UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Graduação em Física EXPERIMENTOS DIDÁTICOS, MUDANÇAS CURRICULARES E O ENSINO DE FÍSICA: ANÁLISES A PARTIR DE UM LABORATÓRIO DIDÁTICO EM DESUSO NA EDUCAÇÃO BÁSICA Natan Trovó Lino Prof. Dr. Eugenio Maria de França Ramos Rio Claro (SP) 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro NATAN TROVÓ LINO EXPERIMENTOS DIDÁTICOS, MUDANÇAS CURRICULARES E O ENSINO DE FÍSICA: ANÁLISES A PARTIR DE UM LABORATÓRIO DIDÁTICO EM DESUSO NA EDUCAÇÃO BÁSICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Licenciado em Física. Rio Claro - SP 2019 L758e Lino, Natan Trovo EXPERIMENTOS DIDÁTICOS, MUDANÇAS CURRICULARES E O ENSINO DE FÍSICA : análises a partir de um laboratório didático em desuso na educação básica / Natan Trovo Lino. -- Rio Claro, 2019 51 p. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura - Física) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Eugenio Maria de França Ramos 1. Experimentos didáticos. 2. Ensino de Física. 3. Materiais Didáticos. 4. Laboratório Didático. 5. Mudanças Curriculares. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. NATAN TROVÓ LINO EXPERIMENTOS DIDÁTICOS, MUDANÇAS CURRICULARES E O ENSINO DE FÍSICA: ANÁLISES A PARTIR DE UM LABORATÓRIO DIDÁTICO EM DESUSO NA EDUCAÇÃO BÁSICA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Licenciado em Física. Comissão Examinadora Prof. Dr. Eugenio Maria de França Ramos (Orientador) Profª Ms. Bárbara Pinto Carneiro Profª Dra. Bernadete Benetti Rio Claro, _____ de __________________________ de 2019. _____________________________ _____________________________ Assinatura do aluno Assinatura do orientador RESUMO Descrevemos o estudo sobre materiais didáticos experimentais existentes em um laboratório de uma escola da Educação Básica, que se encontrava desativado. Embora as atividades experimentais sejam consideradas procedimentos didáticos importantes, nem sempre tais materiais didáticos têm sido utilizados em aulas de Física do Ensino Médio. A partir de uma pesquisa qualitativa e exploratória, realizamos o registro e o levantamento de materiais existentes. Com base neste inventário, analisamos a situação de conservação dos materiais encontrados, seu potencial de restauração e características de utilização de atividades experimentais, classificando-os em quatro categorias: em funcionamento, necessitando pequenos reparos, necessitando grandes reparos e inutilizados. Observamos que algumas das razões fundamentais mencionadas por professores - tais como falta de espaço e falta de equipamentos - para a não utilização de laboratórios escolares com atividades experimentais não foram observadas na escola estudada. O laboratório didático, bem como a variedade de materiais, desvela que o ensino com materiais experimentais já foi uma alternativa didática utilizada por docentes que atuaram nesta escola, com diferentes organizações (aula em grupo, experimentos de cátedra e projetos desenvolvidos pelos alunos). As condições em que foram encontrados o espaço e os materiais, entretanto, evidenciam uma mudança de atitude diante de tal possibilidade educativa. Investigamos, ainda, evidências de mudanças ocorridas nos currículos de Física da Educação Básica tomando por base o desaparecimento de tópicos de “Mecânica dos Fluidos” nos livros didáticos publicados atualmente. Tais mudanças possivelmente foram um dos fatores que contribuíram para o desuso do laboratório nos dias atuais. Palavras-Chave: Experimentos didáticos. Ensino de Física. Materiais Didáticos. Laboratório Didático. Mudanças Curriculares. ABSTRACT We describe the study about experimental didactic material that existed in a laboratory of a Basic Education school, which was deactivated. Although experimental activities are considered important didactic procedures, these teaching materials have not always been used in High School Physics classes. From a qualitative and exploratory research, we performed the registration and survey of existing materials. Based on this inventory, we analyzed the conservation status of the materials found, their restoration potential and characteristics of experimental activities, classifying them into four categories: in operation, requiring small repairs, requiring many repairs and unused. We observed that some of the fundamental reasons mentioned by teachers – as lack of space and lack of equipment - for not using school laboratories with experimental activities were not observed in the school studied. The didactic laboratory, as well as the variety of materials, reveals that teaching with experimental materials has already been a didactic alternative used by teachers who worked in this school, with different organizations (group classes, lectures and projects developed by students). The conditions in which space and materials were found, however, show a change of attitude towards such an educational possibility. We also investigate changes in the curriculums of Physics of Basic Education based on the disappearance of topics of "Fluid Mechanics" in textbooks published today. These changes were possibly one of the factors that contributed to the disuse of the laboratory. Key-Words: Didactic experiments. Physics Teaching. Teaching materials. Didactic Laboratory. Curriculum Changes SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 7 2. OBJETIVOS ................................................................................................... 9 3. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ............................. 10 3.1. Os materiais e o laboratório ......................................................................... 10 3.2. O laboratório como espaço didático ............................................................. 17 3.3. Desdobramentos da Pesquisa ..................................................................... 18 3.4. Pesquisa Bibliográfica e Documental ........................................................... 19 3.4.1. Livros antigos e Museus Virtuais .................................................................. 19 3.4.2. Pesquisa de conteúdo .................................................................................. 20 3.4.3. Estrutura curricular da Física na Educação Básica e no Ensino Superior.... 20 4. A EXPERIMENTAÇÃO E O ENSINO ........................................................... 21 4.1. Concepções de Laboratório Didático ........................................................... 22 5. MATERIAIS DESCONHECIDOS (MISTERIOSOS) PARA O ENSINO DE FÍSICA ATUAL ............................................................................................. 24 5.1. Experimentos não usuais que vão sendo esquecidos e podem se perder ... 27 6. A FÍSICA, LIVROS DIDÁTICOS E CURRÍCULOS ....................................... 28 6.1. Estudo sobre o desaparecimento de tópicos da Mecânica dos Fluidos ....... 28 6.1.1. Física: 1º Livro – Ciclo Colegial, Freitas (1953) ............................................ 30 6.1.2. Física: Mecânica – 1º ano, BONJORNO et al. (2016) .................................. 31 6.1.3. FÍSICA: INTERAÇÃO E TECNOLOGIA – 1º ano, GONÇALVES FILHO e TOSCANO (2016) ........................................................................................ 33 6.1.4. FÍSICA PARA O ENSINO MÉDIO: Mecânica – 1º ano, KAZUHITO e FUKE (2016) ........................................................................................................... 34 6.1.5. Aspectos em comum das coleções estudadas ............................................ 35 6.1.6. Currículo do Estado de São Paulo, São Paulo (2011) ................................. 36 6.1.7. Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Brasil (2018) ............................ 38 6.1.8. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN e PCN+) ... 38 6.1.9. Estrutura Curricular da Licenciatura em Física – UNESP, campus de Rio Claro (2015) ................................................................................................. 39 6.2. Livros Didáticos: Veículo de Ênfases Curriculares ....................................... 40 6.3. Gauthier e os saberes docentes .................................................................. 