatórias, dérmicas etc). Para este caso, as ações se dão no circuito autorregulador adaptativo por meio de estados de alertas (índice de qualidade do ar – probabilidade de graus nocivos) e ação decisiva (legislação de controle e punição para emissão de poluentes). Essa caracterização justifica a exclusividade das ações humanas na responsabilização pelo subsistema. 3) Canal III: Impacto Meteórico - Subsistema Hidrometeórico - como sugerido em seu título, versa sobre a influência dos impactos (tempestades, granizos, aguaceiros etc) e sua associação com a morfologia urbana, na geração de produtos como deslizamentos, inundações, alagamentos, dentre outros. Tendo como circuito autorregulador, as regulamentações de drenagens fluviais e uso do solo, adequação de galerias pluviais, previsão dos estados de alerta e estratégias de emergência. Este Canal apresenta relação com os dois anteriores, uma vez que a alteração da estrutura térmica e ventilação, e a concentração de poluentes, possibilitam a ocorrência de maiores incidências de precipitações em pontos concentrados. De maneira geral, a caracterização destes filtros de percepção evidencia a integração dos elementos naturais e das ações humanas, a inter-relação entre os subsistemas, bem como a capacidade de autorregularão do SCU, baseada nas decisões humanas, reforçando a característica de sistema adaptativo (MONTEIRO, 1975), e a possibilidade de melhorias nas áreas analisadas, justificando sua ampla aplicação nos estudos brasileiros. 17 2.1 As Ilhas de Calor Urbano O Subsistema Termodinâmico (Canal do Conforto Térmico) tem sido amplamente utilizado nos estudos dos climas das cidades, pois ao ser percebido por meio do desconforto térmico estabelece uma relação evidente com a população que convive e interage com os espaços base para este subsistema. Como já apontado anteriormente, as Ilhas de Calor Urbano (ICU) se encontram inseridas na perspectiva do Subsistema Termodinâmico, sendo definidas por Gartland (2010, p. 9) como “[...] um “oásis inverso”, onde o ar e as temperaturas da superfície são mais quentes do que em áreas rurais circundantes”. Esse aquecimento sobressalente das áreas urbanizadas deriva, dentre outros fatores ambientais, das propriedades físicas dos materiais utilizados na produção das cidades, bem como o modelo urbano adotado e do calor antropogênico que alteram, por exemplo, espaço-temporalmente a energia disponível para o aquecimento da atmosfera (MONTEIRO, 1975; GARTLAND, 2010; OKE et al., 2017). Num aprofundamento sobre o balanço energético em áreas urbanas, Oke et al. (2017), apontam que o mesmo se expressa pela soma do saldo de radiação líquida (Q* - fonte básica para o aquecimento do ar) com o calor antropogênico (QF), se igualando ao somatório do fluxo de calor sensível turbulento (QH), fluxo de calor latente turbulento (QE), fluxo de calor armazenado (ΔQS) e advecção horizontal de calor sensível e latente (ΔQA). Em contrapartida, em áreas planas (sem construções) típicas de ambientes rurais, o balanço energético fica expresso pelo saldo de radiação líquida se igualando ao somatório dos fluxos de calor latente e sensível turbulentos e fluxo de calor sensível para o substrato (QG), como apresentado na Figura 2. Figura 2: Esquema dos fluxos no balanço de energia para área rural (a) e para um volume urbano de construções, solo e ar (b) Fonte : Oke et al. (2017, p. 157). 18 O esquema dos fluxos no balanço de energia em áreas urbanizadas, apresentado na Figura 2, não só exprime a complexidade de pontos da cidade, mas também reforça a influência das atividades humanas dentro do sistema, seja na contribuição do calor antropogênico ou na construção de elementos capazes de armazenar energia durante o dia, que são liberadas durante a noite por meio do fluxo de calor sensível. Tem-se aqui duas características clássicas da ilha de calor, o aquecimento do ar da cidade derivado da capacidade de absorção da energia solar pelas superfícies artificiais e maior aquecimento das ilhas de calor após o pôr do sol (GARTLAND, 2010). Outros aspectos do perfil clássico da ICU, relacionados exclusivamente à temperatura do ar, no deslocamento zona rural - centro da cidade referem-se à configuração das áreas de cliff, plateau e peak, apontadas por Oke (1987) e reapresentadas em Oke et al. (2017). As áreas de Cliff (escarpa ou penhasco, em tradução literal), condiz ao abrupto aumento da temperatura na transição rural-urbano, onde tinha-se um gradiente relativamente menos elevado (rural) que aumenta rapidamente dado as características de ocupação do solo urbano. As características urbanas similares apresentam um gradiente de temperatura próximo, não havendo alterações bruscas (salvo exceções). Assim, o tracejado percorrido tende a se manter homogêneo configurando o plateau (planalto). Essa característica de plateau se altera ao atingir as áreas densamente construídas (geralmente áreas comerciais e/ou centrais), fazendo com que se atinja o ápice do gradiente térmico e o surgimento do peak (pico). A Figura 3 ilustra o perfil clássico e as áreas de cliff, plateau e peak. Figura 3: Esquema simplificado do perfil clássico da Ilha de Calor com as áreas de cliff, plateau e peak Fonte: Oke (1987, p. 288). Em complemento ao perfil ilustrado anteriormente (Figura 3), há a distinção de mais duas áreas, as hills (colinas), vinculadas à locais com construções densas, altas e/ ou com grande fluxo de calor antropogênico, modelando aumentos no tracejado, e os valleys (vales) ou pools 19 (piscinas), associados às áreas pouco construídas, parques, lagos, rios, campos etc, que possibilitam a queda do gradiente térmico dentro do plateau e consequentemente provocando quedas no tracejado (OKE et al., 2017). Na análise do perfil, os valleys apontam a importância da vegetação, sobretudo em parques urbanos, para a redução da temperatura nas cidades, mesmo que ao ser comparado com o rural permaneçam elevados, mas que ao serem analisadas com as áreas de características de uso urbano apresentam consideráveis modificações. No entanto, algumas ressalvas devem ser feitas quanto às características clássicas apresentadas. A primeira, o tracejado e as áreas apontadas anteriormente de cliff, plateau, peak, hills e valleys, foram elaboradas levando-se em conta, exclusivamente, os atributos de ocupação e uso do solo, excluindo o efeito de marcos do relevo. Segunda, esse delineamento pode não se apresentar em situações atmosféricas instáveis, em que se tem ocorrências de ventos e/ou precipitações. Terceira, como já mencionado por Gartland (2010) as ilhas de calor apresentam padrões distintos, tendo suas temperaturas com maior elevação (na comparação com o rural) após o pôr do sol, isto