UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Odontologia de Araraquara Gabriela Cardoso Silva Guia de anestésicos locais para profissionais da área de odontologia Araraquara 2024 UNESP - Universidade Estadual Paulista Faculdade de Odontologia de Araraquara Gabriela Cardoso Silva Guia de anestésicos locais para profissionais da área de odontologia Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araraquara, da Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do grau de Cirurgião-dentista. Orientador: Prof. Dr. Fabio Cesar Braga de Abreu e Lima Araraquara 2024 UNESP - Universidade Estadual Paulista Faculdade de Odontologia de Araraquara Gabriela Cardoso Silva Guia de anestésicos locais para profissionais da área de odontologia Orientador: Prof. Dr. Fabio Cesar Braga de Abreu e Lima Assinatura Orientador: Assinatura Aluno(a): Araraquara, 25 de outubro de 2024 AGRADECIMENTOS À minha família, que foi a principal fonte de incentivo e apoio para que eu pudesse realizar o sonho de cursar odontologia em uma Universidade Pública. À minha república Rep. Hour, que foi meu lar em Araraquara e a principal rede de apoio durante a jornada acadêmica e pessoal. Aos amigos da odontologia e, também, de outros cursos que a UNESP me proporcionou, tornando o cotidiano mais leve e feliz até aqui. Ao meu professor e orientador, que me auxiliou até aqui para que eu pudesse concluir essa etapa importante. Muito obrigada! Silva GC. Guia de anestésicos locais para profissionais da área de odontologia [Trabalho de Conclusão de Curso – Graduação em Odontologia]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2024. RESUMO Com a descoberta das propriedades da cocaína para o uso de anestésicos locais na medicina, deu-se início à uma nova era da odontologia ao utilizar-se desses fármacos para um tratamento menos doloroso e mais confortável aos pacientes. A evolução dos estudos quanto ao desenvolvimento de novos anestésicos que fossem mais eficientes e menos tóxicos ao organismo, assim como o estudo da anatomia e técnicas para uma melhor aplicação e suas devidas indicações e contraindicações dos tipos de fármacos, auxiliaram para que houvesse a melhor abordagem para a realização de procedimentos odontológicos. Neste trabalho, utilizou-se da revisão de artigos científicos para o desenvolvimento de um guia prático, que tem como público alvo cirurgiões dentistas recém formados, com a finalidade de proporcionar uma fonte confiável de acesso breve a informações sobre as principais técnicas anestésicas locais e o auxílio na escolha do tipo de fármaco. Dentre os anestésicos abordados, destacam-se os principais utilizados atualmente no Brasil, além de técnicas de bloqueio e infiltrativas em maxila e mandíbula, cálculo de dosagem e principais contraindicações. Palavras – chave: Anestésicos locais. Cocaína. Revisão. Odontologia. Silva GC. Practical guide to local anesthetic techniques for dental professionals [Trabalho de Conclusão de Curso – Graduação em Odontologia]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2024. ABSTRACT With the discovery of cocaine's properties for use as local anesthetics in medicine, a new era in dentistry began, utilizing these drugs to provide less painful and more comfortable treatments for patients. The evolution of research into the development of new anesthetics that are more effective and less toxic to the body, as well as the study of anatomy and techniques for better application and the indications and contraindications of different drugs, has contributed to improved approaches in dental procedures. This work involves a review of scientific articles to develop a practical guide aimed at newly graduated dentists, with the goal of providing a reliable and concise source of information on the main local anesthetic techniques and assisting in the selection of the appropriate drug. Among the anesthetics discussed, the main ones currently used in Brazil are highlighted, along with techniques for block and infiltrative anesthesia in the maxilla and mandible, dosage calculations, and key contraindications. Keywords: Anesthetics, local. Cocaine. Review. Dentistry. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 08 2 PROPOSIÇÃO .................................................................................................. 10 3 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................ 11 3.1 Farmacologia e Mecanismo de Ação dos Anestésicos Locais ................ 11 3.2 Tipos de Anestésicos Locais ...................................................................... 12 3.2.1 Benzocaína ................................................................................................ 12 3.2.2 Lidocaína .................................................................................................... 13 3.2.3 Prilocaína ................................................................................................... 13 3.2.4 Mepivacaína ............................................................................................... 13 3.2.5 Articaína ..................................................................................................... 14 3.2.6 Bupivacaína ............................................................................................... 14 3.3 Dosagem e Toxicidade ................................................................................. 14 3.4 Principais Técnicas Anestésicas Locais .................................................... 16 3.4.1 Técnica infiltrativa ..................................................................................... 