44 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 46 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 49 7 1. INTRODUÇÃO É senso comum entre pesquisadores e educadores que atividades experimentais são importantes para o processo de ensino e aprendizagem, sobretudo quando falamos em Ensino de Ciências e, particularmente, em Ensino de Física (GASPAR, 2014; RABONI, 2002). Contudo, quando docentes são questionados a respeito das causas de não utilizarem atividades experimentais em suas aulas, apontam como uma das principais deficiências a falta de materiais e de equipamentos (GASPAR, 2014), que parecem justificativas plausíveis, à primeira vista, mas não representam adequadamente o que observamos em uma escola de Educação Básica localizada no município de Rio Claro (SP). Durante as atividades do projeto de Iniciação à Docência (PIBID UNESP) encontramos numa escola de Educação Básica um Laboratório Didático de Física em situação de desuso, com uma quantidade significativa de materiais experimentais em variados estados de conservação. Com o apoio da direção da escola, iniciamos em abril de 2016 um processo de identificação dos materiais e a tentativa de recuperação do laboratório como espaço didático para a disciplina de Física. Para o presente trabalho aprofundamos esse estudo, realizando primeiramente uma pesquisa bibliográfica para identificar e obter maiores informações sobre os materiais presentes no laboratório, organizando um banco de dados, registrando-os em uma planilha em forma de inventário. Os registros permitiram identificar a quantidade e a variedade de cada aparato experimental, sendo possível correlacionar o enfoque quanto à estratégia de uso do laboratório, conforme nomenclaturas (tipos de laboratórios), como as sugeridas por Ferreira (1978) e Andrade (2010). Em seguida, elegemos um tópico para estudo conceitual de Física e estudamos mais detalhadamente conteúdos relacionados com os materiais presentes no laboratório. Por fim, analisamos alguns discutir aspectos da formação docente que corroboram para esta postura contraditória – professores que julgam as atividades experimentais como sendo importantes para a aprendizagem de conceitos científicos mas não as usam em suas aulas – e quais desses aspectos poderiam ser 8 valorizados para a ampliação das possibilidades de práticas educativas que considerem o uso de atividades experimentais no Ensino de Física. De acordo com características do trabalho, entendemos que o mesmo se caracterizou como uma pesquisa de natureza qualitativa (LÜDKE e ANDRÉ, 2013) e exploratória (GONSALVES, 2007). É compreendida também, segundo as fontes de informação, como uma pesquisa de campo, bibliográfica e documental (GONSALVES, 2007), focando no acervo de materiais didáticos do laboratório estudado. 9 2. OBJETIVOS Com o presente trabalho pretendeu-se: (a) Identificar e categorizar materiais experimentais presentes em um laboratório didático em desuso de uma escola de Educação Básica no município de Rio Claro (SP), segundo as áreas de conhecimento e sua utilização como recurso didático; (b) Realizar pesquisas bibliográficas complementares para: i. Identificar os materiais experimentais; ii. Analisar suas características pedagógicas. (c) Estudar evidências de mudanças ocorridas nos currículos de Física da Educação Básica a partir do desaparecimento de tópicos de “Mecânica dos Fluidos”. 10 3. METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA Em vista das características do trabalho pretendido, entendemos que o mesmo se caracterizou como uma pesquisa de cunho qualitativo (LÜDKE e ANDRÉ, 2013). Segundo Gonsalves (2007), a pesquisa também se caracteriza como exploratória, tendo como procedimento de coleta de dados a pesquisa de campo, bibliográfica e documental, descritas sucintamente a seguir: Pesquisa Qualitativa: preocupa-se com a compreensão e interpretação de um fenômeno, considerando o significado que os outros dão às suas práticas, o que impõe ao pesquisador uma abordagem hermenêutica. Pesquisa Exploratória: caracterizada pelo desenvolvimento e esclarecimento de ideias, com objetivo de proporcionar uma visão panorâmica e uma primeira aproximação a um determinado fenômeno pouco explorado. Pesquisa de Campo: busca das informações diretamente com a população pesquisada (em nosso caso, os materiais didáticos presentes no laboratório da escola). Assim, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o fenômeno ocorre, ou ocorreu, e reunir um conjunto de informações a serem documentadas. Pesquisa Bibliográfica: remete às contribuições de diferentes autores sobre um assunto (fontes secundárias, como dados escritos em livros, artigos, teses, etc). Pesquisa Documental: recorre a materiais que ainda não receberam um tratamento analítico (fontes primárias, como currículos e outros documentos oficiais). Dessa forma, o trabalho é assim caracterizado, uma vez que buscamos reunir um conjunto de informações a serem documentadas e organizadas, que em nosso caso envolveu o trabalho direto no local e no acervo de experimentos de um laboratório de Física de uma escola pública da cidade de Rio Claro, SP. 3.1. Os materiais e o laboratório Para tal estudo tomamos por base o laboratório didático de Física de uma escola de Ensino Médio situada na cidade de Rio Claro, interior do Estado de São Paulo (Brasil), a 170 km da capital do Estado, com população de cerca de 203 mil habitantes. A escola escolhida possui um importante histórico de colaboração com a formação de professores, cooperando com a Universidade em projetos, como o 11 subprojeto PIBID Física1 da Universidade Estadual Paulista (UNESP, no campus de Rio Claro), ou ainda em atividades de estágio supervisionado de estudantes de Licenciatura em Física. Com apoio da direção da escola, iniciamos em abril de 2016 um processo de identificação de materiais e a tentativa de recuperação do laboratório como espaço didático para a disciplina de Física, como uma das tarefas do projeto de Iniciação a Docência (PIBID UNESP). Nas visitas técnicas para conhecimento das escolas, atividade que realizamos anualmente com novos estagiários do curso de Formação de Professores de Física, dedicamos pelo menos 4 horas a uma visita presencial aos espaços existentes. Tal escola chama especialmente a atenção por possuir espaços específicos de laboratório para disciplinas científicas, de forma que além das salas de aula encontramos um Laboratório Didático de Física, outro para Biologia e outro para Química, situação privilegiada e incomum para escolas mais novas. O prédio da escola atual começou a ser construído em meados de 1945, sendo oficialmente inaugurado em 8 de outubro de 1949, mostrando-se assim uma preocupação com tais espaços desde sua construção na década de 1940. Com o início do trabalho, verificamos que o laboratório de Física mostrava sinais de pouco uso, como materiais empoeirados, depositados em uma sala de preparação sem muita organização. O espaço do laboratório é bastante amplo, contendo dois ambientes: uma sala para o trabalho de estudantes, com 83 m2, e uma sala menor, anexa, para guarda e preparação de materiais, com 22 m2. O acesso a tal espaço provocou surpresas positivas, devido à existência de um espaço amplo e pela quantidade de materiais e surpresas negativas, devido ao estado em que se encontravam os materiais e a aparente falta de utilização dos espaços, como ilustram imagens do mesmo espaço, na foto 1 (como o espaço foi encontrado inicialmente) e na foto 2 (como foi reorganizado após a intervenção aqui relatada) – fotos cedidas pelo acervo do Laboratório de Prática de Ensino, Materiais e Instrumentação Didática (LaPEMID), vinculado ao CEAPLA (Centro de Análise e Planejamento Ambiental) do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP no Campus de Rio Claro, por meio do Núcleo de Educação Continuada. 1 PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, financiado pelo governo federal brasileiro por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O projeto PIBID UNESP (2014-2018) possuía 57 subprojetos, um dos quais era o subprojeto de Física Rio Claro. 12 Foto 1: Materiais na sala de preparo antes do processo de limpeza e organização. Foto 2: Sala de preparo com os experimentos limpos e embalados após a recuperação. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). O trabalho foi desenvolvido em diferentes etapas e frentes. Inicialmente concentramo-nos na limpeza, numeração dos materiais e registros fotográficos, quando possível, com uma escala de referência em centímetros. Nessa etapa elaboramos um inventário sequencial, sem ainda nos preocuparmos em separar os materiais nas diferentes áreas da Física. Depois de limpos, os materiais foram etiquetados de acordo com a numeração do catálogo do inventário inicial e embalados em sacos plásticos. Posteriormente foram organizados nas estantes e nos armários disponibilizados pela direção da escola, na sala de preparação anexa ao laboratório didático, como mostram as fotos 3 e 4. Foto 3: Bolsista realiza 1ª etapa de limpeza dos materiais, retirando pó com pincel. Foto 4; Materiais experimentais após seu processo de limpeza, numeração e embalagem. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). Para a sala do laboratório em si, aproveitamos mesas existentes e alguns armários fechados cedidos pela administração da escola. Para estudar a melhor disposição de mesas e armários, utilizamos um software de arquitetura para 13 planejamento de ambientes, que nos permitiu, utilizando modelos em 3D, propor uma melhor organização do espaço, que assim arrumado foi utilizado em algumas atividades didáticas com estudantes, conduzidas por estagiários do projeto. Aprimorando os primeiros registros, elaboramos uma planilha de identificação a partir das fotos, indicando, quando puderam ser reconhecidos, o nome dos materiais, uma breve descrição, novo número de identificação, a perspectiva da foto e o estado de preservação – se estavam em funcionamento ou danificados – em qual área da Física poderiam ser relacionados e, caso encontrado, material bibliográfico com indicação de seu modo de funcionamento, como mostramos no Quadro 1 de maneira simplificada apenas para dois dos materiais encontrados. Importante mencionar que o Quadro 1 é uma versão simplificada, uma vez que algumas linhas em branco foram omitidas nesta reprodução para simplificar sua apresentação neste trabalho. No caso de materiais danificados, consideramos três diferentes níveis: parcialmente danificados (com pequenos reparos necessários), danificados com necessidade de grandes reparos (tal como o gerador eletrostático da foto 5) ou irrecuperáveis (assim como a caixa de ressonância da foto 6). Foto 5: Máquina de Wimshurst danificada com necessidade de grandes reparos, sem uma das colunas e sem correias para as polias. Foto 6: Caixa de ressonância deteriorada devido à presença de cupim, em estado irrecuperável. