UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Campus Experimental de Ourinhos O ENSINO DE SOLOS NA GEOGRAFIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DE SÃO PAULO E ALGUMAS EXPERIÊNCIAS NO MUNICÍPIO DE OURINHOS/SP Renata Correia Costa Orientadora: Profª. Drª. Maria Cristina Perusi Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora para obtenção do título de Bacharel em Geografia pela UNESP – Campus Experimental de Ourinhos. Ourinhos – SP junho/2012 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Campus Experimental de Ourinhos O ENSINO DE SOLOS NA GEOGRAFIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DE SÃO PAULO E ALGUMAS EXPERIÊNCIAS NO MUNICÍPIO DE OURINHOS/SP Renata Correia Costa Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora para obtenção do título de Bacharel em Geografia pela UNESP – Campus Experimental de Ourinhos. Ourinhos – SP junho/2012 2 Banca examinadora Profª. Drª. Maria Cristina Perusi (orientadora) ___________________________________________________ Profª. Drª. Carla Cristina Reinaldo Gimenez de Sena ___________________________________________________ Profª. Drª. Érika Porceli Alaniz ____________________________________________________ Ourinhos, 06 de junho de 2012. 3 Dedico aos professores que diariamente doam suas vidas a construir conhecimento, formar pessoas-cidadãs, passar adiante valores honestos e construir um país grande em educação, conhecimento e humanidade. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar ao Deus que me deu forças, coragem, entusiasmo e esperança em toda trajetória de pesquisa, aprendizado e busca de conhecimento. Muito obrigada pela grandeza dos caminhos preparados e pelos Seus cuidados diários. Aos meus amados pais e irmão pelo apoio incondicional à escolha da minha profissão, pelo sustento, pelos conselhos, palavras de encorajamento e apoio. Sou grata por todo amor a mim dedicado, pela alegria nas minhas conquistas e pelo incentivo à busca de novos horizontes. Agradeço ao Gabriel, namorado, amigo e companheiro, pela disposição em me ajudar em todas as fases dessa pesquisa, pelas palavras de ânimo nas horas de cansaço, pelas dicas e ideias que enriqueceram esse trabalho. Muito obrigada. Agradeço aos encontros da vida que me levaram até minha orientadora Profa. Dra. Maria Cristina Perusi que me ajudou em toda caminhada de estudos e pesquisa. Muito obrigada pelas palavras de incentivo, pelas correções, ideias, sugestões e principalmente pela amizade que será levada por toda vida. Muito obrigada a TODOS os meus amigos e colegas, os de perto e os de longe, pela amizade inestimável, carinho, companheirismo e incentivo. Vocês têm sido lembrados todos esses dias, e ocupam um lugar muito especial no meu coração. Tadeu, muito obrigada pela dedicação, criatividade e pela voluntariosa ajuda na parte gráfica e artística do jogo de tabuleiro. Agradeço a toda equipe do Projeto Colóide pela ajuda na aplicação dos recursos didáticos e pelo brilhante trabalho realizado junto ao projeto. À Camila Milani, agradeço pelas correções dos escritos em língua inglesa. Sou grata à profa. Dra. Marcia Cristina de Oliveira Mello pelo empréstimo de livros e materiais utilizados nesse trabalho e pela intermediação entre universidade e escola, que tornou possível a visita dos alunos e a aplicação dos recursos didáticos. Obrigada, profa. Dra. Carla Cristina R. G. de Sena pelas dicas, ideias e sugestões na elaboração do pré-projeto que deu origem a essa pesquisa. Estendo meus agradecimentos à profa. Dra. Érika Porceli Alaniz e profa. Dra. Carla Cristina R. G. de Sena pela prontidão em aceitar participar da banca examinadora desse trabalho. Agradeço a todos os professores e funcionários da E. E. Josepha Cubas da Silva, em especial ao prof. Norival e profa. Roseli, pelo incentivo dado aos trabalhos de extensão universitária e pela disposição em trazer os alunos à faculdade. Aproveito para estender minha gratidão a todos os alunos dos 6º anos A, B e C da referida escola pela importante e inestimável participação que gerou resultados muito positivos. Sou grata pela participação voluntária dos professores que responderam ao questionário de amostragem. Todas as opiniões expressas foram muito importantes e significativas. Agradeço aos funcionários da UNESP – Campus Experimental de Ourinhos que me auxiliaram direta e indiretamente durante esses anos, e aos professores que contribuíram grandemente para minha formação acadêmica. Bem como, à FAPESP – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio à pesquisa que gerou esse trabalho. 5 “Não é que ela soubesse tudo. Não sabia. Era craque em História e Geografia porque sonhava em viajar pelo mundo e achava que ninguém pode ir aos lugares de seus sonhos sem saber onde eles ficam e a história que têm”. Uma Professora Muito Maluquinha - Ziraldo 6 SUMÁRIO RESUMO ................................................................................................................... 11 ABSTRACT ................................................................................................................ 11 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ......................................................................... 12 2. OBJETIVOS ............................................................................................................ 15 2.1. Objetivo geral ...................................................................................................... 15 2.2. Objetivos específicos ........................................................................................... 15 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 16 3.1. A Geografia, o recurso natural solo e a problemática ambiental .......................... 16 3.2. O ensino de solos na Geografia ........................................................................... 21 3.2.1. Extensão universitária: experiência no ensino de solos ................................... 26 3.3. A educação pública brasileira e a Geografia escolar ........................................... 29 3.3.1. Os primórdios da Geografia escolar e as políticas públicas de educação de 1870 a 1980 ................................................................................................................ 30 3.3.2. A Constituição Federal de 1988 e as mudanças na Educação Básica brasileira ................................................................................................................................... 35 3.4. A Proposta Curricular do Estado de São Paulo .................................................... 39 3.5. Livros didáticos de geografia ............................................................................... 41 3.6. A importância das atividades lúdicas e recursos didáticos no processo ensino - aprendizagem ............................................................................................................. 48 4. MATERIAL E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................... 59 4.1. Material ................................................................................................................ 59 4.2. Procedimentos metodológicos ............................................................................. 60 4.2.1. Análise dos cadernos de Geografia e livros didáticos ....................................... 60 4.2.2. Elaboração dos recursos didáticos .................................................................... 61 4.2.3. Aplicação dos recursos didáticos ..................................................................... 63 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................. 64 5.1. Análise dos cadernos do professor ...................................................................... 64 5.2. Análise dos livros didáticos ................................................................................. 71 7 5.2.1. Coleção Construindo Consciências: Geografia (2006) ...................................... 71 5.2.2. Livro Noções Básicas de Geografia (2006) ....................................................... 73 5.2.3. Livro Projeto Araribá: Geografia (2007) ............................................................. 75 5.2.4. Geografia Geral e do Brasil: espaço geográfico e globalização (2004) ............. 76 5.2.5. Livro Geografia e a Construção do Mundo (2005) ............................................. 78 5.3. Análise de algumas imagens e figuras nos livros didáticos .................................. 79 5.4. Questionários de amostragem ............................................................................. 83 5.5. Elaboração e aplicação dos recursos didáticos .................................................... 86 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 93 7. REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 95 ANEXOS ................................................................................................................... 103 8 ÍNDICE DE FIGURAS 01. Jogos Infantis – Pieter Brueghel ........................................................................... 52 02. Livro Boçoroca! .................................................................................................... 57 03. Montagem das placas de isopor já recortadas ...................................................... 61 04. Cartas de perguntas, peças para demarcar a posição dos participantes e dados . 63 05. Sequência esquemática ilustrando um processo erosivo em uma vertente ........... 68 06. Rio Pinheiros na cidade de São Paulo em seu curso natural antes da retificação do canal ........................................................................................................................... 69 07. Rio Pinheiros na cidade de São Paulo depois de sua retificação .......................... 69 08. Aspecto do solo na Amazônia em 1998, sem cobertura vegetal após alguns anos de exploração ............................................................................................................. 80 09. Representação dos estágios de formação dos horizontes do solo ........................ 80 10. Representação da erosão dos solos pela chuva ................................................... 81 11. Imagem de um solo erodido .................................................................................. 81 12. Esquema ilustrativo do processo de erosão pluvial ............................................... 82 13. Ilustração das perdas de solo sob diferentes cultivos............................................ 82 14. Deslizamento de encosta em Petrópolis/RJ no ano de 2002................................. 83 15. Laterais da maquete “Erosão Hídrica” e maquete córrego assoreado ................... 86 16. Parte traseira com representação do perfil de solo e processo erosivo coberto com terra ............................................................................................................................ 86 17. Esquema ilustrativo “Ciclo das Rochas” ................................................................ 87 18. Aplicação do jogo da memória “Rochas e Minerais” ............................................. 88 19. Jogo de tabuleiro “Viagem Pelo Solo: o jogo da conservação” .............................. 88 20. Explicação do esquema ilustrativo “Ciclo das Rochas” ........................................ 89 21. Explicação sobre como acontece a formação de ravinas e voçorocas .................. 90 22. A maquete “Erosão Hídrica” ilustrando a direção do escoamento da água da chuva ................................................................................................................................... 