FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS - FCLAR DEPARTAMENTO DE ECONOMIA O CONSUMO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A COMPREENSÃO DO CAPITALISMO: A CONTRIBUIÇÃO DE VEBLEN Aluna: Ariana Georgia Sanches Porto Orientador: Prof. Dr. Sebastião Neto Ribeiro Guedes Examinador: Prof. Dr. José Ricardo Fucidji ARARAQUARA 2012 ARIANA GEORGIA SANCHES PORTO 2 O CONSUMO COMO PONTO DE PARTIDA PARA A COMPREENSÃO DO CAPITALISMO: A CONTRIBUIÇÃO DE VEBLEN Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho de Araraquara, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas. Orientador: Prof. Dr. Sebastião Neto Ribeiro Guedes ARARAQUARA 2012 3 Dedico à minha mãe, por todo apoio e amor. 4 RESUMO Esse trabalho buscou contribuir teoricamente para o tema, com uma pesquisa bibliográfica sobre a Economia Institucional e a teoria de Veblen sobre consumo e racionalidade. Nesse trabalho foram identificados os principais conceitos do Institucionalismo, como divergem da Economia Neoclássica e a questão do consumo conspícuo abordado por Veblen. Palavras-chave: Economia Institucional; Veblen; Consumo Conspícuo. 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................06 1. ECONOMIA INSTITUCIONAL ....................................................................08 2. THORSTEIN VEBLEN ...................................................................................22 3. CONSUMO E RACIONALIDADE ...............................................................35 CONCLUSÃO ........................................................................................................49 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................50 6 INTRODUÇÃO Veblen acreditava que a economia deveria ser estudada como um aspecto da cultura, pois as instituições econômicas não devem ser separadas das atividades humanas, já que essas são parte do tecido institucional. Era adepto da teoria da evolução social e da ideia de que todas as coisas, tanto do mundo natural como do mundo humano, são parte de um processo evolucionário universal e que o estudo do passado permitiria o entendimento sobre as origens das instituições humanas do presente. Veblen foi um dos precursores do institucionalismo, escola que trouxe consigo elementos antes não abordados pelo meio científico, e que hoje possui uma popularidade bem restrita. O autor é pouco lido no Brasil, talvez pelo fato de que muitas de suas teorias foram refutadas e até mesmo ignoradas por algumas escolas econômicas, devido à aversão do autor em elaborar modelos. Mas a vivacidade de Veblen é incontestável, e muitas de suas ideias permanecem atuais, podendo explicar perfeitamente o comportamento social e econômico dos agentes. A chamada velha economia institucional, queria difundir as questões para o âmbito social, refutando o caráter abstrato e a-histórico do mainstream econômico da época. Os institucionalistas substituíram o conceito de equilíbrio pelo de processo, adotando uma abordagem evolucionária, onde a sociedade era vista como um organismo. O mundo era composto por instituições e por indivíduos, que são interdependentes, moldando e sendo moldados pela ação humana. A economia institucional recusava-se a moldar uma teoria geral baseada na racionalidade dos agentes econômicos. Postulavam os conceitos de hábitos e rotinas, com influência do pragmatismo filosófico. A rotina deriva do hábito, onde os indivíduos possuem uma propensão a um comportamento adotado previamente, que é aprendido e imitado dentro das instituições. As instituições possuem uma característica de estabilidade e permanência, que pode ser explicada pelos hábitos dos indivíduos, que não somente os influenciam, mas também os constituem. Portanto, a racionalidade econômica dos agentes depende das instituições, sendo que essa é limitada, dependente da capacidade cognitiva dos mesmos. A crítica mais assídua de Veblen era à teoria econômica tradicional. Veblen argumenta que a abordagem neoclássica é incapaz de demonstrar uma análise apropriada das instituições, pois esta não considera a existência de fatos institucionais. Para os neoclássicos, dinheiro e propriedade privada são componentes imutáveis, que são 7 derivados de uma “ordem natural”. Por não seguir a linha evolucionária, a teoria neoclássica considera as instituições restritivas ao cálculo hedonista. No primeiro capítulo discutiremos o surgimento da Escola Institucional e suas contribuições para a teoria econômica, bem como seus autores mais importantes. O objetivo do segundo capítulo é a exposição da obra de Thorstein Veblen, através de uma elucidação bibliográfica da vida do autor. No terceiro capítulo, apresentaremos conceitos fundamentais, como instinto e hábito na formação das instituições, bem como características da economia neoclássica. Ainda nesse capítulo, faremos uma análise do consumo através da visão de Veblen, e como esse é desenvolvido fora da alçada racional. 