1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA RODRIGO ALBERTO TOLEDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA PROPOSTA DE GESTÃO CIDADÃ EM ARARAQUARA NO PERÍODO 2001 – 2004 ARARAQUARA 2006 2 RODRIGO ALBERTO TOLEDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA PROPOSTA DE GESTÃO CIDADÃ EM ARARAQUARA NO PERÍODO 2001 – 2004 Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção de grau de Mestre em Sociologia à Comissão Julgadora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy. ARARAQUARA 2006 3 Toledo, Rodrigo Alberto O desenvolvimento sustentável na formulação de políticas públicas e sua proposta de gestão cidadã em Araraquara no período 2001-2004 / Rodrigo Alberto Toledo. – 2006 208 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara. Orientador: Maria Teresa Miceli Kerbauy 1. Políticas públicas. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Gestão cidadã. I. Título. 4 RODRIGO ALBERTO TOLEDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA PROPOSTA DE GESTÃO CIDADÃ EM ARARAQUARA NO PERÍODO 2001 – 2004 Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção de grau de Mestre em Sociologia à Comissão Julgadora da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy. Araraquara, 11 de Abril de 2006 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. ________________________________________________________________ Julgamento: _______________________________Assinatura:_____________________ Prof. Dr. ________________________________________________________________ Julgamento: _______________________________Assinatura:_____________________ Prof. Dr. ________________________________________________________________ Julgamento: _______________________________Assinatura:_____________________ 5 Para Luiz, Ana e Gisele. 6 AGRADECIMENTOS À orientadora Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy, pela atenção e dedicação, rigor científico e comprometimento no decorrer desse trabalho de mestrado. Sou grato pelo comprometimento pessoal e paciência nesssa minha caminhada na produção dessa pesquisa. Tornou-se, desde os tempos idos da Graduação, uma referência intelectual, profissional e humana. Ao professor e amigo Alcyr Azzoni, pelos dados e documentos fornecidos. O conhecimento e a quantidade de informações que Alcyr possiu sobre a cidade de Araraquara foi fundamental para a elaboração das interpretações dessa pesquisa. Participante ativo das discussões sobre o futuro da cidade de Araraquara nos fóruns, conselhos e associações é figura fundamental na defesa de nosso patrimônio histórico, arquitetênico e ambiental. À Profa. Dra. Darlene A. Ferreira de Oliveira, pelas preciosas considerações na banca de qualificação. Da mesma forma, ao Prof. Dr. Marco Aurélio Nogueira, pelas sugestões e pelo direcionamento para finalização desse trabalho. Às funcionárias e aos funcionários da Seção de Pós-Graduação pela atenção que dispensaram aos assuntos relacionados ao programa. Por todas as informações remetidas sobre congressos, seminários e cursos, obrigado. À Selma Chicareli, Secretária do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia pela atenção dispensada aos assuntos relacionados à Pós-Graduação. Obrigado pelo apoio, comprometimento e seriedade com que trata todos os alunos. Aos professoes e às professoras do Centro Universitário Central Paulista – UNICEP -, pelas conversas e apoio nas fases mais complexas dessa pesquisa. Em especial ao Professor Marcelo Dutra, Marcelo Delgado, Romário de Araújo, Samuel Robles, Antonio Migliato, Maria Silvia e Josmar Coutinho, pelo grande apoio que me deram. Aos alunos do curso de Publicidade e Propaganda, Administração, Letras e Educação Física do UNICEP pelo apoio e compreensão dos meus limites pessoais na cunjugação de tantas atividades relacionadas à docência, extensão e pesquisa. Aos professores e às professoras do Colégio Progresso de Araraquara, pelas conversas sempre edificantes e incentivadoras na construção dessa pesquisa. 7 Aos funcionários do Arquivo Histórico “Prof. Rodolpho Telarolli” pela atenção e disponibilildade de documentos fundamentais para essa pesquisa. À ONG Araraquara Viva pelo fornecimento de documetos, atas e outros registros. Obrigado pelos anos de companheirismo e de compartilhamento de sonhos sustentáveis para a cidade de Araraquara. Ao Marcelo e Luciana Adorna, apaixonados pela causa dos dinossauros “araraquarenses”. Uma referência na elaboração de projetos, dedicação à pesquisa e comprometimento com o patrimônio paleontológico de Araraquara. A FATEC-Sorocaba, pelo apoio e convite para ministrar o Curso de Administração Pública Municipal que contribuiu para ampliar meus conhecimentos sobre a administração pública. Especialmente agradeço a confiança depositada em mim pelo Prof. Dr. Jefferson e pela Secretária Maria das Dores. Aos alunos do Curso de Administração Pública da Prefeitura de Jaú, pelo imenso carinho, respeito e riquíssimos debates em sala de aula. O carinho e o respeito com que me trataram são marcas que ficarão eternizadas. Ao meu pai e a minha mãe, uma referência de dedicação à família e a profissão de ferroviário. Ao imenso amor, carinho, respeito e dignidade, meu muito obrigado. Por todas as batalhas, todas as conquistas, todos os desafios vencidos meu eterno agradecimento. A presença de vocês em minha vida, nos momentos mais alegres e difíceis, sempre fortaleceu minhas convicções e meus princípios. À Gisele, por tudo que fez e continua a fazer por mim. Obrigado pela compreensão, dedicação e apoio nos momentos mais delicados dessa pesquisa. Esse trabalho é fruto de todas as referências afetivas, pessoais e intelectuais. A todos o meu muito obrigado. 8 RESUMO Durante quase 20 anos (1982-2000) a administração local conheceu Prefeitos com perfis conservadores na formulação e implementação de políticas públicas em Araraquara. Nas eleições de 2000 essa elite política não se acordou possibilitando a ascensão do atual Prefeito Edson Antônio da Silva, o Edinho do PT. O rompimento dessa elite política nas eleições de 2000 criou um cenário positivo para a implementação de projetos de gestão cidadã das políticas públicas, assim como a constituição de conselhos municipais com foco na sustentabilidade ampliada. Referimo-nos ao projeto da sociedade civil organizada chamado Agenda 21 Local, e a reativação/implementação de dois conselhos municipais, o Conselho de Política Urbana e Ambiental, COMPUA responsável pelo Plano Diretor, e o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, COMDEMA responsável pelo Código Municipal de Gestão Ambiental. Torna-se fundamental, entretanto, analisar o papel destes fóruns: se são verdadeiros fóruns onde as decisões são diretamente compartilhadas ou dito de outra forma, se existe realmente o que chamamos de partilha do poder. Pretendemos também analisar a atuação da ONG Araraquara Viva enquanto promotora do projeto Agenda 21Local - trazendo para a discussão no município o conceito de sustentabilidade na formulação e implementação de políticas públicas -, e seu processo de incorporação ao Plano Diretor de Araraquara. Para analisarmos esse processo conduzimos uma pesquisa pautada em procedimentos de análise de documentos, artigos publicados nos jornais locais, decretos emitidos pelo Poder Público, Projetos de Leis, entrevistas com os principais atores políticos e lideranças envolvidas no processo no período de 2001-2004, bem como bibliografia de apoio. Palavras-chaves: Políticas Públicas; Desenvolvimento Sustentável; Agenda 21; Democracia Participativa; Planejamento Urbano; Gestão Cidadã. 9 SUMMARY During almost 20 years (1982-2000) the local administration knew Mayors with profiles conservatives in the formularization and implementation of public politics in Araraquara. In the elections of 2000 this elite politics it was not waked up making possible the ascension of current Mayor Edson Antonio Da Silva, the Edinho of the PT. The disruption of this elite politics in the 2000 elections created a positive scene for the implementation of management projects citizen of the public politics, as well as the constitution of city councils with focus in the extended sustentabilidade. We mention the project of the organized civil society called Agenda 21 Place, and the reativação/implementação of two city councils, the Advice of Urban and Ambient Politics, responsible COMPUA for the Managing Plan, and the City council of Defense of the Environment, responsible COMDEMA to it for the Municipal Code of Ambient Management. One becomes basic, however, to analyze the paper of these fóruns: if they are true fóruns where the decisions directly are shared or said de.outra.forma, if really exists what we call allotment of the power. We also intend to analyze the performance of the ONG promotional Araraquara-Viva while of the project Agenda 21 Local - bringing for the quarrel in the city the concept of sustentabilidade in the formularization and implementation of public politics -, and its process of incorporation to the Managing Plan of Araraquara. To analyze this process we will go we lead a research pautada in procedures of document analysis, articles published in local periodicals, decrees emitted for the Public Power, Projects of Laws, involved interviews with the main actors politicians and leaderships in the process in the period of 2001-2004, as well as support bibliography. Word-keys: Public politics; Sustainable development; Agenda 21; Democracia Participativa; Urban Planning; Management Citizen. 10 LISTA DE TABELAS TABELAS (CAPÍTULO – III) 1 - Araraquara – Desempenho da ARENA e do MDB nas eleições Legislativas Federais e Estaduais 1966-78....................................................................................... 96 2 - São Paulo – Resultado das eleições para Prefeitura e Legislatura Estadual e Federal do ano de 1982................................................................................................ 103 TABELAS (CAPÍTULO – V) 3 - Composição do Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Ambiental e entidades representadas participantes das plenárias..................................................... 151 4 - Estratégias e etapas do processo democrático de elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento e Política Ambiental de Araraquara................................................ 160 5 - Sistema Municipal de Planejamento Urbano e Ambiental de Araraquara.................................................................................................................... 163 GRÁFICOS (CAPÍTULO – III) 1 - Araraquara - Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1964-1969).............................................................................................. 94 2 - Araraquara – Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1969-1973).............................................................................................. 98 3 - Araraquara - Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1973-1976).............................................................................................. 99 4 - Araraquara - Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1977-1982).............................................................................................. 101 5 - Araraquara - Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1983-1988).............................................................................................. 104 6 - Araraquara - Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1989-1992).............................................................................................. 107 7 - Araraquara - Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1993- 1996)............................................................................................. 112 8 - Araraquara – Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (1997-2000) ............................................................................................. 