é, este padrão apresentado pode não se configurar durante o dia e se rearranjar desta maneira no período noturno. Essas ressalvas aparecem aqui com o intuito de apontar que em outras condições, sejam elas de relevo, atmosféricas e periódicas (matutino ou vespertino), pode haver alterações no perfil, porém, ele ainda ilustra o elevado grau de relação entre as altas temperaturas urbanas e as áreas densamente construídas e com pouca ou nenhuma vegetação. Até o momento fez-se a caracterização apenas de um tipo de ilha de calor, a relacionada à diferenciação de temperatura do ar entre o ambiente urbano e o rural. No entanto, é necessário analisar o urbano e suas alterações por outras frentes, sobretudo, nas distintas ilhas de calor que ocorrem no plano horizontal (na espacialização do fenômeno sobre a cidade) e no vertical (subterrâneo – superfície – atmosfera). Assim, partindo da possibilidade de análise dos impactos da produção das cidades sobre a natureza e os fenômenos naturais, sobretudo no clima local, faz-se importante apresentar a tipologia das ilhas de calor apontadas inicialmente por Oke (1995) e reapresentadas em Oke et al. (2017), que as classifica em quatro tipos distintos, duas ligadas à superfície e ao subterrâneo a Subsurface urban heat island (UHISub) – Ilha de Calor Urbana Subsuperficial e a Surface urban heat island (UHISurf ) – Ilha de Calor de Superfície Urbana, e duas associadas ao ar, a Canopy layer urban heat island (UHIUCL) – Ilha de Calor da Camada do Dossel Urbano e a Boundary layer heat island (UHIUBL) – Ilha de Calor da Camada Limite, e as caracteriza conforme consta no Quadro 1. 20 Quadro 1: Tipologia das ilhas de calor e suas características Tipo Característica Subsurface urban heat island. (Ilha de Calor Subsuperficial) Consiste na diferença dos padrões de temperatura entre as construções subsuperficiais da cidade e tecido subterrâneo, quando comparado com o rural circundante. Sua gênese está associada com a transferência de calor sensível da superfície urbana e de suas construções (incluindo subterrâneas) para o substrato. Surface urban heat island. (Ilha de Calor de Superfície Urbana) Se dá na diferenciação da temperatura da superfície das áreas urbanas e do solo rural. Se origina, principalmente, das características de absorção e emissão de energia dos materiais presentes nas construções urbanas e dos elementos contidos no rural próximo. Canopy layer urban heat island (Ilha de Calor da Camada do Dossel Urbano) Consiste na diferenciação da temperatura do ar contido na Camada do Dossel Urbano - UCL (camada entre a superfície urbana e o nível do telhado) com sua correspondente rural. É muito presente nas análises de clima urbano, sobretudo, por ser a camada onde estão inseridos os humanos. Suas características e gênese foram os assuntos trabalhados nos parágrafos anteriores. Boundary layer heat island. (Ilha de Calor da Camada Limite Urbana) Diferenciação da temperatura do ar entre o topo da UCL até o topo da Boundary layer (Camada limite) com sua correspondente rural. O aquecimento excedente desta camada se dá pelo fluxo de calor sensível proveniente da área urbana, sobretudo no período noturno, podendo este calor ser transportado pelos ventos para longe das áreas construídas. Fonte: adaptado de Oke (1995) e Oke et al. (2017). De maneira geral, a especificação das ilhas de calor apresenta duas vantagens. A primeira, dá-se na possibilidade de verificar que a ação humana na transformação do espaço altera as estruturas naturais que chegam a influenciar, para além da superfície, do subterrâneo a centenas de metros da atmosfera. Isto é, possibilitam que os fenômenos naturais se rearranjem, associados as novas características da superfície, permitindo a origem de distintas ilhas de calor, que podem ou não ser encontradas nas mesmas localidades, em períodos alternados ou simultâneos. Por fim, a segunda vantagem reside na possibilidade de haver melhor planejamento para a execução de análises nos impactos das ações humanas sobre o clima local e o ambiente, uma vez que ao apresentarem gêneses e espacializações diferentes são necessárias técnicas específicas para que possam ser detectadas e, quando possível, analisadas em conjunto. Algumas destas técnicas serão apresentadas no tópico a seguir como meio de fundamentar as ações realizadas neste trabalho. 21 2.2. Estudos e técnicas de análise das ilhas de calor: dos pontos fixos à modelagem estatística Os estudos do clima urbano com enfoque nas ilhas de calor são diversificados, com cidades de tamanhos e configurações similares/distintas, métodos e técnicas universais e/ou particulares, analisadas por meio da intensidade e espacialização. Um dos primeiros trabalhos que versam sobre a diferenciação da temperatura das áreas urbanas com o ambiente rural, é datado de 1818 (primeira edição) e intitulado de The Climate of London de autoria de Luke Howard, em que se constatou temperaturas mais elevadas na metrópole do que em pontos não urbanos próximos (MONTEIRO, 1975; AMORIM, 2020a). Em 1862, Emilien Renou publicou resultados de uma investigação de cinco anos em que comparou as diferenças de temperatura entre a cidade de Paris e um Observatório distante a 9,5 km, constatando uma diferença média de 1,2 °C nas mínimas noturnas, associando essa alteração à poluição atmosférica, emissão das chaminés, dentre outros (BROOKS, 1952 apud STEWART, 2011). Ainda no século XIX outras cidades foram analisadas na perspectiva da diferenciação das temperaturas urbanas e rurais, como Munique (1860), Calcutá (1885), Berlim (1890) e Cidade do México (1899). É na primeira metade do século XX que se tem os primeiros registros deste tipo de análise em cidades estadunidenses como Nova York (1919) e japonesas como Tóquio (1931) (STEWART, 2011). Em termos metodológicos os estudos apresentavam características semelhantes, ao analisarem as temperaturas por meio de duas a três estações (STEWART, 2011; FOISSARD, 2015), comparando em grande parte, o centro da cidade com uma área rural ou não construída, nas proximidades. A primeira cidade analisada por uma outra técnica de aferição da temperatura, considerada como um avanço nos estudos das ilhas de calor, foi Viena em 1927, onde Wilhelm Schimdt se utilizando de um termômetro de mercúrio e um automóvel, registrou a temperatura do ar de um percurso de 20km, passando pela cidade e seus arredores, num total de três horas (STEWART, 2011). A novidade apontada pela medida itinerante, atualmente também conhecida como transecto móvel, era a possibilidade de aferir a temperatura do ar de pontos onde não se encontravam os equipamentos fixos, permitindo maior detalhamento nas análises quando comparadas com as