8 CAPÍTULO 1 - ECONOMIA INSTITUCIONAL No final do século XIX e início do século XX, houve uma brusca transformação no capitalismo, fundamental para os moldes que conhecemos hoje. Os alicerces do capitalismo, como as leis da propriedade privada, a estrutura de classes e os processos de produção e alocação de mercadorias mantiveram-se inalterados, mas o processo de acumulação de capital institucionalizou-se na grande empresa. Nos estágios iniciais do capitalismo, os capitalistas, individualmente, desempenhavam um papel central no processo de acumulação. Esse processo dependia da habilidade e articulação dos próprios capitalistas nos negócios, juntamente com uma dose de sorte. Mas do ponto de vista da sociedade, a sorte era desnecessária, e o processo de acumulação era inexorável, interminável e em espiral, pois esse possuía uma força própria que independia das ações dos capitalistas. Os Estados Unidos lideravam na expansão das técnicas comerciais e no desenvolvimento dos recursos naturais. Foi uma época de grandes elevações tanto no nível da produção como no nível do consumo de mercadorias. A racionalização do processo de acumulação iniciou-se no final do século XIX, com o advento da administração científica. A acumulação de capital antiga e individualista foi sendo deixada para trás. Surgiu uma nova classe de administradores, com mão de obra especializada e novas técnicas de gerenciamento, composta também pelos proprietários de importantes capitais. Em 1860, a população dos Estados Unidos era de 31 milhões de habitantes. Já em 1913, ela triplicou, passando para 97 milhões de habitantes. De 1871 a 1913, o produto interno bruto norte-americano aumentou a uma taxa média anual de 4,3%, enquanto a taxa populacional cresceu 2,1%. Em 1913, os Estados Unidos tinham o maior nível de produto interno per capita mundial. Entre 1870 a 1913, as exportações norte-americanas multiplicaram-se mais de sete vezes em termos reais, enquanto as exportações alemãs cresceram menos de seis vezes e as britânicas pouco mais que triplicaram. Nesse mesmo período, o investimento médio bruto de capital fixo foi superior a 20% do produto nacional bruto norte americano. A Revolução Industrial estava acelerada, transformando os Estados Unidos de um país predominantemente rural e agrícola, em um país urbano e manufatureiro. Em 1880, apenas um quarto da população era urbana, já em 1920 o cenário era completamente diferente, mais da metade da população vivia em pequenas cidades ou grandes centros urbanos. O período entre guerras norte americano foi de grande 9 crescimento populacional e acelerado desenvolvimento econômico. Os Estados Unidos ascenderam, tornando-se o centro industrial e financeiro da economia capitalista mundial. A necessidade de uma economia institucional não foi um mero acidente. Os Estados Unidos passavam por um período de mudanças aceleradas. As mudanças eram tanto econômicas, como sociais e culturais. No fim da Guerra Civil, as universidades eram escassas, e voltadas para estudos de teologia e direito, principalmente, deficientes em programas de pós-graduação significantes. Devido ao rápido crescimento populacional e econômico, viu-se a necessidade de novos sistemas modernos de educação, incluindo programas de pós-graduação. A primeira universidade americana a ter um programa de pós-graduação foi a Johns Hopkins, fundada em 1876. De 1880 a 1914, o número de novas universidades aumentou consideravelmente. Stanford foi criada, e Harvard e Yale foram modernizadas. Porém, grande parte das melhores universidades era controlada por corporações industriais, interessadas na atividade empresarial. Os empresários que financiavam essas