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). 14 Nome Original do Arquivo 100_0523 100_1145 Novo Nome do Arquivo E001FMD532000_00001_01 E001FMD532000_00002_01 Tipo do Arquivo JPG JPEG Visão 3 – Superior 1 – Frontal Tipo Laboratório Material Limpo X X Material Sujo Número de Identificação 29 241 Nome Aparato de Haldat Areômetro de Nicholson Área a qual pertence Mecânica De fluidos X X Dos gases Geral Eletromagnetismo Magnetismo Eletricidade Não pertence à física Indefinido Situação Indefinido Em funcionamento X Danificado X Nível de reparo necessário Pequenos reparos Grandes reparos Irrecuperável Indefinido X Bibliografia de Referência Leybold (1969); Freitas (1953) Freitas (1953) Quadro 1: Modelo Esquemático do Inventário dos Materiais do Laboratório Didático. Como mostra o Quadro 1, nos atentamos em associar a área de estudo da Física a qual cada material registrado pertence, bem como a identificação do seu estado de funcionamento. Além disso, para o registro do Novo Nome do Arquivo, foi definido um sistema de nomenclatura para os arquivos de imagem, permitindo a inclusão de novas escolas ou materiais. O Quadro 2 lista as possibilidades para descrição do material que o arquivo de imagem traz. Para gerar o Novo Nome do Arquivo, deve-se selecionar uma opção de cada coluna – qual escola o material pertence, qual área de conhecimento, se é um material didático ou foto da escola, etc. Dedicamos um espaço chamado Subárea que deve ser preenchido de acordo com a referência que a biblioteca da universidade (UNESP, Rio Claro (SP)) utiliza para as diferentes temáticas de cada 15 área de conhecimento. O Quadro 3 exemplifica como fica o preenchimento das informações dos dois materiais apresentados no Quadro 1. Escola Área de Conhecimento Tipo Subárea (Classificação Bibliodata) Nº Objeto E001 – Escola 1 F - Física MD - Material Didático 530000 - Física 00001 E002 – Escola 2 B - Biologia LD - Laboratório Didático (Vista Geral) 530010 - Física (Filosofia) 00002 Q - Química LV - Livro 530020 - Física (Manuais de Laboratório) 00003 M - Matemática ES - Escola 531500 - Gravidade (Física) 00004 SA - Sala de Aula 531550 - Balística 00005 PD - Procedimento 531600 - Energia (Física) 00006 PE - Pessoas 532000 - Mecânica dos Fluidos 00007 Quadro 2: Modelo Esquemático do Código de Referência Para a Nova Nomenclatura dos Arquivos. Escola Área Tipo BiblioData Número Foto Novo Nome E001 F - Física MD 532000 - Mecânica dos Fluidos 00001 01 E001FMD53 2000_00001 _01 E001 F - Física MD 532000 - Mecânica dos Fluidos 00002 01 E001FMD53 2000_00002 _01 Quadro 3: Modelo Esquemático do Preenchimento Para a Nova Nomenclatura dos Arquivos. Depois de terminado o levantamento de materiais encontrados, inventariamos mais de 1700 objetos no laboratório, para os quais foram feitos registros fotográficos com mais de 4000 imagens. Ao analisar os materiais encontrados, identificamos aparatos de diferentes áreas da Física – tais como mecânica, óptica, termodinâmica e eletromagnetismo –, sendo que muitos deles ainda estavam em funcionamento (como o transformador elétrico da foto 7), sobretudo os de mecânica, elétrica e alguns instrumentos de medida. Alguns dos objetos encontrados não foram identificados até o momento, indicando experimentos não usuais e outros conteúdos. Peças de artesanato, como bonecas de papel machê e alguns poucos materiais de geografia também foram encontradas, confirmando os depoimentos informais da direção da escola de que a sala já fora utilizada também para outras disciplinas, em função de sua não utilização para as práticas da disciplina de Física, assim como mostrado na foto 8 sobre o armário de aço. 16 Foto 7: Transformador elétrico em bom estado de funcionamento, com pouco uso. Foto 8: Sala de preparo com experimentos de física e peças de artes. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). A maioria dos materiais mostrava-se bastante empoeirada. Após a limpeza, foi possível, em uma primeira verificação, perceber que alguns deles estavam deteriorados (apresentando cupins, fungos, peças quebradas ou incompletas, sujeira e ferrugem), mas alguns pareciam novos e intactos, como um kit de hidrostática, com vasos comunicantes em vidro bastante fino. A existência de um material frágil e em excelentes condições foi surpreendente, levando em conta a situação de outros materiais, com danos parciais ou totais, evidenciando inclusive que, aparentemente, nunca fora utilizado. Alguns dos materiais identificados possuem vários exemplares, como carrinhos de madeira e roldanas para experimentos de mecânica (foto 9). Outros apresentavam apenas um exemplar, como um quadro com ampolas contendo, supostamente, diferentes gases a baixa pressão para produção de descargas elétricas (foto 10). Também foram encontrados alguns poucos experimentos construídos (como eletroscópios de material reciclado, uma panela de pressão e um chuveiro elétrico), indicando que no passado a construção de projetos foi uma alternativa didática. 17 Foto 9: Carrinhos de madeira para experimentos de mecânica (movimento) foram encontrados em quantidade. Foto 10: Exemplar único de quadro com ampolas para excitação de gases rarefeitos com descargas elétricas. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). 3.2. O laboratório como espaço didático A reorganização, mesmo que parcial, do laboratório didático permitiu aos bolsistas do projeto PIBID utilizar equipamentos e o laboratório em atividades didáticas na escola. Interessante que alguns dos bolsistas, com o manuseio de tais materiais didáticos durante sua limpeza e organização, identificaram que haviam aparatos que poderiam ser utilizados em sala de aula em suas atividades de ensino, tais como molas (utilizado numa aula de ondulatória) e globo terrestre (utilizado numa aula sobre o sistema solar). Dessa forma, independentemente da organização do espaço, algumas das aulas realizadas pelos bolsistas já foram enriquecidas com atividades experimentais. Tais inserções evidenciaram que os materiais experimentais são potencialmente úteis, mesmo em sala de aula comum, corroborando que, com conhecimento do professor no que diz respeito aos materiais existentes e o acesso ao lugar onde estão guardados, já seria possível torná-los didaticamente úteis. Entretanto o uso dos materiais em sala de aula não atendia a outra expectativa de nosso trabalho, qual seja, a tentativa de retomar o laboratório como espaço didático. Neste caso, estudamos o mobiliário disponível e sua organização, utilizando um software de arquitetura, sugerindo diferentes disposições. O resultado de tal trabalho está ilustrado como ficaria na figura 1 (reprodução da tela do computador com a proposta de organização) e como o espaço didático ficou (foto 11). 18 Figura 1: Reprodução do modelo de planta baixa para organização do laboratório, elaborado com o software de arquitetura. Foto 11:Sala de experimentação do laboratório de física após a reorganização. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). Com o avanço da organização do espaço, alguns bolsistas conseguiram desenvolver aulas práticas no laboratório, possibilitando enriquecer as aulas de Física e, com as atividades, também enriquecer a formação dos bolsistas PIBID e dos estudantes do Ensino Médio. Vale ressaltar que antes desta aula tais alunos sequer sabiam da existência do laboratório de Física da escola. 3.3. Desdobramentos da Pesquisa Com o desenvolvimento das atividades da pesquisa outras questões foram surgindo. No trabalho de identificação dos materiais nos deparamos com certos aparatos estranhos para nós inicialmente. Ao procurar referenciais teóricos para reconhecer e descrever o funcionamento dos materiais, começamos a identificar alguns dos quais a princípio desconhecíamos. A partir do nome desses materiais, encontramos novas fontes que traziam, para nossa surpresa, a descrição de outros materiais também presentes no laboratório cuja funcionalidade ainda era desconhecida. Encontramos, por exemplo, alguns museus virtuais e livros da década de 1950, muitos deles de origem europeia. Com base nos referenciais encontrados, comparamos os livros e currículos atuais com os da década de 1950, especulando suas ênfases e influências. Para fins de ordem prática, delimitamos o estudo acerca dos conteúdos referentes à área de Mecânica dos Fluidos. 19 3.4. Pesquisa Bibliográfica e Documental A seguir apresentamos os documentos e bibliografias utilizados para subsidiar o trabalho, que consistiram em livros de Física, antigos e atuais, cujos conteúdos foram comparados com auxílio de mapas conceituais. Para análise e discussão dos elementos da estrutura curricular do curso de Física, da educação básica (em âmbito estadual e nacional) e do ensino superior, estudamos alguns currículos oficiais e o currículo da licenciatura em Física da UNESP, campus de Rio Claro (SP). 