anteriores. Assim, de acordo com Stewart (2011), não tardou para que 22 outros trabalhos apresentassem esta metodologia como em Budel e Wolf (1933) para Munique e Berg e Metzler (1934) para Hanover. A segunda metade do século XX se configura como marco de transição dos estudos do clima urbano, sobretudo aos ligados às ilhas de calor, originado de um aprofundamento teórico- metodológico que reflete nas pesquisas atuais. Na escala mundial o destaque para esse período reside nos trabalhos de: Sundborg (1951) para a cidade de Uppsala (Suécia), em que se teve a primeira relação estatística entre as condições atmosféricas e a magnitude das ilhas de calor, bem como apresentou estratégias de campo baseadas em seus objetivos, para isso descartando os dados de observatórios em áreas apontadas por ele como não representativas e adotando rotas de medidas móveis que desviassem da influência das áreas vegetadas da cidade (STEWART, 2011); Chandler (1965), que analisou a temperatura e umidade do ar da cidade de Londres por meio de medidas fixas (estações) e por medidas móveis (transectos) em áreas representativas, levando em consideração o tecido urbano e suas características, na configuração de microclimas, como também na relação desses com as situações atmosféricas do período; e os estudos de Oke (1976, 1987), que se dedicaram ao entendimento da formação e dos mecanismos das ilhas de calor, a interação das camadas urbanas (Canopy e Boudary layer urban heat islands) entre si e com as características construtivas locais, proporcionando uma noção de multiescalaridade, assim como, posteriormente, a proposição de diferentes tipos de ICUs para as cidades (OKE, 1995). No Brasil, os primeiros estudos de clima urbano surgem na década de 1970, destacando as obras de Monteiro (1975) de cunho teórico-metodológico com a proposição do S. C. U., e de Tarifa (1977) de caráter aplicado com resultados de uma breve análise. As análises feitas por Tarifa (1977) para São José dos Campos (SP), levou em consideração fatores do sítio da cidade (formas do relevo e orientações de vertentes), distintas coberturas do solo (tanto no urbano, quanto no rural), bem como as situações atmosféricas para os dias de coleta, se utilizando do gráfico de análise rítmica proposto por Monteiro (1971). O autor se utilizou de psicrômetros instalados a aproximadamente 80 cm do solo para a coleta dos dados entre 9h e 17h de oito dias (de 2 a 9 de dezembro de 1974), encontrando intensidades entre -3,5 ºC a 3,4 ºC, as quais apontou ser um resultado restrito dado ao número de dias e horários, bem como a atuação de sistemas atmosféricos como uma Frente Polar Atlântica. No entanto, assim como apontado pelo autor, o estudo constatou ilha de calor para uma cidade média brasileira, a relação (mesmo que inicial) do relevo e clima e a importância da vegetação em ambiente tropical, em que as cidades são capazes de acentuar o calor ambiental excedente. 23 Outros trabalhos de suma importância, cada qual com suas características e abordagens, marcaram a trajetória dos estudos do clima urbano nas cidades brasileiras. A análise na capital paulista, feita por Lombardo (1985), por meio de aferição fixa de temperatura e umidade em conjunto com técnicas de sensoriamento remoto (com produtos dos satélites NOOA e Landsat), se configurando como um marco da década de 1980 e possibilitando avanços metodológicos imprescindíveis nas pesquisas atuais. Posteriormente, nos anos de 1994 a 1997, destacamos os trabalhos de Maitelli (1994), Mendonça (1994), Sette (1996) e Pitton (1997). Ao analisar a capital mato-grossense (Cuiabá), que estava em pleno período de expansão, por meio de coleta de dados fixos e móveis, balanço de energia para a área central e análise estatística de dados climáticos (série temporal de 1970- 1992), Maitelli (1994), verificou intensidades que variaram de 1,8 ºC (na estação chuvosa) a 5 ºC (na estação seca) no período noturno, sendo um dos primeiros estudos para o interior do país e o pioneiro para do estado de Mato Grosso. Mendonça (1994), propôs uma metodologia específica para a análise do clima urbano nas cidades de pequeno e médio portes, apoiada nos aspectos “geo-ecológicos” (relevo, geomorfologia, declividade e orientação das vertentes), direção e velocidade predominante dos ventos, bem como a ocupação do solo, sendo expressos por um minucioso embasamento cartográfico. Assim, a cidade (foco da pesquisa) foi subdividida em áreas homogêneas destinadas a coletas em pontos fixos e transectos, considerando suas formas, estrutura e função e os aspectos apontados anteriormente. O resultado da aplicação dessa metodologia para Londrina (PR) proporcionou a identificação de diferenças térmicas superiores a 10 ºC, bem como o uso do sensoriamento remoto possibilitou verificar a influência do entorno rural na formação do clima urbano da cidade. Em 1996, Sette se utilizando de pontos fixos, com coletas de dados na estação seca e chuvosa, associadas a análise da circulação atmosférica regional e a caracterização dos tipos de tempo, observou os efeitos da urbanização nos elementos climáticos (temperatura e umidade do ar) e na pluviosidade em Rondonópolis (MT). A autora também elaborou um modelo empírico para o SCU da cidade, contribuindo com os estudos da área em âmbito regional e nacional. Pitton (1997) ao analisar Rio Claro, Araras, Cordeirópolis e Santas Gertrudes (todas pertencentes ao estado de São Paulo), sendo as duas primeiras cidades médias e as duas últimas cidades pequenas, por meio dos aspetos geoecológicos e urbanos para a seleção dos pontos amostrais, constatou que as anomalias térmicas mediadas pelo ambiente urbano independe do tamanho da cidade, isto é, o marco de seu trabalho reside no destaque de que para o clima 24 urbano a dimensão do urbano não o inibe, o que lhe permite ser presenciado até mesmo em cidades de pequeno porte. O estudo realizado em Presidente Prudente por Amorim (2000), reforça sua importância ao analisar o clima urbano por meio de dois eixos característicos: a análise temporal dos elementos climáticos e a análise espacial com o intuito de explicitar a repercussão dos sistemas atmosféricos frente às condicionantes geoecológicas e urbanas, possibilitando assim a caracterização a manifestação das ações humanas sobre o clima local de cidade média distante do litoral e próximo ao Trópico de Capricórnio. No início do século XXI, a análise realizada por Zamparoni (2001) se destaca ao correlacionar as alterações climáticas na Amazônia Mato-Grossense, oriundas dos processos de ocupação territorial não indígena, a partir da década de 1970, mediados por interesses governamentais e econômicos, que culminaram na formação e consolidação de