UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES, COMUNICAÇÃO E DESIGN DEPARTAMENTO DE ARTES E REPRESENTAÇÃO GRÁFICA CAMPUS DE BAURU THAÍS MARIA TERUEL POLO DEUSAS INTERIORES: O SAGRADO-FEMININO NA FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA BAURU 2021 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES COMUNICAÇÃO E DESIGN DEPARTAMENTO DE ARTES E REPRESENTAÇÃO GRÁFICA CAMPUS DE BAURU THAÍS MARIA TERUEL POLO DEUSAS INTERIORES: O SAGRADO-FEMININO NA FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Artes Visuais Bacharelado, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação UNESP/Campus Bauru, como requisito parcial para conclusão da graduação, sob orientação da Profª Drª Regilene A. Sarzi Ribeiro. BAURU 2021 P778d Polo, Thaís Maria Teruel DEUSAS INTERIORES: O SAGRADO-FEMININO NA FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA / Thaís Maria Teruel Polo. -- Bauru, 2021 77 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Artes Visuais) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru Orientadora: Regilene Aparecida Sarzi Ribeiro 1. Autoconhecimento. 2. Sagrado-Feminino. 3. Deusas. 4. Fotografia Fine Art. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design, Bauru. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. 2 THAÍS MARIA TERUEL POLO DEUSAS INTERIORES: O SAGRADO-FEMININO NA FOTOGRAFIA COMO ARTE CONTEMPORÂNEA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Artes Visuais Bacharelado, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação UNESP/Campus Bauru, como requisito parcial para conclusão da graduação, sob orientação da Profª Drª Regilene A. Sarzi Ribeiro. BANCA EXAMINADORA: ____________________________________ Profa. Dra. Regilene Sarzi Ribeiro (Orientadora) FAAC/UNESP/Bauru ____________________________________ Prof. Celso Luiz Melani FAAC/UNESP/Bauru ____________________________________ Profa. Me. Laís Miguel Lacerda Bauru, setembro de 2021. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente e imensamente, aos meus pais pelo amor incondicional e por toda ajuda, apoio e dedicação, sem eles não chegaria até aqui. Ao João por todo o carinho e incentivo. Também as minhas grandes amigas que são minhas irmãs de alma – Julia e Stéfanie, Leticia e Maju. E todos amigos que a UNESP e Bauru me presentearam, que fizeram parte da minha formação е que marcaram minha vida para sempre, agradeço por permitirem que essa caminhada fosse mais leve e alegre! Agradeço especialmente a minha querida orientadora Profa. Dra. Regilene Sarzi, por estar sempre presente e disposta, foi um grande privilégio ser sua orientanda e sou eternamente grata por todo apoio e carinho. A todo corpo docente do Departamento de Artes Visuais e todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a realização da minha pesquisa, o meu muito obrigada! 4 “Estou de pé sobre o sacrifício de milhões de mulheres antes de mim pensando no que eu posso fazer para deixar esta montanha ainda mais alta para que as mulheres que venham depois de mim possam ver mais longe” Legado - Rupi Kaur 5 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo a produção e reflexão de fotografias Fine Art abordando o tema do Sagrado-Feminino. Desta forma, através do entendimento do arquétipo da Mulher-Selvagem e os conceitos dos arquétipos de sete Deusas da mitologia Grega proponho a produção de uma série de imagens que visa expressar a conexão da mulher com suas Deusas interiores, mas principalmente consigo mesma, em uma jornada de autoconhecimento. Para tanto, busquei transmitir o tema através de autorretratos e por meio da relação de como a fotografia Fine Art pode ser um veículo/meio de expressão artística e poética na Arte Contemporânea uma vez que esta pode despertar questões como auto referencialidade, identidade e diferentes visões de mundo através de suas narrativas. Palavras-chave: Autoconhecimento; Sagrado-Feminino; Deusas; Fotografia Fine Art. ABSTRACT The present work has the objective to produce and reflect on Fine Art photographs approaching the theme of the Sacred-Feminine. Thus, through the understanding of the Wild Woman archetype and the concepts of the archetypes of seven Goddesses from Greek mythology, I propose the production of a series of images that aims to express the connection of women with their inner Goddesses, but mainly with themselves, in a journey of self-knowledge. Therefore, I sought to convey the theme through self-portraits and through the relationship of how Fine Art photography can be a vehicle/way of artistic and poetic expression in Contemporary Art, as it can raise issues such as self-referentiality, identity and different views of the world through their narratives. Keywords: Self-knowledge; Sacred-Feminine; Goddesses; Fine Art Photography. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................p. 07 1. CAPÍTULO I 1.1. Pintar ou fotografar, eis a questão ............................................p. 14 1.2. Fotografia como obra de arte ....................................................p. 20 1.3. Referências estéticas ................................................................p. 25 2. CAPÍTULO II 2.1. Conceito ....................................................................................p. 33 2.2. Poética e técnica .......................................................................p. 42 2.3 Série “Deusas Interiores”.………………...........................…......p. 49 REFLEXÕES FINAIS.......................................................................................p. 71 REFERÊNCIAS...............................................................................................p. 74 7 INTRODUÇÃO Utilizando a fotografia como suporte, o tema desta pesquisa é o Sagrado- Feminino na arte contemporânea associado à minha jornada pessoal de autoconhecimento a partir de um encontro com o tema e minha poética. Através de autorretratos, procurei desenvolver o tema por meio de uma série de fotografias Fine Art inspiradas nos arquétipos das Deusas da mitologia - Ártemis, Atenas, Héstia, Hera, Deméter, Perséfone e Afrodite, visando uma maior conexão comigo mesma e também trazendo esta experiência e reflexão para os espectadores vivenciarem o feminino sagrado. Do Latim “Sacrum”, a palavra “Sagrado” é um adjetivo relativo a divindades, remete algo que inspira respeito, admiração, veneração e possui ligação com os templos e os deuses. Sagradas é o que todas somos – mulheres sagradas. E parafraseando uma das figuras mais proeminentes do movimento feminista – “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, disse Simone de Beauvoir (1949). Somos fortes, intensas, corajosas, sagazes, mas também livres e conscientes de nossas vulnerabilidades. Temos como guia a intuição e a sabedoria. Somos a vida-morte- vida, e dispomos do poder sublime de gerar, criar, cuidar, restaurar e transformar. Todas, mesmo que inconscientemente, temos o desejo de maior conexão consigo mesma, e essa reconexão é a percepção dos nossos sentimentos mais profundos, medos, traumas e emoções. É nesse processo de se observar que nos tornamos a principal encarregada pela nossa transformação, cura e empoderamento, fomentando diversos potenciais que estavam até então soterrados. Assim, ao escolher trilhar o caminho do coração e da intuição estamos seguindo no caminho do autoconhecimento, na busca pela nossa melhor versão, e nessa intensa imersão dentro de si teremos infinitas descobertas, e a melhor dádiva é o encontro consigo mesma, com sua essência. Sua alma. Sua Mulher Selvagem. Sua Deusa interior. A Mulher Selvagem é aquela que se aventura em seguir sua percepção e seu coração, ela é a guia das transformações. Ela desafia o poder, tem a ousadia de gritar, mas também de dominar o silêncio. Ela encontra a força no seu interior e nos seus recursos mais viscerais, e exerce sobre si o domínio, reconhecendo 8 suas sombras e limites. Esse encontro com sua totalidade é revolucionário. Olhar para dentro é despertar sua Mulher Selvagem, é conhecer as Deusas que habitam dentro de nós, é viver o Sagrado-Feminino, é nos tornarmos efetivamente protagonistas de nós mesmas e exalar a mais pura essência de ser você. O arquétipo da Mulher Selvagem, bem como tudo o que está por trás dele, é o benfeitor de todas as pintoras, escritoras, escultoras, dançarinas, pensadoras, rezadeiras, de todas as que procuram e as que encontram, pois elas todas se dedicam a inventar, e essa é a principal ocupação da Mulher Selvagem. Como toda arte, ela é visceral, não cerebral. Ela sabe rastrear e correr, convocar e repelir. Ela sabe sentir, disfarçar e amar profundamente. Ela é intuitiva, típica e normativa. Ela é totalmente essencial à saúde mental e espiritual da mulher (ESTÉS, 2018, p 26). O primeiro livro que marcou o início da minha jornada de autoconhecimento e fundamentou teoricamente a presente pesquisa foi “Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem”, escrito pela norte- americana Clarissa Pinkola Estés - psicanalista junguiana, intelectual, escritora, poetisa premiada e contadora de histórias. Carl Jung foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço, pai da psicologia analítica, criador do conceito de arquétipos e inconsciente coletivo, além de propor uma teoria mais profunda e complexa sobre a compreensão da psique humana. Assim, Estés juntou as técnicas da psicologia junguiana e seus estudos antropológicos de tribos e culturas ao redor do mundo para ajudar no entendimento da natureza desse arquétipo da Mulher Selvagem através dos mitos e histórias. Publicado em 1992, a autora reúne contos, lendas, fábulas, histórias folclóricas e ancestrais para justificar sua teoria, Estés, faz conexões com esses mitos e de como, neles, todos os personagens habitam a psique feminina e existem uma série de situações que correspondem às vivências que temos que encarar no nosso cotidiano. O fio condutor é a noção de que houve o esmagamento da natureza instintiva feminina e a mulher foi domesticada ao longo dos séculos dentro do patriarcado, perdendo cada vez mais sua essência selvagem e primária. Tal essência, reprimida por padrões, costumes, casamentos, governos e leis, acabaram fazendo com que a Mulher Selvagem interior seja 9 sufocada cada dia mais, surgindo sintomas cada vez mais comuns como bloqueio criativo, medo e fragilidade, sentimento de um vazio que não se preenche. A ideia de Estés é que as mulheres precisam reconectar-se com a Mulher Selvagem interior, e o presente trabalho tem a intenção de identificar a essência da alma feminina, seus instintos mais profundos, e fazer o resgate desse passado como forma de alcançar a verdadeira libertação. A psiquiatra norte-americana Jean Shinoda Bolen, assim como Clarissa Pinkola Estés, também partilha dos pontos de vista da psicologia junguiana, em seu livro “As Deusas e a mulher: nova psicologia das mulheres” (1990) investigou a relação entre a mitologia e a psicologia a fim de proporcionar à mulher uma maior conexão consigo mesma. A autora considera nas antigas Deusas gregas padrões constantemente presentes na psique da mulher, e compreendendo a ação desses padrões interiores, que são responsáveis pelas diferenças entre as mulheres, é possível alcançar o autoconhecimento e a integridade. Este livro é bastante importante para a presente pesquisa pois a autora acredita que o conhecimento das deusas proporciona às mulheres um meio de conhecerem a si próprias. Conhecer a mitologia das mulheres é buscar uma reflexão sobre todas as Deusas que estão presentes dentro de nós. Qual é a mais prevalecente? Onde elas nos tocam? Qual é o nosso mito pessoal? Esta é basicamente a proposta de Bolen e a minha com este trabalho. A autora concentra-se em sete deusas, dividindo-as em três categorias: deusas virgens, deusas vulneráveis e deusas alquímicas. A essência dos arquétipos descritos por Jung assim como as deusas mitológicas têm permanência na