UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ÁREA DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA E SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICO-CIENTÍFICOS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO DE MATEMÁTICA: UM OLHAR PARA ESCOLAS DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL FABIO FERREIRA DA SILVA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS RIO CLARO 2020 FÁBIO FERREIRA DA SILVA TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO DE MATEMÁTICA: UM OLHAR PARA ESCOLAS DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – Área de concentração em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosóficos e Científicos, como parte de requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Orientadora: Profa. Dra. Sueli Liberatti Javaroni Rio Claro 2020 S586t Silva, Fábio Ferreira da Tecnologias digitais no ensino de matemática : um olhar para escolas do Programa Ensino Integral / Fábio Ferreira da Silva. -- Rio Claro, 2020 126 p. : tabs., fotos Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientadora: Sueli Liberatti Javaroni 1. Escolas de tempo integral. 2. Tecnologias de Informação e Comunicação. 3. Educação Matemática. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. FABIO FERREIRA DA SILVA TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO DE MATEMÁTICA: UM OLHAR PARA ESCOLAS DO PROGRAMA ENSINO INTEGRAL Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – Área de concentração em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosóficos e Científicos, como parte de requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Comissão Examinadora Profa. Dra. Sueli Liberatti Javaroni – Orientadora FC/UNESP/BAURU (SP) Prof. Dr. Marcelo de Carvalho Borba IGCE/UNESP/RIO CLARO (SP) Profa. Dra. Maria Teresa Zampieri DME/UFSCAR/SÃO CARLOS (SP) Conceito: Aprovado Rio Claro/SP, 09 de setembro de 2020 Dedico este trabalho com alegria à minha filha Luísa, que aguardamos ansiosamente, aos possíveis futuros filhos e ao nosso outro bebê que Deus levou para si antes que conhecêssemos. Dedico também à memória de todos os bebês assassinados em ventres maternos. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, por todas as bênçãos e graças proporcionadas durante o período de realização deste mestrado, e por todas as provações que me fizeram crescer. A Ele o louvor, a honra e a glória para sempre! Agradeço também a Maria, sob o título de Nossa Senhora Aparecida, por interceder por mim em cada momento e por me levar mais perto de seu filho, Jesus. Gratidão especial a Deus por possibilitar que esta pós-graduação me levasse a conhecer o amor da minha vida! Obrigado Amanda, por todo seu amor, carinho, compreensão e por todo seu apoio, indispensável para que eu chegasse até aqui. Obrigado por me tornar pai! Eu te amo, de uma maneira inexplicável! Agradeço imensamente a minha família! Pai (João Ferreira) e mãe (Alice), obrigado por me ensinarem o caminho da fé, da verdade e da justiça. Obrigado por sempre me apoiarem, me incentivarem e não medirem esforços para que eu pudesse realizar os meus sonhos. Obrigado pai, mãe, Simone e Aline, por todo o carinho e amor que sempre recebi neste lar. Sou muito grato a todos meus amigos e familiares que sempre torceram e rezaram por mim. Em especial a minha avó Zalina, que sempre rezava por mim em vida, e com certeza reza por mim na eternidade. Gratidão e carinho muito grande por todos do Ministério Universidades Renovadas da Diocese de Piracicaba. Todos os irmãos dos grupos de oração universitário (Gou) de Piracicaba e do grupo de oração universitário Fogo do Céu, da Unesp de Rio Claro, que confiantes no fogo do Espírito Santo buscam a construção de uma Civilização do Amor. Meu carinho pelos vários amigos que fiz em Rio Claro através deste grupo, em especial Rodrigo Rosa, Juliana Lima, Bruno Leite, Juliana Saipp, Francielly, Verusca, Ingrid, Leandra, Giovana, Alissan, Flávia e Paulinho. Todos vocês foram muito importantes para meu amadurecimento e edificação. Agradeço com muito carinho minha orientadora, Sueli Liberatti Javaroni, pela parceria neste trabalho. Muito obrigado por não desistir de mim quando eu já havia quase desistido! Obrigado pelo apoio em meio à tanta dificuldade de minha parte. Agradeço também a banca examinadora, composta pelos professores Marcelo de Carvalho Borba e Maria Teresa Zampieri, que junto com minha orientadora foram muito importantes na minha trajetória de formação desde os tempos de Iniciação Científica. A todos os professores do PPGEM, importantes em minha formação seja através de disciplinas ou de outras atividades acadêmicas. A todos os membros e ex-membros do Gpimem que colaboraram em várias etapas do processo de pesquisa, em especial a Eliel, colega de república, irmão de orientação, e minhas amigas Liara e Kaoma. Aos professores e gestores das Escolas de Ensino Integral de Rio Claro que abriram as portas e se colocaram à disposição ao que foi preciso para que eu pudesse realizar a pesquisa. Que Deus abençoe a todos! RESUMO Esta pesquisa de mestrado teve por objetivo investigar o uso das Tecnologias Digitais (TD) no ensino de Matemática em três escolas estaduais de ensino integral da cidade de Rio Claro que fazem parte do Programa de Ensino Integral (PEI) do estado de São Paulo. As Escolas de Ensino Integral (EEI) constituem-se um cenário que está em expansão no estado e possuem uma estrutura diferenciada das escolas convencionais em relação à presença de recursos de TD. Assim, tivemos como questão norteadora desta investigação: “A partir da visão dos professores que ensinam Matemática nas Escolas Estaduais de Ensino Integral de Rio Claro-SP, quais as possibilidades do uso de TD em suas práticas?”. Em busca de elementos para responder tal questão, desenvolvemos a pesquisa na abordagem qualitativa. Os procedimentos metodológicos adotados para a produção de dados foram: levantamento dos recursos tecnológicos presentes em cada uma das três escolas, observação de aulas dos professores que ensinam Matemática nessas escolas, aplicação de questionários e realização de entrevistas com estes professores. A partir destes procedimentos foi realizado um processo de triangulação dos dados e criadas duas categorias principais de análise, a saber: aspectos da estrutura pedagógica e aspectos da estrutura material. Ao discuti-las identificamos que as possibilidades do uso das TD no ensino de Matemática giram em torno principalmente da existência do conjunto projetores-netbooks-internet nas salas de aula, permitindo a exploração de vídeos, sites, jogos, e softwares de maneira instantânea, além de otimizar o tempo de aula ao diminuir substancialmente o que geralmente é consumido ao se escrever na lousa. Outros aspectos que possibilitaram o uso das TD foram as aulas de Práticas Experimentais de Matemática, as parcerias com universidades e o incentivo da gestão. Entretanto, percalços também foram levantados pelos professores sendo eles a falta de qualidade e manutenção de equipamentos, a indisciplina dos alunos e a falta de formação e de tempo hábil para investir no uso das TD. Com este estudo, pretende- se colaborar com a Educação Matemática no que se refere à discussão sobre o uso das TD no âmbito das Escolas de Ensino Integral. Palavras-Chave: Escolas de tempo integral; Tecnologias de Informação e Comunicação; Educação Matemática. ABSTRACT This research aimed to investigate the use of Digital Technologies (DT) in Mathematics teaching in three integral education state schools in Rio Claro-SP that are part of the Integral Education Program of São Paulo state. The Integral Education Schools constitute a scenario that is expanding in the state and have a differentiated structure from conventional schools regarding the presence of DT resources. Thus, we had the guiding question of this investigation: “From the view of teachers who teach mathematics in integral education state schools in Rio Claro-SP, what are the possibilities of using DT in their practice?”. In search of elements to answer the question, we developed the research based on qualitative approach. The methodological procedures adopted for the production data were: survey of technological resources present in each of the three schools, classroom observation of teachers who teach mathematics in this schools, application of questionnaires and interviews with these teachers. From these procedures, a data triangulation process was carried out and two main categories of analysis have been created, namely: pedagogical structure aspects and material structure aspects. In discussing them, we identified that the possibilities of using DT in the Mathematics teaching revolve around the existence of the projectors-netbooks-internet’s set in classrooms, allowing the exploration of videos, websites, games, and software instantly, in addition to optimizing class time by substantially decreasing what is usually consumed when writing on the blackboard. Other aspects that enabled the use of DT were experimental mathematics practice classes, partnerships with universities and management incentives. However, mishaps were also raised by the teachers, being them the lack of quality and maintenance of equipment, students' indiscipline, the lack of training and time to invest in the use of DT. With this study, it is intended to collaborate with Mathematics Education regarding the discussion on the use of DT within the scope of Integral Education Schools. Keywords: Full-time schools; Information and Communication Technologies; Mathematics Education. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Recorte do horário das aulas de um dia da semana dos primeiros anos do Ensino Médio. ............................................................................................................ 32 Figura 2 – Fotos de duas vistas do laboratório de Informática da E. E. Chanceler Raul Fernandes. ................................................................................................................ 52 Figura 3 – Fotos de duas vistas do laboratório de Informática e lousa digital - E.E. Carolina Augusta Seraphim....................................................................................... 53 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Caracterização profissional dos professores participantes................... 54 Quadro 2 – Professor e seu tempo de atuação.........................................................55 Quadro 3 – Disciplinas lecionadas pelos professores participantes......................... 56 Quadro 4 – Utilização de TD na formação dos professores......................................57 Quadro 5 – Utilização das TD nas aulas...................................................................59 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 14 1.1 Apresentação da pesquisa ............................................................................... 14 1.2 Trajetória ............................................................................................................ 15 1.3 Levantamento bibliográfico e relevância do tema ......................................... 18 1.4 Organização da dissertação ............................................................................. 23 2 O PROGRAMA ENSINO INTEGRAL ................................................................... 25 2.1 Leis e diretrizes do PEI ..................................................................................... 26 2.2 Protagonismo Juvenil e Projeto de Vida ......................................................... 27 2.3 Disciplinas da Parte Diversificada ................................................................... 31 3 TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO DA MATEMÁTICA ............................... 38 4 METODOLOGIA DA PESQUISA ......................................................................... 