RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo desta tese será disponibilizado somente a partir de 05/12/2018. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Heitor de Andrade Carvalho Loureiro PRAGMATISMO E HUMANITARISMO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A CAUSA ARMÊNIA (1912-1922) Franca 2016 HEITOR DE ANDRADE CARVALHO LOUREIRO PRAGMATISMO E HUMANITARISMO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A CAUSA ARMÊNIA (1912-1922) Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para Obtenção do grau de Doutor em História Área de concentração: História e Cultura Política Agência financiadora: CAPES Orientadora: Profª. Drª. Teresa Maria Malatian Coorientador: Dr. Vahan Ter-Ghevondian Franca 2016 Loureiro, Heitor de Andrade Carvalho. Pragmatismo e humanitarismo: a política externa brasileira e a causa armênia (1912-1922) / Heitor de Andrade Carvalho Loureiro – Franca : [s.n.], 2016. 230 f. Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Orientador: Teresa Maria Malatian Coorientador: Vahan Ter-Ghevondian 1. Armênia - História. 2. Política externa. 3. Pessoa, Epitácio - História e crítica. 4. Política e governo - Brasil. I. Título. CDD – 939.55 Heitor de Andrade Carvalho Loureiro PRAGMATISMO E HUMANITARISMO: A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA E A CAUSA ARMÊNIA (1912-1922) Esta tese foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Doutor em História no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista Franca, novembro de 2016 _________________________________________________________ Profª. Drª. Teresa Maria Malatian (orientadora) Professora livre-docente, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca, Universidade Estadual Paulista. _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ A Carlos Daghlian, in memoriam, professor emérito do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, campus da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” em São José do Rio Preto. AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, aos meus colegas de pós-graduação, servidores técnico-administrativos e professores, em especial à minha orientadora, Teresa Maria Malatian, por acolher o projeto de pesquisa que deu origem a este trabalho e dar todas as condições necessárias para sua consecução. Estendo meus agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsas de Demanda Social e do Programa Doutorado Sanduíche no Exterior. Eu agradeço também à minha família, especialmente aos meus pais e irmã, pelo apoio e amor desde o início. Abaixo, eu reconheço o papel de diversas pessoas que foram cruciais para o desenrolar desta pesquisa, seja pela amizade e inspiração ou por fornecerem informações que abriram novas perspectivas neste trabalho: Ana Carolina Viotti, Anna Aleksanyan, Antonio Henrique Campolina Martins, Ara Sanjian, Aram Adjemian, Archavir Donelian, Arda e Doris Melkonian, Armen Kevork Pamboukdjian, Artsvi Bakhchinyan, Artur Attarian, Athena Madan, Boghos Levon, Zekiyan, Cafer Sarıkaya, Carlos Antaramián, Carlos Daghlian, Carlos Luis Hassassian, Clodoaldo Bueno, Daniela Boudakian, Daniel Ohanian, Diran Avedian, Eustáquio Donizete, Família Chahinian, Família Moreira Dias, Flávio de Leão Bastos Pereira, Giovane Oliveira, Helenice Moreira Dias, Georges-Henri Ruyssen, Hagop Kechichian, Hakob Matevosyan, Hayk Sahakyan, James Onnig Tamdjian, Khachig Tölölyan, João José Reis, Laís Azeredo, Leandro Pereira Gonçalves, Leo Fernandes, Luiz César de Sá Júnior, Maisa Helena de Araujo, Mateus França Holmo “Poha”, Marcelo Mirzeian, Monique Sochaczewski Goldfeld, Naira Meliksetyan, Nareg Seferian, Nittina Bianchi, Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, Paulo Knauss, Pedro Bogossian Porto, Pedro Russo, Philipe Arapian, Rafael Bara Alves, Renata Summa, Richard G. Hovannisian, Rodrigo Medina Zagni, Rosirene Medina, Shant Melkonian, Simon Petrosyan, Sona Baloyan, Tamar M. Boyadjian, Tatiana Medina Boudakian, Vahan Agopyan, Vahan Ter-Ghevondian, Vahe Sahakyan, Vartan Matiossian, Vartan Waldir Boghossian, Victor Coutinho Lage, Victor “Triantopoulos” Martins e Victor “Pino” Santos. Instituições: Armenian Research Center da University of Michigan, Arquivo Histórico do Itamaraty, Arquivo Nacional, Arquivo Nacional da República da Armênia, Biblioteca Nacional, Charents Museum of Literature and Arts, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundación Luisa Hairabedian, Grupo de Pesquisa Conflitos Armados, Massacres e Genocídios na Era Contemporânea da Universidade Federal de São Paulo, Institute for Contemporary Arts of Yerevan, International Association of Genocide Scholars, Mesrop Mashtots Institute of Ancient Manuscripts (Matenadaran) e Zoryan Institute. Finalmente, agradeço a Serj, Daron, Shavo e John. “Se o que procuram é uma pátria, um céu a abrir vocês e seus entes queridos vão para o Brasil, terra generosa, que a tantos já acolheu e os acolherá de braços abertos”. Rui Barbosa em mensagem endereçada a armênios em 1920. Folha de São Paulo, 20 de abril de 1966. “Eu tenho a honra de informar Vossa Excelência que o governo do Brasil está pronto para contribuir, individualmente ou em conjunto com outras potências, para pôr termo à situação de sofrimento da Armênia”. Azevedo Marques, Ministro de Relações Exteriores do Brasil, em mensagem ao presidente do Conselho da Liga das Nações, em 30 de novembro de 1920. “O Brasil, a convite do Conselho Executivo da Liga das Nações, aceitou o encargo de, juntamente com os Estados Unidos da América e a Espanha, servir de mediador na luta entre os armênios e os nacionalistas turcos” Epitácio Pessoa, Presidente da República, em mensagem ao Congresso brasileiro em 1920. RESUMO Nos anos 1910, a causa armênia aportou no Brasil por meio do trabalho do intelectual Etienne Brasil na imprensa e em sociedades científicas no Rio de Janeiro que retratou os armênios como um povo cristão do Oriente, alvo de toda sorte de perseguições por parte dos turcos muçulmanos no Império Otomano. Lançando mão do discurso orientalista largamente difundido no pensamento ocidental no seu tempo, Etienne Brasil buscou sensibilizar o público-leitor e os tomadores de decisão brasileiros a apoiarem os armênios na luta pela criação da República Armênia, cuja independência aconteceu, por fim, em 1918. Assim, Etienne Brasil tornou-se representante diplomático da nova república no Brasil, o que deu a ele o ensejo para dirigir-se ao Catete e ao Itamaraty em busca do reconhecimento oficial brasileiro ao novo Estado e de apoio para sustentar a frágil república e sua população composta, majoritariamente, por refugiados, sobreviventes do genocídio executado pelo governo otomano a partir de 1915. O objetivo desta pesquisa é examinar como a chamada “causa armênia” – conjunto de reivindicações jurídicas do povo armênio no sistema internacional – chegou ao Brasil e tornou- se ponto de pauta na política externa brasileira. Interessa compreender como as demandas armênias foram inseridas nessa agenda por um grupo de interesse de tamanho reduzido, que conseguiu ter acesso aos tomadores de decisão por meio de conexões pessoais, intensa propaganda na imprensa e uma leitura da política internacional que indicava que o Brasil tentava se reposicionar no sistema internacional como um ator de primeiro escalão após a Grande Guerra. Nesse contexto, a causa armênia foi apresentada por Etienne Brasil e seus aliados como uma oportunidade para o governo Epitácio Pessoa mostrar às Potências que o país estava pronto para lidar com desafios no cenário global e era, portanto, merecedor do lugar de destaque que recebeu na Conferência de Paz de Paris em 1919 e na Liga das Nações. A hipótese sustentada é que o apoio brasileiro à causa armênia foi um ato pragmático do governo Epitácio Pessoa que buscava, por meio de uma pauta humanitarista, angariar prestígio para o Brasil no sistema internacional. Todavia, isso não se deu de maneira proativa. O governo brasileiro reagiu às pressões desse grupo de armênios radicados no Rio de Janeiro e aos movimentos dos EUA no cenário internacional. Desse modo, é crucial compreender como esse grupo funcionou como parte de uma diáspora, atuando como uma força transnacional e que conseguiu aproveitar a permeabilidade do sistema político brasileiro para inserir suas demandas. A metodologia consiste na análise de arquivos no Brasil e exterior a fim de reconstituir a negociação entre armênios e brasileiros para que esses últimos apoiassem as reivindicações dos primeiros nos fóruns internacionais, além da leitura minuciosa da imprensa carioca nos anos 1910-1920, instrumento de sensibilização da opinião pública para pressionar o Brasil a intervir. No final de 1920, o governo brasileiro aceitou, finalmente, atuar como mediador na pacificação da Armênia, balizado pelas ideias do humanitarismo moderno, mas guiado pelo pragmatismo, em busca de prestígio no sistema internacional. Palavras-chave: Armênia. Política externa brasileira. Causa armênia. Epitácio Pessoa. Etienne Brasil. ABSTRACT In the 1910s, Brazilian audience heard, for the first time, about the ‘Armenian Cause’ through the work of the intellectual Etienne Brasil. At that time, Brasil published several articles through the press and scientific societies in Rio de Janeiro, in which he portrayed the Armenians as Christian people from the East which had suffered all types of persecutions by the hands of the Turk-Muslims within the Ottoman Empire. Brasil’s reports were Orientalist in nature, largely spread in western thought at the time as a way of appealing to the Brazilian readership and decision-makers in order to support Armenians to create the Armenian Republic. When Armenia became independent, in 1918, Etienne Brasil became the first Armenian diplomatic representative in South America, which provided him an opportunity to address his appeals to the Brazilian presidency and to the Minister of External Relations in search of support to sustain the fragile republic whose population was majority composed by refugees, and survivors of the genocide perpetrated by the Ottoman government after 1915. This research aims to examine how the “Armenian cause” – range of juridical demands of the Armenian people within the international system – arrived in Brazil and became part of the Brazilian foreign policy agenda. Armenian demands were incorporated on this policy agenda by a small interest group that had been able to obtain access to decision-makers through personal connections and intensive press propaganda. Brazil was trying to realign itself within the international system as a key player after the Great War. In this context, the Armenian cause was presented by Etienne Brasil as an opportunity to show to the Powers that Brazil was ready to deal with challenges in that new global scenario and, therefore, deserved the prominent place that it had received at the Paris Peace Conference in 1919 and at the League of Nations. The hypothesis is that Brazilian support towards the Armenian Cause was a Pessoa administration’s pragmatic act that sought, through a humanitarian agenda, to gain prestige at the global level. However, this did not happen proactively. The Brazilian government responded to the pressure of this group of Armenians living in Rio de Janeiro and the American moves at the international arena. As such, this group worked as part of a diaspora acting as a transnational power, which could take advantage of the Brazilian political system’s porosity to influence Brazil’s agenda. The methodology consisted in analyzing files and documents from archives in Brazil and abroad to reconstitute the negotiations between Armenians and Brazilians in order to get the latter to support the former at the international fora, as well as analyzing the Rio de Janeiro’s press in the 1910-20s, which were a tool to sensitize public opinion to push Brazil to take action. In