psique humana, ambos possuem aspectos do si mesmo permitindo à mulher ampliar sua consciência e compreender seus próprios sentimentos, desvendando e recuperando seu eu interior. Despertar para a mitologia e atender ao chamado de cada deusa presente em nós mesmas, estamos caminhando para resgatar nossa alma. Outro livro usado para o conceito e a produção das imagens é “Mulheres, Mitos e Deusas - O Feminino Através dos Tempos” (2006) foi escrito em 1966 10 pela mexicana Martha Robles. No livro ela fala sobre o papel social da mulher através dos tempos, reunindo 52 biografias de figuras femininas célebres, entre elas algumas das Deusas mitológicas abordadas na presente pesquisa, nos guiando numa viagem linear e cronológica pela história, na busca pelo resgate da essência perdida ao ressignificar o papel feminino no mundo. Robles mostra a jornada dessas personagens e histórias a partir da ideia de que algumas delas foram exaltadas, outras demonizadas. Porém todas atingiram as profundezas do próprio ser, alcançaram o limite de sua condição e de seu tempo, se imortalizando na história. Nesta pesquisa, a opção pela produção fotográfica de autorretratos em Fine Art tem como objetivo traduzir na forma de imagens a principal característica da proposta: uma síntese e a expressão do Sagrado-Feminino através do arquétipo da Mulher Selvagem e das Deusas mitológicas como um meio de autoconhecimento. Investigando as relações entre mulher e autoconhecimento, e fazendo a conexão consigo mesma e com as divindades femininas, a pesquisa pretende traduzir uma possível expressão do feminino em forma, luz e cor - tendo como suporte a linguagem da fotografia, da edição e manipulação das imagens, além de adereços, figurinos, cenários e maquiagens, como veículo/meio de expressão artística e poética na arte contemporânea, uma vez que pode despertar questões como auto referencialidade, identidade e visão de mundo. Com base teórica no conceito do Pictorialismo, movimento estético que dominou a fotografia durante o final do século XIX e início do século XX, no estudo da fotografia como obra de arte e nas artistas que foram as referências estéticas, a pesquisa teve como objetivo geral apresentar uma série de sete imagens produzidas a partir de fotografias Fine Art de autorretrato, baseadas no Sagrado- Feminino e nas Deusas mitológicas, e como a essência de cada uma destas é explorada para que sejam transmitidas nas imagens, traços e aspectos estéticos e sensíveis em diálogo com o tema da pesquisa e como resultado final da mesma. A partir dos conceitos estudados sobre o Sagrado-Feminino, o arquétipo da Mulher Selvagem e as Deusas da Mitologia, a minha produção poética irá 11 ganhar expressão por meio do autoconhecimento como forma de atingir a verdadeira libertação, visto que a natureza instintiva feminina foi reprimida durante muitos séculos. Desse modo, talvez possa eu me conectar com a minha Mulher Selvagem ao vivenciar plasticamente e esteticamente a construção dessas imagens e de igual forma, elas podem ser um meio expressivo e comunicativo, provocado por uma experiência estética, para que os espectadores também possam fazer uma reflexão interna como um meio de atingir o autoconhecimento. Essa jornada começou bem antes da pandemia do Covid-19, que nos isolou dentro de casa, e causou não só uma transformação na rotina mundial, mas também causou grandes revoluções internas, onde o convívio em isolamento passou a ser com nosso próprio eu interior, gerando assim, uma necessidade maior do autoconhecimento. A escolha pela produção de autorretratos foi uma junção desses dois fatores, trazendo também uma maior coerência para essa pesquisa pessoal e acadêmica. A mesma, justifica-se em grande parte pelo aspecto pessoal, ao fato que os conceitos apresentados e estudados são assuntos muito intensos e relevantes em minha vida. Espera-se que a pesquisa possa colaborar para estudos contemporâneos sobre a imagem feminina e contribuir para a área midiática da fotografia poética e artística, além de abordar a fotografia Fine Art que é pouco estudada e apresentar mulheres artistas da fotografia da minha geração. Segundo as instâncias metodológicas da pesquisa no campo das artes visuais, este trabalho tem como método a pesquisa de criação, e de caráter interdisciplinar envolvendo estudos da arte e da psicologia. Sua finalidade é de natureza pura e qualitativa. Seu objetivo é exploratório com base na descrição e reflexão sobre o processo de criação. O trabalho é dividido em duas partes, e o foco da pesquisa aqui apresentada é a produção fotográfica de Fine Art, porém, o percurso do trabalho tem sua base inicial inteiramente teórica, explorando e estudando os conceitos que serão tratados nas fotografias, para que as imagens sejam repletas de significados e símbolos. Após o aprofundamento teórico e conceitual houve a preparação e a produção dos autorretratos, os quais foram planejados nos mínimos detalhes – 12 figurino, penteado, maquiagem, cenário e adereços. Foi utilizada uma câmera digital Canon 60D para o registro das imagens, que aconteceram em casa, devido a situação de pandemia do Covid-19. O próximo passo do percurso foi a seleção, edição e manipulação das imagens, as quais passaram por cuidados minuciosos para que houvesse a efetiva construção narrativa, usando da fotografia de Fine Art para contar as histórias das Deusas escolhidas e estudadas. Nesta pesquisa, os procedimentos foram de cunho bibliográfico e de criação – teórico-prático com ênfase na minha poética pessoal. Portanto, a última etapa foi a descrição das imagens criadas e o relato do processo criativo de pré- produção, produção e pós-produção, buscando mostrar toda a referência teórica explorada nas imagens produzidas e como aconteceu todo o processo de realização das fotos. A seguir, dou início à Parte I do trabalho contextualizando o movimento do Pictorialismo, que eclodiu em 1890 e foi a primeira tentativa de a fotografia ser elevada à categoria de obra de arte, desse modo, os fotógrafos pictorialistas manipulavam as imagens criando uma realidade segundo o ponto de vista dos mesmos. Nesta mesma linha, atualmente temos a fotografia Fine Art, que é abordada ainda na primeira parte da pesquisa, onde descrevo sobre como essas imagens não possuem um caráter comercial, mas sim artístico, e trago também para esta parte o trabalho e entrevista de duas fotógrafas que fazem esse tipo de imagem, sendo referências estéticas para minha poética. Na Parte II, apresento meus estudos sobre o Sagrado-Feminino, o arquétipo da Mulher-Selvagem e as Deusas mitológicas, que são as bases para a conceitualização das sete imagens de autorretratos que produzi a partir da fotografia Fine Art. Por fim, exponho essas imagens como resultado final da pesquisa, descrevendo o processo criativo de cada uma delas para que haja uma maior compreensão do tema e dos símbolos utilizados, encerrando assim a contribuição desta pesquisa em arte e o relato da experiência e de processo criativo para o campo da arte contemporânea e das artes visuais. 13 CAPÍTULO I 14 1.1 PINTAR OU FOTOGRAFAR, EIS A QUESTÃO “Pintar ou fotografar, eia a questão”, este pastiche do monólogo de Hamlet foi publicado na Revista Camera Work em 1901, no auge do movimento pictorialista. O Pictorialismo se desenvolveu entre 1880 e 1890 principalmente na França, Inglaterra e Estados Unidos, durou cerca de 20 anos, e surgiu paralelamente ao barateamento dos equipamentos fotográficos e no ápice de sua industrialização. Para se distinguir dessa nova massa de fotógrafos amadores, o fotógrafo pictorialista recusará essa simplificação do gesto fotográfico. Desse modo, procurará na dificuldade e nas proezas técnicas rivalizar com a pintura, a fim de adotar um caráter artístico e artesanal, assumir o patamar de obra-de-arte e também permitir aos seus praticantes a mesma notoriedade que artistas de técnicas convencionais. (NEUMANN, 2013) O debate acerca dessa suposta rivalidade entre ambos os meios de representação visual já era tão antigo quanto a própria fotografia, que os críticos julgavam como uma linguagem não-artística em razão de seu excessivo realismo mecânico e efeito “imitativo”, enquanto a pintura dispunha de recursos expressivos e técnicas plásticas possibilitando interpretações subjetivas e alcançando uma mensagem artística. (SIQUEIRA et al, 2016). Dessa forma, os fotógrafos buscavam se afastar do efeito realista e se aproximar dos recursos plásticos típicos da pintura. Para tornar-se artística, a fotografia teve que renunciar a si mesma e se tornar irreconhecível, este é o travestimento que chamamos de Pictorialismo. O movimento pictorialista busca destituir a fotografia de sua função original - sua precisão objetiva e documental - para produzir a individualidade e o foco flexível do desenho e da pintura. [...] foi devido a fotografia que a pintura se libertou da responsabilidade de retratar a realidade, buscando novos meios de visualizações e expressões, dando início ao impressionismo e futuramente outros movimentos. Por outro lado, a fotografia com intuito de se afirmar no meio da arte, emprestou da pintura, técnicas e composições, seja utilizando-se de modelos de gêneros pictóricos ou de recursos técnicos que lhes proporcionassem a artisticidade que lhe faltava. (SIQUEIRA et al, 2016, p.07) No decorrer do século XIX, os fotógrafos pictorialistas abandonaram a imagem técnica e se dedicaram na construção da fotografia como meio artístico 15 e subjetivo, transmitindo suas próprias realidades e visões de mundo. O processo de desenvolvimento desse movimento contou com diversas técnicas como a exploração de novos ângulos e enquadramentos, dos desfoques, da manipulação de negativo por meio de raspagens e pinturas, do uso da goma bicromatada, da planotipia, da heliogravura, dos efeitos de revelação, entre outros (SIQUEIRA et al, 2016). Através desses métodos e artifícios, era conferido na prática valores da pintura e possibilitando a criação de obras únicas e dificilmente reprodutíveis. Essa singularidade investida na imagem pela intervenção e manipulações manuais no procedimento técnico era uma tentativa de atribuir às fotografias uma “aura” já existente na pintura. (BRACCHI, 2011) O Pictorialismo ganhou força nos trabalhos de fotógrafos como Alfred Stieglitz, criador da Revista Camera Work. Edward Steichen, que vendeu uma cópia de sua obra “The Pond-Moonlight” num leilão de fotografia por 2,9 milhões de dólares. Robert Demachy, o qual foi um notório teórico do Pictorialismo, publicou suas obras e diversos artigos. Outros nomes como Alvin Langdon Coburn, Henry Peach Robinson e Frank Eugene também empregaram sua criatividade para fazer a fotografia não parecer fotografia. Figura 1 - “Georgia O’Keeffe—Hands and Thimble”, Alfred Stieglitz, 1919. Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/267460 https://www.metmuseum.org/art/collection/search/267460 16 Figura 2 - “The Pond-Moonlight”, Edward Steichen, 1904. Fonte: https://artsandculture.google.com/asset/moonlight-the-pond-edward- steichen/jAG_bd9HUo0oyw Figura 3 - “Struggle”, Robert Demachy, 1904. Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/289550 https://artsandculture.google.com/asset/moonlight-the-pond-edward-steichen/jAG_bd9HUo0oyw https://artsandculture.google.com/asset/moonlight-the-pond-edward-steichen/jAG_bd9HUo0oyw https://www.metmuseum.org/art/collection/search/289550 17 Figura 4 - “Adam and Eve”, Frank Eugene, 1910. Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/260240 E um dos poucos nomes femininos do movimento pictorialista foi a britânica Julia Margaret Cameron (1815-1879), retratista e precursora da fotografia alegórica, que, na época, era pouco convencional pois suas imagens apresentavam um forte viés cênico e subjetivo. Sua carreira começou tardia, porém, decolou rápido – ela ganhou sua primeira câmera fotográfica aos 48 anos, de uma de suas filhas (SIQUEIRA et al, 2016). Cameron retratou grandes intelectuais da época, como Charles Darwin, mas seu trabalho se aproximou do Pictorialismo por tratar seus negativos e revelações de forma experimental, o que possibilitou a exploração de diversos efeitos pictóricos. Seus retratos e, principalmente, suas cenas alegóricas inspiradas em obras literárias e religiosas trouxeram uma nova perspectiva para a fotografia – a possibilidade de criar narrativas. Em suas imagens, Cameron consegue, fascinantemente, criar atmosferas únicas através da iluminação e mesclar a teatralidade e a subjetividade de forma que suas obras sejam surpreendentes até os dias atuais. https://www.metmuseum.org/art/collection/search/260240 18 Figura 5 - “I Wait”, Julia Margaret Cameron, 1872. Fonte: https://www.mutualart.com/Artwork/I-Wait--Rachel-Gurney-/B4E75A963067F698 Figura 6 - “The Parting of Lancelot and Guinevere”, Julia Margaret Cameron, 1874. Fonte: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/269583 https://www.mutualart.com/Artwork/I-Wait--Rachel-Gurney-/B4E75A963067F698 https://www.metmuseum.org/art/collection/search/269583 19 O Pictorialismo teve papel fundamental no campo de reflexões e discussões teóricas em torno da fotografia como uma arte visual específica, bem como influenciou decisivamente no debate sobre as relações entre fotografia e arte contemporânea. O movimento pictorialista contou não apenas com a produção e exposição de fotografias, mas também foi imprescindível o esforço de muitos fotógrafos na publicação de artigos e livros que elucidassem o fato de que o ato fotográfico transcende a simples imitação mecânica da realidade. Permitiu que os fotógrafos exponham sua visão de mundo e estampe em seus trabalhos a sua personalidade, tornando a forma de expressão de um artista, logo, uma obra de arte, capaz de provocar sentimentos e interpretações. 20 1.2 FOTOGRAFIA COMO OBRA DE ARTE Como foi abordado anteriormente, desde a invenção da câmera fotográfica, gradualmente, os fotógrafos foram se libertando do caráter unicamente documental e realista de registro, e começaram a caminhar por campos onde a sensibilidade artística se revela. A fotografia, ao ser influenciada pela pintura, provocou diversas mudanças no cenário da arte, e com o advento da tecnologia digital passou, novamente, por profundas transformações. Atualmente, a fotografia e a arte seguem se cruzando em seus caminhos. Com a evolução tecnológica e fotográfica novas formas de expressão artística surgem, ressignificando fundamentos tradicionais e interagindo com o novo, trilhando novos percursos e ocupando, hoje, seu lugar na arte contemporânea. (DE ALMEIDA ITO, 2018). Um dos resultados da união entre a fotografia e a arte, na contemporaneidade é a fotografia Fine Art. Sua definição é ampla e subjetiva. No meio fotográfico, “Fine Art” é uma expressão mais conhecida quando se trata de uma técnica de impressão especializada, onde a imagem é tratada afim de atingir um nível estético de excelência, é editada e impressa na mais alta qualidade gráfica, sendo a revelação a obra final, independente da temática (SALLES, 2018). Esse processo é feito para que a capacidade da imagem de sensibilizar os sentidos não seja afetada, assim, dá as fotografias a condição de serem expostas em galerias e museus. A expressão também pode designar as próprias exposições e mostras fotográficas, e o mercado de colecionadores de fotografia. Da mesma forma, pode ser considerada Fine Art uma fotografia que, simplesmente, cumpra os critérios mínimos de qualidade em noções técnicas, como - composição, enquadramento e iluminação. Teoricamente fundamentadas nas críticas das belas artes, mas que, nem sempre, possuem um contexto ou uma narrativa, tornando-se mais impessoal. Assim, uma grande quantidade de fotógrafos faz uso equivocado do termo a fim de “sofisticar” seus trabalhos e, supostamente, agregar mais valor comercial (SALLES, 2018). Há uma outra aplicação para o termo Fine Art, o qual é abordado e utilizado na presente pesquisa. Trata-se de um estilo fotográfico específico: a Fotografia Fine Art, que é a prática da fotografia sem caráter comercial, ou seja, é diferente 21 da fotografia usada para atender as demandas mercadológicas estabelecidas previamente. Na fotografia Fine Art, o autor é o elemento principal na criação da obra, que é definida exclusivamente pelas suas experiências pessoais e psicológicas, o qual tem total controle desde o processo criativo até o resultado final. Esse estilo é caracterizado pelo conteúdo fantasioso, sensível e artístico das produções (BITTENCOURT, 2017). Figura 7 e 8 – Fotografias de Danny Bittencourt. Fonte: http://finephoto.com.br/danny-bittencourt/ A fotografia Fine Art popularizou-se no meio digital e rapidamente vem ganhando força e espaço na fotografia contemporânea através das redes sociais, principalmente na plataforma do Instagram. Embora seja uma imagem autoral, com a intenção de ser uma obra de arte destinada a expressar a visão particular do artista, ela necessita de uma fundamentação clara, estudos aprofundados, construção teórica e dedicação para aprendizagem, senão torna-se facilmente uma imagem vazia e sem significados. O interesse por esse campo tem crescido consideravelmente, porém, não se tem dados de quando esse estilo de fotografia surgiu e quem são seus pioneiros, nota-se que são poucos os textos acadêmicos que trazem esse termo, e a falta de bibliografias acessíveis dificulta o estudo, desvirtua o real significado e os limites para definição desse segmento (BITTENCOURT, 2017). Por mais que a fotografia Fine Art seja considerada não-comercial não quer dizer que ela não possa ser comercializada, o fato é que ela foi criada para expressar uma poética pessoal do autor, o ideal seria que as considerações de marketing e potencial de venda aconteçam após o resultado final da imagem (SALLES, 2018). O foco e a essência da fotografia Fine Art devem ser dirigidos http://finephoto.com.br/danny-bittencourt/ 22 para expressão da visão do artista e seu conteúdo emocional, se manifestando através da composição da cena. A ênfase desse tipo de fotografia está na qualidade e não na quantidade, pois o processo de criação da obra também deve ser um ato de reflexão. Com seu caráter artístico e sensível, a fotografia Fine Art tem a intenção de transportar, metaforicamente, o espectador para um mundo diferente - adentrando na atmosfera de fantasia criada pelo artista. Dentre os fotógrafos percebe-se tendências distintas, uma grande parcela deles trabalha com a construção de uma narrativa, usando as fotos para contar histórias. Outra porção desses artistas são inspirados pela pintura e movimentos artísticos clássicos - como Renascimento, Barroco, Surrealismo, entre outros, e compõem aspectos da arte contemporânea como o citacionismo, que revisita estéticas de escolas e movimentos da história da arte para produzir imagens na contemporaneidade. Compreende-se, dessa forma, que a fotografia Fine Art é resultado da aliança entre a arte e a fotografia, e foi através dessa junção que a fotografia começou a ser vista como forma de expressão. Segundo Bittencourt (2017), nesse segmento da fotografia, o trabalho plástico e criativo são ferramentas essenciais para a expressão do artista, para isso, deve-se considerar como base a concepção de uma poética e a construção de significados, a partir de um estudo teórico profundo. Figura 9 e 10 – Fotografias de Roberta Guido. Fonte: imagens cedidas pela artista 23 A Fine Art é especialmente caracterizada por exaltar o impulso emocional e a criação de narrativas, porém, isso vai muito além da escolha do que fotografar e utilizar, o autor precisa de ideias concisas que ajudem a elaborar seu projeto e expressar sua visão de mundo. Desse modo, o mesmo é responsável por desenvolver todas as etapas tais como pesquisa, referências teóricas e estéticas, produção e pós-produção. Com a passagem da fotografia analógica para a digital, a manipulação e a preparação da imagem foram facilitadas e seu tempo de produção foi reduzido. As decisões e alterações feitas após a obtenção das imagens são chamadas de pós-produção, na fotografia Fine Art é nessa etapa que os fotógrafos lapidam suas ideias para traduzir suas reais intenções. Essas manipulações digitais feitas nas fotografias são semelhantes ao trabalho que era feito artesanalmente pelos pictorialistas, a foto se torna plástica assim como a pintura. No lugar de alterar o negativo revelado das fotografias, atualmente, as edições são feitas no arquivo RAW da imagem, que é o arquivo “bruto” e preserva a qualidade máxima que a câmera digital registra (DE ALMEIDA ITO, 2018). Figura 11 e 12 – Fotografias antes/depois de Isabella Mariana. Fonte: imagens cedidas pela artista Sendo assim, a pós-produção é uma etapa importante para que a criação da imagem aconteça, é um processo criativo que não possui regras a serem seguidas e cada fotógrafo possui sua própria técnica de trabalho. Com as possibilidades da fotografia manipulada digitalmente não se pensa apenas no 24 registro do mundo real, e sim uma imagem que pode ser trabalhada como obra de arte e vista como um resultado da contemporaneidade, em que a fotografia pode captar muito mais significado e pode ser transformada nas mais diversas cenas fantasiosas (SHIMABUKURO, 2017). A fotografia de Fine Art gera imagens que arquitetamos no nosso imaginário, e a partir dessa idealização buscamos transmiti-las através de nossas capturas. A vertente desse estilo, possibilita uma vasta liberdade ao fotógrafo para a criação e o desenvolvimento de suas ideias, possibilitando que a arte e a fantasia estejam presentes em suas imagens fotográficas e expressas como nas obras finais desta pesquisa, que são autorretratos. Os autorretratos traduzem da melhor forma o conceito do estilo da fotografia Fine Art, pois o autor está completamente envolvido no processo, transmitindo uma visão de si mesmo sobre suas próprias questões, um processo intenso de reflexão e autoconhecimento. Por fim, ainda é difícil encontrar uma definição clara e objetiva para a fotografia Fine Art – talvez a ideia seja essa: não ter uma definição clara nem objetiva. A maior diferença entre ela e a fotografia comum é a finalidade. A fotografia Fine Art é produzida a partir das inquietações e vivências do fotógrafo, não a partir de uma encomenda do cliente, por exemplo, mas isso não é uma regra - veremos que as fotógrafas entrevistadas do próximo capítulo, Danielle Alves e Nathália Haucke, trabalham lindamente trazendo as ideias e sentimentos de seus clientes através de suas próprias poéticas. Apresento a seguir, também, as fotógrafas Roberta Guido e Isabella Marina cujo os trabalhos ilustram este capítulo (figuras 9, 10, 11 e 12). 25 1.3 REFERÊNCIAS ESTÉTICAS Como foi visto no item anterior, para a produção da fotografia Fine Art é essencial uma profunda construção teórica e estética para que haja a concepção de uma poética e a construção de significados nas imagens. A busca por referências estéticas, na maioria das vezes, faz parte do processo criativo do artista, independente do meio de expressão. São utilizadas como inspiração e guia, mas nunca como cópia. A visão de mundo e as experiências pessoais do autor devem sempre prevalecer como elemento principal da fotografia Fine Art. Nas minhas pesquisas pessoais e acadêmicas tive contato com o belíssimo trabalho de quatro jovens fotógrafas brasileiras - Danielle Alves (@quazar_), Nathália Haucke (@nathifotos), Roberta Guido (@betaguido) e Isabella Mariana (@isaclouds). Tive a oportunidade de conversar virtualmente com cada uma delas, das quais, as duas primeiras artistas, Danielle Alves e Nathália Haucke, aceitaram participar deste trabalho através de uma breve entrevista e cederam fotografias para compor a mesma. E as duas últimas, Roberta Guido e Isabella Mariana, cederam gentilmente duas imagens cada para ilustrar o tópico anterior (figuras 9, 10, 11 e 12). Essas quatros talentosas fotógrafas de Fine Art, que me trataram com extrema simpatia, integram minhas referências estéticas pessoais e do presente trabalho. Fiz questão de trazer apenas mulheres artistas pela sororidade e representatividade, cada uma apresentando sua poética, técnica e estilo pessoal, mas todas nós compartilhamos as dificuldades do mercado profissional e a beleza do universo da fotografia Fine Art. Roberta Guido é autora das figuras 9 e 10. A bióloga e fotógrafa, do Rio de Janeiro-RJ, conta em seu site pessoal que suas fotografias Fine Art reúnem os contos de fadas, as artes e a natureza com o propósito de usar a imaginação e criar momentos, histórias e experiências únicas. As figuras 11 e 12 são da fotógrafa conceitual e professora Isabella Mariana, de Curitiba-PR, em seu site a artista expõe que sua fotografia é sobre arte e emoção, através delas comunica quem ela é e suas ideias, a fim de gerar inspiração. 