universidades, dentre eles John D. Rockfeller, Leland Stanford, não toleravam críticos do sistema capitalista, exigindo elevados padrões de moral de seus docentes e alunos, não permitindo também diferentes versões do cristianismo. As universidades eram controladas de acordo com preceitos de fé ou de negócios. Muitos acadêmicos renomados, incluindo John R. Commons e Thorstein Veblen encontraram dificuldades profissionais devido a esses princípios. Essa transformação institucional trouxe consigo duas mudanças importantes. A internacionalização do capital e a mudança na estrutura da classe capitalista. Nas palavras de Hunt, a maior mudança foi a da estrutura da classe capitalista. Embora o domínio social, político e econômico da classe capitalista continuasse inalterado, a institucionalização do processo de acumulação permitiu que a maioria dos capitalistas perpetuasse seu status apenas com uma propriedade passiva e ausente. A maioria dos capitalistas tornou-se mera classe arrendatária, enquanto uma minoria exercia as funções administrativas (tanto na economia quanto na política) e agia como uma espécie de comissão executiva de proteção dos interesses de toda a classe capitalista. Essa comissão desempenha sua função ‘administrando os administradores’ da nova estrutura empresarial. (Hunt, 2002, p. 302-303) Essas mudanças tanto nas atividades como na organização econômica reproduziram-se de diferentes maneiras nos campos da teoria econômica. Dada a ascensão da economia dos Estados Unidos nessa época, começaram a surgir trabalhos de escritores norte-americanos significativos tanto na economia aplicada como na teórica. A velocidade 10 com que os negócios se expandiam era diferente daquela que se conhecia no corpo econômico teórico, ou seja, fugia às leis e princípios econômicos predominantes, que eram julgadas como imutáveis. Essas aceleradas mudanças, de transformação institucional e cultural necessitavam de novos trabalhos no campo econômico, e o responsável por fazê-lo foi Thorstein Veblen (1857 – 1929), conhecido como um dos fundadores da Escola Institucional. A Economia Institucional, ou “Velha” Economia Institucional, como também é conhecida, surgiu mais precisamente na Alemanha no final do século XIX. A classe universitária mais desenvolvida antes de 1914, era a da Alemanha. No início do século XIX, havia aproximadamente vinte cátedras nas universidades alemãs, voltadas exclusivamente ao estudo da economia nacional ou política. As primeiras dessas cátedras foram fundadas na Universidade de Halle em 1727. Na época do surgimento da Escola Histórica Alemã, o país já possuía certa tradição intelectual em economia e metodologia econômica. Economistas como H. C. Adams, John Bates Clark, Richard T. Ely e Edwin R. A. Seligman foram para a Alemanha em 1870 estudar com os membros da Escola Histórica Alemã de Economia. A Escola Histórica Alemã lançou uma literatura vasta e diversificada. Essa escola surgiu em um período de acelerado desenvolvimento econômico, político e intelectual. As mudanças estavam acontecendo tanto na produção de mercadorias quanto no comércio. Os avanços no transporte e nas comunicações diminuíam o isolamento e provincialismo entre cidades e países. Dado o desenvolvimento acelerado, foi natural o nascimento da crítica ao pensamento econômico vigente na época. As críticas surgiram na economia clássica como um todo. Nos métodos utilizados, nas generalizações prematuras, ao fato dessas generalizações serem tratadas como leis, às deficiências de se expor a teoria, à estrutura teórica toda. A ortodoxia já não era suficiente para explicar todas as mudanças que ocorriam. A contribuição alemã se diferenciava das demais pela tentativa de amoldar-se e delinear as tendências do desenvolvimento humano, sem se escorar apenas em generalizações teóricas. Umas das características de maior importância da Escola Histórica Alemã era a valorização dispendida à política social. Essa política social influenciou profundamente a política dos Estados Unidos nas décadas de vinte e trinta. Na visão da Escola Histórica, o Estado é uma agência positiva que promove condições essenciais para o progresso humano. Os autores dessa escola focam primordialmente em questões sociais, intencionando elaborar reformas políticas. Essa nova abordagem teórica ficou conhecida