the late 1920, the Brazilian government finally accepted to act as mediator in the conflict between Armenians and Turks imbued with the modern humanitarianism ideas, but guided by the pragmatism and desire for prestige in the international system. Keywords: Armenia. Brazilian foreign policy. Armenian Cause. Epitácio Pessoa. Etienne Brasil. ՍԵՂՄԱԳԻՐ Հայկական հարցի մասին Բրազիլիայի հանրությունն առաջին անգամ տեղեկացել է 1910-ականներին` մտավորական Էթիէն Պրազիլի աշխատանքների միջոցով: Նշված ժամանակհատվածում Բրազիլը հրատարակել է մի շարք հոդվածներ Ռիո դե Ժանեյրոյի պարբերական մամուլի և գիտական հանրության միջոցով, որոնցում նա նկարագել է հայերին որպես Արևելքի քրիստոնյաների, ովքեր տառապել են բոլոր տեսակի հալածանքներից` Օսմանյան կայսրության թուրք մուսուլմանների ձեռքին: Բրազիլի հրապարակումներն իրենց էությամբ օրիենտալիստական էին, ինչը լայնորեն տարածված էր այդ շրջանում արևմտյան մտածողության մեջ` իբրև միջոց ազդելու Բրազիլիայի ընթերցողների և որոշում կայացնողների վրա, որպեսզի վերջիններս օգնեն հայերին հիմնելու Հայաստանի Հանրապետություն: Երբ 1918 թվականին Հայաստանն անկախացավ, Էթիէն Պրազիլը դարձավ առաջին հայ դիվանագիտական ներկայացուցիչն Հարավային Ամերիկայում, ինչն էլ իրեն հնարավորություն ընձեռեց իր խնդրագրերն հասցեագրել Բրազիլիայի նախագահությանն ու Արտաքին գործերի նախարարությանը` փնտրելով նրանց աջակցությունը սատարելու փխրուն հանրապետությանը, որի բնակչության մեծամասնությունը փախստականներ էին և 1915 թվականից հետո Օսմանյան կառավարության իրականացրած ցեղասպանությունից փրկվածներ: Սույն ուսումնասիրությունը նպատակ ունի քննելու թե ինչպես “Հայկական Հարցը”, որպես միջազգային համակարգում հայերի իրավական պահանջ, հասել էր Բրազիլիա և մտել Բրազիլիայի արտաքին քաղաքականության օրակարգ: Հայկական պահանջները քաղաքական օրակարգ էին ընդգրկվել [հարցով] հետաքրքրված մի փոքր խմբի միջոցով, ովքեր անձնական կապերի և մամուլի ինտենսիվ քարոզչության շնորհիվ հասանելիություն էին ձեռք բերել դեպի որոշում կայացնողները: Առաջին աշխարհամարտից հետո Բրազիլիան փորձում էր իր տեղը վերահաստատել միջազգային համակարգում որպես գլխավոր խաղացող: Այս համատեքստում Էթիէն Պրազիլի կողմից Հայկական հարցը ներկայացվում էր որպես հնարավորություն` ցույց տալու մեծ տերություններին, որ Բրազիլիան պատրաստ էր դիմակայելու ստեծված համաշխարհային նոր սցենարի մարտահրավերներին, և, հետևաբար, արժանի էր այն կարևոր տեղին, որին արժանացել էր 1919 թվականի Փարիզի խաղաղության վեհաժողովում և Ազգերի Լիգայում: Վարկածը կայանում է նրանում, որ Բրազիլական աջակցությունը Հայկական հարցին Պեսոայի վարչակազմի պրագմատիկ քայլն էր` համաշխարհային հեղինակություն շահելու համար օրակարգ բերելով մարդասիրություը: Սակայն սա տեղի չէր ունենում նախաձեռնողաբար: Բրազիլական կառավարությունը պատասխանել է Ռիո դե Ժանեյրոյում ապրող այս հայերի խմբի ճնշումներին և միջազգային ասպարեզում ամերիկյան քայլերին: Որպես այդպիսին, այս խումբն աշխատել է իբրև սփյուռքի մի մաս` գործելով որպես համահայկական ուժ, որը օգտվելով Բրազիլիայի քաղաքական ծակոտկենությունից, ազդեցություն է ունեցել քաղաքական օրակարգի վրա: Մեթոդաբանությունը բաղկացած է Բրազիլիայում և արտասահմանում գտնվող ֆայլերի և փաստաթղթերի վերլուծության միջոցով վերականգնելով հայերի և բրազիլացիների միջև եղած բանակցությունները` հասկանալ վերջինիս աջակցությունը միջազգային ամբիոններում, ինչպես նաև վերլուծության ենթարկել 1910-20-ականների Ռիո դե Ժանեյրոյի մամուլը, որը մի գործիք էր հանրային կարծիքը զգայունացնելու միջոցով մղել Բրազիլիային միջոցներ ձեռնարկել: 1920-ականների վերջին Բրազիլիան վերջապես ընդունում է հայերի և թուրքերի հակամարտության միջնորդի դերը` համակված ժամանակակից մարդասիրական գաղափարներով, սակայն առաջնորդվելով պրագմատիզմով և միջազգային համակարգում հեղինակություն ձեռք բերելու բաղձանքով: Բանալի բառեր. Հայաստան, Բրազիլիայի արտաքին քաղաքականություն, Հայկական հարց, Էպիտասիո Պեսոա, Էթիէն Պրազիլ LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AHI = Arquivo Histórico do Itamaraty AN = Arquivo Nacional ARFA = Armenian Revolutionary Federation Archives CPDOC = Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CUP = Comitê União e Progresso Dashnak = Federação Revolucionária Armênia, Hay Heghap‘okhakan Dashnakts‘ut‘yun IHGB = Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGF = Instituto Histórico e Geográfico Fluminense HDB/BN = Hemeroteca Digital Brasileira/Biblioteca Nacional Hnchakyan = Partido Socialdemocrata Hnchakyan IEB/USP = Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo MLA/RA = Museum of Literature and Art after Yeghishe Charents NAA/RA = National Armenian Archives/Republic of Armenia ONU = Organização das Nações Unidas PMDB = Partido do Movimento Democrático Brasileiro PRP = Partido Republicano Paulista PSDB = Partido da Social Democracia Brasileira PT = Partido dos Trabalhadores UGAB = União Geral Armênia de Beneficência SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 16 2 GENOCÍDIO, DIÁSPORA E A REPÚBLICA DE 1918-1920 ............................................ 39 2.1 O crepúsculo otomano e a questão das minorias ........................................................ 39 2.2 A questão armênia no sistema internacional .............................................................. 43 2.3 Os Jovens Turcos........................................................................................................ 47 2.4 A Grande Guerra e o Genocídio ................................................................................. 50 2.5 A República Armênia (1918-1920) ............................................................................ 58 3 A CHEGADA DA CAUSA ARMÊNIA AO BRASIL ......................................................... 70 3.1 Do sacerdócio à pena: a formação do intelectual ....................................................... 71 3.2 Orientalismo e a causa armênia .................................................................................. 83 3.3 O Povo Armênio ....................................................................................................... 105 4 DAS PALAVRAS À AÇÃO: ETIENNE BRASIL E A LEGAÇÃO ARMÊNIA NO BRASIL ................................................................................................................................................ 113 4.1 A causa armênia no Brasil pós-Grande Guerra ........................................................ 113 4.2 A institucionalização das relações armênio-brasileiras ............................................ 122 4.3 A esperança do mandato brasileiro sobre a Armênia ............................................... 137 4.4 O reconhecimento brasileiro da independência da República Armênia ................... 142 4.4.1 Leilão de Almas ................................................................................................ 144 4.4.2 As repercussões de Sèvres ................................................................................ 149 4.4.3 A efetivação do reconhecimento ...................................................................... 152 4.5 A ocupação bolchevique e o fim da Legação Armênia no Brasil ............................ 155 5 A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NO CONTEXTO DO MULTILATERALISMO NAS DÉCADAS DE 1910-1920 ............................................................................................ 167 5.1 O Brasil na Grande Guerra ....................................................................................... 167 5.2 A participação brasileira na Conferência de Paz de Paris e na Liga das Nações ..... 170 5.3 A causa armênia na Liga das Nações ....................................................................... 177 5.4 A “missão humanitária” na Armênia e a “ilusão de poder” brasileira ..................... 180 6 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 200 Fontes listadas por arquivos consultados............................................................................ 205 Referências bibliográficas .................................................................................................. 210 Teses e dissertações ........................................................................................................ 210 Livros .............................................................................................................................. 211 Artigos e capítulos de livros ........................................................................................... 216 ANEXO .................................................................................................................................. 220 16 1 INTRODUÇÃO No dia 29 de maio de 2015, pouco mais de um mês após os eventos de rememoração de cem anos do início do genocídio armênio, a imprensa em Yerevan1 – capital da República da Armênia – noticiou com empolgação que o Brasil teria reconhecido os massacres dos armênios otomanos iniciados em 1915 como genocídio, seguindo assim, com décadas de atraso, o que muitos países já haviam feito, incluindo os vizinhos Argentina e Uruguai. Apesar da notícia ter sido divulgada pelo Ministério de Relações Exteriores da República da Armênia, replicando informação da Embaixada do país em Brasília, nem a imprensa brasileira, tampouco a Embaixada do Brasil em Yerevan confirmavam o reconhecimento. Após alguma confusão, descobriu-se que aquilo que a Embaixada da Armênia considerava como o reconhecimento brasileiro era, em realidade, a aprovação de uma “Moção de Solidariedade ao povo armênio pelo transcurso do Centenário da Campanha de extermínio de sua população”, primeiro no âmbito da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal e depois pelo plenário da Casa. A notícia foi recebida com entusiasmo pela comunidade armênia no país que há décadas buscava atingir esse objetivo e despertou a ira da República da Turquia, que chamou o embaixador brasileiro em Ancara para prestar esclarecimentos e convocou o seu diplomata em Brasília para consultas. Ao Itamaraty, que se viu entre uma decisão legítima do Senado Federal e os protestos de uma nação soberana, coube lamentar a atitude de Ancara e reafirmar o princípio da independência de poderes, numa tentativa de convencer a Turquia que as relações bilaterais não haviam mudado desde a aproximação entre os dois países em 2009, quando Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), fez a primeira visita oficial de um Presidente da República Federativa do Brasil2 ao país situado entre Europa e Ásia. Relações essas que foram definitivamente seladas no ano seguinte, quando Turquia e Brasil sentaram-se 1 Em armênio Երեւան, comumente transliterado como Erevan ou Ierevan em português. Neste texto, optou-se por usar a forma Yerevan considerando a ampla difusão que essa grafia possui na literatura e que ela representa adequadamente a fonética da palavra no idioma armênio. 2 Em outubro de 1876, o imperador do Brasil D. Pedro II visitou o sultão Abdul-Hamid II em Constantinopla, capital do Império Otomano. GOLDFELD, Monique Sochaczewski. O Brasil, o Império Otomano e a Sociedade Internacional: contrastes e conexões (1850-1919). Rio de Janeiro: Tese de Doutorado apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) como requisito parcial para a obtenção do grau de doutor em História, Política e Bens Culturais, 2012, p. 151. 