26 Danielle Alves e Nathália Haucke, após contatá-las por mensagem via WhatsApp, aceitaram atenciosamente responder algumas perguntas sobre fotografia Fine Art para compor o presente trabalho. Então formulei algumas questões, procurando ser leve e não tão formal a fim de deixá-las à vontade. Enviei as mesmas perguntas para ambas as artistas, disse a elas para responderem sem pressa e que me retornassem com as respostas quando fosse possível. As perguntas elaboradas foram as seguintes: • Uma breve apresentação sobre você. 1. Diante de um campo tão amplo que é a fotografia, o que te fez escolher e explorar o nicho da Fine Art? 2. Suas fotografias Fine Art possuem um estudo conceitual e simbólico prévio? 3. Qual mensagem você deseja transmitir através das fotografias Fine Art? 4. O que a Fine Art te permite realizar no âmbito pessoal? 5. No âmbito comercial, como é o processo criativo e a sua relação com o/a cliente? Como você expressa sua poética através da expectativa/desejo do/a cliente? 6. Para finalizar, na sua opinião, como você define a fotografia Fine Art? De Campinas-SP, a fotógrafa Danielle Alves de 25 anos, em entrevista, diz que a inspiração de suas fotografias Fine Art vem de sua visão sensível dos movimentos artísticos históricos, como o Barroco e o Renascimento. A partir de uma mistura das características dos mesmos com sentimentos diversos ela cria sua própria arte através da fotografia, “levando o ato de registrar mais próximo de algo que seria criado apenas em nossa imaginação e no mais profundo sentimento que a narrativa criada propõe.” (ENTREVISTA, 2021, p. 1). Dentre variados estilos e ramos da fotografia, a fotógrafa diz que escolheu o nicho da fotografia Fine Art pela liberdade de criação de fazer o que gosta, ela sente que seu público abraça suas ideias e desejam fazer parte da sua arte. 27 Figura 13 – Fotografia de Danielle Alves. Fonte: imagem cedida pela artista A fotógrafa e atriz Nathália Haucke, de Porto Alegre-RS, tem 22 anos e é estudante de Artes Cênicas na UFRGS, trabalha com ensaios artísticos e de Fine Art além de atuar em peças de teatro, cinema e propaganda. Ela conta que antes de se apaixonar pela fotografia, ela se encantou pelo palco e viu na Fine Art o nicho perfeito onde ela pode juntar o Teatro e a Fotografia, assim, expandiu sua arte também para outras pessoas. Como vimos anteriormente, a fotografia de Fine Art para se denominar como tal é necessário que o autor tenha como finalidade a expressão de seus sentimentos e experiências pessoais. De qualquer modo, é preciso aliar um conhecimento técnico e teórico para o desenvolvimento de um conceito artístico da fotografia, que pode ser algo explicitado pelo seu discurso ou estar introduzido na própria concepção da imagem. 28 Perguntei para Danielle Alves e Nathália Haucke se suas fotografias Fine Art possuem um estudo conceitual e simbólico prévio. Danielle respondeu que sim e não, que muitos de seus projetos iniciais precisaram de um estudo mais aprofundado sobre algum assunto específico, mas muitos foram apenas obras de sua imaginação que ela quis criar a partir disso. Já para Nathália, que respondeu que sim, diz que valoriza que seus ensaios sejam uma experiência única e sob medida, por isso, ela refina a proposta, narrativa, poéticas e metáforas da obra através de consultoria artística com seus clientes. Na terceira questão, as fotógrafas contam qual mensagem desejam transmitir através das fotografias Fine Art. Danielle, atualmente, foca seu trabalho em mulheres, então seu desejo é que as mulheres que ela fotografa se sintam maravilhosas e vejam o quão são bonitas e deusas, e com isso, inspire e incentive outras mulheres a sentirem o mesmo. Nathália gosta de contar as histórias de seus clientes através da arte, ela valoriza que seus clientes se sintam protagonistas da própria história sem se limitar ao óbvio, afinal, para ela, histórias profundas merecem uma narrativa profunda. Figura 14 – Fotografia autorretrato de Nathália Haucke. Fonte: imagem cedida pela artista 29 Perguntei a elas: “o que a Fine Art te permite realizar no âmbito pessoal?”, Danielle trouxe novamente a questão da liberdade, ela conta apesar das responsabilidades, como todo trabalho, trabalhar com algo que te liberta tira um pouco de peso das costas e da cabeça, melhorando a qualidade de vida em geral pois ela tem mais convicção do que faz, além de ter a oportunidade de conhecer lugares e pessoas novas. Nathália diz que a fotografia Fine Art a permite realizar seus sonhos e viver da arte com tranquilidade financeira, uma vez que o seu produto é um diferencial no mercado fotográfico. Dentre as multiplicidades de conceitos a fim de definir a fotografia Fine Art, encontramos o parâmetro de ser uma fotografia sem viés comercial, ou seja, as demandas mercadológicas não devem interferir no processo criativo do autor, o qual deve ser o elemento principal da obra. Porém, não há impedimentos para que a fotografia Fine Art não seja comercializada, vemos como exemplo as duas fotógrafas entrevistadas. Figura 15 – Fotografia de Danielle Alves. Fonte: imagem cedida pela artista 30 Perguntei a elas, como é a relação com seus clientes e como lidam com suas expectativas diante de seu trabalho. Nathália respondeu que através de suas reuniões de consultoria artística com os clientes ela consegue criar algo único e personalizado e, a partir do que a pessoa compartilha com ela, há a construção da "persona", da narrativa, das poéticas e das metáforas utilizadas das imagens. Já Danielle deu a seguinte resposta: Eu acredito que quem trabalha com fotografia artística e Fine Art vende um pouco de si junto com o trabalho. Hoje, como eu consigo colocar muito de mim e do que eu acredito nas minhas produções, a maioria do que eu vendo é algo único e especial para cada cliente, isso agrega muito valor emocional e particular a cada um. Eu vendo uma ideia e instigo o público a se imaginar nela. Eu foco não só em pessoas que já admiram esse tipo de arte, mas também em pessoas que talvez nunca tenham pensado em fazer um ensaio artístico/fine art ou tão pouco sabiam da existência desse tipo de fotografia. A ideia é sólida, é única, mas eu moldo ela de acordo com o jeito de cada pessoa, de acordo com o gosto de cada uma (suas cores favoritas, o sentimento que ela quer passar, a motivação pra fazer o ensaio, etc Para finalizar a entrevista e este capítulo pedi a Danielle Alves e a Nathália Haucke para definirem, na opinião delas, o que é a fotografia Fine Art. E compartilho a seguir a resposta da Danielle: No meu entendimento, as fotografias se enquadram na categoria de arte quando o processo de pensamento por trás da criação da foto transcende o assunto real. Não é mais somente uma fotografia de si, uma fotografia de alguém, de um lugar ou um objeto... A finalidade daquela fotografia tem caráter artístico, desde a criação até o "porquê" dela e, principalmente, o estímulo inteiramente emocional e pessoal do fotógrafo, que levou a escolha de se criar uma representação de algo. A fotografia Fine Art é uma extensão do próprio fotógrafo/artista. (ENTREVISTA, 2021, p. 3) E Nathália deu o seguinte retorno para a questão: Discutir a definição de fotografia Fine Art é quase como discutir "o que é arte". Essa é uma pergunta que possui mais de uma resposta e nenhuma delas é "a certa". Eu acredito que a fotografia Fine Art diz respeito ao artista, e é quando este se expressa através de inúmeros recursos visuais que vão além do registro digital, como locação, iluminação, enquadramento, maquiagem, produção, indumentária, linguagem, poética, edição, etc. Tudo em prol de algo único que só o artista consegue produzir. A minha fotografia carrega o meu ponto de vista das histórias dos meus clientes, bem como os meus sonhos, alegrias, inseguranças e experiências. Neste sentido, o cliente não contrata apenas um serviço fotográfico, mas toda a minha bagagem cultural e forma de ver o mundo. (ENTREVISTA, 2021, p. 4) 31 Figura 16 – Fotografia autorretrato de Nathália Haucke Fonte: imagem cedida pela artista Sendo assim, podemos concluir este capítulo com a ideia que a fotografia Fine Art, apesar de todas as suas definições, prevalece o conceito de ser uma imagem com caráter pessoal e artístico, onde predomina a visão de mundo e as experiências do artista. Com esta pesquisa espero estar contribuindo para aumentar o volume de referências estéticas e teóricas sobre a fotografia Fine Art, que ainda e tão escassa, e também, apresentar e dar visibilidade ao trabalho de quatro mulheres fotógrafas tão incríveis e talentosas. *(Todas as informações e imagens utilizadas foram cedidas e autorizadas pelas fotógrafas: Danielle Alves, Nathália Haucke, Roberta Guido e Isabella Mariana). 32 CAPÍTULO II 33 2.1. CONCEITO Esta pesquisa surgiu inicialmente a partir de um desejo pessoal de autoconhecimento e uma maior conexão comigo mesma. O autoconhecimento consiste, essencialmente, num trabalho permanente de consciência e percebimento de si mesmo, da vida em geral e suas relações. A ferramenta básica para isso é a auto-observação. É fundamental observar o corpo, as emoções e os pensamentos, pois o autoconhecimento não vem de informações externas ou de conhecimento informativo, mas sim vem de dentro e só depende de nós mesmos para despertá-lo. (RESENDE, 2010). O autoconhecimento, que não é técnico, informativo ou acumulativo, brota de dentro. Nada tem a ver com o ato de se incutir informações no cérebro, de adquirir conhecimento de fora, e nem mesmo com crenças baseadas em experiências passadas, mas diz respeito a um florescer da consciência livre, daquela que percebe estes condicionamentos ou limitações mentais e naturalmente os descarta. (RESENDE, 2010, p. 13) Esse autoconhecimento, mesmo que inconscientemente, está presente em nós, e essa conexão consigo é um mergulho nas profundezas do seu inconsciente, a percepção dos nossos sentimentos mais profundos, medos, traumas e emoções. É nesse processo de se observar que nos tornamos protagonistas pela nossa transformação, fomentando diversos potenciais que estavam até então soterrados. Assim, ao escolher trilhar o caminho do coração e da intuição estamos seguindo no caminho do autoconhecimento, na busca pela nossa melhor e pior versão, e nessa intensa imersão dentro de si teremos infinitas descobertas, e a melhor dádiva é o encontro consigo mesma, com sua essência. Quando escolhemos fazer esse mergulho dentro de si e iniciar a jornada em busca pelo autoconhecimento estamos caminhando em direção ao nosso Sagrado-Feminino, e esse encontro com o sagrado interior é uma experiência transformadora do viver e de suas relações. O conceito de Sagrado-Feminino se constrói a partir da reconexão consigo mesma como fonte de integração ao seu poder interior e sua totalidade. É um movimento de despertar, de cura e de empoderamento. É um universo de inquietações e esclarecimentos. Conscientizar-se e ir em busca desse conhecimento interior é perceber a necessidade pelo resgate da natureza feminina, seus ciclos e sua integridade. (MACHADO, 2020). 