90 23. Alunos do 6º ano do Ensino Fundamental em uma partida do jogo da memória ... 91 24. Explicação das regras do jogo de tabuleiro ........................................................... 91 25. Aplicação do jogo de tabuleiro “Viagem Pelo Solo: o jogo da conservação” ......... 92 9 26. Alunos em momento de descontração e aprendizagem ........................................ 92 10 ÍNDICE DE QUADROS 01. Dados estatísticos do Ensino Fundamental – PNLD (2003 – 2010) ...................... 45 02. Dados estatísticos do Ensino Médio – PNLEM (2004 – 2010) .............................. 46 03. Objetivos das atividades lúdicas nos ciclos da Educação Básica .......................... 49 04. Breve histórico sobre jogos educativos ................................................................. 54 05. Letra da música Asa Branca ................................................................................. 58 11 RESUMO No cenário das mudanças políticas, econômicas, educacionais e ambientais contemporâneas, o ensino de solos na Geografia exerce importante papel na análise e compreensão das transformações na paisagem. Neste sentido, o objetivo geral desse trabalho é analisar a ocorrência, importância do tema, coerência dos conceitos e atividades pertinentes ao ensino de solos na proposta curricular do Estado de São Paulo (2008), com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (2000), e em livros didáticos voltados para o Ensino Fundamental II e Médio. Além disso, foi aplicado um questionário de amostragem com onze professores de Geografia de seis escolas da rede pública com a finalidade de identificar como o tema solos tem sido trabalhado. Desta forma, após o levantamento histórico das políticas públicas de educação, o estudo das propostas curriculares contemporâneas, e o conhecimento das opiniões dos professores, constatou-se que esse tema é pouco trabalhado nos cadernos da proposta curricular do Estado de São Paulo e nos livros didáticos analisados, embora os educadores o considerem muito importante. Por fim, alguns recursos didáticos foram desenvolvidos e aplicados com cerca de setenta alunos do 6º ano com o objetivo de subsidiar o ensino de solos com materiais didáticos práticos e eficientes. PALAVRAS-CHAVE: Geografia, Ensino de Solos, Ensino Fundamental e Médio. ABSTRACT In the setting of contemporary political, economical, educational and environmental changes; the teaching of soils in Geography has an important paper in analyses and understanding the landscape transformations. In this regard, the aim of this study is to analyze the occurrence, importance of the topic, consistency of the concepts and activities relevant to the teaching of soils in the proposed curriculum of the State of Sao Paulo (2008), based on the National Curricular Parameters of Geography (2000), and in educational books to Elementary and High School. Furthermore, a sampling questionnaire was applied at eleven Geography teachers of six public schools to identify how the teaching of soils has been worked. This way, after the historical survey about public education politician, the study of contemporary curricular proposals, and the views of teachers opinions, it was found that the soils theme is not broached enough at the books of the proposed curriculum of the State of Sao Paulo and at the educational books which were analyzed although the teachers consider this very important in Geography. Finally, some didactic resources were developed and applied with seventy students to subsidize the teaching of soils with practical and efficient ideas and educational materials. KEYWORDS: Geography, Teaching of Soils, Elementary and High School. 12 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA A instituição escolar que hoje conhecemos, em seus moldes e estruturas básicas surgiu com o aparecimento da sociedade industrial e com a consolidação dos Estados Nacionais, para ir além da educação oferecida pela família e pela igreja (LIBÂNEO et al., 2005). A escola passou a ser um elemento para homogeneizar a cultura, contribuir para o exercício da cidadania e, enfim, para ser uma instituição de poder. Quanto ao ensino público, “a ideia de escola pública e obrigatória para todos data dos séculos XVIII e XIX. [...] Ela foi recomendada pelos teóricos da economia política liberal do século XVIII como forma de tornar o povo ordeiro, obediente aos superiores.” (LIBÂNEO et al., 2005, p. 171) A escola, de maneira geral, desde então tem sido usada como espaço de difusão de ideias liberais, que buscam através do ensino formar, no sentido de pôr em fôrmas – padronizar, moldar e uniformizar pessoas, para que tornem-se aptas e respondam às exigências das economias hegemônicas e de seus ideários políticos. Foi nesse contexto, como disciplina escolar que a Geografia nasceu. Antes mesmo de ser implantada como um curso superior, embora já viesse sendo ministrada na academia, no final do século XIX na Alemanha. A partir dos estudos sistematizados de Humboldt (1769 – 1859) e Ritter (1779 – 1859) foi possível a condução de ideias em um campo de conhecimento específico, garantindo lugar no currículo escolar para a disciplina, com a finalidade de descrever a superfície terrestre. (TONINI, 2003) No Brasil, os caminhos da Geografia como disciplina acadêmica e também escolar, foram traçados sob influência das ideias da escola alemã trazida pelos franceses, mas acrescidas pelas críticas da escola de Geografia criada por Paul Vidal de La Blache (1845 – 1918). Segundo o pensamento de La Blache, o homem não se sujeita às condições do meio sem reagir, a natureza oferece as possibilidades e o homem as dispõe. Posteriormente, suas ideias originaram uma corrente denominada possibilismo. (PONTUSCHKA et al., 2007) Desde a implantação da Geografia como disciplina escolar no Brasil, ela vem tomando diferentes rumos direcionados por mudanças nas correntes metodológicas, na sua estrutura curricular, nas políticas governamentais para a educação, nos projetos e propostas curriculares, que apontam novas diretrizes e objetivos para a Educação Básica, de acordo com interesses políticos, econômicos e sociais em um processo histórico e conflitante. Portanto, “as atuais políticas educacionais e organizativas devem ser compreendidas no quadro mais amplo das transformações econômicas, políticas, culturais e geográficas que caracterizam o mundo contemporâneo.” (LIBÂNEO et al., 2005, p. 33) No contexto das reformas educacionais estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, as disciplinas da Educação Básica são norteadas por um currículo nacional comum, levando em conta as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho Nacional de Educação (LIBÂNEO 13 et at., 2005, p. 255). Este currículo nacional está estabelecido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental: Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem o primeiro nível de concretização curricular. São uma referência nacional para o ensino fundamental; estabelecem uma meta educacional para a qual devem convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto [...]. Têm como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores. (BRASIL, 1997, p. 29) A partir dos objetivos dos PCNs, os conteúdos estabelecidos para o II ciclo do Ensino Fundamental permitem que o ensino de solos seja inserido nas questões ambientais e na leitura da Paisagem. Segundo Callai (2000, p. 97) a paisagem: [...] é um momento do processo de construção do espaço. O que se observa é portanto resultado de toda uma trajetória, de movimentos da população em busca de sua sobrevivência e da satisfação de suas necessidades (que são historicamente situados), mas também pode ser resultante de movimentos da natureza. Esta paisagem precisa ser aprendida para além do que é visível, observável. Esta apreensão é a busca das explicações do que está por detrás da paisagem, a busca dos significados do que aparece. Neste sentido, estudar a paisagem vai além dos aspectos visíveis do ambiente, perpassando pela apropriação humana dos recursos naturais e pelos impactos deixados por ela. É nesse contexto que o ensino de solos pode e deve ser abordado nas séries do Ensino Fundamental II, buscando associar as intervenções e consequências do uso indiscriminado do solo nas atividades agrícolas, industriais, urbanísticas, etc. No Ensino Médio (1ª a 3ª série), a Geografia está inserida na competência das Ciências Sociais e suas Tecnologias com o objetivo de contextualizar e incentivar o raciocínio mediante a interdisciplinaridade. O foco dos estudos geográficos está na compreensão das mudanças no espaço como resultado do processo de interação entre as tecnologias e a globalização. Neste sentido, o ensino em solos contribui para a compreensão das interligações entre diversos elementos naturais e as relações humanas estabelecidas através da apropriação dos mesmos, “sabendo a importância do tema solo, é necessário incorporar essa discussão no ensino médio pelo fato de que os alunos deste ciclo já tenham condições de explicar as diferentes relações entre o solo, à água e os seres vivos.” (SANTOS et al., 2010, p. 210) Em 2008 a Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo formulou uma Nova Proposta Curricular com o objetivo, segundo seus elaboradores, de melhorar a qualidade da educação pública estadual, “[...] realizando um projeto que visa propor um currículo para os níveis de ensino Fundamental II e Médio. Com isso, pretende apoiar o trabalho realizado nas escolas estaduais e contribuir para a melhoria da qualidade das aprendizagens de seus alunos.” (SÃO PAULO [Estado], 2008, p. 03) 14 Segundo os PCNs (1997) a Geografia pertence a área de Ciências Humanas e Suas Tecnologias, que compreende, além dessa disciplina, os conhecimentos produzidos em História, Filosofia, Sociologia, Psicologia, Política e Economia. O ensino de Geografia deve ter como objeto central de análise, de acordo com a nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo: [...] estudo do espaço geográfico, abrangendo o conjunto de relações que se estabelece entre os objetos naturais e os construídos pela atividade humana, ou seja, os artefatos sociais. Neste sentido, enquanto o “tempo da natureza” é regulado por processos bioquímicos e físicos, responsáveis pela produção e interação dos objetos naturais, o “tempo histórico” responsabiliza - se por perpetuar as marcas acumuladas pela atividade humana como produtora de artefatos sociais. (SÃO PAULO [Estado], 2008, p. 43-4) Desse modo, a partir dos objetivos para a Geografia inseridos na nova Proposta Curricular, nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, o ensino de solos deveria estar presente nos conteúdos e temas abordados na disciplina. Mas como tratar de um conteúdo tão importante de forma que os alunos o entendam, e mais que isso, encontre nele aspectos de suas vidas, do cotidiano, do meio ambiente? Recursos e materiais didáticos podem ser utilizados em sala de aula como suportes, auxílios, momentos práticos e lúdicos que propiciam uma abordagem ampla entre teoria e prática, buscando significados e exemplos que podem complementar e facilitar o entendimento dos conteúdos mais diversos. Assim, o objetivo geral desse trabalho foi analisar a ocorrência, a relevância do tema, a coerência dos conceitos, as atividades propostas, dentre outros aspectos pertinentes ao ensino de solos na nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008) através da análise dos cadernos do professor propostos para o Ensino Fundamental II, do 6º ao 9º ano e Ensino Médio, da 1ª a 3ª série, e em livros didáticos adotados pelas escolas escolhidas para a aplicação do trabalho, selecionadas da seguinte forma: três escolas públicas estaduais da cidade que já participaram do projeto de extensão universitária “COLÓIDE: educação ambiental tendo como eixo principal o recurso natural solo” e três escolas que não participaram do referido projeto. São elas, respectivamente: E. E. Esmeralda Soares Ferraz, E. E. José Paschoalick, E. E. Horácio Soares; e E. E. Domingos Carmelingo Caló, E. E. Josepha Cubas da Silva, E. E. Virgínia Ramalho. Bem como, aplicar um questionário de amostragem com os professores responsáveis pela disciplina de Geografia em cada uma das escolas, para conhecer como o ensino de solos tem sido abordado por eles, e suas impressões pessoais sobre este tema. Além disso, foram elaborados recursos didáticos com a finalidade de subsidiar o ensino de solos com materiais fáceis de fazer, práticos e eficientes. 