17 à mesa de negociações com o Irã para discutir o programa nuclear desse último, à revelia da política de sanções econômicas ao país dos aiatolás, defendida por Washington e seus aliados. De fato, restou ao governo brasileiro, encabeçado pelo PT, gerenciar a crise diplomática causada pela moção aprovada no Senado Federal, originalmente proposta e assinada pelos senadores paulistas Aloysio Nunes Ferreira e José Serra, ambos do oposicionista Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), aliado de primeira hora da dinâmica coletividade armênia estabelecida, sobretudo, em São Paulo. Essa coletividade, organizada em um eficiente grupo de pressão no ano de rememoração do centenário do genocídio, conseguiu unificar as entidades comunitárias há muito existentes. Representados, de um lado, por clubes, igrejas, associações beneficentes e agremiações políticas – tradicionalmente amalgamadas pelo Consulado Geral Honorário da República da Armênia em São Paulo – e, por outro, pela Embaixada da República da Armênia no Brasil – criada em 2010 – representante dos interesses de Yerevan no país, a comunidade pôde acionar aliados políticos para a consecução da aprovação de um texto de alcance nacional que reconhecesse os massacres contra a população armênia otomana a partir de 1915 como um genocídio3. O fato de o Senado Federal tomar posição, por meio de dois parlamentares de oposição, sobre uma questão de relações internacionais, colocando o Executivo em situação delicada, mostra o quanto as esferas da política interna e externa estão interligadas – sobretudo em curto-prazo – ainda que não se possa toma-las como uma só4. A comunidade armênia possui relações de primeira hora com o PSDB desde a primeira metade dos anos 1980, quando os armênios radicados em São Paulo iniciaram um trabalho para alterar o nome de uma estação de metrô da cidade para “Armênia”. A iniciativa sedimentou uma articulação política que dura até os dias atuais, iniciada sobretudo com o então governador do estado de São Paulo, Franco Montoro, do Movimento Democrático Brasileiro – mais tarde PMDB – e alguns de seus aliados, como Fernando Gasparian, que depois viriam a fundar o PSDB, principal aliado político dos armênios do Brasil. Esse partido governaria o país entre 1994 e 2002 com Fernando Henrique Cardoso, que nomeou o banqueiro Varujan Burmaian o primeiro embaixador do 3 Os massacres de armênios promovidos pelo sultão Abdul-Hamid II nos anos 1890 e os ocorridos na região de Adana em 1909 – cf. Capítulo I – não são considerados pela maior parte da historiografia como parte do genocídio armênio, que usualmente tem seu marco temporal inicial em 1915. 4 MILZA, Pierre. “Política interna e política externa”. In: RÉMOND, René (org.) Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, 2ª ed., p. 381. 18 Brasil na Armênia, em 20015. Serra e Nunes, dois ex-ministros de FHC, souberam aproveitar a efeméride do centenário do genocídio e o canal aberto de diálogo que possuem com os armênios de São Paulo para a aprovação da moção de reconhecimento, afagando assim as lideranças comunitárias que esperavam uma decisão nesse sentido desde os anos 1990, além de desgastar a imagem do governo do Partido dos Trabalhadores, no tocante à política externa, sobretudo no segundo mandato de Dilma Rousseff, iniciado em janeiro de 2015. Com o processo de impeachment movido contra a presidente a partir do primeiro semestre de 2016, que culminou no seu afastamento e na posse do vice-presidente Michel Temer (PMDB), José Serra assumiu, em maio daquele ano, o Ministério de Relações Exteriores, menos de um ano depois da aprovação da moção que ele ajudou a redigir. Não obstante a esperança dos armênios que a chegada de Serra ao Itamaraty pudesse levar o Brasil, enfim, ao reconhecimento do genocídio armênio pelo Executivo, nenhum movimento nesse sentido foi feito. Em suma, a mudança do cenário político brasileiro colocou as demandas armênias mais uma vez na fila de espera. Não foi a primeira vez que os armênios do Brasil organizados em um grupo de pressão tentaram tirar proveito do cenário político local em prol de suas reivindicações. Na década de 1910, um pequeno grupo de imigrantes radicados no Rio de Janeiro liderados por um ex-padre pressionou o governo brasileiro a defender os interesses de seu povo, que almejava a criação de um Estado independente em territórios que englobavam o decadente Império Otomano e a agitada Rússia bolchevique. Para o intelectual, ex-sacerdote da Igreja Católica e primeiro representante diplomático da Armênia na América do Sul, nomeado em 1919, que atendia pelo nome de Etienne Brasil, o reconhecimento por parte do governo brasileiro da pequena recém-independente República Armênia e o apoio do Brasil às reivindicações territoriais daquele país equivaleriam ao reconhecimento dos muitos mortos nos massacres perpetrados pelo governo otomano a partir de 1915. Por meio de uma intensa ofensiva na imprensa e nos palácios do Itamaraty e do Catete, os armênios liderados por Etienne Brasil lançavam mão da imagem de uma Armênia cristã martirizada por “bárbaros” turcos muçulmanos para mobilizar tanto a opinião púbica do país quanto os tomadores de decisão a intervirem em prol deles no contexto do pós-guerra, inicialmente na Conferência de Paz de Paris em 1919 e, em seguida, na recém-criada Liga das Nações. Aos armênios, interessava acreditar na imagem propagandeada pelo governo brasileiro do país como uma potência emersa após 1918, que se colocava no cenário internacional como líder dos países latino-americanos 5 Em 2011, a viúva de Varujan Burmaian, Hilda Diruhy Burmaian, foi designada Cônsul-geral honorária da República da Armênia em São Paulo. 19 ou até como locomotiva das nações americanas, quando os Estados Unidos da América não preenchiam tal espaço. Assim, a consecução do apoio brasileiro à causa dos armênios poderia ser celebrada pela pequena comunidade armênia do Brasil e, sobretudo, por suas lideranças, como uma grande vitória político-diplomática. O governo Epitácio Pessoa, embora receptivo às visitas e missivas de Etienne Brasil e seus aliados, deu atenção moderada aos clamores dos armênios até o final de 1920, quando a questão se tornou o principal ponto de pauta das Potências durante um esforço da Liga das Nações e do presidente norte-americano Woodrow Wilson de frear as animosidades entre armênios e turcos e estabelecer as fronteiras de ambos os países e a paz na região. Foi então que o Brasil resolveu, lançando mão de um discurso humanitarista, por reconhecer a independência da República Armênia e aceitou o convite da Liga das Nações e de Wilson, para compor uma coalização que iria “pôr termo à situação de sofrimento da Armênia”, nas palavras do Ministro de Relações Exteriores de Epitácio Pessoa. Todavia, a ocupação bolchevique da pequena república no Cáucaso poucas semanas depois, na virada de novembro para dezembro de 1920, inviabilizou a concretização dos planos da Liga e a participação brasileira, que Etienne acreditava que pudesse se transformar num mandato do Brasil sobre a Armênia, com a chancela de Genebra e Washington. A partir de então, restou ao diplomata de uma nação ocupada pelo Exército Vermelho vociferar, sem sucesso, contra os bolcheviques e articular para que o Brasil recebesse os refugiados armênios que se acumulavam aos milhares no Levante. Esta pesquisa tem como finalidade examinar como a chamada “causa armênia” – conjunto de reivindicações jurídicas do povo armênio no sistema internacional6 – chegou ao Brasil, ocupando um espaço nas páginas dos principais jornais do país nos anos 1910 e reverberando na agenda da política externa brasileira, sobretudo no pós-guerra. Interessa, principalmente, compreender como as demandas armênias foram inseridas nessa agenda a partir de um grupo de interesse de tamanho reduzido, mas que logrou êxito em ter acesso aos corredores dos palácios do Catete e Itamaraty por meio de conexões pessoais, intensa propaganda na imprensa e uma leitura da política internacional que indicava que o Brasil tentava se reposicionar no sistema internacional como um ator de primeiro escalão, aproveitando a crise europeia após quatro anos de guerra e o crescimento do poder dos EUA, importante aliado desde o advento da República. Nesse contexto, a causa armênia era 6 OHANIAN, Pascual Carlos. La Cuestión Armenia y las Relaciones Internacionales. Buenos Aires/Yerevan: Academia Nacional de Ciencias de la Republica de Armenia, 2005, tomo V - 1919, p. 23. 20 apresentada por Etienne Brasil e seus aliados como uma oportunidade para o governo de Epitácio Pessoa mostrar às Potências que o país estava pronto para lidar com assuntos delicados no cenário global – abandonando a América do Sul como área de atuação por excelência da política externa brasileira – e, portanto, merecedor do lugar de destaque que o Brasil recebeu na Conferência de Paz de Paris em 1919 e na Liga das Nações. A hipótese aqui sustentada é que o apoio brasileiro à causa armênia foi um ato pragmático do governo Epitácio Pessoa que buscava, por meio de uma pauta humanitarista, angariar prestígio para o Brasil no sistema internacional. Todavia, isso não se deu de maneira proativa. O governo brasileiro reagiu às pressões desse grupo formado por poucas dezenas de armênios radicados no Rio de Janeiro – e aos acenos de Woodrow Wilson no cenário internacional. Desse modo, é crucial compreender como esse grupo funcionou como parte de uma diáspora interconectada em diferentes partes do globo, atuando como uma força transnacional e que conseguiu aproveitar a permeabilidade do sistema político brasileiro na Primeira República para inserir suas demandas. O recorte temporal da pesquisa inicia-se em 1912, quando Rio Branco deixou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, marcando o fim de uma gestão que selou a aproximação pragmática com os EUA, e termina em 1922, quando o mandato de Epitácio Pessoa – iniciado em 1919 – se encerra, assim como o ápice das relações entre Brasil e EUA na Primeira República, relações essas que foram decisivas no envolvimento brasileiro na Grande Guerra do lado dos Aliados. Por outro lado, o recorte temporal também possui uma razão de ser intrínseca às fontes analisadas: entre 1912 e 1922, Etienne Brasil trabalhou para difundir a causa armênia, escrevendo inúmeros artigos para a imprensa, proferindo palestras, publicando livros e exercendo atividade diplomática junto ao governo brasileiro. Essas atividades podem ser rastreadas a partir de arquivos no Brasil, EUA e Armênia, desde seu primeiro artigo publicado sobre os armênios em 1912 até suas últimas tentativas de fazer com que o Brasil recebesse refugiados em 1922. Décadas mais tarde, a causa armênia receberia mais um ponto para a sua vasta pauta de reivindicações: o reconhecimento por parte da República da Turquia e da comunidade internacional dos massacres ocorridos entre 1915 e 1923 contra a população armênia otomana como um genocídio, termo que embora tenha uso corrente nos dias de hoje, não surgiu antes dos anos 1940. Em 1944, o jurista judeu-polonês Raphael Lemkin publicou sua obra O Domínio 21 do Eixo na Europa Ocupada7, cujo capítulo IX intitulado Genocídio apresentava ao mundo essa palavra que une o antepositivo grego génos – raça ou tribo, na tradução de Lemkin – ao pospositivo latino -cidĭum – ação de matar – para gerar um termo que expressasse o que Winston Churchill chamou alguns anos antes de “crime sem nome” 8. Após a II Guerra Mundial, com intenso e obstinado trabalho de bastidores na recém-criada Organização das Nações Unidas, Lemkin conseguiu que a entidade aprovasse a “Convenção para a prevenção e a repressão do crime de Genocídio” em 9 de dezembro de 1948, que definiu genocídio como um crime pelo direito internacional. Embora alguns intelectuais armênios – e o próprio Lemkin – já usassem o termo “genocídio” para se referir ao massacre de armênios pelo governo otomano, foi a partir de 1965, com o 50º aniversário do genocídio sendo rememorado por meio de uma manifestação com dezenas de milhares de pessoas em Yerevan, capital da República Socialista Soviética da Armênia, que armênios de todo o mundo inseriram definitivamente o vocábulo em seu léxico político, jurídico e acadêmico, pedindo uma solução à “questão armênia”, isto é, a anexação dos territórios orientais da República da Turquia tal como previsto pelo Tratado de Sèvres de 19209. Os sucessivos governos da Turquia, desde Mustafá Kemal – posteriormente alcunhado de Atatürk – receiam os clamores armênios e refutam as alegações de um extermínio sistemático daquela população pelo governo otomano – do qual a moderna República da Turquia é sucessora –, temerosos que as reivindicações colocassem em risco sua integridade territorial e, no limite, sua própria existência. Essa postura negacionista pode ser explicada, em parte, pela política de expropriação econômica dos armênios do Império Otomano levada a cabo na década de 1910, que transferiu propriedades e fontes de renda dessa comunidade à população muçulmana que havia sido expulsa dos Bálcãs no contexto de independência dessa região, enquanto os antigos donos desses bens eram deportados ou eram mantidos em campos de refugiados10. Em suma, reconhecer que o genocídio foi parte de uma política de “redistribuição 7 LEMKIN, Raphael. El Dominio del Eje en la Europa Ocupada. Buenos Aires: Prometeo Libros; Eduntref, 2009. 