3.4.1. Livros antigos e Museus Virtuais Para discutir os conteúdos e aspectos antigos do ensino de física (década de 1950), utilizamos três livros de física, sendo dois deles publicados no Brasil e um publicado na França. Também referenciamos dois museus com repositórios virtuais, ambos de origem europeia (Espanha e Itália). São eles: (a) Livro: "Curso de Física: 4ª série – mecânica, barologia, termologia”. Autor: Aníbal Freitas. Editora e ano de publicação: Edições Melhoramentos, 1953. (b) Livro: "Física para o primeiro ano colegial”. Autor: Francisco Alcântara Gomes Filho. Editora e ano de publicação: Companhia Editora Nacional, 1960. (c) Livro: “Traité élémentaire de physique expérimentale et appliquée et de météorologie”. Autor: Adolphe Ganot. Editora e ano de publicação: Chez L’auteúr - Editeur (Paris), 1868. (d) Museu: “Museo del Ies Canarias Cabrera Pinto”. Origem: San Cristóbal de La Laguna, Espanha, 2012. Acesso em: 15 jul. 2018. (e) Museu: “Museo Virtuale di Fisica”. Origem: Veneza, Itália, 2010. Acesso em: 15 jul. 2018. 20 3.4.2. Pesquisa de conteúdo Para ilustrar as comparações feitas entre os conteúdos dos livros antigos com os atuais, selecionamos três coleções contemporâneas aprovadas pelo Plano Nacional do Livro Didático 2018 e comparamos esses conteúdos através de conceitos detalhados por Nave (2016) em seus mapas conceituais. As obras contemporâneas escolhidas foram: (a) Livro: "Física: Mecânica, 1º ano”. Autor: Bonjorno et al. Editora e ano de publicação: Editora FTD, 2016. (b) Livro: "Física: Interação e Tecnologia, 1º ano”. Autor: Aurelio Gonçalves Filho e Carlos Toscano. Editora e ano de publicação: Editora Leya, 2016. (c) Livro: "Física para o Ensino Médio, 1º ano”. Autor: Kazuhito e Fuke. Editora e ano de publicação: Saraiva Educação, 2016. 3.4.3. Estrutura curricular da Física na Educação Básica e no Ensino Superior Analisamos ainda os aspectos curriculares, quanto a Mecânica dos Fluidos, nos seguintes documentos oficiais: Currículo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2011), Base Nacional Comum Curricular (BRASIL/MEC, 2017), Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL/MEC, 1999), PCN+ Ensino Médio (BRASIL/MEC, 2002) e a Estrutura Curricular da Licenciatura em Física da UNESP, campus de Rio Claro, SP (Rio Claro, SP, 2015). 21 4. A EXPERIMENTAÇÃO E O ENSINO As atividades experimentais despertam o interesse de professores pois acreditam que apenas o uso de experimentos pode tornar as aulas mais agradáveis e, também, facilitar o processo de aprendizagem, uma vez que sua utilização aproximaria o aluno diretamente dos fenômenos (BENETTI, 2015). Contudo, quando docentes são questionados a respeito das causas de não utilizarem atividades experimentais em suas aulas, apontam principalmente quatro grandes deficiências estruturais das escolas: (a) falta de material e de equipamentos; (b) falta de local adequado para realizar as atividades, (c) falta de tempo para o seu preparo; e, por fim, (d) número insuficiente de aulas na carga horária (GASPAR, 2014). Neste trabalho nos detemos em dois aspectos apontados no trabalho de Gaspar (2014), que são a disponibilidade de material e de espaço adequado. A situação do laboratório didático na escola estudada, bem como a variedade de materiais, desvela que o ensino com materiais experimentais já foi uma alternativa didática utilizada por docentes que atuaram nesta escola. As condições em que foram encontrados o espaço e os materiais, entretanto, evidenciam uma mudança de atitude diante de tal possibilidade educativa. Como apontado por Benetti (2015), as atividades didáticas experimentais podem ser mais complexas e demandar maior gasto de tempo do que uma aula expositiva. Entretanto, o papel da experimentação no ensino é ir além da exposição de conceitos, oferecendo condições para a construção de conhecimentos científicos e permitindo ao estudante ir além da manipulação de materiais e vidrarias, ou seja, participar ativamente de um diálogo, fazer observações, coletar e organizar dados, formular hipóteses, compartilhar ideias e, talvez, rever algumas concepções prévias. Pode-se perceber que desenvolver atividades experimentais não torna o trabalho do professor mais fácil, uma vez que seus objetivos são maiores do que apenas oferecer conceitos teóricos. Além disso, atividades experimentais não se enquadram no trabalho didático centrado na resolução de listas de exercícios e descrição de conceitos e fórmulas, que é uma forma tradicional de ensino muito comum entre os professores de Ciências, como já apontava Krasilchik em 1987. 22 4.1. Concepções de Laboratório Didático Existem diferentes concepções de laboratórios didáticos que baseiam diversos usos de atividades didáticas experimentais no Ensino de Física, tais como os apresentados nos trabalhos de Ferreira (1978) e Andrade (2011). O quadro 4 é uma adaptação do trabalho de Silva (2012), contendo um resumo sobre as principais características das concepções de laboratórios destacadas por Ferreira e Andrade. Concepções de Laboratórios Didáticos Papel do Aluno Objetivo Meta Papel do Professor Tradicional Executor Verificar/comprovar leis e teorias e ensinar o método científico Elaboração do relatório experimental Legitimador Divergente Executor Ensinar habilidades práticas e ensinar o método científico Discussão com o professor a fim de validar suas hipóteses e corrigir os erros Orientador/ Legitimador Demonstrativo Observador Facilitar a aprendizagem e a compreensão dos conceitos Acompanhamento do raciocínio lógico do processo demonstrativo Reprodutor De Projetos Executor Ensinar o método científico Desenvolvimento de um ensaio experimental novo Orientador Biblioteca Executor Ensinar habilidades práticas Elaboração de um relatório experimental Legitimador Redescoberta Executor Verificar/comprovar leis e teorias e ensinar o método científico Verificação/comprovação da lei ou teoria Orientador Com ênfase na Estrutura do Experimento Executor Facilitar a aprendizagem e a compreensão de conceitos e ensinar habilidades práticas Identificar a estrutura do experimento Orientador Sob enfoque Epistemológico Executor Facilitar a aprendizagem e a compreensão de conceitos e ensinar habilidades práticas Estabelecer conexões entre eventos, fatos e conceitos envolvidos na experimentação Orientador Didático Investigativo Participativo Explorar fenômenos Registro da atividade experimental Mediador Quadro 4: Concepções de Laboratório Didático segundo Ferreira (1978) e Andrade (2011), adaptado de Silva (2012). No laboratório didático estudado foram encontrados diversos tipos de aparatos experimentais e em diferentes quantidades. Dentre eles: alguns poucos experimentos construídos (panela de pressão, chuveiro elétrico e alguns eletroscópios); diversos carrinhos de madeira para experimentos de Mecânica; e exemplares únicos da área de Mecânica dos Fluidos, entre outros. Tal variedade evidencia a possibilidade de aulas com diferentes organizações, como (a) a atuação direta dos estudantes (possivelmente em grupo), (b) em outros casos aulas demonstrativas e (c) a realização de projetos, associadas a diferentes abordagens 23 didáticas, como o laboratório tradicional, o laboratório de cátedra e o laboratório de projetos (FERREIRA, 1978; ANDRADE, 2010). Desta forma, destacamos algumas dessas concepções vista suas relações com nosso trabalho e o laboratório estudado. . Laboratório Didático Tradicional: Também conhecido como Laboratório Didático Convencional ou Laboratório Didático Programado, é bem estruturado e, através de roteiros de trabalho, os alunos realizam os experimentos, verificam leis ou fenômenos e aprendem o método científico. Ao permitir que o aluno siga o roteiro de atividades passo-a-passo, essa abordagem facilita o planejamento de uma atividade dentro do tempo de aula, pois o aluno é guiado ao objetivo desejado, tornando-se a mais utilizada. Apesar de bem estruturado, o aluno coloca-se diante de algumas situações nas quais deve assumir o papel de executor da prática, mesmo que apenas em relação ao manuseio dos instrumentos de medição. Laboratório Didático Demonstrativo: O Laboratório Didático Demonstrativo não envolve o aluno no seu desenvolvimento, de modo que o professor demonstrará aos alunos uma experimentação para ilustrar os conceitos físicos a fim de facilitar a sua aprendizagem e despertar seu interesse pela ciência. O professor é o único a interagir com os experimentos. Uma crítica comum a essa abordagem é que, sem a participação dos alunos, quem se diverte com a experimentação normalmente é o professor. Laboratório de Projetos: O Laboratório de Projetos é a proposta de laboratório que permite ao estudante uma participação quase autônoma no processo didático. Nele o aluno pode organizar um cronograma para a realização das tarefas de laboratório, com ampla disponibilidade no horário de uso das instalações e de supervisão, e possui liberdade na tomada de decisões de suas ações. Dar-se-á ao aluno a possibilidade de uma atuação na planificação e elaboração do seu trabalho, material a utilizar, etc. 24 5. MATERIAIS DESCONHECIDOS (MISTERIOSOS) PARA O ENSINO DE FÍSICA ATUAL No trabalho de seleção e identificação dos materiais nos deparamos com uma variedade notável de um aparato bastante incomum, a princípio desconhecido por nós, indicado nas fotos 12 a 14. Em outra frente de trabalho, no acervo da biblioteca da Universidade, buscamos referenciais teóricos para tentar obter informações sobre as aplicações e o funcionamento dos materiais, pesquisando livro a livro da área de Física. No caso do areômetro tivemos alguns resultados promissores, ao localizá-lo na edição de 1953 do livro “Física: 1º Livro – Ciclo Colegial”, do autor Aníbal Freitas. Dessa forma pudemos identificar o aparato como o Areômetro de Nicholson, utilizado para determinar a densidade de sólidos (figura 2). Fotos 12, 13 e 14: O areômetro em 3 versões diferentes encontradas, sem que ainda soubéssemos do que se tratava. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). Figura 2: Fac-simile do livro de Freitas (1953) que descreve brevemente o funcionamento do Areômetro de Nicholson. Fonte: Freitas (1953). Posteriormente, com essa informação, localizamos outras fontes como alguns sites dedicados aos registros de materiais experimentais antigos, como o Museo del Ies Canarias Cabrera Pinto (2018), da Espanha, e o Museo Virtuale di Fisica (2018), 25 da Itália. Em tais sites encontramos descrições deste aparato em livros datados, sobretudo, em meados do século XIX e início do século XX. É o caso de obras localizadas no site do Museo del Ies Canarias Cabrera Pinto (2018) – Tratado elementar sobre física (GANOT, 1868), Elementos de Física e Química (PICATOSTE, 1889), Tratado de física elementar (VALLADARES, 1900) e Catalogue méthodique: Physique (1910) –, evidenciando que a presença de areômetros no laboratório estudado poderia ter como referência essa abordagem de conteúdo nos laboratórios didático do século XIX, referência que se perdeu com influência de outros projetos americanos e europeus das décadas de 1960 e 1970. Pelo que estudamos até o momento, o aparato presta-se a obter a gravidade específica (ou densidade relativa) de materiais que não são solúveis no líquido onde ele for mergulhado – devendo, o líquido, estar dentro de uma coluna, tal como uma proveta (ver figura 2). Para realizar o experimento (GANOT, 1868), deve-se inicialmente introduzir o areômetro em um reservatório com água e encontrar o peso que é necessário colocar no prato do areômetro para calibrá-lo, ou seja, que uma marcação existente no areômetro na haste superior que liga o prato ao cilindro (ver foto 15 item (b)) atinja o nível da água, pois, quando vazio, ele fica com grande parte emersa da água (como se vê na ilustração da figura 2). Foto 15: Areômetro de Nicholson, composto por: (a) prato na parte superior; uma haste com (b) índice que indica o ponto de afloramento (marcação); um (c) cilindro oco; e uma (d) cesta na parte inferior (que deve ficar submersa). Fonte: Acervo LaPEMID (2016). Suponhamos que, ao mergulhar o areômetro em água, o peso para calibrá-lo que se coloca no prato superior seja correspondente a uma massa de 160 gramas. Em seguida deve-se colocar a amostra do material M a ser testado (por exemplo, um sólido não solúvel em água, como uma moeda de bronze), com uma massa menor 26 que a do peso necessário para calibrar o instrumento. É preciso, então, adicionar pesos no prato até que a marcação da haste do areômetro atinja o nível da água novamente (equilíbrio). Se tivesse que ser adicionado um peso de massa 60 g, a massa do fragmento em estudo seria a diferença entre 160 e 60, ou seja, 100 g (M1). Determinado o peso do corpo em estudo ao ar livre, é necessário procurar um volume igual de água. Para isto, repete-se o procedimento colocando-se o mesmo fragmento M na cesta da parte inferior do areômetro, que ficará imersa na água. Embora a massa do instrumento não tenha mudado, devido ao empuxo ascendente que atua sobre a amostra imersa na água, a flutuação do medidor será diferente do que a que foi obtida com a amostra no prato quando imersa no ar – consequência direta do princípio de Arquimedes. A perda aparente de peso envolvendo a amostra do material será quantificada pela adição de um número de pesos no prato para que a marcação na haste do areômetro atinja, novamente, o nível da água, agora com a amostra imersa, obtendo-se assim uma medida M2. A relação entre M1 e M2 será a gravidade específica do corpo M. Assim com duas medidas e uma divisão, obtém-se a densidade relativa. Se a substância cujo peso específico procurado for menor que da água, ela tenderá a flutuar e não permaneceria no prato inferior (cesta) quando houver a imersão. Para tanto, o problema é resolvido com uma pequena malha de arame móvel com a função de conter a amostra dentro da cesta que fica submersa. Ademais, o restante do procedimento é idêntico ao que acabamos de descrever. Segundo Valladares (1900) a importância de determinar a densidade dos materiais com um aparato como este se dá, por exemplo, na mineralogia, por se tratar de um objeto portátil que serve de balança e pode fornecer a densidade de minérios e demais corpos encontrados nas atividades de mineração, possibilitando sua identificação e caracterização. A partir de tais fontes, começamos a identificar outros materiais que também eram desconhecidos por nós, como o Areômetro de Fahrenheit (Foto 16) e o Aparato de Haldat (Foto 17). No entanto, mesmo com auxílio dessas bibliografias e manuais de materiais experimentais, ainda existem materiais que não conseguimos identificar, indicando experimentos e conteúdos não usuais atualmente para o Ensino de Física no nível médio da Educação Básica. 27 Foto 16: Areômetro de Fahrenheit. Foto 17: Aparato de Haldat. Fonte: Acervo LaPEMID (2016). Tal como o Areômetro de Nicholson, outros objetos experimentais foram encontrados e se encontram em excelente estado de conservação e aparentemente sem uso, como um kit de hidrostática ou exemplares de esferômetros. 5.1. Experimentos não usuais que vão sendo esquecidos e podem se perder A dificuldade de identificação de materiais experimentais não é uma exclusividade de nosso estudo nesse laboratório. Num dos sites já citados, o Museo Virtuale di Fisica (2018), da Itália, uma aba chamada “Seção de instrumentos misteriosos” é dedicada à exposição de dispositivos ainda não reconhecidos que estão presentes no acervo do Departamento de Física da Escola Secundária Foscarini (Ensino Médio), em Veneza. Neste caso, está disponível um arquivo digital com fotos de cada dispositivo cujo nome, funcionamento e/ou finalidade ainda não foram identificados, como os exemplares das fotos 18 e 19. Foto 18: “Dispositivo de Masson” – nome fictício dado ao dispositivo desconhecido. Supõe-se que pertença a seção de Mecânica dos Fluidos. Foto 19: “Campanetta de vidro” – dispositivo desconhecido. Supõe-se que pertença a seção de Mecânica dos Fluidos. Fonte: Museo Virtuale di Fisica (2018) 28 6. A FÍSICA, LIVROS DIDÁTICOS E CURRÍCULOS Neste capítulo apresentamos uma análise de evidências de mudanças ocorridas nos currículos de Física da Educação Básica tomando por base o desaparecimento de tópicos de “Mecânica dos Fluidos” nos livros didáticos. No laboratório estudado foram encontrados mais de 70 aparatos experimentais referentes à Mecânica dos Fluidos, como o Areômetro de Nicholson – aparato para o qual encontramos dificuldade em sua identificação. Muitos desses materiais eram estranhos e desconhecidos por nós, a princípio, o que ensejou na nossa decisão de focalizar, neste momento, essa área da física e seus aparatos experimentais correlatos para depois estudarmos outras áreas – visto o prazo curto para o desenvolvimento de nossas atividades. 6.1. Estudo sobre o desaparecimento de tópicos da Mecânica dos Fluidos Analisamos, então, as mudanças curriculares ocorridas nos documentos oficiais, partindo de suas influências em livros didáticos. Como base para a comparação consideramos, particularmente nos tópicos classificados como “Mecânica dos Fluídos”, a coleção de Aníbal Freitas (Física: 1º Livro – Ciclo Colegial, 1953) e três coleções contemporâneas aprovadas no Programa Nacional do Livro Didático 2018: “Física: Mecânica, 1º ano” (BONJORNO et al., 2016), “FÍSICA: INTERAÇÃO E TECNOLOGIA, 1º ano” (FILHO e TOSCANO, 2016) e “FÍSICA PARA O ENSINO MÉDIO: Mecânica, 1º ano” (KAZUHITO e FUKE, 2016). Os conteúdos de Mecânica dos Fluidos presentes nestes livros foram comparados com os conceitos detalhados por Nave (2016), através de seus mapas conceituais (Figuras 3, 4 e 5), bastante difundidos entre professores e pesquisadores. Por conter uma grande variedade de assuntos de Física, é conveniente para nosso trabalho, uma vez que engloba todos os conteúdos de Mecânica dos Fluidos presentes nas coleções contemporâneas analisadas e muitos tópicos comumente abordados no ensino superior. 29 Figura 3: Mapa conceitual com as áreas de estudo da Física. Fonte: Nave (2016). Tradução nossa. Figura 4: Mapa conceitual com as subáreas da Mecânica. Fonte: Nave (2016). Tradução nossa. Eletricidade e Magnetismo Luz e Visão Som e Audição Relatividade Astrofísica Física Quântica Física Nuclear Calor e Termodinâmica Matéria Condensada Mecânica Conservação de Momentum Mecânica Velocidade e Aceleração Leis de Newton Massa Forças Gravidade Trabalho, Energia e Potência Princípio do Trabalho-Energia Movimento Periódico Conservação de Energia Leis de Conservação Conservação de Momento Angular Movimento Circular Sólidos Exemplos Unidades Físicas Fluidos Órbitas Rotação Torque Equilíbrio Operações Vetoriais descreve movimento com e as causas do movimento com usando tal como e as condições para e e como incluindo e usa descreve descreve é fundada sobre forças em ação envolvem e isso causa desenvolve 30 Figura 5: Mapa conceitual com conteúdos da Mecânica dos Fluidos. Fonte: Nave (2016). Tradução nossa. Importante mencionar que o livro de 1953 descreve estar de acordo com os programas oficiais da época: portarias nº 966, de 2 de outubro de 1951, e nº 1045, de 14 de dezembro de 1951, do Ministério da Educação e Saúde. Ou seja, representa o currículo do nível Colegial daquele tempo (correspondente ao atual Ensino Médio) e pode ser um dos fatores que explicam a existência de tais materiais no laboratório da escola, visto que a aquisição dos materiais deve ter sofrido influência direta dos conteúdos previstos pelos programas da época. 