16 3.4.2 Bloqueio do nervo alveolar superior anterior ......................................... 17 3.4.3 Bloqueio do nervo alveolar superior médio ............................................ 17 3.4.4 Bloqueio do nervo alveolar superior posterior ....................................... 17 3.4.5 Bloqueio do nervo nasopalatino maior ................................................... 18 3.4.6 Bloqueio do nervo nasopalatino .............................................................. 18 3.4.7 Bloqueio do nervo alveolar inferior ......................................................... 19 3.4.8 Bloqueio do nervo bucal ........................................................................... 20 3.4.9 Bloqueio do nervo mentoniano ................................................................ 20 3.5 Indicações e Contraindicações ................................................................... 21 4 DISCUSSÃO ..................................................................................................... 23 5 CONCLUSÃO ................................................................................................... 26 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 27 APÊNDICES ..................................................................................................... 31 8 1 INTRODUÇÃO Na América do Sul, as folhas de coca utilizadas em rituais pelos povos indígenas, já eram conhecidas por suas propriedades de suprimento energético e compensação da fadiga, causada pelas grandes altitudes da região em que viviam. Com a conquista austríaca do Império Inca, liderada por Francisco Pizarro, houve a popularização das folhas de coca, as quais eram fornecidas em troca de atividades agrícolas. Posteriormente, as plantas que eram nativas da América se difundiram às terras europeias, tornando-se objeto de estudo pelos cientistas tempos depois1,2. Em 1860, a partir do isolamento de compostos químicos das folhas de coca, o químico alemão Albert Niemann denominou o que passaria a ser chamado de cocaína. Após relatos científicos sobre a perda de sensibilidade, a primeira cirurgia humana, em que foi utilizado o composto ativo da planta, foi realizada em 1884 por um oftalmologista austríaco Carl Koller, em um paciente com glaucoma2. Um fato curioso, é que, de acordo com Zogbia et al.3, Koller teria tido influência de relatos feitos por Sigmund Freud sobre as propriedades da cocaína. Essa descoberta foi uma grande revolução na medicina, visto seu potencial em reduzir o desconforto dos pacientes e promover uma experiência menos traumática dos tratamentos operatórios, como na odontologia. Porém, os estudos relacionados à ação anestésica continuaram em avanço, a fim de se descobrir novos compostos capazes de aumentar o prolongamento de ação, minimizar a toxicidade e diminuir o risco de reações alérgicas2. Dessa forma, outros compostos anestésicos foram sendo estudados de modo a otimizar o seu uso em procedimentos operatórios. Após a descoberta da cocaína como princípio ativo, surgiu a procaína como alternativa mais segura em comparação à primeira, e, posteriormente, a tetracaína, dando lugar a um anestésico de efeito mais prolongado. A lidocaína foi uma descoberta significativa, uma vez que sua ação era menos potente e, consequentemente, ter menor potencial alergênico. A descoberta da mepivacaína e bupivacaína resultou na formulação de anestésicos com melhor tempo de ação, sendo amplamente utilizados até os dias atuais. Porém, a bupivacaína foi relatada na literatura como um fármaco com potencial cardiotóxico2. Observa-se a partir dos estudos realizados, desde a origem dos anestésicos até os estudos mais recentes, que não existe um anestésico que seja absolutamente ideal, mas os estudos sempre continuam em andamento para que se encontrem, 9 gradativamente, fármacos que cumpram cada vez mais os requisitos ideais ao longo do avanço na ciência. Esse trabalho de conclusão de curso foi baseado em revisões de literatura sobre os anestésicos locais, para que fossem estruturadas informações confiáveis em forma de um guia prático para os estudantes e profissionais da área de odontologia, utilizando-se de uma linguagem acessível e didática. 10 2 PROPOSIÇÃO Abordar os assuntos principais relacionados aos anestésicos locais e às técnicas de anestesia locais na área de odontologia, estruturado em forma de guia prático, a fim de proporcionar uma linguagem dinâmica, acessível e baseada em evidências científicas. 11 3 REVISÃO DA LITERATURA Para esta revisão, foi realizado um levantamento bibliográfico nas bases de dados Pubmed, Scielo e Athena, utilizando-se as palavras-chave “anestesia local”, “técnicas anestésicas locais”, “contraindicações dos anestésicos locais”, “dosagem dos anestésicos locais”. Foram revisados artigos em português e inglês, os quais foram a base para o fornecimento das informações e elaboração do trabalho. 