8 POWER, Samantha. Genocídio: a retórica norte-americana em questão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 54. 9 BLOXHAM, Donald. The Great Game of Genocide: imperialism, nationalism, and the destruction of the Ottoman Armenians. Nova York: Oxford University Press, 2005, p. 215. 10 Cf. ÜNGÖR, Ugur Ümit; POLATEL, Mehmet. Confiscation and Destruction: The Young Turk seizure of Armenian Property. Nova York/Londres: Continuum, 2011. 22 forçada de renda”11 seria assumir os riscos de arcar com uma política compensatória que ameaçaria a burguesia nacional que impulsionava o nacionalismo turco no apagar das luzes do Império e no raiar da República12. A negação do genocídio está, portanto, no cerne da identidade nacional turca. Desde a publicação da obra de Lemkin em 1944 e a convenção da ONU em 1948, muitos acadêmicos propuseram interpretações diferentes daquela do criador da palavra ou do conceito “onusiano”, assim chamado por Jacques Sémelin13. A convenção da ONU define genocídio como atos “[...] cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso” 14, excluindo grupos políticos do rol de grupos-alvo da violência genocida e dando demasiada ênfase na intencionalidade do perpetrador, ao invés de considerar “a estrutura de conflito dentro da qual se desenvolvem as tentativas de destruir populações e grupos”15. A natureza restritiva do conceito onusiano foi aprofundada por alguns genocide scholars, que fragmentaram a palavra de Lemkin em outros conceitos como “limpeza étnica”, “generocídio” ou “politicídio”. Diante desse cenário, pesquisadores como o sociólogo britânico Martin Shaw têm proposto retomar as ideias de Raphael Lemkin para erigir um conceito de genocídio para as ciências sociais que recupere sua capacidade descritiva e explicativa, evitando que seja esvaziado por outros conceitos propostos por acadêmicos que entendem, balizados pelo entendimento onusiano, que genocídio é um termo demasiadamente restritivo, ou que seja, por outro lado, tão amplo a ponto de se tornar sinônimo de mortes em massa. Nesse sentido, para Martin Shaw genocídio é: uma forma de conflito social violento ou guerra entre organizações de poder armadas e grupos sociais civis, que leva a destruição desses grupos e de outros atores que resistam a essa destruição. [...] O conceito de ação genocida [...] pode ser definido como a ação na qual as organizações de poder armado tratam os grupos civis como inimigos e levam a destruir seu poder social real ou 11 DADRIAN, Vahakn N. “Configuración de los genocidios del siglo veinte”. In: FEIERSTEIN, Daniel (org.). Genocidio: la administración de la muerte en la modernidad. Buenos Aires: Eduntref, 2005, pp. 94-95. 12 BLOXHAM, D. op. cit., p. 14. 13 Cf. SÉMELIN, Jacques. Purificar e Destruir: usos políticos dos massacres e dos genocídios. Rio de Janeiro: Difel, 2009. 14 Cf. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. “Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948)”. In: ISHAY, Micheline R. (org.). Direitos Humanos: uma antologia – principais escritos políticos, ensaios, discursos e documentos desde a Bíblia até o presente. São Paulo: Edusp, 2013. 15 SHAW, Martin. ¿Qué es el genocidio? Buenos Aires: Prometeo Libros/Eduntref, 2013, p. 17. 23 putativo por meio de matança, violência e coerção contra indivíduos que consideram como membros do grupo. Portanto, genocídio é um tipo de conflito social desigual entre dois conjuntos de atores que é definido primariamente pelo tipo de ação levada a cabo pelo lado mais poderoso16. Assim, Shaw reconhece, ao mesmo tempo, a desigualdade de forças existente entre perpetradores e grupo-alvo, sem, todavia, transformar o processo genocida em um fenômeno unilateral, retirando do último qualquer tipo de capacidade de resistência e transformando seus membros simplesmente em vítimas. Além disso, ao considerar genocídio um conflito, ele acompanha o também sociólogo Zygmunt Bauman e normaliza o fenômeno, sem tratá-lo como um hiato, como uma “ferida ou doença de nossa civilização”, mas como “seu horrendo mas legítimo produto”17. Considera-se valiosa a definição de Shaw pois ela “propõe restaurar o conceito de genocídio como uma categoria geral, capaz de servir como um marco para a interpretação da ação violenta contra populações civis”, na medida em que o foco não está na intenção de destruir um grupo no todo ou em parte por meio de certas ações de violência – como prevê o conceito onusiano –, mas em “um tipo geral de ação social, caracterizado pela combinação de objetivos destrutivo-sociais e modalidades violentas e coercitivas, que estabelece um tipo especial de conflito social violento”18 (grifos do autor). Tais objetivos destrutivo-sociais, é necessário dizer, não se referem somente ao extermínio físico de pessoas, mas também a “destruir o poder social dos grupos no sentido econômico, político e cultural”19. Ainda que haja debates políticos e jurídicos acerca da aplicabilidade do conceito de genocídio ao caso armênio20, do ponto de vista das ciências sociais não se trata mais de provar se ocorreu ou não genocídio contra a população armênia otomana. Afora alguns poucos acadêmicos que se arriscam a relativizar o que eles chamam de “acontecimentos de 1915”, a 16 “[…] una forma de conflicto social violento o guerra, entre organizaciones de poder armadas que apuntan a destruir grupos sociales civiles y esos grupos y otros actores que resisten esta destrucción. […] el concepto de acción genocida puede ser definido como acción en la que organizaciones de poder armado tratan a los grupos sociales civiles como enemigos y apuntan a destruir su poder social real o putativo, por medio de matanza, violencia y coerción contra individuos a los que consideran como miembros del grupo. Por tanto, el genocidio es un tipo de conflicto social desigual entre dos conjuntos de actores, que es definido primariamente por el tipo de acción llevada a cabo por el lado más poderoso”. Ibid., p. 247. 17 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 14. 18 “[…] un tipo general de acción social, caracterizado por la combinación de objetivos destuctivo- sociales y modalidades violentas y coercitivas, que establece un tipo especial de conflicto social violento”. SHAW, M. op. cit., p. 248. 19 “[...] destruir el poder social de los grupos en el sentido económico, político y cultural” . Ibid., p. 249 20 Cf. LOUREIRO, Heitor. “Diálogos entre História e Direito: o conceito de genocídio e o caso armênio” In: Revista Fórum de Ciências Criminais. Belo Horizonte: Fórum, v. 1, 2015, pp. 161-182. 24 literatura atual sobre o tema não está debatendo se o genocídio ocorreu, mas como e porque ocorreu, e, principalmente, quais foram as suas consequências. Nas palavras do historiador Donald Bloxham, “o assassinato orquestrado dos armênios é tomado como um dado, um ponto de partida para a discussão e não o ponto de chegada”21. Para Richard G. Hovannisian: O que ainda está em discussão é se o genocídio foi premeditado antes do início da I Guerra Mundial em 1914 ou se as políticas da “guerra total” simplesmente se desenrolaram de forma natural depois da entrada da Turquia no conflito e logo as coisas pioraram por causa das distintas medidas repressivas, e a decisão de deportar a maior parte da população armênia foi se deteriorando ou se radicalizando até chegar às formas mais extremas de perseguição e alcançar um ponto que não havia mais volta: o genocídio22. Com isso em mente, cabe a advertência que esta pesquisa não se enquadra nos chamados genocide studies, pois não há a pretensão de discutir pormenorizadamente o genocídio armênio que também aqui é tomado como dado. O que está em tela é a diáspora armênia que é, enquanto tal, consequência direta do genocídio, o que faz com que haja um diálogo permanente com os estudos do genocídio, mas sempre em direção aos estudos da diáspora de forma a compreender a relação existente entre pátria-mãe, país receptor e agentes da diáspora. Dessa forma, importa entender os pontos de contato entre a política interna e externa do Brasil, sobretudo no governo Epitácio Pessoa, além de compreender como uma realidade estrangeira foi compreendida por uma coletividade nacional, isto é, a elite política brasileira da virada dos anos 1910-192023. Assim como genocídio, o conceito de diáspora também adquiriu uso corrente, ocultando suas origens e diluindo seu poder de conceito explicativo nas Ciências Sociais. É comum encontrarmos usos dessa palavra designando toda uma variedade de dispersões e migrações, nem sempre contando com uma elaboração teórica para estabelecer o que de fato entende-se por tal. Um exemplo desse uso é o livro “Uma Diáspora descontente: os nipo- brasileiros e os significados da militância étnica”24, do historiador norte-americano Jeffrey 21 BLOXHAM, D. op. cit., p. 20. 22 “Lo que aún está a discusión es si el genocidio fue premeditado antes del estallido de la Primera Guerra Mundial en 1914 o si las políticas de la ‘guerra total’ simplemente se desarrollaron de forma natural después de la entrada de Turquía en el conflicto y las cosas logo empeoraron a causa de las distintas medidas represivas, y la decisión de deportar a la mayor parte de la población armenia fue deteriorándose o radicalizándose hasta llegar a las formas más extremas de persecución y alcanzar el punto de no retorno: el genocidio”. HOVANNISIAN, Richard G. “El genocidio armenio, radicalización bélica o proceso continuo premeditado? In: Istor: revista de história internacional. Cidade do México: Cide, ano xv, número 62, 2015, pp. 48-49. 23 MILZA, P. op. cit., p. 366. 24 LESSER, Jeffrey. Uma Diáspora descontente: os nipo-brasileiros e os significados da militância étnica 1960-1980. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 25 Lesser, no qual o termo “diáspora” está presente no título, mas paira sobre a obra sem uma ancoragem teórica que faça dele mais do que um sinônimo geral de dispersão ou migração. Outros usos mais inadvertidos podem ser mencionados, como os que falam de uma “diáspora do Katrina”, isto é, uma dispersão temporária causada por um desastre climático, ou até mesmo de uma “diáspora gay”, ou seja, um grupo de pessoas espalhadas pelo mundo que partilham de uma característica em comum e, ocasionalmente, se articulam em torno das mesmas pautas políticas. Para Khachig Tölölyan “diáspora” é um conceito em disputa, em necessidade permanente de discussão e reconstrução. Assim, é um erro utilizar a ideia de diáspora para qualquer tipo de dispersão, uma vez que esse último conceito é mais abrangente do que o primeiro25. O conceito de diáspora aplicado às Ciências Sociais é de uso recente, mas isso não quer dizer que o fenômeno seja algo novo na História. Em realidade, para Tölölyan, as diásporas são mais antigas do que o Estado-nação. As diásporas judaica, armênia e grega existem a mais tempo do que os Estados de Israel, Armênia e Grécia, mencionando apenas as três diásporas chamadas por ele de “clássicas” 26. Diáspora contém o radical proto-indoeuropeu “spr”, também presente em palavras como dispersão, espalhar e esperma – ou ainda na palavra inglesa spread ou no equivalente armênio: spyurk – termos que designam algo de uma origem única que, por um determinado motivo, se propaga27. Antes dos anos 1960, a palavra encontrava sinônimos em termos como dispersão, grupos exilados, comunidades do além-mar, minorias raciais ou étnicas, dentre outros, enquanto as três “diásporas clássicas” mantinham uma ideia em comum: a de serem formações sociais originadas de um fenômeno de violência que culminou na expulsão de um determinado território entendido por eles como “terra natal”. Após emigrarem, esses grupos de pessoas mantêm laços comuns de identidade que os ligam à terra natal – que pode ser um Estado nacional de fato ou uma entidade imaginada – e os diferenciam na sociedade receptora. Esse conceito de diáspora atrelado aos tipos clássicos, requer um senso de identificação entre seus membros, sejam entre os que estão em sociedades receptoras, sejam entre os que estão na região de origem28. 