44 4.1 Produção dos dados ......................................................................................... 45 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ..................................................... 51 5.1 Apresentação das escolas: estruturas e recursos ...................................... 51 5.2 Perfis dos professores ................................................................................... 53 5.3 Observação de aulas e entrevistas ............................................................... 60 5.3.1 Possibilidades do uso de Tecnologias Digitais no Ensino de Matemática........ 61 5.3.2 Dificuldades do uso de Tecnologias Digitais no Ensino de Matemática ........... 75 5.4 O que dizem os dados ...................................................................................... 85 5.4.1 Estrutura Pedagógica ....................................................................................... 86 5.4.2 Estrutura Material ............................................................................................. 95 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 106 6.1 Questionamentos futuros e impacto da pandemia de coronavírus ......... 112 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 116 APÊNDICE A - DECLARAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO ............................................ 122 APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO AOS PROFESSORES PARTICIPANTES ........ 123 APÊNDICE C - QUESTÕES PARA AS ENTREVISTAS COM PROFESSORES DAS EEI .......................................................................................................................... 124 ANEXO A - MATRIZ CURRICULAR DO ENSINO FUNDAMENTAL INTEGRAL – ANOS FINAIS ......................................................................................................... 125 ANEXO B - MATRIZ CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO INTEGRAL ................. 126 14 1 INTRODUÇÃO 1.1 Apresentação da pesquisa Esta pesquisa de mestrado teve por objetivo investigar acerca do uso das Tecnologias Digitais (TD) no ensino de Matemática nas Escolas Estaduais de Ensino Integral da cidade de Rio Claro, sendo elas: Escola Estadual Carolina Augusta Seraphim, de anos finais do Ensino Fundamental; Escola Estadual Marciano de Toledo Piza e Escola Estadual Chanceler Raul Fernandes1, ambas de Ensino Médio. A escolha dessas escolas justifica-se por serem as três escolas de Rio Claro que aderiram ao Programa de Ensino Integral (PEI) e porque são escolas que possuem uma estrutura diferenciada das demais em relação à presença de recursos de TD. Além disso, constituem um cenário que está em expansão no estado de São Paulo. Diante do objetivo da pesquisa, a pergunta que nos guiou nesta investigação pôde ser assim sintetizada: “A partir da visão dos professores que ensinam Matemática nas Escolas Estaduais de Ensino Integral de Rio Claro-SP, quais as possibilidades do uso de TD em suas práticas?”. Em busca de elementos para responder tal questão, esta pesquisa foi desenvolvida na abordagem qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994; GOLDENBERG, 2004) e os procedimentos metodológicos adotados para produção dos dados foram: levantamento dos recursos tecnológicos presentes em cada uma das três escolas, observação de aulas dos professores que ensinam Matemática nessas escolas, aplicação de questionários e realização de entrevistas com estes professores. Tais procedimentos configuram-se em um processo de triangulação de métodos, tendo por objetivo buscar maior confiabilidade na análise dos dados, indo de acordo com Araújo e Borba (2006) que afirmam que assim o pesquisador pode construir suas conclusões verificando detalhes que o ajude a entender melhor determinado fato (ARAÚJO; BORBA, 2006). Na organização dos dados foi possível perceber temas que se referiam a aspectos que possibilitavam o uso de TD e temas acerca dos percalços deste uso. 1 A partir daqui, para favorecer a fluidez do texto, irei me referir à Escola Estadual Carolina Augusta Seraphim, à Escola Estadual Marciano de Toledo Piza e à Escola Estadual Chanceler Raul Fernandes como escola Carolina, escola Marciano e escola Chanceler, respectivamente, forma pela qual elas são popularmente conhecidas na cidade. 15 Em um primeiro movimento os dados foram organizados nestes dois grupos de temas e, a partir deles, foi possível identificar aspectos relacionados a características dessas Escolas de Ensino Integral (EEI)2. Assim, estes aspectos foram separados em materiais e pedagógicos, o que fez emergir as duas categorias de análise: estrutura pedagógica e estrutura material. Com isso, buscou-se compreender de que forma os recursos tecnológicos presentes nas escolas investigadas são utilizados no ensino de Matemática e as visões dos professores sobre este tema, além de discutir outros aspectos que foram se mostrando relevantes a partir dos dados produzidos no cenário de investigação. Mas antes de apresentar elementos da pesquisa desenvolvida em si, faz-se relevante me apresentar enquanto professor e pesquisador, que passo a fazer apresentando minha trajetória profissional. 1.2 Trajetória Primeiramente devo3 destacar o fato de ser professor titular de cargo, sendo efetivo na rede pública do estado de São Paulo. Iniciei este cargo concomitantemente ao início dessa pesquisa, o que me possibilitou saber mais a fundo a realidade da escola pública atualmente. Mas antes disso, o projeto desta pesquisa já vinha sendo influenciado por duas experiências vivenciadas por mim enquanto aluno do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), mesmo instituto ao qual pertence o Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, no qual desenvolveu-se esta pesquisa. Durante dois anos da graduação, atuei como bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), o qual propõe uma integração entre universidade e escola de modo a propiciar que licenciandos bolsistas atuem nas escolas parceiras, conhecendo de perto o trabalho do professor e realizando ações como monitorias, intervenções em sala de aula, entre outros projetos, em parceria com um professor da escola e um professor da universidade. 2 Escolas de Ensino Integral são aquelas pertencentes ao Programa Ensino Integral. 3 Esta seção, por trazer a trajetória do autor, é apresentada em primeira pessoa do singular. O mesmo acontece na seção 4 (Metodologia de pesquisa). Mas a dissertação é predominantemente escrita no impessoal, por vezes na primeira pessoa do plural representando um diálogo com o leitor. 16 No meu primeiro ano como bolsista atuei junto à Escola Estadual Marciano de Toledo Piza, que no ano seguinte se tornaria a terceira escola pública estadual de Rio Claro a aderir ao PEI, juntamente com a Escola Estadual Chanceler Raul Fernandes e a Escola Estadual Carolina Augusta Seraphim. Nesta última pude atuar no meu segundo ano enquanto bolsista PIBID e concomitantemente também como estagiário, seguindo os requisitos da disciplina de estágio obrigatório da graduação. O Programa de Ensino Integral do Estado de São Paulo iniciou-se em 2012, a partir da instituição da Lei Complementar nº 1.164, de 4 de janeiro de 2012 e da alteração pela Lei Complementar nº 1.191, de 28 de dezembro de 2012 (SÃO PAULO, 2013a), abrangendo 16 escolas de Ensino Médio. Atualmente o programa conta com 6644 unidades espalhadas pelo estado de São Paulo. Como mostra Cardoso (2015), em sua pesquisa de conclusão de curso, as escolas do PEI passam a ter em seus currículos, além das disciplinas da Base Nacional Comum, disciplinas extracurriculares como: Eletivas, Protagonismo Juvenil, Orientações de Estudo e Práticas Experimentais de Ciências e Matemática. Tais disciplinas serão detalhadas na seção que trata do PEI. Além disso, para Cardoso (2015) um diferencial dessas escolas é o incentivo que se dá ao aluno para que este seja protagonista de sua formação. Para isso, há a preparação do aluno para que desenvolva seu Projeto de Vida por meio de aulas e também de tutorias com professores e gestores, e ainda prevê a formação de Clubes Juvenis, escolha de Líderes de Turma, Infraestrutura com Salas Temáticas, Sala de Leituras e Laboratórios, tudo isso após uma reforma no prédio escolar, para que este seja adaptado ao programa. Durante minha experiência na Escola Estadual Carolina Seraphim, enquanto bolsista PIBID e estagiário, percebi que de fato a escola contava com uma infraestrutura diferenciada de outras escolas públicas estaduais, principalmente no que se refere aos recursos de Tecnologias Digitais (TD) como, por exemplo, a disponibilidade de netbooks para o uso dos alunos, uma ampla sala de informática, um notebook disponível para cada professor e salas de aula com projetor multimídia e lousa digital. 4https://www.educacao.sp.gov.br/noticia/escola-tempo-integral/governo-de-sp-anuncia-maior- expansao-ensino-integral-da-historia/. Acesso em 29/07/2020. 17 Além da participação no PIBID, durante a graduação, realizei uma pesquisa de iniciação científica junto ao Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática (GPIMEM), na qual colaborei com o projeto Mapeamento do uso das tecnologias de informação nas aulas de Matemática do Estado de São Paulo5 e pude me familiarizar com as pesquisas que vinham sendo realizadas nesse contexto. Javaroni e Zampieri (2015) destacam que, em um primeiro momento, as pesquisas vinculadas ao Mapeamento buscavam atender o seu objetivo geral de identificar como as TD estavam sendo utilizadas nas aulas de Matemática das escolas vinculadas às Diretorias de Ensino de Bauru, Guaratinguetá, Limeira, Presidente Prudente, Registro e São José do Rio Preto. Para tal objetivo, foram avaliados os laboratórios de informática de escolas públicas que possuíam o Programa Acessa Escola6 em funcionamento. Assim, as autoras constataram que na maior parte dos laboratórios visitados havia diversos obstáculos que inviabilizavam o seu uso, tais como: número insuficiente de computadores diante da quantidade de alunos, computadores inoperantes, falta de estagiário do Acessa Escola, entre outros. Em Rio Claro, pôde- se perceber com a realização das entrevistas com doze professores de Matemática de sete escolas públicas estaduais, no contexto da pesquisa de IC de Silva et al. (2014), que nove dos professores já haviam participado de algum curso voltado para o uso de tecnologias no ensino. Entretanto, destes nove, apenas três faziam tal uso na sala de aula, devido a fatores como a falta de infraestrutura das escolas. Outro objetivo do projeto Mapeamento foi desenvolver iniciativas de formação de professores de Matemática, incentivando a utilização das TD nas aulas de Matemática das escolas das diretorias abrangidas pelo Mapeamento. Mais especificamente, foi neste contexto que se deu a minha maior atuação como aluno de IC, colaborando no planejamento e na revisão das atividades desenvolvidas, além de atuar como monitor do curso de extensão universitária intitulado "Raciocínio Proporcional: atividades com o GeoGebra integrando aritmética, geometria e álgebra", realizado em Limeira – SP para professores da rede estadual (SILVA; BORBA, 2015). 5 Projeto de pesquisa aprovado sob nº 16429 no Edital 049/2012/CAPES/INEP/OBEDUC, coordenado pela professora Dra. Sueli Liberatti Javaroni. Financiado pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES) e apoiado pelo Programa Observatório da Educação (OBEDUC). A partir deste ponto recorrerei a este projeto apenas como Mapeamento. 6 http://www.educacao.sp.gov.br/acessa-escola. Acesso em 28 jan. 2019. 