municípios como Sinop, Sorriso e Vera (elencados como amostras para o estudo). Os resultados encontrados por meio da quantificação e mapeamento do desmatamento, análise das tendências de variáveis climáticas entre 1973 e 1998, e análise do processo de urbanização da área, permitiram à autora a verificação de possíveis alterações climáticas derivadas do processo de urbanização do campo, como acréscimos nas tendências anuais da temperatura do ar e das máximas e mínimas, diminuição das médias anuais de chuvas e elevação das médias anuais da umidade relativa do ar e evaporação. Com o acesso aos produtos de imageamento remoto e suas técnicas de extração de informações, os estudos ligados à identificação e caracterização das ilhas de calor ganham complementação e novas perspectivas, seja na análise, exclusivamente, das ilhas de calor de superfície e até mesmo na incorporação dessas informações na análise “geral” do fenômeno. Na perspectiva da integração do sensoriamento remoto com as técnicas já utilizadas, apontamos os trabalhos de Amorim et al. (2009), Ugeda Júnior (2011), Ortiz Porangaba (2015) e Rampazzo (2015). O primeiro estudo (AMORIM et al., 2009) apresenta uma análise comparativa das características térmicas do clima urbano para as cidades médias de Presidente Pudente (Brasil) e Rennes (França), considerando também seus aspectos urbanos e os sistemas atmosféricos vigentes. Os dados foram obtidos por meio de estações fixas, transectos móveis e imagens do satélite Landsat 7 (para obtenção da temperatura de superfície), possibilitando evidenciar fontes de calor (de temperatura de superfície, posteriormente confirmadas nos transectos móveis) e diferenças na temperatura do ar derivadas dos materiais construtivos e distintos usos do solo que compõem as duas cidades. 25 O clima urbano de Jales (SP) foi analisando por Ugeda Júnior (2011), mediante o uso de estações fixas, medições itinerantes e produtos do Landsat 7, em associação com as características ambientais, urbanas e sistemas atmosféricos atuantes. Os resultados obtidos, permitiram ao autor afirmar o sucesso do uso do sensoriamento remoto nas análises do clima urbano, a configuração de um clima urbano específico com diferenças térmicas que ultrapassam 10ºC (em situações de estabilidade), bem como apontar medidas via planejamento urbano, que possibilitem uma minimização do fenômeno encontrado. Ortiz Porangaba (2015), verificou a modificação do campo térmico e higrométrico de Assis (cidade média), Cândido Mota, Macaraí e Tarumã (cidades pequenas), se utilizando de coleta de dados por estações fixas, transectos móveis e imagens do satélite Landsat 8 (para elaboração da carta de temperatura de superfície e NDVI - Normalized Difference Vegetation Index). A autora afirma que a temperatura de superfície e os valores de NDVI, se apresentaram como ferramentas importantes na identificação de interferências das feições urbanas na configuração do clima urbano, e na observação de temperaturas superficiais urbanas mais amenas no inverno. No que diz respeito às diferenças de temperatura do ar, constatou-se intensidades entre 0,3 ºC e 6,3 °C sob atuação de sistemas atmosféricos específicos, possibilitando a constatação de efeitos do clima urbano para as áreas estudadas. Ainda em 2015, Rampazzo analisou e identificou a distribuição espacial e temporal das diferenças termohigrométricas de Marília e São Carlos (SP), levando em consideração as características do urbano. As imagens dos satélites Landsat 7 e 8, permitiram a elaboração das cartas de temperatura de superfície, utilizadas na correlação do uso do solo e temperatura, bem como para um indicador de áreas representativas para instalação de equipamentos fixos e medições móveis. No panorama geral, a autora verificou diferenças térmicas superiores à 10 ºC (para São Carlos) e 6 ºC (para Marília), sob atuação de sistemas atmosféricos como a Massa Tropical Atlântica e a Massa Polar Alântica, o que evidencia a influência dos atributos físicos e urbanos dos sítios e, consequentemente, o reforço do clima urbano como um produto social capaz de reforçar ou atenuar as desigualdades sociais. Nos últimos anos, a utilização de técnicas como a análise geoestatística, tem possibilitado avanços e novas abordagens dentro dos estudos do clima urbano, sobretudo ao incorporarem produtos de sensores remotos nas investigações das ilhas de calor. Um exemplo é a modelagem espacial que consiste na estimação estatística, por meio da regressão linear, de valores de temperatura (ou intensidade) para pontos da área de estudo em que não foi possível obter registros, tendo como base os valores aferidos in situ. 26 No trabalho de Amorim, Dubreuil e Cardoso (2015), tem-se a apresentação de procedimentos para estimar os valores de temperatura do ar, considerando as características físicas da área de estudo (vegetação, relevo, uso da terra), por meio da modelagem espacial. Os autores apontaram que os resultados obtidos pelo modelo foram satisfatórios, com coeficiente de correlação igual a 0,81 (r = 0,81), relacionando as temperaturas elevadas com alta densidade construtiva e baixo índice de vegetação. Com a aplicação da modelagem para a área urbana de Ubatuba (SP), Gomes, Amorim e Dubreuil (2017), verificaram a formação de ilha de calor na área central com intensidade máxima de 5 ºC. Os autores apontam que 60% das variações de temperatura encontradas, foram explicadas pelo modelo, isto é, apresentaram bons índices de correlação. Para a estimativa foram utilizados os dados de temperatura do ar, características do uso e cobertura da terra, índice de vegetação, relevo e a distância do mar (uma vez que é um fator explicativo das variações térmicas de ambientes costeiros). Teixeira (2019), ao aplicar a modelagem espacial, para Presidente Venceslau, Álvares Machado e Santo Anastácio, verificou, estatisticamente, que os modelos gerados eram significantes na relação do uso da terra, relevo e temperatura do ar. A autora afirma que os modelos para Presidente Venceslau reafirmaram a presença de ilhas de calor com maiores intensidades nas áreas periféricas e centrais da cidade, bem como evidenciaram a interferência do relevo no clima da cidade, em que áreas com grande densidade construtiva apresentaram menores intensidades devido a localização em fundos de vales. Para Álvares Machado, o modelo correlacionou os maiores valores de intensidade da temperatura do ar com as áreas construídas, enquanto, os menores valores térmicos ficaram associados às áreas com vegetação e/ou fundo de vales. Por fim, em Santo Anastácio, a autora aponta que houve um aquecimento da área central, com as menores intensidades térmicas presentes na periferia, bem como a distribuição da temperatura mediada pelo relevo. A técnica também consta em Rampazzo (2019), que utilizou a modelagem para identificar a configuração do clima urbano partindo das ilhas de calor de superfície e da atmosfera em Marília, São Carlos e Presidente Prudente, encontrando intensidades superiores a 4 ºC sob condições atmosféricas de estabilidade. Os resultados foram analisados em conjunto com índices de vulnerabilidade, permitindo a verificação de correspondência dos impactos climáticos das cidades com os níveis de vulnerabilidade e os espaços urbanos desigualmente construídos. 