113 11 GRÁFICOS (CAPÍTULO – III) 9 - Araraquara – Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (2001-2004) ............................................................................................. 117 10 - Araraquara – Votos válidos e número de vereadores eleitos por legenda (2004-2007) ............................................................................................. 120 ANEXOS Anexo A - Mapa Estratégico: Estratégia de Gestão Ambiental. RPA – Regiões de Planejamento Ambiental.............................................................................................. 182 Anexo B – Mapa Estratégico (10A): Estratégia de Gestão de Planejamento Urbano. ROP – Regiões de Orçamento e Planejamento Participativo........................................ 183 Anexo C – Mapa Estratégico (10A): Estratégia de Gestão de Planejamento Urbano. ROP – Regiões de Orçamento e Planejamento Participativo........................................ 184 Anexo D – Regiões do Orçamento Participativo......................................................... 185 Anexo E – Lei que dispõe sobre a criação, organização e funcionamento do COMPUA..................................................................................................................... 189 Anexo F – Lei que dispõe sobre a criação, organização e funcionamento do COMDEMA................................................................................................................. 193 12 LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES SIGLAS/ABREVIAÇÕES SIGNIFICADO AAEAA Associação Araraquarense de Engenharia Arquitetura e Agrimensura ACIA Associação Comercial e Industrial de Araraquara ADA Agência de Desenvolvimento de Araraquara ADL Agência de Desenvolvimento Local AI-1 Ato Institucional número um AI-5 Ato Institucional número cinco AM Amplitude Modulada APP Área de Preservação Permanente APPs Áreas de Preservações Permanentes ARENA Aliança Renovadora Nacional Arq. Arquiteto CDS Comissão de Desenvolvimento Sustentável CEAM Centro de Estudos Ambientais CECAP Caixa Estadual de Casas para o Povo CEF Caixa Econômica Federal Cel. Coronel CER Centro de Educação e Recreação CER’s Centros de Educação e Recreação CETESB Centro Tecnológico de Saneamento Básico Cia. Companhia CIDS Centro Internacional de Desenvolvimento Sustentável CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo CMDS Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável CMMAD Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento CMPUA Comissão Municipal de Planejamento Urbano e Ambiental CNUMAH Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano COAMB Coordenadoria de Meio Ambiente COHABITA Coordenadoria de Habitação Com. Comércio COMDEMA Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente COMPUA Conselho Municipal de Política Urbana e Ambiental de Araraquara CONSEMA Conselho Estadual do Meio Ambiente COPLAN Coordenadoria de Planejamento COTRAN Coordenadoria de Trânsito e Transporte CPP Coordenadoria de Participação Popular CT Comissão Técnica CTs Comissões Técnicas DAAE Departamento Autônomo de Águas e Esgotos DAEE Departamento de Águas e Energia Elétrica DDD Discagem Direta de longa Distância Depto. Departamento DER Departamento de Estradas de Rodagem Dr. Doutor 13 SIGLAS/ABREVIAÇÕES SIGNIFICADO EIA Estudo de Impacto Ambiental EIA Estudo de Impacto Ambiental EIV Estudo de Impacto de Vizinhança EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronáutica EMURB Empresa Municipal de Urbanização Eng. Engenheiro Fac. Faculdades FAU Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FEPASA Ferrovia Paulista Sociedade Anônima FERROBAN Ferrovias Bandeirantes Sociedade Anônima FGV Fundação Getúlio Vargas FLCar Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara FM Freqüência Modulada FMC FoodTech Empresa voltada para a produção de tecnlogia no processamento de alimentos GHM Group de Haute Montagne GPI Grupo de Planejamento Integrado GROVE Grupo Olho Vido na Ecologia GT Grupo de Trabalho GTs Grupos de Trabalhos GUMACO Empresa de Araraquara que desenvolve equipamentos para indústria alimentícia. IAB Instituto dos Arquitetos do Brasil ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano ISER Instituto de Estudos e Religião LAM Licença Ambiental Municipal LI Licença de Instalação LO Licença de Operação LP Licença Prévia Ltda Limitada MDB Movimento Democrático Brasileiro MGA Macrozonas de Gestão Ambiental MGU Macrozonas de Gestão Urbana No Número OAB Ordem dos Advogados do Brasil ONG Organização Não-Governamental ONU Organização das Nações Unidas OP Orçamento Participativo OT Ondas Tropicais PC do B Partido Comunista do Brasil PD Plano Diretor PDPUA Plano Diretor de Panejamento Urbano e Ambiental PDS Partido Democrático Social PDT Partido Democrático Trabalhista PFL Partido da Frente Liberal PHS Partido Humanista da Solidariedade PL Partido Liberal 14 SIGLAS/ABREVIAÇÕES SIGNIFICADO PMA Prefeitura Municipal de Araraquara PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PPB Partido Progressista Brasileiro PPS Partido Popular Socialista PRAD Plano de Recuperação de Área Degradada Pref. Prefeitura PRODEI Programa de Desenvolvimento Industrial PSD Partido Social Democrata PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado PT Partido dos Trabalhadores PTB Partido Trabalhista Brasileiro Pub. Pública PV Partido Verde RAP Relatório de Análise Preliminar RARAM Relatório de Análise de Risco Ambiental RIMA Relatório de Impacto Ambiental RIO 92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que se realizou no Rio de Janeiro, em 1992 ROP Região de Orçamento Participativo RPA Região de Planejamento Ambiental RPP Regiões de Planejamento Participativo S/A Sociedade Anônima SAPS Serviço de Alimentação e da Previdência Social SECULT Secretaria da Cultura SEDE Secretaria de Desenvolvimento Econômico SEEDUCA Secretaria de Educação SESAUDE Secretaria de Saúde Sincomércio Sindicato do Comércio Varegista de Araraquara Sind. Sindicato SISAMB Sistema de Saneamento Ambiental de Araraquara SMPUA Sistema Municipal de Planejamento Urbano e Ambiental SP São Paulo TELESP Telecomunicações de São Paulo TRE Tribunal Regional Eleitoral TV Televisão UFM Unidade Fiscal Municipal UFSCar Universidade Federal de São Carlos UNESP Universidade Estadual Paulista UNIARA Universidade de Araraquara UNIP Universidade Paulista USP Universidade de São Paulo ZA Zoneamento Ambiental ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................... 15 CAPÍTULO I - AGENDA 21 – METODOLOGIA PARTICIPATIVA NA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.................................................................................................................. 22 1.1. Teorias democráticas e participativas................................................................................................................ 22 1.2. Agenda 21: a participação na formulação e implementação de políticas públicas sustentáveis.................................................................................................... 37 CAPÍTULO II - A HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO NA CIDADE DE ARARAQUARA: POLÍTICA LOCAL E PLANEJAMENTO URBANO................................................................................................................... 46 2.1.A ciência da cidade e o processo de urbanização do Brasil................................. 47 2.2.Dos Campos de Araraquara à cidade de Araraquara: um roteiro histórico da formação do município Araraquara.......................................................... 54 CAPÍTULO III - ARARAQUARA DE CONTRADIÇÕES: CORONELISMO, CIDADE-JARDIM, MODERNIZAÇÃO URBANA E TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS................................................................................................................. 70 3.1. Controle eleitoral: análise do processo eleitoral na cidade de Araraquara no período de 1964-2004.................................................................................................. 94 CAPÍTULO IV - A CONSTRUÇÃO DO DEBATE – A AGENDA 21 DE ARARAQUARA......................................................................................................... 123 4.1.Agenda 21 Local - A Proposta para Araraquara.................................................... 130 4.2.Íntegra do projeto inicial da Agenda 21 de Araraquara......................................... 132 4.3.Diagnóstico Inicial da Agenda 21 Local de Araraquara........................................ 134 CAPÍTULO V - GESTÃO PARTICIPATIVA LOCAL: AGENDA 21, CONSELHO MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL E CONSELHO MUNICIPAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE........................... 137 5.1. A Agenda 21 Local: uma análise de sua proposta participativa........................... 140 5.2. COMPUA, Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Ambiental: o alcance da proposta participativa.............................................................................. 146 5.3. Código Municipal de Gestão Ambiental: apenas uma proposta? ........................ 167 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 172 ANEXOS..................................................................................................................... 182 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................... 196 16 INTRODUÇÃO A proposta de desenvolvimento deste projeto de pesquisa reside, fundamentalmente, no processo de construção da Agenda 21 Local, iniciado em Araraquara, e seus desdobramentos a respeito de uma nova ferramenta de gestão local de políticas públicas que tem sua origem em 1992, no Rio de Janeiro, com o nome de Agenda 21 Global1. A proposta dessa ferramenta, a Agenda 21 Global - que subsidiará posteriormente o desenvolvimento da proposta das Agendas 21 Locais -, enfoca a implementação de processos participativos na formulação, na implementação e no monitoramento de políticas públicas dentro dos preceitos sustentáveis do desenvolvimento econômico com justiça social, preservação ambiental e respeito às gerações futuras. Nesse sentido, o Curso de Pós-graduação em Gestão Pública e Gerência de Cidades, da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP – Campus de Araraquara, desempenhou papel fundamental, pois contribuiu para o surgimento de um Movimento chamado Araraquara Viva – formado por um grupo de pessoas que, mais tarde, irão institucionalizar o movimento transformando-o em uma Associação Civil de Direito Privado sem Fins Lucrativos, uma organização não-governamental (ONG) – com proposta de mudança no modelo de desenvolvimento local. A vitória do Partido dos Trabalhadores em Araraquara aponta condições de análise desse processo no sentido dos avanços e retrocessos na construção de uma gestão estratégica participativa de políticas públicas com foco na sustentabilidade, principal conceito do documento denominado Agenda 21 Local. Além desse aspecto, pretendemos compreender até que ponto o movimento originalmente iniciado pelas entidades locais na construção da Agenda 21 Local colocou em pauta o conceito de sustentabilidade nas propostas do Conselho Municipal de Políticas Urbanas e Ambientais, o COMPUA, responsável direto pelo Plano Diretor e do Conselho de Defesa do Meio Ambiente, o COMDEMA, responsável pelo Código Municipal de Gestão Ambiental, na medida em que foi incorporada enquanto política de governo. Para melhor contextualizar essa proposta de construção de um plano estratégico na formulação e implementação de políticas públicas com enfoque no 1 Programa para implementação da proposta de desenvolvimento sustentável. Foi aprovado durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992 (Rio 92). 