18 Esse curso se constituiu no cenário de investigação de uma pesquisa de doutoramento ligado ao Mapeamento desenvolvida por Faria (2016). Tendo em vista minha atuação em uma EEI durante a participação no PIBID e realização do estágio e ainda o desenvolvimento da pesquisa de iniciação cientifica no contexto do projeto do Mapeamento, surgiu assim o interesse de investigar acerca do uso das Tecnologias Digitais no ensino de Matemática nas Escolas Estaduais de Ensino Integral de Rio Claro. Considero que o cenário das escolas EEI é diferente da maioria das escolas públicas convencionais7 e que tais escolas fazem parte de um programa que está em expansão no estado de São Paulo e no Brasil, considerando iniciativas como a mudança na estrutura do Ensino Médio com ampliação de 800 para 1000 horas anuais no tempo mínimo do estudante na escola, incluindo uma nova e mais flexível organização curricular. Tal mudança sinaliza uma ampliação das matrículas em tempo integral (BRASIL, 2017). Além disso, o Plano Nacional da Educação (PNE) estabelece que, até 2024, o país deve atender no mínimo 25% das matrículas da educação básica em tempo integral. Esses indícios de ampliação desse tipo de escola juntamente com suas especificidades nos levam a acreditar na importância de se investigar este tema. Posto meu interesse de pesquisa, se fazia necessário realizar um levantamento bibliográfico acerca de pesquisas que já tinham sido desenvolvidas acerca das escolas de tempo integral e uso de TD em aulas de Matemática. Para isto fiz, no início dos procedimentos desta pesquisa, uma busca no catálogo de dissertações da Capes procurando por trabalhos que abordassem concomitantemente os temas de escolas de tempo integral, ensino de Matemática e Tecnologias Digitais. Não havendo resultados explícitos satisfatórios, a busca foi refeita apenas com os temas de escolas de tempo integral e TD. Tais pesquisas foram analisadas, juntamente com algumas pesquisas que relacionam TD e ensino de Matemática que tive contato em minha trajetória, principalmente relacionados ao Mapeamento. O resultado deste processo eu apresento a seguir. 1.3 Levantamento bibliográfico e relevância do tema 7 Utilizarei nesta dissertação o termo “convencionais” para caracterizar as escolas públicas que não fazem parte do Programa Ensino Integral. 19 Com o avanço rápido da tecnologia, diversas situações do nosso dia a dia são influenciadas por essa evolução, o que pode trazer impactos bons inclusive para a educação. Para Santos e Barros (2008), as crianças começam muito cedo a ter acesso à tecnologia e isso interfere em seus modos de interagir e se comunicar. Nesse sentido, as autoras afirmam que os processos de ensino e aprendizagem, para atingir seus objetivos numa sociedade em constante mudança, necessitam de inovações e mediações. Uma das formas de inovação para o processo é o uso de tecnologias digitais, que propiciam aos professores estratégias didático-pedagógicas adicionais de ensino. Em um contexto de escola de tempo integral, Santos e Barros (2008) procuram avaliar os efeitos e as possibilidades didático-pedagógicas para os processos de ensino e aprendizagem provenientes dos projetos desenvolvidos pela Oficina Curricular de Informática Educacional. Vale observar que antes de lançar o Programa de Ensino Integral, o Estado de São Paulo lançou, em 2006, o que chamou de Escolas de Tempo Integral. Essas escolas ofereciam o currículo básico no período da manhã e no período da tarde eram oferecidas oficinas curriculares, “compostas por Orientação de Estudo e Pesquisa; Atividades de Linguagem e Matemática; Atividades Artísticas, Esportivas e Motoras e de Participação Social” (CARDOSO, 2015, p. 13). É referente a este ambiente que Santos e Barros (2008) falam da Oficina Curricular citada anteriormente. Segundo elas, ao encarar a informática como princípio educativo na Escola de Tempo Integral é possível ver esforços no sentido de transformar os processos de ensino e aprendizagem, auxiliando o educando a [...] avançar em sua compreensão de mundo, onde a interação provoca intervenções no desenvolvimento através de um lugar afetivo, e a interação e as estratégias coletivas, tanto de alunos quanto de professores, possam estar em harmonia, e ainda, permitir ao ser humano crescer num ambiente social (SANTOS; BARROS, 2008, p. 9). Além de trazer novas possibilidades às práticas pedagógicas, a integração de novas tecnologias no ensino também deve ser defendida como um direito dos alunos, contribuindo na promoção da cidadania. Isto pode ser observado nas Diretrizes do Programa Ensino Integral, em que é afirmado que a concepção de educação integral mostra a exigência da democratização da educação e de uma escola universal de qualidade, que para isso “considere o acesso a todos os recursos culturais, às mais diversificadas metodologias dos processos de ensino e de aprendizagem e, também, 20 à utilização das novas tecnologias como respeito à condição humana e sua respectiva dignidade” (SÃO PAULO, 2013a, p.8). É também nesse sentido que Borba e Penteado (2012)8 afirmam que O acesso à informática deve ser visto como um direito e, portanto, nas escolas públicas e particulares o estudante deve usufruir de uma educação que no momento atual inclua no mínimo uma “alfabetização tecnológica”. [...] Assim, o computador deve estar inserido em atividades essenciais, tais como aprender a ler, escrever, compreender textos, entender gráficos, contar, desenvolver noções espaciais etc. E, nesse sentido, a informática na escola passa a ser parte da resposta a questões ligadas à cidadania (BORBA; PENTEADO, 2012, p.17). Vemos assim que a utilização das TD nas escolas pode trazer benefícios significativos tanto nos processos de ensino e aprendizagem, quanto na democratização do acesso para os estudantes. Contudo, é possível observar diversas dificuldades para a integração de novas tecnologias dentro das salas de aula de escola pública. Coelho (2010), por exemplo, desenvolveu na cidade de Fortaleza - CE uma pesquisa sobre o uso de computadores e internet em uma escola de regime de tempo integral. Esta pesquisa, a princípio, tinha o objetivo de investigar o uso de tecnologias em aulas de Física na rede estadual do Ceará. Entretanto, de doze escolas selecionadas, apenas uma, a única de tempo integral na rede estadual, apresentou evidências de utilização de tecnologias como suporte didático. O autor afirma ainda, baseado em sua análise de relatos de professores, alunos e gestores, que mesmo esta escola possuindo uma riqueza de recursos, como sala de informática com cinquenta máquinas, sala de vídeo, projetor multimídia, aparelho de DVD e televisão, poucos professores aproveitavam esses recursos. Estes profissionais afirmam que “a universidade não lhes proporcionou condições para adquirir competências e habilidades para utilização competente dos recursos informáticos em sua prática docente” (COELHO, 2014, p. 120). Além disso, o autor afirma que o regimento da escola não traz qualquer referência à integração das tecnologias no currículo. Também em um contexto de escola integral, mais especificamente no Programa Ensino Integral, entretanto sem abordar o assunto das TD, Pessente (2016) desenvolveu sua pesquisa em escolas desse programa na cidade de São Carlos-SP. 8 Utilizamos, nessa dissertação, o Livro Informática e Educação Matemática em sua quinta edição. Por isso a citação Borba e Penteado (2012). A publicação original é do ano 2001. 21 Seu foco era entender o papel e a formação do professor protagonista, já que, segundo ela, este é um perfil esperado dos professores que atuam no PEI. Ela conclui sua pesquisa dizendo que os processos formativos oferecidos a esses docentes não dão o suporte necessário para que estes desenvolvam o papel de protagonistas. Vemos através do exemplo da pesquisa de Pessente (2016) que um novo modelo de escola, com propostas inovadoras, muitas vezes pode esbarrar em dificuldades de formação dos docentes. Voltando ao uso das tecnologias, Sarti (2014) fez um levantamento das Tecnologias de informação e Comunicação (TIC) utilizadas pelos professores de Ciências Exatas e da Natureza (Matemática, Física, Química e Biologia) do Ensino Médio das escolas particulares de Campinas-SP. Através de sua pesquisa ele percebeu que os equipamentos mais usados eram os computadores e datashow, e as mídias mais utilizadas eram imagens e vídeos. Sarti (2014) percebeu que a maioria dos professores pesquisados considera que as TIC despertam uma maior atenção por parte dos alunos. Identificou também que a maior dificuldade em relação aos professores está na falta de tempo de planejamento para aulas com TIC, além de outros pontos, como a própria falta de tempo para cumprir um conteúdo pré- determinado. Identificou ainda como dificuldades apontadas pelos professores a falta de formação para a utilização das TIC, a escassez de recursos tecnológicos, e a falta de habilidade para manusear os equipamentos. Volvendo nosso olhar novamente para o ambiente das escolas públicas paulistas, Chinellato (2014), em sua pesquisa vinculada ao Mapeamento, realizada nas escolas estaduais convencionais da cidade de Limeira-SP, afirma que salas de informática ficavam fechadas em várias escolas. Às vezes os motivos eram por não possuírem um técnico capacitado, ou ainda por não existir um espaço adequado para instalação de equipamentos em tais salas, ficando os computadores muitas vezes em caixas ou empilhados. Também vinculada ao Mapeamento, Oliveira (2014) levanta, em sua dissertação de mestrado, alguns pontos sobre os problemas envolvendo a utilização das TD em escolas públicas (não integrais) de Bauru-SP. Para a autora, Embora documentos oficiais afirmem que o Programa Acessa Escola preza pela estruturação, de modo que facilite a utilização dos computadores pelos alunos e professores, evidenciamos o contrário. A estrutura dos laboratórios de informática é degradante, sobretudo quando levamos em consideração o contingente de alunos que a escola atende (OLIVEIRA, 2014, p. 112). 22 Além de estruturas precárias, a falta de formação dos professores para o uso das TD e a falta de apoio por parte da equipe gestora das escolas podem ser observadas em Chinelatto (2014), quando afirma haver evidências de que os professores solicitam por cursos de formação para poder usufruir das TD nos laboratórios de informática regidos por programas como o Acessa Escola. Em suas entrevistas com os professores, muitos não mostraram conhecimento sobre a existência dos softwares matemáticos GeoGebra9 e Graphmática10 na plataforma do Acessa Escola. Este autor ainda ressalta relatos de professores que não sentem o respaldo da direção escolar para utilização dos equipamentos, visto que a responsabilidade quanto a defeitos nos computadores ou sumiço de materiais recai sobre os próprios docentes. Também com relação à formação dos professores, que muitas vezes não garante ao professor segurança para inovar utilizando as TD, Oliveira (2014) afirma em sua pesquisa que [...] os professores participantes dessa pesquisa, em sua grande maioria, não se sentem preparados para utilizar as Tecnologias de Informação e Comunicação em suas aulas [...]. Essa insegurança, que evidenciamos no discurso dos professores, é resultado da formação que tiveram, na maioria dos casos tão precária quanto à estrutura dos laboratórios das escolas (OLIVEIRA, 2014, p. 112). Vale ressaltar ainda que, para o Programa Ensino Integral, atividades experimentais em Matemática e Ciências são umas das estratégias metodológicas para a realização da excelência acadêmica e para tal prevê aulas em espaços investigativos (SÃO PAULO, 2013a). Suas diretrizes ressaltam a importância das atividades experimentais no currículo e defendem que: No laboratório, as atividades investigativas podem contribuir para o desenvolvimento de competências e habilidades tais como: formular hipóteses, elaborar procedimentos, conduzir investigações, formular explicações, apresentar e defender argumentos científicos (SÃO PAULO, 2013a, p. 32). Ao olhar para o ensino de Matemática, vemos que essas habilidades podem ser desenvolvidas com atividades experimentais e investigativas realizadas com softwares matemáticos. Um exemplo desta possibilidade é a utilização do software GeoGebra, que segundo Borba, Scucuglia e Gadanids (2014) tem um caráter 9 Ver software em: https://www.geogebra.org. Acesso em 28 out. 2018. 