27 2.2.1 A classificação do ambiente urbano Na correlação entre as transformações na superfície e as alterações nos elementos climáticos, sobretudo na escala do local, faz-se necessário evidenciar as áreas que compõem a localidade estudada, isto é, se esforçar no exercício de identificação das distintas características paisagísticas urbanas e rurais que compõem o local pesquisado, e exercem influência e são influenciadas de acordo com seus conteúdos. Um trabalho pioneiro que apresenta uma classificação climática baseada nas características urbanas se dá na investigação de Chandler (1965) para Londres, de acordo com Stewart (2011). Chandler partiu de aspectos como a morfologia urbana (densidade, altura e materiais construtivos, áreas permeáveis e impermeáveis, presença e tamanho de parques dentre outros), relevo e alterações dos elementos climáticos, para sistematizar Londres nas quatro regiões descritas a seguir e apresentadas graficamente na Figura 4: I – London Central (de uso comercial, com alta densidade e temperaturas mais elevadas que grande parte das áreas londrinas), II – Inner Suburban (com alta densidade, contando com antigas residências, indústrias e presença de temperaturas elevadas), III – North London (formada por espaços abertos e baixa densidade construtiva, apresentando temperatura mais baixas que as demais áreas) e IV – Outer Suburbs (constituída de uso residencial e comercial de alta e baixa densidade, apresenta temperatura elevada, porém, menor que as regiões I e II). Figura 4: Regiões climáticas de Londres Fonte: Chandler (1965, p. 243). 28 Embora inovadora, a classificação apresentada por Chandler não permitia a comparação de cidades diferentes, dado ao fato de apresentar relações exclusivas com a capital britânica. Um exemplo do afirmado anteriormente dá-se na classe III – North London, em que o relevo mais elevado é fundamental na caracterização. Em 1978, partindo do uso da terra e presença de vegetação em Saint Louis (Missouri – Estados Unidos da América) e visando a correlação destes aspectos com as anomalias meteorológicas, como forma de identificar os usos da terra “meteorologicamente significativos”, Auer (1978) propôs um sistema classificatório com doze classes, perpassando por áreas residenciais (com quatro classes), industriais (duas classes), pouco construídas ou naturais (cinco classes) e comercial (uma classe). As áreas de uso residencial foram classificadas de R1 a R4 e com as seguintes características: R1 – Common residential: com habitação unifamiliar em único pavimento, com vegetação acima de 70%; R2 – Compact residential: habitações uni e pluri familiares, com vegetação abaixo de 30%; R3 – Compact residential: residências multifamiliares antigas, geralmente dois andares, com vegetação abaixo de 35% e R4 – Estate residential: habitações familiares grandes com terreno de vários acres e vegetação acima de 80%. O uso industrial ficou categorizado em I1 e I2, com as seguintes configurações: I1 – Heavy industrial: indústrias pesadas (siderúrgica, química etc), com vegetação abaixo de 5% e I2 – Light-moderate industrial: geralmente edifícios de 1 a 3 andares associados à pátios ferroviários, armazéns, pequenas fábricas, dentre outras, com o mesmo padrão de vegetação da classe anterior. A última classe que apresenta muitos elementos construídos dá-se na de uso comercial expressa por C1 (Commercial), abrangendo edifícios de escritórios e apartamentos acima de 10 pavimentos, com vegetação abaixo de 15%. Por fim, as áreas pouco construídas e/ou naturais, foram sequenciadas de A1 a A5 e descritas como segue: A1 – Metropolitan natural: parques, campos de golfe, cemitérios etc, acima de 95% de vegetação; A2 – Agricultural: cultivo local), com vegetação acima de 95%; A3 – Undeveloped: sem construções ou plantio, com vegetação acima de 90%), A4 – Undeveloped rural: vegetação acima de 95% e A5 – Water surface: rios e lagos). Os resultados encontrados por Auer (1978) foram satisfatórios, as classes de uso da terra por ele propostas coincidiram com locais em que se constatou anomalias, permitindo ao autor estabelecer, com limitações, a interação entre o uso da terra e diferenças nos elementos climáticos; bem como pontua que não é possível a responsabilização de uma classe de uso da terra pelas alterações encontradas, sendo fundamental reconhecer também os processos interativos e de feedback entre as classes e as anomalias. 29 Assim como ocorrido em Chandler (1965) a proposta de Auer apresentou um sistema de classificação satisfatório, no entanto, ao ser reflexo de uma única realidade dificulta sua replicação em outras áreas de estudos dado a heterogeneidade e atividades presentes nas cidades. Visando um método de inventariação das características das construções urbanas aplicável de maneira ampla, que auxiliasse nos estudos meteorológicos urbanos, Ellefsen (1991), propôs o Urban Terrain Zone (UTZ), que consistiu na delimitação de zonas, baseadas na morfologia urbana, características de ventilação, densidade, padrões de arruamentos, dentre outros aspectos. A proposta consistiu na identificação de 19 zonas agrupadas em três grupos, o Atached Urban Terrain Zones (com cinco zonas – de A1 a A5), Detached Buildings (Close-set) Urban Terrain Zones (de Dc1 a Dc8) e Detached Buildings (Open-set) Urbain Terrain Zones (Do1 a Do6). No contexto geral, a divisão dos grupos levou em consideração a tipologia das estruturas do ambiente em relação às construções próximas (como casas geminadas) ou distanciadas, no que o autor justifica esse padrão mediante aos investimentos feitos nos terrenos para que sejam lucrativos. O diferencial da proposta de Ellefsen se deu na identificação dos padrões urbanos para dez cidades estadunidenses (Boston, Filadélfia, Baltimore, Pittsburgh, Cincinnati, Atlanta, Houston, Denver, Seattle e Sacramento) constituídas por diversas paisagens urbanas, distintos edifícios e materiais construtivos, bem como elementos amostrais de similaridades e discrepâncias para o estabelecimento das zonas. Na análise dos resultados da aplicação da proposta, Ellefsen (1991) encontrou padrões urbanos similares não só entre as cidades amostrais, mas também observadas em outros países, com áreas urbanas “recentes”, construções industriais “modernas”, condomínios etc. Em contrapartida, o autor também pontua a presença de discrepâncias associadas às questões regionais, sobretudo em construções antigas, predominância de certos materiais construtivos, padrões de ocupação distintos nas áreas de maior custo, dentre outros. Partindo dos sistemas propostos por Auer (1978) e Ellefsen (1991), e incorporando novos elementos como a porcentagem de área construída (associada ao grau de impermeabilização da superfície), Oke (2006) apresentou o Urban Climate Zones (UCZ), que varia numericamente de 1 a 7, indo de áreas “urbanas intensamente desenvolvidas” até o “semi- rural” (Quadro 1). 