17 planejamento urbano sustentável, pensamos ser fundamental apresentar uma análise detalhada sobre a questão do planejamento urbano na cidade de Araraquara. Esse processo tem como marcos os anos de 1906, criação do Plano de Melhoramentos Urbanos, e 1971 com a formulação do primeiro Plano Diretor local. No ano de 1906, com o Plano de Melhoramentos Urbanos para embelezar a cidade, vimos a remodelação das principais praças da cidade, calçamento e alargamento das ruas, construção de passeios públicos e a arborização da cidade de Araraquara (Brandão & Telarolli, 1998). O Plano de Melhoramentos adentrou a década de 1920, sendo concluído por volta de 1930, deixando a cidade de Araraquara conhecida como “cidade jardim”. Será somente no ano 1955 que o tema planejamento urbano será colocado em pauta novamente. No dia da posse do novo Presidente da Associação de Engenharia de Araraquara, Boaventura Gravina, inicia-se as discussões sobre a necessidade de formulação do Plano Diretor de Araraquara. Esse processo se estenderá por longos anos e somente em 1963 o Plano Diretor será finalizado tecnicamente e apresentando à população de Araraquara. Após sua finalização técnica, abre-se uma longa rodada de acordos políticos, negociações e adaptações do PD: em 1971, Araraquara, sob mandato do Prefeito Rubens Cruz, promove um debate sobre o conteúdo do PD em parceria com o Rotary Club; no mandato do Prefeito Clodoaldo Medina (1973-1977), algumas propostas do PD foram incorporadas pela administração provocando intervenções no espaço urbano como construção de pontilhões ligando a área central da cidade à Vila Xavier. Os longos anos de debates, adaptações, descumprimento das prerrogativas do Plano Diretor tornaram sua funcionalidade irreal em 2000. A gestão do Prefeito Edson Antonio da Silva, o Edinho do PT, chamou para si a tarefa de construir no ano de 2000, de forma participativa, o novo PD de Araraquara. Para tanto, mobilizou os atores da cidade e lançou, durante esse mesmo ano, as fases do Plano, sob os cuidados do arquiteto e Secretário de Desenvolvimento Urbano do Município, Lincoln Ferri do Amaral. Ao mesmo tempo a sociedade civil organizada começou a elaborar uma proposta de construção de um plano estratégico para a cidade de Araraquara. Eram lançadas as bases para o desenvolvimento da Agenda 21 Local em Araraquara. Após uma série de encontros promovidos pelos dirigentes da ONG Araraquara Viva, criou-se um 18 roteiro para sensibilização e divulgação dos principais conceitos que compõem a proposta de desenvolvimento urbano sustentável para a população local. O desenvolvimento do projeto Agenda 21 Local, em Araraquara, alcançou significativa repercussão por estarmos vivendo um novo momento político, com um possível aumento da participação popular no processo decisório local e de reorganização das forças produtivas capitalistas, dentre outras coisas. A proposta desta pesquisa reside, fundamentalmente, na análise desse processo que se iniciou com a mudança no quadro eleitoral no ano de 2000, com o advento da vitória do Partido dos Trabalhadores, em um município nitidamente marcado por gestões que imprimiram certa continuidade e conservadorismo na formulação e implementação das políticas públicas. A pergunta que fica é se essa nova gestão imprimiu avanços na constituição de um princípio de democracia participativa que fomentasse na sociedade um pólo de decisão e de iniciativa política independente, que pressiona de fora. Ou seja, foi efetivada a proposta de projeto político para a cidade pós 2000, no que diz respeito à reformulação do processo de formulação e implementação de políticas públicas, agora com caráter participativo? E mais, foram construídos canais de participação no sentido de mudar as regras do jogo democrático: a participação popular se realiza por meio de canais regulares de participação em Araraquara? Após a vitória do Partido dos Trabalhadores, ocorreu um movimento da sociedade civil que, espontaneamente, se organizou com proposta de difundir a noção de sustentabilidade nos projetos e políticas municipais. Vale lembrar que esse processo de proximidade com o poder público local surge, na verdade, durante o desenrolar das campanhas eleitorais em 1999 com uma série de debates realizados com os candidatos tendo como promotora desses a ONG Araraquara Viva. O projeto da Agenda 21 Local, um ano após a vitória do Partido dos Trabalhadores, foi incorporado pelo Poder Público, fazendo hoje parte do Plano Diretor. Existem indícios de um processo de institucionalização da Agenda 21 dentro do COMPUA. Toda a mobilização conseguida pelas entidades foi desarticulada. Isso se deu, em certa medida, pelo fato de as instituições da sociedade civil, os setores governamentais estaduais e federais e privados assumirem uma posição refratária à transformação de um projeto, que antes era da sociedade araraquarense, em meta de uma gestão. 19 Contraditoriamente, portanto, esse novo ciclo possibilitou a eclosão de propostas participativas na formulação de políticas públicas voltadas para a sustentabilidade, para o Plano Diretor e para o Código Municipal de Gestão Ambiental. Ou, por outro lado, estimulou a participação direta da sociedade civil organizada, a formulação de estratégias de planejamentos sustentáveis para a cidade, mesmo que incorporados pelo poder público, como a Agenda 21 Local. O resultado dessa pesquisa será apresentado em cinco capítulos. No CAPÍTULO I - AGENDA 21 – UMA METODOLOGIA PARTICIPATIVA NA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, introduz-se a temática da Agenda 21, como proposta de desenvolvimento local. Nesse capítulo, se concentrará o enfoque metodológico do projeto, ou seja, qual referencial metodológico será utilizado para analisar a proposta de desenvolvimento sustentável e qual será utilizado para analisar a formulação de políticas públicas participativas. Servir-nos-emos de referencial bibliográfico proposto no projeto de pesquisa, com incremento de estudos relevantes. O capítulo atém-se ao movimento mundial de discussão sobre desenvolvimento sustentável e políticas públicas participativas, traçando um paralelo com o desenvolvimento dessa proposta na cidade de Araraquara. No “CAPÍTULO II – HISTÓRIA DO PLANEJAMENTO URBANO NA CIDADE DE ARARAQUARA: POLÍTICA LOCAL E PLANEJAMENTO URBANO” será sistematizada uma descrição da história do planejamento urbano da cidade de Araraquara. A análise faz percorrer períodos da história de uma Araraquara em profunda mudança. Uma paisagem urbana com sociabilidade então desconhecidas, um lugar, inicialmente, com regulamentos de higiene e limpeza e que, aos poucos, normatiza uso e a ocupação de seu solo. O objetivo desse capítulo é o de resgatar os elos com o passado no trato da malha urbana da cidade, ou seja, identificar no passado da cidade de Araraquara, mais precisamente a partir da segunda metade do século XIX, as atuações do poder público local em relação ao planejamento da cidade. Esse capítulo trabalhará, portanto, conceitos sobre o desenvolvimento urbano do Estado de São Paulo e sua relação com a cidade. Pretendemos, desta forma, apontar que a cidade de Araraquara possui um acúmulo de conhecimentos, fruto de seu processo histórico, que a levou a práticas e ao desenvolvimento de políticas públicas urbanas. 20 Essa análise histórica conduziu-nos ao processo de formulação do Plano Diretor de Araraquara, aprovado no ano de 2005, cujo processo de formação será analisado do ponto de vista de sua metodologia participativa, ou seja, seu caráter inovador na elaboração, formulação e gestão de políticas públicas. Permeando as análises históricas do planejamento urbano de Araraquara, é construída uma análise do quadro político local, passando pelas administrações e demonstrando suas alianças políticas. O “CAPÍTULO III – ARARAQUARA DE CONTRADIÇÒES: CORONELISMO, CIDADE-JARDIM, MODERNIZAÇÃO URBANA E TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS” analisará as influências das escolas urbanistas da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte nas cidades brasileiras. Apresentaremos uma análise histórica do urbanismo que caracteriza-se como uma nova maneira de compreender as demandas e transformações das cidades. Será demonstrado nesse capítulo que Araraquara, a partir da década de 1920 sofreu fortes influências dessas correntes no seu planejamento urbano. As intervenções pelas quais a cidade passará trará o traço mais significativo dessas correntes que é a vinculação da cidade à arte, à beleza de suas ruas, de seus prédios e de sua arborização. Essas transformações urbanas vieram acompanhadas de mudanças políticas. Será demonstrado uma organização da política da cidade com a forte presença do coronelismo, ou seja, de um suporte social do mandonismo caracterizado pela entrega do governo local aos mecanismos espontâneos e restritos de poder. Essas características começam a entrar em processo de transformação, na medida em que se configura a passagem de uma sociedade rural para uma sociedade urbana a partir da década de 1950 em Araraquara. O desenvolvimento urbano-industrial introduziu na cena política brasileira um número significativo de novos atores sociais. Esse processo mostra-nos que aparentemente estava em curso o trânsito da política oligárquica e tradicional para a moderna e orientada por classes e grupos de pressão. Esse fato irá configurar um conjunto de lideranças políticas que irão transformar, paulatinamente, a relação de poder em Araraquara. O período culminante desse processo foi a vitória Edinho do PT nas eleições do ano de 2000. O perfil político desse Prefeito somado às transformações econômicas e sociais pelas quais Araraquara passava criou as condições necessárias para a inauguração de um novo ciclo na condução do processo decisório local. Introduziu-se, por um lado, em bases sólidas e institucionalizadas, a gestão participativa no processo de formulação e implementação de políticas públicas. Por outro lado, em uma ação organizada da 21 sociedade civil, essas condições que compunham o quadro político-social da cidade naquele momento possibilitou o surgimento de planos estratégicos como a Agenda 21 Local, tema do próximo capítulo. O “CAPÍTULO IV – A CONSTRUÇÃO DE DEBATE – AGENDA 21 DE ARARAQUARA” sistematizará um histórico da ONG Araraquara Viva e seu papel na construção de uma nova proposta de planejamento, a Agenda 21 Local. Faremos incursão na história da fundação da entidade, evidenciando seu crescente compromisso com processos participativos na formulação e implementação de políticas públicas, vinculado ao conceito de desenvolvimento sustentável. Através da análise das Atas das Reuniões, de entrevistas, de artigos publicados em jornais e da análise dos projetos desenvolvidos pela Organização Não Governamental Araraquara Viva e da Agência de Desenvolvimento de Araraquara (ADA), traçar-se-á um panorama da construção da Agenda 21 de Araraquara. Será apresentado nesse capítulo o tópico “4.3. DIAGNÓSTICO INICIAL DA AGENDA 21 LOCAL DE ARARAQUARA” que produziu um levantamento inicial das potencialidades e vulnerabilidades locais nas seis áreas temáticas propostas: 1-Agricultura Sustentável; 2-Cidade Sustentável; 3-Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável; 4-Gestão de Recursos Naturais; 5-Infra- estrutura e Integração Regional; 6-Redução das Desigualdades Sociais. O CAPÍTULO V – “GESTÃO PARTICIPATIVA LOCAL: AGENDA 21, CONSELHO MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL E CONSELHO MUNICIPAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE” -, fará uma análise da gestão participativa do ponto de vista de sua institucionalização na cidade de Araraquara dividida em três tópicos, a saber: 5.1. A Agenda 21 Local: uma análise de sua proposta participativa; 5.2. COMPUA, Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Ambiental: o alcance da proposta participativa; 5.3. Código Municipal de Gestão Ambiental: apenas uma proposta? Passamos nesse capítulo para a análise do processo de institucionalização da proposta da Agenda 21 de Araraquara, com a criação de dois Conselhos, dentro da proposta de gestão cidadã de políticas públicas no município. Nesse momento, utilizaremos o referencial teórico de participação cidadã, com enfoque na partilha de poder, e de desenvolvimento sustentável, na sua vertente ecodesenvolvimentista que enfoca a formulação e implementação de políticas públicas. 