3.1 Farmacologia e Mecanismo de Ação dos Anestésicos Locais De acordo com Malamed4, um estímulo externo é capaz de alterar a permeabilidade dos canais iônicos de sódio da membrana nervosa, o que dará início à propagação de um potencial de ação levado através dos nervos periféricos até o Sistema Nervoso Central. Esse impulso nervoso poderá ser traduzido como uma resposta de dor, dependendo do grau de despolarização gerada nessa membrana. Ou seja, o mecanismo de ação dos anestésicos locais consiste exatamente em realizar o bloqueio da condução desses impulsos nervosos gerados pela despolarização da membrana nervosa. Dito isso, a teoria mais aceita na literatura, indica que existem receptores específicos dos canais iônicos de sódio da membrana das células nervosas que são ligadas às moléculas dos fármacos anestésicos. Como consequência, a alteração da permeabilidade dos íons de sódio não permite que ocorra a despolarização, bloqueando a condução do potencial de ação, ou impulso nervoso, que seria levado e traduzido no Sistema Nervoso Central como uma resposta sensível dolorosa4. A estrutura molecular dos anestésicos locais é constituída por um anel aromático de caráter lipofílico, ligado a uma cadeia intermediária que pode ser composta por molécula de éster ou amida (a depender do tipo de anestésico), e conectada e um grupo amina de caráter hidrofílico5. As células nervosas são praticamente constituídas por uma matriz lipoproteica. Isso significa que, quanto maior o teor lipídico do anestésico, maior sua potência de ação, pois haverá mais moléculas disponíveis para adentrar a célula. Em compensação, a porção hidrofílica desempenha um papel importante, uma vez que é responsável pela difusão do anestésico quando injetado no tecido6. Essa dissociação do fármaco também é influenciada pelo pH do meio, uma vez que os fármacos têm o melhor desempenho em pH fisiológico (7,4), pois é nesse ambiente que ocorrerá a ionização de metade 12 das moléculas do fármaco para sua ação (pKa). Isso explica porque um tecido inflamado prejudica a eficiência da anestesia, uma vez que a inflamação altera o pH fisiológico do meio deixando-o abaixo desse valor, ou seja, mais ácido7. Outro fator importante na eficácia de duração do anestésico foi a descoberta das vantagens da associação do fármaco a um vasoconstritor. O estudioso James Leonard Corning teria relatado a partir de um estudo da cocaína, que o uso de um torniquete poderia levar a uma vasoconstrição dos tecidos e, como observado, essa condição levaria ao prolongamento do tempo de ação do anestésico na região. Além disso, as vantagens da introdução do uso de vasoconstritor foram capazes de auxiliar na melhor visualização do campo operatório durante uma cirurgia, reduzindo o sangramento local e, também, permitindo recuperações mais eficientes pós tratamento2. 3.2 Tipos de Anestésicos Locais Os anestésicos são classificados em dois grupos, sendo eles do tipo amida ou éster. O tipo de classificação está relacionado à composição da cadeia intermediária em sua estrutura molecular e à sua forma de metabolização no organismo. Os fármacos de amida são metabolizados no fígado e eliminados pelos rins, enquanto os ésteres são metabolizados no sangue, através de uma enzima chamada pseudocolinesterase plasmática, sendo excretados posteriormente pelos rins7. Porém, devido ao potencial de alerginicidade dos anestésicos ésteres, interrompeu- se o uso dos injetáveis no mercado odontológico, sendo utilizado atualmente em ampla escala o anestésico éster em manipulação tópica8. Neste trabalho de revisão, serão abordados brevemente as propriedades dos principais anestésicos locais utilizados na odontologia, sendo eles, o anestésico tópico benzocaína (éster) e os demais anestésicos locais injetáveis (amidas), como prilocaína, mepivacaína, bupivacaína e articaína. A lidocaína é a única da lista que possui uma apresentação tanto em forma tópica quanto injetável. 3.2.1 Benzocaína A benzocaína é um fármaco do tipo éster muito utilizado em forma tópica antes da aplicação da anestesia injetável, a fim de promover maior conforto durante o procedimento, principalmente quando se trata de crianças e pacientes ansiosos. Manipulações tópicas são altamente concentradas para que se obtenha o efeito 13 necessário, e não contém vasoconstritores na composição para que não haja interferência na absorção do fármaco no tecido. São facilmente absorvidos pela mucosa oral, e, para uma aplicação eficiente, é necessário manter a região seca e aplicar uma camada mínima suficiente da pomada com gaze ou cotonete. Sua duração média de eficiência é de 5 a 15 minutos segundo a literatura9. 3.2.2 Lidocaína Assim como a benzocaína, a lidocaína se trata de um anestésico tópico bastante utilizado na prática odontológica, também sendo encontrado em diversas apresentações no mercado, seja pomada, gel, spray ou soluções injetáveis de diferentes concentrações, comumente associada a um vasoconstritor. É comum a utilização de soluções tópicas desses anestésicos para o alívio da mucosite em pacientes que passam por tratamentos quimio e radioterápicos9. É considerado um anestésico de baixo risco de alergia e toxicidade10. 3.2.3 Prilocaína Podendo ser associada ao vasoconstritor felipressina, a prilocaína é a primeira opção quando se trata de pacientes que não podem fazer uso de anestésicos com associação de epinefrina, como no caso de hipertensos ou pacientes com distúrbios cardíacos. O potencial menos tóxico da prilocaína em comparação ao anestésico lidocaína é relatado na literatura, sendo mais indicado o seu uso em pacientes com comprometimento sistêmico11, exceto se houver risco potencial de metemoglobinemia pós operatória, seu principal efeito colateral4. 3.2.4 Mepivacaína Ineficiente como anestésico tópico, o cloridrato de mepivacaína é amplamente utilizado como anestésico injetável. Possui ação rápida e duração moderada quando associado a um vasoconstritor. Devido à sua característica menos vasodilatadora quando comparada à lidocaína, possui uma atividade mais prolongada quando comparado à última. Além disso, a mepivacaína pode ser uma das opções de escolha quando se trata de pacientes infantis ou debilitados sistemicamente12. 