unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP RAJABO ALFREDO MUGABO ABDULA VVVAAARRRIIIAAAÇÇÇÃÃÃOOO LLLIIINNNGGGUUUÍÍÍSSSTTTIIICCCAAA NNNOOO LLLIIIVVVRRROOO DDDIIIDDDÁÁÁTTTIIICCCOOO DDDOOO EEENNNSSSIIINNNOOO BBBIIILLLÍÍÍNNNGGGUUUEEE EEEMMM MMMOOOÇÇÇAAAMMMBBBIIIQQQUUUEEE::: verbos da língua echuwabo como objeto de análise ARARAQUARA – SP AGOSTO - 2021 RAJABO ALFREDO MUGABO ABDULA VVVAAARRRIIIAAAÇÇÇÃÃÃOOO LLLIIINNNGGGUUUÍÍÍSSSTTTIIICCCAAA NNNOOO LLLIIIVVVRRROOO DDDIIIDDDÁÁÁTTTIIICCCOOO DDDOOO EEENNNSSSIIINNNOOO BBBIIILLLÍÍÍNNNGGGUUUEEE EEEMMM MMMOOOÇÇÇAAAMMMBBBIIIQQQUUUEEE::: verbos da língua echuwabo como objeto de análise Tese de Doutorado, apresentada ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Sociolinguística, Ensino de Línguas. Orientador: Profa Dra Cristina Martins Fargetti Bolsa: Capes ARARAQUARA – SP AGOSTO - 2021 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Fac Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. A136v Abdula, Rajabo Alfredo Mugabo VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO BILÍNGUE EM MOÇAMBIQUE : verbos da língua Echuwabo como objeto de análise / Rajabo Alfredo Mugabo Abdula. -- Araraquara, 2021 235 p. : tabs., fotos, mapas Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Cristina Martins Fargetti 1. Linguagem e línguas Variação. I. Título. RAJABO ALFREDO MUGABO ABDULA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO BILÍNGUE EM MOÇAMBIQUE: verbos da língua echuwabo como objeto de análise Tese de Doutorado, apresentada ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Linguística e Língua Portuguesa. Linha de pesquisa: Sociolinguística, Ensino de Línguas. Orientador: Profa Dra Cristina Martins Fargetti Bolsa: Capes Data de defesa: 27/8/2021 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Profa Dra Cristina Martins Fargetti Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Membro Titular: Prof Dr Luiz Carlos Cagliari Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Membro Titular: Profa Dra Alessandra Del Ré Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Membro Titular: Profa Dra Ezra Chambal Nhampoca Universidade Eduardo Mondlane - Moçambique Membro Titular: Prof Dr Alexandre Timbane Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Aos meus pais Alfredo Rajabo Abdula (em memória) e Maria Elisa Mugabo por terem me educado e me indicado o caminho que deveria seguir para eu me tornar a pessoa que hoje sou; Aos meus familiares, que mesmo estando distantes, acompanharam de perto esta trajetória; AGRADECIMENTOS À Deus pela vida, saúde e todas as dádivas que me permitiram começar e concluir o curso. À minha orientadora pela sábia orientação e apoio incondicional durante os quatro anos de formação. À Pro-Reitoria de Pós-Graduação da e ao Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Unesp, Campus de Araraquara, por terem me acolhido e me formado, pelo auxílio concedido para eventos e pesquisa. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. À banca de Exame de Qualificação: Prof Dr Luiz Carlos Cagliari e Prof Dr Daniel Soares, pelas valiosas contribuições e sugestões feitas ao trabalho. À banca da Defesa: Prof Dr Luiz Carlos Cagliari, Profa Dra Alessandra Del Ré, Prof Dr Alexandre António Timbane e Profa Dra Ezra Chambal Nhampoca Aos Professores do programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa, pelos ensinamentos transmitidos durante a formação. Ao Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano. À Direção Provincial de Educação e Desenvolvimento Humano da Zambézia. Às Direções e professores das Escolas Primária Completa de Mugogoda e Primária Completa de Maneia. Aos Professores Vicente Bisque, Abdul Bassuar Nizar, Luís Frederico Lemos, Félix Gravata, Assane Momade Cônsolo (falecido), Albano Emílio Zacarias e Vasco Gabriel Maulate. À Danielle Urt Mansur Bumlai pelo apoio. À todos os funcionários da FCLAr pelo apoio prestado. Aos colegas do curso e amigos que sempre estiveram presentes durante o perído da minha formação. “Centramo-nos na língua portuguesa como língua pátria e não deixamos que as outras línguas ganhem cidadania”. Ungulani Ba Ka Khosa (2010, p.191) RESUMO O acesso à educação é um direito básico de todos os povos. Infelizmente, muitos povos têm sido privados deste direito fundamental, principalmente os falantes de línguas menos prestigiadas de várias comunidades espalhadas pelo mundo. África é um continente multilíngue, no entanto, muitas das línguas não são ensinadas nas escolas e nem são usadas como meio de ensino. Esta prática que começou no período colonial em que as línguas africanas eram proibidas de serem usadas em instituições públicas coloniais e o ensino era proibido. Depois das independências dos países africanos, a situação se manteve com a não oficialização e não uso dessas línguas como meios de ensino. A situação de Moçambique não difere da observada em outros países africanos. O país tem cerca de vinte línguas do grupo linguístico bantu, línguas faladas pela maioria da população, porém, o português por muito tempo foi a única língua de ensino. Em 2003 foi introduzido o ensino bilíngue no país com objetivo de reverter este cenário e dar à população o acesso à educação através da sua língua materna. O Echuwabo é uma dessas línguas usadas para o ensino bilíngue, e possui seis variedades faladas ao longo da Província da Zambézia. Este fato nos levou a fazer um estudo sobre materiais didáticos usados para o ensino bilíngue, concretamente, o livro do aluno, com o objetivo geral de analisar a variação linguística do Echuwabo nos materiais didáticos usados no ensino bilíngue. Nos objetivos específicos, foram verificados se: os programas de ensino bilíngue falam sobre o ensino da variação linguística das línguas moçambicanas; e a partir da estrutura verbal do Echuwabo e do Emarenje, que são as duas variedades em estudo, foi identificado a variedade linguística usada nos manuais do aluno, e se os manuais apresentam ocorrências de outras variedades na estrutura verbal, sobretudo, o prefixo de sujeito e a marcação de tempo, que são os dois objetos da nossa análise dentro da estrutura verbal das variedades Echuwabo e Emarenje e, por último, foi recolhido a opinião dos professores do ensino bilíngue sobre a presença da variação verbal do Echuwabo nos manuais dos alunos e sua opinião sobre a formação de professores em variação linguística das línguas moçambicanas. A pesquisa é qualitativa e para a qual, além de analisar os manuais dos alunos e planos curriculares, foram feitas entrevistas aos professores e gestores das escolas. Dos resultados obtidos concluímos que os planos curriculares não falam sobre ensino das variedades das línguas moçambicanas, e que todos os verbos usados nos manuais são da variedade Echuwabo, o que significa dizer que a variedade Echuwabo é usada como variedade padrão; e também que os professores são capacitados para lecionar o ensino bilíngue, porém, não têm uma formação específica em sociolinguística que trate da heterogeneidade social, linguística e cultural das diferentes comunidades de fala da língua Echuwabo. Palavras – chave: Moçambique. Educação bilíngue. Variação linguística. ABSTRACT Access to education is a basic right for all peoples. Unfortunately, many peoples have been deprived of this fundamental right, especially speakers of less prestigious languages from various communities around the world. Africa is a multilingual continent, however, many of the languages are not taught in schools and are not used as a teaching medium. This practice results from the linguistic policy of the colonial period when African languages were prohibited from being used in public colonial institutions and teaching was prohibited. After the independence of African countries, the situation continued with the non-officialization and non-use of these languages as a means of teaching. Mozambique's situation does not differ from that of other African countries. The country has about twenty languages from the Bantu language group, languages spoken by the majority of the population, however, Portuguese has long been the only language of instruction. In 2003, bilingual education was introduced in the country with the aim of reversing this scenario and giving the population access to education through their mother tongue. Echuwabo is one of those languages that are used for bilingual education, however, echuwabo has six varieties spoken throughout Zambezia Province. This fact led us to make a study on teaching materials used for bilingual teaching, specifically the student's book, with the general objective of analyzing the linguistic variation of Echuwabo in the teaching materials used in bilingual teaching. As specific objectives, check if the bilingual teaching programs talk about teaching linguistic variation in Mozambican languages; from the verbal structure of Echuwabo and Emarenje, which are the two varieties under study, identify the linguistic variety used in the student manuals, check whether the manuals have occurrences of other varieties in the verbal structure, especially the subject prefix and the timing, which are the two objects of our analysis within the verbal structure of the Echuwabo and Emarenje varieties and, finally, to collect the opinion of bilingual teachers about the presence of Echuwabo's verbal damage in the students' manuals and their opinion on teacher training in linguistic variation of Mozambican languages. The research is qualitative and, in addition to analyzing student manuals and curricular plans, interviews were conducted with teachers and school managers. From the results obtained, we conclude that the curriculum palnos do not talk about teaching the varieties of the Mozambican languages, all the verbs used in the manuals are of the Echuwabo variety, which means that the Echuwabo variety is used as the standard variety, teachers are trained to teach the bilingual education, however, does not have a specific training in socilinguistics that deals with the social, linguistic and cultural heterogeneity of the different Echuwabo-speaking communities. Keywords: Mozambique. Bilingual education. Linguistic variation. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Escola Primária Completa de Mugogoda Escola Primária Completa de Maneia Capa do manual de echuwabo da 1ª classe do Programa Vamos ler Capa do manual de echuwabo da 2ª classe do Programa Vamos ler Capa do manual de echuwabo da 1ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue 139 139 143 144 145 Figura 6 Capa do manual de echuwabo da 2ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue 146 Figura 7 Capa do manual de echuwabo da 3ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue 147 Figura 8 Capa do manual de Ciências Naturais da 3ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue 148 Figura 9 Observação de aulas da 3ª classe – Escola Primária Completa de Mugogoda 152 Figura 10 Observação de aulas da 3ª classe – Escola Primária Completa de Maneia 152 Figura 11 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Prefixo de sujeito da 1ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do plural no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do singular no presente do indicativo 162 163 164 168 Figura 15 Figura 16 Figura 17 Figura 18 Figura 19 Figura 20 Figura 21 Figura 22 Figura 23 Figura 24 Figura 25 Figura 26 Figura 27 Figura 28 Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do plural no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 1ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 2ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 2ª pessoa do plural no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do plural no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 1ª pessoa do plural no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 2ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 1ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 2ª pessoa do plural no pretérito perfeito Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 2ª pessoa do singular no pretérito perfeito Prefixo de sujeito da 2ª pessoa do singular no presente do indicativo Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do singular no pretérito perfeito Prefixo de sujeito da 3ª pessoa do singular no presente do indicativo 169 174 175 175 176 176 180 181 182 182 185 188 191 193 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Pretérito perfeito 1ª classe do Programa Vamos Ler 158 Gráfico 2 Presente do indicativo 1ª classe do Programa Vamos Ler 160 Gráfico 3 Pretérito perfeito 1ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue 165 Gráfico 4 Presente do indicativo 1ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue 167 Gráfico 5 Pretérito perfeito 2ª classe do Programa Vamos Ler 171 Gráfico 6 Presente do indicativo 2ª classe do Programa Vamos Ler 173 Gráfico 7 Gráfico 8 Gráfico 9 Gráfico 10 Gráfico 11 Gráfico 12 Pretérito perfeito 2ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue Presente do indicativo 2ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue Pretérito perfeito echuwabo 3ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue Presente do indicativo echuwabo 3ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue Pretérito perfeito ciências naturais 3ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue Presente do indicativo ciências naturais 3ª classe do INDE – Grupo de Educação Bilíngue 177 179 184 187 190 192 LISTA DE MAPAS Mapa 1 Mapa 2 Distribuição dos troncos de línguas na África Distribuição das línguas bantu moçambicanas 28 29 Mapa 3 Distribuição da língua echuwabo na Zambézia 128 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Línguas oficiais escolhidas pelos estados africanos 44 Quadro 2 Modelo de educação bilíngue 69 Quadro 3 Quadro referente à padronização dos grafemas (I Seminário) 121 Quadro 4 Quadro 5 Quadro 6 Quadro 7 Quadro 8 Quadro 9 Quadro 10 Quadro 11 Quadro 12 Quadro 13 Quadro 14 Quadro 15 Quadro 16 Quadro 17 Quadro 18 Quadro 19 Quadro 20 Resumo referente à padronização dos grafemas (III Seminário) As vogais do echuwabo Consoantes do echuwabo Grafemas do alfabeto echuwabo Síntese dos instrumentos de pesquisa Pretérito perfeito Presente do indicativo Pretérito perfeito Presente do indicativo Presente do indicativo Presente do indicativo Pretérito perfeito Presente do indicativo Pretérito perfeito Pretérito perfeito Pretérito perfeito Presente do indicativo 125 129 129 130 152 158 160 165 167 171 173 178 180 184 187 190 192 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Língua materna da população com 5 anos de idade em diante 30 Tabela 2 Língua falada com frequência em casa pela população com 5 anos em diante 31 Tabela 3 Distribuição percentual da população segundo língua materna e língua falada com mais 32 Tabela 4 Conhecimento da língua portuguesa pala população com 5 anos de idade em diante 33 Tabela 5 Distribuição de línguas faladas pela população de 5 ou mais anos de idade 34 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Ask- A Ask –An- Expert FAQ’s Frequently Asked Questions FTP File Tranfer Protocol http Hype Text Tranfer Protocol. IFLA Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias SRI Serviço de Referência e Informação SRID Serviço de Referência e Informação Digital TCP/IP Transmission Control Protocol /Internet Protocol TIC´s Tecnologias de Informação e Comunicação URL Uniform Resource Locator www World Wide Web SUMÁRIO INTRODUÇÃO 21 1. A SITUAÇÃO LINGUÍSTICA EM MOÇAMBIQUE 27 2. ENSINO DAS LÍNGUAS AFRICANAS 36 2.1. Ensino das línguas africanas no período colonial 38 2.1.1. Países contra o ensino das línguas africanas 38 2.1.2. Os países a favor do ensino das línguas africanas 40 2.1.3. A situação de Moçambique 42 2.2. Depois da independência dos países africanos 43 2.2.1. A situação de Moçambique 52 3. BILINGUISMO E EDUCAÇÃO BILÍNGUE EM MOÇAMBIQUE 56 3.1. Bilinguismo, Multilinguismo, Plurilinguismo 56 3.2. Educação bilíngue 61 3.2.1. Educação bilíngue em Moçambique 63 3.2.1.1. Modelos de educação bilíngue 3.3. Principais obstáculos para o desenvolvimento das línguas africanas 3.3.1. Herança colonial 3.3.2. Percepção negativa sobre multilinguismo 3.3.3. Níveis de desenvolvimento das línguas 3.3.4. Unidade nacional 3.3.5. Modernização e Desenvolvimento Econômico 3.3.6. Globalização 65 70 71 72 73 74 76 77 3.3.7. Atitude Linguística Negativa 3.3.8. Política e Planejamento linguístico defeituosos 4. A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA E O ENSINO DA LÍNGUA MATERNA 4.1. Tipos de variações linguísticas 4.1.1. Variação interna 4.1.2. Variação externa 4.2. Norma, identidade e preconceito linguístico 4.2.1. Norma linguística 4.2.2. Norma culta vs Norma padrão 4.3. Identidade e identidade linguística 4.3.1. Identidade 4.3.2. Identidade linguística 4.3.2.1. Identidade linguística na África 4.4. Preconceito linguístico 4.5. Sociolinguística educacional 5. PADRONIZAÇÃO E HARMONIZAÇÃO ORTOGRÁFICA 5.1. Escrita de línguas moçambicanas 5.1.1. O alfabeto árabe 5.1.2. O alfabeto latino 5.2. Padronização da ortografia das línguas moçambicanas 5.2.1. Primeiro seminário 5.2.2. Segundo seminário 78 78 81 87 88 89 91 91 91 92 92 95 97 99 104 109 114 115 116 117 119 123 5.2.3. Terceiro seminário 5.3. Língua echuwabo 5.3.1. Sistema fonológico da língua echuwabo 5.3.2. Estrutura verbal do echuwabo 5.3.2.1. Marcação de tempo 5.3.2.2. O prefixo do sujeito 6. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 6.1. Razões da escolha do local e da variedade 6.2. Natureza da pesquisa 6.3. Constituição do corpus 6.4. Recolha de dados 6.5. Recolha do material escrito 6.6. Instrumentos e procedimentos para coleta e análise de dados 6.7. Análise de dados 7. ANÁLISE DE DADOS 7.1. Análise dos planos curriculares 7.1.1. Plano Curricular do Ensino Secundário Geral 7.1.2. Plano Curricular do Ensino Básico 7.1.3. Programa de Educação Bilíngue para o II Ciclo do Ensino Básico 7.2. Análise dos manuais 7.2.1. Análise de manuais da primeira classe 7.2.2. Análise de manuais da segunda classe 123 127 128 131 133 135 138 138 140 141 142 142 148 153 155 155 155 156 156 157 157 170 7.2.3. Análise de manuais da terceira classe 7.3. Análise das entrevistas 7.4. Análise das aulas observadas 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 183 194 198 200 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICES APÊNDICE 1: Roteiro de questões para professores e gestores escolares APÊNDICE 2: Termo de consentimento e participação de pesquisa APÊNDICE 3: Roteiro de observação de aulas ANEXOS ANEXO 1: Autorização para realizar pesquisa ANEXO 2: Credencial para realizar pesquisa ANEXO 3: Confirmação da realização da pesquisa ANEXO 4: Capa do informe das atividades de educação bilíngue realizadas no primeiro trimestre de 2018 na Zambézia. ANEXO 5: Dados de formação de professores e gestores escolares de educação bilíngue do vamos ler 2º trimestre 2018 ANEXO 6: Mapa de dados de turmas por classe de ensino bilíngue ANEXO 7: Dados de professores ensino bilíngue vamos ler e o total da província ANEXO 8: Dados gerais do ensino bilíngue 2º trimestre de 2018 ANEXO 9: Número de professores capacitados em literacia e numeracia por distrito 226 ANEXO 10: Dados de docentes capacitados em 2018 206 219 220 221 222 223 224 225 226 227 228 229 230 231 232 233 ANEXO 11: Número de acompanhantes capacitados em literacia por distrito ANEXO 12: Número de gestores escolares capacitados por distrito 234 235 21 INTRODUÇÃO É impossível dissociar língua de sociedade, pois a língua se constitui na sociedade e ela é o principal veículo de comunicação entre os seres humanos. Apesar da sua diversidade, a língua se apresenta como elemento diferencianciador na comunicação e no estabelecimento de relações entre os povos, porque a diversidade é característica das línguas e dos seres humanos. O mundo apresenta uma diversidade linguística muito grande, com a estimativa de mais de 7000 línguas vivas hoje. Segundo o ethnologue (2021), considerado o maior inventário linguístico do planeta, existe um total de 7.139 línguas reconhecidas, embora pouco se tenha pesquisado especificamente sobre tal diversidade (o que pode levar a um montate maior ou menor de línguas conhecidas). O continente africano é um exemplo do multilinguismo; não se sabe ao certo quantas línguas são faladas em todo o continente, estima-se que existam entre 1000 a 2000 línguas ou até mais de 2000 línguas faladas. Antes de entrarem em contato com outros povos, principalmente os europeus, os africanos coabitavam os mesmos espaços geográficos em grupos étnicos e linguísticos distintos. Antecedentemente ao mapa político da África ser desenhado no final do século XIX, os vários grupos étnicos viviam num estado de autonomia uns em relação aos outros, isto é, cada grupo étnico tinha seu próprio governo (instituições políticas e administrativas), sua língua única e, frequentemente, seus valores culturais únicos, e constituíam seus Estados (OBENG, ADEGBIA, 1999). Independentemente dos povos africanos terem suas particularidades culturais e linguísticas, é importante referir que sempre viveram em contato com várias línguas, visto que a existência de várias línguas no mesmo espaço geográfico é frequente na realidade africana. A ocupação colonial da África pelos europeus afetou a vida dos africanos com a desintegração da estrutura política, social, econômica e linguística existente. A arbitrariedade na definição das atuais fronteiras, movida pelos interesses políticos imperialistas, culminou com a separação de grupos étnicos e linguísticos que outrora pertenciam ao mesmo estado e passaram a pertencer a estados diferentes. Desse modo, a entrada de colonizadores europeus no continente e a respetiva política línguística de elevação das línguas europeias à categoria de línguas superiores, foi um conceito que não existia antes no relacionamento entre as línguas africanas, e que provocou “entre outros efeitos, um rearranjo do relacionamento entre as línguas existentes” (PETTER, 2015, p. 1993). 