34 Ao longo dos séculos do patriarcado, a mulher foi sacrificada, submissa, domesticada, violentada, limitada, sua natureza instintiva feminina foi esmagada e foi perdendo cada vez mais sua essência selvagem e primária. Tal essência, reprimida institucionalmente e socialmente por padrões, costumes, casamentos, governos e leis de uma sociedade moralista a qual impera o machismo, resultando em feridas profundas no corpo e na psique das mulheres. A partir desse momento é perceptível que a história da mulher é marcada pela desconexão com sua essência, com sua natureza, e com o Sagrado- Feminino. Desse modo, na década de 1960 a forte onda de movimentos sociais, políticos e econômicos representaram até hoje a constante necessidade de a mulher precisar reafirmar sua capacidade e potencialidade de ocupar seu lugar na sociedade. Essa luta por equidade, incentivou inúmeras mulheres a se aliarem ao movimento feminista o que resultou em uma união que possibilitou o início de um despertar de consciência feminino (MIRANDA et al, 2020). O Sagrado- Feminino, seus estudos e práticas, vem respondendo a sociedade machista através do empoderamento e libertação por meio do resgate dos saberes sagrados e da intuição. Nessa questão o movimento vira-se para dentro, na busca pelo autoconhecimento e desenvolvimento interno. (MACHADO, 2020). A pílula anticoncepcional, por exemplo, quando começou a ser comercializada na década de 60 foi um grande marco para a liberdade sexual das mulheres e uma conquista muito valiosa para o movimento feminista, hoje o panorama é diferente, temos mais conhecimento dos inúmeros malefícios e riscos da pílula hormonal. A libertação do anticoncepcional, para mim, foi essencial para conseguir me conectar com meu próprio corpo e conhecer minha natureza cíclica e sagrada. Muitas de nós, mulheres contemporâneas, ainda vivemos, mesmo que inconscientes, baseadas nesses padrões da sociedade patriarcal, afastadas do nosso poder pessoal e dos nossos instintos. Cada dia mais, esse sufocamento faz surgir sintomas cada vez mais comuns como bloqueio criativo, medo e fragilidade, sentimento de um vazio que não se preenche. Os arquétipos, mitos, histórias e contos de fadas, se compreendidos, nos fornecem um guia com instruções sobre os processos e obstáculos que compõe a jornada da vida, tanto na prática quanto para seu atual 35 desenvolvimento psíquico, eles proporcionam uma maior percepção para que possamos enxergar o caminho deixado por nossa natureza selvagem. Tais instruções contidas nas histórias nos conduzem cada vez na direção do autoconhecimento, confirmando que o caminho não chegou ao fim e com a intenção de fazer o resgate desse passado como forma de alcançar a verdadeira libertação. (ESTÉS, 2018) Além do apelo universal e da grande influência cultural que exerce, os mitos se destacam de outras narrativas pelo componente sagrado que lhes é atribuído; e mesmo que muito tempo se passe desde que alguma cultura de fato reverenciasse os eventos e figuras divinas neles descritos, o elemento sagrado permanece sensível, pois confere à história um sentido profundo, de algo que oferece uma revelação ou nova compreensão sobre a realidade imediata. (DAMM, 2019, p. 9) Com esse propósito, em 1992, Clarissa Pinkola Estés publicou seu mais famoso livro, o qual marcou o início da minha jornada de autoconhecimento e fundamentou teoricamente a presente pesquisa: “Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem”. Psicanalista junguiana, intelectual, escritora, poetisa premiada e contadora de histórias, a autora reúne no referido livro contos de fadas, mitos, fábulas, histórias folclóricas e ancestrais onde todos os personagens são representações de arquétipos que habitam a psique feminina, com o objetivo de compreender a vida instintivas dos seres humanos e nos mostrarem caminhos para lidar com diversas problemáticas, situações e jornadas psicológicas sob um viés estritamente feminino. O fio condutor do livro associa o fato de que a mulher foi domesticada ao longo dos séculos dentro do patriarcado e sua natureza selvagem e instintiva foi reprimida, por conta disso, a ideia de Estés é que as mulheres precisam reconectar-se com o arquétipo Mulher Selvagem. O estudo da psicologia dos arquétipos foi desenvolvido por Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra e psicoterapeuta suíço, pai da psicologia analítica, criador do conceito de arquétipos e inconsciente coletivo, além de propor uma teoria mais profunda e complexa sobre a compreensão da psique humana. De acordo com Jung é no inconsciente coletivo que são originados e armazenados os mitos e os arquétipos. O mito é um elemento universal, e os arquétipos são um conjunto de “imagens primordiais” decorrente de uma repetição progressiva de 36 uma mesma experiencia durante muitas gerações, os quais são personagens e símbolos recorrentes na mitologia, nas artes e nos sonhos. Através do estudo dos arquétipos podemos compreender o que há de mais relevante em cada representação, que vai além da cultura e do indivíduo que o manifesta. (DAMM, 2019) Arquétipo (ou imagens primordiais) é uma organização das formas primitivas e inatas que foram derivadas da herança do espírito humano, ao longo da história da evolução, levando em consideração, o desenvolvimento biológico, pré-histórico e inconsciente da mente humana primitiva, na qual se aproxima a psique humana à dos animais. Desta forma, o arquétipo compreende uma tendência instintiva que se presentifica através da imagem simbólica. As imagens coletivas e os motivos mitológicos têm a sua base na mente primitiva, sendo que os arquétipos criam as religiões e mitos. (JUNG apud MARTINS, 2006, p.17) De acordo com Estés (2018), ao lidarmos com as histórias estamos trabalhando com a energia arquetípica, esse contato com os arquétipos nos modifica de alguma forma. Se não houver modificação, então não houve contato real com o arquétipo. Por isso, ela diz ser uma grande responsabilidade transmitir uma história, pois se recebida num momento errado pode gerar efeitos não desejados. Essa é a natureza dos arquétipos, eles se misturam nas ideias e sonhos das pessoas, onde se tornam um tema universal, um conjunto de instruções, permanecendo e cruzando o tempo e o espaço por cada nova geração. Assim, Estés (2018) juntou as técnicas da psicologia junguiana e seus estudos antropológicos de culturas ao redor do mundo e, através dos mitos e história, ajudar no entendimento da natureza do arquétipo da Mulher Selvagem. O Selvagem é um ponto de contato com a vibração da natureza que pulsa em cada ser. Os aspectos naturais que habitam o vivente revelam um princípio de organização e formam a consciência. Por isso, o perigo do Selvagem encontra-se com a negação de seu poder. (MARTINS, 2006, p. 17) O arquétipo da Mulher Selvagem emana do inconsciente coletivo. É uma forma de personalizar o Sagrado-Feminino, pois é a alma e a origem de todas as facetas importantes da feminilidade, tendo diferentes nomes em povos distintos (MARTINS, 2006). Ela é aquela que se aventura em seguir sua percepção e seu coração, ela é a guia para o encontro com sua totalidade. Ela desafia o poder, tem a ousadia de uivar, mas também de dominar o silêncio. Ela encontra a força no seu interior e exerce sobre si o domínio, reconhecendo suas sombras e limites. 37 O que os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm em comum? [...] percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha. Têm experiência para se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e extrema coragem (ESTÉS, 2018, p.16). Mesmo sem saber, todas as mulheres domesticadas e reprimidas pela cultura sentem falta destas características. De acordo com Estés (2018), a perda do contato com natureza instintiva cria na personalidade da mulher um distanciamento de sua força natural. O resgate de sua natureza feminina deve ir ao encontro do desejo da conexão e integração consigo mesma, isso permite uma consciência de si e de sua alma, bem como ideias, sentimentos, impulsos, recordações e o potencial criativo. Desse modo, ir ao encontro da Mulher Selvagem é retornar a si mesma (MARTINS, 2006). A princípio, o tempo passado com a Mulher Selvagem é difícil. Recuperar o instinto ferido, eliminar a ingenuidade e, com o tempo, aprender os aspectos mais profundos da psique e da alma, guardar o que tivermos aprendido, não voltar as costas, defender aquilo que representamos… tudo exige uma resistência mística e infinita. Quando emergimos de volta do outro mundo depois de uma das nossas incursões por lá, por fora pode parecer que não mudámos, mas por dentro reconquistamos um vasto território feminino e selvagem. Na superfície, ainda somos simpáticas, mas debaixo da pele decididamente não somos mais mansas. (ESTÉS, 2018, p.508) Portanto, ao olhar para dentro de nós mesmos estamos no caminho do autoconhecimento. O arquétipo da Mulher Selvagem “vibra na consciência do feminino a partir do encontro com o sagrado que habita em cada um, desabrochando a essência humana” (MARTINS, 2006, p. 16). Despertar sua Mulher Selvagem é viver o Sagrado-Feminino, é, também, tomar consciência dos arquétipos das Deusas que habitam dentro de nós, e, assim, nos tornarmos efetivamente protagonistas de nós mesmas. As mulheres costumam não ter consciência que são influenciadas por poderosas forças que atuam no seu íntimo, esses poderosos padrões internos - os arquétipos, podem ser personificados pelas Deusas gregas. O conhecimento delas a partir da manifestação dos conteúdos arquetípicos contidos em cada uma, torna-se possível um novo ramo de compreensão da rica e profunda psique da 38 feminina, que, intuitivamente, reconhecemos em nós e nas mulheres à nossa volta. Com esse intuito, a psiquiatra e analista junguiana Jean Shinoda Bolen, em seu livro “As Deusas e a mulher: nova psicologia das mulheres” (1990) investigou a relação entre a mitologia e a psicologia a fim de proporcionar às mulheres um meio de conhecerem a si próprias. A autora considera nas antigas Deusas gregas arquétipos constantemente presentes na personalidade feminina, e compreender quais Deusas são as forças dominantes no seu íntimo é possível alcançar o autoconhecimento e a integridade (BOLEN, 1990). Essa é a proposta de Bolen, de acordo com o modo como elas atuam psicologicamente, as sete deusas que a autora descreve - Ártemis, Atenas, Héstia, Hera, Deméter, Perséfone e Afrodite são ainda hoje sete possibilidades excludentes da mulher. Conhecer a mitologia das mulheres é buscar uma reflexão sobre todas as Deusas que estão presentes dentro de nós. Qual é a mais prevalecente? Onde elas nos tocam? Qual é o nosso mito pessoal? Esta é basicamente a proposta de Bolen e a minha com este trabalho. Durante séculos, “Deus” foi sempre referenciado no masculino. Em tempos pré-patriarcais na velha Europa, há registros que viveu e era cultuada uma divindade feminina imortal, constante e onipotente, relacionada a natureza e fertilidade, criadora e destruidora da vida - a Grande Deusa, a Grande Mãe. Com o tempo e as invasões dos indo-europeus, foi imposta a cultura patriarcal e os símbolos e poder que um dia foram investidos nela, foram fragmentados em muitas Deusas menores, recebendo cada uma delas atributos que um dia haviam pertencido a ela. Cada uma das sete Deusas veio dessa fragmentação, juntas elas constituem o conjunto total das qualidades humanas (BOLEN, 1990). Os deuses mais famosos eram os doze olímpicos. Seis deuses: Zeus, Poseidon, Hades, Apolo, Ares, Hefesto; e seis deusas: Héstia, Deméter, Hera, Ártemis, Atenas e Afrodite. Uma das doze, Héstia, deusa da lareira, foi substituída por Dioniso, deus do vinho, mudando, portanto, o equilíbrio masculino/feminino para sete deuses e cinco deusas. Os arquétipos que estou descrevendo neste livro são as seis deusas olímpicas - Héstia, Deméter, Ártemis, Atenas e Afrodite - mais Perséfone, cuja mitologia é inseparável da de Deméter. Dividi essas sete deusas em três categorias: as deusas virgens, as deusas vulneráveis e as deusas alquímicas ou transformativas. As outras duas categorias são designações minhas. Modos de consciência, papéis preferidos e fatores 39 motivadores são características distintas de cada grupo. Atitudes em relação aos outros, necessidade de afeto e importância dada aos relacionamentos também são diferentes em cada categoria. As deusas, representando três categorias diferentes, necessitam de expressão em algum lugar na vida da mulher, para que ela possa amar profundamente, trabalhar significativamente, e também ser sensual e criativa. (BOLEN, 1990, p. 24-25) As Deusas virgens apresentam e personificam aspectos independentes e autossuficientes da psique das mulheres, elas compartilham a característica da “consciência enfocada”. As três Deusas que compõem esse grupo são: Ártemis, Atenas e Héstia. Diferentemente das outras, essas três não eram suscetíveis de se enamorarem, os relacionamentos amorosos não eram considerados importantes, não pertenciam a ninguém, e por isso foi utilizado o termo “virgem” - “elas nunca se casaram, nunca foram dominadas, seduzidas, violadas ou humilhadas pelas divindades masculinas ou pelos mortais. Permaneceram intactas, invioladas” (BOLEN, 1990, p. 40). Eram puras e intocáveis, representam nas mulheres o impulso interior para buscarem e persistirem no que realmente importa para elas, não dependem do desejo nem da aprovação de outra pessoa, perseguem seus valores e mesmo com diferentes interesses e métodos de ação permanecem enfocadas. “Ártemis e Atenas são arquétipos orientados para o exterior e a realização, enquanto Héstia é enfocada interiormente” (BOLEN, 1990, p. 40). Como arquétipos, as Deusas virgens são uma-em-si-mesma, motivadas pela necessidade de autonomia e capazes de manter sua atenção no que é pessoalmente significativo e verdadeiro. Ártemis e Atenas representam meta direcionada e pensamento lógico, o que as torna arquétipos de realização orientada. Héstia é o arquétipo que enfoca a atenção interior para o centro espiritual da personalidade de uma mulher. Essas três deusas são arquétipos femininos que procuram ativamente seus próprios objetivos. Elas ampliam nossa noção de atributos femininos, para incluir competência e auto- suficiência. (BOLEN, 1990, p. 25) De acordo com Bolen (1990), a segunda categoria é composta por: Hera, Deméter e Perséfone, as Deusas vulneráveis. Elas compartilham o aspecto de serem guiadas por um relacionamento significativo, e personificam os tradicionais papéis das mulheres - esposa, mãe e filha. São sensíveis, indefesas e dependem dos outros, elas exprimem a característica das mulheres precisarem de um vínculo afetivo. Em suas histórias na mitologia, as Deusas vulneráveis foram 40 vitimadas, passaram por violação, rapto, dominação ou humilhação e sofreram pela impotência, cada uma a seu modo, quando uma relação foi quebrada ou desonrada. Assim como os arquétipos, as mulheres que nas quais essas três Deusas se manifestam interiormente são vulneráveis, e possuem o atributo da percepção difusa. Dessa forma, o conhecimento e o entendimento das Deusas vulneráveis podem ajudar as mulheres a lidarem com seu modo de consciência, a fim de não serem suscetíveis a vitimação e sofrimento pelo fato serem dependentes de relacionamentos. Quando Hera, Deméter e Perséfone são arquétipos dominantes, a atração motivacional é o relacionamento, mais do que o empreendimento, a autonomia ou uma nova experiência. O enfoque da atenção é nos outros, não num objetivo exterior ou estado interior. Consequentemente, as mulheres identificadas com essas deusas são atenciosas e receptivas com os outros, são motivadas pelas recompensas do relacionamento - aprovação, amor, atenção - e pela necessidade do arquétipo: casar (Hera), alimentar (Deméter) ou ser dependente (Perséfone enquanto Core). Para essas mulheres, cumprir os papéis tradicionais das mulheres pode ser pessoalmente significativo. (BOLEN, 1990, p. 110) Na terceira e última categoria, das Deusas alquímicas, está Afrodite. Bolen (1990) criou essa classificação única e exclusivamente para ela pois, embora compartilhe algumas semelhanças com as Deusas virgens e com as Deusas vulneráveis, ela não pertence a nenhum dos dois grupos e é intrinsecamente diferente de ambas. Afrodite, a mais bonita e sedutora das Deusas, viveu muitos romances de sua própria escolha e teve a maior quantidade de parceiros, entre divindades e mortais, gerando muitos descendentes e vida nova. Fazia tudo o que lhe agradava, Afrodite nunca foi vitimada ou ludibriada, e, assim, não sofreu. Como Deusa virgem manteve sua autonomia e independência, mas era uma Deusa vulnerável nos relacionamentos. A Deusa alquímica possui uma qualidade de consciência própria, a qual a autora chama de "consciência de Afrodite”, que é, ao mesmo tempo, enfocada e receptiva. Desse modo, o arquétipo da Deusa alquímica Afrodite “motiva as mulheres a procurarem intensidade nos relacionamentos, em vez da permanência neles; motiva-as a valorizarem o processo criativo e a serem receptivas às mudanças.” (BOLEN, 1990, p. 26) 41 Portanto, As imagens simbólicas dos arquétipos enriquecem e ampliam nossa consciência; elas têm diferentes aspectos do si-mesmo, e o seu conhecimento permite à mulher compreender e desvendar seus próprios sentimentos e recuperar seu Eu. Despertar para a mitologia significa estar desperto para a realidade da vida. Atender ao chamado de cada deusa (de nós mesmos) e dos diferentes relacionamentos que ecoam em nós, descobrir-lhes o sentido e o significado em nosso cotidiano, é o caminho para resgatar nossa alma. (BOLEN, 1990, p. 7) Cada mulher possui essas Deusas em seu interior, mas sempre há algum arquétipo que nos identificamos mais, enquanto outros se manifestam menos ou ainda estão reprimidos. Há também os diversos estágios da nossa vida, e cada fase pode ter sua Deusa dominante. Em um mesmo dia, dependendo da situação, somos mais de uma Deusa. Através do autoconhecimento, que a mulher não permaneça estereotipada ou limitada pelo arquétipo de uma única Deusa, nem se sinta obrigada a vivenciar todas, mas descubra a harmonia e equilíbrio, seu próprio mito, construa sua própria história, privilegie sua escolha interior e seja dona do seu desejo de vivenciar os diferentes aspectos das Deusas e do Sagrado- Feminino em sua vida. Não deixando de ser nós mesmas, mas sendo ainda melhores. Veremos no capítulo a seguir a técnica e poética utilizada para na produção e pós-produção das imagens da série fotográfica “Deusas Interiores”, e na produção final cada imagem contém a explicação do mito e do arquétipo de cada Deusa representada. A descrição das imagens é essencial para o espectador compreender a construção das narrativas e símbolos apresentados a partir do meu ponto de vista. 42 2.2. POÉTICA E TÉCNICA A escolha do tema da presente pesquisa justifica-se em grande parte pelo aspecto pessoal, ao fato que os conceitos apresentados e estudados são assuntos muito intensos e relevantes em minha vida. Minha jornada de autoconhecimento se tornou mais profunda quando compreendi o que é o Sagrado-Feminino e busquei uma maior conexão comigo mesma. Em minhas pesquisas, sempre tive interesse e curiosidade de estudar mais a fundo sobre as Deusas, e percebi, então, que seria o momento perfeito para juntar o íntimo e o acadêmico a fim de conceber uma pesquisa que contribuiria em ambos os aspectos. Já faz alguns bons anos que descobri na fotografia minha linguagem de expressão, por mais que tenha conhecido outros caminhos sempre retornava para ela. Assim, não tive dúvidas que meu Trabalho de Conclusão de Curso seria na linguagem fotográfica. Descobrir como eu iria somar fotografia, Sagrado-Feminino e Deusas mitológicas foi o maior desafio. O livro “Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem” (2018), de Clarissa Pinkola Estés, foi um grande divisor de águas, na minha vida pessoal e para a presente pesquisa, pois nele encontrei a psicologia dos arquétipos de Carl Jung, um meio de “personificar” padrões internos e, assim, direcionei meu estudo para “As Deusas e a mulher: nova psicologia das mulheres” (1990), de Jean Bolen, que trata exclusivamente dos arquétipos das Deusas. E tudo fluiu levemente pelo caminho certo, então, comecei escrita da parte teórica e conceitual do trabalho. A decisão pela produção de autorretratos não foi a ideia inicial, mas devido a pandemia do Covid-19, que nos isolou dentro de casa, e causou não só uma transformação na rotina mundial, mas também causou grandes revoluções internas, onde o convívio em isolamento passou a ser com nosso próprio eu interior e, assim, gerou uma necessidade maior do autoconhecimento. A escolha pela produção de autorretratos foi uma junção desses dois fatores, e percebi que seria a melhor opção para retratar o tema, afinal, é o resultado de uma jornada interior e não fazia mais sentido, para mim, usar outras pessoas para expressar um tema tão pessoal. 43 A partir desse ponto, precisava buscar uma maneira de retratar os arquétipos das sete Deusas, que Bolen (1990) descreve em seu livro, através da fotografia. Então, a fotografia Fine Art veio até mim de uma forma muito discreta – eu sabia da existência desse estilo fotográfico, artístico e fantasioso, por meio do Instagram, mas nunca havia buscado seu real significado e nem testado suas técnicas. Ver os belíssimos trabalhos de Danielle Alves, Nathália Haucke, Roberta Guido e Isabella Mariana foram uma grande fonte de inspiração. Decidi que me aventuraria no mundo da fotografia Fine Art. Como disse, a fotografia Fine Art exige estudo, técnica e conhecimento, a pré-produção deve estar alinhada com a pós-produção e as imagens precisam construir uma narrativa. Como nunca havia feito nada do tipo recorri ao Youtube, onde diversos profissionais ensinam alguns caminhos para desenvolver uma boa fotografia Fine Art. Aprendi algumas técnicas de edição, como tratamento de pele e o “Dogde and Burn”, que é valorizar áreas da fotografia onde há luz e sombra para melhorar a volumetria da imagem. A partir do entendimento desses processos e analisando as referências estéticas, decidi fazer um teste para ver se conseguia dominar as técnicas para produzir série fotográfica “Deusas Interiores”. Utilizei uma fotografia antiga que fiz de uma amiga, onde havia potencial para a edição, para treinar a pós-produção. E esse foi o resultado: Figura 17- Antes/depois de fotografia tirada pela autora. 44 Após entender o processo criativo para a produção de uma fotografia Fine Art, busquei pesquisar as simbologias e padrões representativos de cada Deusa que seria retratada. No livro de Jean Bolen (1990) pude encontrar grande parte das descrições, mas, também, fiz algumas pesquisas imagéticas, o que foi essencial para a construção visual e narrativa de cada divindade. Para uma melhor organização, criei moodboards onde utilizei imagens que representavam a estética e os símbolos de cada uma das sete Deusas, além de ideias de maquiagem, penteado e figurino. Os moodboard, ou “prancha de temperamento”, são uma espécie de mural/painel que reúne elementos e referências visuais que representam a essência conceitual de um projeto. Compartilho os meus a seguir: Figura 18- Moodboard Deusa Ártemis, imagens retiradas do Google Imagens. Figura 19- Moodboard Deusa Atenas, imagens retiradas do Google Imagens. 45 Figura 20- Moodboard Deusa Héstia, imagens retiradas do Google Imagens. Figura 21- Moodboard Deusa Hera, imagens retiradas do Google Imagens. Figura 22- Moodboard Deusa Deméter, imagens retiradas do Google Imagens. 