15 2. OBJETIVOS 2.1. Objetivo geral O objetivo geral desse trabalho foi analisar a ocorrência, a relevância do tema, a coerência dos conceitos, as atividades propostas, dentre outros aspectos pertinentes ao ensino de solos na nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008) baseada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) de Geografia propostos para o Ensino Fundamental II, do 6º ao 9º ano, e Ensino Médio, da 1ª a 3ª série e em livros didáticos adotados por escolas da rede pública de ensino no município de Ourinhos/SP. 2.2. Objetivos específicos Identificar os conteúdos relacionados ao tema solos nos cadernos de Geografia do professor na Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008), e nos livros didáticos adotados por seis escolas estaduais do município de Ourinhos/SP; Analisar a presença, qualidade das informações, possíveis equívocos e atividades propostas nos livros didáticos e nos cadernos de Geografia; Analisar figuras, gráficos ou mapas, quando presentes, quanto às convenções cartográficas, adequação com o texto e informações complementares; Aplicar um questionário de amostragem com professores de Geografia das escolas do município de Ourinhos/SP escolhidas para aplicação da pesquisa, com o objetivo de entender como o tema tem sido desenvolvido nas escolas; Propor atividades e materiais didáticos pertinentes ao ensino de solos que podem ser aplicados nas aulas de Geografia. Aplicar os recursos didáticos e atividades com alunos do Ensino Fundamental II ou Médio através de visitas monitoradas junto ao Projeto Colóide no Laboratório de Geologia, Pedologia e Geomorfologia da UNESP/Campus de Ourinhos. 16 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1. A Geografia, o recurso natural solo e a problemática ambiental As questões ambientais estão relacionadas ao nosso cotidiano e com previsões para o nosso futuro. Essas questões são amplas, gerais e complexas, mas ao mesmo tempo estão muito próximas de nós. (CALLAI, 1997) Segundo Guerassimov (1983) apud Suertegaray e Schäffer (1988, p. 91): A Geografia moderna está mais preparada do que qualquer outra ciência para os estudos ecológicos numa base interdisciplinar. Ela dispõe dos métodos necessários, e o que é fundamental, de grande volume de informação científica sobre o meio e os recursos naturais, sobre o grau e formas de apropriação e utilização econômicas. Desse modo, o meio ambiente é um dos temas tradicionais da Geografia, visto que o mesmo é um reflexo do espaço socialmente produzido ao longo da história e das relações entre os homens, “a sociedade e a natureza têm uma relação que é histórica e concreta e os resultados dessa relação, materializados no espaço, expressam as formas com que o homem trata a natureza”. (CALLAI, 1997, p.16) Meio ambiente, segundo Tostes (1994) citado por Dulley (2004, p. 19): [...] é toda relação, é multiplicidade de relações. É relação entre coisas, como a que se verifica nas reações químicas e físico-químicas dos elementos presentes na Terra e entre esses elementos e as espécies vegetais e animais; é a relação de relação, [...] é especialmente, a relação entre os homens e os elementos naturais (o ar, a água, o solo, a flora e a fauna); entre os homens e as relações de relações, pois é essa multiplicidade de relações que permite, abriga e rege a vida, em todas as suas formas. Os seres e as coisas, isoladas, não formariam meio ambiente, porque não se relacionariam. Neste sentido, Furlan (2011, p.140) expõe o maior desafio na leitura do ambiente na Geografia: A leitura geográfica do espaço vivido não se reduz a uma percepção simples dos objetos que estão em nosso entorno. [...] Mas a leitura do espaço é um processo de construção do olhar que cria e recria a possibilidade de compreensão de contextos variados a partir de sucessivas aproximações. Assim, é imprescindível analisar o meio ambiente como um todo, interligando todos os elementos naturais que o compõem, bem como as modificações causadas neles através das intervenções humanas. No entanto, “a problemática ambiental é herdeira direta da concepção de que o homem, por ser capaz de raciocinar, adquirir, produzir e organizar conhecimentos, está acima da natureza e das leis que regem o planeta e o mantêm em equilíbrio.” (FONSECA et al., 2007, p. 242) Neste sentido, Callai (1997, p.17) afirma que: Não se trata de deter o desenvolvimento, ou de não alterar a natureza, ou de não usar os recursos naturais, mas de fazê-lo percebendo que existem 17 limites que devem ser considerados, que existem cuidados que devem ser tomados e que o respeito com a natureza e seus ciclos é fundamental. Segundo Fonseca et al. (2007) refletir sobre a degradação ambiental de forma coesa e séria é pensar no quão complexo é o ambiente, rejeitando os discursos superficiais sobre as ações “ecologicamente corretas”, e assumindo uma reflexão sobre a relação sociedade – natureza como uma questão política, econômica e social. É por isso que “a Geografia tem muito a dizer sobre isso, pois como uma ciência social faz uma interpretação desta realidade, que considera o homem, produzindo o espaço. E é nesta perspectiva que se deve, hoje, fazer a análise dos problemas do meio ambiente.” (CALLAI, 1997, p.19) Neste sentido, segundo Suertegaray e Schäffer (1988, p. 93) a apropriação da natureza: [...] passa a ser superutilizada, pois sua exploração é condição não mais de sobrevivência do grupo, mas de acumulação para reprodução do capital. Esta excessiva exploração, associada a um resíduo que retorna à natureza nada ou pouco processado, acaba produzindo uma "nova natureza". Esta “nova natureza” encontra-se fortemente antropizada com comprometimentos sérios dos sistemas que a compõe, dos recursos hídricos; da atmosfera; da vegetação; do solo; da fauna e, como consequência da espécie humana, que é totalmente dependente dos recursos naturais para o desenvolvimento dos indivíduos, e assim da sociedade. Nesse sentido, o solo, como um recurso natural e como elemento intrinsecamente necessário para a manutenção e conservação do ambiente como um todo, deve estar inserido nas questões ambientais para que as relações de uso e ocupação do mesmo sejam discutidas no âmbito das políticas de conservação e como esse assunto é abordado pela sociedade. Muitos são os impactos negativos sobre os solos urbanos e rurais, decorrentes do uso intensivo, da degradação da cobertura vegetal, uso de agrotóxicos, ocupação de áreas de risco, poluição dos recursos hídricos, entres outros problemas ambientais que comprometem seriamente as propriedades originais desses solos. O surgimento da ciência que estuda os solos, a Pedologia, se deu através dos trabalhos de Dokuchaev, segundo Porta Casanellas et al. (2003, p.3): El grado de madurez que iban alcanzando los conocimientos sobre El suelo como ente natural creaba um ambiente propicio para el estabelecimento definitivo de uma Ciencia del Suelo. Esto aconteció finalmente com La labor de Vassili Vassilievith Dokuchaev (1846 – 1903), al defender este su tesis doctoral em San Petersburgo el año 1883, cuyo título es “El Chernosem ruso”, trabajo cuya metodologia y contenido corresponden a lo que hoy constituye La Ciencia Del Suelo. De acordo com Lepsch, (2002, p. 7) “[...] Dokouchaiev reconheceu o solo como um corpo dinâmico e naturalmente organizado que pode ser estudado por si só, tal como as rochas, as plantas e os animais.” Nesse sentido, é imprescindível conhecer sua estrutura, os fatores e processos que deram origem aos diferentes tipos de solos. De acordo com Silva (2011, p. 44): 18 A formação dos solos é o resultado de processos de alteração física e química dos minerais que formam as rochas. Os solos possuem características específicas que são herdadas do material de origem e do ambiente de formação. Os fatores de formação dos solos são: clima, organismos, material de origem, relevo e tempo. A atuação desses fatores e suas inter-relações irão resultar em solos com diferentes características e graus de evolução. Os conceitos de solo são amplos e correspondem a funcionalidade e importância que são dadas a esse recurso, de acordo com as necessidades de grupos específicos. Para os geólogos o solo faz parte de eventos do “ciclo geológico”; para os engenheiros ele é aquilo que recobre os minérios ou pode ser matéria-prima para construção de diversas infraestruturas; os químicos o analisam como um material sólido constituído de vários elementos; os físicos veem o solo como uma massa de material com características que podem ser alteradas por variações de temperatura, quantidade de água, etc.; para os ecólogos o solo pode ser um ambiente condicionante para organismos e também influenciado por eles; tantos conceitos diferentes para os homens da lei, historiadores, arqueólogos, artistas, filósofos, agricultores; e para o pedólogo, que por sua vez entende o solo como uma coleção de corpos naturais dinâmicos, resultante de fatores e processos de formação. (LEPSCH, 2002) Segundo a Embrapa (2006, p. 31) solo é considerado: [...] uma coleção de corpos naturais, construídos por partes sólidas, líquidas e gasosas, tridimensionais, dinâmicos, formados por minerais e orgânicos que ocupam a maior parte do manto superficial das extensões continentais do nosso planeta, contém matéria viva e podem ser vegetados na natureza onde ocorrem e, eventualmente, terem sido modificados por interferências antrópicas. O solo é um elemento muito importante nas transformações da paisagem, por isso é necessário compreender sua formação e dinâmica, bem como as interferências antrópicas sobre ele. Neste sentido, a abordagem de temas ambientais relacionados ao ensino de solos é fundamental para analisar as percepções que as sociedades têm sobre esse recurso natural, e entender as relações estabelecidas quanto ao seu uso e ocupação. Queiroz Neto et al. (2010, p. 128), afirma que: O solo (a terra) é um amálgama, local de trabalho, descanso, conflito, confraternização, espaço do face a face na comunidade [...] Neste sentido o solo “vivido”, que não se contrapõe ao solo “ideal”, é o suporte para a construção das pessoas em seus espaços cotidianos, um lapidar de técnicas e conhecimentos, por vezes imemoriais, mas adornados pelos saberes e as emoções, os conflitos, os equívocos, as possibilidades de se trabalhar com o tempo e o ambiente. O solo “vivido” é uma pedologia do cotidiano e das vicissitudes do ambiente. Os solos do Brasil foram mencionados pela primeira vez por Pero Vaz de Caminha, citado por Lepsch (2002, p. 123): Esta terra... traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra em cima é toda chã e muito cheia de arvoredos... 19 [...] Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela [...] Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os “Entre- Douro-e-Minho. [...] Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!” Segundo o referido autor, essas descrições tiveram como base a visão dos afloramentos costeiros de sedimentos da Formação Barreiras e da vivaz Mata Atlântica em seu estado natural, próximos ao local onde desembarcaram os primeiros europeus nas terras brasileiras. O Brasil possui diferentes tipos de solos, uns mais representativos quanto sua espacialização no território, e outros em quantidades menores, geralmente em forma de manchas pelo país. Segundo o IBGE (2007) os tipos de solos predominantes no Brasil são os Latossolos, com 40%, os Argissolos com 26%, e os Neossolos com 15% de ocorrência, frutos da dinâmica natural. Porém, de acordo com a Curcio et al. (2004, p. 10-11) “o homem, através de suas profundas intervenções no ambiente, tem gerado ao longo de milhares de anos, em escala crescente, volumes pedológicos com características muito discrepantes dos solos naturais.” Os Antropossolos compreendem um volume constituído por uma ou várias camadas antrópicas que possuam aproximadamente 40 cm de espessura, composto por materiais orgânicos e, ou inorgânicos em diferentes proporções formados exclusivamente pela ação humana, acima de qualquer horizonte pedogenético, fragmentos de rocha ou rocha não intemperizada. Em termos de distribuição geográfica, no Brasil e em outros países, é a classe em maior ampliação de ocorrência, principalmente nos meios urbanos e suas periferias, ao longo de vias de transporte, áreas de mineração, e outros. (CURCIO et al., 2004) De acordo com Peloggia (1997, p. 259): [...] é pela produção que o homem exerce sua ação transformadora sobre a natureza, modificando-a e criando para si novas condições de existência. Ao mesmo tempo que sofre a ação poderosa da natureza, age sobre ela, aproveitando-lhe as possibilidades, tirando-lhes as vantagens, suprimindo- lhes os obstáculos, adequando-a às finalidades humanas. Em suma, humanizando-a. Na Pedologia os materiais que resultam nas formas dos depósitos tecnogênicos não estão incorporados aos sistemas de classificação. De acordo com Silva (2011, p. 61), “Puskás e Farsang (2009) propõem a criação e individualização de um grupo de solo que é o resultado diretamente das atividades humanas e que, devido ao seu curto espaço de tempo evolutivo, não foi submetido aos processos pedogenéticos [...].” O crescimento desordenado e sem planejamento das cidades e aglomerados urbanos tem trazido sérios comprometimentos sobre o meio natural. Neste sentido, a importância da conservação do solo está intrinsecamente ligada com a manutenção e conservação de outros recursos. Segundo Silva (2011, p. 57), “quando a ocupação é de forma desordenada a degradação dos solos é maior. Processos erosivos, movimentos de massa e inundações respondem por parte dos danos ambientais em áreas urbanas”. A 20 erosão dos solos é um dos problemas que mais atinge esse recurso, decorrente do mau uso e conservação dos recursos hídricos, da vegetação e do solo. O ritmo acelerado da erosão, influenciado pelas ações humanas, produz condições anormais como voçorocas, raízes de árvores expostas, sulcos profundos no caminho das pastagens, entre outros impactos que além de empobrecer o solo, agrava a qualidade das águas e assoreamento dos rios, muitas vezes já sobrecarregados com os esgotos urbanos. (LEPSCH, 2002) Nos centros urbanos, os solos também são empregados como depósito de produtos tóxicos, e o vazamento destes produtos contaminam o solo e os aquíferos freáticos. As fontes destes elementos tóxicos são diversas como: postos de combustíveis, reservatórios de óleos em fábricas, fertilizantes e outros produtos químicos. (SILVA, 2011) Em relação às alterações nas encostas e os movimentos de massa, de acordo com Guerra (2011, p. 21): O desmatamento, seguido da ocupação intensa de algumas encostas, através da construção de casas, prédios, ruas etc., causando uma grande impermeabilidade do solo, sem ser acompanhado de obras de infraestrutura, como galerias pluviais e redes de esgoto, podem causar grandes transformações no sistema encosta, provocando deslizamentos e outros processos geomorfológicos catastróficos. Outro problema ambiental que atinge o solo é a arenização. Segundo Silva (2002) citado por Stipp (2006, p. 34) desertificação é um “fenômeno de transformação de áreas anteriormente vegetadas em solos inférteis devido a ações antrópicas, como mau uso e exploração da terra”. Além disso, “pode também ocorrer por processos naturais, devido ao ressecamento climático, que é uma diminuição de umidade por longos períodos de tempo” (STIPP, 2006, p. 34). O processo de arenização sugere: [...] uma área de degradação relacionada ao clima úmido, onde a diminuição do potencial biológico não desemboca em definitivo em condições de tipo deserto. Ao contrário, a dinâmica dos processos envolvidos nesta degradação dos solos são fundamentalmente derivados da abundância de água.” (SUERTEGARAY et al., 2001, p 353) Segundo os referidos autores, a formação de areais está vinculada, numa primeira fase, com a formação de ravinas e voçorocas. Estas, na continuidade do processo, desenvolvem-se por erosão lateral e regressiva, consequëntemente, alargando suas bordas por outro lado, à jusante destas ravinas e voçorocas em decorrência do processo de transporte de sedimentos pela água durante episódios de chuvas torrenciais, formam-se depósitos arenosos em forma de leques. Com o tempo esses leques vão se agrupando e em conjunto dão origem a um areal. O vento que atua sobre essas areias, em todas as direções, permite a ampliação deste processo. (SUERTEGARAY et al., 2001, p. 355) A salinização, assim como o processo de arenização, está vinculada a gestão dos recursos hídricos. Segundo o projeto Sustainable Agriculture and Soil Conservation - SoCo (2009, s/p) a “salinização e a sodificação ocorrem freqüentemente em zonas irrigadas nas quais a baixa pluviosidade, as elevadas taxas de evapotranspiração e a estrutura do solo 21 impedem a lixiviação dos sais, que se acumulam nas camadas superficiais”. Além disso, a salinização reduz intensamente a qualidade do solo e da cobertura vegetal, devido o comprometimento da estrutura do solo, os solos salinos são erodidos mais facilmente pela água e o vento. Efeitos de desertificação, redução da fertilidade do solo, destruição de sua estrutura e a compactação são efeitos produzidos pela salinização. (SUSTAINABLE AGRICULTURE AND SOIL CONSERVATION, 2009, s/p) Esses são alguns dos problemas decorrentes do manejo e uso incorretos do solo, que estão intrinsecamente ligados à degradação de outros recursos naturais, como a poluição das águas por corretivos agrícolas e agrotóxicos, a retirada da cobertura vegetal, o uso abusivo do solo para a agropecuária, as modificações ou transposições de cursos hídricos, entre outros. O papel da Geografia como ciência que estuda o espaço e as relações entre sociedade e meio, que se concretizam nas alterações da paisagem, encontra no âmbito das questões ambientais “uma abordagem crítica com o objetivo de despertar maior interesse do aluno pelo conteúdo e de fazê-lo compreender e atuar no contexto das transformações do seu ambiente social” (FARENZENA et al., 2001, p. 07). Segundo os referidos autores, as questões ambientais tem sido centro de discussões em diversos campos do conhecimento, pois atualmente, vivemos uma crise ambiental sem precedentes. Para tanto, é necessário uma reorientação das ações humanas em relação ao ambiente. Neste contexto, a Geografia escolar tem papel garantido nessa busca por melhor entendimento dessa problemática. 3.2. O ensino de solos na Geografia Segundo Martins (2002, s/p) as palavras ensino e educação não são sinônimas, mas também não se afastam uma da outra. Educação é um processo de socialização e aprendizagem dirigida ao crescimento intelectual e ético de um indivíduo. “Quando esse processo de socialização e aprendizagem se dá nas escolas, dizemos que há ensino. O ensino, portanto, é tarefa preponderante das instituições de ensino [...]” (MARTINS, 2002, s/p). De acordo com Samuel-Rosa et al. (2010, p. 176) “o conhecimento pedológico é fundamental para o adequado planejamento de ocupação e uso da terra com o mínimo impacto sobre o ambiente.” Segundo Perusi e Sena (2011, s/p): Dentre os tantos elementos do meio físico, o solo, princípio e fim de todas as coisas, sustentáculo das civilizações, principal fonte de alimento e matérias primas, palco das diversidades, testemunha de duelos históricos, moeda de uso e troca, contemporaneamente passa por intensos processos de degradação: perda da fertilidade natural, salinização, contaminação, compactação, erosão, dentre outros. Por essa perspectiva, destaca-se a educação em solos como uma das dimensões para se promover a 22 educação ambiental, entendida aqui como um recurso capaz de capacitar o indivíduo à plena cidadania [...] Segundo as referidas autoras, “a educação em solos, uma das tantas dimensões da educação ambiental, é um processo educativo que privilegia uma concepção de sustentabilidade na relação homem-natureza” (PERUSI; SENA, 2011, s/p). A educação em solos aplicada à Geografia como disciplina da Educação Básica poderia, nesse caso, ser entendida como ensino de solos, visto que essa disciplina está inserida nas instituições de ensino brasileiras e, como parte de um processo educativo “é capaz de abordar o meio ambiente e a conservação dos recursos naturais como um todo, interligando seus componentes e as conseqüências das interferências antrópicas sobre eles” (COSTA et al., 2010, p. 89). Neste sentido, segundo Perusi et al. (2009, s/p) “[...] os elementos que constituem o meio ambiente estão dispostos na paisagem de forma holística, simbiótica e, por si só, não permitem reflexões/conclusões estanques, desarticuladas, dicotomizadas.” A educação em solos aplicada ao ensino formal, neste caso na Geografia escolar, tem as seguintes metas segundo Muggler et al. (2002); Muggler e Teixeira (2002) apud Muggler et al. (2006, p. 736): Identificar temas geradores relacionados com solos a partir das percepções e vivências dos alunos e professores, motivando-os a problematizar a sua realidade. Trabalhar com, e a partir das escolas, a concepção de que o solo é um sistema dinâmico onde ocorrem importantes interações entre seres vivos, que têm importância fundamental na manutenção da vida. Instrumentalizar e motivar professores para uma abordagem mais participativa e significativa da temática pedológico-ambiental em sua transversalidade. Sensibilizar a comunidade por intermédio das crianças e dos professores, para a gravidade da degradação do solo, que tem em suas bases a falta de percepção do ambiente como sistema integrado; Elaborar e avaliar materiais didáticos que apoiem e subsidiem professores e alunos no desenvolvimento de conteúdos pedológico - ambientais. De acordo com Lima et al. (2007, s/p) “é importante enfatizar que o tema solo pode e deve ser abordado durante todo o curso fundamental e médio, em todas as matérias e disciplinas, de forma interdisciplinar, com diferentes graus de complexidade de acordo com o ciclo em que se está trabalhando”. Semelhantemente à Educação Ambiental, “a Educação em Solos coloca-se como um processo de formação que, em si, precisa ser dinâmico, permanente e participativo. Nele, é necessário educar as pessoas envolvidas, a fim de que se tornem agentes transformadores [...]” (MUGGLER et al., 2006, p. 737). Nesse contexto, os princípios teórico-metodológicos que norteiam a Educação em Solos estão baseados no Construtivismo de Lev Semyonovitch Vigotsky (1896-1934) com base em Jean William Fritz Piaget (1896-1980) (MUGGLER et al., 2006). De acordo com Rego (1997) apud Muggler et al. (2006, p. 737), “o reconhecimento do universo cultural e da experiência do educando é essencial ao processo educativo, já que a aprendizagem ocorre a partir da apropriação da experiência histórica e cultural do sujeito.” 