30 Quadro 2: Classificação simplificada de formas urbanas distinta organizadas em ordem decrescente da capacidade de influenciar no clima local Urban Climate Zone (UCZ) Zona Climática Urbana Representação Rugo- sidade Razão H/W Impermea- bilidade (%) 1. Urbano intensamente desen- volvido, com edifícios altos (arranha-céus) e revestidos, em proximidade (ou pouco espaçados), como as grandes torres de centro de cidades. 8 > 2 > 90 2. Urbano de alta densidade, intensamente desenvolvido, com edifícios de 2 a 5 pavimentos anexos ou em proximidade, geralmente de tijolos ou pedra, como o centro histórico da cidade. 7 1.0 – 2.5 > 85 3. Urbano de média densidade, intensamente desenvolvido, com presença de casa geminadas ou pouco espaçadas (enfileiradas), lojas e apartamentos. Ex: habitação urbana (ou bairro residencial). 7 0.5 – 1.5 70 - 85 4. Urbano altamente desenvolvido, de baixa ou média densidade, apresenta grandes construções de baixa elevação e estacionamento pavimentado, como Shopping Center, armazéns, galpões, dentre outros. 5 0.05 – 0.2 70 -95 5. Urbano (ou subúrbio) com desenvolvimento médio e baixa densidade, com construções de 1 ou 2 pavimentos, características típicas de áreas suburbanas (ou bairro residencial de subúrbio). 6 0.2 – 0.6 até > 1 com árvores 35 – 65 6. Uso misto com grandes construções em áreas abertas, como aeroportos, hospitais, universidades. 5 0.1 – 0.5, depen- dendo das árvores < 40 7. Semi-rural (ou periurbano) com presença de construções dispersas em áreas naturais ou agrícolas. Ex: fazendas e outras propriedades rurais. 4 > 0.05, depen- dendo das árvores < 10 Fonte: Oke (2006, p. 11, tradução nossa). O autor pontua que a importância das UCZs não reside na capacidade descritiva dos elementos urbanos, mas sim da possibilidade de classificar e agrupar áreas de um assentamento baseada na sua capacidade de modificar o clima local, obtendo como representação do urbano um mapa com o delineamento das zonas estabelecidas. 31 Ao analisar as classificações apresentadas anteriormente, Stewart (2011, p. 157) afirma que estas apresentam grandes limitações para sua aplicação nas análises das ilhas de calor por estarem centradas em áreas chaves e não serem desenvolvidas especificamente para tal. As áreas, segundo ele, estão associadas à relevância climática, representação do urbano e do rural, a nomenclatura e a origem e escopo. Tendo somente a proposta de Oke (2006) incorporado critérios de um conjunto completo de propriedades da superfície capazes de influenciar o campo térmico na definição de suas classes. Stewart (2011, p. 158) continua sua análise sobre os sistemas classificatórios alegando a presença de um desequilíbrio na representação entre as paisagens urbanas e rurais, o que intensificaria a inequidade da sua utilização para estudos do clima urbano. Ele continua apontando que entre as classificações apresentadas a de Chandler (1965) não faz nenhuma referência para a representação do rural, a de Auer (1978) conta com 4 classes rurais para 12 tipos de uso e cobertura e a de Oke (2006), embora seja mais abrangente podendo ser adotada em outras cidades, conta com apenas uma zona de “semi-rual” contra 6 zonas voltadas para o meio urbano. Algumas limitações associadas à nomenclatura das classes também são apontadas, uma vez que em muitos casos o adjetivo utilizado é capaz de confundir os pesquisadores do clima urbano, como os termos “suburbano”, “semi-rural”, “centro da cidade” e a designação de áreas agrícolas sem sua devida qualificação (compacto, esparso, arborizado, aberto etc) (STEWART, 2011, p. 158). Com o intuito de superar as limitações dos sistemas de classificação, apresentados anteriormente, na aplicação em estudos das ICU, Stewart (2011) propôs um sistema de abrangência mundial, em que os critérios para o agrupamento e adjetivação das formas se relacionam com a capacidade de alterar aspectos do microclima e do clima local, como ventos temperatura do ar e umidade relativa. O sistema, denominado de Local Climates Zones (LCZ) deriva da divisão de uma classe maior (universal), que internamente apresenta um conjunto de subclasses com as mesmas características, possibilitando um sistema nominal para classes com propriedades regulares (STEWART, 2011, p. 161). O autor afirma que no âmbito das ilhas de calor, a classe universal reside na paisagem – por ele entendida no seu significado mais prático, isto é, uma unidade do visível capaz de ser identificada por seus fatores naturais, sociais e culturais (STEWART; OKE, 2009) – sendo então dividida com base nas propriedades capazes de influenciar o campo térmico na escala da cidade, como a morfologia da superfície (altura de construções e densidade – que interfere nos padrões de circulação e do transporte de calor) e a cobertura da terra (ligada à permeabilidade 32 ou não – em que se pode ocorrer alterações no albedo, na umidade e no aquecimento/resfriamento do solo). As zonas propostas por Stewart (2011) recebem a denominação de LCZ, pois são (L) locais na escala, (C) climáticas na distinção das propriedades e (Z) zonais na representação espacial. Tais zonas foram elaboradas, por meio de observações e simulações em modelos atmosféricos da temperatura do ar para as cidades de Uppsala (Suécia), Nagano (Japão) e Vancouver (Canadá), resultando em 17 zonas climáticas em que 10 estão associadas ao ambiente construído e sua tipificação (e representadas por números de 1 a 10) e 7 relacionadas à cobertura da terra (codificadas por letras sequenciais de A a G). Também conta com uma classe especial para edifícios de uso industrial com grande fluxo de calor antropogênico e/ou concentrações de poluentes, e 4 subdivisões referentes a propriedades sazonais da cobertura da terra, como por exemplo cobertura de neve e áreas de vegetação caducifólias (Figura 5). Figura 5: LCZ - Local Climates Zones Fonte: Stewart (2011, p. 196) 33 Embora as LCZs apresentem