22 As políticas traçadas sobre as línguas africanas no período colonial foram fundamentais para a situação em que elas permaneceram durante todo esse período e como elas foram tratadas depois das independências dos países africanos, sobretudo, nos países ao sul do Saara. No período colonial, a maioria das línguas africanas perdeu o estatuto de língua e passaram a ser chamadas de “dialetos”; tal fato fez com que elas não fossem faladas em espaços onde apenas deveriam ser faladas “línguas” como o francês, português, inglês, alemão, etc. As escolas, sobretudo as escolas católicas - instituições responsáveis pela educação no período colonial -, eram um desses lugares onde as línguas africanas não podiam ser usadas, principalmente nas colônias portuguesas onde a proibição do ensino das línguas nativas foi feita através de decretos; porém, ao mesmo tempo, a renúncia da cultura e da língua nativa e a adoção da cultura e da língua europeia era requisito para aqueles africanos que pretendiam ter acesso ao ensino elementar e ascender à categoria de gente “civilizada”. Contrariamente às escolas católicas, em Moçambique surgiram escolas protestantes consideradas informais, como é o caso da Missão Suiça, que permitia a preservação da identidade linguística e cultural dos moçambicanos. os protestantes, contrariando a política colonial, nas suas escolas usaram as línguas moçambicanas como meio de instrução. Todavia, de acordo com Lafon 2011, como forma de assegurar o seu controlo sobre o que se chamava de ‘missões estrangeiras’, a partir dos anos 1930, o governo colonial fechou a maior parte dessas escolas (SITOE, 2014, p. 42) Contudo, “os moçambicanos, embora tenham sido educados pelas missões protestantes no orgulho da sua cultura e língua, foram simultaneamente educados no padrão das escolas portuguesas e, até à abolição do Estatuto do indigenato” (SILVA, 1998, p. 403). Dessa forma, com a independência dos países africanos, essa política se manteve porque a maioria deles adotou a língua colonial como língua oficial. Para justificar essa decisão vários motivos foram alegados, mantendo-se, assim, a mesma política linguística do período colonial, onde se privilegiava apenas a língua oficial. Essa atitude criou condições para o surgimento de preconceito linguístico sobre as línguas africanas pela redução do seu papel e prestígio nas novas nações em construção, que se consubstanciava no não reconhecimento da sua importância no campo político, econômico, social, científico e cultural e o estabelecimento da sua relação com gente não alfabetizada. As escolas continuaram sendo centros de difusão de língua oficial e ao mesmo tempo centro de negação das línguas nativas africanas, e como a língua tem relação com a cultura e faz parte da identidade de um povo, impedir que a fale significa negar sua cultura, sua identidade. É difícil pensar na preservação 23 da cultura de um povo quando, ao mesmo tempo, sua língua que é o meio através do qual a cultura é expressa, não é aceita (rever estrutura Não se deve querer) . Observa-se, durante este período, um processo de silenciamento da língua, da cultura e da identidade, que teve início no período colonial e se prolongou para o período pós independência dos países africanos. Com o andar do tempo e com a conscientização dos africanos sobre a importância do ensino das línguas africanas, foram surgindo debates e encontros, com o objetivo de discutir o papel das línguas africanas para a educação na África, tendo em conta que os povos africanos, em sua maioria, não eram falantes das línguas oficiais de origem europeia. Também foram tomadas decisões importantes e recomendações sobre a necessidade de usar as línguas africanas nas escolas oficiais e, consequentemente, em iniciativas ousadas, algumas línguas africanas começaram a ser ensinadas e empregadas como meio de ensino em alguns países africanos, embora se reconheça que exista muito ainda por se fazer para que essas línguas sejam efetivamente usadas como meio de ensino e aceitas em qualquer setor da administração pública como línguas iguais às línguas oficiais existentes. Moçambique foi colonizado por Portugal e passou por situações idênticas a de outros países africanos. A penetração portuguesa em Moçambique teve início no século XV com a chegada e fixação dos primeiros portugueses ao longo do litoral, que pretendiam explorar o ouro e marfim que existia em abundância. Esta excursão que inicialmente era mercantilista veio a transformar-se em colonização que durou muito tempo. Durante todo o período de dominação colonial portuguesa, a maioria do povo moçambicano não teve acesso à educação porque a política educacional colonial portuguesa não tinha esse propósito, e as línguas moçambicanas nunca foram usadas como meio de ensino em escolas ou usadas como disciplina, porque a política linguística colonial portuguesa não visava alcançar esse fim. Como o objetivo central era explorar o homem e a terra, dar acesso ao ensino significaria despertar no explorado sobre a necessidade de reivindicar os seus direitos como é o caso da valorização da sua língua, algo que o regime colonial não estava disposto a abrir a mão. Depois da independência nacional houve necessidade de investir mais em educação, pois que “é indispensável para a promoção de equidade e bem-estar social, mesmo não tendo impacto direto e imediato sobre a pobreza e a vulnerabilidade dos grupos desprivilegiados” (TIMBANE; VICENTE, 2017, p. 118). Todavia, o país manteve o português como língua oficial e única língua de ensino em escolas, com as línguas nativas sendo relegadas a 24 ambientes familiares e comunitários. Essa decisão contribuiu para os resultados pedagógicos menos favoráveis dos alunos, principalmente das zonas rurais, onde a maioria da população fala uma língua bantu e ao ir à escola, o primeiro obstáculo que o aluno encontra é a língua. A questão do ensino numa língua que não é a da comunidade sempre intrigou os linguistas e outros estudiosos que questionavam “por que somente ensino do português? por que não se promove o ensino bilíngüe também para jovens e adultos (afinal são mais de 20 línguas nativas)?” (FARGETTI, 2002, p. 1). Essa questão só teve resposta em 2003 quando alguns políticos decidiram aceitar a reivindicação dos linguistas moçambicanos sobre a importância do ensino nas línguas bantu1e, consequentemente, introduzir o ensino bilíngue no país onde algumas línguas moçambicanas passaram, a par do português, a serem meio de ensino, sobretudo, nas zonas rurais. Echuwabo, uma língua falada na Provícia da Zambézia, faz parte das línguas que foram introduzidas no ensino bilíngue abrangendo os distritos de Quelimane, Nicoadala, Namacurra, Mocuba e Lugela. A língua Echuwabo, como acontece com outras línguas, tem suas variedades, nomeadamente, o Echuwabo, o Emarenje, Ekarungu, Enyaringa, Emanyawa e Mayinddo. O ensino da língua Echuwabo é feito nas regiões onde são faladas as variedades Echuwabo, Emarenje e Emanyawa, envolvendo dois programas: INDE – Grupo de Educação Bilíngue, um programa financiado pelo governo de Moçambique, e o Programa Vamos Ler apoiado por parceiros, que auxilia o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH) no estabelecimento de políticas e sistemas nacionais que estabelecem a base para sustentar e expandir a leitura nas primeiras classes de educação bilíngue em todo o país (MINEDH/USAID, 2017, 2020). Estudos anteriores como o de Ngunga e Faquir (2011) davam conta da existência de três variedades do Echuwabo, no entanto, atualmente foram reconhecidas mais três variedades para o ensino da língua Echuwabo na Zambézia, totalizando seis variedades. Foi pensando 1 O nome “bantu” não faz referência a uma unidade racial que identifique os membros de uma comunidade, mas sim de um povo com traços culturais e linguísticos comuns, o que significa dizer que não podemos falar de uma raça bantu, mas sim de um povo bantu. A sua formação e migração deu origem a uma grande variedade de cruzamentos, estima-se que existam aproximadamente 500 povos bantu, que, mesmo depois de muitos séculos de movimentações, miscigenação, guerras e doenças, mantiveram as raízes da sua origem comum. A palavra “bantu” aplica-se a uma civilização que manteve a sua unidade e foi desenvolvida por pessoas da região sul do Sahara. O radical ntu, comum para a maioria das línguas bantu, significa “homem, ser humano” e ba- é o plural. Assim, bantu significa “homens, seres humanos”. As línguas bantu têm tal semelhança que só pode ser justificada por uma origem comum. (ABDULA, 2014, p. 18) 25 nessas variedades linguísticas e na maneira como elas são tratadas no ensino bilíngue, em função das suas diferenças, que decidimos fazer o presente trabalho. Pretendemos com esta pesquisa perceber qual é a variedade do Echuwabo usado nos manuais do aluno do ensino bilíngue em Moçambique e como são tratadas as outras variedades do Echuwabo nos manuais do aluno, nos programas de ensino e em sala de aula. Partindo de uma abordagem sociolinguística variacionista focada na produção de material didático para o ensino bilíngue, estabelecemos relação com outras duas áreas importantes que são: os planos curriculares e a formação de professores pois consideramos que elas nos auxiliam na compreensão mais ampla sobre a abordagem das variedades linguísticas apresentadas nos manuais de alunos que são usados em sala de aula. Assim sendo, definimos como o objetivo geral analisar a variação linguística do echuwabo nos materiais didáticos usados no ensino bilíngue. Como objetivos específicos, verificamos se os programas de ensino bilíngue falam sobre o ensino da variação linguística das línguas moçambicanas a partir da estrutura verbal do Echuwabo e do Emarenje, que são as duas variedades em estudo; identificamos a variedade linguística usada nos manuais do aluno; analisamos se os manuais apresentam ocorrências de outras variedades na estrutura verbal, sobretudo, o prefixo de sujeito e a marcação de tempo, que foram os dois objetos da nossa análise dentro da estrutura verbal das variedades Echuwabo e Emarenje e, por último, avaliamos a opinião dos professores do ensino bilíngue sobre a presença da variação verbal do echuwabo nos manuais dos alunos e sua opinião sobre a formação de professores em variação linguística das línguas moçambicanas. A nossa hipótese sobre a variação dos verbos do Echuwabo no livro didático do enino bilíngue em Moçambique é de que não existe variação dos verbos usados nos livros didáticos e a variedade usada é a variedade Echuwabo pelo fato de o ensino bilíngue na Zambézia ter sido introduzido, primeiramente, nas regiões onde é falada a variedade Echuwabo, e os materiais produzidos para essas regiões podem servir de modelo para outras regiões, por um lado e, por outro, o Echuwabo ser a variedade falada na capital política da província, o que pode influenciar na sua escolha como variedade padrão a ser usada nos livros didáticos. Em termos de organização, a tese está dividida em sete seções. Depois da presente seção introdutória descrevemos a situação linguística em Moçambique, em seguida, discorremos sobre o ensino das línguas africanas, trazendo o panorama geral das línguas africanas e moçambicanas, em particular no período colonial e no período pós-colonial. 26 Depois dessa seção iremos falar sobre educação bilíngue em Moçambique, a seguir, a sociolinguística variacionista e ensino da língua materna, trazendo questões como identidade e preconceito linguístico e como essas questões devem ser abordadas em sala de aula principalmente em sociedades multilíngues, como a de Moçambique. Na seção seguinte, falaremos acerca da padronização e harmonização ortográfica, onde expomos as principais discussões e dificuldades para padronizar as línguas africanas e como Moçambique tem abordado essa questão com relação às línguas moçambicanas. Em seguida apresentaremos os procedimentos metodológicos, indicando os caminhos percorridos para a realização do presente trabalho. Finalmente, abordaremos a análise de dados, discutindo os resultados obtidos e, por último, para concluir, as considerações finais e os destaques do trabalho e as recomendações necessárias , face ao constatado durante a pesquisa e análise de dados. 