23 Vygotsky ampara a ideia de que a criança aprende melhor quando é confrontada com atividades que sugiram um desafio cognitivo não muito divergente, ou seja, que se situem naquilo que ele chama de zona de desenvolvimento proximal. Assim, o educador deve oferecer aos alunos a oportunidade de acrescerem suas competências e aptidões, partindo daquilo que eles já sabem e levando-os a interação com outros alunos em processos de aprendizagem cooperativa. (MARQUES, 2007, p. 3) Neste sentido, segundo Oliveira (1993, p. 27), “Vygotsky trabalha, então, com a noção de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas fundamentalmente, uma relação mediada.” Os elementos mediadores apontados por ele são: os instrumentos e os signos. Os instrumentos são objetos sociais e medianeiros da relação entre o homem e o mundo, que possuem funções e objetivos específicos. De maneira semelhante, os signos são meios auxiliares para resolver problemas, só que agora no campo psicológico, como a linguagem. (OLIVEIRA, 1993) A educação em Solos para Muggler et al. (2006) em conformidade com as concepções construtivistas de Vygotsky, deve ter como prática uma abordagem dos temas ambientais relacionados ao recurso solo, com base não apenas na simples transferência do conhecimento, mas, a partir da investigação, experimentação e resgate dos conhecimentos dos educandos. Adaptando a objetividade da Educação em Solos na disciplina de Geografia, como disciplina oficial nas instituições de ensino da Educação Básica brasileira, é possível utilizar a terminologia “ensino de solos” para designar os estudos, temas, conteúdos e práticas pedagógicas relacionados ao ensino desse recurso natural na Geografia escolar. De acordo com os PCNs que norteiam a elaboração de propostas e currículos para todas as disciplinas escolares oficiais, o ensino de solos encontra espaço em quase todas as séries, mediante os objetivos, segundo seus elaboradores, que devem ser atingidos nas aulas de Geografia em cada uma delas. A Geografia, na proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, tem um tratamento específico como área, uma vez que oferece instrumentos essenciais para a compreensão e intervenção na realidade social. Por meio dela podemos compreender como diferentes sociedades interagem com a natureza na construção de seu espaço, as singularidades do lugar em que vivemos, o que o diferencia e o aproxima de outros lugares e, assim, adquirir uma consciência maior dos vínculos afetivos e de identidade que estabelecemos com ele. Também podemos conhecer as múltiplas relações de um lugar com outros lugares, distantes no tempo e no espaço e perceber as relações do passado com o presente. (BRASIL, 1998, p. 15) Além disso, segundo os PCNs (BRASIL, 1998, p. 26) “[...] o estudo da Geografia proporciona aos alunos a possibilidade de compreenderem sua própria posição no conjunto de interações entre sociedade e natureza.” A análise da paisagem deve ter como foco a dinâmica das transformações, e não apenas as descrições de um mundo aparentemente estático. Bem como o estudo do espaço, que deve se considerado uma interação dinâmica 24 de fatores naturais, políticos, econômicos e sociais, que se configuram ao longo do processo histórico, redefinindo as formas com que a sociedade vive e percebe esses fatores. (BRASIL, 1998) Os eixos temáticos e os temas transversais são opções que se baseiam na necessidade de incorporar a flexibilização e a interdisciplinaridade no ensino de Geografia. Neste sentido, de acordo com os PCNs, os eixos temáticos não devem ser trabalhados como um programa de curso ou como proposta curricular que devem ser seguidos de forma indiscutível. Eles retratam auxílios teóricos que precisam ser entendidos como ponto de partida para o professor trabalhar os conteúdos da Geografia, e não como ponto de chegada (BRASIL, 1998). São propostos, então para o 3º ciclo do Ensino Fundamental (atualmente 6º e 7º ano), os seguintes eixos temáticos: A Geografia como uma possibilidade de leitura e compreensão do mundo; o estudo da natureza e sua importância para o homem; o campo e a cidade como formações socioespaciais; a cartografia como instrumento na aproximação dos lugares e do mundo. (BRASIL, 1998, p. 40-41) Para o 8º e 9º ano, que correspondem ao 4º ciclo do Ensino Fundamental, os eixos temáticos são: “A evolução das tecnologias e as novas territorialidades em redes; um só mundo e muitos cenários geográficos; modernização, modo de vida e problemática ambiental”. (BRASIL, 1998, p. 41) Quanto aos temas transversais como: ética, meio ambiente, pluralidade cultural, saúde, trabalho e sexualidade, essas temáticas indicam um compromisso dividido entre os professores de todas as matérias “[...] uma vez que o tratamento dado aos conteúdos de todas as áreas possibilita ao aluno a compreensão ampla de tais questões, que incluem a aprendizagem de procedimentos e desenvolvimento de atitudes.” (BRASIL, 1998, p. 41) Os conteúdos acerca do meio ambiente permeiam por todos os outros temas, visto que é nele que se estabelecem as relações de uma determinada espécie com os elementos e/ou outras espécies que compõem o ambiente. Assim, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais: “a proposta de Geografia para estudo das questões ambientais favorece uma visão clara dos problemas de ordem local, regional e global, ajudando a sua compreensão e explicação, fornecendo elementos para a tomada de decisões e permitindo intervenções necessárias.” (BRASIL, 1998, p. 46) No contexto dos eixos temáticos e dos temas transversais estabelecidos nos PCNs, é possível inserir o ensino de solos na Geografia para o Ensino Fundamental II, O solo tem uma grande importância para o ser humano, por isso é fundamental trazer esta discussão para o ensino fundamental, proporcionando assim que os alunos, professores e comunidades possam ampliar seus conhecimentos sobre o solo, percebendo que o mesmo é como parte essencial do meio ambiente. (SANTOS et al., 2010, p. 213) 25 Nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, a Geografia está inserida na competência das Ciências Sociais e suas Tecnologias, com o objetivo de contextualizar e incentivar o raciocínio mediante a interdisciplinaridade. Pela constituição dos significados de seus objetos e métodos, o ensino das Ciências Humanas e Sociais deverá desenvolver a compreensão do significado da identidade, da sociedade e da cultura, que configuram os campos de conhecimentos de História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Psicologia, Direito, entre outros. Nesta área incluir-se-ão também os estudos de Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania, para cumprimento do que manda a letra da lei. (BRASIL, 2000, p. 93) É preciso aprender a dialogar com o espaço geográfico para compreender como seus diferentes elementos se relacionam. O foco dos estudos geográficos nas 1ª, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio está na compreensão das mudanças no espaço como resultado do processo de interação entre as tecnologias e a globalização (BRASIL, 2000). Portanto, a Geografia no Ensino Fundamental II e Médio deve envolver as relações de uso e apropriação dos recursos naturais pelo homem através de suas tecnologias, e as consequências que as mesmas causam no ambiente como um todo. Para tanto: É necessário que a escola, enquanto instituição esteja preparada para incorporar a temática ambiental de forma coerente além de ser lugar mais adequado para trabalhar a relação homem-ambiente-sociedade e assim possibilitar condições para a emancipação do sujeito, proporcionando condições para o seu pensar autônomo, para que seu agir possa alterar sua realidade. (JESUS et al. [s/d] apud GARCIA; BAGGIO, 2010, p. 217) No contexto das discussões ambientais que se intensificam atualmente, os parâmetros, propostas, ou conteúdos escolares deveriam abordar com afinco o uso dos recursos naturais, para compreender os impactos causados aos mesmos e promover uma visão integradora dos elementos que compõem o ambiente. O ensino de solos inserido nas matérias escolares, de maneira interdisciplinar, pode trabalhar conceitos pertinentes a Geografia como: Geologia, Pedologia, Paisagem, Espaço, entre outros, associados a outras disciplinas como Ciências, para o Ensino Fundamental II; Biologia; Matemática; Química; Física; História; entre outras, já que o ambiente é formado tanto por componentes biológicos e físicos, quanto históricos, sociais e econômicos. Dessa maneira, é imprescindível que o ensino de solos apareça nas questões ambientais, visto que, negar sua importância nos processos de apropriação dos recursos naturais é desconhecer as verdadeiras funções que o solo exerce no meio ambiente e nas relações humanas. Portanto, é imprescindível reconhecer seus fatores de formação; os processos erosivos; a importância para a manutenção dos recursos hídricos, da vegetação, dos nutrientes, e da própria vida humana que depende intrinsecamente desse recurso natural, mas o tem explorado de maneira predatória, seja por não conhecê-lo ou para satisfazer as necessidades de uma sociedade extremamente consumista. No entanto, segundo Lima et al. (2007, s/p): 26 Apesar de sua importância, o espaço dedicado ao solo, no ensino fundamental e médio, é freqüentemente nulo ou relegado a um plano menor, tanto na área urbana como rural. Este conteúdo nos materiais didáticos, muitas vezes, está em desacordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e, freqüentemente encontra-se desatualizado, incorreto ou fora da realidade dos solos brasileiros. Além disso, este conteúdo é, muitas vezes, ministrado de forma estanque, sem relacionar-se com a utilidade prática ou cotidiana desta informação, causando desinteresse tanto ao aluno quanto ao professor. Neste sentido, de acordo com Perusi et al. (2009, s/p), confirmada a importância do recurso natural solo no ensino de Geografia e outras disciplinas, é necessário contribuir com os professores, principalmente, da rede pública de ensino para que os mesmos tornem-se agentes disseminadores do trabalho integrador entre os elementos que compõem o meio ambiente. No âmbito da Educação ou ensino de solos, formal e/ou não formal, no Brasil tem-se destacado diversos trabalhos de pesquisa e extensão universitária que vão ao encontro com as discussões ambientais e da aproximação entre academia e comunidade. 