22 Esse capítulo será o ponto central da pesquisa, pois nesse momento, será dado o enfoque teórico proposto no projeto de pesquisa na análise do processo de formulação de políticas públicas sustentáveis no município a partir da incorporação, ou institucionalização da Agenda 21 ao Plano Diretor e às propostas do Código Municipal de Gestão Ambiental. No tópico “CONSIDERAÇÕES FINAIS” serão analisadas as hipóteses propostas no projeto de pesquisa, conforme se segue: O fato de a proposta de efetivação da Agenda 21 Local em Araraquara ter sido incorporada enquanto política governamental acabou por tirar seu caráter participativo, originado de forma espontânea na sociedade civil, enquanto fórum capaz de criar condições para a real partilha do poder. A reativação do COMDEMA, juntamente com a discussão a respeito do Código Ambiental, e a implementação do COMPUA são traços da sinergia criada no município em torno da discussão sobre um projeto de desenvolvimento sustentável local, a Agenda 21 Local. Nesse momento será feita uma análise, pautada nos procedimentos de entrevista aos atores principais do processo, interpretação de documentos, atas, Decretos e Leis municipais, da metodologia participativa na elaboração desses fóruns participativos na cidade de Araraquara. Utilizaremos, para tanto, o referencial teórico proposto no CAPÍTULO I - AGENDA 21 – UMA METODOLOGIA PARTICIPATIVA NA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, tópico “1.1. TEORIAS DEMOCRÁTICAS E PARTICIPATIVAS”. 23 CAPÍTULO I AGENDA 21 – METODOLOGIA PARTICIPATIVA NA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS O processo participativo na formulação de políticas públicas e de estudos estratégicos como a Agenda 21 Local evidencia a constituição de fóruns em que as decisões são diretamente compartilhadas. No entanto, necessitamos analisar esses fóruns do ponto de vista da existência ou não de partilha do poder. Entendemos que esse nível de aprofundamento democrático contribui para a pluralização cultural, racial e distributiva da democracia com um adensamento da participação. Traçaremos um arco histórico neste capítulo que evidenciará que o desenvolvimento de propostas participativas, como a Agenda 21, está inserido no processo de formulação de uma concepção de democracia não-hegemônica (Santos, 2003). Através da análise das principais teorias democráticas elaboradas no século XX, estabeleceremos uma relação com a vertente democrática não-hegemônica, à qual se relaciona a concepção sustentável de formulação e implementação de políticas públicas. Em outras palavras, a análise da teoria democrática permitirá a construção de um arco interpretativo que se deslocará da teoria hegemônica de democracia liberal, primeira metade do século XX, até as teorias não-hegemônicas de democracia, final do século XX e início do século XXI, em sua vertente participativa, que se vincula ao conceito de sustentabilidade, fundamento da proposta da Agenda 21. 1.1. Teorias democráticas e participativas Todo esse processo de reformulação na elaboração e implementação de políticas púbicas está dentro do contexto neoliberal que engloba processos econômicos, sociais, políticos e culturais das sociedades nacionais. Contudo, esse processo não é único. Desse processo, emergem redes de alianças transfonteiriças entre movimentos, lutas e organizações locais ou nacionais que, em diferentes locais do globo, estão se mobilizando para lutar contra a exclusão social, a precarização do trabalho, o declínio das políticas públicas, a destruição do meio ambiente e da biodiversidade, o desemprego, as violações dos direitos humanos, as pandemias, os ódios interétnicos, produzidos direta ou indiretamente pela globalização neoliberal. É justamente nesse contexto que se insere o debate sobre democracia. A concepção de democracia da primeira metade do século XX foi marcada pelo 24 enfrentamento entre duas idealizações de mundo e sua relação com o processo de modernização do ocidente: a primeira, batizada de liberal-democrata por C. B. MacPherson (1966), e a segunda marxista, que entendia a autodeterminação do mundo do trabalho como fundamental ao processo de exercício da soberania por parte dos cidadãos- produtores. Como fruto desse enfrentamento, na segunda metade do século XX, surgiram concepções hegemônicas no interior da teoria democrática que tentam responder a três questões: a relação entre procedimento e forma, a do papel da burocracia na vida democrática e a da inevitabilidade da representação nas democracias de grande escala. Passemos para análise de cada uma dessas respostas. A democracia como forma, e não como substância, foi a resposta dada pela teoria democrática hegemônica às criticas feitas pela teoria marxista de democracia. Para Kelsen (1929), o ponto central era criticar a idéia de que a democracia poderia corresponder a um conjunto preciso de valores, a uma forma de organização política. Kelsen formula essa questão em termos neo-kantianos na primeira metade do século XX: “(...) quem considera inacessíveis ao conhecimento humano a verdade absoluta e os valores absolutos deve considerar possível não apenas a própria opinião, mas também a opinião alheia. Por isso, o relativismo é a concepção do mundo suposta pela idéia de democracia (...). A democracia dá a cada convicção política a mesma possibilidade de exprimir-se e de buscar o ânimo dos homens através da livre concorrência. Por isso, o procedimento dialético adotado pela assembléia popular ou pelo parlamento na criação de normas, procedimentos esses que se desenvolve através de discursos e réplicas, foi oportunamente conhecido como democrático”.(1929:105-6). Nessa formulação, o procedimento é uma tentativa de articular relativismo moral com métodos para a solução de divergências, métodos que passam pelo parlamento, assim como por formas mais diretas de expressão (Kelsen, 1929:142). Esse procedimento elaborado por Kelsen (1929) será discutido durante o período entre guerras e no imediato pós-guerra por Schumpeter (1995) e Bobbio (1986). Esses dois autores analisaram o procedimento procedimentalista da doutrina kelsiana de democracia em uma forma de elitismo democrático. Ambos, Shumpeter e Bobbio, tomam como ponto de partida para a reflexão “o questionamento da idéia de uma soberania popular forte associada a um conteúdo de sociedade proposta pela doutrina marxista” (Santos, 2003:45). Shumpeter critica esse elemento ao construir no seu livro Capitalismo, socialismo e democracia um questionamento que coloca em xeque a capacidade do povo governar. Na concepção de Shumpeter (1995) não podemos pensar na soberania popular como um posicionamento 25 racional pela população ou de cada indivíduo acerca de determinada questão. Portanto, o elemento da democracia remete à soberania popular e não à forma. Nesse momento, Shumpeter (1995) toma uma preocupação procedimental com as regras para a tomada de decisão e a transforma em um método para constituição de governos. A questão da participação é excluída desse processo e não faz parte da argumentação procedimental, mas sim de uma teoria da sociedade de massas. Nesse momento, identificamos que a doutrina schumpeteriana de democracia adota integralmente o argumento da manipulação dos indivíduos nas sociedades de massa. Os indivíduos, para Shumpeter (1995), cedem a impulsos irracionais e extra-racionais e agem de maneira quase infantil ao tomar decisões. Apesar de ser um argumento fragilizado, pois não diferencia grandes mobilizações de massas de formas de ação coletiva, foi amplamente utilizado pelas concepções hegemônicas da democracia. Bobbio (1986), avançando na transformação do procedimentalismo em regras para a formação de um governo democrático, entende a democracia como um conjunto de regras para a formação de maiorias, entre as quais valeria a pena destacar o peso igual dos votos e a ausência de distinções econômicas, sociais, religiosas e étnicas na formação do eleitorado. Portanto, essa via de afirmação da concepção hegemônica de democracia no pós-guerra é uma via que leva do pluralismo valorativo à redução do jogo democrático e à identificação da democracia com as regras do processo eleitoral. No entanto, em nenhum momento, no itinerário que percorrem Kelsen, Shumpeter e Bobbio, o procedimentalismo não comporta formas ampliadas de democracia. Outra discussão central na consolidação da concepção hegemônica de democracia foi a forma como a burocracia e sua indispensabilidade foram sendo trazidas para o centro da teoria democrática. Esse debate está situado no período entre guerras e no debate entre o liberalismo e a teoria marxista. Weber (1963) será o teórico que colocará no interior do debate democrático um questionamento sobre a inevitabilidade da perda de controle sobre o processo de decisão política e econômica pelos cidadãos e seu controle sobre as formas de configuração burocrática. O motivo central pelo qual a forma de democracia clássica participativa, elaborada por Rousseau, não ter prevalecido reside, fundamentalmente, na emergência de formas complexas de administração estatal que levaram à consolidação de burocracias especializadas na maior parte das esferas geridas pelo Estado na modernidade. A burocracia está ligada ao surgimento e desenvolvimento 26 do Estado moderno que promoveu, para Weber, “a separação do trabalhador dos meios materiais de produção, destruição, administração, pesquisa acadêmica e finanças em geral (...)” (Weber, 1978, II: 1394). Dessa forma, a separação entre trabalhadores e meios de produção constitui um fenômeno geral e abrangente que envolve não apenas os trabalhadores, mas também os militares, os pesquisadores científicos e todos os indivíduos comprometidos nas atividades complexas na esfera da economia e do Estado. Vale destacar que, para Weber, no entanto, o fenômeno da complexidade criava tensões entre a soberania crescente, referindo-se ao controle dos governos pelos governados, e soberania decrescente, referindo-se ao controle dos governados pela burocracia. E é justamente nesse recorte teórico que percebemos o pessimismo de Weber ao identificar na burocracia uma emergência de uma “jaula de ferro” da administração, engendrando ações emotivo-passionais estimulantes de novos poderes de caráter carismático. Ao longo do século XX, mais precisamente na sua segunda metade, essa discussão sobre complexidade e inevitabilidade da burocracia foi-se fortalecendo na medida em que as funções do Estado foram crescendo com a instituição do welfare state nos países europeus. O Estado cresceu em funções ligadas ao bem-estar social. Nesse sentido, o pessimismo de Weber sofre uma mudança de perspectiva. Ou seja, a inevitabilidade do crescimento da burocracia foi mudando de tom assumindo uma conotação positiva. Bobbio (1986) sintetizou a mudança de perspectiva em relação à desconfiança weberiana com o aumento da capacidade de controle da burocracia. Bobbio construiu uma interpretação que relaciona as transformações pelas quais as sociedades passam como fundamental para o surgimento de competências técnicas. Segundo Bobbio, “à medida que as sociedades passaram de uma econômica familiar para uma economia de mercado, de uma economia de mercado para uma economia protegida, regulada e planificada, aumentaram os problemas políticos que requerem competências técnicas. Os problemas técnicos exigem, por sua vez, expertos, especialistas... Tecnocracia e democracia são antitéticas: se o protagonista da sociedade industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão comum”.(1986: 33-34). Há nesse trecho uma clara radicalização com o conceito weberiano de burocracia. Bobbio (1986) compreende que, a partir do momento em que o cidadão optou por fazer parte da sociedade de consumo de massa e do Estado de bem-estar social, está abrindo mão do controle sobre as atividades políticas e econômicas por ele exercidos em favor de burocracias privadas e públicas. 