6.1.1. Física: 1º Livro – Ciclo Colegial, Freitas (1953) As portarias nº 1.045 (de 14 de dezembro de 1951) e nº 966 (de 2 de outubro de 1951), as quais o livro de Freitas (1953) se adequava, previam que assuntos como “[...] densidade e peso específico; massa específica da água, determinação do volume de um corpo insolúvel; determinação da densidade dos corpos sólidos e líquidos, areômetros [...]” (BRASIL, 1952, p. 74), integravam os planos de desenvolvimento dos programas mínimos de ensino secundário e respectivas instruções metodológicas. Fluidos Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao 31 Os conteúdos presentes no livro de Freitas (1953) que puderam ser identificados nos mapas conceituais de Nave (2016) estão destacados em verde na Figura 6. Figura 6: Mapa de Nave (2016) demarcado com os conteúdos de Freitas (1953). Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. Apesar de Nave (2016) apresentar uma grande variedade de assuntos (teóricos e experimentais) de Física em seu trabalho, ainda assim não foram identificados alguns conteúdos, como é o caso dos areômetros e suas aplicações. Com o passar dos anos boa parte desses assuntos foram desaparecendo dos livros didáticos de Física. 6.1.2. Física: Mecânica – 1º ano, BONJORNO et al. (2016) Analisando o livro “Física: Mecânica, 1º ano” (BONJORNO et al., 2016), identificamos a presença dos seguintes tópicos na “Unidade 6 – Mecânica dos Fluidos” (Capítulo 14: Hidrostática e Hidrodinâmica):  O que é um fluido;  O que é pressão;  Massa Específica e Densidade;  Pressão Atmosférica; Fluidos Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao 32 o Medida de Pressão Atmosférica;  Pressão exercida pelos líquidos; o Teorema de Stevin; o Pressão Sanguínea.  Vasos Comunicantes;  Princípio de Pascal; o Prensa Hidráulica.  Empuxo; o Teorema de Arquimedes; o Corpos Imersos e Flutuantes; o Tensão Superficial.  Hidrodinâmica. o Tipos de Escoamento; o Princípio de Bernoulli. Tais conteúdos puderam ser identificados nos mapas de Nave conforme figuras 7 e 8. Figura 7: Mapa de Nave (2016) demarcado com os conteúdos de Bonjorno et al. (2016). Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. Mecânica Velocidade e Aceleração Leis de Newton Massa Forças Gravidade Trabalho, Energia e Potência Princípio do Trabalho-Energia Movimento Periódico Conservação de Energia Leis de Conservação Conservação de Momento Angular Conservação de Momentum Movimento Circular Sólidos Exemplos Unidades Físicas Fluidos Órbitas Rotação Torque Equilíbrio Operações Vetoriais descreve movimento com e as causas do movimento com usando tal como e as condições para e e como incluindo e usa descreve descreve é fundada sobre forças em ação envolvem e isso causa desenvolve 33 Figura 8: Mapa de Nave (2016) demarcado com os conteúdos de Bonjorno et al. (2016). Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. Nesta obra, assuntos como massa específica e densidade se resumem, por exemplo, apenas a uma sucinta explicação e ao cálculo matemático dessas grandezas, com maior enfoque a corpos sólidos e sem referência a experimentos, ao contrário do livro de Freitas (1953), que trás uma grande abordagem de tópicos da Mecânica dos Fluidos e tipos de densidade, densímetros e areômetros. Observou-se no livro de Bonjorno et al. (2016) o predomínio de conteúdos derivados de Pressão e Princípio de Pascal. 6.1.3. FÍSICA: INTERAÇÃO E TECNOLOGIA – 1º ano, GONÇALVES FILHO e TOSCANO (2016) Identificamos neste caso que o livro traz somente um capítulo intitulado “Estática dos Fluidos”, muito mais resumido que o livro de Bonjorno et al. (2016), em termos de conteúdos de Mecânica dos Fluidos. Como o título do capítulo sugere, o livro se propõe a tratar assuntos de hidrostática, excluindo, em geral, assuntos relacionados a hidrodinâmica. Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao Fluidos Pressão 34 Figura 9: Mapa de Nave (2016) demarcado com os conteúdos de Gonçalves Filho e Toscano (2016). Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. Esta obra retrata o Experimento de Torricelli, Vasos Comunicantes e Pressão Atmosférica, conteúdos que estão descritos em “Outros Exemplos” no trabalho de Nave (2016). 6.1.4. FÍSICA PARA O ENSINO MÉDIO: Mecânica – 1º ano, KAZUHITO e FUKE (2016) O livro de Kazuhito e Fuke (2016) é dividido por unidades, sendo elas:  Unidade 1: Cinemática Escalar;  Unidade 2: Cinemática Vetorial;  Unidade 3: Dinâmica;  Unidade 4: Estática. A abordagem sobre mecânica dos fluidos, neste livro, se restringe ao último capítulo da última unidade (Unidade 4) do livro. Como no caso do livro de Gonçalves Filho e Toscano (2016), o livro de Kazuhito e Fuke (2016) também exclui de seu corpo os assuntos referentes a hidrodinâmica, que de acordo com a divisão dos temas neste livro, deveria compor um capítulo da Unidade 3, onde são tratados assuntos de dinâmica. Ressaltamos ainda o papel secundário que os autores implicitamente dão à mecânica dos fluidos quando resumem tanto o assunto (ao Fluidos Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao 35 retratarem, de forma sucinta, apenas a hidrostática) e o apresentam apenas no último capítulo (capítulo 19), uma vez que provavelmente poucos professores chegariam neste tópico com seus alunos da 1ª série do Ensino Médio, caso seguissem sequencialmente os capítulos do livro no decorrer do ano. Comparando com os conteúdos de Nave (2016), temos: Figura 10: Mapa de Nave (2016) demarcado com os conteúdos de Kazuhito e Fuke (2016). Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. 6.1.5. Aspectos em comum das coleções estudadas Para ilustrar os tópicos em comum entre as coleções didáticas estudadas, elaboramos a Figura 11, onde destacamos os conteúdos de Mecânica dos Fluidos que aparecem, simultaneamente, em todas as quatro coleções anteriormente analisadas. Fluidos Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao 36 Figura 11: Mapa de Nave (2016) demarcado com os tópicos em comum entre as coleções didáticas estudadas. Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. Percebemos, dessa forma, uma grande importância dada aos tópicos correlacionados a Pressão e Princípio de Pascal, ao passo que assuntos correlatos a Tensão da Parede e Força de Arrasto são, de maneira geral, temas secundários. 6.1.6. Currículo do Estado de São Paulo, São Paulo (2011) No documento são “apresentados elementos para subsidiar os professores em suas escolhas e práticas, explicitando-se, com os conhecimentos físicos a serem desenvolvidos, tanto habilidades e competências como atitudes e valores que a escola deveria promover no Ensino Médio” (São Paulo, 2011). Ou seja, o professor ainda possui autonomia para delinear boa parte dos assuntos a serem tratados. Em contrapartida, se um professor que em sua formação foi deficitário alguns assuntos, como a Mecânica dos Fluidos, dificilmente este docente optará por dar aulas desses assuntos ou se aprofundar neles. O Currículo do Estado de São Paulo possui um quadro de conteúdos e habilidades em Física onde explicita muitos tópicos a serem abordados nas aulas de Física, dando um direcionamento maior que os demais documentos oficiais. No entanto, ao pretender listar conteúdos, como esperado, deixa muitas questões em Fluidos Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao 37 aberto, como assuntos relacionados à Mecânica dos Fluidos – que se resume apenas a “Condições para o equilíbrio de objetos e veículos no solo, na água ou no ar, caracterizando pressão, empuxo e viscosidade” e “prensas hidráulicas”. Vale ressaltar que o termo “Mecânica dos Fluidos” não aparece no documento. Figura 12: Mapa comparativo entre os conteúdos de Nave (2016) e o Currículo do Estado de São Paulo: Ciências da Natureza e suas Tecnologias (2011). Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. Segundo o Currículo do Estado de São Paulo, “no intervalo de tempo destinado, dentro da educação média, ao ensino de Física e às competências e habilidades correlatas, fica impossível tratar de todos os tópicos da Física. Será necessário fazer escolhas que dependem da realidade escolar e estabelecer os critérios que levem em conta os processos e fenômenos físicos mais relevantes no mundo contemporâneo” (SÃO PAULO, 2011). Ou seja, o documento deixa claro a preferência e enfoque que deve ser dado aos assuntos do mundo contemporâneo, no que tange Ciência, Tecnologia e Sociedade. Embora os tópicos contemporâneos tenham sua importância reconhecida, em contrapartida isso pode acarretar no esquecimento de outros assuntos, ao abrir mão destes, como no caso do estudo de areômetros e outros tipos de densidade, apresentados neste trabalho, que hoje são estranhos, e até mesmo misteriosos, para os currículos e o Ensino de Física atual. Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao Fluidos Pressão 38 6.1.7. Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Brasil (2018) De acordo com a BNCC, “no Ensino Médio a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias deve garantir aos estudantes o desenvolvimento de competências específicas”, que são: “1. Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas relações entre matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional e/ou global. 2. Construir e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar decisões éticas e responsáveis. 3. Analisar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e tecnológico e suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens próprios das Ciências da Natureza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).” (BRASIL, 2018) Relacionadas a cada uma delas, são indicadas, posteriormente, as habilidades a serem alcançadas na etapa do Ensino Médio. Não são explicitados os conteúdos mínimos que devem ser abordados na educação básica – uma vez que não se propõe a isso. Assim, Mecânica dos Fluidos também fica de fora da BNCC, pois não são feitas nem menções indiretas. De maneira geral, os documentos oficiais atuais, aqui estudados, com exceção do Currículo do Estado de SP, não trazem consigo um quadro com os conteúdos mínimos. São documentos norteadores cujo enfoque se faz em apresentar as Competências e Habilidades gerais a serem trabalhadas. Dá-se maior autonomia e flexibilidade para as escolas e os professores quanto à escolha dos conteúdos, devendo privilegiar o contexto científico, cultural e social em que estão inseridas. 6.1.8. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN e PCN+) Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, PCN (BRASIL/MEC, 1999) e PCN+ (BRASIL/MEC, 2002), também não trazem um quadro de conteúdos (apenas de competências). No entanto são citados alguns poucos 39 assuntos que são de estudo da Mecânica dos Fluidos, como “formas de abastecimento de água”, “relação entre a vazão de entrada e de saída de um sistema hidráulico” e “força viscosa”, apesar de não fazerem menção direta à Mecânica dos Fluidos. Além disso, apresentam seis temas estruturadores, com unidades temáticas, que devem ser seguidos e estudados, servindo como norteadores. Assim como o próprio documento cita, “não se trata de uma lista de tópicos, mas da tentativa de exemplificar como pode ser concretizada uma associação entre competências e conhecimentos, visando aos objetivos formativos desejados” (BRASIL/MEC, 2002). Figura 13: Mapa comparativo entre os conteúdos de Nave (2016) e o PCN (1999) e PCN+ (2002). Fonte: Nave (2016). Adaptação e tradução nossa. A densidade, entretanto, aparece como parte dos conhecimentos de Química. 6.1.9. Estrutura Curricular da Licenciatura em Física – UNESP, campus de Rio Claro (2015) De acordo com a ementa do curso de Licenciatura em Física da UNESP, campus de Rio Claro (SP), estrutura curricular de 2015, assuntos relacionados a Mecânica dos Fluidos estão presentes, somente, nas disciplinas Física I (carga de 180h ao longo do primeiro ano letivo – seriação ideal) e Laboratório Avançado de Fluidos Viscosidade Tensão Superficial Princípio de Pascal Princípio de Arquimedes Equação de Bernoulli Energia Cinética Energia Potencial Pressão Pressão Hidráulica Freios Hidráulicos Outros Exemplos Energia Interna Difusão Osmose Fluidos Não- Newtonianos Tensão da Parede Leis de Laplace Capilaridade Pressão Hidrostática Empuxo Lei de Poiseuille Exemplos de Fluxo Sanguíneo Efeitos de Turbulência Transporte Através de Membranas Força de Arrasto tem tem em movimento é caracterizado por assim como e resumida na e e e levando a levando a em repouso obedece ao leva ao 40 Física I (carga de 60h ao longo do 2º semestre do primeiro ano letivo – seriação ideal), enquanto disciplinas obrigatórias, e na disciplina optativa Mecânica dos Fluidos (carga de 60h, oferecida a partir do 3º ano com duração de um semestre). O objetivo da disciplina de Física I, segundo seu programa de ensino, é “introduzir os conceitos fundamentais da Física de uma forma mais profunda e completa com o auxílio da álgebra vetorial e cálculo diferencial e integral”. Em seu Conteúdo Programático estão previstos 16 tópicos diferentes, sendo “Fluidos” o 12º tópico. Em Laboratório Avançado de Física I, estão previstos 9 tópicos em seu Conteúdo Programático. O único que se relaciona com Mecânica dos Fluidos é o 7º tópico: Massa específica de sólidos. Por fim, existe uma disciplina própria de Mecânica dos Fluidos, que, embora contemple uma grande variedade de assuntos desta área de estudo, se trata de uma disciplina optativa, o que reforça seu caráter secundário na formação de professores. 6.2. Livros Didáticos: Veículo de Ênfases Curriculares Comumente o livro como recurso didático tem servido também para complementar, fora da universidade, a formação deficiente do professor ou, pelo menos, para mantê-lo atualizado. Entretanto, muitos de nossos professores costumam se apegar a um único livro de texto, a ponto de tornar suas aulas uma simples repetição do que nele está escrito. Trata-se, geralmente, de insegurança (por não dominar o conteúdo) ou conveniência do professor (MOREIRA e ATX, 1986). Uma das consequências de tal atitude didática é que as aulas desse professor serão orientadas, mesmo que implicitamente, pelas “mensagens” que esses livros veiculam, transferindo ao livro uma autoridade que deveria estar no preparo e nas convicções do professor. Todo texto didático (tal como os livros didáticos) reflete uma determinada orientação. Moreira e Axt descrevem que essas orientações são o que podemos definir como “ênfases curriculares”. Sistematizamos a seguir algumas ênfases curriculares, presentes no trabalho de Moreira e Axt, que foram identificadas por Roberts (1982). 41 Ênfase Curricular “Conjunto de Mensagens” trazidas pela ênfase Ciência do Cotidiano A ciência como um importante meio para entender e controlar o ambiente, seja ele natural ou tecnológico. Estrutura da Ciência Como a ciência funciona intelectualmente em seu crescimento e desenvolvimento. Ciência, Tecnologia e Sociedade Distingue ciência e tecnologia e, subsequentemente, distingue considerações científico/tecnológicas de considerações, carregadas de valores, envolvidas na tomada de decisões políticas e sociais. Desenvolvimento de “Habilidades Científicas” Focaliza o desenvolvimento de habilidades fundamentais necessárias em atividades científicas. Explicações Corretas Concentra-se quase exclusivamente em produtos. Refere-se a autoridade dos especialistas como fator de legitimidade da correção de determinadas explicações científicas. Indivíduo como explicador O estudante recebe a mensagem de que a humanidade da ciência é sua própria humanidade e que ele é também um explicador de eventos. Fundamentação Sólida Nesta ênfase, o ensino de ciências em cada nível de escolarização deve servir de base para a aprendizagem de ciências no próximo nível. Quadro 5: Ênfases Curriculares identificadas por Roberts (1982). Dessa forma, é valido ressaltarmos que tanto os livros didáticos publicados atualmente, quanto os livros de décadas atrás, tal como os que estudamos aqui, trazem consigo um conjunto de mensagens que são reflexos de uma intencionalidade dos autores e currículos de cada época. Segundo Moreira e Axt (1986), o ensino de Física no Brasil apresenta, desde as épocas mais remotas, uma grande influência da ênfase curricular da “fundamentação sólida”. Tal constatação é corroborada no estudo de Lorenz (apud MOREIRA e AXT, 1986), que objetivou identificar os livros de ciências adotados no Colégio Pedro II durante o século XIX, mostrando – ao lado do fato de os bons livros didáticos da época serem quase exclusivamente de origem francesa – que se utilizam “as melhores obras disponíveis”, sendo mantido um forte programa de ensino teórico. Os programas curriculares desse colégio foram usados, posteriormente, como modelo por autores brasileiros, tais como Aníbal Freitas (1953) e Francisco Alcântara Gomes Filho (1960), sendo natural, assim, que as obras desses autores apresentassem forte influência de livros de autores franceses, mantendo a mesma ênfase curricular: ênfase curricular da “fundamentação sólida”. Verificamos que de fato houve influência europeia, sobretudo francesa, no Ensino de Física de algumas décadas atrás. Ao comparar a obra de Aníbal Freitas 42 (“Física: 1º Livro – Ciclo Colegial”, 1953) e Francisco Alcântara Gomes Filho (“Física para o primeiro ano colegial”, 1960) com o livro de Adolphe Ganot (“Traité élémentaire de physique expérimentale et appliquée et de météorologie”, 1868), francês professor de matemática e física, identificamos grandes similaridades entre as obras. Apresentamos nas figuras 14, 15 e 16 o trecho do livro dos três autores em que descrevem brevemente o funcionamento do Areômetro de Nicholson. Figura 14: Fac-simile do livro de Ganot (1868) que descreve brevemente o funcionamento do Areômetro de Nicholson. Fonte: Ganot (1868). Figura 15: Fac-simile do livro de Freitas (1953) que descreve brevemente o funcionamento do Areômetro de Nicholson Figura 16: Fac-simile do livro de Gomes Filho (1960) que descreve brevemente o funcionamento do Areômetro de Nicholson Fonte: Freitas (1953). Fonte: Gomes Filho (1960). 