3.2.1. Extensão universitária: experiência no ensino de solos Na Universidade Federal de Viçosa (UFV) em 1993 foi criado o Museu de Ciências da Terra Alexis Dorofeef. O museu desenvolve ações educativas e de divulgação científica sobre temas como: a dinâmica e processos terrestres, recursos naturais e solos; através de visitas monitoradas e exposições itinerantes, para promover projetos de educação ambiental, cursos de formação para professores e oficinas temáticas para diversos públicos. (MUSEU DE CIÊNCIAS DA TERRA ALEXIS DOROFEEF, 2008?). Em 2005, o Museu teve o seu escopo temático ampliado para Ciências da Terra, se configurando, a partir daí, como o único espaço de ciência na Zona da Mata de Minas Gerais que aborda esta temática. A partir de 2007, o Museu se inseriu na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), promovendo ações educativas e elaborando exposições comemorativas com temas relativos às semanas. [...] As exposições são articuladas com atividades educativas de formação para estudantes, professores, agricultores e demais interessados que, assim, se tornam monitores locais e responsáveis pela itinerância, manutenção e monitoramento da exposição durante sua permanência na cidade. (AMÂNCIO et al. 2010, p. 103) O projeto “Solo na Escola”, desenvolvido na Universidade Federal do Paraná (UFPR) pelo Departamento de Solos e Engenharia Agrícola (DSEA) iniciou-se em 2002 através da coordenação de professores da universidade, com o apoio de alunos da graduação e professores e alunos do Ensino Fundamental e Médio. O objetivo do projeto, segundo Lima et al. (2007, s/p): [...] é promover, nos professores e estudantes do ensino fundamental e médio, a conscientização de que o solo é um componente do ambiente natural que deve ser adequadamente conhecido e preservado, tendo em vista sua importância para a manutenção do ecossistema terrestre e sobrevivência dos organismos que dele dependem. 27 Esse projeto conta com visitas monitoradas por bolsistas do projeto, que tem como objetivos proporcionar aos alunos uma oportunidade de conhecer a Universidade e interagir com o solo, possibilitando a troca de experiências, e despertando o interesse sobre o importante papel do solo no meio ambiente. (DEPARTAMENTO DE SOLOS E ENGENHARIA AGRÍCOLA, 2007) O projeto “Trilhando Pelos Solos” é desenvolvido, desde 2004, na Faculdade de Ciências e Tecnologias (FCT) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Campus de Presidente Prudente, junto ao Laboratório de Sedimentologia e Análise de Solos da FCT. E tem como objetivo criar uma estrutura temática com recursos didáticos que permitam transmitir aos alunos que visitam o projeto uma sequência representativa dos processos envolvidos na formação, desenvolvimento e constituição dos solos, além de tratar de práticas que podem degradar ou conservar esse recurso. (NUNES et al., 2010) A criação dessa estrutura foi motivada diante da percepção de que, o espaço destinado a solos nos livros didáticos de Geografia dos ensinos fundamental e médio trata o tema de forma estanque, ou seja, individualizando, sem relacioná-lo com outras áreas do conhecimento ou com o próprio cotidiano dos estudantes. (NUNES et al., 2010, p. 09) Além da produção de materiais didáticos, o projeto tem como objetivo contribuir com o crescimento da Educação Ambiental, relacionada à gestão ambiental, disseminando informações acerca do papel desse recurso natural, bem como conhecimentos sobre o uso correto e sustentável, sua dinâmica, e as relações com a sociedade. (NUNES et al., 2010) Outro importante trabalho que vem sendo desenvolvido desde 2007 na UNESP/Campus Experimental de Ourinhos é o “Projeto Colóide: educação ambiental tendo como eixo principal o recurso natural solo.” Este projeto está vinculado ao Laboratório de Geologia, Pedologia e Geomorfologia da faculdade, é coordenado pela Profa. Dra. Maria Cristina Perusi, e conta com a monitoria de diversos bolsistas. O projeto tem o objetivo de “[...] manter um espaço de diálogo permanente entre a academia e a comunidade” (PERUSI et al., 2009, s/p). O espaço físico conta com um rico acervo de rochas e minerais; macropedolitos; maquetes; recursos didáticos elaborados com solo e materiais recicláveis, como mini perfis de solo e jogos; entre outros. Desde o início do projeto, já atendeu mais 3.000 pessoas, entre alunos e professores da rede pública de Ourinhos e região, cursos técnicos, grupos organizados como: o Projeto Saúde de Ouro (terceira idade); a Associação de Assistência ao Deficiente Físico de Ourinhos (AADF); a Associação Jacarezinhense de Assistência ao Deficiente Auditivo e Visual (AJADAVI), parceira do projeto e o orfanato Lar Santo Antônio. O ensino de solos voltado a Educação Inclusiva de pessoas com deficiências tem sido uma das importantes tarefas desenvolvidas pelo projeto, com diversos trabalhos publicados, parcerias com entidades, confecção de recursos didáticos adaptados e cursos 28 de formação continuada e inicial de professores da rede pública da cidade e região. O ensino de solos tem sido abordado de forma inclusiva em todas as atividades promovidas pelo “Projeto Colóide”. Nesse sentido, no ano de 2010 foi proposto um trabalho de educação ambiental inclusiva com aproximadamente 15 adolescentes e adultos, surdos, cegos e de baixa visão, atendidos pela Associação Jacarezinhense de Reabilitação ao Deficiente Auditivo e Atendimento ao Deficiente Visual (AJADAVI). Na oportunidade, foram avaliados alguns materiais disponíveis no espaço “PEGAR PRA VER”, junto ao Laboratório de Geologia, Geomorfologia e Pedologia da UNESP/Ourinhos, onde são desenvolvidas as atividades do projeto COLÓIDE. (PERUSI; SENA, 2011, s/p) Além disso, faz-se necessário destacar a importância das iniciativas desse projeto junto às escolas públicas estaduais e municipais da cidade. As atividades do “Projeto Colóide” têm contribuído levando o ensino de solos às escolas por meio da participação e colaboração entre universidade e comunidade, através do tripé ensino, pesquisa e extensão. Dessa maneira, através das atividades desenvolvidas com alunos e professores das escolas públicas do município e da troca de experiências entre a Geografia escolar e as discussões acadêmicas, é possível inter-relacionar as práticas educativas da escola como espaço importante na construção de conhecimento científico com o desenvolvimento de pesquisas voltadas ao ensino na universidade. O “Projeto Colóide” juntamente com seus parceiros tem desenvolvido materiais didáticos voltados ao ensino de solos; jogos e dinâmicas interativas; manifestações artísticas; maquetes; recursos audiovisuais; materiais adaptados às necessidades especiais de seus usuários; entre outros, com a finalidade de trazer à discussão as problemáticas sociais, ambientais, políticas e econômicas que compõem o espaço geográfico, tendo como eixo principal e tema gerador o recurso natural solo. As visitas são previamente agendadas e monitoradas por bolsistas da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) e Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) além da professora responsável. Trabalha-se com alunos, educação ambiental inclusiva, e formação inicial e continuada de professores, predominantemente da rede pública de ensino. São abordados assuntos acerca dos processos e fatores de formação de solos, principais propriedades físicas e químicas, além da importância da conservação do referido recurso natural. O objetivo é manter um espaço de formação e popularização da educação em solos. Espera- se que os professores e os grupos atendidos incorporem nas suas práticas pedagógicas esses conteúdos, tão negligenciados nos livros didáticos. Neste sentido, é importante destacar a participação das escolas, alunos, professores e toda comunidade na efetivação dessas ações. Não seria possível cumprir os objetivos do projeto se não houvesse troca e construção de conhecimento conjunto entre todos esses atores. É através do diálogo e da práxis que torna-se possível colher os frutos de um trabalhado desenvolvido com comprometimento, qualidade, participação, apoio social e, principalmente, preocupado com a formação de cidadãos críticos e ativos na sociedade. 29 Iniciativas como essas e tantas outras que acontecem por todo o país, são exemplos de projetos que procuram aproximar universidade e comunidade, e levar o ensino de solos às escolas através das visitas monitoradas, confecção de materiais didáticos e outras propostas inovadoras, auxiliando os professores através de cursos de formação continuada e, de modo geral, tornando esse tema interessante, pertinente e motivador nas discussões acerca da problemática ambiental. Nesse sentido, no presente trabalho optou-se por avaliar a amplitude das atividades realizadas pelo Projeto Colóide junto às escolas do município de Ourinhos. Para tanto, comparamos através dos questionários de amostragem como tem sido visto o tema solos nas questões ambientais em três escolas que já haviam participado ou já conheciam o referido projeto, e em três escolas que ainda não tinham conhecimento dessa iniciativa. 3.3. A educação pública brasileira e a Geografia escolar A implantação da Geografia como disciplina escolar precedeu a organização da mesma como um curso acadêmico. A instalação dessa disciplina na escola básica alemã estava atrelada à consolidação do país em 1871. [...] O apelo ao discurso da natureza para a representação do espaço geográfico implicaria sublimar o meio físico como fator determinante na construção da identidade nacional. Por privilegiar a descrição dos fenômenos físicos, cujos discursos foram atravessados pela causalidade natural, a Geografia foi posicionada como dispositivo para fabricação da identidade do povo alemão na escola. (TONINI, 2003, p. 32) Nessa conjuntura política e econômica, a sistematização da Geografia como ciência esteve atrelada às publicações naturalistas dos alemães: Alexander Von Humboldt (1769 – 1859), consiliário do rei da Prússia e Karl Ritter (1779 – 1859), professor de uma família de banqueiros, que serviram no fim do século XIX como base da Geografia científica. (PONTUSCHKA et al., 2007) Essas atividades eram importantes para o poder político e econômico da Europa e interessavam às classes dominantes dos países europeus, em um período em que estes promoviam a expansão colonial, apropriando-se de territórios na África e Ásia. (PONTUSCHKA et al., 2007, p. 40) De acordo com Tonini (2003, p. 38) “é nesse contexto que a Geografia é promovida como matéria na escola básica. [...] A inserção da Geografia passou a ser caracterizada como matéria escolar por apresentar as credenciais necessárias para entrar no currículo”. 30 3.3.1. Os primórdios da Geografia escolar e as políticas públicas de educação de 1870 a 1980 Nas escolas brasileiras, a Geografia foi influência pelas ideias da escola alemã trazida pelos franceses, mas acrescentadas com críticas da escola criada por Paul Vidal de La Blache (1845 – 1918). Segundo Moraes (1987) apud Pontuschka et al. (2007, p. 44), “os princípios da escola francesa nortearam as primeiras gerações de pesquisadores brasileiros e o trabalho pedagógico dos docentes”. Além disso, é importante destacar o trabalho dos licenciados que elaboravam suas aulas a partir do conhecimento científico desenvolvido na academia com o auxílio de livros didáticos escritos por professores universitários. Entre eles, o autor Aroldo de Azevedo, cujos livros foram adotados nas escolas brasileiras entre as décadas de 50 e 70 do século XX. (PONTUSCHKA et al., 2007). Desde meados de 1870 a expansão da escola pública no país vem sendo prometida pelas primeiras propagandas republicanas. No entanto, somente no início do século XX, depois de algumas reformas educacionais da década de 1920, a escola foi efetivamente alargada um pouco mais (FREITAS; BICCAS, 2009). Segundo os referidos autores, a multiplicação das reformas educacionais a partir de 1920, bem como as diligências acerca das questões médico-sanitárias reclamavam por urgentes transformações nas bases estruturais: Entendida como doença social, a falta de escolarização era a ideia força de uma razão clínica em processo permanente de apropriação por parte dos que consideravam o analfabetismo o pai de todos os males da nação. A identidade nacional era deduzida de uma Paidéia médico-jurídico- pedagógica que oferecia as palavras-chave para que diferentes plataformas políticas tivessem, em comum, o mesmo senso de que o país estava amarrado à falta de dinamismo de sua população, deficiência essa decorrente da doença