27 Há ainda um terceiro elemento que constitui a concepção hegemônica da democracia. Essa concepção afirma ser a representatividade a única solução possível nas democracias de grande escala. Dahl (1998) defende essa posição com maior ênfase afirmando que “(...) quanto menor for uma unidade democrática maior será o potencial para a participação do cidadão e menor será a necessidade para os cidadãos de delegar as decisões do governo para os seus representantes. Quanto maior for a unidade, maior será a capacidade de lidar com problemas relevantes para os cidadãos e maior será a necessidade dos cidadãos de delegar decisões para os seus representantes”.(1998:110) O fundamento da representação pela teoria hegemônica de democracia é a autorização. Nesse sentido, constituem-se dois pilares que sustentam a autorização. O primeiro, que diz respeito ao problema do consenso dos representantes, surge dentro da teoria democrática clássica, em contradição às formas de rodízio no processo de tomada de decisão característico às formas de democracia direta (Manin, 1997). No contexto dessa concepção, o exercício direto da gestão própria das antigas cidades-estado ou das repúblicas italianas estava envolto pela falta de autorização. Essa autorização era substituída pela idéia do igual direito à ocupação dos cargos de decisão política. Quando surge a idéia de consenso no interior dos debates sobre uma teoria racional da política, o sorteio, a idéia de exercício direito deixa de fazer sentido e é substituído pelo consenso que se constitui enquanto um mecanismo racional de autorização. Stuart Mill (1977) trará a segunda forma de justificação da questão da representação, juntamente com a questão da capacidade das formas de representação de se refletirem as opiniões no âmbito da sociedade. Para Mill (1977), a assembléia é uma miniatura do eleitorado e toda assembléia representativa é capaz de expressar as principais tendências do eleitorado. Esse enfoque levou à constituição de uma teoria hegemônica de democracia que privilegiasse o papel dos sistemas eleitorais na representação do eleitorado (Lipjart, 1984). No entanto, a concepção hegemônica de democracia, ao contemplar o problema das tendências do eleitorado em escala ampliada, ignora suas três dimensões, a saber: a autorização, a identidade e a prestação de contas (recentemente introduzida no debate democrático). Se por um lado, como afirma Dahl (1998), a autorização via representação possibilita o exercício da democracia em escala ampliada, por outro lado dificulta a prestação de contas e a representação de múltiplas identidades. Ou seja, a representação, pelo método da tomada de decisão pela maioria, não contempla as identidades minoritárias. Essas identidades não terão expressão no 28 parlamento. No que diz respeito à prestação de contas, ao diluí-la no processo de re- apresentação no interior de um bloco de questões, compromete a desagregação do processo de prestação de contas. É nesse momento, que se desenha um terceiro limite da teoria democrática hegemônica: limitação em apresentar agendas e identidades específicas. Dessa forma, os marcos históricos “fim da guerra fria” e “aprofundamento do processo de globalização” reabrem o debate entre democracia representativa e democracia participativa. Esse debate se aprofunda mais nos países em que a diversidade étnica é maior. Neles, formaram-se grupos que têm maior dificuldade para ter os seus direitos básicos reconhecidos (Benhaibib, 1996; Young, 2000). Essa dificuldade se dá, em certa medida, pela questão da diversidade de interesses chocar-se com o particularismo de elites econômicas (Bóron, 1994). Esse contexto abre uma reinterpretação da teoria democrática hegemônica, denominada por Santos (2003) de concepções não-hegemônicas da democracia. Na segunda metade do século XX surgirá uma concepção que reconhecerá que a democracia não constitui um mero acidente ou uma simples obra de arquitetura institucional. Essa percepção é formatada em resposta ao arcabouço teórico construído pela teoria democrática hegemônica que vincula procedimento com forma de vida e compreende a democracia como mecanismo de aperfeiçoamento da convivência humana (Santos, 2003). Nessa concepção, encontrada na obra de autores como Lefort (1986), Castoriadis (1986) e Habermas (1995), Lechner (1988), Bóron (1994) e Nun (2000), a democracia assume uma gramática de organização da sociedade e da relação entre o Estado e a sociedade. As concepções não-hegemônicas apresentam as mesmas preocupações que as hegemônicas: como reconhecer a pluralidade humana, não apenas a partir da suspensão da idéia de bem comum, mas a partir dos critérios que, primeiro, enfatizam a criação de uma nova gramática social e cultural e, em segundo, buscam a compreensão da inovação social articulada com a inovação institucional com a procura de uma nova institucionalidade da democracia (Santos, 2003). Primeiramente é fundamental compreender que a democracia não é um acidente ou uma obra de engenharia institucional. Ao contrário, é uma nova gramática histórica, uma forma sócio-histórica não determinada por quaisquer tipos de leis naturais. Nessa concepção, Castoriadis (1986) fornece elementos críticos à teoria de democracia hegemônica: 29 “alguns pensam hoje que a democracia ou a investigação racional são auto-evidentes, projetando, assim, de maneira ingênua a excepcional situação da própria sociedade para a história em seu conjunto”. (1986: 274) Castoriadis (1986) aponta que a democracia sempre indica uma ruptura com tradições estabelecidas, e, portanto, a tentativa de instituição de novas determinações, novas normas e novas leis. Dessa forma, a indeterminação não se refere apenas ao ocupante da posição de poder, mas as dimensões societárias de discussão dos procedimentos democráticos. Essa discussão rompe com o procedimentalismo produzido pela teoria hegemônica de democracia. Habermas foi o autor que abriu espaço para se pensar o procedimentalismo como prática social e não como método de constituição de governos. Para tanto, Habermas proporá dois elementos no debate democrático contemporâneo: em primeiro lugar, a pluricidade, capaz de gerar uma gramática societária. A esfera pública é um espaço no qual indivíduos podem problematizar em público uma condição de desigualdade no âmbito privado. O princípio “D” de Habermas permite discutir as ações em público dos indivíduos excluídos de arranjos políticos através de um princípio de deliberação societária. Para Habermas (1985), “apenas são válidas aquelas normas-ações que contam com o assentimento de todos os indivíduos participantes de um discurso racional”. Ao discutir um principio de deliberação amplo, Habermas recoloca no interior do debate democrático um procedimentalismo social e participativo. Esse debate é tributário da pluralidade das formas de vida existentes nas sociedades contemporâneas, pois, para ser plural, a política tem de contar com o assentimento desses atores em processos racionais de discussão e deliberação (Santos, 2003). Em outras palavras, o procedimentalismo democrático de Bobbio não pode ser visto como um método de autorização de governos. Ao contrário, tem de ser, como afirma Cohen, uma forma de exercício coletivo do poder político com uma base pertencente a um processo livre de apresentação de razão entre iguais (Cohen, 1997: 412). Assim, a conexão entre procedimentalismo e participação reside no pluralismo e nas diferentes experiências de democracia representativa com procedimentos participativos. Há outro elemento que, segundo Santos (2003), deve ser levado em conta ao analisar a questão das teorias não-hegemônicas de democracia: refere-se ao papel de movimentos sociais na institucionalização da diversidade cultural. O autor constrói uma análise dessa vertente partindo de Williams (1981), que entende que cultura compreende uma dimensão de todas as instituições – econômicas, sociais e políticas – que 30 envolvem uma disputa sobre um conjunto de significações culturais. Os movimentos sociais estariam envolvidos em uma disputa pela ampliação do campo político. Esse campo político engendraria uma disputa pela re-significação de práticas (Alvarez, Dagnino e Escobar, 1998). A ampliação do campo político tem uma relação direta com a atuação dos movimentos sociais que, no limite, possibilitaram a transformação de práticas dominantes, o aumento da cidadania e a inserção política de atores sociais excluídos. Na América Latina, a transformação da gramática social sofreu um impacto significativo da literatura sobre re-significação das práticas democráticas. Para Lechner, nos processos de democratização “na América Latina, a atual revalorização dos procedimentos e instituições formais de democracia não pode apoiar-se em hábitos estabelecidos e normas reconhecidas por todos. Não se trata de restaurar normas regulativas, mas de criar aquelas constitutivas da atividade política: a transição exige a elaboração de uma nova gramática”. (Lechner, 1988: 32). A democracia na América do Sul, no seu processo de reestruturação, não passou pelo desafio de limites estruturais da democracia. O que fez, na verdade, foi inserir novos atores na cena política que, no limite, instauraram uma disputa pelo significado da democracia e pela constituição de uma nova gramática social. Ao se construir essa agenda de mudanças limitadas nesses marcos discutidos acima, em primeiro lugar, recolocou-se no debate democrático a relação entre procedimento e participação social,ou seja, uma nova forma de relação entre Estado e sociedade, transformando o Estado em um novíssimo movimento social. Em segundo lugar, o aumento da participação social levou a um redesenho sobre a adequação da solução não participativa e burocrática ao nível local, trazendo novamente o problema da escala no interior do debate democrático. Nesse sentido, o êxito das experiências participativas nos países recém-redemocratizados do Sul está relacionado à capacidade dos atores sociais de transferirem práticas e informações do nível social para o administrativo. Castoriadis constrói uma interpretação que diz que as inovações que parecem bem-sucedidas nos países do Sul estão relacionadas à instauração de um novo eidos, ou seja, de uma nova determinação política fundamentada na criatividade dos atores sociais. Em terceiro lugar, surge o problema da relação entre representação e diversidade cultural e social. Nesse ponto, existe uma correlação entre o aumento do número de atores envolvidos na política com a, conseqüente, diversidade étnica e cultural dos atores sociais e os interesses envolvidos em arranjos políticos impactando, por fim, a credibilidade da 31 representatividade. Em outras palavras, os grupos mais vulneráveis socialmente – setores menos favorecidos e as etnias minoritárias – não conseguem que os seus interesses sejam representados no sistema político com a mesma facilidade dos setores predominantes economicamente ou mais prósperos. Por essas razões, a articulação entre democracia representativa e democracia participativa (Santos, 1998) parece mais promissora na defesa dos interesses da identidade das camadas sociais subalternas. A democracia participativa nos países do Sul está ligada aos recentes processos de democratização pelos quais esses países passaram. Ou seja, queremos dizer que a lógica hegemônica do pós-Segunda Guerra Mundial não os conduziu imediatamente para o campo democrático. Essa guerra polarizou duas forças políticas que se constituíram enquanto sistemas de governo, o fascismo/nazismo e a concepção hegemônica de democracia. A despeito da derrota do fascismo/nazismo, esse sistema de governo continuou predominando no sul da Europa até os anos 70, em Portugal, onde vigorou por 48 anos. Moçambique viveu até 1975 sob o julgo colonial e a África do Sul, até o final da década de 1980, sob o regime do apartheid. O Brasil e a Colômbia são países que viveram por algum tempo no campo democrático. Até 1985, no Brasil, alternaram-se regimes autoritários e democráticos. A Colômbia, desde os anos 1960, vive uma democracia truncada por constantes estados de emergência e guerra civil. Santos aponta a Índia como exceção dessa análise, ou seja, o único país estudado que permaneceu democrático durante todo o período (pós Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje), interrompido pelo estado de emergência de 1977. Esses países estudados por Santos (2003), no projeto Reinventar a Emancipação Social: Para Novos Manifestos2, passaram por processos de transição ou de ampliação democrática pós década de 70. O Brasil e a África do Sul foram países atingidos pela onda de redemocratização dos anos 80 e 90, da mesma forma Moçambique, após ter passado por sua experiência revolucionária e socialista nos primeiros dez anos após sua independência. A Colômbia, apesar de não ter tido um regime autoritário-militar, diferentemente dos outros países da América Latina, realizou 2 Pesquisa realizada em seis países – África do Sul, Brasil, Colômbia, Índia, Moçambique e Portugal – com o objetivo de analisar iniciativas, organizações e movimentos progressistas em cinco domínios sociais: democracia participativa; sistemas alternativos de produção; multiculturalismo, justiça e cidadania culturais; luta pela biodiversidade entre conhecimentos rivais; novo internacionalismo operário. O resultado desse projeto foi apresentado em 7 livros. Estamos nos atendo às análises a respeito da democracia participativa que compõe o livro 1, Democratizar a Democracia: Os Caminhos da Democracia Participativa, 2003. 