14 3.2.5 Articaína O fármaco em questão possui uma peculiaridade em relação aos demais anestésicos amida, pois se trata de um anestésico com um anel tiofeno em sua composição, ou seja, um grupo éster em um fármaco considerado amida. Essa característica lhe permite maior potencial de difusão aos tecidos neurais, pois se trata de um maior teor lipídico em sua composição13. É uma boa escolha em casos de tecidos com supuração, em que se tem maior dificuldade de anestesia da região devido ao processo inflamatório14. 3.2.6 Bupivacaína A bupivacaína caracteriza-se por um anestésico de longa duração comumente utilizado em procedimentos prolongados, devido à sua alta solubilidade lipídica15. Há relatos na literatura em relação à sua maior toxicidade quando comparado aos demais anestésicos mencionados neste trabalho16. Devido à sua alta duração, evita-se esse tipo de fármaco em pacientes infantis ou com necessidades especiais para que seja evitado o risco de trauma por mordida em tecidos moles4. Quadro 1 - Tipos de anestésicos locais (amidas), associados a um vasoconstritor, e seu tempo de duração média em procedimentos odontológicos4 Anestésico Vasoconstritor Duração média (em minutos) Lidocaína 2% Epinefrina 1:100.000 Polpa dentária – 60 min. Tecidos moles – 180 a 300 min. Prilocaína 4% Epinefrina 1:200.000 Polpa dentária – 60 a 90 min. Tecidos moles – 180 a 480 min. Mepivacaína 2% Epinefrina 1:100.000 Polpa dentária – 60 min. Tecidos moles – 180 a 300 min. Articaína 4% Epinefrina 1:100.000 Polpa dentária – 60 a 75 min. Tecidos moles – 180 a 300 min. Bupivacaína 0,5% Epinefrina 1:200.000 Polpa dentária – 90 min. ou mais Tecidos moles – 240 a 720 min. Fonte: Elaboração própria. 3.3 Dosagem e Toxicidade Segundo Malamed4, é necessário que se respeite a dosagem máxima de aplicação ou injeção anestésica para que seja evitado uma superdosagem e, consequentemente, uma reação tóxica no organismo de um paciente. Para isso, 15 utilizam-se cálculos para que se obtenha um limite seguro da quantidade máxima de anestésicos aplicados durante um procedimento odontológico. Nos EUA, o volume médio de um tubete anestésico odontológico é de, aproximadamente, 1,76 mL, porém, recomenda-se que o cálculo de dosagem seja realizado utilizando-se o valor aproximado de 1,8 mL por tubete anestésico. Além disso, utilizamos os dados da concentração de sal da solução. Por exemplo, a porcentagem em frente ao nome do anestésico, como Cloridrato de Mepivacaína 2%, significa que existem 20 mg/mL do sal na solução. Então, basicamente, faz-se regra de três para chegar ao resultado da quantidade de sal anestésico na solução de um tubete: 20 mg x 1,8ml = 36 mg. Se temos a informação de que a dose máxima estabelecida pelo fabricante é de 4,4 mg/kg para que não haja superdosagem, podemos realizar novamente uma regra de três para chegar ao resultado da quantidade de tubetes limites para aplicação em um paciente de 60 kg: 60 kg x 4,4 mg/kg = 264 mg. Sendo assim, divide-se 264 mg pela quantidade do sal anestésico da solução, que é 36 mg: 264 / 36 = ±7,3. Ou seja, para um paciente de 60kg, temos estabelecido por esse cálculo que a dosagem máxima do Cloridrato de Mepivacaína 2% é de, aproximadamente, 7,3 tubetes durante um procedimento odontológico. Porém, pacientes pediátricos possuem uma dosagem máxima diferente do que se é calculado para pacientes adultos. A dosagem máxima de Cloridrato de Mepivacaína 3% sem vasoconstritor a um paciente pediátrico de 20 kg, por exemplo, é de 132 mg. Portanto, o cálculo final seria 132 mg / 54 mg = ± 2,5 tubetes. É fundamental respeitar a dosagem máxima para pacientes adultos e pediátricos e, caso aconteça um evento de superdosagem, é urgente garantir os socorros adequados como oxigenação e ventilação adequada das vias aéreas, assim como manobras cardíacas quando for necessário a reanimação do paciente. Dentre os sintomas clínicos observados durante uma toxicidade sistêmica moderada devido a uma anestesia local intravascular acidental, estão principalmente as alterações nos sistemas cardiovascular e nervoso central, observados inicialmente por aumento das frequências cardíaca e respiratória, excitação, fala desordenada, alteração visual com visão dupla (diplopia), agitação, contrações musculares involuntárias e contrações em uma fase excitatória. Já nos casos de toxicidade sistêmica alta, pode levar a depressão do Sistema Nervoso Central, com consequente queda da frequência cardíaca e respiratória e até convulsões17. 16 3.4 Principais Técnicas Anestésicas Locais Além da escolha bem feita em relação ao tipo de anestésico a ser utilizado de acordo com a particularidade de cada paciente e o procedimento realizado, um bom manejo da técnica anestésica é fundamental quando se pensa em uma anestesia bem feita e, consequentemente, um tratamento menos doloroso e mais seguro na prática clínica. Primeiramente, deve-se analisar qual a região anatômica a ser anestesiada e o tipo de procedimento a ser realizado para selecionar a melhor opção de técnica anestésica. É sabido que a região maxilar possui uma densidade óssea menor em relação à mandíbula, ou seja, a maxila é composta por osso esponjoso, onde as trabéculas ósseas são mais finas e delgadas. Enquanto que, na mandíbula, trata-se de um osso cortical, sendo assim, mais denso. Dessa forma, podemos compreender como a anestesia infiltrativa pode ser eficiente na maxila para a maior parte dos procedimentos odontológicos realizados, enquanto na mandíbula pode ser necessário a realização de uma técnica anestésica de bloqueio para maior eficiência, sendo utilizada a técnica infiltrativa como complemento18,19. Dentre as técnicas realizadas na maxila, as principais utilizadas são as de infiltração ou de bloqueio. Em maxila, incluem-se os bloqueios do Nervo Alveolar Superior Anterior, Nervo Alveolar Superior Médio e Nervo Alveolar Superior Posterior, Nervo Nasopalatino Maior e Nervo Nasopalatino. Enquanto na mandíbula, as principais anestesias por bloqueio são de Nervo Alveolar Inferior, Nervo Bucal e Nervo Mentoniano. Além das anestesias de bloqueio citadas, também existem outros bloqueios menos utilizados como o Bloqueio do Nervo Infraorbitário e Bloqueio do Nervo Maxilar. Outras técnicas também serão abordadas, como no caso da técnica de Gow-Gates e Akinosi. 