por utilizar um “método histórico”, dando ênfase à história das civilizações para o estudo 11 do progresso econômico. Esse método histórico é assinalado por uma tentativa de elucidar a vida e também o comportamento econômico pela análise de todos os campos da vida. Muitos intelectuais afirmam que a fundação da Escola Histórica deu-se com a publicação da obra de Wilhelm Roscher, Principles of Political Economy, livro que foi amplamente lido e ficou conhecido como o manifesto da escola. Roscher desenvolveu o “método histórico” da investigação, e viu a economia política como uma ciência das leis do desenvolvimento. A economia política tinha um objeto real de análise. A Escola Histórica Alemã de Economia nasceu no período em que os alemães foram buscar unidade e identidade nacionais de desenvolvimento econômico, livre da dominação intelectual e política britânica. Roscher foi fundador e líder da escola, onde sua influência estendeu-se para além de seu país de origem. O autor afirma em seu Grundriss, que se deve recorrer a história para suplementar o que já fora alcançado. Nas palavras de Roscher: O nosso objetivo é simplesmente descrever a natureza econômica e as necessidades econômicas do homem, investigar as leis e o caráter das instituições que são adaptadas à satisfação dessas necessidades e o maior ou menor grau de sucesso por que foram assistidas. (Roscher apud Bell, 1961, p. 294) Para Roscher, a história era parte de uma série de comunicações consecutivas da evolução da humanidade. O desenvolvimento só é passível de compreensão se todas as suas fases forem analisadas com o “espírito completamente aberto” (Bell, 1961, p.294). Posterior a Roscher, Gustav Schmoller foi também um dos principais representantes da Escola Histórica. Schmoller conhecia mais a fundo a teoria econômica clássica, portanto, foi mais compreensivo que seus antecessores. O autor quis adaptar a economia, colocando-a junto a um conceito mais amplo de ciência social, integrando elementos de história, ciência, política, sociologia, filosofia e ética. Ele queria criar uma ciência voltada para a sociedade, versando primeiro os agentes, e por último as necessidades econômicas. Schmoller admitia as leis econômicas, mas acreditava que essas não poderiam vir à luz apenas pelas abordagens dos economistas clássicos. A teoria deve conter uma boa base histórica, pois só assim se conseguiria fatos empíricos robustos. Na investigação dos fatos, procurou utilizar tanto a dedução como a indução, preferindo o primeiro ao segundo, recorrendo a um domínio extenso para colocar a ciência econômica num patamar mais elevado e também lançar um novo tipo de ciência que pudesse fornecer auxílios para a elaboração de novas políticas nacionais. Schmoller foi o expoente máximo 12 da escola histórica com relação à linha da economia. Sua obra, considerada madura, não pretendia revelar a desconfiança sobre a ortodoxia que a abordagem de Roscher visava. Buscou tanto nas bases teóricas como nas históricas explicar os fenômenos econômicos de sua época. A história sempre fornecia uma sequência de eventos repetidos, portanto esses forneceriam uma perspectiva cultural histórica para o futuro. Nota-se a influência biológica darwinista que a Escola Histórica Alemã apresentava. Os autores alemães da Escola Histórica contribuíram significativamente para a economia como nenhuma outra escola alemã o fez. Usavam o passado para explicar a conduta econômica e social dos agentes. Porém, dado o forte caráter nacionalista da teoria, essa acabou aproximando-se de doutrinas antissemitas, levando a certa impopularidade teórica. De berço alemão, foi nos Estados Unidos que a Economia Institucional ganhou força e concretizou-se, tendo ali seus principais economistas, como Thorstein Veblen, Wesley Mitchell e John Rogers Commons. Os autores norte-americanos adaptaram a teoria institucional alemã às próprias tradições individualistas de sua cultura. O resultado foi uma escola bastante rica e frutífera, tendo afastado as ideias antissemitas e totalitárias dos seus precursores alemães. Afirma-se que a Economia Institucional, teve início com a publicação do artigo “Why is Economics not an Evolutionary Science?” de Thorstein Veblen, em 1898 para o Quartely Journal of Economics. Segundo Veblen, a história da vida econômica