27 1. A SITUAÇÃO LINGUÍSTICA EM MOÇAMBIQUE Antes de falar de outros pontos relacionados com a nossa pesquisa, é importante primeiro falar da situação linguística do país onde a pesquisa foi realizada para depois falar de outras questões, porque todas elas estão diretamente relacionadas com a situação linguística do país. Nesta seção iremos apresentar o panorama linguístico geral de Moçambique, o seu contexto linguístico dentro do continente africano, a situação das línguas nativas moçambicanas e do português, e a percentagem de falantes dessas línguas. Moçambique está situado no continente africano e a sua situação multilíngue se assemelha à situação linguística de muitos países do continente, onde é frequente as pessoas falarem mais de uma língua. Essa realidade linguística da África e de Moçambique não foi levada em conta no momento da partilha da África pelos conquistadores europeus. A divisão e partilha da África feita em 1884/1885 na Conferência de Berlim não olhou para a disposição das línguas dentro do continente, por isso, temos certos grupos étnicos e linguísticos distribuídos em diferentes países, com isso vários povos que pertenciam à mesma nação foram separados e passaram a pertencer a nações diferentes. As línguas africanas estão divididas em quatro grandes famílias2, e cada família apresenta sua sub-família, nomeadamente, Afro-Asiática, Nilo-Sahariana, Congo-Kordofaniana e Khoi e San, como se pode ver no mapa 1. Moçambique fica localizado na região oriental da África Austral, na zona linguística das chamadas Línguas Bantu. 2 A Afro-Asiática - esta família tem como subfamílias: Semítica, Egípcia, Cushítica, Berber e Chádica. Todas as línguas desta família também são faladas na Ásia, com exceção do semítico, que inclui o hebraico e o árabe dos séculos VII e VIII. O árabe é falado na região norte do continente, abrangendo o Egito, Tunísia, Marrocos, Argélia, Líbia e Sudão. A Nilo-Sahariana - esta família tem como subfamílias: Songhai, Sahariana, Maban, Fur, Chari-Nilo e Koman. As suas línguas são localizadas no Níger, Burkina Faso, Tchad, oeste da Etiópia e no Sudão. As línguas mais conhecidas desta família são: o dinka, o shilluk, o nuer, o massai (Uganda, Kenya, Tanzânia) e o mangbetu no nordeste da República Democrática do Congo. Congo-Kordofaniana - esta família divide-se em duas subfamílias: Níger-Congo e Kordofaniana, sendo a mais importante a Niger-Congo devido à sua extensão, estendendo-se num espaço que vai desde o Senegal até o oeste, passando pela África do Sul, incluindo todo o leste do continente desde o sul da Somália. A família Kordofaniana apenas é falada por comunidades reduzidas que se localizam nas montanhas de Nuba, na República do Sudão. A Khoi e san - a família tem como subfamílias: Khoi, San, Sandawe, Iraqw e Hatsa ou Hadza. Os falantes destas línguas ocupavam provavelmente uma boa parte do continente antes da expansão dos povos que falam a língua de um dos ramos Níger-Congo. Isso implica dizer que a família khoi e san não pertence à família bantu, porque foram os primeiros residentes da região sul de África muito antes da expansão bantu. Embora em número reduzido comparativamente à família bantu, ainda há falantes nesta região do continente (ABDULA, 2014, p. 19-20). 28 Mapa 1: Distribuição dos troncos de línguas na África + Fonte: Wikimedia/Autor: Mark Dingemanse/Creative_Commons Licenses A maioria das línguas faladas em Moçambique pertencemao grupo linguístico bantu, além de outras de línguas de origem europeia e asiática, respetivamente, como são os casos de português, inglês, hindi, urdu, gujarate, árabe, etc. O número de línguas do grupo bantu faladas em Moçambique ainda não é consensual, mas existe cerca de vinte línguas, como se pode ver no mapa 2, sobre o Primeiro Seminário de Padronização da Ortografia das Línguas Moçambicanas. No entanto, no Segundo e Terceiro Seminários de Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas, foram propostas ortografias de dezessete línguas bantu faladas em Moçambique divididas em seis grupos, nomeadamente: Grupo I (Kimwani, Shimakonde, Ciyaawo) 29 Grupo II (Emakhuwa, Echuwabu) Grupo III (Cinyanja, Cinyungwe, Cisena, Cibalke) Grupo IV (Cimanyika, Cindau, Ciwute) Grupo V (Gitonga, Cicopi) Grupo VI (Xichangana, Citshwa, Xirhonga). Mapa 2: Distribuição das línguas bantu moçambicanas Fonte: Patel e Cavalcanti (2013, p.279) De acordo com os dados do Censo 2017, a língua materna com maior número de falantes com mais de cinco anos de idade é o Emakhuwa, com 26.1% da população. Esta 30 língua é falada nas regiões centro e norte de Moçambique, abrangendo as províncias da Zambézia, Nampula, Cabo Delgado e Niassa,depois segue o português com 16.6% da população, o que faz desta língua a segunda em número de falantes. A língua Echuwabo, nossa língua de estudo, é falada por 4.7% da população, como se pode ver na tabela a seguir. Tabela 1: Língua materna da população com 5 anos de idade em diante. Língua População total % Emakhuwa 5.813.083 26.134 Português 3.686.890 16.575 Xichangana 1.919.217 8.628 Elomwe 1.574.237 7.077 Cinyanja 1.790.831 8.051 Cisena 1.578.164 7.095 Echuwabo 1.050.696 4.724 Cindau 836.038 3.759 Xitshwa 836.644 3.761 Mudo 4.173 0.019 Outras línguas moçambicanas 2.633.088 11.838 Outras línguas estrangeiras 112.385 0.505 Desconhecida 407.927 1.834 Fonte: Produzido a partir de dados do INE3 (2020). No que diz respeito à língua falada, com frequência em casa, o Emakhuwa é a língua mais falada, com 26.3% da população com mais de cinco anos de idade, seguida de português 3 Todos os dados aprensetandos nas tabelas 1-4 foram produzidos com base nos dados do último recenseaemento geral da população e habitação feito pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e estão disponíveis em: www.ine.gov.mz. 31 com 16.8% de falantes. O Echuwabo é falado com frequência em casa por 4.4% da população. Algo curioso nos dados apresentados nas tabelas é a existência de línguas desconhecidas que não fazem parte das línguas moçambicanas e das línguas estrangeiras. Tabela 2: Língua falada com frequência em casa pela população com 5 anos de idade em diante. Língua População total % Emakhuwa 5.856.590 26.230 Português 3.737.726 16.804 Xichangana 1.984.299 8.921 Elomwe 1.581.281 7.109 Cinyanja 1.836.323 8.256 Cisena 1.541.751 6.931 Echuwabo 984.995 4.428 Cindau 813.563 3.658 Xitshwa 778.781 3.501 Mudo 2.842 0.013 Outras línguas moçambicanas 2.636.970 11.855 Outras línguas estrangeiras 89.434 0.402 Desconhecida 398.818 1.793 Fonte: Produzido a partir de dados do INE (2020) O Emakhuwa é a língua com maior percentagem de falantes como língua materna e como a língua mais falada em casa, e o português vem em segundo lugar. No entanto, apesar de o português ter a segunda maior percentagem, quer como língua materna ou como língua mais falada em casa, é uma língua falada por aproximadamente 16% da população. 32 Tabela 3: Distribuição percentual da população segundo língua materna e língua falada com mais frequência em casa Língua Língua Materna % Língua falada em casa % Emakhuwa 26.134 26.230 Português 16.575 16.804 Xichangana 8.628 8.921 Elomwe 7.077 7.109 Cinyanja 8.051 8.256 Cisena 7.095 6.931 Echuwabo 4.724 4.428 Cindau 3.759 3.658 Xitshwa 3.761 3.501 Mudo 0.019 0.013 Outras línguas moçambicanas 11.838 11.855 Outras línguass estrangeir 0.505 0.402 Desconhecida 1.834 1.793 Fonte: Produzido a partir de dados INE (2020) Quanto ao número da população que tem conhecimento da língua portuguesa, as crianças, adolescentes e jovens são os que mais têm conhecimento da língua portuguesa com percentagem mais alta a atingir os 15%, contrariamente aos mais velhos que têm menos conhecimento da língua portuguesa, com a percentagem mais baixa a atingir os 0.4% e a percentagem mais alta não atinge a percentagem mais baixa dos mais novos. 33 Tabela 4: Conhecimento da língua portuguesa pela população com 5 anos de idade em diante. Idade População total % 5-9 1.182.959 11.228 10-14 1.641.371 15.579 15-19 1.695.742 16.095 20-24 1.467.019 13.924 25-29 1.128.758 10.713 30-34 867.120 8.230 35-39 694.753 6.594 40-44 523.057 4.965 45-49 393.508 3.735 50-54 309.664 2.939 55-59 221.215 2.100 60-64 154.770 1.469 65-69 102.231 0.970 70-74 58.831 0.558 75-79 41.450 0.393 80 e + 53.457 0.507 Fonte: Produzido a partir de dados do INE (2020) Os dados das quatro tabelas apresentadas nos mostram que a língua materna da maioria dos moçambicanos continua sendo uma das línguas moçambicanas e são as línguas faladas com frequência em casa. O português, apesar de ser a língua oficial, não é ainda a língua mais falada em Moçambique, com uma percentagem média de 16% do número total de 34 falantes. No entanto, verifica-se uma evolução e aumento de pessoas com conhecimento da língua portuguesa hoje, principalmente entre as pessoas mais jovens. Infelizmente, o Censo 2017 trouxe dados incompletos sobre línguas moçambicanas, tendo destacado apenas algumas e juntado outras no grupo de outras línguas moçambicanas, fazendo com que não se conheçam dados sobre as referidas línguas, para além de dados de línguas desconhecidas. A questão que se coloca é: como é possível que existam línguas desconhecidas, sabendo-se que existem estudos sobre línguas moçambicanas e os falantes conhecem os nomes das línguas que eles falam? O Censo de 2007 foi melhor nesse sentido ao trazer dados sobre mais línguas moçambicanas, como pode ser visto na tabela a seguir. Tabela 5: Distribuição de línguas faladas pela população de 5 ou mais anos de idade Nº Língua Falantes % Províncias 01 Emakhuwa 3.097.788 26.1 Nampula, Cabo Delgado, Niassa, Sofala, Zambézia 02 Português 1.693.024 10.8 Todas as províncias do país 03 Xichangana 1.660.319 10.2 Gaza, Maputo, Maputo Cidade, Inhambane, Niassa 04 Cisena 1.218.337 7.5 Sofala, Manica , Tete, Zambézia 05 Elomwe 1.136.073 7.2 Zambézia, Nampula, Niassa 06 Cinyanja 903.857 5.8 Tete, Niassa, Zambézia 07 Echuwabo 716.169 4.8 Zambézia, Nampula, Sofala 08 Cindau 702.464 4.5 Manica, Sofala 09 Citshwa 693.386 4.4 Inhambane, Gaza , Maputo, Sofala 10 Cinyungwe 457.292 2.9 Tete, Manica 11 Ciyao 341.796 2.2 Niassa, Cabo Delgado 35 12 Cicopi 303.740 1.9 Gaza, Inhambane, Maputo, Cidade de Maputo 13 Shimakonde 268.910 1.7 Cabo Delgado 14 Ciutewe 259.790 1.7 Manica 15 Xirhonga 235.829 1.5 Maputo, Cidade de Maputo, Gaza, Inhambane 16 Gitonga 227.256 1.5 Inhambane, Gaza , Maputo, Cidade de Maputo 17 Cimanyika 133.961 0.9 Manica 18 Cibalke 112.852 0.7 Manica 19 Kimwani 77.915 0.5 Cabo Delgado 20 Ekoti 60.771 0.4 Nampula 21 Shona 35.878 0.2 Manica 22 Kiswahili 15.255 0.1 Cabo Delgado 23 Línguas de Sinais 7.503 0.05 Todas Províncias 24 Outras Línguas Moçambicanas 310.259 2.0 Todas Províncias Fonte: Ngunga e Bavo (2011, p.14-15) Nesta tabela, apesar de constarem dados de outras línguas moçambicanas, como nas tabelas anteriores, é possível ver que existem dados de muito mais línguas comparativamente aos dados das tabelas anteriores referentes ao Censo (2017), para além de trazer dados sobre línguas de sinais que também são línguas moçambicanas. Todas línguas apresentadas nas tabelas são faladas em Moçambique, umas com mais falantes que as outras, porém, com formas de tratamento diferentes. O português que é a língua oficial do país é usada nas escolas como meio de ensino, o que não acontece com a maioria das línguas moçambicanas. Este processo começa no período colonial e se estende para período pós-colonial em Moçambique, assim como, na maioria dos países da África subsaariana, como iremos ver na próxima seção. 