3.4.1 Técnica infiltrativa A técnica infiltrativa, como abordada anteriormente, é bastante eficiente para diversos procedimentos, principalmente quando utilizado em maxila, devido à sua característica óssea de maior porosidade. Isso facilita a difusão do anestésico na região a ser tratada19. Trata-se de uma técnica simples, em que se tem um procedimento em dente unitário a ser realizado ou apenas do tecido mole na região específica. A técnica consiste em injetar o fármaco em região de ápice do dente a ser 17 tratado, com o auxílio de uma agulha curta e seu bisel voltado para o periósteo para não haver resistência para a injeção da agulha e a carpule paralela ao longo eixo do dente em direção ao sulco mucovestibular. O uso de anestésico tópico previamente ao procedimento e o afastamento do lábio são fatores que também auxiliam na redução da dor durante a aplicação da anestesia. Não se recomenda o uso dessa técnica quando for necessário o tratamento de vários dentes, pois não faria sentido anestesiar várias vezes de modo a gerar desconforto ao paciente e uma possível toxicidade devido à quantidade de tubetes injetados. Além de que, se na região houver algum foco infeccioso, como em casos de abscessos, não se recomenda a aplicação de anestesia próximo ao local4. 3.4.2 Bloqueio do nervo alveolar superior anterior O Bloqueio do Nervo Alveolar Superior Anterior consiste em anestesiar mais de um dente da região anterior da maxila. Utiliza-se uma agulha curta em caso de crianças, mas pode-se utilizar uma agulha longa para anestesia próxima ao nervo infraorbitário. Utiliza-se como referência a região de sulco mucovestibular do primeiro pré molar, em direção ao forame infraorbitário. Trata-se de uma anestesia mais desconfortável ao paciente, uma vez que pode causar a dessensibilização não só da região dos dentes anteriores, mas também de uma parte da face, como asa do nariz, lábio superior e pálpebra4. 3.4.3 Bloqueio do nervo alveolar superior médio Uma minoria das pessoas possui o Nervo Alveolar Médio, porém, caso a anestesia por bloqueio do nervo alveolar anterior não seja efetiva, é uma opção a ser cogitada. Além disso, o nervo alveolar médio também pode estar presente na raiz mesiovestibular do primeiro molar superior, sendo necessário sua aplicação. Para a realização desta técnica, é necessário uma agulha curta e sua injeção paralela na região de sulco mucovestibular entre os pré-molares superiores4. 3.4.4 Bloqueio do nervo alveolar superior posterior Utilizada para a anestesia de molares, faz-se o uso de uma agulha longa em região de sulco mucovestibular de segundo molar, com a carpule em ângulo de 45º. Em casos em que se necessita da anestesia da raiz mesiovestibular do primeiro molar, recomenda-se o complemento da anestesia com o bloqueio do nervo alveolar médio4. 18 3.4.5 Bloqueio do nervo nasopalatino maior Apesar de não ser uma técnica empregada amplamente pelos dentistas, trata- se de uma anestesia eficiente para procedimentos de hemi arcada maxilar. É capaz de anestesiar os dentes de metade da maxila do lado em que se é aplicado, juntamente com a porção óssea e mucosa. Para a injeção da região de nervo nasopalatino maior, é recomendado o auxílio de um cotonete para a exploração da região anatômica do forame localizado próximo à distal de segundo molar superior. Dessa forma, é injetado cerca de 0,5 ml de anestésico com a carpule perpendicular ao palato e, posteriormente, injeta-se o volume de 1 tubete no interior do forame com a carpule em ângulo de 45º, adentrando- se cerca de 3 cm da agulha20. 3.4.6 Bloqueio do nervo nasopalatino Também chamado de forame incisivo, esta técnica de bloqueio permite anestesiar toda a porção de dentes anteriores de canino a canino, incluindo dentes, osso e mucosa. Existem duas maneiras de realizar a técnica, sendo uma mais traumática e rápida, e a outra técnica menos traumática, mas mais demorada. No primeiro caso, faz-se uma única injeção na região posterior dos incisivos centrais, com a carpule em ângulo de 45º, lateralmente à região de papila. Caracteriza-se por uma injeção com certa pressão em mucosa devido à característica do tecido palatino, sendo dolorosa e desconfortável ao paciente. Porém, um pouco menos de 0,5 ml já é o suficiente para a aplicação da técnica21. A outra maneira menos traumática de realizar a injeção, seria introduzindo primeiramente uma quantidade mínima de anestésico na região de freio labial, próximo ao sulco mucovestibular. Logo após, aplica-se a carpule de maneira perpendicular e reta, diretamente entre a papila dos incisivos centrais e, por último, faz-se a injeção igual à primeira técnica, na região posterior dos incisivos centrais, lateralmente à papila incisiva. Dessa forma, é possível gerar menos sensação dolorosa no paciente ao anestesiar previamente os tecidos moles próximo à região. A técnica de bloqueio do nervo nasopalatino acaba não sendo tão utilizada em detrimento de outra técnica, como a de infiltração em palato, em que se utiliza da injeção à cerca de 10 mm da margem gengival na região do palato, onde será realizado o tratamento4. 