10 Ver software em: http://www.graphmatica.com. Acesso em 28 out. 2018. 23 inovador, pois trata de uma tecnologia pioneira em relação à integração de geometria dinâmica, de sistema de computação algébrica e de funções. Diversos recursos, como “arrastar” e “controle deslizante” permitem que atividades possam ser exploradas mais profundamente, possibilitando que alunos levantem conjecturas e testem hipóteses, convergindo com objetivos identificados nas diretrizes do PEI (SÃO PAULO, 2013a). É possível observar que as pesquisas aqui apresentadas abordam temas que ou associam a informática em escolas que atuam em tempo integral ou que associam as TD com a educação matemática. Seguindo estas duas tendências, a presente pesquisa visa englobar as duas relações, desenvolvendo, por sua vez, uma relação entre as TD, o ensino de Matemática e Escolas de Ensino Integral. Para isso, a seguir é a apresentada a estrutura desta dissertação que relata a pesquisa de mestrado desenvolvida. 1.4 Organização da dissertação Essa dissertação está organizada em seis seções. A primeira delas, na qual essa subseção faz parte, apresento um panorama geral da pesquisa, como o nome das escolas pesquisadas, a questão norteadora e alguns procedimentos utilizados. Em seguida apresento minha trajetória acadêmica e profissional e os principais motivos que mobilizaram meu interesse pelo tema ora pesquisado, seguido por um levantamento bibliográfico acerca dos temas que envolvem esta pesquisa. Já na segunda seção, abordo o Programa de Ensino Integral, suas características, particularidades, como as leis e diretrizes que o embasam, a jornada de trabalho diferenciada dos professores, os conceitos estruturantes do programa, as disciplinas específicas e diversificadas, a sua matriz curricular, entre outros aspectos. Na terceira seção “Tecnologia Digitais e o Ensino de Matemática” apresento uma discussão teórica sobre a utilização das TD no Ensino da Matemática, abordando as Tecnologias Digitais, as fases dessas tecnologias na Educação Matemática e o Mapeamento das tecnologias nas aulas de Matemática do estado de São Paulo. Na seção, “Metodologia da Pesquisa”, apresento o percurso metodológico da pesquisa, destaco a abordagem de pesquisa qualitativa e detalho os procedimentos adotados na produção dos dados, que consistiram em um levantamento de recursos das três EEI de Rio Claro - SP, em um questionário aplicado a cada professor que na 24 ocasião ensinava Matemática nessas escolas, em observação de aulas e em uma entrevista individual realizada com cada um desses professores. Na seção 5 “Apresentação e Análise dos dados” trago os dados produzidos e uma análise dos mesmos, buscando categorias que proporcionassem indícios de respostas à pergunta norteadora da pesquisa. Na seção 6 apresento as Considerações Finais, seguidas pelas Referências Bibliográficas utilizadas na pesquisa. Por fim, são apresentados os Apêndices e Anexos. 25 2 O PROGRAMA ENSINO INTEGRAL Nesta seção são apresentadas as características do PEI11, incluindo suas particularidades. É neste contexto que se encontram as escolas que formaram o cenário desta investigação, cujo objetivo foi entender quais as possibilidades do uso das TD no ensino de Matemática nas escolas públicas estaduais que pertencem ao Programa de Ensino Integral da cidade de Rio Claro. Vale ressaltar que não é objetivo desta seção e nem desta dissertação discutir profundamente aspectos e opiniões da relevância, do funcionamento e da eficiência do PEI, mas sim trazer elementos desse programa que contribuem para a caracterização das escolas que foram observadas nesta pesquisa. O cenário em que a pesquisa foi desenvolvida é composto por três escolas estaduais de Rio Claro - SP que fazem parte do PEI. Uma delas, a E.E. Carolina Augusta Seraphim, já atuava como escola de período integral como parte do antigo programa do Estado de São Paulo, chamado Escola de Tempo Integral (ETI), que oferecem, no contra turno das aulas regulares, atividades esportivas e culturais. A partir de 2013, esta escola aderiu ao PEI, assim como outras duas que funcionavam antes de forma convencional: Escola Estadual Chanceler Raul Fernandes, entrando no PEI em 2013, e a Escola Estadual Marciano de Toledo Piza, em 2014. É importante destacar que PEI e ETI são os dois modelos ativos de escolas que possuem jornada integral no estado de São Paulo. Atualmente as escolas que pertencem ao ETI têm diminuído, dando lugar para o novo modelo, o PEI. É sobre este novo modelo que se discorre nesta seção e é destes que as escolas investigadas fazem parte. Existem outros modelos de escolas públicas que funcionam em período integral pelo país, em nível estadual, federal e municipal. Mesmo no estado de São Paulo, existem municípios que oferecem escolas em tempo integral. Um exemplo é a própria cidade de Rio Claro – SP, onde se deu essa pesquisa. Nessa cidade existe, por exemplo, a Escola Agrícola12, pertencente à rede municipal de ensino. Entretanto é preciso deixar claro que estas outras escolas não fazem parte do foco desta pesquisa, sendo do interesse desta dissertação apenas as escolas do PEI, tendo as características que configuram o cenário de investigação. 11 https://www.educacao.sp.gov.br/ensino-integral. Acesso em 29/07/2020. 12 https://imprensa.rioclaro.sp.gov.br/?p=49289. Acesso em 29/07/2020. 26 2.1 Leis e diretrizes do PEI Conforme apresentado na seção de introdução, o PEI iniciou-se em 2012, abrangendo 16 escolas de Ensino Médio no estado de São Paulo. Já em 2013, essa abrangência foi ampliada para 22 escolas de Ensino Fundamental dos Anos Finais, 29 de Ensino Médio e duas de ambos os níveis de ensino (SÃO PAULO, 2013a). Em 2019 esse número já havia crescido para um total de 417 escolas em todo o estado de São Paulo. Em 2020 o PEI foi ampliado com mais 247 escolas, subindo para um total de 664 unidades13. As escolas que aderem ao PEI são chamadas de Escolas de Ensino Integral (EEI). Este programa foi instituído no Estado de São Paulo pela Lei Complementar nº 1.164, de 4 de janeiro de 2012 (SÃO PAULO, 2012a) e alterada pela Lei Complementar nº 1.191, de 28 de dezembro de 2012 (SÃO PAULO, 2012b), além de ser abordado no Decreto nº 59.354, de 15 de julho de 2013 e na Resolução SE N° 49. Tais normativas instituem, entre outras coisas, o Regime de Dedicação Plena e Integral, no qual os professores devem prestar 40 horas de trabalho semanais na escola, não podendo exercer outra atividade remunerada durante este horário. Instituem também a Gratificação de Dedicação Plena e Integral, pagando um acréscimo de 75% ao salário destes docentes em relação ao que receberiam por uma carga de 40 horas semanais em uma escola estadual convencional. Exigem ainda uma experiência de no mínimo três anos no magistério público estadual, para que o professor possa atuar em uma EEI. Além disso, essas leis vetam a contratação de professores temporários para estas escolas, incumbindo aos docentes da mesma área a substituição dos que eventualmente venham se ausentar. Desta forma, cada unidade escolar é amparada por um corpo docente fixo, ou seja, com professores exclusivos dessas escolas14. Isto pode gerar mais possibilidades de desenvolvimento de ações conjuntas, do que em escolas estaduais que não fazem parte do programa, onde é comum encontrar professores que lecionam aulas em duas, três ou mais escolas diferentes durante a semana, ou até mesmo em um dia. 13https://www.educacao.sp.gov.br/noticia/escola-tempo-integral/governo-de-sp-anuncia-maior- expansao-ensino-integral-da-historia/ (Acesso em 17 de Janeiro de 2020). 14 Durante a produção dos dados foi possível identificar que um dos professores sujeitos da pesquisa lecionava em uma outra escola estadual em período noturno. Isto era possível, visto que ele dispunha de dois cargos distintos, e este segundo cargo era exercido em horário não conflitante com o da EEI. 27 Entretanto isto pode gerar problemas, como o ocorrido em uma das escolas observadas, em que uma das professoras de Matemática precisou afastar-se em licença saúde por um longo período, momento em que se dava a produção dos dados neste cenário de investigação. Tal fato acarretou em sua saída como participante da pesquisa aqui dissertada. Outro ponto relevante a se observar é que pelo fato da professora se ausentar por licença saúde, a escola não pôde contratar outro professor, e nem pôde fornecer essas aulas para algum professor eventual que não fosse dessa mesma escola. Essas aulas foram então redistribuídas para os outros professores da área de Ciências da Natureza e Matemática. Isso gerou uma sobrecarga para os professores dessas áreas na escola, além de acontecer que algumas turmas que aquela professora dava aula precisaram ter aquelas aulas com professores variados, que se alternavam durante a semana para cobrir o afastamento, porque um só professor não conseguia conciliar todas as aulas de uma turma. Vale destacar ainda que o artigo 13 da Resolução SE N° 49, de 19 de julho de 2013 (SÃO PAULO, 2013b)15, instituiu para as EEI a jornada diária de 9 horas e 30 minutos para os estudantes de Ensino Médio e de 8 horas e 40 minutos, para os de Anos Finais do Ensino Fundamental. Essas jornadas correspondem com o que preconiza o artigo 36 da Resolução nº 7, de 14 de dezembro de 2010, do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010, p.10) que define o período integral como a “jornada escolar que se organiza em 7 (sete) horas diárias, no mínimo, perfazendo uma carga horária anual de, pelo menos, 1.400(mil e quatrocentas) horas”. As leis aqui citadas também direcionam as atribuições dos membros da equipe docente e gestora, criando, por exemplo, a função de Professores Coordenadores de Área do conhecimento, além de normatizarem as especificidades dessas escolas, que abordaremos na sequência. 2.2 Protagonismo Juvenil e Projeto de Vida As escolas pertencentes ao PEI, além de terem uma organização específica, têm em seu programa um alicerce baseado em valores, premissas e princípios. Segundo Voorwald e Souza (2014) São valores do Programa de Ensino Integral: I. Valorização da educação pública pela oferta de um ensino de qualidade; II. Valorização dos educadores; III. Gestão Escolar democrática e 15https://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/565.pdf (acesso em 08/10/2019). 28 responsável; IV. Espírito de equipe e cooperação; V. Mobilização, engajamento e responsabilização da Rede, dos alunos e da sociedade em torno do processo de ensino-aprendizagem, que se configura em espírito público e cidadania; e VI. Escola como centro irradiador da inovação. Quanto às premissas do Programa, recordemos que são as seguintes: I. Formação continuada; II. Corresponsabilidade; III. Protagonismo; IV. Excelência em gestão; V. Replicabilidade (VOORWALD; SOUZA, 2014, p.22). Os autores também citam os quatro princípios que norteiam o programa, sendo, primeiramente, um desses princípios os Quatro Pilares da Educação, a saber: I. Aprender a conhecer; II. Aprender a fazer; III. Aprender a viver com os outros; IV. Aprender a ser. Em seguida vem a Pedagogia da Presença, em terceiro lugar a Educação Interdimensional, e por fim, o Protagonismo Juvenil. Ainda para eles, esses princípios geram uma marca inovadora para o programa, assim como alguns outros componentes dessas escolas, como a infraestrutura física e de equipamentos, o tempo de permanência de alunos e professores, o modelo de gestão e pedagógico, entre outros (VOORWALD; SOUZA, 2014). Esses valores, premissas e princípios devem fundamentar e nortear as ações de gestão, as ações pedagógicas e as administrativas das escolas pertencentes ao programa. Entretanto, baseado nestes princípios apresentados acima, existem dois conceitos principais que estruturam as ações dessas escolas: o Projeto de Vida e o Protagonismo Juvenil. Com o conceito de protagonismo pretende-se formar jovens autônomos, solidários e competentes. De acordo com as diretrizes do PEI, o “Protagonismo Juvenil é um dos princípios educativos que sustentam o modelo” (SÃO PAULO, 2013a, p. 14). Elas afirmam também que ao mesmo tempo, o Projeto de Vida refere- se ao “foco para onde devem convergir todas as ações da escola e a metodologia que apoiará o estudante na sua construção” (SÃO PAULO, 2013a, p. 14). As diretrizes do PEI destacam também a necessidade de que o jovem seja tratado como fonte de iniciativa, liberdade e compromisso, para poder formá-los autônomos, competentes e solidários. Diante das oportunidades que se apresentam nessas escolas, Voorwald e Souza (2014) afirmam que por meio do protagonismo, espera-se uma dedicação e empenho por parte dos alunos e que assim, sob preceitos como da excelência acadêmica, da formação para valores e da formação para a vida cidadã, desenvolvam novas habilidades e competências. 