43 Notamos, de fato, certas semelhanças entre as três obras, tais como nas ilustrações, formatação, conteúdos e a distribuição dos conteúdos. Aparentemente, Adolphe Ganot foi o primeiro a publicar a obra, que viria a ser, posteriormente, traduzida e publicada em outros países, como mostramos no Brasil (apesar de não fazerem menção ao trabalho de Ganot). Nas coleções contemporâneas, que refletem os currículos atuais, verificamos que boa parte dos conteúdos previstos nas portarias nº 1.045 (de 14 de dezembro de 1951) e nº 966 (de 2 de outubro de 1951), presentes no livro de Freitas (1953), desapareceram dos livros didáticos publicados atualmente, inclusive qualquer menção ao aparelho “areômetro”. Além disso, ao estudar o Currículo do Estado de São Paulo (2011), percebemos que conceitos como “densidade” sequer aparecem nos Conteúdos ou Habilidades de Física do Ensino Médio. Ela passou a ser abordada nas aulas de Ciências, no 9º ano do Ensino Fundamental e nas aulas de Química do 1º e 3º ano do Ensino Médio, mostrando perda de relevância desses conteúdos no Ensino de Física. A densidade é trazida de forma sucinta e objetiva já desde a chegada do projeto de ensino americano Physical Science Study Commitee (PSSC) ao Brasil, em 1963, com sua tradução para o português pela Editora Universidade de Brasília. Devido à influência de projetos como o PSSC, grandes mudanças aconteceram na forma de ensinar Física, alterando abordagens e o foco de determinados conteúdos correntes na época em que foram implementados.De maneira geral, alguns assuntos, como hidrostática e até mesmo alavancas, estão cada vez menos presentes nos livros didáticos publicados atualmente. Além disso, encontram-se igualmente ausentes na formação de professores no Ensino Superior já há algumas décadas. Tais fatores possivelmente implicaram em nossa dificuldade de reconhecimento do Areômetro de Nicholson e de alguns outros materiais do laboratório. Justificam também em parte a situação de desuso dos mesmos, embora existam, no caso do areômetro, muitos exemplares. Assim, as dificuldades de reconhecimento de alguns equipamentos e conteúdos evidenciam que a formação de professores foi reduzida e empobrecida em termos de conhecimentos culturais de Física. Consideramos que os saberes disciplinares e curriculares, apontados por Gauthier (1998), são expressos nos conteúdos da formação inicial e nos manuais didáticos. 44 6.3. Gauthier e os saberes docentes A docência, segundo Gauthier (1998) é uma prática que articula diferentes saberes, formando uma espécie de reservatório no qual o docente se abastece para responder as exigências específicas que o ensino demanda. Esses saberes são representados por Benetti (2004) na figura 17. Figura 17: Saberes necessários à docência segundo Gauthier. Fonte: Benetti (2004). Enfatizamos dois desses saberes devido sua relevância para nosso trabalho: os saberes disciplinares e os saberes docentes. Tais saberes são descritos por Benetti (2004) como: Saberes Disciplinares: Conjunto de conhecimentos acumulados nas diferentes áreas de conhecimento, produzidos por pesquisadores e cientistas, e que se apresentam consolidados, por exemplo, nas disciplinas da faculdade. Para ensinar, os professores fazem uso desse conhecimento acumulado socialmente, mas não os produzem. Saberes Curriculares: São os conhecimentos selecionados para compor programas escolares. Eles nortearão o trabalho do professor, não sendo, porém, por eles produzidos. Os saberes curriculares são materializados, por exemplo, nas Propostas e Parâmetros 45 Curriculares. No Brasil, os livros didáticos procuram expressar esse conhecimento curricular. No Brasil, os livros didáticos visam exteriorizar o conhecimento curricular, sendo, muitas vezes, a única fonte desse saber para o professor, pois dificilmente buscam pela origem, tais como as propostas curriculares oficiais. “Em particular, há uma discussão sobre qual currículo de fato é levado à sala de aula pelos professores, se o programa oficial proposto pelo Estado ou o transformado pelas editoras” (BENETTI, 2004). 46 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o importante apoio da direção da escola, que permitiu a recuperação do laboratório como espaço didático, foi possível iniciar uma pesquisa de materiais didáticos em um laboratório didático de Física desativado. O trabalho foi além da reorganização do espaço e dos materiais, permitindo estudar a variedade de materiais encontrados. Neste reconhecimento, uma espécie de “arqueologia” do espaço foi possível, permitindo constatar a existência de materiais didáticos em condições efetivas de uso, e também estabelecer outras formas de caracterização, por meio da quantidade de exemplares de um mesmo experimento, implicando em uma prática demonstrativa (no caso dos experimentos com apenas um exemplar) e de aula tradicionais em grupos (no caso de muitos exemplares de um mesmo experimento). Ao estudar materiais experimentais em um laboratório didático com pouco uso, em uma escola de Educação Básica, constatamos que ao longo do tempo alguns experimentos, como o Areômetro de Nicholson e outros materiais não reconhecidos (“misteriosos”), mencionado no presente trabalho, foram caindo em desuso. Tal situação evidencia a “alteração do conteúdo ensinável”, como consequência de um redirecionamento curricular, focalizando outros assuntos. Isso possivelmente implicou também no abandono destes experimentos como práticas de laboratório para o Ensino de Física. O laboratório didático passou a ser visto apenas de maneira funcional, e não mais como um ambiente para cultivar a cultura científica. O que não for de uso no momento, ou seja, sem funcionalidade curricular ou conceitual, acaba por virar “lixo didático” para as gerações seguintes. Este cenário poderá se repetir em muitos outros laboratórios didáticos que estejam operando hoje em dia, basta que seus materiais percam a utilidade perante os novos currículos, não se considerando outros conhecimentos possíveis, como as práticas experimentais na formação do estudante. A situação do laboratório didático na escola estudada, bem como a variedade de materiais e a presença de alguns experimentos construídos, desvelam que o ensino com materiais experimentais já foi uma alternativa didática utilizada por docentes que atuaram nesta escola. As condições em que foram encontrados o espaço e os materiais, entretanto, evidenciam uma mudança de atitude diante de tal possibilidade educativa. 47 A existência de alguns materiais ainda não identificados revela o potencial para novos estudos, de forma a caracterizar experimentos que não são mais usuais nas aulas de laboratório de Física atualmente. Testemunhamos que, quando um laboratório de Física deixa de operar como espaço didático, ele pode passar para uma situação de abandono e ser utilizado para outros fins, como, por exemplo, depósito de materiais ou sala ambiente para outras disciplinas. O material e o espaço sem uso poderão impossibilitar a sua utilização para aulas de Física, com seu completo sucateamento, tendo como consequências perdas financeira e didática irreparáveis. Analisando a situação do laboratório didático de Física e de seus materiais, observamos que as razões fundamentais mencionadas por professores (GASPAR, 2014) para a não utilização de laboratórios escolares com atividades experimentais não foram observadas na escola estudada, uma vez que constatamos: (a) a existência de materiais didáticos experimentais em condições de uso; e (b) espaço físico onde as atividades podem ser desenvolvidas ou até mesmo o deslocamento de materiais para a sala de aula comum, onde as atividades podem ocorrer. Consideramos que algumas deficiências apontadas, embora reais em outras escolas, podem apenas ocultar o real motivo da não execução de atividades práticas, tais como: (a) a ausência de uma formação docente específica para o uso de experimentos como instrumentos didáticos e (b) o fato de que o tipo de aula (experimental) não se enquadra no trabalho didático usualmente aceito para o Ensino de Física (as aulas expositivas). Ao estudar livros e materiais experimentais antigos e contemporâneos, constatamos que alguns assuntos desapareceram no Ensino de Física da Educação Básica, ao comparar as décadas de 1950 com a de 2010, e também não se fazem presentes nas disciplinas do curso de licenciatura em Física. Os livros didáticos, vetores da difusão do conhecimento curricular, evidenciam que alguns conteúdos “perderam sua utilidade escolar”. No caso de tópicos de Mecânica dos Fluídos, o pouco uso de laboratório não decorre apenas de uma mudança metodológica (predomínio de aulas expositivas), mas principalmente de mudanças curriculares. Outrossim, professores podem deixar de fazer uso de atividades experimentais por não dominarem o conteúdo e sentirem- se inseguros, corroborando para o abandono do laboratório e até mesmo o esquecimento de alguns materiais experimentais. 48 Tais fatores, que concorrem para a não utilização de aulas experimentais, indicam a necessidade de intensificar a discussão em torno de aspectos metodológicos e também curriculares. A experiência aqui relatada evidencia, também, que o trabalho de pesquisa exploratória mesmo em locais em desuso – como o estado inicial do laboratório estudado – pode oferecer contribuições desafiadoras para entender a problemática da metodologia de Ensino de Física e aspectos da História do Ensino de Física. 49 REFERÊNCIAS ANDRADE, J. A. N. Contribuições formativas do laboratório didático de Física sob o enfoque das racionalidades. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru. 2010. AREÓMETRO DE NICHOLSON. Museo del Ies Canarias Cabrera Pinto. 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