19 3.4.7 Bloqueio do nervo alveolar inferior A técnica convencional de bloqueio do nervo alveolar inferior, apesar de muito utilizada pelos profissionais, apresenta uma porcentagem considerável de insucesso. Isso se deve tanto a variações anatômicas, quanto ao mal desempenho da técnica, sendo este último o motivo mais considerado pela literatura. De modo convencional, utiliza-se uma agulha longa para realizar a punção. Anatomicamente, a referência se dá pela incisura coronoide e a rafe pterigomandibular. A carpule pode ser posicionada entre os pré molares do lado oposto ao que se aplicará a anestesia e a agulha é introduzida a ¾ da distância entre as referências anatômicas citadas, em uma altura de aproximadamente 10 mm do plano oclusal4,22. Também existem outras técnicas para a anestesia do nervo alveolar inferior, como a de Gow-Gates, que pode ser uma alternativa para casos em que se há a dificuldade para a anestesia do modo convencional. Trata-se de uma técnica que se baseia na anestesia de vários nervos diferentes de uma única só vez, sendo uma técnica mais prática quando comparada ao bloqueio convencional do nervo alveolar inferior, em que se é necessário a associação ao bloqueio do nervo bucal. Dessa forma, é fundamental que o paciente mantenha uma abertura bucal considerável para a aplicação da técnica. O profissional utiliza como referência a comissura labial do lado oposta à anestesia e direciona a agulha na altura da cúspide mesiopalatina do segundo molar superior do lado a ser anestesiado. Introduz-se a agulha mais distalmente ao segundo molar e depois é reposicionada a carpule para a comissura labial do lado da anestesia, paralela à incisura intertrágica. Deve-se tocar o osso com a agulha, um indício em que se chegou à região de côndilo. A principal desvantagem da técnica de Gow Gates é o requerimento de uma grande abertura bucal e o desconforto do paciente por manter parte da língua anestesiada4. Estudos também relatam que há uma menor probabilidade de aspiração positiva nessa técnica23. Porém, um estudo mostrou que residentes da área teriam tido mais facilidade na execução da técnica de Vazirani-Akinosi, além dos pacientes terem relatado maior conforto quando comparado à técnica mais usual de bloqueio do nervo alveolar inferior24. Além disso, também se trata de uma técnica com menor aspiração positiva e alto nível de sucesso se comparada à técnica convencional25. Consiste na introdução da agulha paralela na altura de junção mucogengival dos últimos molares, 20 enquanto o paciente mantém a boca fechada, em oclusão, o que facilita em casos que o indivíduo não possui condição de abertura bucal suficiente para a realização das outras técnicas.4 3.4.8 Bloqueio do nervo bucal É comum a realização do bloqueio do nervo bucal, logo após o bloqueio do nervo alveolar inferior, já que este último não é capaz de anestesiar a porção de mucosa vestibular próxima a molares inferiores. Por esse motivo, considera-se importante o bloqueio do nervo bucal quando for necessário procedimentos nessa região. A técnica consiste em manter a carpule em relação vestibular ao plano oclusal inferior, mantendo o parelelismo, e introduzir a agulha distalmente ao último molar. De modo convencional, utiliza-se a agulha longa, uma vez que esta já será aproveitada após a realização do bloqueio do nervo alveolar inferior4. 3.4.9 Bloqueio do nervo mentoniano Com o objetivo de realizar procedimentos em região de incisivos e pré molares inferiores, pode-se usufruir da técnica de bloqueio do nervo mentoniano. Essa técnica consiste em posicionar a carpule de maneira vertical e introduzir a agulha curta em região de sulco mucovestibular de canino ou primeiro pré molar inferior.4 Um estudo relatou que, em casos de tratamento de pulpite irreversível em incisivos, o bloqueio bilateral do nervo mentoniano possui uma eficácia consideravelmente maior do que o bloqueio unilateral do nervo mentoniano26. Além disso, também há relatos de um estudo sobre a maior eficácia em tratamentos em pré molares quando se associa a técnica de bloqueio do nervo mentoniano com a técnica de bloqueio do nervo alveolar inferior quando comparado à utilização de somente uma das técnicas para o procedimento em pré molares27. 3.5 Indicações e Contraindicações Além da técnica adequada de injeção dos anestésicos locais, a escolha de um fármaco adequado que contemple a particularidade sistêmica de cada paciente é essencial. As principais complicações ou condições presentes em um consultório caracterizam-se por hipertensão, diabetes, insuficiência renal e hepática, distúrbios cardiovasculares, gestantes e crianças. 