36 2. ENSINO DAS LÍNGUAS AFRICANAS Na seção anterior falamos acerca da situação linguística em Moçambique, vimos o número de falantes das diferentes línguas nacionais incluindo o português, e a percentagem de moçambicanos que têm essas línguas como língua materna. Na presente seção iremos falar acerca do ensino das línguas africanas em geral e moçambicanas em particular, as políticas linguística no período colonial nos diferentes países africanos e como essas políticas influenciaram as decisões tomadas em relação ao lugar das línguas africanas no período pós- independência. A situação em que se encontram as línguas moçambicanas hoje é reflexo das políticas linguísticas adotadas no continente africano no perído colonial e depois das independências dos países africanos e, para entendermos a situação linguística moçambicana, é preciso entender o que aconteceu em toda a África durante esses períodos. Assim sendo, faremos uma abordagem sobre a situação das línguas africanas nos dois períodos e, depois, a situação das línguas moçambicanas. Os países africanos ainda precisam de muito investimento na educação e no ensino das línguas africanas, porque muitas dessas línguas não são usadas na escola como meio de ensino, dificultando assim o processo de ensino e aprendizagem de muitas crianças, privando- as do direito de uso de suas línguas maternas como meio de ensino. Para melhor percebermos o estado em que se encontram as línguas africanas hoje, primeiro iremos falar sobre como elas eram no passado, isto é, no período colonial, e em seguida, no período pós-colonial. No período colonial, o sistema formal de educaçao dos países africanos estava na responsabilidade do governo colonial, a quem cabia definir políticas e criar meios para a sua implementação. Era papel do governo colonial determinar quem deveria ser alfabetizado, quantas escolas seriam necessárias, quais níveis de escolaridade deveriam ser ensinados, qual língua devia ser usada para alfabetizar e qual seria a finalidade dos alfabetizados, tendo em conta a política colonial vigente. A política de ensino nas colônias era feita de acordo com a visão do colonizador sobre a África e os africanos, e o número de escolas e o número de africanos que tinham acesso ao ensino formal colonial era muito pouco independente do país colonizador. O ensino era destinado aos filhos de colonos europeus e quando os africanos tivessem acesso era em número muito reduzido. 37 Prover educação aos africanos nunca foi objetivo do governo colonial. A maioria dos africanos que tinham acesso ao ensino terminavam no ensino primário e poucos eram os que tinham acesso ao ensino secundário. No Senegal, por exemplo, colônia francesa da África Ocidental, havia apenas 174 alunos na escola secundária em 1946, e ao se tornar independente, o Congo, uma antiga colônia belga com 22 milhões de habitantes, tinha 16 graduados do ensino médio (RODNEY, 2006). Os números apresentados mostram que durante todo o período de colonização muito pouco foi feito, para não dizer nada, com relação ao acesso à educação dos povos africanos. Embora a África seja um continente multilingue e os africanos na sua maioria se comuniquem por meio de suas línguas nativas, muitas dessas línguas não foram usadas como meio de ensino e nem foram ensinadas como disciplina. De acordo com Bamgbose (2011) e Léglise e Migge (2008), o regime colonial foi responsável pelo cenário em que se encontram as línguas africanas hoje. Durante o período colonial foi criado um sistema hierárquico entre as línguas africanas e as línguas europeias usadas nas colônias como línguas oficiais. O sistema hierárquico, em questão, colocava as línguas europeias numa escala superior em relação às línguas africanas, que nem sequer eram consideradas línguas. Essa política colonial sobre as línguas africanas congelou as oportunidades de desenvolvimento funcional de quase todas as línguas africanas. Também congelou a competição linguística entre as línguas pelo acesso a novos domínios e, até certo ponto, a língua europeia retardou a extensão das línguas veiculares africanas existentes4 (SPENCER, 1985, p. 394, tradução nossa). Com as línguas africanas condenadas a serem usadas apenas em ambientes familiares e informais e sem serem usadas como meio para o desenvolvimento social, econômico e científico, a língua do colonizador, em contraste, tornou-se uma necessidade para todos aqueles que desejavam avançar socialmente e participar da esfera pública da colônia (LÉGLISE; MIGGE, 2008). Todavia, no que diz respeito ao ensino das línguas africanas, havia diferença de políticas entre os países colonizadores, mas no final o objetivo era o mesmo. 4 “froze the opportunities for functional development of almost all the African languages. [It] also froze linguisti competition between languages for access to new domains, and to some extent the European language retarded the extension of existing African vehicular languages” (SPENCER, 1985, p. 394). 38 2.1. Ensino das línguas africanas no período colonial No que diz respeito ao ensino das línguas africanas, antes das independências, podemos dividir em dois grupos: os países que eram a favor e os países que eram contra, dependendo de sua atitude em relação às línguas indígenas africanas (ANSRE, 1978). Bélgica, Alemanha e Grã-Bretanha eram a favor, enquanto Portugal, Espanha e França eram contra. De acordo com Ansre (1978), os países que eram contra o uso das línguas indígenas acreditavam em um modelo de assimilação do colonialismo, no qual a capacidade de falar a língua metropolitana era um aspecto essencial da “civilização” que transmitiam aos africanos. 2.1.1. Países contra o ensino das línguas africanas Este grupo de países não só limitava o uso de outras línguas dentro das colônias, mas também não permitia que elas fossem usadas nas escolas. Portugal e França tinham sua política sobre o uso das línguas claramente definida em decretos. O uso do português, por exemplo, tinha o cunho legal no Decreto 77, emitido pelo então Alto-comissário senhor Norton De Matos, em Luanda, Angola, em 1921, o qual proibia o ensino de outras línguas estrangeiras e línguas nativas, permitindo apenas o uso e ensino do português. As proibições contidas no decreto aplicava-se não só a Angola, mas também a outras colônias como Moçambique. O decreto, para além de proibir o uso das línguas nativas africanas, deixava claro que caso fosse necessário o uso, em que contexto devia ser usada, como se pode ver nos artigos que se seguem. Artº 1; ponto 3: É obrigatório em qualquer missão o ensino da Língua Portuguesa; ponto 4: É vedado o ensino de qualquer língua estrangeira. Artº 2: Não é permitido ensinar nas escolas de missões línguas indígenas. Artº 3: O uso de língua indígena só é permitido em linguagem falada na catequese e, como auxiliar, no período do ensino elementar da Língua Portuguesa. Parágrafo 1º: É vedado na catequese das missões, nas escolas e em quaisquer relações com indígenas o emprego das línguas indígenas, por escrito ou falada de outras línguas que não seja o português, por meio dos folhetos, jornais, folhas avulsas e quaisquer manuscritos. Parágrafo 2º: Os livros de ensino religioso não são permitidos noutra língua que não seja o português, podendo ser acompanhado do texto de uma versão paralela em língua indígena. Parágrafo 3º: O emprego da língua falada a que se refere o corpo deste artigo e o da versão em língua indígena, nos termos do parágrafo anterior, só são permitidos transitoriamente e enquanto se não generalizar entre os indígenas o conhecimento da Língua Portuguesa, cabendo aos missionários substituir sucessivamente e o mais possível em todas as relações com os indígenas e na catequese as línguas indígenas pela Língua Portuguesa. Artº 4: As disposições dos dois artigos antecedentes não impedem os trabalhos linguísticos ou quaisquer outras de investigações científicas, reservando-se porém ao governo o direito de proibir a sua circulação quando, mediante inquérito administrativo, se reconhecer que ela pode prejudicar a ordem pública e a liberdade ou a segurança dos cidadãos e das populações indígenas (ANGOLA. Decreto nº 77, de 09 de Dezembro de 1921). 39 Em Moçambique a educação estava na responsabilidade da igreja católica através do programa missionário. De acordo com Gómez (1999), o programa missionário católico estava regulamentado pela Constituição portuguesa, pelo Acordo Missionário de 7 de Maio de 1940 e pelo Estatudo Missionário de 1941. Estes dois documentos definiam quais atividades seriam realizadas pelo programa missionário. Definiam ainda, que o ensino deveria ser feito em língua portuguesa, e as línguas moçambicanas seriam usadas apenas no ensino da religião, como se pode aferir no artigos nº 15 e 16 do Acordo Missionário. O artigo nº 15 do Acordo Missionário, de outro lado, atribuía liberdade às missões católicas para, assim, escreverem as formas de acividade que lhes são próprias e nomeadamente a de fundar e dirigir escolas para os indígenas e europeus (...). O artigo nº 16 estabelecia que nas escolas indígenas missionárias é obrigatório o ensino de língua portuguesa, ficando plenamente livre, em harmonia com os princípios da igreja, o uso da língua indígena no ensino da religião católica (HASTINGS (1974, p. 107, Apud GOMÉZ, 1999, grifos do autor). Quer para os colonos portugueses quer para os colonos franceses, as línguas nativas africanas não eram consideradas línguas de civilização, mas sim dialetos, como descreve Davesne sobre a posição da França em relação às línguas nativas africanas: “os dialetos africanos não são línguas da civilização5” (DAVESNE, 1933, p. 6, tradução nossa). Ao não reconhecer as línguas africanas como línguas abria-se o caminho para criação de hierarquia entre as línguas de “civilização” consideradas “línguas” e as línguas de “não-civilização” consideradas de “não-línguas”. Embora existissem países que eram a favor do uso das línguas nativas, a política de hierarquização das línguas foi estabelecida em todas as colônias em África. Os países que eram contra o ensino das línguas africanas adotaram uma política de assimilação6. Ao seguir uma política de assimilação total, o objetivo desses países era transformar todos e cada um de seus súditos na África em uma perfeita réplica linguística e cultural do cidadão correspondente em seus respectivos países de origem na Europa (AWOBULUYI, 2013). 5 “les dialectes africains ne sont pas des langues de civilisation” (DAVESNE 1933, p. 6). 6 Assimilação era uma política colonial que tinha como objetivo “civilizar o africano”. Em Moçambique, o assimilado era o indivíduo moçambicano negro ou mestiço que havia superado a condição de indígena, de "não civilizado", tornando-se cidadão português, à semelhança dos colonos portugueses. Tratava-se de um estatuto social em que a pessoa para além de ter acesso à escola, sobretudo as classes elementares, devia se identificar com as características sociais e culturais do colono através da assimilação da sua língua e da cultura por um lado e, por outro, o abandono ou renúncia da sua língua e cultura, o que tornava o assimilado um indivíduo com mais prestígio se comparado com a maior parte da população “não-assimilada”. 