dos indivíduos constituía-se em um processo cumulativo de adaptação dos meios aos fins, que ia se modificando conforme o processo avançava. Veblen e os demais economistas institucionais eram adeptos de uma postura pós-darwiniana, onde ressaltavam o caráter de “processo de causação”, sendo esse bastante comum na concepção evolucionária. O termo “economia institucional”, no entanto, não foi dado por Veblen, mas por Walton Hamilton, em 1919. Porém, foi a obra de Veblen que ensaiou a emergência do institucionalismo norte-americano, tendo continuado posteriormente com Mitchell, Commons e Ayres. Hamilton afirmava que ao invés dos economistas se preocuparem com questões de processo, deveriam voltar suas atenções para o comportamento humano. A teoria econômica deveria ser baseada no modo como os indivíduos agem. A psicologia instintiva de Dewey também influenciou o institucionalismo norte- americano. Esse conceito funciona como apoio à crítica aos postulados de racionalidade da economia neoclássica e abre passagem para ordenar os conceitos de hábitos e rotinas. A negação que a economia se embasa na noção de equilíbrio ou ajustamento marginal, nos 13 mostra as características evolucionárias desse corpo teórico, reiterando a importância do processo de mudança e transformação. O sucesso da Economia Institucional deu-se principalmente por essa ser uma ciência empírica, profundamente distinta da ortodoxa, que é conhecida por seus excessos de abstrações e suas complexas aplicações em situações do mundo real. O institucionalismo não pretendia criar uma teoria econômica “geral”, focada em modelos matemáticos e na concepção de racionalismo dos indivíduos, pelo contrário, sugeria deslocar a análise do indivíduo para a instituição. Era imprescindível uma disciplina econômica comprometida com a temática institucional, voltada para análises mais realistas do ambiente econômico, que não negligenciassem como o comportamento humano é moldado pelo meio social, e como esse comportamento assim constituído e orientado tece as estruturas sociais. A Economia necessita de certos elementos que não são encontrados diretamente na esfera material, fazendo-se imperiosa a adoção de uma abordagem institucional, que busque a compreensão de fatos imateriais que influenciam toda a esfera socioeconômica. Dessa maneira, a compreensão da ação humana não esgota o elemento da ciência econômica, as instituições, enquanto modalidades especiais de estruturas sociais, também são importantes componentes do sistema econômico. As instituições possuem um importante papel no desenvolvimento econômico, pois são “engrenagens” do processo de crescimento econômico, que aparecem em um determinado momento e espaço. O institucionalismo era considerado mais ‘científico’ que a economia ortodoxa porque era ao mesmo tempo mais empírico e mais em sintonia com as últimas pesquisas em outras disciplinas relacionadas. Evidentemente, o ideal institucionalista de uma economia científica de modo algum excluía a teoria, mas esperava-se que tal teoria estivesse mais próxima da realidade e mais aberta ao teste empírico que a teoria ‘ortodoxa’. Na visão institucionalista, a evidência empírica não estava limitada aos métodos quantitativos e estatísticos, mas poderia incluir estudos de caso, evidência documental (constituições de sindicatos, por exemplo), e o estudo das opiniões judiciais e decisões de corte. (Rutherford, 1994, p.225) Nessa escola teórica, a influência darwinista surge no entendimento da sociedade como um organismo, pois sua evolução deve ser examinada em sua especificidade, assim como ocorre com as espécies biológicas. Como ciência evolucionista, o papel dos instintos, dos hábitos e das instituições na economia, deveria ser análogo aos dos genes. De acordo com Veblen, as rotinas e os hábitos carregam qualidades de estabilidade e inércia, e comumente conservam suas características relevantes ao longo do tempo. Veblen apoiou 14 uma compreensão filogenética de evolução em que todos os elementos podem variar no processo de causalidade cumulativa. A abordagem do institucionalismo norte-americano abdica do individualismo metodológico, onde a parte determina o todo, sem apoiar inteiramente o seu oposto, que seria que o todo determina a parte. De acordo com Hodgson, “assim como a estrutura não pode ser