29 O artigo 1º da Resolução SE nº 49, de 19 de julho de 2013 (SÃO PAULO, 2013b) deixa claro que o objetivo precípuo do programa é a formação de indivíduos solidários, competentes e autônomos. As diretrizes, por sua vez, completam a relação destes termos com a promoção do protagonismo juvenil: O aluno é o ator principal na condução de ações nas quais ele é sujeito e simultaneamente objeto das suas várias aprendizagens. No desenvolvimento dessas ações de Protagonismo Juvenil o jovem vai se tornando autônomo à medida que é capaz de avaliar e decidir com base nas suas crenças, valores e interesses; vai se tornando solidário, diante da possibilidade de envolver-se como parte da solução e não do problema em si; e competente para compreender gradualmente as exigências do novo mundo do trabalho e preparado para a aquisição de habilidades específicas requeridas para o desenvolvimento do seu Projeto de Vida (SÃO PAULO, 2013a, p. 15). No artigo segundo da Resolução 49 são apresentadas a organização da gestão pedagógica e administrativa dessas escolas. É no item IV deste artigo que se define o Projeto de Vida como o “documento elaborado pelo aluno, que expressa metas e define prazos, com vistas à realização das aptidões individuais, com responsabilidade individual, responsabilidade social e responsabilidade institucional em relação à Escola” (SÃO PAULO, 2013b, p. 2). Na prática, cada aluno elabora individualmente um documento inicial no começo do ano, evidenciando assuntos de seu interesse, principalmente em relação às escolhas profissionais e acadêmicas que pretendem no futuro. Diante disso, a equipe escolar elabora metas e objetivos, além de um plano de ações para alcançá- los, encaminhando assim o estudante no desenvolvimento das condições necessárias para atingir o objetivo final do seu Projeto de Vida. No decorrer do desenvolvimento do Projeto de Vida, os alunos recebem uma tutoria de um professor ou membro da gestão, escolhido pelo próprio aluno, e que o acompanha semanalmente. A primeira versão deste documento é desenvolvida pelo aluno na atividade de acolhimento (atividade que será detalhada adiante) e que acontece sempre nos primeiros dias de aula do ano. Esta versão deve ser constantemente revisada sob a supervisão do professor tutor, de modo a aprimorá-la cada vez mais. Como vemos nas diretrizes, as ações educativas do projeto escolar devem ter como foco os Projetos de Vida dos alunos, sendo o modelo pedagógico constituído para assegurar a construção destes (SÃO PAULO, 2013a). Voorwald e Souza (2014) afirmam que o centro do programa deve ser o aluno e seu Projeto de Vida, de forma que toda dinâmica da escola deve girar em torno 30 deste centro. Os autores apontam também que no Ensino Fundamental o Projeto de Vida deve promover o desenvolvimento de habilidades que forneçam aos alunos a segurança para encarar os desafios das etapas de sua vida escolar. Já no Ensino Médio, o Projeto passa a ser um guia para as decisões de cada jovem sobre seu futuro acadêmico e profissional. Para o desenvolvimento do Protagonismo Juvenil e do Projeto de Vida, há na grade curricular do PEI uma disciplina da parte diversificada que foca cada uma em um destes dois temas. Outras disciplinas da parte diversificada serão apresentadas na próxima subseção. Como citado anteriormente, os ingressantes das EEI passam nos primeiros dias letivos do ano por uma atividade chamada Acolhimento. Os alunos veteranos da escola são os responsáveis por conduzirem essas atividades, e caso a escola seja iniciante do PEI, alunos de outras escolas do programa são convidados para auxiliarem no acolhimento dos alunos dessa nova escola. Como consta nas diretrizes, os novos alunos recebem, através de dinâmicas de grupo, orientações sobre os fundamentos e princípios da EEI e são levados a escreverem um primeiro rascunho de seu Projeto de Vida, descrevendo seus sonhos e o que precisam fazer para alcançá-los (SÃO PAULO, 2013a). As diretrizes ainda reiteram que sendo o acolhimento uma atividade de alunos, a equipe gestora, os professores e os funcionários participam na última parte dessa atividade, quando todos são convidados a conhecer os produtos elaborados pelos estudantes durante os dois dias de atividades. Todos os materiais produzidos pelos alunos são guardados, sendo subsídio para o trabalho subsequente dos professores, principalmente o professor de Projeto de Vida (SÃO PAULO, 2013a, p. 22). Vemos que o acolhimento é uma atividade que, apesar de desenvolver o Protagonismo Juvenil por parte dos alunos veteranos, tem como foco principal proporcionar o desenvolvimento do Projeto de Vida dos alunos. Já dentre as práticas e vivências que têm como foco o desenvolvimento principalmente do Protagonismo Juvenil, destacam-se as atividades dos Líderes de Turma e dos Clubes Juvenis. Porém, diferente do Acolhimento, essas atividades são realizadas durante todo o ano. Os Líderes de Turma são dois alunos escolhidos pela turma para liderarem a sua classe por um determinado período de tempo. Assim, como costuma acontecer com os chamados representantes de classe nas escolas convencionais, Voorwald e 31 Souza (2014) afirmam que esses líderes escolhidos devem ser exemplos para os demais colegas, desenvolvendo uma postura de não indiferença em relação à escola e à comunidade escolar. Além disso, a atuação desses líderes permite que sejam ampliados os espaços de Protagonismo Juvenil e possibilita também o aprimoramento da gestão escolar, ao permitir a participação de alunos. Para isso “a rotina escolar é organizada de modo a comportar reuniões periódicas desses líderes com a equipe gestora da escola, de modo a viabilizar sua participação sem comprometimento das demais atividades” (SÃO PAULO, 2013a, p. 16). Os Clubes Juvenis, por sua vez, são espaços coletivos no qual todos os alunos podem participar. São definidos no item VI do artigo 2 da Resolução SE nº 49 como grupos temáticos, criados e organizados pelos alunos, com apoio dos professores e da direção da escola. Cada clube é formado a partir da proposta de um aluno presidente e um aluno vice-presidente, que apresentam um plano para a gestão, com a organização e metas. A gestão então avalia essa proposta de clube. A partir de aprovado, outros alunos podem se inscrever cada um em um clube, sem importarem com a turma a qual pertença, mas sim com a afinidade dele para com o tema. Surgem clubes com os mais variados temas, desde reforços de Matemática até sobre a vida de alguma pessoa famosa. As diretrizes do PEI determinam que os clubes devam atender à exigência da relevância para a formação escolar e esclarecem ainda que a disciplina de Protagonismo Juvenil fornece apoio dos professores aos alunos de Ensino Fundamental para a criação e gestão de seus clubes. Entretanto, durante o horário do Clube Juvenil, os alunos ficam sem os professores, que nesse mesmo horário realizam sua reunião pedagógica coletiva. Estes alunos ficam então apenas sob a responsabilidade da direção. Tratamos neste tópico de especificidades das EEI que se referem diretamente aos conceitos estruturantes do Protagonismo Juvenil e do Projeto de Vida. A seguir apresentaremos as disciplinas específicas do programa. 2.3 Disciplinas da Parte Diversificada Uma característica das EEI é que, diferentemente de outros modelos de escolas de tempo integral, nas quais as disciplinas da base comum são oferecidas na parte da manhã enquanto no período da tarde são oferecidas oficinas e/ou atividades 32 extracurriculares, as disciplinas obrigatórias e as da parte diversificada são oferecidas de forma distribuída no decorrer do dia. Essa distribuição pode ser verificada a seguir no recorte do quadro de horário da E.E. Marciano de Toledo Piza para o ano letivo de 201716. Figura 1 – Recorte do horário das aulas de um dia da semana dos primeiros anos do Ensino Médio. Fonte: Fornecido pela coordenadora geral da escola. É possível perceber, na figura 1, que neste dia da semana, enquanto uma turma tinha aula de Física e a outra tinha aula de Matemática (MAT), que são disciplinas obrigatórias para Ensino Médio, outra turma, a 1ª série 2, tinha aula de Projeto de Vida (P.V.), que integra o rol de disciplinas da parte diversificada. Essa mesma turma da 1ª série 2, logo após teria aula de História (HIST), e em seguida de Orientação de Estudo (O.E.), sendo esta última também integrante da parte diversificada. Outras disciplinas podem ser observadas nesse recorte, como Língua Portuguesa (L.P.), Laboratórios de Biologia e de Matemática (Lab/B e LAb/M), Inglês (ING) e Educação Física (E.F.). No quadro de horário, as letras que aparecem entre aspas referem-se às letras iniciais dos nomes dos professores responsáveis pela disciplina e, na sequência, aparece o número da sala em que a disciplina era ministrada. Cabe observar que a dinâmica das EEI investigadas acontece com o estilo sala ambiente, ou seja, de forma que os alunos trocam de sala para cada aula, e o professor permanece na mesma. Quando não há uma sala individual para cada professor, geralmente há o revezamento de sala entre professores da mesma área. 16 Ano em que os dados foram produzidos. 33 Entre as disciplinas da parte diversificada, já apresentamos aqui a de Projeto de Vida, de Protagonismo Juvenil e os Clubes Juvenis. Apresentamos a seguir as demais disciplinas: Orientação de Estudo (O.E.) Nesta disciplina trabalha-se, como o próprio nome sugere, estratégias que orientem os alunos em seus estudos. Qualquer professor do quadro do magistério da escola pode ser responsável por essa matéria, sendo ela atribuída turma por turma aos professores a cada começo de ano letivo. Como exemplo, um professor pode lecionar O.E. para um nono ano, e um outro professor pode lecionar para um oitavo ano. Segundo Voorwald e Souza (2014), essas aulas são importantes para auxiliar na aprendizagem e na organização individual de cada estudante para que criem hábitos e rotinas de estudos. Visando o protagonismo dos alunos, as diretrizes do PEI afirmam que “a introdução da Orientação de Estudo na matriz curricular do Ensino Integral deve-se, em primeiro lugar, à estratégia de que aprender a estudar é condição primordial para o desenvolvimento da autonomia de nossos estudantes.” (SÃO PAULO, 2013a, p. 30). As diretrizes também esclarecem que são elaborados resumos, fichamentos e resenhas por parte dos alunos, de acordo com a orientação dos professores. Além disso, diz ser pertinente a colaboração dos professores das disciplinas da base comum para elaboração do planejamento da disciplina, inclusive na indicação de textos, mesmo que o foco não seja o conteúdo do texto em si, mas a forma de estudá- lo. Espera-se que os estudantes, ao se apropriarem de diferentes estratégias de estudos, desenvolvam o hábito e o gosto pelos estudos (SÃO PAULO, 2013a). Dentro da disciplina da O.E. existe uma atividade chamada nivelamento. Seu objetivo é buscar reduzir as defasagens de conteúdo dentro