25 TÖLÖLYAN, Khachig. “The contemporary discourse of Diaspora Studies” In: Comparative Studies of South Asia, Africa and the Middle East. Duke University Press, vol. 27, n. 3, 2007, p. 644. 26 Idem. “Rethinking Diaspora(s): Stateless Power in the Transnational moment. In: Diaspora: 5:1, 1996, p. 3. 27 Ibid., p. 10. 28 TÖLÖLYAN, K. op. cit., 2007, p. 642. 26 Porém, essa definição eliminava algumas comunidades, sobretudo africanas. Então, por volta de 1965, intelectuais negros começaram a defender a existência de uma diáspora africana, pois eles também emigraram após um fenômeno de violência sem precedentes – a escravidão – e a experiência do racismo os uniria enquanto uma comunidade29. Há, assim, um novo entendimento de diáspora que o distancia da ideia de dispersão. Para erigir esse conceito, é necessário observar os pontos que distinguem ambas as ideias: 1) uma diáspora é originada num evento catastrófico, o que envolve trauma, memória, comemoração e luto; 2) grupos diaspóricos têm uma identidade cultural coletiva que intenciona preservar elementos como língua, práticas culturais ou religiosas, de forma que permaneçam intactas ou se integrem de forma parcial na sociedade receptora, criando o fenômeno que é mais comumente conhecido como hibridismo; 3) os grupos diaspóricos possuem uma forte ideia de retorno, sobretudo aquelas diásporas oriundas de catástrofes como genocídios. Esse retorno nem sempre é físico, mas também pode se dar na forma de envio de remessas financeiras, viagens turísticas ou culturais e lobbying na sociedade receptora para beneficiar de alguma forma a terra natal e, finalmente; 4) uma diáspora, ao contrário de uma dispersão, não entraria, necessariamente, em colapso após algumas gerações porque seus membros deixariam de se sentirem parte de algo externo e se considerariam completamente integrados à sociedade receptora. Os membros da diáspora permanecem com a sua identidade híbrida, valorizando ambos os pertencimentos30 e criando etnicidades hifenizadas, na expressão de Lesser31. Temos que pensar diáspora para além de um conceito em si mesmo e como pode ser aplicado às ciências sociais, sobretudo com enfoque para as análises de relações internacionais, observando como grupos diaspóricos podem atuar como forças transnacionais, influenciando na ação de Estados nacionais e organismos interestatais. Inserir o conceito de diáspora na análise significa contribuir para a construção de abordagens mais complexas que visem a apreensão de atores sociais para além da esfera de Estados e instituições. Em trabalho seminal, Yossi Shain e Aharon Barth discutem como o estudo das diásporas deve fazer parte da teoria das Relações Internacionais. Para eles, as diásporas exercem uma função ímpar ao influenciarem no funcionamento da terra natal a partir de ações praticadas nas sociedades receptoras32. Contudo, a definição dos autores difere um pouco da formulação interdisciplinar 29 Ibid. 30 Ibid., pp. 648-9. 31 LESSER, Jeffrey. A Negociação da Identidade Nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo: Unesp, 2001. 32 SHAIN, Yossi & BARTH, Aharon. “Diasporas and International Relations Theory” In: International Organization. Cambridge: the IO Foundation, n. 57, 2003, p. 451. 27 oriunda dos Estudos Culturais de Khachig Tölölyan. Para Shain e Barth, a ideia do trauma fundador não está presente, tampouco o retorno. Mesmo assim, os pesquisadores abordam como a diáspora age enquanto força transnacional para influenciar as decisões políticas na terra natal. Nesse sentido, destacam a motivação principal para que um grupo diaspórico intervenha nos assuntos da pátria-mãe, isto é, a impressão de que as decisões tomadas por lá afetam todo o povo e não apenas os residentes. Não raramente, as diásporas têm relações internacionais próprias que divergem daquelas da pátria-mãe. Nesta pesquisa interessa observar como as diásporas podem agir não para influenciar a pátria-mãe ou terra natal, mas a sociedade receptora e seus tomadores de decisão, em prol de uma política externa que beneficie de alguma maneira o país de origem. Essa capacidade depende da coesão interna do grupo étnico e do trânsito que possuem nas esferas decisórias do país onde estão radicados33. Bons exemplos são os trabalhos das frações diaspóricas armênias ao redor do mundo para obterem o reconhecimento do genocídio armênio, ou ainda o lobby judaico nos EUA para manter o apoio norte-americano ao Estado de Israel. Portanto, não podemos obliterar o papel que essas pessoas exercem nas relações internacionais quando conseguem se reorganizar em comunidades em todos os cantos do planeta. Uma vez estabelecidas e tendo condições materiais, essas comunidades de imigrantes iniciam um trabalho de reconstrução das redes de sociabilidade, evoluindo rapidamente para a criação de uma pauta política que, frequentemente, se volta contra os causadores da violência em massa responsável pela dispersão. Aqui, é necessário fazer uma diferenciação entre os termos pátria-mãe e terra natal, tendo em vista as peculiaridades da ideia de nação para os armênios. Para a maior parte dos armênios dispersos nos anos 1910 e 1920, a terra natal imaginada – no sentido de local de nascimento – não era a república proclamada em 1918, tampouco a Armênia Soviética, a partir de 1920. Para eles, dispersados pela violência genocida do governo otomano entre a última década do século XIX e as primeiras do século XX, a terra natal imaginada eram as vilas e cidades do Império Otomano. Até a segunda metade dos oitocentos, a ideia de uma “nação” armênia no Império era restrita a noção de uma comunidade religiosa – conhecida pela denominação em turco millet – cuja autoridade máxima era o patriarca da Igreja. A partir de 1848, estudantes armênios radicados em Veneza e Paris foram os propulsores de um movimento 33 Cf. OGELMAN, Nedim; MONEY, Jeannette; MARTIN, Philip L. “Immigrant cohesion and political access in influencing host country foreign policy”. In: SAIS Review. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, Vol. 22, n. 2, 2002. 28 literário que arraigou tanto a língua armênia quanto as ideias de pátria ou nação, criando espaços alternativos de pertença nacional fora dos limites da Igreja e permitindo que armênios na Europa, Anatólia e Cáucaso compartilhassem ou disputassem visões de nação. Essa possibilidade de imaginar a nação armênia emergiu justamente, seguindo Benedict Anderson, quando essa elite intelectual que pendulava entre cidades europeias e a terra natal – seja no Império Otomano ou Russo – logrou êxito em quebrar o predomínio da Igreja no acesso à verdade ontológica por meio da escrita e na naturalização da verticalidade social – na qual o patriarca da Igreja Apostólica Armênia seria o líder da nação, pois assim definia as leis e costumes otomanos34. Após grade disputa entre diferentes grupos de interesses dentro do millet e tensões com a Sublime Porta, o governo otomano aceitou em 1863 um texto laico que regulava direitos e deveres dos armênios no Império, conhecido pelo nome de “constituição nacional armênia”, que garantia a eles certa autonomia cultural e religiosa35. A partir desse momento começou a existir a construção de uma ideia de nação para além dos limites de uma comunidade religiosa dentro do Império Otomano e passava a tomar forma a ideia de Armênia enquanto Estado-nação independente, com fronteiras, símbolos e tradições próprias, distintas daquelas dos impérios Otomano, Russo e Persa, onde os armênios eram autóctones, e, portanto, tinham como terra natal, mas já não como pátria. Há, então, a invenção da Armênia enquanto pátria- mãe de todos os armênios, ainda que suas fronteiras físicas e mentais sejam fluidas. Essa fluidez fica clara quando da independência da pequena República Armênia em 1918. Algumas lideranças armênias na diáspora, como Boghos Nubar, se recusaram por algum tempo de chamar o país na Transcaucásia de “Armênia” – assim como fariam os anticomunistas quando da existência da Armênia Soviética alguns anos mais tarde – pois esse não abrangia os territórios pleiteados junto ao Império Otomano nos fóruns internacionais, sobretudo as províncias orientais e a Cilícia, terra natal para a maior parte dos armênios na diáspora. Dessa forma, quando nos referimos aqui a pátria-mãe pela qual Etienne Brasil, diplomata armênio no Rio de Janeiro, trabalhava para ser (re)conhecida e amparada pelo seu país receptor, temos em mente uma nação imaginada como o lar nacional de todos os armênios, ainda que, na realidade, aqueles territórios, bandeira e idioma36 fossem estranhos para a maior parte deles. 34 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. Edições 70: Lisboa, 2012, pp. 56-57. 35 TERNON, Yves. Les Arméniens: histoire d’un génocide. Paris: Seuil, 1996, 2ª ed., pp. 50-53. 36 A língua armênia tem dois dialetos principais: o armênio ocidental, então falado no Império Otomano, que era, grosso modo, o dialeto usado pela comunidade armênia em Constantinopla e elevado ao status de dialeto “padrão” pelos intelectuais armênios na capital otomana no século XIX; e o armênio oriental, alavancado ao status de língua literária também no século XIX pela intelectualidade armênia baseada 29 Nas sociedades receptoras, as comunidades diaspóricas se organizam em grupos de interesse em busca de “pontos de acesso” nos governos locais para inserirem suas pautas e influenciarem os tomadores de decisão, tornando-se assim grupos de pressão. As táticas para atingir seus objetivos podem variar de acordo com as características do grupo de pressão, mas genericamente são delineadas por investidas pessoais, ações coletivas – como uma manifestação, por exemplo – propaganda e mobilização da opinião pública local para o apoio às reivindicações feitas37. Para Alexandre Sanson: A análise dos grupos de interesse – atores coletivos representativos da diversidade setorial em sociedades complexas, que espelham, quando albergados por um ordenamento jurídico, o pluralismo de modos de vivência necessário aos regimes democráticos, com cenário de ação específico e cujos fins originais possam ser não-políticos –; introduz a discussão nas camadas intermediais entre indivíduo e Estado, sendo organismos por meio dos quais seus membros, em virtude de característica, atividade ou necessidade comum, buscam a consecução de resultado inalcançável isoladamente, podendo, inclusive, limitar seus esforços estritamente a um assunto (single-issue). Trata-se, inegavelmente, de forças sociais que não monopolizam todas as ações humanas, havendo um campo decisório íntimo, mas, em coletividades gradualmente maiores – macrocosmos de múltiplos agrupamentos –, concentram, concomitantemente, grande parte das distintas facetas conviventes na pessoa (e.g. profissional, espiritual, ideológico)38. No caso em tela, a análise é feita a partir da ação de Etienne Brasil e um pequeno grupo de armênios radicados no Rio de Janeiro, que formaram de maneira espontânea um grupo de interesse buscando oferecer à sociedade receptora informações sobre os armênios e o tratamento dado a esse povo no Império Otomano, retomando a imagem de um povo cristão oprimido por muçulmanos e que, por isso, mereciam apoio do mundo ocidental “civilizado”, na luta contra a “barbárie”. A partir de 1918 e o estabelecimento da República Armênia, esse grupo de interesse se converteu em um grupo de pressão, quando Etienne Brasil coordenou investidas pessoais e coletivas nos pontos de acesso aos tomadores de decisão do governo brasileiro – sobretudo no Itamaraty, mas também no Catete durante o governo Epitácio Pessoa em Tiflis, falado na Armênia Russa e Pérsia. Para além das subdivisões da língua armênia – inclua-se ainda o grapar, ou armênio clássico, utilizado pela Igreja – deve-se ter em consideração que a língua franca para os armênios otomanos era o turco, idioma que, não raramente, era o único falado por armênios em algumas regiões, o que parece ser o caso de Etienne Brasil. Cf. KARAPETIAN, Shushan. How Do I Teach My Kids My Broken Armenian?: A Study of Eastern Armenian Heritage Language Speakers in Los Angeles. Los Angeles: Ph.D., Near Eastern Languages & Cultures, 2014. 