adequadamente explicada em termos de indivíduos, os indivíduos não podem ser adequadamente explicados em termos das estruturas”. (Hodgson, 1997). O que é adequado são as noções de dimensões microeconômicas e macroeconômicas de julgamentos, onde cada uma delas possui um grau coerente de autonomia teórica, mas ao mesmo tempo as duas estão interligadas por junções conceituais e elucidações abrangentes. Os indivíduos e as instituições estão conectados, sendo que essas últimas adaptam e são adaptadas pelas ações dos agentes. As teorias e os conceitos desenvolvidos incorporam uma rede de invariâncias parciais. O problema disso está no “desenvolvimento de princípios de invariância dotados de significado e de operacionalidade sobre os quais possa se fundar a análise.” (Hodgson, 1997). A adoção do enfoque institucional tem um tipo de “conserto” a essa problemática, localizando a invariância numa estrutura imperfeita de instituições sociais parcialmente estáveis. Portanto, as instituições são consideradas estáveis. Para Mirowski, “uma instituição é uma invariante socialmente construída” (Mirowski apud Hodgson, 1997), sendo que essas podem ser incluídas como unidades e entidades de julgamentos. Essa abordagem contrasta com a teoria neoclássica, no aspecto em que o indivíduo é a unidade irreduzível de análise. Nessas instituições há uma vasta gama de entidades, como as firmas, as escolas, etc. e aquelas consideradas abstratas, linguagem, leis e códigos de conduta social. A unidade relativamente invariante é a instituição social. É possível definir instituições em termos latos. Dizem respeito aos padrões de comportamento e aos hábitos de pensamento com uma natureza rotinizada e durável, comumente aceitos, associados a pessoas que interagem em grupos ou em coletivos ainda mais amplos. As instituições viabilizam o pensamento e a ação ordenados, impondo forma e consistência as atividades dos seres humanos. (Hodgson, 1997). Os conceitos de rotina e de instituição são derivativos do de hábito na vertente institucional. Ao hábito é conferida uma dimensão explicativa elevada ao de escolha racional. Para Veblen, os hábitos “dão a continuação ao modo de vida da comunidade em contato com o ambiente material no qual ela vive” (Veblen, 1965). É o conceito de hábito que explica a formação das instituições, pois é ele que define parte das habilidades dos 15 indivíduos, aprendidas e utilizadas dentro das instituições. Veblen identifica dois hábitos mentais, sendo eles os processos mecânicos, que levam os agentes pensarem em termos de causa e efeito, e a empresa de negócios, que os leva a pensarem em termos de ganhos pecuniários. Os hábitos, por sua vez, convertem-se em rotinas, que são comuns a um determinado grupo ou cultura social. São os hábitos que precedem a razão, o diálogo, a preferência ou a ação. Portanto, são os hábitos e as rotinas que mantém o conhecimento tácito em semelhança às habilidades, e as instituições operam ao longo do tempo como um circuito de transmissão. Nas instituições sociais, a analogia biológica deve ser estudada com cautela. A mutação institucional é diferente da mutação genética, “não sendo possível assumir automaticamente o funcionamento de um processo de seleção natural darwiniano a este nível”. (Hodgson, 1997). No caso das instituições, a adaptação é mais rápida no que concerne ao processo de seleção. Na análise biológica, a acumulação é gradual e a seleção de pequenas mutações é realizada em largos intervalos de tempo, fazendo com que essa adaptação seja mais demorada. No cenário econômico, as mudanças são rápidas, não sendo estabelecidas antes de um processo perturbador. Os genes biológicos são transmitidos via reprodução sexual, enquanto nas economias os hábitos e as rotinas podem ser adquiridos e difundidos sem que se verifique uma transferência de pessoas. A transmissão oral, as redes informais e a imitação são muito mais importantes nas economias modernas. (Czepiel, 1975; Hippel, 1987, 1988; Martilla,1971; McKelvey,1982 apud Hodgson, 1997, p.281) Mesmo possuindo uma mutação mais acelerada, as mudanças institucionais mostram certa inércia no desenvolvimento cultural, que pode ser devido à existência de intensas atuações estabilizadoras. Mas uma estabilidade duradoura pode não ser mantida indefinidamente. Devido às instituições