de cada turma. As diretrizes afirmam que para esta atividade é previsto o uso de algumas estratégias, como a organização de agrupamentos a partir das habilidades e competências que precisam ser desenvolvidas. “Há ainda outras possibilidades, como grupos produtivos, aluno monitor, agrupamento por dificuldade, monitoria de professor, etc.” (SÃO PAULO, 2013a, p. 27). Este nivelamento é baseado, segundo as diretrizes, em avaliações diagnósticas que são aplicadas no começo de cada semestre em toda a rede estadual, com o foco em Leitura, Português e Matemática. Assim, as atividades, apesar de serem aplicadas 34 pelo professor de O.E., são desenvolvidas com o apoio da gestão e dos professores de Português e Matemática, visto que nem sempre o responsável pela O.E. pertence a uma dessas áreas. Práticas Experimentais (Matemática, Ciências, Biologia, Química e Física) As disciplinas de práticas acontecem geralmente em algum laboratório. As escolas pertencentes ao PEI de anos finais do Ensino Fundamental são equipadas com um laboratório de Ciências Físicas e Biológicas, além de uma sala multiuso para Matemática e Robótica. Já as escolas de Ensino Médio possuem um laboratório de Física, Matemática e Robótica, e outro de Química e Biologia (SÃO PAULO, 2013a). Além disso, as escolas também possuem um laboratório de informática, porém o número de computadores varia por escola. Vale observar que apesar de existirem realmente esses espaços nas escolas observadas nesta pesquisa, nem sempre os recursos e equipamentos necessários se faziam presentes. Tal fato ficará evidenciado na seção de apresentação dos dados, onde são caracterizadas as três escolas participantes desta pesquisa. As aulas de práticas experimentais começam apenas no oitavo ano. Para os alunos de oitavo e nono ano são oferecidas uma aula por semana de Prática de Matemática e uma de Prática de Ciências. Já no Ensino Médio, apenas alunos do primeiro e segundo ano têm em sua grade aulas de práticas experimentais, sendo, por semana, uma aula de Prática de Matemática, uma de Prática de Física, uma de Prática de Química e outra de Prática de Biologia. Um grande diferencial dessas aulas é que, além de praticamente sempre serem realizadas em algum laboratório, elas são oferecidas para metade da turma por cada vez. Assim é comum ver na grade do Ensino Fundamental, por exemplo, duas aulas de Prática de Ciências e duas aulas de Prática de Matemática sendo oferecidas ao mesmo tempo para mesma turma. Sendo assim, em uma primeira aula, metade da turma fica em um laboratório tendo aula com foco em Ciências, e outra metade em outro laboratório tendo aula com foco em Matemática. Na segunda aula essas metades da turma são trocadas, e os professores de cada prática repetem o conteúdo da aula para a outra parte da turma. O mesmo acontece de duas em duas com as quatro disciplinas de práticas oferecidas aos primeiros e segundos anos do Ensino Médio. 35 As diretrizes apontam a necessidade de que as aulas de prática tenham uma metodologia apropriada para que sejam ambientes férteis para a aprendizagem e para a produção dos conhecimentos científicos, e não com atividades meramente ilustrativas. E como benefícios esperados pelas aulas de prática, as diretrizes destacam, entre outros itens, o interesse pelas ciências que se desperta nos alunos, o aprimoramento da capacidade de observar e registrar informações, a aprendizagem de analisar dados, de propor hipóteses, de estabelecer relação entre tecnologia, ciência e sociedade e de detectar erros conceituais, desenvolvendo habilidades manipulativas e desenvolvendo a criatividade, a iniciativa e a capacidade de trabalhar em grupo (SÃO PAULO, 2013a). Preparação Acadêmica e Mundo do Trabalho Para alunos do segundo e terceiro ano do Ensino Médio é oferecida a disciplina de Preparação Acadêmica, que são aulas preparatórias para os alunos que querem prestar os exames seletivos, como vestibular ou ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), para ingressar em instituições de ensino superior, sendo três aulas semanais para o segundo ano e quatro para o terceiro. O terceiro ano dispõe em sua grade também da disciplina Mundo do Trabalho, com duas aulas semanais, para atender aqueles que pretendem ingressar imediatamente no mercado de trabalho. Disciplinas Eletivas As diretrizes do Ensino Integral afirmam que o programa tem como suporte para as disciplinas eletivas as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, já que elas propõem ao currículo uma parte diversificada (SÃO PAULO, 2013a). Ainda segundo São Paulo (2013a) as eletivas são organizadas semestralmente e, cada uma, por no mínimo dois professores. Esses professores podem ministrar a aula juntos ou alternadamente. Baseado nos projetos de vida dos alunos, e com o intuito de se aprofundar os conteúdos curriculares, os professores se reúnem e decidem quais temas são relevantes para serem oferecidos aos alunos. Esse projeto de vida, que é trabalhado na disciplina de mesmo nome, já começa a ser elaborado por cada aluno desde a atividade de acolhimento, nos primeiros dias de aula. Esse material produzido por cada aluno dá então a base para que os professores elaborem as eletivas a serem oferecidas. Assim, a cada semestre o aluno escolhe a eletiva que deseja cursar, 36 interferindo, segundo Voorwald e Souza (2014), construtivamente na montagem de seu próprio currículo. As diretrizes do programa afirmam que as disciplinas eletivas devem propiciar “o desenvolvimento das diferentes linguagens, plástica, verbal, matemática, gráfica e corporal, além de proporcionar a expressão e comunicação de ideias e a interpretação e a fruição de produções culturais” (SÃO PAULO, 2013a, p.29). As diretrizes afirmam também que estas disciplinas podem ser oferecidas de modo a agrupar alunos de 6º e 7º anos ou de 8º e 9º anos no Ensino Fundamental, e das três séries do Ensino Médio. Para que todos possam participar, elas devem ser oferecidas todas em um horário comum (SÃO PAULO, 2013a). Todas as disciplinas eletivas devem culminar em um produto ou em uma apresentação para toda a escola, em um dia específico no fim de cada semestre. Essa atividade é chamada de Culminância. É um momento importante para compartilhar o que foi desenvolvido nas diferentes eletivas daquele período, e também uma forma de que os alunos sintam a valorização de seus trabalhos. Tendo apresentado as disciplinas da parte diversificada, ressalto que elas são distribuídas na grade curricular juntamente com as disciplinas da base comum17. Encontra-se nos anexos dessa dissertação as matrizes curriculares do Ensino Fundamental Integral e do Ensino Médio Integral. Nas matrizes podemos verificar que, mesmo que consideremos que o período integral abrange dois turnos (manhã e tarde), não temos necessariamente o dobro de aulas que teria por dia em uma escola convencional. Nass escolas do PEI dos Anos Finais do Ensino Fundamental o total semanal é de 39 aulas, sendo oito aulas por dia, exceto no dia da semana em que se tem uma das oito aulas dedicada ao Clube Juvenil. Nas escolas de Ensino Médio do programa, por sua vez, o total de aulas semanais é de 43 aulas, além de duas de Clube Juvenil, configurando-se nove aulas diárias. Vimos nesta seção como se organizam as escolas do PEI de uma forma geral. A rotina dessas escolas se alicerça no desenvolvimento do protagonismo juvenil e do projeto de vida dos alunos e, para isso, há disciplinas para tratarem deste tema, além de clubes juvenis, disciplinas eletivas, orientações de estudo, entre outras estratégias 17 A produção dos dados desta pesquisa, assim como a escrita dos textos citados nesta seção, se deu antes da aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e por isso ela não é contemplada aqui. 37 que visam desenvolver no aluno um diferencial na personalidade deles, além da aprendizagem de conteúdos da base comum. Características da dinâmica destas escolas, tais como o trabalho diferenciado dos professores em relação às escolas convencionais e as disciplinas em espaços de laboratórios com turmas divididas, me instigaram a investigar se tais fatores condicionam o uso de TD no ensino de Matemática. Antes de desenvolver tais questionamentos, porém, e tendo explicitado o contexto do PEI ao qual cenário da pesquisa pertence, na próxima seção será explorada a relação das Tecnologias Digitais com o ensino de Matemática. 38 3 TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO DA MATEMÁTICA As Tecnologias Digitais estão presentes em muitas situações no nosso dia a dia. No interior de qualquer estabelecimento comercial é fácil encontrar um computador sendo utilizado para o serviço e, além disso, a maioria das casas possuem pelo menos um aparelho de TV e algum aparelho eletrônico com acesso à internet. Da mesma forma, a todo o momento vemos pessoas interagindo com um smartphone e já tem se tornado cada vez mais comum encontrar pessoas que tenham acesso a esse tipo de recurso, principalmente entre os jovens. Com os estudantes da escola básica não é diferente. Mesmo nas escolas públicas, que possuem alunos cujas famílias têm variadas faixas de renda, já é possível ver uma grande parte deles com seu smartphone pessoal. Entretanto nas escolas, com o objetivo de se articulá-las aos processos de ensino e aprendizagem, essas tecnologias ainda têm aparecido de maneira tímida, não sendo vistas com a mesma intensidade que costumamos ver nos ambientes extraescolares. Ainda assim, as salas de informática têm se mostrado uma opção para o desenvolvimento de atividades que podem encontrar nos recursos digitais uma forma de colaborar com a aprendizagem dos alunos. Além dessa, outras opções também têm sido utilizadas, como vídeos (seja através de TV, projetor ou computador) e celulares. Nesta seção abordamos o tema das Tecnologias Digitais, relacionando-o com algumas das muitas pesquisas que são desenvolvidas sobre o seu uso no ensino de Matemática, até chegar às pesquisas que influenciaram diretamente o trabalho apresentado nesta dissertação. Antes de tudo, o que é tecnologia? Para Kenski (2012), podemos chamar de tecnologia “o conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, a construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade” (KENSKI,2012, p. 24). A autora afirma também que se tem falado frequentemente de novas tecnologias no que se refere aos processos e produtos que estão relacionados com a eletrônica e com as telecomunicações, principalmente. Já as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são definidas por Kenski (2012) como o processo de produção e do uso dos meios de comunicação baseados no uso da linguagem oral, da escrita, e da síntese entre imagem, movimento e som. 39 Em relação às linguagens, Kenski (2012) destaca a linguagem digital como uma síntese de outras duas, a oral e a escrita, englobando aspectos dessas duas últimas em novos contextos. A tecnologia digital rompe com as formas e narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz. Deixa de lado a estrutura serial e hierárquica na articulação dos conhecimentos e se abre para o estabelecimento de novas relações entre conteúdos, espaços, tempos e pessoas diferentes. A base da linguagem digital são os hipertextos, sequências em camadas de documentos interligados, que funcionam como páginas sem numeração e trazem informações variadas sobre determinado assunto (KENSKI, 2012, p. 32). A autora ainda pontua que a linguagem digital se expressa em múltiplas TIC e relata uma convergência das TIC para uma nova tecnologia, a digital. Para ela é possível representar e processar todo tipo de informação através da tecnologia digital. Em seus ambientes reúnem-se a computação, as comunicações e os mais variados tipos, suportes e formas em que os conteúdos, como fotos, músicas, vídeos e textos são disponibilizados (KENSKI, 2012). A partir dessas ideias, para nos referir a esse conjunto de tecnologias usamos neste trabalho de mestrado o termo Tecnologias Digitais (TD). Kenski (2012) afirma não haver dúvidas que essas tecnologias proporcionaram mudanças positivas e consideráveis para a educação, dinamizando o espaço de ensino-aprendizagem. Mas destaca que elas precisam ser compreendidas e incorporadas pedagogicamente para que possam trazer alterações no processo educativo. Ao olharmos especificamente para a Educação Matemática brasileira, verificamos que muitas discussões sobre a integração das TD têm acontecido e vêm se tornando uma tendência. Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014), por exemplo, discutem fases das TD em Educação Matemática no Brasil. Nesta obra os autores destacam pesquisas realizadas, mostrando como as tecnologias podem ser utilizadas no ensino de Matemática, enfatizando como tem se dado a transformação da sala de aula de forma a incorporar ou impedir a entrada dessas tecnologias. Eles ainda afirmam que “as dimensões da inovação tecnológica permitem a exploração e o surgimento de cenários alternativos para a educação e, em especial, para o ensino e aprendizagem de Matemática” (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 21). 40 Ao observar grande parte das pesquisas em Educação Matemática dos últimos trinta anos no Brasil, os autores percebem diversas propostas, contextos e perspectivas relacionados ao uso pedagógico e didático dessas tecnologias para a investigação matemática, e concluíram ser pertinente uma discussão sobre o uso das tecnologias na Educação Matemática no Brasil a partir de uma perspectiva estruturada em quatro fases (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014). Segundo os autores, [...] uma nova fase surge quando inovações tecnológicas possibilitam a constituição de cenários qualitativamente diferenciados de investigação matemática; quando o uso pedagógico de um novo recurso tecnológico traz originalidade ao pensar-com-tecnologias (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 41). Eles marcam então, de maneira aproximada, os períodos que iniciam cada fase. A primeira por volta de 1985, com as tecnologias dos computadores e calculadoras simples e científicas. A segunda fase no início dos anos 1990, com a popularização dos computadores pessoais e as calculadoras gráficas. A terceira fase em 1999, com computadores, laptops e internet. Por fim a quarta fase marcando seu início por volta de 2004, com computadores, laptops, tablets, telefones celulares e a internet rápida. Os autores destacam, porém que essas fases não se excluem, mas sim se sobrepõem, de forma que o surgimento de uma fase não substitui a anterior. De fato, características das fases anteriores ainda são fundamentais dentro da quarta fase. (BORBA; SCUCUGLIA e GADANIDIS, 2014). Discorrendo sobre essas fases, os autores trazem também a noção de seres- humanos-com-mídias, “como uma forma de enfatizar que as possibilidades de conhecimento, feito socialmente por coletivos, se alteram com diferentes humanos e diferentes tecnologias” (BORBA; SCUCUGLIA e GADANIDIS, 2014, p. 137). Assim, eles apresentam as quatro fases em forma de um zoom, trazendo detalhes das contribuições e dos desconfortos trazidos pelas constantes inovações nas tecnologias. A ideia da multimodalidade como combinação da escrita, da nova oralidade digital, de vídeos, entre outras mídias, caracteriza o que eles chamam de quarta fase das tecnologias digitais. Também na quarta fase há uma intensificação do uso da internet em dimensões da sociedade, entretanto existem resistências desse uso nas salas de aula. Os autores afirmam que de qualquer forma a internet já está nos coletivos que geram conhecimento e acreditam que ela e todo conjunto das TD possam ainda trazer modificações profundas nos espaços de sala de aula, assim 41 como a lousa, que não existia desde sempre nesses espaços, transformou as salas de aula em um determinado momento. Outra característica da quarta fase, apontada pelos autores, é o cenário inovador para a possibilidade de um ensino baseado na investigação matemática através de softwares como o GeoGebra. Borba, Scucuglia e Gadanids (2014) destacam a integração entre geometria dinâmica, computação algébrica e funções através do GeoGebra, com a possibilidade de ser elaboradas diferentes atividades matemáticas investigativas através desta integração. Assim, os autores exploram a noção de experimentação com tecnologias em cenários que propiciam que a produção de conhecimentos matemáticos pode se dar por meio de descobertas, de buscas de padrões, de conjecturas. Deste modo, os recursos tecnológicos podem ter um papel protagonista para a aprendizagem matemática, visto seu caráter experimental e visual. Destaca-se então a importância da visualização, definida por Borba, Scucuglia e Gadanids (2014), como Um processo de formação de imagens que torna possível a entrada em cena das representações dos objetos matemáticos, para que possamos pensar matematicamente. Ela oferece meios para que conexões entre representações possam acontecer. Assim a visualização é protagonista na produção de sentidos e na aprendizagem matemática (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDS, 2014, p. 57). Desta forma, os autores mostram que além dos recursos inovadores de uma tecnologia, é importante que suas potencialidades sejam exploradas, como no desenvolvimento de atividades com design experimental, no caso do GeoGebra, que pode valorizar aspectos visuais (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDS, 2014). Ainda dentro do contexto da quarta fase e da necessidade de entender a relação das tecnologias com o ensino de Matemática nas escolas públicas, assim como a situação da infraestrutura dos laboratórios de informática dessas escolas, surgiu o projeto Mapeamento. Segundo Javaroni e Zampieri (2018), esse projeto visou criar um mosaico de pesquisas englobando alguns projetos de mestrado, iniciação científica e doutorado fora e dentro do GPIMEM, e foi vinculado ao Programa Observatório da Educação (OBEDUC), e com vigência no período de março de 2013 a novembro de 2017. Para delimitar o cenário de investigação e gerar esse mosaico, foram escolhidas seis Diretorias de Ensino (DE) com localizações distintas no estado de São Paulo. Tais diretorias eram as de Bauru, Guaratinguetá, Limeira, Presidente Prudente, 42 Registro e São José do Rio Preto. As autoras destacam, porém, que o objetivo não foi fazer um levantamento numérico, mas sim de aspectos que pudessem falar sobre a integração dos computadores nas aulas de Matemática. As autoras justificam o foco no uso dos computadores pelo fato de que as pesquisas vinculadas ao Mapeamento concentraram-se investigando essa tecnologia, visto a existência de um programa que regia os laboratórios (Acessa Escola), equipando-os e dando acesso aos softwares, inclusive os matemáticos, como o GeoGebra. Entretanto elas observaram, através das pesquisas, que o uso desses computadores nas aulas de Matemática se dava de forma modesta, e a esse uso modesto elas utilizaram a metáfora “ilhas isoladas” (JAVARONI; ZAMPIERI, 2018). As autoras relatam que esperavam encontrar um cenário mais promissor, mas que a realidade fez com que o objetivo do projeto fosse expandido, de forma a atuarem no problema identificado em relação à formação dos professores para uso do computador nas aulas de Matemática, buscando expandir essas ilhas. Dessa forma foram oferecidos sete cursos de formação continuada, um em cada DE investigada, além de um curso em Coimbra, Portugal. O propósito desses cursos foi fomentar o uso das TD nas aulas dos professores de Matemática participantes, além de promover uma reflexão em relação à potencialidade de se abordar os conceitos matemáticos com esses recursos (JAVARONI; ZAMPIERI, 2018). As autoras afirmam, porém, que para que mudanças impactantes aconteçam no cenário escolar em relação ao uso de TD, é preciso primeiramente uma mudança de mentalidade de todos os envolvidos na comunidade escolar. Mudanças essas que se referem à compreensão de que as TD podem transformar qualitativamente o conhecimento produzido. Com os resultados das pesquisas, Javaroni e Zampieri (2018) salientam uma preocupação em como são utilizadas as TD, pois esse uso parece muitas vezes não trazer mudanças ao que poderia ser desenvolvido com lápis e papel. Assim elas questionam o motivo deste uso que não traz transformação qualitativa para a produção de conhecimento (JAVARONI; ZAMPIERI, 2018). Por fim, elas argumentam que além da mudança de concepção por parte dos professores em relação ao uso de TD, existem muitos fatores que necessitam de mudanças. Através dos resultados apontados pelo projeto Mapeamento foi possível perceber fatores que não estimulam o uso das TD nas aulas de Matemática das escolas estaduais paulistas. Tais fatores são laboratórios com estrutura precária, 43 burocracias vindas do programa que rege a utilização de tais laboratórios, um currículo rígido baseado em avaliações externas, entre outros. Diante dos vários percalços identificados, uma das necessidades destacadas por Javaroni e Zampieri (2018) é a do desenvolvimento de projetos temáticos em escolas do Programa Ensino Integral, abordando diferentes TD, visto que este é um cenário em expansão. E é em relação a este cenário que trazemos aqui esta pesquisa nesta dissertação, que é também uma consequência, uma continuidade do projeto Mapeamento, visto que buscamos compreender o uso das TD em escolas públicas estaduais, mas no caso da pesquisa descrita nesta dissertação, nos restringimos entre as que compõem o Programa Ensino Integral, em particular na cidade de Rio Claro, considerando o cenário apresentado na introdução. As preocupações são parecidas com as trazidas em Javaroni e Zampieri (2018) em relação às escolas públicas do estado de São Paulo. Aqui também a ideia é analisar, a partir das visões dos professores, os percalços da utilização das TD no ensino de Matemática, assim como as particularidades das escolas do PEI que podem promover o seu uso. Para tal investigação são apresentados na seção a seguir os procedimentos adotados no desenvolvimento desta pesquisa. 44 4 METODOLOGIA DA PESQUISA Nesta seção apresento os caminhos metodológicos percorridos durante a pesquisa e detalho os procedimentos adotados na produção dos dados. Para atender o objetivo de compreender quais as possibilidades do uso das Tecnologias Digitais no ensino de Matemática nas Escolas Estaduais de Ensino Integral da cidade de Rio Claro, bem como trilhar um caminho para buscar evidências de respostas à pergunta diretriz “a partir da visão dos professores que ensinam Matemática nas Escolas Estaduais de Ensino Integral de Rio Claro-SP, quais as possibilidades do uso de TD em suas práticas?” segui os pressupostos da metodologia de pesquisa qualitativa. De fato, para Goldenberg (2004, p. 14), [...] na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma trajetória etc. A autora ainda afirma que os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos. Goldenberg (2004) salienta também a importância de dar atenção às interferências que a pesquisa pode ocasionar na rotina dos pesquisados e de tentar minimizá-las, já que isto pode se refletir nos resultados da pesquisa. Para a autora, esse é um dos principais problemas na pesquisa qualitativa, ou seja, a possibilidade de a personalidade do pesquisador e os seus valores influenciarem os resultados. Ainda para Goldenberg (2004), a melhor forma de controlar tal interferência é ter consciência da forma que o grupo é afetado pela presença do pesquisador, e até que ponto isto pode ser minimizado, ou até mesmo analisado como dado de pesquisa. Em relação aos procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa, realizei primeiramente o levantamento de recursos de TD nas escolas participantes através de diálogos com a gestão de cada escola e observações dos ambientes nas primeiras visitas. Depois disso realizei a aplicação de questionário aos professores que ensinavam Matemática, a observação de aulas desses professores e, por fim, entrevistei cada um deles. Ao levantar os dados seguindo esses procedimentos, busquei realizar o que Araújo e Borba (2006) chamam de triangulação. Para esses autores, a triangulação em uma pesquisa qualitativa consiste na utilização de vários e distintos procedimentos para a produção e análise de dados. 