37 RODRIGUES, Leda Boechat. “Grupos de pressão e grupos de interesse”. In: Curso de Introdução à Ciência Política. Brasília: Centro de documentação política e relações internacionais da Universidade de Brasília, 1974, p. 146. 38 SANSON, Alexandre. Dos Grupos de Pressão na Democracia Representativa: os limites jurídicos. São Paulo: Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como requisito para obtenção do título de Doutor em Direito do Estado, 2013, pp. 93-94. 30 – a fim de envolver o Brasil no esforço costurado nos bastidores da Conferência de Paz de Paris para garantir aos armênios um Estado independente com as dimensões territoriais historicamente almejadas, dilapidando assim a porção oriental do recém-derrotado Império Otomano. O auge da pressão dos armênios no Brasil ocorreu quando Etienne obteve permissão para representar diplomaticamente o país junto ao governo brasileiro. Utilizando conexões pessoais construídas ao longo de anos de trabalho no Rio de Janeiro como sacerdote, professor, jornalista e membro de diversas instituições educacionais e intelectuais, Etienne identificou os pontos de acesso, conseguindo assim interpelar diretamente o Presidente da República Epitácio Pessoa – numa quebra do protocolo diplomático – desejoso que o Brasil reconhecesse a independência da Armênia e tomasse partido o mais rápido possível em um esforço internacional coordenado pela Liga das Nações para garantir a estabilidade do país e afastar a ameaça turca sobre os territórios prometidos aos armênios. Contudo, por mais habilidoso e audaz que fosse Etienne Brasil no seu papel de convencimento e por mais eficazes que fossem seus contatos e estratégias para ser recebido e ouvido no Itamaraty e Catete, suas investidas precisavam ter lastro moral, político e econômico para que as reivindicações de um pequeno e longínquo país fizesse sentido no Brasil da virada dos anos 1910-1920. Para tanto, o intelectual apostou no binômio pragmatismo x humanitarismo para convencer a sociedade receptora e tomadores de decisão de que apoiar a causa armênia seria do interesse brasileiro. Por pragmatismo, Etienne Brasil e seus compatriotas propagandeavam as vantagens comerciais que o Brasil teria ao reconhecer a República Armênia, para onde poderia vender café e demais produtos agrícolas, comprar azeite, tapetes e outros produtos orientais, além de poder utilizar os serviços de comerciantes armênios estabelecidos nos principais portos do Oriente Médio para a troca de mercadorias. Além disso, o intelectual e diplomata lembrava que o governo brasileiro, ao apoiar e ajudar os armênios, se colocaria entre as nações de vanguarda no sistema internacional ao mostrar às demais nações – e principalmente aos EUA – que o país figurava no rol das Potências no pós-guerra. No campo humanitário, o intelectual fazia questão de ressaltar, sempre que tinha oportunidade, a herança cristã dos armênios e os esforços que esse povo fez em prol dos aliados durante a Guerra e o alto preço pago em vidas humanas, seja em baixas no front de batalha, seja em massacres organizados pelo governo otomano. Não era raro apresentar, nas narrativas de armênios e apoiadores, seja no Brasil, no América do Norte ou na Europa, a Armênia enquanto 31 último bastião cristão no Oriente, cujo papel seria crucial na defesa do cristianismo e civilização contra a barbárie muçulmana39. A estratégia era criar uma “compaixão organizada” no Ocidente para o sofrimento armênio, o que o historiador norte-americano Keith David Watenpaugh identifica como a origem do “humanitarismo moderno”. Segundo ele, a Guerra e o genocídio armênio causaram um número nunca antes visto de refugiados e minorias perseguidas, o que gerou mobilização na Europa e Américas para ajudar os que se encontravam em dificuldade no chamado Mediterrâneo Oriental. Estima-se que, ao final da Grande Guerra, existiam 300 mil refugiados armênios, dos quais 285 mil estavam provisoriamente assentados em territórios do Oriente Médio, sobretudo no Levante40. A Guerra deu ensejo à criação do humanitarismo que superou o modelo de ajuda de grupos de missionários por um tipo secular41. O humanitarismo moderno tem, segundo Watenpaugh, quatro componentes-chave: primeiro, uma definição de sofrimento que vai além de fome ou morte e inclui aspectos sociais, políticos, legais e culturais; segundo, o uso da História e das Ciências Sociais para categorizar tal sofrimento; terceiro, ele mescla as ideias de civilização e humanidade e equipara uma noção ecumênica de cristianismo à de “civilização”; e por último, o uso de uma linguagem reformista em termos políticos e sociais e o que era chamado na época de “filantropismo científico” para encaminhar a assistência aos que sofrem42. Assim, “[…] o humanitarismo dá mais do que apenas uma resposta ao sofrimento físico; ele personifica um esforço burocraticamente organizado e um conhecimento especializado para corrigir os seres humanos, reconectá-los com suas comunidades e devolvê-los à humanidade”43. Nesse sentido, ideias como “neutralidade”, “seletividade” e “não governamentabilidade” são centrais. Embora seja sabido que a pretensa “neutralidade” é inexistente e que toda “ajuda humanitária” endereçada estava intrinsicamente ligada a uma lógica colonial e nacional, Watenpaugh chama atenção para o fato de que os envolvidos acreditavam que suas ações eram altruístas e isentas de interesses outros além da compaixão. O historiador também destaca como essa ideia de “neutralidade” no humanitarismo moderno foi transplantada para o conceito de 39 LAYCOCK, Jo. Imagining Armenia: Orientalism, ambiguity and intervention. Manchester: Manchester University Press, 2009, p. 113. 40 Ibid., pp. 146-147. 41 WATENPAUGH, Keith David. Bread from Stones: the Middle East and the making of Modern Humanitarianism. Oakland: University of California Press, 2015, p. 32. 42 Ibid., pp. 59-60. 43 “[…] the humanitarianism addressed more than just a response to their bodily suffering; it embodied a bureaucratically organized and expert knowledge-driven effort to repair their human being, reconnect them to their communities, and restore them to humanity”. Ibid., p. 15. 32 direitos humanos, assumindo um caráter de que esse último estaria “para além da política”44. Jo Laycock observa a mesma ideia presente nos apoiadores da causa armênia na Grã-Bretanha, onde “muitos armenófilos estavam empenhados em enfatizar a natureza ‘não partidária’ de seus interesses na causa”45. A “seletividade” do humanitarismo moderno também interessa, na medida em que a ajuda enviada pelo Ocidente era endereçada não para todos os que precisavam, mas especificamente para os cristãos que eram alvo de perseguição do Império Otomano, sobretudo armênios, embora houvesse milhares de muçulmanos e outras minorias não cristãs em condições degradantes na região. Refletindo, por exemplo, sobre a ajuda da Grã-Bretanha aos armênios, Watenpaugh afirma que “[…] a ação britânica foi motivada não por uma noção universal de direitos humanos, mas por uma identificação transitória da utilidade dos armênios para finalidades geopolíticas e como um ato de solidariedade cristã para uma ‘nação’ cristã em risco.”46 Em outras palavras: “[…] durante a Grande Guerra no Oriente Médio, algumas emergências humanitárias ensejaram uma resposta humanitárias. Outras não”47. Nesse sentido, o humanitarismo moderno se distingue da ideia contemporânea de direitos humanos, na medida em que o primeiro é particularista, enquanto o último é universalista48. Também é importante notar como a imagem dos armênios como “povo necessitado” foi forjada pela comunidade internacional e pela Liga das Nações após a emergência da República da Turquia e a falência de um projeto de um Estado-nacional para os armênios49, como forma de aplacar a opinião pública ocidental após anos de pressão dos apoiadores dos armênios que defendiam a importância de garantir àquele povo um torrão nacional. Nas palavras de Richard Hovannisian, “se a questão [armênia] era uma questão de sobrevivência física e política para o povo armênio, era igualmente um problema de comprometimento moral e honra para o mundo civilizado” 50. Essa imagem foi, em grande parte, construída por meio de ações de organizações não vinculadas a governos, como as diversas missões protestantes norte-americanas e europeias que estavam no Império Otomano desde o final do século XIX na tentativa de converter os 44 Ibid., p. 20. 45 “Many Armenophiles were keen to stress the 'non-party' nature of their interest in the cause”. LAYCOCK, J. op. cit., p. 25. 46 WATENPAUGH , K. op. cit., 2015, p. 21. 47 “[…] during the Great War in the Middle East, some humanitarian emergencies prompted a humanitarian response. Some did not”. Ibid., p. 32. 48 Ibid., p. 137. 49 Ibid., p. 28. 50 “ if that [Armenian] question was a matter of physical and political survival for the Armenian people, it was equally a matter of moral commitment and honor for the civilized world”. HOVANNISIAN, Richard G. The Republic of Armenia: from London to Sèvres, February-August 1920. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1996, vol. III, p. 372. 33 chamados “cristãos primitivos” às diversas ramificações do protestantismo. Esses grupos de missionários atuavam em pequenas vilas e cidades otomanas, oferecendo infraestrutura básica de saúde e educação para as populações que lá viviam, criando uma estrutura semissecular, o que permitia a colaboração com a sociedade otomana51. Muitos desses missionários escreviam relatórios, artigos e livros sobre as experiências que vivenciaram no interior do Império Otomano, sobretudo durante a Grande Guerra e o genocídio, mas também sobre as dificuldades do pós-guerra. Esses escritos criaram um novo gênero na literatura norte-americana, cujas histórias de sofrimento e superação davam a tônica das narrativas e ajudavam a criar empatia entre o povo norte-americano e os armênios em dificuldade na Anatólia e Levante.52 Por outro lado, esses mesmos textos aprofundavam a imagem do Ocidente acerca do Império Otomano e do Oriente, como uma terra de selvageria e barbárie onde haveria de acontecer uma “missão civilizadora”, cuja humanização e modernização seria o “fardo do homem branco”53, para lembrar o célebre poema de Rudyard Kipling escrito em 1899. Watenpaugh assim resume a criação de uma imaginação humanitária entre o “sujeito” – Ocidente – e o “objeto” – o “oriental” – da ação, levando em consideração o surgimento de grupos de interesse e o estabelecimento de pontos de contato entre as duas partes, gerando empatia através de um discurso que valoriza narrativas civilizatórias que, ao fim, desagua nas pragmáticas necessidades políticas e morais ocidentais para com o grupo-alvo da ação humanitária: Criar, ou talvez, se tornar um objeto do humanitarismo foi um ato gradativo que derivou não só da severidade da necessidade, mas também do jeito que os indivíduos e grupos necessitados foram inscritos no imaginário humanitário. Nesse sentido, o imaginário humanitário é o princípio organizado da compaixão organizada: é definido pelos encontros históricos entre os sujeitos e os objetos do humanitarismo; pela existência de grupos constitutivos, defensores e diásporas; pelo predomínio da lógica das narrativas civilizacionais; e por quão bem-sucedida é a criação e a manutenção de empatia. O imaginário humanitário é também moldado pela forma como a salvação dos que estão em perigo vai ao encontro da necessidade política e moral do sujeito do humanitarismo, e se os que recebem ajuda são avaliados como merecedores ou não dessa ajuda. A característica mais importante do imaginário humanitário é, todavia, como a emergência é formulada e depois entendida como um problema para a humanidade porque é um problema da humanidade. [...] é uma resposta emocional e intelectual criada mais do que no reconhecimento da humanidade do objeto; é formada por meio da narrativa, imagética fotográfica e identificação formal em um ato de solidariedade de classe, social ou religiosa54. (grifos do autor) 51 WATENPAUGH, D. op. cit., 2015, pp. 17-18. 