21 De modo convencional, quando se trata de um paciente com hipertensão não controlada, opta-se por anestésicos locais que não possuam vasoconstritor, como no caso da mepivacaína 3% sem vasoconstritor. Já em casos de hipertensos controlados, pode-se optar pelo uso de anestésicos associados a vasoconstritor, assim como a prilocaína associada à felipressina. Em diabéticos não compensados, o mais seguro é optar por prilocaína associada à felipressina, uma vez que esses pacientes não podem receber anestesia local com a presença de adrenalina, em razão dos efeitos hiperglicemiantes locais e a possível consequente interferência na cicatrização tecidual. A lidocaína 2% com vasoconstritor é considerada uma das soluções anestésicas mais recomendadas para crianças e gestantes, mas é necessário se atentar à dosagem máxima permitida para crianças a partir do cálculo de dosagem demonstrado neste trabalho. Em gestantes, mantém-se a dose máxima de 2 tubetes28,29. Além disso, não se deve utilizar prilocaína associada à felipressina em pacientes gestantes29. Segundo Guay et al.30, a prilocaína e o spray de benzocaína levaram a episódios de metemoglobinemia em determinados pacientes. Não é recomendado o uso desses anestésicos em pacientes com histórico prévio desta desordem. Pacientes com insuficiência renal podem ser anestesiados com fármacos do tipo amida, mas devem ser utilizados em doses moderadas31. Já os pacientes com insuficiência hepática, é aconselhado o uso da articaína, uma vez que se trata de um fármaco metabolizado predominantemente no plasma sanguíneo, mas podem ser utilizados outros fármacos amidas, se usados de forma moderada4. Há casos de pacientes alérgicos ao bissulfito, o qual se trata de um conservante do vasoconstritor presente nos anestésicos locais, sendo recomendado optar por uma anestesia sem a presença de vasoconstritor4. Para procedimentos em indivíduos que fazem o uso de medicamentos anticonvulsivantes, é preferível o uso de anestésicos como mepivacaína, articaína ou bupivacaína. Não é recomendado o uso da lidocaína devido ao uso da mesma enzima microssomal para metabolização desse anestésico e dos anticonvulsivantes32. O cloridrato de bupivacaína tem o maior potencial cardiotóxico, dessa forma, não é uma opção de escolha para o uso em condições de distúrbios cardiovasculares33, nem em crianças devido à longa duração da anestesia nos tecidos 22 moles e o risco aumentado de lesões traumáticas. A prilocaína é uma escolha mais ideal para esse tipo de situação11. Quadro 2 - Relação entre o comprometimento sistêmico e a escolha do anestésico ideal durante um atendimento odontológico34 Comprometimento sistêmico Anestésico de escolha Hipertensão Controlada: qualquer fármaco amida com vasoconstritor ou uso de prilocaína com felipressina em dosagem moderada por consulta. Não controlada: mepivacaína 3% sem vasoconstritor. Diabetes Utilizar prilocaína associada à felipressina. Gestantes/Crianças Utilizar lidocaína 2% em doses recomendadas a esse grupo. Não se deve utilizar prilocaína associada à felipressina em gestantes. Metemoglobinemia Não utilizar benzocaína ou prilocaína. Insuficiência renal Utiliza-se qualquer anestésico amida em doses moderadas. Evita-se a mepivacaína. Insuficiência hepática Recomenda-se articaína associada a vasoconstritor. Asmáticos/Alérgicos ao bissulfito Pode-se fazer o uso de qualquer anestésico sem vasoconstritor. Uso de anticonvulsivantes Opta-se pela mepivacaína, articaína e bupivacaína associada a vasoconstritor. Não se utiliza a lidocaína. Distúrbios cardiovasculares Utilizar prilocaína associada à felipressina. Evitar a bupivacaína. Fonte: Elaboração própria. 23 4 DISCUSSÃO O amplo estudo dos anestésicos locais, a partir da descoberta das propriedades das folhas de coca, revolucionou a abordagem odontológica de modo a oferecer um tratamento mais confortável e menos traumatizante aos pacientes. Porém, apesar de toda a evolução de estudos, pesquisas demonstram que uma grande parte dos estudantes da área de odontologia não se sentem confiantes para a realização das técnicas anestésicas, bem como ao conhecimento de dosagem e contraindicações do mesmo35. A consolidação de conhecimentos básicos e atualização do estudo em relação aos anestésicos locais, com base em literatura, é capaz de proporcionar maior nível de autoconfiança para a prática clínica em consultório, além de mitigar possíveis riscos de acordo com a particularidade sistêmica de cada paciente. Uma escolha adequada do tipo de técnica a ser utilizada de acordo com determinados procedimentos e a escolha do anestésico adequado considerando as suas propriedades farmacológicas podem influenciar significativamente o tratamento. Além disso, o cuidado em relação à dosagem correta e o conhecimento adequado quanto à prestação de socorros é fundamental para que se tenha a abordagem correta no atendimento odontológico. É importante ressaltar que, diante do levantamento de dados, há contrapontos de relatos na literatura sobre a relação da articaína com a possibilidade da causa de parestesia quando utilizada para o bloqueio do nervo alveolar inferior, em especial o nervo lingual. Porém, também houve estudos que não relatavam essa intercorrência quando aplicada na mesma região, podendo ser levado em consideração outras possibilidades para a causa da parestesia13. Outro estudo comparou a porcentagem de casos de parestesia notificados pelo uso de articaína 4%, demonstrando uma relação significativa entre o uso do anestésico e a devida intercorrência, podendo estar associado à concentração alta do sal do anestésico, assim como no caso de relatos de parestesia em casos de bloqueio do nervo alveolar inferior e nervo bucal com o uso da prilocaína 4%. Porém, também foi relatado o maior uso da articaína por profissionais recém formados, o que poderia indicar uma possível relação à menor experiência com técnicas anestésicas36. Em relação ao uso da benzocaína como anestésico tópico para redução da sensibilidade dolorosa durante a introdução da agulha, há dados sobre cirurgiões dentistas que não utilizam o fármaco alegando sua ineficiência. Apesar disso, a 24 maioria dos profissionais relataram o seu uso na prática clínica para o atendimento dos pacientes pediátricos37. A literatura relata que há uma redução significativa do desconforto na introdução da agulha durante a anestesia, inclusive