potencialidades de serem aplicadas em distintas cidades, regiões e países, facilitando a comparação de resultados obtidos, faz-se necessário ressaltar que em certos casos, dado aos aspectos culturais e físicos da área de estudo as correspondências com as zonas propostas podem não ocorrer, tendo Stewart (2011) apontado a possibilidade de elaboração de subclasses partindo da junção de LCZ existentes (Figura 6). No entanto, para garantir a manutenção do princípio universal da técnica faz-se primordial a criação de novas classes que de fato representem áreas significativas, uma vez que classes muito similares tendem a não apresentarem diferenças térmicas significantes. Figura 6: Esquema para elaboração de subclasses de LCZ Fonte: Stewart (2011, p. 254). Após a publicação da proposta das LCZs, apareceram diversos estudos que versam sobre o tema, inclusive no âmbito nacional, como disposto em Collischonn e Mattos (2011); Zhongli e Hanqiu (2016); Franco et al. (2019); Ferreira e Ugeda Júnior (2020), dentre outros. No entanto, detalharemos três trabalhos que enfocam a utilização das LCZs para análises do clima urbano, sobretudo com a associação às ilhas de calor, pois estes apresentam elementos que contribuem diretamente com esta pesquisa e evidencia as possibilidades da utilização do sistema. Ao analisar a espacialização da temperatura e umidade relativa do ar, associadas às LCZs para a Área de Urbanização Prioritária (AUP) de Campinas (compreendendo o centro histórico e o centro expandido), Monteiro (2018) identificou padrões de aquecimento e resfriamento horário para cada uma das 7 zonas encontradas na área de estudo. A autora constatou que entre as 17 zonas identificadas na AUP, o horário em que apresentam maiores 34 indicadores de amplitude térmica e de umidade relativa do ar, se dá no período matutino (9h), sobretudo para as LCZ 31 (com maior índice de impermeabilização e densidade construtiva) e LCZ86 (com presença de grandes construções de baixa elevação e construções espaçadas, com áreas permeáveis e vegetação). Às 15h, de acordo com Monteiro (2018), as classes identificadas apresentam uma constância nos valores de amplitude térmica e de umidade relativa, tendo diferenças de temperatura do ar entre 0,1 º C a 0,3 ºC. No período noturno (21h) às classes que apresentam as “maiores” diferenças térmicas (0,7 ºC) estão associadas a tipologias construtivas que apresentam áreas permeáveis. Cardoso (2015) elaborou as potenciais LCZs para Presidente Prudente (SP), por meio de uma adaptação da proposta de Stewart (2011). A autora, partindo de imagens do satélite GeoEye-1 e de técnicas de interpretação visual, classificou quadra a quadra da malha urbana mediante as semelhanças apresentadas com as classes de LCZs, resultando em 20 classes – sendo 12 LCZs originais e 8 subclasses. As classes identificadas foram inseridas no modelo de regressão linear multicritérios, juntamente com dados de temperatura, NDVI e altitude, com o intuito de modelar espacial e temporalmente as ilhas de calor da área de estudo. Os resultados obtidos na modelagem, de acordo com a autora, possibilitaram não só a verificação da correlação das caraterísticas da superfície com a temperatura, mas também mediu a identificação das LCZs que melhor representaram o campo térmico da cidade (sendo, as subclasses 23, 24, 34 e 3D e as LCZs 3, 7, A e B). Em 2019, Dorigon, partindo da cidade de Jundiaí (SP) e visando a modelagem espacial das ilhas de calor, elaborou as LCZs por meio da ferramenta WUDAPT (fruto do projeto The World Urban Database and Acess Portal Tools), no qual se inicia um treinamento e exercícios cognitivos para a identificação das classes e se associa a produtos de sensoriamento remoto, como imagens do Landsat e do Google Earth. A autora afirma que para sua área de pesquisa, foi necessário um refinamento das LCZs resultantes do WUDAPT, sendo utilizadas nessa etapa imagens do satélite RAPIDEYE (resolução espacial de 5 m). Assim como em Cardoso (2015), as LCZs foram inseridas no modelo de regressão linear com dados de temperatura do ar (de pontos fixos e móveis), relevo, NDVI e distanciamento do centro da cidade. Os resultados permitiram a elaboração de um mapa síntese do zoneamento térmico, em que se pode verificar que a LCZ 3 se apresentou em três faixas de aquecimento (Área mais aquecida (distante do centro) – com intensidades entre 4 ºC e 5 ºC; Área sobreaquecida – intensidades de 5 ºC a 7 ºC e Área superaquecida – entre 7 ºC a 9 ºC de 35 intensidade), enquanto a LCZ A se fez presente em duas áreas abaixo do 0 ºC de intensidade (Área mais fria (maiores elevações de relevo) – intensidades entre -2,5 ºC a -1 ºC; Área fria – com -1 ºC a 0 ºC de intensidade e Ponto 0 (áreas rurais mais distantes do urbano) – associado às intensidades de 0 ºC a 1 ºC). Embora apresentada de forma sucinta neste tópico, a utilização das LCZs nos estudos associados ao clima urbano, seja no âmbito das ilhas de calor até a poluição do ar, vem ganhando aceitação e aplicação em distintas cidades, perpassando pelas cidades pequenas e médias, atingindo as grandes áreas metropolitanas, o que reforça o caráter universal da proposta e a possibilidade de maior integração e comparação dos estudos e cidades. 36 3. SINOP (1972 - 2020): da floresta à “Capital do Nortão” Decorridos aproximadamente 48 anos da derrubada da floresta e abertura dos primeiros lotes na área, a cidade de Sinop apresenta uma complexidade no seu processo de formação e consolidação, que perpassa pelos aspectos físicos da localidade e por um contexto no qual a economia, a estrutura governamental e os meios de produção, sobretudo no campo, mediaram grandes transformações na escala nacional e na porção norte de Mato Grosso. Ao entender a cidade como o reflexo das relações sociais, mediadas por interesses, agentes e mecanismos, dentro de um contexto que se sobrepõe a outros, sem, contudo, os excluírem de vez, faz-se necessário identificar as condições que possibilitaram as formas expressas na atualidade. Assim, neste tópico, para além da caracterização da área de estudo, pretende-se contextualizar os processos, mecanismos e os cenários, que possibilitaram a produção do espaço urbano de Sinop, bem como a sua relação com as atividades econômicas desenvolvidas no entorno rural, que viabilizaram a atual configuração da cidade. 