45 Mais especificamente, minha proposta foi fazer o que esses autores chamam de triangulação de métodos. Segundo Araújo e Borba (2006, p 37), [...] fazendo assim, o pesquisador, ao invés de construir suas conclusões, pode utilizar as entrevistas para checar algum detalhe ou para compreender melhor algum fato ocorrido durante as observações, promovendo uma maior credibilidade de sua pesquisa. Com os dados produzidos, me embasei nas ideias de categorias de codificação de Bogdan e Biklen (1994) para organizá-los e analisá-los, buscando assim identificar regularidades e padrões. Para Bogdan e Biklen (1994), [...] o desenvolvimento de um sistema de codificação envolve vários passos: percorre os seus dados na procura de regularidades e padrões bem como de tópicos presentes nos dados e, em seguida, escreve palavras e frases que representam esses mesmos tópicos e padrões. Estas palavras ou frases são categorias de codificação (BOGDAN E BIKLEN,1994, p. 221). Seguindo esses preceitos e a partir da análise dos dados, busquei obter elementos suficientes para indícios de respostas à pergunta diretriz: “a partir da visão dos professores que ensinam Matemática nas EEI de Rio Claro-SP, quais as possibilidades do uso de TD em suas práticas?”. A seguir, detalho os passos dados para a produção dos dados desta pesquisa. 4.1 Produção dos dados No procedimento de produção dos dados, utilizei quatro instrumentos, sendo eles: o levantamento de recursos de TD das três escolas participantes; a aplicação de questionário aos professores que ensinavam Matemática, na ocasião da produção dos dados, nas escolas pertencentes ao PEI na cidade de Rio Claro-SP, para levantar um perfil inicial de cada um em relação à formação e atuação profissional deles; a observação de suas aulas com anotações em caderno de campo, e por fim, as entrevistas individuais com cada um deles, gravadas em áudios, a fim de obter indícios de resposta à pergunta de pesquisa. A partir do interesse desta pesquisa em investigar escolas de Ensino Integral, tive que restringir o cenário de investigação, de forma que essa pesquisa fosse exequível. Visto que a cidade de Rio Claro possui três EEI, decidimos que estas constituiriam o cenário de pesquisa, a saber, Escola Estadual Carolina Augusta Seraphim, de anos finais do Ensino Fundamental; Escola Estadual Marciano de 46 Toledo Piza, de Ensino Médio e Escola Estadual Chanceler Raul Fernandes, também de Ensino Médio. Tendo escolhido as escolas, o primeiro passo foi entrar em contato com a gestão de cada uma delas, marcando uma reunião com as coordenadoras gerais. Nesse primeiro contato entreguei para cada uma delas um termo de esclarecimento contendo os objetivos e os procedimentos que seriam adotados no decorrer da pesquisa. Este documento também solicitava autorização para que eu pudesse realizar a pesquisa de campo em cada uma dessas escolas, e o aceite ocorreu com sucesso. Ainda nesse contato, solicitei autorização da escola para fazer um levantamento dos recursos tecnológicos presentes em suas dependências. Deste modo, tanto na escola Marciano como na escola Chanceler, pude fotografar a sala de informática e a sala de aula e, além disso, fui informado por funcionários acerca dos tipos e números de equipamentos disponíveis em cada escola. Já na escola Carolina, a coordenadora também permitiu que eu fotografasse estes espaços e me forneceu o Projeto Político Pedagógico da escola, no qual havia o registro dos equipamentos disponíveis na escola e suas respectivas quantidades. Na próxima seção apresento o levantamento dos recursos como descritos. Em novo contato com as coordenadoras gerais de cada escola, realizei um levantamento dos professores responsáveis pelo ensino de Matemática nestas escolas, com o intuito de que estes se tornassem participantes da pesquisa, já que o foco desta pesquisa está no uso das TD no ensino de Matemática. Saliento que não me referirei aos professores como professores de Matemática, visto que nas EEI o ensino de Matemática ocorre como foco não somente nas aulas de Matemática, mas também nas aulas de Laboratório de Matemática e eventualmente em disciplinas eletivas. Além disso, não somente professores de Matemática são responsáveis por essas disciplinas, mas há também a possibilidade de que tais disciplinas sejam lecionadas por professores da área (Ciências ou Física), mas que tenham habilitação para Matemática. Conversei então com as coordenadoras sobre a possibilidade da aplicação de um questionário aos professores, para que eu pudesse traçar o perfil de cada um em relação aos seus aspectos profissionais e acadêmicos. Deste modo, elaborei um 47 questionário18 com o objetivo de levantar um perfil inicial de cada professor participante, em relação à sua formação acadêmica, ao tempo de atuação na EEI, às disciplinas que leciona e à frequência em que usa as TD em suas aulas, caso esse uso acontecesse. Junto a esse questionário, os professores assinaram também uma declaração de autorização19, concordando em participar da pesquisa. Assim, eles puderam nessa declaração optar ou não pelo sigilo do nome e da imagem. Dentre todos os professores participantes, duas professoras optaram por manter sigilo de suas verdadeiras identidades e, portanto, estas professoras serão chamadas pelos nomes fictícios de Carina e Ângela. Neste primeiro momento, identifiquei então que na escola Marciano os professores que ensinavam Matemática eram Katianne, Thaís e Carina, dentre as quais a professora Thais atuava como coordenadora de área de Matemática e Ciências Biológicas. Já na escola Chanceler os professores que ensinavam Matemática eram Pedro, Ângela e Marizel, sendo Pedro o coordenador de área. Também na escola Carolina, havia três professores: o Elias, a Ana e a Norma. No caso desta escola, nenhum deles atuava como coordenador de área, sendo essa função atribuída a uma professora de Ciências. Uma observação importante é que Ana tem formação em Ciências, mas é habilitada para lecionar Matemática para turmas dos Anos Finais do Ensino Fundamental. No entanto, durante a produção de dados, entre as disciplinas com foco matemático, ela ministrava a disciplina de Práticas de Matemática, sendo isto suficiente para torná-la participante da pesquisa. Cabe observar que no decorrer da produção dos dados, algumas mudanças ocorreram. Como anunciado na seção anterior, a professora Norma é a que se ausentou da escola devido uma licença médica e não voltou para a escola durante o resto do ano, não participando, portanto, de toda a produção dos dados. Outra alteração ocorrida no cenário de investigação se deu na escola Marciano, da aposentadoria da professora Carina. Sua vaga foi ocupada pelo professor Pedro, da escola Chanceler, que durante o período da produção dos dados pediu transferência para essa escola, substituindo então a professora Carina. Como consequência deste processo, o professor Welder, que antes ministrava apenas aulas de Física na escola 18 Apêndice B. 19 Apêndice A. 48 Chanceler, começou a ministrar aulas de Matemática nesta escola, tornando-se também participante da pesquisa. Ângela, por sua vez, tornou-se coordenadora de área dessa escola. Para a aplicação do questionário aos professores, tanto na escola Chanceler como na escola Marciano, agendei uma data para encontrar os professores, para que eles pudessem responder a este questionário. Na escola Marciano, a coordenadora de área pediu que eu fosse em um horário de reunião dos professores de área. Seguindo essa instrução, no dia combinado levei os questionários e fui para a sala dos professores, onde as professoras estavam reunidas. Apliquei o questionário simultaneamente para as três professoras, que responderam individualmente. Na escola Chanceler a sugestão era para que eu fosse perto do horário do intervalo. Assim fiz, e no dia combinado levei os questionários, encontrando com os professores, no fim da aula, nas suas salas e na sala dos professores. Já na escola Carolina, como eu havia participado do PIBID ali, eu já tinha o contato dos professores dessa escola, e agendei individualmente o melhor dia que eles poderiam me atender. Nos dias da aplicação do questionário, tive acesso aos horários das respectivas instituições de ensino e combinei com cada professor quais eram os melhores dias para a observação das aulas. Vale destacar que professor Pedro respondeu o questionário ainda como professor da escola Chanceler, e quando ele se transferiu para a escola Marciano, eu já estava no período de observação das aulas. Desta forma, quando professor Welder assumiu as aulas de Matemática e Laboratório de Matemática, eu apliquei por último o questionário para ele, realizando a partir dali a observação também das suas aulas. Assim, de meados de setembro de 2017 a novembro de 2017 realizei as observações das aulas de todos os professores, tentando abranger pelo menos uma aula por semana de cada um. Nessas observações eu sempre me colocava a disposição para o professor, de forma a estabelecer uma colaboração recíproca com os participantes da pesquisa, gerando uma aproximação com eles. Correspondendo a isso, por vezes eles solicitavam que eu ajudasse os alunos, sanando dúvidas individuais que esses tivessem. Quando não era solicitado, fazia o máximo para parecer discreto no ambiente da sala de aula e fazia meus registros em um caderno de campo. Quando não havia tempo para fazer esses registros por conta de estar auxiliando os alunos, logo após a aula, fazia o relato do dia em meu caderno. 49 Também aproveitei os espaços de começo ou fim de aula para alguns diálogos com os professores, registrando isso também no caderno de campo. Com essas observações busquei analisar a prática dos docentes diante dos recursos que eles tinham disponíveis, buscando identificar momentos em que houvesse o uso das TD no ensino de Matemática. Procurei também, com esses momentos, refletir sobre as perguntas que seriam feitas no último procedimento de pesquisa, que foi a entrevista com cada professor. De acordo com Minayo (2014), as entrevistas podem ser consideradas conversas com uma finalidade e se caracterizam pela forma de organização. Sendo assim, para estabelecer um diálogo com os professores entrevistados foi escolhida a entrevista semiestruturada, ou seja, entrevista “que combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada” (MINAYO, 2014, p. 261-262). O roteiro da entrevista20 foi desenvolvido com o intuito de favorecer os professores a exporem o que pensavam em relação ao uso ou ao não uso das TD, suas possíveis expectativas, ideias, anseios ou até mesmo frustrações acerca da sua utilização nas aulas de Matemática. Também foram abordados pontos observados nas aulas e nas respostas dos questionários. No fim de novembro, período final das observações das aulas, falei com cada professor para que pudéssemos marcar as entrevistas nas datas que cada qual achasse conveniente. Como era fim de ano, todos sugeriram que fosse marcado na última semana letiva, em dezembro, pois assim eles já teriam fechado as notas dos estudantes, e estariam com mais tempo livre. Seguindo esta sugestão, agendei as entrevistas com os oito professores, sendo neste último momento Pedro, Thais e Katianne da escola Marciano; Welder, Ângela e Marizel da escola Chanceler; Ana e Elias, da Escola Carolina. Para essas entrevistas tive à disposição um gravador de voz, e a cada entrevista eu copiei o arquivo em um computador pessoal e na nuvem, para maior segurança. As entrevistas foram feitas individualmente com cada