32 um amplo esforço de tratativas sociais no início dos anos 90 que formatou uma nova Constituição e uma lei de participação cidadã na formulação de políticas públicas. Dos países do Sul, analisados no projeto de Santos (2003), a Índia é considerado o país com maior continuidade democrática, com importantes processos de democracia participativa, oportunamente demonstrada. Todos esses casos apresentam uma característica em comum: restauraram o processo de redefinição da ampliação democrática no seu contexto cultural ou da gramática social em curso. Isto é, os casos de democracia participativa estudados por Santos (2003) iniciam-se “com uma tentativa de disputa pelo significado de determinadas práticas políticas, por uma tentativa de ampliação da gramática social e de incorporação de novos atores ou de novos temas à política.” (Santos, 2003:56). Focalizando no caso do Brasil, o processo de democratização e de constituição de novos atores comunitários surgiu de modo semelhante à concepção do direito a ter direitos (Sader, 1988; Dagnino, 1994), como componente da redefinição de novos atores sociais. Santos (2003) aponta em todas as análises produzidas nesse projeto o mesmo tipo de redefinição de novos atores sociais. No caso da marcha dos cocaleros (camponeses cultivadores e coletores de coca) na Colômbia, Ramirez (1996) demonstra que a luta contra a eliminação das plantações de coca expressa o reconhecimento de uma identidade alternativa dos camponeses à construída pelo Estado a respeito deles. Nesse sentido, os camponeses reclamam o reconhecimento como atores sociais independentes e cidadãos do país e de Putumayo, em detrimento ao estereótipo imputado a eles de serem narcotraficantes e simpatizantes da guerrilha. Esse movimento implicou associar a cidadania a uma definição de vínculo. Ou seja, ao demandarem esse reconhecimento, os cocaleros buscam uma representação frente ao Estado como um grupo diferenciado com voz para decidir em conjunto políticas sobre o bem-estar dos cidadãos de Putumayo. Em Moçambique, as mulheres, com vista a sua inserção no jogo político dominado pelos homens, conduziram uma tentativa de definir uma identidade da mulher moderna, uma tentativa de construção social de uma identidade feminina que conduz a uma apropriação diferenciada das finalidades da ação política. Esse mesmo processo de construção social da identidade pode ser vista nos casos da Índia e da África do Sul. Na Índia a hegemonia do modelo de democracia liberal não impediu a emergência de 33 movimentos sociais compostos por idéias participativas e de princípios de solidariedade social, componentes da concepção ghandiana de autogoverno como afirma Sheth (1995). Na África do Sul, as novas formas de solidariedade e identidade foram animadas, no final dos anos 80 e início dos 90, pela luta contra o apartheid, protagonizadas pelo movimento cívico e o movimento sindical. Santos (2003) demonstra, que a despeito das muitas diferenças entre os vários processos políticos analisados em seu projeto, há algo que os une à teoria contra- hegemônica de democracia: “os atores que implantaram as experiências de democracia participativa colocaram em questão uma identidade que lhes fora atribuída externamente por um Estado colonial ou por um Estado autoritário e discriminador. Reivindicar direitos de moradia (Portugal), direitos a bens públicos distribuídos localmente (Brasil), direitos de participação e de reivindicação do reconhecimento da diferença (Colômbia, Índia, África do Sul e Moçambique) implica questionar uma gramática social e estatal de exclusão e propor, como alternativa, uma outra mais inclusiva.” (2003: 57) É possível identificar nesses processos a constituição de um ideal participativo e inclusivo como parte de projetos de libertação do colonialismo ou de democratização. Nesse sentido, a idéia de participação e de inclusão política, quer na Índia, Brasil, África do Sul, Moçambique ou Portugal, construiu agendas de transformação social focadas na questão da instituição de mecanismos participativos na construção de uma normatização, como diz Castoriadis, na qual a democracia, como projeto de inclusão social e de inovação cultural, é a tentativa de instituição de uma nova soberania democrática. Essa demonstração de Santos dos processos de libertação e os processos de democratização partilham de um elemento comum. A inovação entendida como participação ampliada de atores sociais de diversos tipos em processo de tomada de decisão implica a inclusão de temáticas até então ignoradas pelo sistema político, de redefinição de identidades e vínculos e no aumento da participação, especialmente na esfera local. Nesse momento, faz-se necessário a apresentação de um conceito de participação. Se partimos do pressuposto de que a participação ampliada de atores sociais diversificados implica a inclusão de demandas ignoradas pelo sistema político, resta-nos compreender como essa participação se organiza nesse sistema. 34 Dentre os níveis de participação já estudados, basicamente existem dois extremos em que a participação assume matizes diferenciadas: a participação dirigida e a participação discutida (Mantovaneli Jr., 2001). Entre esses dois extremos, a participação pode assumir, qualitativamente, os conteúdos de um simples processo de informação e, intermediariamente, um processo consultivo. O processo consultivo, por sua vez, se subdivide em três níveis, a saber: consulta facultativa, consulta obrigatória e elaboração/recomendação de propostas e medidas. A partilha do poder ocorre em um nível mais qualificado, diretamente relacionado com o processo de elaboração/recomendação de propostas e medidas, que permite gradações que vão ascendentemente da co-gestão, passando pela delegação e culminando na auto gestão (Boterf, 1982, citado por Rosa, 1989; Bordenave, 1992). Em suma, o tipo de participação chamada aqui de dirigida se efetiva na medida em que alguém, aprioristicamente, expõe o que é certo e errado. Por outro lado, já na participação do tipo discutida, os saberes dos participantes são discutidos gerando convergências de conhecimento. Desses dois níveis apresentados, podem surgir ainda variações que se consubstanciam nos processos de informação: as decisões são tomadas e os indivíduos apenas são informados sobre essas e suas ocorrências, de consulta, em que existe possibilidade de consulta anterior à tomada de decisão. Dentro desse processo de consulta evidenciam-se, ainda, três outras subvariações: a consulta facultativa, a administração solicita, se quiser, críticas, dados e sugestões; a consulta obrigatória, embora a decisão final pertença a alguns, devem existir obrigações de consulta aos subordinados em determinado momento; e, por fim, a elaboração/recomendação, os subordinados elaboram propostas e recomendam medidas, a administração aceita ou rejeita, porém deve justificar sua posição. Por último, existe um formato de participação denominada de partilha de poder, em que as decisões são diretamente compartilhadas. Esse nível, por sua vez, se subdivide em outros três, a saber: a co-gestão, que se dá pela institucionalização da representação na direção efetiva de um arranjo institucional por mecanismos de administração compartilhada e colegiada; a delegação, os administrados através de delegados, recebem alguma autonomia de atuação sem necessidade de consulta; e a auto gestão, local em que se dá a prática coletiva de poder para decidir sobre temas distintos. 35 Evidentemente que, em um arranjo organizacional de caráter público, algumas especificidades têm que ser levadas em conta, tais como, a multiplicidade de externalidades ambientais, a racionalidade de objetivos absolutamente diferentes dos mercadológicos e a sobrevivência organizacional e a satisfação dos atores; estas não possuem caráter mercantil preponderantes, sendo melhor explicadas tanto pelo senso de identidade como pela luta pelo poder. Para Mantovaneli Jr., 2001, “(...) os níveis de variação e intensidade participativos dos processos decisórios, tendem a se alterar conforme as peculiaridades, não apenas da natureza organizativa, mas também os arranjos institucionais, cultura e interesses em foco”. Dessa forma, a participação dirigida ou discutida não pode ser examinada enquanto alternativa melhor ou pior em si, mas desejável e vislumbrada enquanto escolhas que precisam ser contextualizadas. Essa contextualização, entretanto, poderá ser considerada à luz de duas vertentes: uma chamada de modernizadora, que agrega iniciativas integradas a um projeto de modernização do estado e da sociedade, na compreensão e proposta de superação daqueles traços considerados símbolos do atraso, tais como concentração de renda, dimensão dos problemas sociais, as relações e estruturas políticas marcadamente autoritárias e clientelísticas3. A outra vertente se caracteriza pelo utilitarismo, em que a participação popular é vista como alternativa de adequar o discurso e as estruturas políticas a determinadas exigências conjunturais, como a perda da capacidade de investimento do Estado, agravada no plano municipal: o ressurgimento de movimentos sociais que pressionam o Estado para o atendimento às suas demandas e o desgaste da política de clientela e de campanhas eleitorais com base em promessas. Os processos de libertação e os de democratização tendem a ser objeto de disputa política. Sobretudo nas sociedades capitalistas, em países centrais que consolidaram a concepção hegemônica de democracia, procurava-se estabilizar a tensão entre democracia e capitalismo por duas vias: pela prioridade dada à acumulação de capital em detrimento da redistribuição social e pela restrição da participação cidadã, individual ou coletiva, com o intuito de não “sobrecarregar” demais o regime democrático com demandas sociais que pudessem colocar em perigo a prioridade da acumulação sobre a redistribuição (Santos, 2003). Essa concepção de “sobrecarga democrática” foi 3 Essa vertente, em MANTOVANELI JR., 2001, se coadunaria com a perspectiva da sustentabilidade social de Ignacy Sachs. 