3.1 As características geoambientais da área de estudo O município de Sinop se assenta sobre o Planalto do Parecis, caracterizado pelo Projeto Radar da Amazônia – RADAMBRASIL (BRASIL, 1980, p.1337), como uma unidade geomorfológica de altimetria homogênea (variando de 350 m a 400 m), com presença de formas tabulares dissecadas, topo aplainado, baixa declividade e considerável rede de drenagem. A Figura 7, apresenta essas características geomorfológicas da área, em que se observa que grande parte da malha urbana se encontra no intervalo altimétrico de 360 a 370 m, tendo as áreas mais rebaixadas (320 m a 340 m), presentes, sobretudo na porção Sudoeste do mapa, associadas às redes de drenagem pertencentes aos afluentes do Rio Teles Pires (localizado à Oeste da sede municipal). A homogeneidade notada na altimetria da área reflete também na declividade, uma vez que seu intervalo predominante ficou entre 0% e 3%, típicos de topos planos de chapadas com atividades erosivas associadas a infiltração (IBGE, 2009) e excelentes para a utilização de maquinários nas atividades agrícolas característica desta porção do Estado. No que condiz a orientação das vertentes, nota-se o predomínio dos sentidos Norte e Sul (na carta representados pelas cores amarela e vermelha), não havendo um aspecto contínuo, mas sim intercalando as direções, permeadas por poucas faces voltadas para Leste e Oeste. 37 Figura 7: Representação da hipsometria, orientação das vertentes e declividade para a área urbana e entorno rural de Sinop 38 No âmbito das características associadas ao clima, com base na classificação climática de Köppen para definir os tipos climáticos anuais (TCA) e sua frequência, Dubreuil et al. (2018) apontam que na área de estudo predomina o tipo Aw, caracterizado como clima quente com chuva de verão e estação seca no inverno, tendo seu máximo de precipitações entre dezembro, janeiro e fevereiro, bem como, se encontra na área de “núcleo forte” deste tipo climático, logo, apresentando alta frequência das características do TCA Aw. O Gráfico 1, apresenta essa caracterização climática de forma visual, tendo em sua elaboração a utilização de dados das Normais Climatológicas (1981-2010), obtidos da estação meteorológica convencional Gleba Celeste (83264) instalada no município de Vera (MT), que indicam uma oscilação da temperatura média entre 23,2 ºC e 26,2 ºC ao longo do ano. Também indicam que a temperatura máxima mensal ao longo dos meses se concentra entre 31,8 ºC e 35,1 ºC, tendo os meses de agosto e setembro como os responsáveis pelos maiores valores (35 ºC e 35,1 ºC, respectivamente). Para a temperatura mínima, observa-se que há uma queda entre os meses de maio e setembro, sendo julho o mês de menores temperaturas mínimas (por volta de 15,8 ºC), período em que se concentra a passagem de sistemas atmosféricos como a frente fria, mesmo que já não apresentem a mesma força que exercem na porção Sul do país. Gráfico 1: Climograma para a região de Sinop (Normais Climatológicas - 1981-2010) Fonte: Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), organizado pelo autor. No Gráfico 1 percebe-se também que a precipitação média acumulada anual é de cerca de 1.940 mm com concentração das chuvas entre dezembro e março (total mensal acima de 300 mm), períodos de transição e estiagem entre abril e setembro com diminuição dos totais mensais 39 de precipitação abaixo de 30 mm e retorno de valores consideráveis em outubro (acima de 100 mm). Os dois períodos bem demarcados, chuvoso e seco, desencadeiam alterações na paisagem urbana e rural de Sinop, sobretudo quando associados a vegetação. No meio urbano, o período chuvoso permite o melhor desenvolvimento da vegetação arbórea e rasteira presente nos canteiros das vias e residências, enquanto no período de estiagem tem-se a retração da vegetação e coloração amarelada, sobretudo das espécies rasteiras. No âmbito do rural, o início das chuvas demarca o período da semeadura (setembro a dezembro) de espécies como a soja, que se desenvolve no período de alta disponibilidade hídrica e é colhida entre janeiro e maio, fornecendo à paisagem rural a presença de altos índices de vegetação. No período de transição e estiagem (junho a agosto), com a baixa nos valores de precipitação, as áreas destinadas ao cultivo passam por processos de recuperação e preparo da terra, em que são incorporados os nutrientes necessários e a correção da acidez do solo por meio da calagem, técnica fundamental em latossolos como presentes em Sinop, alterando novamente a dinâmica da paisagem local dentro da sazonalidade produtiva da região. É válido ressaltar que a relação intrínseca clima – produção e a alteração sazonal da paisagem não se dá de maneira homogênea, dado que em certas áreas tem-se a aplicação de tecnologia para a superação de períodos de estiagem, como a presença de culturas irrigadas. No entanto, as características apontadas anteriormente descrevem a rotina anual de grande porção do município e da região. Partindo das variáveis físicas (relevo, clima, solos, vegetação, hidrologia, dentre outros), inerentes para a definição dos domínios morfoclimáticos, proposto por Ab’Sáber (2003) e adotados como critérios pelo RADAMBRASIL (1980), tem-se a classificação da vegetação pretérita da área de estudo inserida no domínio das florestas, sobretudo associada a Floresta Amazônica. De acordo com Schwenk (2005), a Floresta Amazônica é composta pela Floresta Ombrófila Densa e Aberta, sendo esta última recentemente denominada também de “Área de Transição”, que configura a vegetação original de Sinop, bem como a presença de espécies vegetais do Cerrado permitindo uma diversidade vegetal local. Foi a presença desta vegetação florestal (com árvores de grande porte) que permitiu o desenvolvimento da indústria madeireira na Gleba Celeste e a consolidação dos planos colonizadores de integração econômica das áreas recém-abertas. A consolidação dos polos colonizadores permitiu profunda transformação na paisagem na escala local e regional, sobretudo ao ser inserida a agricultura como principal atividade 40 econômica. A floresta que outrora ocupava cerca de 3.990,34 km² do território sinopense, hoje se encontra distribuída em fragmentos (muitas vezes desconectados) e acompanhando cursos hídricos, totalizando 1.614,98 km² (SEPLAN, 2017), sendo expressa no núcleo urbano por reservas ambientais e parques urbanos como o Jardim Botânico e Parque Florestal. 3.2 Da floresta ao agronegócio: a integração econômica e seus agentes mediadores A ocupação não indígena da porção norte do estado de Mato Grosso remonta a uma série de atos governamentais, econômicos e mudanças no meio rural, inseridas num contexto de modernização das técnicas aplicadas ao campo, alteração do modelo governamental (mudança do regime democrático civil para a ditadura militar, sob constante defesa do capital e da “soberania”), urbanização nacional e mudanças no comércio internacional. Um dos aparatos do Estado que alavancaram esse processo de nova ocupação do território, adveio do Programa de Integração Nacion