46 Figura 23- Moodboard Deusa Perséfone, imagens retiradas do Google Imagens. Figura 24- Moodboard Deusa Afrodite, imagens retiradas do Google Imagens. Então, após o aprofundamento teórico e conceitual houve a preparação e a produção dos autorretratos, os quais foram planejados nos mínimos detalhes – figurino, penteado, maquiagem, cenário e adereços. Com os moodboards como base, comecei a organizar a produção e uma espécie de direção de arte buscando roupas, objetos, antigos figurinos e adereços de ballet para compor as fotografias. Virei meu quarto de ponta-cabeça. Coloquei todas as opções possíveis sobre minha cama, e fui experimentando e testando para ver o que funcionava ou não, o que eu precisava fazer ou modificar e o que eu precisava comprar. Com o celular, fotografei as composições escolhidas, e coloquei a mão na massa para resolver o que faltava. 47 Figura 25- Processo de escolha dos figurinos e adereços. Foto tirada pela autora. Nesse processo pude contar muito com o auxílio dos meus pais, principalmente da minha mãe, que são muito criativos e me ajudaram com os improvisos. Modifiquei algumas coisas que já tinha, pintando com spray, e criei outras – como a armadura dourada usada por Atenas, na qual minha mãe, que é costureira, me ajudou a desenvolver utilizando técnicas de modelagem, cartolina dourada e fita adesiva. Figura 26 e 27- Processo de criação da armadura de Atenas. Fotos tiradas pela autora. 48 Com tudo preparado e organizado, comecei a produzir as fotos. Foi utilizada uma câmera digital Canon EOS 60D para o registro das imagens, que aconteceram em casa, devido a situação de pandemia do Covid-19. Todas as maquiagens e cabelos foram feitos por mim, gosto bastante dessa área e foi bem divertido fazer as produções. No meu quarto, usei a parede branca como fundo, posicionei a câmera no tripé e fiz uso de uma fonte de luz caseira em um cabideiro como suporte, e as fotos ocorreram num período de quatro dias intensos. Figura 28 e 29 – Ambiente da produção das fotografias. Foto tirada pela autora. O próximo passo do percurso criativo foi a seleção, edição e manipulação das imagens, as quais passaram por cuidados minuciosos para que houvesse a efetiva construção narrativa, através da fotografia de Fine Art, para contar as histórias das Deusas retratadas. Os programas de edição escolhidos foram o Adobe Lightroom para tratamento das imagens e Adobe Photoshop para a edição artística das mesmas. A fotografias são tratadas no formato RAW para melhor definição dos detalhes, e os elementos adicionais foram utilizados em formato PNG. Fiz o uso das técnicas estudadas anteriormente em conjunto com a criação da minha própria poética e interpretação dos conceitos da fotografia Fine Art. A última etapa do processo foi a finalização da parte escrita do trabalho e a descrição das imagens da série fotográfica “Deusas Interiores”, que veremos a seguir, onde apresento cada Deusa reproduzida, sua mitologia, seu arquétipo e seus simbolismos. 49 2.3. SÉRIE “DEUSAS INTERIORES” 50 ÁRTEMIS Figura 30 – Deusa Ártemis (2021). Thaís Polo. Fotografia Fine Art. 51 A Deusa Ártemis, a quem os romanos conheciam como Diana, era a Deusa grega da caça e da lua, cujo império era a natureza selvagem. Uma das três Deusas virgens, arquétipo da Grande Irmã, competidora e protetora das mulheres. Foi parteira de sua mãe, e ficou também sendo considerada como Deusa do parto, as mulheres quando iam parir oravam para Ártemis livrá-las da dor. Arqueira de pontaria impecável e defensora da prole de todas as coisas vivas. Abandonou a cidade e percorria a região da floresta com seu grupo de ninfas e cães de caça, vestida com uma túnica curta, equipada com arco e flechas ao ombro. Era associada com muitos animais selvagens que simbolizavam suas qualidades, porém, Ártemis era impiedosa com aqueles que a insultavam. Como Deusa virgem, separava-se dos homens e de sua influência, sua relação com eles era apenas fraternal. Possuía habilidade de consciência enfocada, estabelecimento e realização dos objetivos, independência, autonomia e amizade com as mulheres. (BOLEN, 1990) Mitologia - Ártemis, filha de Zeus, o líder do Olimpo e Leto, uma divindade da natureza, filha de dois Titãs. Irmã gêmea primogênita de Apolo, Deus do sol. Leto foi vítima da cólera vingativa de Hera, esposa legítima de Zeus, e quando chegou a hora de dar à luz, Hera interviu - Ártemis nasceu sem causar nenhum sofrimento à sua mãe e a ajudou no longo e doloroso parto de Apolo. Com três anos de idade, Leto levou-a ao Olimpo para encontrar Zeus, o qual ficou encantado com ela, e teve todos os seus pedidos concedidos e mais o privilégio de fazer suas próprias escolhas. Nos mitos, Ártemis agia rapidamente para proteger e salvar aqueles que pediam socorro a ela, e, também, era rápida para punir aqueles que a ofendiam. Embora seja mais conhecida como Deusa da caça, Ártemis era também Deusa da lua. Ela ficava à vontade à noite, percorrendo seu império deserto ao luar ou à luz da tocha. Nesse aspecto, Ártemis se relacionava com Selene e Hécate. As três foram consideradas como uma trindade lunar: Selene reinava no céu, Ártemis na terra, e Hécate no inferno. (BOLEN, 1990) O arquétipo de Ártemis - Ártemis é a personificação do espírito feminino independente. O arquétipo que ela representa procura seus próprios objetivos num terreno de sua própria preferência. Como arquétipo de Deusa virgem, Ártemis não é submissa nem influenciada pelos homens, representa um sentido 52 de integridade, uma-em-si-mesma, permite à mulher agir por conta própria, com autoconfiança e determinação. Como arquétipo de Deusa da caça, a arqueira Ártemis conseguia objetivar seja qual for o alvo, esse arquétipo oferece às mulheres a habilidade de se concentrarem profundamente naquilo que lhes é significativo. Como arquétipo da irmã, a deusa Ártemis era acompanhada por um grupo de ninfas, divindades menores que se vinculavam às florestas e riachos. Viviam com ela em terreno selvagem, eram como "irmãs" tendo Ártemis como a "grande irmã", que as guiava e a quem elas podiam recorrer por ajuda. Não é, portanto, que Ártemis é o arquétipo inspirador que representa as qualidades idealizadas pelo movimento feminista. A mulher tipo Ártemis possui a característica das Deusas virgens de consciência enfocada, tem objetivos e compete, é provável que tenha um estilo de vida movimentado, também é o arquétipo responsável pela identificação que algumas mulheres experimentam entre si mesmas e a natureza. Podem apresentar algumas dificuldades psicológicas como: ações que danificam ou ferem outras pessoas, desprezo pela vulnerabilidade, raiva destrutiva, inacessibilidade, crueldade, distância emocional, rancor e individualismo excessivo. (BOLEN, 1990) Simbolismos - Havia alguns símbolos que representavam ou eram associados a Deusa Ártemis, fiz o uso de alguns deles na imagem. Ártemis, como Deusa da caça, abandonou a cidade e passou a viver na selva com seu grupo de ninfas, como Deusa da Lua, ela se sentia à vontade à noite na natureza, e era apresentada como portadora de luz. Por esse fato, escolhi retratá-la numa floresta iluminada pelo luar prateado e, também, com a lua feita com maquiagem na testa. Um dos animais selvagens relacionados a Ártemis é o veado, ao fundo, que compartilha de sua natureza difícil de compreender (BOLEN, 1990). A túnica curta conferia-lhe a liberdade de correr por montanhas, selvas e se conduzir segundo sua própria conveniência. O arco de prata e a aljava de flechas nas costas simbolizam a objetividade e a determinação de acertar o alvo ou uma meta (DINIZ, 2008). Com uma maquiagem da cor do luar, penteado semi-preso, uma postura e olhar confiantes, busquei apresentar a consciência enfocada, a autonomia e independência de Ártemis. 53 ATENAS Figura 31 – Deusa Atenas (2021). Thaís Polo. Fotografia Fine Art. 54 Deusa Atenas, Deusa virgem da sabedoria e das artes manuais, arquétipo da estrategista e da "filha do pai”, chamada de Minerva pelos romanos. Patrona de Atenas, sua cidade homônima, protetora dos heróis, defensora dos patriarcas e conhecida como a melhor estrategista de batalha. Filha de Zeus que nascera saltando de sua cabeça, também considerada a filha da Titã Métis, mas Atenas considerava apenas seu pai como genitor. Uma bela e majestosa Deusa guerreira, usualmente retratada usando couraça, esteve presente nas estratégias militares na época da guerra e nas artes domésticas em tempo de paz, era a guardiã das cidades e Deusa de todas as artesãs. As habilidades bélicas e manuais de Atenas requerem pensamento racional de planejamento e execução, com aspecto prático e resultados concretos, ela valoriza o domínio do intelecto sobre o instinto e a natureza, encontrando sua vitalidade na cidade. Como Deusa virgem, era afastada do romantismo com os homens, sua relação com eles era de igual para igual. (BOLEN, 1990) Mitologia - O mito quanto ao nascimento de Atenas é um tanto quanto dramático. Zeus engravidou a Titã Métis, uma antiga divindade do oceano, conhecida como expressão da sabedoria e da prudência. Quando Métis estava grávida de Atenas, um oráculo profetizou que eles teriam dois filhos - uma filha igual a Zeus e um filho que iria se tornar rei dos deuses e dos homens. Zeus, temendo a profecia sobre o filho que iria depô-lo, enganou Métis, tornando-a muito pequena, e a engoliu por inteiro. Após esse fato, ele foi atormentado por uma terrível dor de cabeça, e, assim, do crânio de Zeus nasceu Atenas. Ela saltou de sua cabeça como uma mulher adulta, vestida com armadura dourada e uma lança na mão, soltando um poderoso grito de guerreira. (DINIZ, 2008) Atenas considerava-se apenas filha de Zeus, com quem esteve associada para sempre, colocou os princípios patriarcais acima das ligações maternas. Foi o braço direito de seu pai, a única deusa olímpica a quem ele confiou seu raio e égide, símbolos de seu poder. Em sua mitologia, Atenas era protetora, conselheira, patrona e aliada de homens heroicos, além de ter tomado o partido da patriarquia. (BOLEN, 1990) O arquétipo de Atenas - Mulheres que apresentam o arquétipo de Atenas geralmente são decididas, francas e líderes, gostam de estabelecer metas e planos a longo prazo. Bem informadas e atualizadas, buscam sempre expandir 55 seus conhecimentos e apresentar suas ideias aos outros (DINIZ, 2008). Como arquétipo de estrategista, são atentas aos detalhes e são governadas pela razão, mantém a calma diante do conflito e resolvem problemas de forma prática. Representa meta direcionada, pensamento lógico e consciência enfocada. O arquétipo de “filha do pai” faz com que a mulher Atenas aprecie estar no meio da ação e do poder masculino, unindo-se aos homens como seus iguais ou como uma supervisora, o elemento da Deusa virgem, invulnerável e íntegra, faz com que não tenha interesse em desenvolver sentimentos românticos ou intimidade afetiva com eles. Como Deusa da Sabedoria, as mulheres com a mente de natureza perspicaz de Atenas apreciam o estudo e a leitura para se desenvolverem intelectualmente. Quando Atenas governa a psique da mulher a racionalidade sempre a ajudará a orientar-se, e ela predispõe a mulher a enfocar aquilo que lhe interessa, em vez de enfocar as necessidades dos outros, desenvolvendo dificuldades psicológicas como distância emocional, astúcia e carência de empatia (BOLEN, 1990) Simbolismos - Utilizei na imagem alguns símbolos que eram associados a Deusa Atenas. Deusa protetora das cidades, onde encontrava sua vitalidade, escolhi retratá-la com a cidade ao fundo. Ela era a única Deusa olímpica apresentada usando armadura, usava a pala de seu capacete voltada para trás para mostrar a sua beleza, possuía em suas mãos uma lança e um escudo, e em algumas representações segurava uma tigela ou uma roca. Na imagem vemos a armadura dourada, feita em cartolina, por cima da túnica, na cabeça um adereço de ballet que foi modificado para remeter um elmo, nas mãos uma lança, feita de cano PVC que na edição virou uma imponente arma de batalha, e na outra uma tigela de cerâmica com fios de tecelã (BOLEN, 1990). “Atenas foi frequentemente retratada com uma coruja, ave associada com a sabedoria e de olhos proeminentes duas de suas características.” (BOLEN, 1990, p. 69), por isso não podia deixar de trazê- la na edição. Maquiagem focada nos olhos, e o cabelo todo preso em tranças para manter a praticidade e agilidade e a expressão séria de uma guerreira. 