corpórea e do “raquitismo intelectual”. (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 41) A virada da década de 30 do século XX, com o Governo Provisório de Getúlio Vargas, foi um marco para a história da educação no Brasil. O movimento educacional chamado Escola Nova nasceu para recomendar novos caminhos a uma educação que a muitos anos parecia em desacerto com o mundo das ciências e tecnologias (SANTOS et al., 2006): No Brasil dos anos 30, pois, o escolanovismo se desenvolveu em meio a importantes mudanças. Acelerava-se o processo de urbanização, mas também a expansão da cultura cafeeira. Prometia-se o progresso para o país, sobretudo industrial, mas também os conflitos de ordem política e social acarretavam uma transformação significativa da mentalidade brasileira. [...] O ensino seria exigência a todo trabalhador, que deveria adquirir um mínimo de instrução. Educação, assim concebida, ainda não era reputada um direito do cidadão. Era, sim, um instrumento em mãos das duas burguesias. Divulgada uma ideologia desenvolvimentista liberal, o Estado era colocado como o responsável pela educação de todo o povo. (SANTOS et al., 2006, p.136) 31 Iniciada a “Era Vargas”, a escola e vários aspectos da sociedade brasileira começavam a passar por um processo de padronização em todos os âmbitos. Foi criado em 1931 o Ministério da Educação e Saúde e, o então Ministro de Estado, Francisco Campos, deu início a uma reestruturação da escolarização de primeiro e segundo grau, inspirado em moldes militarizados e fascistas (FREITAS; BICCAS, 2009). Através do Decreto n.19.890 de 18 de abril de 1931, o ensino secundário foi reorganizado, contudo, ainda manteve sua base elitista: Art. 1º. O ensino secundário oficialmente reconhecido será ministrado no Colégio Pedro II e em estabelecimentos sob regime de inspeção oficial. [...] Art. 3º. Constituirão o curso fundamental as matérias de acordo com a seguinte seriação: Português: em todas as séries; História: em todas as séries; Geografia: em todas as séries; Matemática: em todas as séries; Desenho: em todas as séries; Francês e Inglês: da 1ª à 4ª série; Latim: da 4ª à 5ª série. (Alemão era facultativo); Ciências Físicas e Naturais: da 1ª à 2ª série; Física e História Natural: da 3ª à 5ª série; Canto orfeônico: da 1ª à 3ª série. [...] (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 66) Quanto às escolas de ensino secundário, o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro foi: [...] a única instituição de cultura geral, criada desde a Independência até a República, [...] fundado em 1837 (...). Ele foi, desde as suas origens, um grande colégio de humanidades – o mais importante criado pelo governo do Império e, no domínio dos estudos literários, a única instituição de cultura e de formação geral, embora de nível secundário (...). Só uma escola oficial – o Colégio Pedro II – representa os estudos literários e desinteressados, mantendo sempre, em todas as transformações porque passou, o seu caráter de cultura básica, necessária às elites dirigentes do país. (AZEVEDO, 1971, p.578 apud VLACH, 2004, p. 189) A IV Conferência Nacional de Educação que ocorreu em dezembro de 1931 na cidade, e então capital do país, Rio de Janeiro incitou tensões políticas para que o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova fosse publicado. No entanto, os grupos de intelectuais e religiosos envolvidos com os temas da educação pública não eram tão homogêneos e coesos: “nem os pioneiros constituíam ‘um grupo’, nem a Igreja Católica era ‘um bloco’ coeso a expressar ‘uma’ concepção de educação adequada para o Estado, nem pioneiros e católicos eram os atores exclusivos naquele contexto de grande efervescência política [...]” (FREITAS; BICCAS, 2009, p.71). Segundo os referidos autores, o Governo já possuía um plano de ação em processo de execução: “as forças estatais que estavam em andamento era a maior evidência de que o Estado não permanecia aguardando a voz dos educadores para deliberar” (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 73). Além disso, Alberto Torres, um pensador nacionalista aberto ao autoritarismo, disse sobre as responsabilidades políticas da elite nacional: “[...] É preciso que seja, porém uma república social, prudente e conservadora, para que o povo não sinta um dia necessidade de arrancar à força o que os governos podem lhes dar dentro da ordem.” (TORRES, 1938, p. 168-9 apud FREITAS; BICCAS, 2009, p. 75) 32 No Estado Novo, de 1937 a 1945, a educação foi marcada por um dualismo, que garantia o ensino secundário e de qualidade para a elite, e o ensino profissionalizante para a classe popular. A segunda fase de expansão da escolarização se deu em meados da década de 60 do século XX. Com a crescente industrialização do país, a educação foi voltada para o suprimento de mão de obra de um mercado em ampliação, para isso foram criadas mais vagas na escola. No entanto, a qualidade da educação pública deixava muito a desejar, por isso, apenas os mais favorecidos tinham acesso às escolas particulares com ensino religioso católico, que cresciam, novamente, após o golpe militar em 1964 (LIBÂNEO et al., 2005). A situação precária das escolas públicas estava atrelada as condições de trabalho dos professores e ao arrocho da jornada escolar: A ampliação de vagas deu-se pela redução da jornada escolar, pelo aumento do número de turnos, pela multiplicação de classes multisseriadas e unidocentes, pelo achatamento dos salários dos professores e pela absorção de professores leigos. O trabalho precoce e o empobrecimento da população, aliados às condições precárias de oferecimento do ensino, levaram à baixa qualidade do processo, com altos índices de reprovação. (LIBÂNEO et al., 2005, p. 144) A Geografia ensinada nas escolas começou a sofrer mudanças densas a partir da criação da “Integração Social” que, nos programas escolares tornou-se “Estudos Sociais”. Segundo Melo et al. (s/d, p. 2687 – 2688): A Resolução número 8, de 10 de dezembro de 1971 do Conselho Federal de Educação, sob a Lei 5692/71, fixou o núcleo comum para os currículos do ensino de 1º e 2° graus (atuais ensino Fundamental e Médio), definindo- lhes os objetivos e a amplitude, confirmando o que a Lei 4024/61 já trazia em relação à Geografia na forma de Integração Social, depois chamada de Ciências Sociais pela Resolução número 96/68. Desse modo, de acordo com o Artigo 1º da Resolução número 8/71, o Núcleo Comum compreendia, obrigatoriamente, as disciplinas de Comunicação e Expressão; Estudos Sociais e Ciências. Na matéria de Estudos Sociais deveriam estar inclusos os conteúdos de Geografia, História e Organização Social e Política do Brasil (MELO et al., s/d). A substituição da Geografia e História pela disciplina de Estudos Sociais implicou na fragmentação dos conteúdos da Geografia, o que a tornou inexpressiva no currículo e, consequentemente afastou a criticidade e a preocupação com a formação de cidadãos politizados. A ditadura militar censurava tudo aquilo que pudesse atrapalhar suas intenções e, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB Lei nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961, a Geografia – ciência que estuda o espaço e as relações que nele se estabelecem, foi extinta do currículo escolar. (PONTUSCHKA, et al., 2007) A legislação, imposta de forma autoritária, tinha mesmo a intenção de transformar a Geografia e a História em disciplinas inexpressivas no interior do currículo e, ao mesmo tempo, fragmentar mais ainda os respectivos conhecimentos. (PONTUSCHKA et al., 2007, p.60) 33 A imposição de um regime militar trouxe consequências que acarretaram lutas pela redemocratização do país, por uma cidadania íntegra e pela defesa da escola pública e do ensino de Geografia no primeiro e segundo graus (VLACH, 2004). Para isso, era preciso: [..] uma geografia comprometida com a realidade brasileira, indissociável da arena política mundial e de seus desafios, que também se manifestavam em escala nacional, tais como a necessidade de construção de uma sociedade que pudesse vivenciar a experiência do “ter direito a ter direitos”, também do ponto de vista da questão ambiental. (VLACH, 2004, p. 217) Nesse cenário político, os crescentes movimentos sociais e os debates nas escolas impulsionaram, a partir da década de 70 do século XX, o desenvolvimento da Geografia Crítica. [...] nas escolas de nível fundamental (5ª a 8ª série) e principalmente no ensino médio, o antigo colegial ou 2º grau. [...] A geografia crítica no Brasil, portanto, iniciou-se como um esforço por parte de alguns docentes de superar (o que não significa abandonar totalmente) a sua tradição, a sua formação universitária, aquilo que as universidades diziam que “deveria ser ensinado”. Esses professores de geografia procuraram suscitar nos seus alunos a compreensão do subdesenvolvimento (a importância, nos anos, 70, do livro Geografia do subdesenvolvimento, de Yves Lacoste, foi enorme) [...] Eles – esse pequeno grupo de professores do ensino médio, os verdadeiros introdutores da geocrítica no Brasil [...]. (VESENTINI, 2004, p. 229, 230) De acordo com Moraes (2007, p. 131) “a unidade da Geografia Crítica manifesta-se na postura de oposição a uma realidade social e espacial contraditória e injusta, fazendo-se do conhecimento geográfico uma arma de combate à situação existente”. Quanto ao nível acadêmico, a introdução à Geografia Crítica esteve ligada ao diálogo entre os professores engajados e críticos das escolas de nível médio e os professores universitários que estavam descontentes com as situações de repressão e controle que existiam nas décadas de 1960 e 1970. A segunda geração de geógrafos críticos do Brasil em 1990 era constituída, principalmente, por ex-alunos e orientandos dos professores da primeira geração. Esses, por sua vez, estavam preocupados com métodos e enfoques na análise do espaço geográfico. (VESENTINI, 2004) As discussões da Geografia crítica impulsionadas a partir dos anos 1970 têm pressupostos básicos que consistem na criticidade e no engajamento. Segundo Vesentini (2004, p. 223): Criticidade entendida como uma leitura do real – isto é, do espaço geográfico – que não omitia as suas tensões e com tradições [...]