40 2.1.2. Os países a favor do ensino das línguas africanas Os países que eram a favor do uso das línguas indígenas, liderados pela Grã-Bretanha, permitiam que o povo usasse suas línguas, desde que fosse produzido um quadro administrativo de nível elementar. Os ingleses demonstraram tolerância linguística na medida em que permitiram que línguas nativas africanas fossem usadas como meio de instrução para os primeiros três a quatro anos da escola primária e depois ensinados posteriormente como disciplina escolar, se desejado (AWOBULUYI, 2013). A Grã-Bretanha, ao permitir o uso e ensino das línguas africanas, não tinha como objetivo o desenvolvimento dessas línguas ou a formação de africanos intelectuais. Uma declaração britânica na Índia - também aplicável ao caso africano - justificava a educação colonial como um meio de criar “uma classe que pode ser intérprete entre nós e os milhões que governamos; uma classe de pessoas, indianas em sangue e cor, mas inglesas em gosto, em opiniões, em moral e em intelecto7” (WATSON, 2007, p. 258, tradução nossa). Essa era também a essência da educação colonial portuguesa em Moçambique como atesta Mondlane (1975). Em teoria, o fim da educação é ajudar o africano a ‘civilizar-se’ e torna-lo um português. Isto, em si, é um ponto de vista etnocêntrico estreito, mas ao menos ofereceria aos africanos a oportunidade de se desenvolverem, mesmo que não fosse na direção mais desejável. Na prática, contudo, nada disso é levado a cabo. O sistema é organizado de modo a tornar quase impossível a um africano obter educação que o qualifique para mais alguma coisa do que o trabalho insignificante. Todo o sistema de ensino africano é delineado para não produzir cidadãos mas servos de Portugal (MONDLANE, 1977, p. 75-76, grifos do autor). A abertura da política britânica em relação às línguas africanas, de acordo com Albaugh (2004), deveu-se a duas razões: primeiro, a educação na África Britânica começou com a presença de missionários, principalmente protestantes, cujos esforços de evangelização pressupunham alcançar os africanos através de suas línguas nativas, esses missionários eram relativamente independentes da supervisão britânica;em segundo lugar, o governo britânico foi influenciado pela recomendação da Comissão Phelps-Stokes8, que visitou vários territórios 7 “a class who may be interpreters between us and the millions whom we govern; a class of persons, Indian in blood and colour, but English in taste, in opinions, in morals, and in intellect”. 8 Comissão Phelps-Stokes é uma comissão pertencente ao Fundo Phelps Stokes que “é um fundo sem fins lucrativos criado em 1911 pela vontade da filantropa de Nova York, Caroline Phelps Stokes, membro da família Phelps Stokes. Criada como curadores do Fundo Phelps Stokes, Phelps Stokes conecta líderes e organizações emergentes na África e nas Américas com recursos para ajudá-los a promover o desenvolvimento social e econômico”. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Phelps_Stokes_Fund. https://en.wikipedia.org/wiki/Phelps_Stokes_Fund 41 na África em 1920/21, e sugeriu que as escolas se adaptassem às realidades locais, inclusive usando as línguas locais, como se pode ver no texto. Os elementos a serem considerados na determinação das línguas de instrução são, (1) que todas as pessoas têm um direito inerente à sua língua nativa; (2) que a multiplicidade de línguas não deve criar mal-entendidos e desconfiança entre as pessoas que deveriam ser amigáveis e cooperativas; (3) que todo grupo deve ser capaz de se comunicar diretamente com aqueles a quem o governo foi confiado; e (4) que um número crescente de povos nativos deve saber pelo menos uma das línguas das nações civilizadas. (...) As seguintes recomendações são oferecidas como sugestões para orientar governos e educadores na determinação dos procedimentos usuais na maioria das colônias africanas: 1. A língua tribal deve ser usada nos padrões ou graus elementares mais baixos. 2. Uma língua franca de origem africana deve ser introduzida nas classes médias da escola se a área for ocupada por grandes grupos nativos que falam diversas línguas. A língua da nação européia no controle deve ser ensinada nos padrões superiores. (JONES, 1925, p. 269, tradução nossa). Embora as recomendações sugerissem o ensino das línguas africanas, ao mesmo tempo não deixam de olhar as línguas de origem europeia como superiores, línguas de nações civilizadas, por isso a razão da recomendação para que cada grupo soubesse falar pelo menos uma dessas línguas. Não era do interesse britânico, e por isso não fazia parte da sua política, a formação e capacitação de nativos para que pudessem alcançar alto nível de proficiência em inglês ou o desenvolvimento de uma língua nativa comum que fosse capaz de ser usada pelos nativos e pelos britânicos. Embora, os britânicos permitissem que o povo usasse suas línguas, a permissão era baseada numa política de dividir para reinar, apoiando as línguas dominantes em suas colônias (BRENZINGER, 1992), porém, sempre mantendo a língua europeia como a 9 The elements to be considered in determining the languages of instruction are (1) that every people have an inherent right to their Native tongue; (2) that the multiplicity of tongues shall not be such as to develop misunderstandings and distrust among people who should be friendly and cooperative; (3) that every group shall be able to communicate directly with those to whom the government is entrusted; and (4) that an increasing number of Native people shall know at least one of the languages of the civilized nations. (…) The following recommendations are offered as suggestions to guide governments and educators in determining the usual procedures in most African colonies: 1. The tribal language should be used in the lower elementary standards or grades. 2. A lingua franca of African origin should be introduced in the middle classes of the school if the area is occupied by large Native groups speaking diverse languages. The language of the European nation in control should be taught in the upper standards. (JONES, 1925, p. 26) 42 língua de prestígio. Desse modo, pode-se resumir a política colonial na educação na África da seguinte forma: • Países colonizados pela França foram ensinados a língua francesa em todos os níveis, ou seja, foi uma imersão total no sistema francês; • Países colonizados pelos espanhóis e portugueses tiveram uma experiência semelhante; • Nos países colonizados pelos ingleses, o uso de línguas indígenas era tolerado nos primeiros anos de educação formal, enquanto a língua inglesa era incentivada no ensino superior (OREKAN, 2010, p. 19, tradução nossa). Moçambique foi uma colônia de Portugal, portanto, a política educacional implementada na época era de proibição do ensino das línguas moçambicanas como veremos a seguir. 2.1.3. A situação de Moçambique A educação formal em Moçambique antes da independência estava na responsabilidade do governo colonial português, porém apesar da presença dos portugueses no país desde 1498, nunca foi criado um sistema de educação formal até o ano de 1845. De acordo com Gómez (1999), a primeira regulamentação do ensino nas colônias foi criada no dia 2 de abril de 1845. Quatro meses depois, no dia 14 de agosto do mesmo ano, foi criado um decreto que diferenciava o ensino nas colônias do ensino na metrópole e nascia as escolas públicas nas colônias, o que permitiu, depois de 1854, a criação por decreto das primeiras escolas primárias na Ilha de Moçambique, no Ibo, Quelimane, Sena, Tete, Inhambane e Loureço Marques (atual Maputo). Os referidos decretos ou atos legislativos, segundo o autor, não foram para além do papel. No entanto, foi no Estado Novo em 1930, através do Diploma Legislativo 238, que se regulamentou a educação nativa. O primeiro artigo do Diploma dizia qual devia ser a finalidade da educação nativa e determinava que o ensino para os indígenas deveria “conduzir o indígena da vida selvagem para a vida civilizada, formar-lhe a consciência de cidadão português e prepará-lo para a luta da vida, tornando-o mais útil à sociedade e a si próprio” (MEC, 1980, p. 24). O objetivo da educação nativa era tirar o indígena da “vida selvagem” para a “civilização” moldando-o de acordo com normas que caracterizam o cidadão português, ou seja, torná-lo um português fora de Portugal. Apesar de o Diploma legislativo regulamentar a educação nativa, não significou estabelecer direitos iguais para todos dentro da colônia, pois o ensino era separado, sendo um 43 para os povos “civilizados” e outro para povos por “civilizar”, como podemos ver em um dos artigos: Tendo em conta que os povos primitivos não podem ser civilizados senão pouco a pouco, que a população da colónia se compõe de elementos, uns civilizados, outros primitivos, foram instituídas nas colónias portuguesas dois géneros de ensino primário: um para europeus e assimilados, outro para primitivos (MALHEIROS, 1980, p. 211). Como fizemos menção anteriormente, o ensino era rudimentar e a finalidade, “segundo a Lei nº 238, de 15 de Maio de 1930, e a Concordata de 1940, era conduzir gradualmente o indígena duma vida de selvajaria a uma vida civilizada”. (GOMÉZ, 1999, p. 62). O que se pode aferir dessas leis é que a educação nativa não visava exaltar os valores africanos, criar espírito de cidadania e inclusão social e muito menos estava voltada para o desenvolvimento humano, social e econômico dos moçambicanos, além disso, “[…]. a escola colonial ministrava uma educação para a subordinação à exploração, confusão mental e o desenvolvimento de subdesenvolvidos” (RODNEY, 1975, p. 347-8). A política educacional colonial não foi favorável para os povos africanos e as línguas africanas. Assim, o que se esperava depois das independências dos países africanos era a adoção de modelos de educação que simbolizassem o rompimento com a política educacional colonial através da criação de condições para que os africanos tivessem mais acesso à educação e que as línguas africanas fossem usadas nas escolas. Todavia, nem tudo foi feito em direção ao desejável, como veremos a seguir. 2.2. Depois da independência dos países africanos Com as independências dos países africanos nas décadas de 1960 e 1970, a educação passou para a responsabilidade dos governos africanos. A política imperativa na época era a massificação do acesso à educação para que mais africanos tivessem acesso ao ensino formal, não só por uma questão de direito, mas também porque a maioria desses países tinha falta de recursos humanos capazes de responder as necessidades existentes para erguer uma nova nação em construção. O desafio que se colocava aos novos governos africanos era como fazer com que o ensino fosse abrangente, que não fosse apenas privilégio de um grupo de pessoas que vivem nos centros urbanos, mas que, também, estivesse ao alcance da maior parte da população que vive nas zonas rurais. E qual seria a língua a ser usada para o ensino num cenário em que o sistema educacional herdado do colonialismo era feito numa língua que a maior parte da população não fala? A solução para a questão linguística da maioria dos países 44 foi adotar a língua dos ex-colonos como língua oficial, assim sendo, línguas como inglês, francês e português passaram a ser línguas oficiais em países como Nigéria, Senegal e Moçambique, como se pode ver no quadro que se segue. Quadro 1: Línguas oficiais escolhidas pelos Estados africanos País Língua oficial Língua nacional Língua Pseudo- nacional 1 Argélia Árabe Árabe, Tamazight -- 2 Egito Árabe Árabe --- 3 Eritrea Árabe, Inglês Árabe --- 4 Líbia Árabe Árabe --- 5 Mauritânia Árabe, Francês Árabe --- 6 Marocco Árabe Árabe --- 7 República do Sudão Árabe Árabe --- 8 Tunísia Árabe Árabe --- 9 República do Benin Francês -- Adja, Fon, Batonu/Bariba, Dendi, Yoruba, Ditamari, 10 Burkina Faso Francês -- --- 11 Burundi Francês Kirundi, Swahili --- 12 Camerões Francês, Inglês -- --- 13 República Centro Africana Francês Sango --- 14 Chad Francês, Árabe -- --- 15 Comores Francês -- --- 16 Costa do Marfim Francês -- --- 17 República Democrática do Congo Francês Chiluba, Kikongo, Lingala, Swahili --- 18 Djibuti Francês, Árabe -- --- 19 Gabão Francês -- --- 20 Guiné Conacri Francês -- Fula, Kissi, Kpelle, Malinke, Sousou, Toma 21 Madagascar Francês Malagasy --- 45 22 Mali Francês -- Arabic, Bozo, Bambara, Bomu, Dogon, Fulfulde, Manikakan, Mamara Senufo, Syenara Senufo, Songhay, Soninke, Tamasheq, Xaasongaxango 23 República do Niger Francês Hausa, Zerma, Songhai, Tubu, Tamajeq, Fulfulde, Kanuri, Gurma 24 República do Congo Francês -- --- 25 Ruanda Francês Kinyarwanda --- 26 Senegal Francês Diola, Malinke, Peul, Serer, Soninke, Wolof --- 27 Seychelles Francês, Inglês Creole --- 28 Togo Francês -- Ewe, Kabiye 29 Angola Português -- --- 30 Cabo Verde Português -- --- 31 Guiné Equatorial Espanhol -- --- 32 Guiné Bissau Português -- --- 33 Moçambique Português -- --- 34 São Tomé e Príncipe Português -- --- 35 Botswana Inglês Setswana --- 36 Gâmbia Inglês -- --- 37 Ghana Inglês -- Akan, Dagbane, Ga, Gonja, Ewe, Adangbe, Kasem, Nzema, Dagaare 38 Kenya Inglês Swahili --- 39 Lesotho Inglês Sesotho --- 40 Malawi Inglês Chichewa --- 41 Maurícias Inglês, Francês -- --- 42 Namíbia Inglês, -- --- 46 Afrikaans 43 Nigéria Inglês, Francês Hausa, Igbo, Yoruba --- 44 Serra Leoa Inglês -- --- 45 Somália Somáli, Inglês Somali --- 46 África do Sul Inglês, Afrikaans Venda, Xhosa, Zulu, Tswana, Sesotho, Pedi, Tsonga, Swazi, Ndebele --- 47 Sudão do Sul Inglês -- --- 48 Suazilândia/eSwatini Inglês SiSwati --- 49 Tanzania Inglês Swahili --- 50 Uganda Inglês Swahili --- 51 Zâmbia Inglês -- --- 52 Zimbabwe Inglês Shona, Ndebele --- 53 Etiópia Amárico, Inglês Tigrinya --- 54 Libéria Inglês -- --- Fonte: Adaptado de Awobuluyi (2013, p. 71) Awobuluyi (2013) considera línguas nacionais todas as línguas nativas africanas que foram especificamente designadas como tais nas constituições dos países em questão ou em alguns outros tipos de documentos oficiais publicados por esses países, esão línguas também usadas para o ensino. Por seu turno, "línguas pseudo-nacionais" são línguas nativas que são oficialmente reconhecidas, mas com objetivo de fazer com que os falantes dessas línguas se sintam bem ao verem suas línguas reconhecidas, no entanto, essas línguas não são usadas no ensino mas podem ser usadas em programas de rádios comunitárias. Apesar da separação feita pelo Awobuluyi (2013) entre línguas nacionais e línguas pseudo-nacionais, conceituamos que todas elas são línguas nacionais por considerarmos línguas nacionais como o conjunto de línguas de uma determinada nação. No quadro 1 é possível ver que quase todos os países africanos, sobretudo os da África subsaariana, adotaram apenas uma língua oficial que é a de origem europeia, com exceção da África do Sul, Somália e Etiópia que, para além do inglês, adotaram o afrikaans, o somáli e o amárico. As Constituições de alguns países africanos não dizem qual é a língua oficial do país, porém, as únicas línguas de ensino e de uso na função pública desses paíes são línguas 47 europeias. As razões da escolha das línguas europeias foram meramente políticas e os principais argumentos apresentados para sua escolha são vários, segundo Phillipson (2001), Bamgbose (2011), Silva (2010), dentre os quais importa destacar: a) As línguas europeias, contrariamente às línguas africanas, possuíam uma literatura e uma história documentada e apresentavam um valor simbólico com instrumentos linguísticos definidos como a escrita, a gramática, e o dicionário. b) As línguas europeias reuniam condições para serem usadas como línguas de contato internacional entre os países africanos e os restantes países do mundo. c) Escolhendo a língua europeia como língua oficial se evitariam problemas causados caso fosse escolhida uma língua africana do país, e evitaria a valorização e ascensão de um grupo étnico em detrimento dos outros. Partindo dessa visão, a alternativa viável foi a escolha da língua do colonizador, considerada como neutra. Tornar as línguas europeias como línguas oficiais dos países africanos nunca foi algo questionável pelas elites políticas africanas da época, pelo contrário, as línguas europeias sempre foram bem vistas, como se pode constatar nas palavras de Amilcar Cabral, líder do movimento independentista de Guiné Bissau e Cabo Verde, em relação à língua portuguesa: “o português é uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram em 500 anos de colonialismo” (CRISTOVÃO, 2005, p. 653 grifos do autor). Tendo em conta esta situação em que apenas as línguas dos ex-colonos foram consideradas línguas oficiais dos países africanos, como seria possível pensar no ensino das línguas africanas ou no ensino bilíngue? Como ensinar em outras línguas diferentes do inglês, francês, português, etc., e como fazer com que a maioria da população tenha acesso à educação formal numa língua que eles pouco ou não falam? O que se verificou, pelo menos nos primeiros anos após a independência dos países africanos, foi a continuidade da mesma política linguística usada no período colonial, ou seja, as línguas africanas continuaram no mesmo lugar onde se mantiveram durante todo o período colonial, e as línguas de origem europeia continuaram tendo hegemonia sobre todas as outras línguas africanas. De acordo com Ki-Zerbo (2010), o dominio dos idiomas europeus subsiste, portanto, como um dos principais obstaculos para uma profunda reforma dos sistemas de educação, herdados da época colonial. As linguas africanas, as quais tem a vantagem de facilitar a educação social em escala local e constituem a chave para uma reforma mais substancial do ensino, 48 não desempenham senão papeis marginais, em contrapartida, os idiomas europeus continuam a ser promovidos e apresentados na qualidade de lingua franca, os mais aceitos no plano político (KI-ZERBO, 2010, p. 833-834, girfos do autor). Com o andar do tempo e com a tomada de consciência dos países africanos sobre a necessidade de valorização das línguas africanas e pelo papel que essas línguas poderiam desempenhar na alfabetização da população, novos cenários foram surgindo, novas iniciativas foram aparecendo e um novo olhar sobre as línguas africanas começou a surgir. A importância do ensino das línguas africanas começou a ganhar relevância em diferentes países africanos, com uma implementação ainda incipiente e tímida em alguns casos. Essa nova fase sobre as línguas africanas foi acompanhada de campanhas tais como: • campanha de educação na língua materna; • descolonização da educação; • educação para o “renascimento africano”. A partir da década de sessenta, década em que os países africanos começaram a alcançar as independências nacionais e, com a criação da OUA (Organização da Unidade Africana) em 1963, começaram a ser realizados encontros regulares dentro do continente africano, com o objetivo de discutir a situação das línguas e das culturas africanas e analisar a importância dessas línguas para a educação. Apesar desses encontros só terem iniciado na África na década de sessenta, como dissemos anteriormente, há registro de ter havido encontro em 1930, em Londres, que visava criar uma ortografia para as línguas africanas. Dentre os encontros realizados podemos destacar os seguintes10: 1930 – Londres (Inglaterra) – Ortografia Prática das Línguas Africanas no Instituto Internacional de Línguas e Culturas Africanas. 1964 – Abidjan (Costa do Marfim) – Conferência Regional sobre Planejamento e Organização de Programas de Alfabetização em África. 1964 – Ibadan (Nigéria) – Reunião de Peritos sobre o Uso da Língua Materna para a Alfabetização. 10 Cf. Basic documents of language policy in Africa. Disponível em: http://www.bisharat.net/Documents/index.html. Acesso: Maio, 2019. http://www.bisharat.net/Documents/index.html 49 1966 – Bamako (Mali) – Reunião de Peritos para a Unificação de Alfabetos de Línguas Nacionais. 1969 – Argel (Argélia) – Manifesto Cultural Pan-Africano (OUA, Primeiro Festival Cultural Africano, Argel, julho / agosto de 1969) 1970 – Yaoundé (Camarões) – Reunião em Línguas Bantu 1974 – Bamako (Mali) – Reunião de Peritos sobre o Uso das Línguas Maternas nos Programas de Alfabetização em África. 1975 – Cotonou (Benin) – Seminário regional sobre a harmonização e padronização dos alfabetos das línguas de Gana, Togo, Alto Volta, Nigéria [?] e Benin. 1976 – Port-Louis (Maurícias) – Carta Cultural para África adoptada pela OUA. 1978 – Niamey (Níger) – Reunião de peritos sobre a transcrição e harmonização das línguas africanas. 1978 – Ouagadougou (Burkina Faso) – Simpósio sobre a Coordenação da Pesquisa Linguística com vistas à sua aplicação ao ensino envolvendo as línguas africanas de intercomunicação regional. 1979 – Bamako (Mali) – Reunião de Peritos sobre o uso das línguas africanas regionais ou sub-regionais como mídia de cultura e comunicação com o continente. 1980 – Abidjan (Costa do Marfim) – Reunião de Abidjan. 1981 – Bamako (Mali) – Reunião de Bamako. 1981 – Conakry (Guiné Konacry) – Reunião de peritos sobre a definição de uma estratégia de promoção das línguas africanas. 1981 – Nouakchott (Mauritânia) – Reunião de Nouakchott 1986 – Addis Ababa (Etiópia) – Criação de Plano de Acção Linguística para África da 50 OUA. 1996 – Acra (Gana) – Seminário Pan-Africano (Projecto de Carta para a Promoção das Línguas Nacionais Africanas na Educação). 1996 – Okahandja (Namíbia) – Workshop Regional sobre línguas transfronteiriças. 1997 – Harare (Zimbabue) – Conferência Intergovernamental sobre Políticas Linguísticas em África. 2000 – Asmara (Eritreia) – Declaração de Asmara sobre Línguas e Literaturas Africanas 2000 – Bamako (Mali) – Declaração de Bamako 2000 & Plano de Ação de Bamako 2000 2001 – Bamako (Mali) – Um breve levantamento da implementação das recomendações, resoluções, decisões, planos e programas sobre as línguas africanas em nível governamental: “O caso da OUA", por Marcel Diouf, para a Consulta Africana para validação do projecto da Academia Africana de Línguas, 25 a 27 de maio de 2001 2002 – Bamako (Mali) – Conferência de Bamako 2002: Workshop sobre Línguas Africanas e Internet. 2003 – Kinshasa (Congo) – Reunião preparatória para o Festival das línguas da África. 2005 – Acra (Gana) – Conferência de Acra: Agenda do Workshop sobre "Línguas Africanas e Software de Código Aberto: Criatividade no Serviço do Renascimento Africano". 2005 – Bamako (Mali) – "Multilinguismo para a diversidade cultural e participação de todos no ciberespaço". 2005 – Casablanca (Marrocos) – Workshop de Localização Pan-Africana: Declaração 51 de Casablanca 2006 – Maputo (Moçambique) – Segunda Reunião Extraordinária da Conferência dos Ministros da Educação da União Africana (COMEDAF II). 2010 – Ouagadougou (Burkina Faso) – Conferência de Ouagadougou: Guia de políticas sobre a integração das línguas africanas e das culturas nos sistemas educativos. A preocupação com as línguas africanas foi crescendo dentro da Organização da Unidade Africana e em 1986 foi elaborado um Plano de Ação a ser implementado por cada Estado-Membro. O Plano de Ação da Língua da OUA para África estabelece prioridades e um programa de ação em vários níveis, com os seguintes objetivos: a. encorajar cada um dos Estados-Membros a ter uma política linguística claramente definida; b. assegurar que todas as línguas dentro dos limites dos Estados-Membros sejam reconhecidas e aceitas como fonte de enriquecimento recíproco; c. libertar os povos africanos da confiança indevida na utilização de línguas não indígenas como as línguas oficiais dominantes do estado em favor da aquisição gradual de línguas africanas indígenas apropriadas e cuidadosamente selecionadas neste domínio; d. assegurar que as línguas africanas, através de disposições adequadas e promoções práticas, assumam o seu papel legítimo como meio de comunicação oficial nos assuntos públicos de cada Estado Membro em substituição das línguas europeias que até agora desempenharam este papel; e. encorajar o aumento do uso de línguas africanas como veículos de instrução em todos os níveis educacionais. (OUA, 1987, p. 1, tradução nossa11). Nesse período começou a haver um despertar sobre a necessidade do ensino das línguas africanas visando reverter o cenário menos favorável em que essas línguas se encontravam. Foi um período durante o qual foram feitos esforços para que os países 11 a. to encourage each and every Member State to have a clearly defined language policy; b. to ensure that all languages within the boundaries of Member States are recognized and accepted as a source of mutual enrichment; c. to liberate the African peoples from undue reliance on the utilization of non-indigenous languages as the dominant, official languages of the state in favour of the gradual takeover of appropriate and carefully selected indigenous Africanlanguages in this domain; d. to ensure that African languages, by appropriate provision and practical promotions, assume their rightful role as the means of official communication in the public affairs of each Member State in replacement of uropean languages which have hitherto played this role; e. to encourage the increased use of African languages as vehicles of instruction at all educational levels. 