56 HÉSTIA Figura 32 – Deusa Héstia (2021). Thaís Polo. Fotografia Fine Art. 57 Deusa Héstia, a Deusa da lareira e do templo, arquétipo da sábia anciã e “solteirona”. Conhecida pelos romanos como Vesta, a mais velha, mais sábia e mais honrada de todas as Deusas, porém, a menos conhecida dos deuses olímpicos, por esse fato, foi pouquíssimo representada em forma humana por escultores ou pintores. Ela se fazia presente dentro e no centro das casas, templos e cidades como o próprio fogo queimando em uma lareira redonda. Héstia era tanto uma presença espiritual como a chama que tornava o lugar sagrado, mas também proporcionava iluminação, calor e aquecimento para o alimento. Como Deusa virgem é motivada por suas próprias prioridades, possui consciência enfocada, mas diferentemente de Ártemis e Atenas que são exteriormente orientadas para a realização, Héstia é um arquétipo de centralização interior, sua introversão e gosto pela solidão traz retraimento em relação aos homens (BOLEN, 1990). Mitologia - Héstia foi a primeira filha dos Titãs Réia e Crono, ela nasceu na primeira geração de deuses olímpicos, junto com Deméter, Hera, Hades, Posídon e Zeus. Era uma Deusa olímpica por primogenitura, mas não era encontrada no monte Olimpo - Dionísio, Deus do vinho, cresceu em proeminência e a substituiu, e ela não protestou. Por se abster dos romances e das guerras que ocorriam, é a Deusa grega menos conhecida, porém, foi grandemente honrada. A representação de Héstia é encontrada em rituais, ela era o próprio fogo vivo. A presença de Héstia era invocada para que uma casa se tornasse um lar. Posteriormente, os romanos veneravam Héstia como a Deusa Vesta, sua chama criou um elo de conexão espiritual entre todos cidadãos de Roma. Nos templos, as virgens vestais eram responsáveis por cuidar do fogo sagrado, elas eram personificavam a virgindade e a unanimidade da deusa, de certo modo, elas eram representações vivas de Héstia. Héstia é misticamente relacionada com Hermes, que é imaginado como fogo elementar, eles se associam através da imagem do fogo sagrado no centro. O arquétipo de Héstia - O arquétipo de Héstia é a personificação do si mesmo, de centralização interior. A mulher tipo Héstia, como a Deusa, é uma pessoa quieta e reservada, e sua presença cria uma atmosfera calorosa e pacífica. Ela geralmente é introvertida e aprecia a solidão. A prática da meditação ativa e 58 reforça esse arquétipo introvertido. Bolen (1990) usa o ditado "as águas paradas são as mais profundas" para descrever os sentimentos introvertidos do arquétipo de Héstia, que concentra sua atenção interior no centro espiritual da personalidade feminina. Nos lares e nos templos, a presença da Deusa da lareira era fundamental para a vida cotidiana, como manifestação arquetípica na personalidade feminina, ela é igualmente importante, proporcionando-lhe sentimento de integridade e totalidade. Como deusa protetora da lareira, Héstia é o arquétipo predominante nas mulheres que acreditam que o trabalho doméstico é uma atividade significativa e sente harmonia interior ao executar suas tarefas diárias, é uma forma dessas mulheres se organizarem e organizarem o lar. Héstia era a mais velha das três deusas virgens, e compartilha com elas qualidades essenciais e intangíveis, mas cada uma possui diferentes esferas de interesse e métodos de ação. Uma-em-si-mesma, com consciência enfocada interiormente em suas experiências subjetivas, o que faz com que não tenha interesse em atrair relacionamentos amorosos. O arquétipo da sábia anciã, traz esse desligamento das pessoas e circunstâncias externas, sente-se completa como é, e dá a esse arquétipo a ideia que ela é como uma pessoa idosa que já viu e passou por tudo, uma qualidade de "mulher sábia". Possui alguns obstáculos psicológicos como: distância emocional, carência social e dificuldade de se aventurar fora do lar ou do templo (BOLEN, 1990). Simbolismos - Segundo Bolen (1990) Héstia não teve muitas aparições em pinturas ou esculturas, seu símbolo principal é o fogo, a Deusa e o fogo eram um. A lareira redonda com a chama sagrada no centro é uma forma de simbolizá-la e cultuá-la. Na imagem, seguro um recipiente redondo com fogo dentro representando a lareira redonda, as chamas foram feitas através de edição. O templo, além do lar, era onde Héstia podia ser encontrada, e foi onde decidi retratá-la na imagem. O círculo era seu símbolo de integridade e totalidade, simbolizado no trabalho ao redor da cabeça, que também traz a ideia de santidade e castidade juntamente com o uso do véu. Com semblante sereno, escolhi uma maquiagem mais escura nos olhos para representar solidão, bochechas rosadas pelo calor do fogo e os cabelos soltos sem vaidade. 59 HERA Figura 33 – Deusa Hera (2021). Thaís Polo. Fotografia Fine Art. 60 A Deusa Hera, também conhecida como Juno pelos romanos, era a deusa do casamento e personificação do arquétipo da esposa. Imponente e real, a bela Hera, era cônjuge oficial de Zeus, seu irmão, era a deusa de mais alta posição social no monte Olimpo, seu nome significa "Grande Senhora", o feminino da palavra grega "herói''. Foi retratada na mitologia com dois aspectos contrastantes: como megera ciumenta, víbora vingativa e briguenta, mas também foi solenemente reverenciada e adorada como poderosa Deusa do matrimônio. Uma das três deusas vulneráveis, seu mundo adquire sentido em função do esposo, e apesar dos maus-tratos e infidelidade de Zeus, permanecia leal e convencida de que a união matrimonial é sagrada, e canalizava sua raiva para se vingar dos filhos e das muitas amantes de Zeus. Mitologia - A Deusa Hera, filha dos Titãs Réia e Crono, compõe a primeira geração de deuses olímpicos, junto com Zeus, seu irmão e marido com quem teve diversos filhos, o mais conhecido foi Ares, Deus da guerra. Hera atraiu a atenção de Zeus, o qual se metamorfoseou num pequeno pássaro a fim de tornar-se íntimo da jovem, quando ela o acalentava em seu seio Zeus assumiu sua verdadeira forma varonil para violentá-la. Há versões diferentes nessa parte do mito, não se sabe se Zeus conseguiu violá-la e por isso Hera torna-se sua esposa, ou se Hera resistiu às tentativas amorosas de Zeus até que ele prometeu casar-se com ela. De qualquer modo, Hera, uma donzela idealista, sente-se realizada com o casamento. A Deusa Hera foi a sétima e última esposa de Zeus. Após a lua-de- mel que durou trezentos anos, Zeus retornou às suas promiscuidades e era continuamente infiel a Hera, ele desonrou o casamento, que era sagrado para ela. Hera foi humilhada pelos múltiplos romances de Zeus, além de lhe ter causado muito pesar, isso provocou o ciúme vingativo na esposa traída. A raiva de Hera não era direcionada a seu marido infiel, mas às mulheres com quem ele se envolveu, às crianças concebidas por ele, ou ainda aos espectadores inocentes. Existem inúmeras histórias sobre a ira de Hera, mas, em outros momentos, ela apenas se retirava e fazia longas peregrinações se envolvendo na mais profunda escuridão. (BOLEN, 1990) O arquétipo de Hera - “O arquétipo de Hera perdura em cada mulher que se casa acreditando que o matrimônio é a consumação da satisfação feminina.” 61 (ROBLES, 2019, p. 49). Mais do que as outras Deusas, Hera possui aspectos intensamente positivos e negativos, o mesmo é válido para o arquétipo de Hera, uma força marcadamente poderosa na psique de uma mulher, seja para a alegria ou a dor. Como Deusa do casamento, o matrimônio é uma experiência arquetípica para ela que evoca realização e integridade. Possui capacidade de manter os compromissos e elos durante toda a vida, sendo fiel, leal e força motivadora. O arquétipo da esposa Hera, representa a necessidade compulsiva de ser companheira, e sente-se incompleta sem um relacionamento amoroso. A mulher tipo Hera faz questão em fazer do companheiro o centro de sua vida, o que faz sua característica de Deusa vulnerável ter a consciência difusa, ou seja, ela é emocionalmente dependente, o enfoque é no outro e não em si mesma como as Deusas virgens. Hera foi a mais destrutiva de todas as Deusas seu arquétipo apresenta algumas dificuldades psicológicas e padrões negativos como: ciúmes, vingança, rancor, medo de ser rejeitada e inabilidade de abandonar um relacionamento destrutivo. A mulher tipo Hera deve se aliar conscientemente a outras Deusas para que essas permitam que ela transcenda seu papel de esposa. (BOLEN, 1990) Simbolismos - Hera foi uma Deusa muito poderosa e venerada, por esse fato havia vários símbolos que a representavam. A Via-Láctea vem do grego "leite da mãe", está na imagem no canto superior direito ao fundo, junto com seu império, reflete o mito de que o leite que jorrou dos seios de Hera formou a Via-Láctea, e as gotas que caíram no chão da Terra transformaram-se em lírios brancos, que foram também retratados na imagem. As penas da cauda do pavão, que continha olhos, simbolizam a cautela de Hera. A imagem contém outras simbologias, como o dourado que “suja” a mão simboliza a raiva e a vingança destrutiva de Hera. Certa vez, Hera conspirou contra Zeus junto com outros deuses olímpicos, e Zeus puniu Hera pendurando-a no firmamento com um bracelete de ouro em cada pulso e uma bigorna pendente de cada tornozelo, os braceletes estão na imagem feitos de cartolina. O cetro editado em uma das mãos, a coroa, o penteado majestoso e todos os detalhes em ouro do figurino representam o poder de Hera como Rainha do Céu. Poetas gregos referiam-se a ela como "olhos de vaca", para elogiar seus grandes e belos olhos (BOLEN, 1990), escolhi uma maquiagem que aumentasse os olhos e a boca vermelha para contrastar. 62 DEMÉTER Figura 34 – Deusa Deméter (2021). Thaís Polo. Fotografia Fine Art. 63 A Deusa Deméter é a Deusa dos cereais e das colheitas. Os romanos a conheciam como Ceres. Ela é uma personificação do arquétipo da mãe e nutridora, em seu mito principal, a ênfase está em seu papel como mãe de Perséfone, cuja mitologia é inseparável. A história de Deméter concentra-se ao redor de sua reação ao rapto de Perséfone pelo seu irmão Hades, Deus do Inferno. Como uma Deusa vulnerável, sua relação com sua única filha era o relacionamento mais significativo para ela, como não pôde impedir o rapto de Perséfone ou obrigar sua volta imediata, ela se sentiu vitimada e entrou em depressão. Era venerada como uma Deusa mãe, está relacionada com os ciclos da lua, com a sucessão das estações e com a consolação da mãe sofredora. (BOLEN,1990) Mitologia - A Deusa Deméter era a segunda filha dos Titãs Réia e Crono, da primeira geração de Deuses olímpicos, e foi a quarta esposa real de Zeus. De sua relação incestuosa com o irmão, teve sua única filha que, enquanto donzela, foi chamada Coré, e depois do rapto Perséfone. O mito se inicia quando Perséfone estava colhendo flores, quando Hades, Deus do Inferno e irmão de Deméter e Zeus, repentinamente, emergiu de uma fenda na terra em sua carruagem diante da inocente Coré, pegou a jovem à força e a levou a fim de entrona-la rainha dos mortos. Deméter buscou por sua filha raptada dias e noites, por terra e por mar, não parou para comer, dormir ou banhar-se. Com seu pesar por sua filha raptada, retirou toda a energia vital da terra, não deixando que nenhuma semente germinasse, então Zeus ficou sabendo e Deméter forçou-o a ordenar que Hades libertasse sua filha. Antes de libertá-la Hades deu a ela algumas sementes de romã para que comesse, isso fez com que Perséfone ainda pertencesse a Hades e não fosse completamente devolvida a Deméter. Deméter aceita o trato com Zeus e com Hades, depois de perceber que sua Coré agora era Perséfone, apaixonada por Hades e rainha