52 Ibid., p. 26. 53 Ibid., p. 5. 54 “Creating or perhaps becoming an object of humanitarianism was an accretive act that derived not just from the severity of need but also from the way groups and individuals in need became inscribed in 34 Por meio de artigos publicados na imprensa, Etienne tentou criar no Brasil a mesma comoção que existia na América do Norte para com os armênios, utilizando da situação periclitante daquele povo e da imagem estereotipada do Império Otomano para comover a opinião pública e os tomadores de decisão da importância de apoiar suas reivindicações no pós- Guerra, no contexto da Conferência de Paz de Paris de 1919 e nos fóruns da recém-criada Liga das Nações. Nas páginas seguintes, veremos como esse intelectual e seu pequeno grupo de apoiadores, conseguiu ser o elo entre a elite política armênia no mundo – seja na República Armênia a partir de 1918, seja na diáspora – e a elite política brasileira, trabalhando para inserir os interesses armênios na agenda da política externa brasileira. Em suma, Etienne Brasil foi um dos primeiros vetores de difusão das ideias do humanitarismo moderno no Brasil – com toda a carga colonialista e orientalista que isso possui – trazendo para o debate na imprensa e nos círculos políticos a necessidade moral e o dever civilizatório do povo e do governo brasileiro em apoiar os armênios. Aqui, as formulações de Edward Said sobre a representação ocidental acerca do Oriente e as relações de poder daí decorrentes são particularmente úteis na medida em que os escritos de Etienne Brasil sobre a relação de turcos e armênios exploravam o máximo possível a ideia de uma nação cristã – cujos padrões civilizatórios seriam dignos da cultura europeia – martirizada ante a “ferocidade dos turcos, bárbaros osmanlis”, nos termos desse intelectual. Todavia, a visão orientalista da relação entre armênios e turcos também recai sobre os primeiros, uma vez que esses, apesar dos esforços de armênios e armenófilos para trazê-los para perto da chamada civilização ocidental, ainda permaneciam geográfica e mentalmente distantes dos habitantes de cidades como Londres, Paris, Nova York e Rio de Janeiro. Os armênios, afinal, não figuravam entre as grandes civilizações do Oriente Próximo, que seriam as fundações da cultura ocidental, tais como os gregos, egípcios, hebreus e mesopotâmios. Porém, eram cristãos, cuja ancestralidade religiosa remetia aos tempos do Velho Testamento e passava the humanitarian imagination. In this sense, the humanitarian imagination is the organizing principle of organized compassion: it is defined by historical encounters between the subjects and objects of humanitarianism; by the existence of constituencies, advocacy groups, and diasporas; by the prevailing logics of civilizations narratives; and by how successfully empathy is created and then sustained. The humanitarian imagination is additionally shaped by how the salvation of those in danger meets the political and moral needs of the humanitarian subject, and whether or not those helped are gauged to be deserving of that help. The most critical feature of the humanitarian imagination, however, is how the emergency is formulated and then understood as a problem for humanity because it is a problem of humanity. […] it is an emotional and intellectual response that is built on more than an acknowledgement of the humanity of the object, but is formed through narrative, photographic imagery, and formal identification in an act of class, social, or religious solidarity.” Ibid., pp. 33-34. 35 pela chancela de acontecimentos como o fato de ter sido um reino armênio o primeiro a proclamar o cristianismo como religião oficial e o apoio armênio ao Ocidente durante as Cruzadas. A arquitetura e demais expressões artísticas também eram consideradas à altura de serem rotuladas como “civilizadas”. Por ser um povo de fronteira, um espaço “entrelugares”55, como destaca a historiadora britânica Jo Laycock, as representações da Armênia no Ocidente desafiam a ideia de Said sobre o Orientalismo56. “Ao invés disso”, nas palavras da autora, “imagens da Armênia têm sido caracterizadas pela ambiguidade e fluidez”57, ainda que o intelectual palestino- americano tenha arrolado os armênios ao lado de outras minorias as quais a Europa tinha planos para execução de suas “políticas orientais”58, abrigando os “orientais” sob um mesmo teto e reforçando o Orientalismo como um discurso que implica em oposição, enquanto a análise para os armênios – e outros povos, como os balcânicos – deve ser feita com base em um discurso de “ambiguidade imputada”59. Portanto, os aportes de Laycock servem como uma necessária atualização e importante complemento às formulações de Said para a análise da representação dos armênios no Ocidente, o que inclui os textos de Etienne Brasil no Rio de Janeiro do começo do século XX . A vinculação entre pragmatismo e humanitarismo não foi a estratégia utilizada apenas pelos armênios para alcançar o governo brasileiro. O Catete e o Itamaraty também lançaram mão das mesmas ideias para projetar o Brasil no sistema internacional do final dos anos 1910 e início dos anos 1920. Veremos como a “ilusão de poder” do Brasil no cenário pós- Grande Guerra fez com que os tomadores de decisão apostassem na ideia do país como uma potência global, cujos interesses deveriam ir além das questões hemisféricas. Assim, a imagem de um povo cristão em perigo, cujo Estado nacional só poderia ser garantido se uma potência o tutelasse, soou como uma oportunidade para que o governo Epitácio Pessoa mostrasse a 55 In-between spaces, no original. 56 LAYCOCK, J. op. cit., p. 19 57 “ Instead images of Armenia have been characterised by ambiguity and fluidity”. Ibid., p. 11. 58 “[...] muito próxima ao centro de toda a política européia no Leste, estava a questão das minorias, cujos 'interesses' as Potências, cada uma a seu modo, afirmavam proteger e representar. Judeus, ortodoxos gregos e russos, drusos, circassianos, armênios, curdos, as várias pequenas seitas cristãs: todos esses eram objeto de estudos, planos e projetos das Potências Européias, que improvisavam e construíam a sua política oriental”. SAID, Edward W. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 265. 59 LAYCOCK, J. op. cit., p. 33. 36 capacidade brasileira em se envolver em assuntos internacionais, sobretudo aqueles que eram de interesse direto dos EUA de Woodrow Wilson, de quem Pessoa era admirador. A ideia inicial para esta pesquisa nasceu do contato com arquivos particulares de famílias de imigrantes armênios em São Paulo, bem como com as bibliotecas e arquivos das entidades comunitárias, onde há um grande número de jornais, revistas, panfletos e livros produzidos pelos armênios em São Paulo desde os anos 1920. Durante essas incursões, surgiu a figura de Etienne Brasil, mencionado en passant em alguns textos e publicações comunitárias60 como o primeiro diplomata da Armênia no Brasil, sem maiores detalhes sobre sua biografia ou trajetória profissional. Causava estranheza a falta de informações sobre esse indivíduo de nome peculiar que foi o primeiro representante diplomático da efêmera República Armênia (1918-1920) no Rio de Janeiro, onde havia poucos armênios e quase nenhum traço de uma vida comunitária. Pairava no ar a dúvida de como e porque uma representação diplomática armênia foi estabelecida na então capital federal nos anos 1910 e, sobretudo, qual teria sido a sua ação junto ao Catete e ao Itamaraty. Tais questionamentos começaram a se tornar menos turvos quando a historiadora Monique Sochaczewski Goldfeld mencionou a existência de uma pasta da “Legação Armênia no Brasil” no Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro, que contém algumas cartas enviadas por Etienne Brasil ao Ministério de Relações Exteriores e à Presidência da República, tentando obter junto ao governo brasileiro sua acreditação como diplomata e, posteriormente, o reconhecimento brasileiro da independência da República Armênia proclamada em 28 de maio de 191861. Essa documentação é desconhecida da historiografia armênia, seja na República, seja na diáspora. Mesmo historiadores que mencionam Etienne Brasil como Richard Hovannisian, Vartan Matiossian, Narciso Binayán Carmona e Pascual Carlos Ohanian, não tiveram acesso aos documentos do Itamaraty. Também aos historiadores da política externa brasileira é estranha a história de Etienne e sua ação junto ao governo do Brasil. Com a leitura das cartas de Etienne Brasil depositadas no Arquivo Histórico do Itamaraty é possível encontrar menções feitas pelo então diplomata a artigos publicados por ele mesmo na imprensa fluminense ao longo dos anos, o que deixou clara a necessidade de explorar outros arquivos além dos diplomáticos. Para tanto, foi de fundamental importância a utilização 60 Cf. VARTANIAN, Yeznig. Brazilioh Hay Kaghuthë: Badmagan Degheguthiunner ev Jamanagakruthiun 1860-ên mintchev 1947-i Vertchë. Buenos Aires: Siphan, 1948. 