52 africanos aceitassem que a língua materna fosse desenvolvida para fins educacionais. Foi também um período de iniciativas ousadas com decisões inovadoras envolvendo a escolha de línguas nacionais e seu desenvolvimento integral para uso na educação básica e alfabetização (OREKAN, 2010). Em vários países o ensino das línguas nativas teve avanço significativo, como é o caso de Ioruba, Hausa e Igbo na Nigéria, Setswana no Botswana, Kishwaili na Tanzânia e Quénia, Wolof no Senegal, Bambara no Mali e Bamileke na Costa do Marfim, para citar alguns casos de sucesso conhecidos. De acordo com Orekan (2010, p. 17), este sucesso se deve à grande conscientização através de pesquisa e do esclarecimento em curso na África, e às facilidades de financiamento da UNESCO e ao interesse dos linguistas e cientistas sociais mundiais na situação linguística africana. No entanto, apesar de ter havido avanço no ensino das línguas africanas na África, o que já foi alcançado é muito pouco em relação ao que deveria ter sido alcançado, pois, de acordo com a UNESCO (2010), a África é o único continente onde a maioria das crianças começa a escola usando uma língua estrangeira. Este fato faz-nos concluir que a maioria das crianças africanas vai à escola e aprende usando uma língua que não é a sua língua materna, não é a língua de seus pais e nem da comunidade onde vivem. 2.2.1. A situação de Moçambique Quando Moçambique proclamou a independência em 1975, a educação passou para a responsabilidade do governo moçambicano e começou o processo de massificação do ensino que visava abranger a maior parte da população, que durante séculos não teve esse privilégio, tal como aconteceu em outros países africanos. Novas escolas foram construídas, novos professores foram formados e novos materiais didáticos foram produzidos com novos conteúdos. A primeira Constituição da República de 1975 não previa o ensino das línguas nacionais e não houve preocupação por parte das entidades competentes em dar a essas línguas o seu devido valor, desse modo o português continuou sendo a única língua oficial e de ensino, mesmo se sabendo que não era a língua falada pela maior parte da população. Um dos motivos apresentados para o uso apenas do português como meio de ensino é a falta de uma língua falada pela maioria da população que possa ser considerada nacional, de modo a ser usada como língua de ensino para todos. Não existe uma língua de maioria no nosso país. Escolher uma das línguas moçambicanas como língua nacional seria uma opção arbitrária que poderia ter sérias consequências (…) fomos, por isso, forçados a utilizar o português como nossa língua de ensino e para comunicação entre nós (LOPES, 2004, p. 20). 53 O que sepercebe é que durante os primeiros anos de independência nacional “a língua portuguesa desempenhou um papel central como instrumento de uma unidade nacional que viabilizaria uma gestão política e territorial única diante da ampla diversidade africana linguística e étnica” (SEVERO, 2014, p. 14). Esse argumento tirava a possibilidade de existir um sistema de ensino em que todas as línguas fossem usadas como meio de ensino, independentemente de ser língua falada pela maioria ou pela minoria. Ao pensar apenas numa língua falada pela maioria da população que possa ser usada no ensino como língua nacional, se tira o direito dos falantes de línguas minoritárias de usarem suas línguas nas escolas, o que, em última instância, possibilitaria a extinção dessas línguas. Desde que se usou esse argumento como obstáculo para não usar as línguas nativas moçambicanas como meio de ensino, se manteve o mesmo erro cometido no período colonial como destaca Simbine (1996) citado por Lopes (2001,p. 13), “segundo Simbine, com a independência nacional o erro se manteve, ao não se atribuir às línguas autóctones moçambicanas uma função social específica, ficando a língua portuguesa como oficial e como garantia da unidade nacional”. O erro não se restringiu pelo fato de apenas não ter sido dado o devido lugar às línguas moçambicanas, que passaria necessariamente a serem usadas como meio de ensino nas escolas como mencionamos ao longo deste trabalho, mas também pelo fato dessas línguas terem sido combatidas e proibidas de serem usadas em lugares que se acreditava que apenas a língua portuguesa devia ser usada, como escola e outros setores de atividade pública, através de documentos normativos. Incentivar o combate ao uso da língua materna nos setores da vida e de trabalhos coletivos tais como na produção, nos trabalhos manuais, na escola, no refeitório, nas reuniões, nas atividades esportivas e culturais e estimular o uso da língua portuguesa, língua de unidade nacional (MEC, Doc.2, 1977ª apud Lopes, 2004, p. 3). A política de proibição do uso das línguas nativas em determinados lugares deve ser vista como continuidade da política colonial sobre o uso dessas mesmas línguas. Nas escolas, por exemplo, quando um aluno fosse visto falando a sua língua materna em pleno recinto escolar era submetido a castigo para que servisse de lição não só para ele, mas também para os outros alunos de maneira de todos perceberem a importância de não usar qualquer outra língua na escola que não fosse o português. A imposição do uso exclusivo da língua portuguesa na escola não olha para o resultado que os alunos devem alcançar durante o processo de ensino-aprendizagem, visto que os valores culturais e sociolinguísticos não são 54 levados em consideração durante o ensino. Como consequência, os resultados não têm sido satisfatórios, com isso a língua portuguesa tornou-se um obstáculo para a maioria das crianças que vão à escola sem saber falar português. Uma amostra obtida por meio de pesquisas de campo realizadas em 1990 em Moçambique indica que, em cada mil alunos que ingressaram na primeira classe, somente 77 concluíram com êxito o nível, tendo-se apontado como um dos principais fatores desse quadro a imposição da língua portuguesa nos primeiros anos de escolaridade, no processo de ensino-aprendizagem (SAÚDE, 1996, apud LOPES, 2001, p. 3). Tendo em conta esses e outros resultados sobre a problemática do uso exclusivo da língua portuguesa nas escolas, começou uma preocupação pela necessidade de se estabelecer um ensino em que os resultados fossem satisfatórios, e a solução tem passado pelo uso das línguas moçambicanas na escola como meio de ensino para evitar um problema que poderia ter sido evitado. Segundo Simbine (1996), “tivemos muitas baixas na educação que poderiam ter sido evitadas. Volvidos vinte anos de independência é que pusemos a mão na consciência e refletimos sobre questões que poderiam ter sido evitadas” (apud LOPES, 2001, p. 3). Foram feitos estudos que mostravam a necessidade do ensino das línguas moçambicanas nas escolas e sua importância para o aproveitamento pedagógico dos alunos, pois alguns linguistas como Ngunga, Firmino, Lopes, Sitoe, etc.não encontravam justificativa para o uso exclusivo de língua portuguesa como meio de ensino numa sociedade multilíngue. À vista disso, aprender na língua materna não só melhora o desempenho dos alunos, como, também, permite a retenção dos alunos nas escolas, evitando com isso os altos índices de desistência escolar dos que encontram na escola uma língua estranha à sua comunidade e, por via disso, acaba sendo um bloqueio para o desenvolvimento das suas capacidades cognitivas. Inclusive quando o currículo não é dos melhores, o uso da língua materna acaba contribuindo para o melhoramento dos resultados dos alunos, como observa Heugh (2000) ao falar sobre o ensino das línguas bantu na África do Sul. Apesar do currículo cognitivamente pobre, oito anos de instrução na língua materna deram aos alunos tempo para aprender sua própria língua por meio dessa língua e para aprender uma segunda e uma terceira línguas suficientemente bem para fazer a mudança no meio no nono ano. Durante a primeira fase da Educação Bantu, 1953-76, 55 os resultados das matrículas melhoraram, apesar do currículo deficiente12 (...) (HEUGH, 2000, p. 24, tradução nossa). De acordo com Timbane ( 2015, p. 98), o uso da língua portuguesa como língua de ensino “limita seriamente a comunicação entre professores, alunos e outros membros da comunidade. Para crianças e jovens, implica uma maior dificuldade de compreensão do processo de ensino/aprendizagem”. Mais tarde surge a abertura do governo movido pela pressão dos linguistas no intuito de corrigir o erro cometido durante muitos anos ao não permitir o uso das línguas nacionais nas escolas como meio de ensino e como instrumento de comunicação entre os alunos no recinto escolar. Foi pensando na correção do erro que a atual Constituição da República de 2004 faz menção às línguas nacionais no parágrafo 1º do artigo 9º ao dizer que, “o Estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade”. Com esta abertura se criam novos caminhos para a implementação de um sistema de ensino que use e respeite os valores sociais, linguísticos, culturais e identitários de cada grupo etnolinguístico de Moçambique. Foi assim que o ensino bilíngue envolvendo o português e as línguas moçambicanas foi introduzido pela primeira vez em Moçambique como iremos ver na próxima seção. 12 Despite the cognitively impoverished curriculum, eight years of mother tongue instruction gave pupils the time to learn their own language through this language and to learn a second and a third language sufficiently well to make the switch in medium in the ninth year. During the first phase of Bantu Education, 1953-76, the matriculation results improved, despite the poor curriculum (...) (Heugh, 2000, p. 24) 56 3. BILINGUISMO E EDUCAÇÃO BILÍNGUE EM MOÇAMBIQUE Na seção anterior discorremos sobre o ensino das línguas africanas na África e em Moçambique no período colonial e pós-independência, apresentamos como eram as políticas educacionais sobre o ensino das línguas nativas africanas e como essas políticas influenciaram a posição que os países africanos tomaram depois das independências. Nesta seção falaremos sobre o ensino bilíngue em Moçambique, o modelo de ensino bilíngue adotado por Moçambique e quais são os principais obstáculos para o desenvolvimento do ensino biliíngue em Moçambique e no restante da África. O bilinguismo é um fenômeno antigo e existe desde que o ser humano passou a ter contato com mais de uma língua, mas a educação bilíngue é um fenômeno novo e está relacionado com a educação formal e a necessidade da valorização das línguas menos prestigiadas, uma luta que não foi fácil travar e continua não sendo fácil ainda em alguns contextos sociais. Começaremos esta seção falando de bilinguismo, multilinguismo e plurilinguismo. 3.1. Bilinguismo, Multilinguismo, Plurilinguismo Quando se fala da situação linguística de Moçambique e do continente africano, os conceitos de bilinguismo, plurilinguismo e multilinguismo são levados em consideração. O termo “bilinguismo”, o qual falaremos com mais d