. E engajamento visto como uma geografia não mais “neutra” e sim comprometida com a justiça social, com a correção das desigualdades socioeconômicas e das disparidades regionais. A Geografia crítica das escolas vai além dos progressos que ocorreram na geografia tradicional, preocupando-se essencialmente com o desenvolvimento da criatividade, criticidade, autonomia e cidadania dos alunos, como resultado e condição da existência de cidadãos ativos e participantes que discutem a realidade (VESENTINI, 2004). Neste sentido, 34 segundo Pontuschka et al. (2007), o ensino de Geografia nas escolas nos anos 80 do século XX fez parte do movimento de renovação curricular, que focava a melhoria da qualidade do ensino, passando pela revisão de conteúdos e formas de ensinar e aprender. Na década de 80, em São Paulo, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (Cenp) constituiu uma equipe de autores, liderados por pesquisadores de universidades públicas, para a realização de propostas curriculares para todo o Estado. No caso da Geografia, foram convidados professores do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, os quais se propunham não apenas elaborar um rol de conteúdos, mas sobretudo efetuar uma revisão metodológica com amadurecimento dos princípios fundadores da disciplina, iniciativa conhecida, na época, como Geografia crítica. (PONTUSCHKA et al., 2007, p. 69) A Proposta da Cenp tornou-se um documento direcionador de discussões e avaliação em cursos de licenciatura de várias universidades do país, influenciando a elaboração de propostas curriculares de outros Estados do Brasil. (PONTUSCHKA et al., 2007) O final da década de 1980 foi marcado também pela revolução política do país, “a ditadura militar que durou de 1964 a 1985 deixou cicatrizes profundas na sociedade brasileira. Cortou, calou, silenciou, matou.” (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 311) A sociedade brasileira deixou ecoar no seu âmago o alarido das reivindicações populares e, ao mesmo tempo, o inchaço das grandes cidades revelava aspectos perversos de uma realidade cujos problemas quotidianos comprovavam uma certa sedimentação do convívio com a desigualdade, uma vez que pujança e precariedade se estabeleciam lado a lado. (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 317) As Conferências Nacionais de Educação que aconteceram nas cidades de São Paulo (1980), Belo Horizonte (1982), Niterói (1984) e Goiânia (1986) geraram documentos que expressavam conteúdos a serem defendidos junto aos parlamentares constituintes. Entre eles, a carta de Goiânia, segundo Freitas e Biccas (2009, p. 314): [...] denunciou o estado de precariedade material a que estavam submetidos mais da metade dos brasileiros. [...] Um quadro crônico foi revelado e sintetizado na denúncia sobre a falta de qualidade na educação pública que o Estado oferecia e na distribuição irregular e insuficiente de escolas públicas pelo país. A deterioração da gestão das redes públicas, os baixos salários dos professores, o aumento das despesas pela ampliação da escolaridade sem a ampliação dos recursos, os numerosos casos de desvio de verbas, além de incentivarem à iniciativa privada, levaram a sociedade civil a sugerir soluções que se tornaram concretamente ações políticas por ocasião das eleições estaduais de 1982. (LIBÂNEO et al., 2005) 35 3.3.2. A Constituição Federal de 1988 e as mudanças na Educação Básica brasileira Em 05 de agosto de 1988 foi promulgada a nova Constituição Federal, que “trouxe expressivos ganhos políticos em termos de reconhecimento da extensão dos direitos sociais, com repercussão direta no campo da educação” (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 320). O capítulo III da Constituição Federal de 1988, diz respeito à Educação, Cultura e Desporto. Seção I, da Educação: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. (BRASIL, 2010, p. 34 - 35) Segundo Freitas e Biccas (2009, p. 323), “do ponto de vista do ordenamento jurídico, essa nova Carta Magna inovou no campo dos direitos sociais e o ‘lugar’ da educação foi uma dessas inovações”. É no artigo 208 da Seção I que a Educação Básica pública e gratuita torna-se um direito de todos os cidadãos brasileiros segundo suas necessidades, incluindo a Educação de Jovens e Adultos; o acesso à pré-escola e o atendimento escolar de pessoas com necessidades educacionais especiais, além da oferta de materiais didáticos, merenda e transporte escolar: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático- escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não- oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. (BRASIL, 2010, p. 35) 36 A Geografia escolar na década de 1980 do século XX “[...] vive um momento rico e complexo, com uma intensa pluralidade de caminhos, o que não por acaso coincide com as profundas redefinições no sistema escolar e com os correlatos questionamentos ao ensino tradicional dessa disciplina.” (VESENTINI, 2004, p.221) Foi então, na década de 1990 que a educação brasileira passou por mudanças em sua estrutura e organização, seguindo as orientações do Banco Mundial para os países em desenvolvimento, associadas aos interesses neoliberais. Com vistas à abertura da economia para a industrialização de base multinacional. [...] a popularização da Escola Pública veio contribuir com esse momento da história econômica do país, que, no plano ideológico, instaurou a repressão e a censura visando o controle da sociedade civil. Nesse contexto inaugura- se uma nova política educacional que vai reorientar a escola de 1º e 2º graus no nível de um projeto organizado através de acordos internacionais (MEC/USAID). [...] „Escola Pública para todos!‟ desde que amparada por estratégias de desvalorização profissional e, conseqüentemente, debilidade na formação básica. (CAMARGO; FORTUNATO, 1997, p. 22) A lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB teve oito anos antes de sua promulgação um anteprojeto baseado nos princípios da Carta de Goiânia, acrescidos de disposições estratégicas definidas por educadores em Brasília, no período da V Conferência Brasileira de Educação em 1988, focando a universalização do Ensino Fundamental encadeado a uma estrutura do sistema nacional de ensino (FREITAS; BICCAS, 2009). Segundo os referidos autores, [...] a LDB n. 9.394/96 é um documento singular porque repercutiu diretamente em alguns aspectos relacionados às agruras das populações de baixa renda [...]. (FREITAS; BICCAS, 2009, p. 334) Mudanças significativas ocorreram no universo educacional brasileiro como fruto das discussões para a promulgação da LDBN/ 96, e, na década de 90, as propostas curriculares dos Estados foram debatidas com a finalidade de gerar nova proposta, agora com o nome de Parâmetros Curriculares Nacionais. (PONTUSCHKA et al., 2007, p. 73) O Título II da Lei nº 9.394/96 diz respeito aos Princípios e Fins da Educação Nacional, como dever do Estado e da família, para prover o desenvolvimento integral do aluno e prepará-lo pra a cidadania e o trabalho, além de apontar os princípios que regem o ensino brasileiro: Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X - valorização da experiência 37 extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. (BRASIL, 1996, s/p) Quanto aos currículos para as disciplinas do Ensino Fundamental e Médio, a Lei nº 9.394/96 dispõe no Capítulo II da Educação Básica, seção I das Disposições Gerais: Art. 26º. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. (BRASIL, 1996, s/p) Neste sentido, em 1997 foi publicado o documento intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental e, em 1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio1. O objetivo dos PCNs, segundo seus elaboradores é “[...] contribuir, de forma relevante, para que profundas e imprescindíveis transformações, há muito desejadas, se façam no panorama educacional brasileiro, e posicionar você, professor, como o principal agente nessa grande empreitada” (BRASIL, 1997, p. 10). De acordo com os PCNs é papel fundamental do professor “considerar os conhecimentos que os alunos já possuem para planejar situações de ensino e aprendizagem significativas e produtivas” (BRASIL, 2000, p.143). Dessa forma, o professor deve utilizar um conteúdo pré- estabelecido para planejar suas aulas e a partir dele criar situações de aprendizagem favoráveis aos alunos, levando em consideração os saberes prévios dos mesmos. A partir desse papel, a geografia no Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) estuda as diferenças entre as paisagens urbanas e rurais, e alguns dos objetivos para a disciplina são: Conhecer e compreender algumas das conseqüências das transformações da natureza causadas pelas ações humanas, presentes na paisagem local e em paisagens urbanas e rurais; [...] Valorizar o uso refletido da técnica e da tecnologia em prol da preservação e conservação do meio ambiente e da manutenção da qualidade de vida; [...] Adotar uma atitude responsável em relação ao meio ambiente, reivindicando, quando possível, o direito de todos a uma vida plena num ambiente preservado e saudável. (BRASIL, 2000, p. 144) Nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio o foco dos estudos geográficos nos 1º, 2º e 3º anos está na compreensão das mudanças no espaço como resultado do processo de interação entre as tecnologias e a globalização, para compreender como seus diferentes elementos se relacionam. Portanto, a Geografia deve envolver as relações de uso e apropriação dos recursos naturais pelo homem através de suas tecnologias, e as consequências que as mesmas causam no ambiente como um todo. Os objetivos para uma disciplina escolar, nesse caso a Geografia, estipulados em um currículo nacional comum, segundo Sacristán (2000, p. 15): [...] supõe a concretização dos fins sociais e culturais, de socialização, que se atribui à educação escolarizada, ou de ajuda ao desenvolvimento, de estímulo e cenário do mesmo, o reflexo de um modelo educativo 1 Currículo oficial para o Ensino Fundamental e Médio. 38 determinado, pelo que necessariamente tem de ser um tema controvertido e ideológico, de difícil concretização num modelo ou proposição simples. Os PCNs passaram a nortear o trabalho dos professores na sala de aula a partir de um currículo mínimo de controle, com a intenção de incorporar propostas de ensino à distância numa evidente manifestação de economia de recursos. Essa deliberação de diretrizes curriculares impossibilita uma prática docente crítica e reflexiva, eternizando a má preparação do professor (CAMARGO; FORTUNATO, 1997). Desse modo, o currículo é o espaço central que dá mais estrutura à função da escola, por essa causa, é o território mais rodeado, normatizado, politizado, inovado e ressignificado. Um indicador é a quantidade de diretrizes curriculares para a Educação Básica e todas suas modalidades com uma diversidade de currículos compostos por diretrizes, estruturas, carga horária; uma representação política do poder. (ARROYO, 2011) Mas essas relações são mais complexas do que a ideia preconceituosa segundo a qual aqueles níveis de ensino devem apenas “simplificar” e reproduzir os conteúdos produzidos na academia. Essa ideia, infelizmente dominante, costuma gerar verdadeiras aberrações: “propostas curriculares” ou PCNs para os ensinos fundamental e médio feitos por professores universitários que não têm experiência nesse nível de ensino e que desconhecem completamente a realidade dos alunos que aí estudam. Costuma-se também pura e simplesmente ignorar, e dessa forma não aproveitar, as experiências inovadoras que os professores - pelo menos alguns deles – estão produzindo nas escolas. (VESENTINI, 2004, p. 226) No entanto, de acordo com Bomfim (2006) o ensino de geografia nas escolas brasileiras mantém práticas tradicionais caracterizadas pelo uso demasiado dos livros didáticos, pelo emprego dos conteúdos teóricos e esquecimento dos conteúdos metodológicos. Segundo o referido autor, “na Geografia escolar o panorama é adverso, marcado por um descompasso entre a Geografia que se ensina e o nível em que é ensinada” (BOMFIM, 2006, p. 123). Portanto, “o ensino autoritário e definidor a priori do que o aluno deve saber precisa ser substituído por processos que envolvam o educando em sua realidade cotidiana, auxiliando-o a buscar as respostas para a sua vivência”. (CALLAI, 1997, p. 11) Nas escolas analisadas nesse trabalho, a realidade do ensino de Geografia é muito parecida com o panorama atual da Educação Básica brasileira, ainda mais depois que a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008) entrou em vigor. Atualmente, em grande parte das escolas, os livros didáticos têm sido substituídos por cadernos ou apostilas para os professores e alunos, onde estão estipulados conteúdos, textos, procedimentos didáticos, exercícios e atividades, bimestre a bimestre. Mais do que uma situação preconceituosa frente aos currículos e propostas governamentais, essa situação expressa uma realidade conflitante, onde o ensino torna-se padronizado, independente das particularidades e especificidades d