36 formulada em 1975 no relatório da Comissão Trienal por Crozier, Huntington e Watanuki (1975). Esses autores afirmavam que a sobrecarga era causada pela inclusão política de grupos sociais anteriormente excluídos e pelas demandas “excessivas” que geravam ao sistema democrático. Para Santos (2003), esse é o ponto de análise central das críticas surgidas nos processos de descolonização ou de democratização nos países do Sul analisados. Por, necessariamente, combaterem interesses e concepções hegemônicos, esses processos são muitas vezes combatidos ferozmente pela via da cooptação ou da integração. Sheth dirá que esses processos de contestação dos interesses das classes subalternas são promovidos pelas “elites metropolitanas”, ou excludentes. Santos aponta que a vulnerabilidade da participação à descaracterização, quer por cooptação por grupos sociais superincluídos, quer pela integração em contextos institucionais que lhe retiram o seu potencial democrático e de transformação das relações de poder, está presente em todos os casos estudados em seu projeto. As aspirações revolucionárias de participação democrática no século XIX foram sendo reduzidas, ao longo do século XX, às formas de democracia de baixa intensidade. Isso levou a uma perversão dos objetivos de inclusão social e de reconhecimento das diferenças transmutando-os ao seu contrário. Ou seja, possibilitou o surgimento de teorias como a da “sobrecarga democrática” que poderia inviabilizar o sistema político democrático. Não queremos afirmar que a democracia do tipo participativa reúne em si todos os antídotos necessários à perversão e cooptação. Democracias do tipo participativas visam a ampliar o cânone político e, certamente, o espaço público e os debates e demandas sociais que compõem esse espaço. Nesse sentido, podem ser cooptadas por interesses de atores sociais hegemônicos para, no limite, legitimar a exclusão social e a opressão da diferença. Santos (2003) aponta, no entanto, outras vias para ocorrer à perversão, tais como: a burocratização da participação, a reintrodução de clientelismo sob novas formas, a instrumentalização partidária, a exclusão das instituições participativas. Vale lembrar que, no domínio da democracia participativa, a democracia é um princípio sem fim e as tarefas de democratização só se concretizam por processos democráticos cada vez mais exigentes. Parece-nos que um dos grandes pontos dessa análise reside fundamentalmente na solução dada pela teoria hegemônica de democracia para o problema da relação entre democracia representativa e democracia participativa. A 37 solução de escalas, ou seja, de ampliação da democracia pela extensão do direito do voto, deixa intocado o problema das gramáticas sociais na medida em que oferece uma resposta simplista à conflitante combinação entre participação e representação. Em outras palavras, a capacidade de lidar com a complexidade cultural e administrativa não aumenta com o aumento das escalas (Santos, 2003). Existe, no limite, um processo de pluralização cultural e de reconhecimento de novas identidades4 que promovem, por conseguinte, profundas redefinições da prática democrática, redefinições que vão além do processo de agregação própria do modelo de democracia representativa. No entanto, Santos aponta duas formas possíveis de combinação entre democracia participativa e democracia representativa: coexistência e complementaridade. A primeira implica uma convivência das diferentes formas de procedimentalismo, organização administrativa e variação de esboço institucional. Dito de outra forma, significa afirmar que a democracia representativa na esfera nacional (constituição de governos, aceitação do formato vertical burocrático como forma exclusiva da administração pública) coexiste com a democracia participativa na esfera local. Já a segunda forma de combinação, a complementaridade, pressupõe uma articulação mais consistente entre democracia representativa e democracia participativa. Ela parte da premissa do reconhecimento pelo governo de que o procedimentalismo participativo - as formas públicas de monitoramento dos governos e os processos de deliberação pública - podem substituir parte do processo de representação e deliberação concebidas no modelo hegemônico de democracia. Tem por objetivo, ao contrário do que pretende o modelo hegemônico, associar ao processo de fortalecimento da democracia local formas de renovação cultural ligadas a uma nova institucionalidade política que faz emergir as questões da pluralidade cultural e da necessidade da inclusão social. Essa discussão promoverá a construção de novas metodologias participativas que tentarão construir canais de comunicação com as camadas sociais excluídas do processo democrático. As questões da pluralidade cultural e a necessidade de construção de um novo modelo de desenvolvimento que se vincule à questão social será o enfoque dessas propostas. Nasce, no final do século XX, a idéia de sustentabilidade do desenvolvimento econômico-industrial. Surgem ações em diversos campos que visam 4 Somos tributários a concepção de Santos (2003) sobre identidade que a coloca como o princípio do reconhecimento da diferença. 38 a minimizar os impactos sociais e ambientais do desenvolvimento capitalista. Há uma projeção futura do modelo de desenvolvimento em curso e verifica-se que, num futuro próximo, levará a um esgotamento dos recursos naturais com visíveis impactos na vida das comunidades. A questão da participação política dos cidadãos ganha corpo nessa nova proposta de desenvolvimento capitaneado por uma série de ações que compõem o documento Agenda 21. 1.2. Agenda 21: a participação na formulação e implementação de políticas públicas sustentáveis A proposta de mudança no modelo de desenvolvimento local (a Agenda 21) reside, fundamentalmente, em um conjunto de ações e medidas que têm como fio condutor os eventos promovidos pela Organização das Nações Unidas, ONU, durante as décadas dos 1970, 1980, 1990 e 2000. Desses eventos, dois sobre o meio ambiente - o primeiro em 1972, denominado Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, e o segundo, em 1992, denominado Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (também chamado Rio 92, realizado no Rio de Janeiro, que apresentou o documento denominado Agenda 21 Global) - estimularam a construção de regras internacionais sobre a proteção do meio ambiente, cada vez mais abrangentes e voltadas para um tratamento global dos problemas ambientais. Passou a vigorar, após a consolidação desses eventos, uma relação de Estado para Estado consubstanciada em convenções, declarações, atos e protocolos, que acarretaram obrigações afinadas com a agenda mundial, que colocava a questão ambiental e a finitude dos recursos naturais como foco para os poderes estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário) dos países signatários. Todo esse processo se inicia, basicamente, em 1969, com uma série de convenções de responsabilização civil por danos ambientais causados pelo transporte de produtos altamente poluidores como o petróleo. Muitos desdobramentos aconteceram nos anos seguintes, abrangendo uma série de problemas que atingiam não exatamente um único Estado, mas sim, um conjunto de comunidades que, agora, pensam em caminhos diferenciados para o desenvolvimento de suas economias. A Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972, levou à criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e a uma maior compreensão da necessidade de direcionar o modo como olhamos para o meio ambiente. 39 Ela uniu, pela primeira vez em um grande evento internacional, países industrializados e em desenvolvimento e iniciou uma série de conferências da ONU que viriam a tratar de áreas específicas, como alimentação, moradia, população, direitos humanos, mulheres. Em 1982, uma avaliação dos dez anos pós-Estocolmo aconteceu, sob os auspícios do PNUMA, em Nairóbi e, desse encontro, emergiu um chamado para a formação de uma Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, implementada em 1983. Em 1987, os resultados dessa Comissão apareceram como o “Relatório Nosso Futuro Comum” – também conhecido como “Relatório Brundtland”, em referência à presidente da comissão, a então Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland. Uma das principais recomendações do documento foi a realização de uma conferência mundial que direcionasse os assuntos ali levantados. Ali, também, foi usada pela primeira vez a definição de desenvolvimento sustentável, caracterizado como o desenvolvimento que atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade de as futuras gerações terem suas próprias necessidades atendidas. Dentre a série de eventos promovidos pela ONU, ainda podemos destacar: a Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio (proteção da saúde humana e do meio ambiente, 1985), o Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Esgotam a Camada de Ozônio (estabelecimento de etapas para a redução e proibição da manufatura e uso de substâncias degradadoras da camada de ozônio, 1987), a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Agenda 21 Global (diretrizes para o desenvolvimento sustentável, Rio de Janeiro, evento também denominado “A Cúpula da Terra”, 1992), a Convenção da Biodiversidade (diretrizes para manutenção de maior variedade de organismos vivos, comunidades e ecossistemas, 1992), a Convenção sobre Mudança do Clima (propostas para estabilizar num nível que evite graves intervenções no sistema climático global com a emissão de gases provenientes, principalmente, da queima de combustíveis fósseis, 1992), a Conferência das Partes da Convenção sobre Mudança do Clima – Protocolo de Kyoto (estabelecimento de compromissos concretos para os países desenvolvidos no que tange à redução da emissão de gases causadores do efeito estufa, para o período posterior ao ano de 2002). Após a publicação do “Relatório Nosso Futuro Comum”, a Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu, em 1990, convocar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que se realizou no Rio de Janeiro, em 1992. 40 Essa Conferência veio a ser conhecida também como “A Cúpula da Terra”, “Conferência do Rio” ou simplesmente “Rio-92”, e gerou os seguintes documentos: - Agenda 21, um programa de ação global, em 40 capítulos; - Declaração do Rio, um conjunto de 27 princípios pelos quais deve ser conduzida a interação dos seres humanos com o planeta; - Declaração de Princípios sobre Florestas; -Convenção sobre Diversidade Biológica; e, - Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas. Esses documentos – particularmente a Agenda 21, e a Declaração do Rio – definiram o contorno de políticas essenciais para alcançar um modelo de desenvolvimento sustentável que pudesse atender às necessidades dos pobres e reconhecesse os limites do desenvolvimento. O conceito de “necessidades”, assim, foi interpretado não apenas em termos de interesses econômicos, mas incorporou também as demandas de um sistema global que incluiu tanto a dimensão ambiental quanto a humana. O Documento Agenda 21 traz em seu preâmbulo três itens que dão o contorno da proposta de se repensar o desenvolvimento: “1.1. A humanidade se encontra em um momento de definição histórica. Defrontamos-nos com a perpetuação das disparidades existentes entre as nações e no interior delas, o agravamento da pobreza, da fome, das doenças e do analfabetismo, e com a deterioração contínua dos ecossistemas de que depende nosso bem-estar. Não obstante, caso se integrem as preocupações relativas a meio ambiente e desenvolvimento e a elas se dedique mais atenção, será possível satisfazer às necessidades básicas, elevar o nível da vida de todos, obter ecossistemas melhor protegidos e gerenciados e construir um futuro mais próspero e seguro. São metas que nação alguma pode atingir sozinha; juntos, porém, podemos – em uma associação mundial em prol do desenvolvimento sustentável. 1.2. Essa associação mundial deve partir das premissas da resolução 44/228 da Assembléia Geral de 22 de dezembro de 1989, adotada quando as nações do mundo convocaram a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e da aceitação da necessidade de se adotar uma abordagem equilibrada e integrada das questões relativas a meio ambiente e desenvolvimento. 