61 Tais documentos foram citados pela historiadora em sua tese de doutorado. Cf. GOLDFELD, Monique Sochaczewski. op. cit. 37 da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional. Etienne Brasil escreveu, desde 1908, quando chegou ao país, até o início dos anos 1920, mais de trezentos artigos, afora livros e material didático. A maioria desses textos trata, total ou parcialmente, da história dos armênios e da reivindicação do povo armênio por liberdade e autonomia no Império Otomano, ou ainda versa sobre o Império Otomano e o povo turco, em análises marcadas pelo Orientalismo e uma visão estereotipada do Islã e do Oriente. Assim, para além de uma história da política externa brasileira vis-à-vis a causa armênia que pode ser apreendida por meio dos documentos diplomáticos, podemos analisar como a retórica de Etienne Brasil – apresentando os armênios como um povo cristão oprimido e ameaçado pelo poder imperial otomano muçulmano – ajudou a lançar as bases do humanitarismo moderno no Brasil. Movimento semelhante pode ser observado na Europa e nos EUA, sobretudo com relação à questão latente de como lidar com milhares de sobreviventes que não tinham pátria nem terra e se acumulavam em campos de refugiados no Oriente Médio. Mesmo com o cotejamento da documentação diplomática depositada com o material publicado na imprensa fluminense, o corpus documental ainda estava incompleto. No Arquivo Histórico do Itamaraty, somente se pode encontrar as cartas enviadas por Etienne Brasil ao Ministério de Relações Exteriores. Nesse fundo não há as cartas recebidas por Etienne desde o Itamaraty, tampouco as missivas enviadas pelo governo armênio dando instruções de como ele deveria proceder enquanto representante diplomático – esses documentos provavelmente se perderam, pois não havia à época uma instituição armênia no Brasil para custodiá-los. Contudo, ainda há outra parte desse corpus que pode ser consultado: são as cartas enviadas por Etienne Brasil à Delegação da República Armênia em Paris, que comandava de fato a política externa do país entre 1918 e 1920, depositadas nos arquivos da Federação Revolucionária Armênia em Massachusetts, EUA, cuja consulta não é permitida devido a questões logísticas e estratégicas. Entretanto, alguns pesquisadores que tiveram a chance de trabalhar nesses arquivos antes deles serem definitivamente fechados conseguiram fazer cópias em microfilme de uma parte do acervo e assim, contando com a colaboração desses, foi possível consultar as cartas de Etienne Brasil aos seus superiores. A República da Armênia também possui documentos importantes para esta pesquisa. Nos arquivos de Yerevan, foram descobertas algumas cartas de Etienne Brasil a Archag Tchobanian, intelectual e político armênio radicado na França no início dos anos 1910. Nessas missivas, Etienne discutia, anos antes da independência da Armênia e de sua nomeação 38 como diplomata, o futuro do povo armênio e quais seriam os caminhos para criar uma nação livre. Tais documentos ajudaram a preencher uma lacuna na trajetória do intelectual e diplomata, uma vez que as informações sobre suas ações antes de 1915 são escassas. Além disso, no Arquivo Nacional da República da Armênia foi encontrada documentação concernente à questão armênia na Liga das Nações, incluindo o posicionamento do Brasil sobre essa matéria, além de correspondências entre autoridades armênias no mundo cogitando a possibilidade de incentivar a imigração de refugiados para território brasileiro. É evidente a importância da pesquisa multiarquivos no caso de análises de história diplomática e das relações internacionais. Entretanto, no contexto desta pesquisa, a urgência é ainda mais latente, na medida em que não é uma análise de uma relação bilateral, ou da ação de um único ator em um determinado contexto multilateral, mas a interação entre um país receptor, um povo diaspórico com múltiplos centros decisórios e organizações intergovernamentais. Evidentemente, há desafios metodológicos, sobretudo no trato com fontes de naturezas distintas, muitas vezes apresentando informações contraditórias. Esses desafios devem ser superados com cuidado redobrado por parte do pesquisador, que precisa estar atento para o movimento dos atores sobre uma determinada pauta em espaços distintos, tentando sempre apreender as nuances de discursos quando o público receptor é o interno ou o externo, um par ou um superior, um leigo ou um perito, etc. No capítulo I, discutiremos brevemente a situação dos armênios no Império Otomano, sobretudo durante a Grande Guerra, e suas aspirações após a independência da pequena República Armênia em 1918. No capítulo II, apresentaremos a chegada da causa armênia no Brasil e a ação de Etienne Brasil como intelectual diaspórico na função de divulgador da história do povo armênio e das reivindicações históricas deste na sociedade receptora. No capítulo III, será o trabalho diplomático de Etienne Brasil junto ao governo brasileiro o foco da análise, mostrando como ele construiu um grupo de interesses no Rio de Janeiro da virada dos anos 1910-1920 para tentar influenciar as decisões de política externa da sociedade receptora. No capítulo IV, analisaremos o Brasil no contexto do multilateralismo no pós-guerra e como os tomadores de decisão utilizaram as demandas armênias de acordo com o interesse das elites políticas brasileiras. 200 6 CONCLUSÃO Em janeiro de 1923, Etienne Brasil escreveu ao político e historiador radicado em Marselha, Mikayel Varandian, em resposta a um pedido de informações sobre a fração diaspórica armênia na Argentina. Em sua réplica, Etienne forneceu as informações requisitadas e aproveitou para condenar a delegação armênia chefiada por Avetis Aharonian e, no limite, a República Armênia, que nessa altura não mais existia como uma nação independente no sistema internacional, pelas atitudes equivocadas tomadas durante sua curta existência. Com sinceridade e aspereza características de alguém que julgava que não tinha nada a perder e que os seus antigos superiores eram os responsáveis pela falência de seus projetos, Etienne Brasil não poupou críticas às decisões tomadas pela delegação e pelo governo armênio, mesmo sabendo que Varandian ocupava postos importantes na hierarquia do Dashnak na França e que, eventualmente, suas palavras chegariam aos ouvidos de Aharonian. Na carta-resposta, Etienne afirma que na Argentina “nós não temos nada”, por dois motivos. O primeiro seria a divisão política da coletividade armênia lá existente – composta por cerca de 6 mil pessoas, de acordo com as suas estimativas – e o segundo seria a precariedade de seu título de representante diplomático, que nunca foi confirmado pelo governo armênio ou pela delegação diretamente aos países sul-americanos: Tudo que consegui aqui não foi em virtude do meu título duvidoso, mas por causa das minhas relações, pela influência de meus amigos e nada mais. [...] Nossa delegação, ainda que seu esforço seja louvável, cometeu alguns erros grandes que nos causou prejuízos incalculáveis 713. Com essas palavras, Etienne Brasil tentava resumir o que teria sido o seu trabalho diplomático no Brasil e na América do Sul em 1919 e 1920: uma mistura de voluntarismo com a exploração de redes de contatos que o conectava com os círculos decisórios brasileiros – e sul-americanos – além de intensa propaganda na imprensa, dando assim aderência às demandas armênias no contexto da sociedade receptora. Quando chegou ao Rio de Janeiro, na condição de padre e intelectual de educação europeia e origem armênia, Etienne Brasil – naquela altura Ignace Etienne ou Etienne Ignace Brasil – conheceu alguns armênios abastados e anteriormente estabelecidos, como Mihran Latif e Levon Apelian, e fez deles a sua base social, política e econômica. Uma vez que o Rio de 713 Etienne Brasil a Mikayel Varandian. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1923 (ARFA). 201 Janeiro dos anos 1910 não possuía um número de armênios significativo para dotá-lo de apoio quantitativo ante a sociedade receptora, a estratégia utilizada foi a aproximação de indivíduos com grande inserção social e econômica que pudessem servir como credenciais para que Etienne Brasil fosse recebido nos círculos mais restritos da sociedade carioca. Em troca, o intelectual – ele mesmo parte do que Tölölyan chamou de “elite da diáspora” – oferecia a Mihran Latif e Levon Apelian seu trabalho como vetor da causa armênia no Brasil, mobilizando argumentos nacionalistas, religiosos e emocionais para convencê-los a apoiar a pátria-mãe em perigo, além de oferecer vantagens comerciais que poderiam ser exploradas pelos homens de negócios no Rio de Janeiro quando do reconhecimento da independência da Armênia pelo Brasil e a consolidação daquela república no sistema internacional. Etienne Brasil colocava-se, assim, como intermediário entre os que dizia representar – isto é, armênios do Brasil, os quais poucos eram cidadãos brasileiros – e o Estado brasileiro, agindo como o líder de um grupo de interesse desejoso de inserir uma pauta determinada na agenda do Estado receptor. Para tanto, lançava mão da imprensa para criar lastro intelectual e tornar a causa armênia conhecida nas esferas médias e altas da sociedade brasileira, público-leitor dos jornais e revistas, explorando largamente a imagem orientalista de armênios cristãos perseguidos por turcos muçulmanos dentro do “incivilizado” Império Otomano. Contudo, Etienne não atuava como líder de um grupo de interesse comum, isto é, mediador entre indivíduo(s) e Estado, mas era um vértice na relação entre a pátria-mãe, a sociedade e o Estado receptor e a fração diaspórica ali estabelecida. Nesse sentido, é interessante refletir sobre a permeabilidade do Estado brasileiro às demandas de Etienne Brasil e a aderência que a causa armênia teve na sociedade brasileira dos anos 1910-1920. O trânsito que o intelectual disfrutava na imprensa fluminense – que permitia com que ele publicasse seus artigos com frequência – obtido ainda no início da década de 1910 foi facilitado pelo pertencimento à Igreja Católica e sua educação europeia, colocando-o numa posição de autoridade do saber no Rio de Janeiro. A partir daí ele pôde apresentar-se aos armênios da capital federal e colocar sua entrada na imprensa à serviço da causa, que já estava em evidência no Ocidente desde a década de 1890 e ganhou força a partir de 1915. Avalizado pela imprensa e pelos seus compatriotas, Etienne fundou entidades – normalmente compostas por ele mesmo e um ou dois armênios – cobrindo-se de um verniz institucional que lhe daria mais credibilidade ao se dirigir aos líderes armênios na Europa ou aos tomadores de decisão no Brasil. Agia, portanto, como um mediador cultural do Oriente na Belle Époque. Pouco a pouco, ele conseguiu convencer seus interlocutores não armênios da relevância da causa e da 202 necessidade de apoiar as reivindicações de seus compatriotas, estabelecendo canais de comunicação com potenciais apoiadores que variavam desde proprietários de jornais no Rio de Janeiro ou funcionários da burocracia brasileira até diplomatas estrangeiros ou a Rainha da Bélgica. Ao mesmo tempo, Etienne Brasil persuadiu intelectuais e políticos armênios sobre a sua utilidade na defesa dos interesses armênios no Brasil – sobretudo comerciais e migratórios, no primeiro momento, abrangendo, mais tarde, apoio político e, no limite, o mandato – até obter a permissão de Paris para representar oficialmente a República Armênia na América do Sul. Assim, ele expandiu sua influência no Rio de Janeiro, avalizado pelos compatriotas na cidade e pelas lideranças armênias na Europa para trabalhar pela pátria que ele chamava de sua, buscando uma aproximação com Epitácio Pessoa, seu gabinete e outros políticos influentes que deveriam ser convencidos da urgência da causa. Epitácio Pessoa, por sua vez, não pertencente às grandes oligarquias brasileiras que comandavam a política nacional, “tenta mostrar-se independente das injunções partidárias”714 apostando numa política externa vultosa enquanto enfrentava o oposicionismo crescente no plano interno. Problemas na Bahia e Amazonas, a franca oposição dos militares e a crescente ofensiva da imprensa mitigavam o apoio a Pessoa, cujo desgaste foi acentuado no final de 1920, justamente quando as demandas armênias ganharam mais fôlego. Não por acaso, foi nesse período que o Brasil reconheceu a independência da República Armênia e, ao tomar conhecimento do chamado da Liga das Nações e dos EUA por um esforço conjunto para manter a integridade territorial armênia, Epitácio Pessoa decidiu por responder positivamente, juntando-se a Espanha no que se transformaria em uma missão humanitária. Ao mesmo tempo em que o mandatário brasileiro se encontrava cercado de críticos e opositores, ele deu um passo em direção às reivindicações armênias, aumentando seu prestígio junto à coletividade armênia do Brasil, cujo poder econômico e social poderia lhe ser politicamente útil, em um movimento que permitiu que seu governo pudesse explorar o altruísmo, por meio do discurso humanitário, tanto no plano interno quanto externo. No fim, o aceite brasileiro no esforço conjunto em prol dos armênios não se concretizou, mas o país continuou a ser visto como um player importante no sistema internacional, ainda que longe do status de potência, mas igualmente distante do espaço que as outras nações latino-americanas ocupavam. Isso pode ser mensurado pela manutenção do Brasil no assento temporário do Conselho da Liga até 1926, quando Artur Bernardes superestimou o poder brasileiro e retirou o país da entidade, ou ainda pela nomeação