no auxílio ao manejo comportamental da criança para a realização da técnica anestésica38. Em relação ao uso concomitante de medicamentos anticonvulsivantes e a escolha do anestésico ideal para essa situação, a lidocaína apresenta a maior contraindicação, uma vez que para a sua metabolização é utilizada a mesma enzima microssomal (CYP3A4) que metaboliza o fármaco anticonvulsivante, o que gera metabólitos tóxicos e maior hepatotoxicidade32. Um estudo recente foi publicado, o qual relata uma significativa dificuldade dos profissionais da área em realizar os cálculos de dosagem máxima permitida dos anestésicos aos pacientes infantis39. O atendimento ao paciente pediátrico tende a ser mais desafiador para o profissional, pois além dos cuidados em relação aos protocolos de prática anestésica, há a necessidade de uma abordagem especial para esse público. O trauma por mordida é mencionado na literatura em casos de realização da técnica de bloqueio mandibular. A atenção e o cuidado dos responsáveis durante esse período de anestesia, é essencial para que não ocorra esse tipo de lesão, e nem se torne uma infecção secundária mais grave39,40. O uso de um anestésico com tempo de duração adequado em relação ao tempo do tratamento a ser realizado, especialmente em crianças, demonstra a importância do conhecimento sobre os tipos de anestésicos e reforça a contraindicação do uso de bupivacaína em crianças4. Nas clínicas de odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Araraquara, em geral, utiliza-se mepivacaína 2% com vasoconstritor ou mepivacaína 3% sem vasoconstritor, quando não se trata de alguma contraindicação específica para o seu uso. Na maior parte dos casos, a mepivacaína possui uma indicação adequada por suas propriedades e tempo de duração suficiente para a realização da maior parte dos tratamentos odontológicos. Cada profissional tem uma abordagem que melhor se adapta dentre a realização das técnicas anestésicas ou tipo de anestésico a ser utilizado, mas o fundamental é que seja realizado de maneira adequada, seguindo os protocolos corretos de acordo com os estudos científicos. O intuito deste trabalho foi poder proporcionar o acesso ao conhecimento básico sobre as técnicas anestésicas locais a estudantes e cirurgiões dentistas recém formados, utilizando-se de uma linguagem simples e acessível, sendo a base para a 25 confecção de um guia prático em um momento posterior oportuno, com acesso em plataforma digital. É importante levar em consideração que a realização de um atendimento odontológico eficiente é capaz de promover menos ansiedade aos pacientes, além de ser a porta de entrada para que cada vez menos pessoas sintam medo de ir à uma consulta ao dentista, e assim, possivelmente reverter o estigma relacionado à profissão e garantindo um atendimento de qualidade na odontologia. 26 5 CONCLUSÃO Uma grande parte dos procedimentos realizados em consultório levam à sensibilidade dolorosa, sendo essa a principal causa de medo e ansiedade dos pacientes. Com o advento da descoberta dos anestésicos locais, a aplicação desses fármacos levou a uma grande mudança no tratamento odontológico, principalmente na possibilidade de menor desconforto no atendimento. No entanto, apesar dos fármacos serem comprovadamente seguros, é necessário que o cirurgião dentista utilize dos conhecimentos e técnicas anestésicas adequadas para a maior eficiência e conforto ao paciente, respeitando os tipos de anestésicos, suas indicações e contraindicações e dosagens. A aplicação incorreta das técnicas e suas indicações podem levar à toxicidade sistêmica e até mesmo ao óbito, sendo fundamental e de inteira responsabilidade do profissional realizar os procedimentos e as escolhas corretas de acordo com os estudos baseados na literatura. 27 REFERÊNCIAS 1. Biondich AS, Joslin JD. Coca: high altitude remedy of the ancient incas. Wilderness Environ Med. 2015; 26(4): 567-71. 2. Tobe M, Suto T, Saito S. The history and progress of local anesthesia: multiple approaches to elongate the action. J Anesth. 2018; 32(4): 632-6. 3. Zogbia L, Rigattia G, Audinoa DF, Audinob LF. Anestesia local. Vittalle – Rev Ciênc Saúde. 2021; 33(1): 45-66. 4. Malamed SF. 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Bupivacaína 0,5% Epinefrina 1:200.000 Polpa dentária – 90 min. ou mais Tecidos moles – 240 a 720 min. Fonte: Elaboração própria. 31 APÊNDICE B – Anestésicos locais e comprometimento sistêmico Quadro 2 - Relação entre o comprometimento sistêmico e a escolha do anestésico ideal durante um atendimento odontológico34 Comprometimento sistêmico Anestésico de escolha Hipertensão Controlada: qualquer fármaco amida com vasoconstritor ou uso de prilocaína com felipressina em dosagem moderada por consulta. Não controlada: mepivacaína 3% sem vasoconstritor. Diabetes Utilizar prilocaína associada à felipressina. Gestantes/Crianças Utilizar lidocaína 2% em doses recomendadas a esse grupo. Não se deve utilizar prilocaína associada à felipressina em gestantes. Metemoglobinemia Não utilizar benzocaína ou prilocaína. Insuficiência renal Utiliza-se qualquer anestésico amida em doses moderadas. Evita-se a mepivacaína. Insuficiência hepática Recomenda-se articaína associada a vasoconstritor. Asmáticos/Alérgicos ao bissulfito Pode-se fazer o uso de qualquer anestésico sem vasoconstritor. Uso de anticonvulsivantes Opta-se pela mepivacaína, articaína e bupivacaína associada a vasoconstritor. Não se utiliza a lidocaína. Distúrbios cardiovasculares Utilizar prilocaína associada à felipressina. Não se utiliza a bupivacaína. Fonte: Elaboração própria.