1.3. A Agenda 21 está voltada para os problemas prementes de hoje e tem o objetivo, ainda, de preparar o mundo para os desafios do próximo século. Reflete um consenso mundial e um compromisso político no nível mais alto no que diz respeito a desenvolvimento e cooperação ambiental. O êxito de sua execução é responsabilidade, antes de mais nada, dos Governos. Para concretizá-la, são cruciais as estratégias, os planos, as políticas e os processos nacionais. A cooperação internacional deverá apoiar e complementar tais esforços nacionais. Nesse contexto, o sistema das Nações Unidas tem um papel fundamental a desempenhar. Outras organizações internacionais, regionais e sub-regionais também são convidadas a contribuir para tal 41 esforço. A mais ampla participação pública e o envolvimento ativo das organizações não-governamentais e de outros grupos também devem ser estimulados”. (CAPÍTULO 1 – Preâmbulo da Agenda 21, p. 1). Da mesma forma, o documento denominado “Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento”, no seu princípio 10, enfoca que: “A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”. (PRINCÍPIO 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, p. 2). Nessa mesma conferência, foi acordada a criação de uma nova instituição no sistema das Nações Unidas, a fim de monitorar a implementação da Agenda 21: a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), que promoveu um avançado sistema de parcerias entre as ONGs e as Nações Unidas e estimulou, em vários países, a criação de comissões de desenvolvimento sustentável e a definição de estratégias nacionais de desenvolvimento sustentável. Esse movimento internacional dos Estados, promovido pela ONU, forjou, aos poucos, uma terminologia que tenta colocar uma nova visão de desenvolvimento, a ser implementado pelos atores relevantes da sociedade. O grande desafio dessa nova concepção de desenvolvimento reside na necessidade de se aliar ritmo capitalista à capacidade de reposição dos recursos pela natureza, à incoerente concentração de riquezas, e, finalmente, ao planejamento estratégico das ações que impactam o meio urbano. É com esse espírito de necessidade real de adequação do ritmo de consumo capitalista, latu senso, ao conjunto de disparidades, que ele mesmo produziu ao longo de séculos, que se criou o termo desenvolvimento sustentável. Na esteira dessa nova proposta de desenvolvimento com justiça social e preservação do meio ambiente, dentre outras, é que toma corpo um plano estratégico de diagnóstico, propositura e medidores de resultados de políticas voltadas para o público, chamada Agenda 21 Global. Esse novo conceito foi consolidado como diretriz para mudança nos rumos do desenvolvimento global por cerca de 170 países presentes na Rio- 42 92. A proposta da Agenda 21 Global foi aprovada nessa Conferência como um documento contendo uma série de “(...) compromissos acordados pelos países signatários, que assumiram o desafio de incorporar, em suas políticas públicas, princípios que desde já colocavam a caminho do desenvolvimento sustentável” . Vale lembrar, entretanto, que, em 1992, o mundo passava por um momento histórico singular. Apenas três anos antes, anunciava-se o fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim. Era também o fim de uma idéia de divisão do planeta em dois blocos antagônicos, que marcara as quatro décadas anteriores. Nesse contexto, a Rio-92, a maior de todas as conferências já realizadas pelas Nações Unidas, representou um grande avanço na definição de um novo modelo de multilateralismo, segundo o qual os problemas globais do planeta devem ser tratados com a participação de todos os países. O princípio da cooperação entre as nações direcionou a criação de acordos considerados grandes vitórias na área ambiental, como a Agenda 21 e o Princípio do Rio. Este último dividido em 27 pontos que têm como fundamentos: a soberania dos Estados na exploração de seus recursos, os caminhos necessários para efetivação da sustentabilidade, bem como a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados. No ano de 2001, ganhava força a idéia de novamente congregar governos e sociedade no Rio de Janeiro para uma cerimônia que resgatasse o que se condicionou chamar de Legado do Rio, fazendo-se alusão à Rio-92. O objetivo dessa chamada residia na necessidade de avanços nos preparativos para participar da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002 em Joanesburgo, África do Sul, terceira conferência mundial promovida pela ONU para discutir os desafios ambientais do planeta, conhecida como Rio+10. Em 2002, dez anos depois da realização da Rio 92, às vésperas da Cúpula de Joanesburgo, o clima era bastante diferente. Constatava-se que os documentos assinados no Rio de Janeiro, tão estrondosamente celebrados, pouco alteraram a realidade. É o que revelam os dados da própria ONU divulgados pouco antes do início da Conferência, no relatório intitulado Desafios Globais, Oportunidades Globais5. Os resultados da Conferência Rio+10, da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, resumem-se basicamente em dois documentos oficiais, 5 Documento publicado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas para a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Joahannesburgo, de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002 www.johannesburgsummit.org. 43 adotados por representantes de 191 países presentes. Os documentos Declaração Política e o Plano de Implementação têm como conteúdo, fundamentalmente, as “(...) limitações do processo decisório vigente nas Conferências patrocinadas pelo sistema das Nações Unidas, baseado na necessidade de consenso e na igualdade de peso no voto de todas as nações”6. Concluiu-se também que, além disso, em função da “(...) inexistência de um poder de polícia global legitimamente constituído para assegurar o cumprimento de decisões tomadas na esfera internacional, nenhum dos documentos aprovados têm força mandatária para os países signatários, não havendo sanções para coibir o descumprimento dessas decisões”7. Portanto, na prática, os documentos aprovados em Joanesburgo apenas representam um conjunto de diretrizes e princípios para as nações, cabendo a cada país transformá-las em leis nacionais para garantir a sua realização. No Brasil, pensou-se na Agenda 21 por meio de um processo participativo que, partindo do diagnóstico do país, pudesse promover a construção de um cenário futuro de acordo com as potencialidades e vulnerabilidades de nossos recursos ambientais. Para tanto, foram definidos seis temas com condições, pela abrangência e capacidade de enfoque/diagnóstico das linhas mestras do desenvolvimento, de atender à problemática brasileira em sua diversidade: Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infra-estrutura e Integração Regional, Gestão de Recursos Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável. A palavra de ordem da Agenda 21 Brasileira é planejamento de nosso futuro sustentável. Os resultados do desenvolvimento desse processo constam no documento Agenda 21 Brasileira – bases para discussão, divulgado no ano de 2000 pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional. Em um segundo momento, começaram-se a construir as Agendas 21 Estaduais. A própria Agenda 21 Brasileira aponta para essa necessidade de a sociedade se engajar na construção das Agendas 21 Estaduais e Locais, pois, segundo José Sarney Filho, então Ministro do Meio Ambiente, “(...) a qualidade ambiental global é um reflexo 6 CD-Rom Clique Rio+10, Coordenação Geral: Fábio Feldmam, produzido com apoio do Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio de Carta de Acordo entre o MMA e o PNUMA no âmbito do Projeto BRA/00/01 – Apoio às Políticas Públicas na Área Ambiental – Agenda 21, 2002. 7 Ibdem, Cd-Rom Rio+10, 2002. 44 das escolhas feitas nas comunidades de todo mundo”8, e “(...) tornadas realidade, as Agendas 21 poderão fertilizar toda a vida econômica, social e política do país com o novo conceito de desenvolvimento fundamentado na qualidade ambiental e na justiça social”9. O Estado de São Paulo também desenhou uma política de construção da Agenda 21. O enfoque dessa proposta estava diretamente vinculado às transformações pelas quais o Estado estava passando. Segundo o Governador Geraldo Alckmin, em Pensando a Gestão Partilhada: a Agenda 21 Local10, essas “(...) transformações pelas quais o país tem passado redesenharam as atribuições dos Poderes Públicos, suas relações com o setor privado e com os cidadãos (...). Os governos estão sendo tencionados pelos contínuos aumentos das demandas da sociedade, justificadas não só pelo déficit social, mas também pela participação cada vez maior de nosso povo na política”. No ano de 2002, o Estado de São Paulo finaliza sua Agenda 21 Estadual, apresentando à população um documento que estimula o desenvolvimento das Agendas na esfera local, ou seja, nos municípios. O município de Araraquara, por iniciativa de organizações não-governamentais iniciara, já no ano de 2001, o processo de construção de sua Agenda 21 Local. Para analisarmos esse segundo processo, o de consolidação de uma concepção de sustentabilidade local tendo como fio condutor a proposta da Agenda 21 Local e a instituição dos conselhos citados, estaremos, dentre as definições de sustentabilidade propaladas, focando no referencial teórico que harmoniza alguns conceitos. Estamos nos referindo aos conceitos de ecodesenvolvimento (Ignacy Sachs) e de desenvolvimento sustentável (Gro Harlem Brundtland, 1992). Estaremos, enfim, identificando os argumentos sociológicos capazes de aproximar a idéia de sustentabilidade do debate sobre gestão cidadã de políticas. É consenso que os impasses da atualidade são produtos de uma grande crise ecoambiental que tem sua gênese em um padrão de conduta humana que marcou a modernidade em diversos campos como o da ciência, da tecnologia e da política. O sistema produtivo instalado pós revolução industrial, no século XIX, mostra claros sinais de esgotamento em termos ambientais. Existe uma necessidade premente de sua 8 AGENDA 21 BRASILEIRA. Base para discussão. Por Washington Novaes (Coord.), Otto Ribas e Pedro da Costa Novaes. Brasília, MMA/PNUD 2000, p.196. 9 FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM. Unidade de Políticas Públicas – UPP. Pensando a gestão partilhada: a Agenda 21 Local. São Paulo, 2001. 148p. (mensagem do Governador Geraldo Alckmin de apresentação das experiências das Agendas 21 Locais, e de como foi construída em São Paulo). 10 Ibdem, iv, Prefácio. 45 substituição por outra forma organizativa da produção, sócio-econômica, tecnológicas e cultural. O estado e a sociedade civil precisam passar por um processo de fortalecimento, criando-se a solidariedade, a cidadania e o terceiro poder. Existe um certo consenso em estudos que colocam o desenvolvimento econômico, como aquele que “(...) se refere ao aumento (...)”, unicamente “(...) da capacidade de uma sociedade produzir mais bens e de uma maneira melhor (produtos melhores produzidos mais eficientemente ou racionalmente) de modo a satisfazer necessidades humanas” (Souza, 2000). Supostamente, ele diz respeito, aos meios para se atingir melhores qualidade de vida, justiça social etc., e não aos fins. Quando trazemos essa reformulação conceitual de indissociabilidade entre homem e natureza para o terreno das políticas públicas, fica evidente a também indissociável relação entre a política social e a política ambiental. Para efeitos de pesquisa, analisaremos neste estudo o conceito de desenvolvimento sustentável e ecodesenvolvimento de forma harmônica. Por um lado, o ecodesenvolvimento demonstra o amadurecimento das proposições ecodesenvolvimentistas frente às preocupações globais que amparam o conceito de sustentabilidade. E por assim ser, hoje o ecodesenvolvimento é uma proposta mais completa que incorpora os preceitos da sustentabilidade, “(...) procurando travar um debate em moldes sistêmicos, capaz de sinalizar o horizonte da viabilidade político- administrativa de suas proposituras (...)” (Sachs, 1993; 1994). Portanto, o debate sobre ecodesenvolvimento não considera, enfaticamente, os aspectos “(...) administrativos – formulação, implementação (alo