variarem rapidamente, isso pode levar a circunstâncias de crises. Até mesmo uma mudança gradual pode levar a esse tipo de situação. Se isso ocorrer, poderá haver modificações radicais nas atitudes e ações. Há, portanto, possibilidades de rupturas na regularidade, mesmo que remotas. Mas um elemento fundamental para a unificação de qualquer sistema econômico é a sua cultura. É pela cultura que os indivíduos criam atilamentos compatíveis e meios de comunicação e interação complexos. Os agentes criam normas e códigos, e com base nisto, o sistema econômico acaba desenvolvendo uma estabilidade estrutural ao decorrer de extensos períodos de tempo. 16 Os períodos intermédios de estabilidade estrutural possibilitam a modelação e a estimação macroeconômica; os períodos de crise inviabilizam a predição segura, particularmente no que diz respeito às variáveis mais voláteis. Como John Maynard Keynes (1936, 1937) defendeu, não só é difícil ou impossível formular predições fiáveis durante um período de grande turbulência na economia, como prever com alguma segurança a ocorrência de mudanças estruturais importantes e de acontecimentos destruidores. (Hodgson, 1997) Definir o institucionalismo como ciência econômica, pode ser feito em cima de alguns preceitos básicos, como o de que essa não é uma teoria baseada em termos de propostas políticas. As políticas econômicas são fundamentais na teoria econômica, mas para persuadir e exercer autoridade científica, é imprescindível que se haja uma boa base teórica. E não é isso que ocorre no mainstream. A desenfreada preocupação em se desenvolver políticas econômicas sem uma base teórica consolidada acaba formando políticas fracas e ineficientes. O institucionalismo não utiliza apenas a economia como teoria. A economia institucional enriquece suas bases com a utilização de outras disciplinas como antropologia, ciência política, psicologia e sociologia. A conexão entre a economia e a biologia é necessária, contribuindo para a construção de uma teoria econômica alternativa. Ignorar os fundamentos biológicos da vida econômica acarretará numa teoria empobrecida, prejudicando a sociedade como um todo em consequência de atividades econômicas predatórias. A economia é um sistema aberto que está constantemente em evolução. É um ambiente natural com mudanças tecnológicas, que incorpora um conjunto amplo de ordem social, cultural e político. Assim como Veblen, outro grande teórico da economia institucional é Commons, que abriu caminho para o institucionalismo. John Rogers Commons nasceu em Richmond, Indiana, em 1862, período da Guerra Civil Americana, e um dos mais turbulentos da história dos Estados Unidos. Commons viveu dezesseis anos depois do falecimento de Veblen, sendo esse período, essencial para a história do capitalismo. Commons teve uma vida acadêmica bastante turbulenta. Em 1899, foi demitido da Universidade de Syracuse, pois alegaram que ele possuía tendências muito radicais para os padrões da instituição de ensino. Depois desse episódio, perdeu suas esperanças no campo acadêmico, se dedicando às pesquisas para o governo, sindicatos e partidos políticos. Foi durante essa época que teve seu pensamento transformado, e seus escritos conquistaram fama e respeito. Commons saía da penumbra para se tornar um dos economistas mais importantes do século XX. Até mesmo Keynes foi atraído por suas 17 ideias. Retornou à vida acadêmica em 1904, ocupando uma cátedra na Universidade de Wisconsin. Nela permaneceu até sua aposentadoria, em 1932. Commons presenciou alguns dos fatos que Veblen previra. Chegou às causas originadoras e tentou entrar no âmago mais profundo dos indivíduos, enquanto Veblen tomou um caminho mais erudito. Entretanto foi tão heterodoxo quanto Veblen, possuindo uma visão mais otimista, acreditando que as instituições econômicas poderiam ser reconfiguradas para uma harmoniosa modificação social. Commons acreditava que uma melhora do comportamento humano poderia ser rematada com transformação social, sem precisar recorrer aos moldes mais radicais, como uma revolução marxista. Envolveu-se profundamente com a lei e realidades institucionais, estudando a América Industrial e suas relações trabalhistas. No campo econômico, suas maiores contribuições foram de ordem trabalhista e de utilidade pública. Conhecia os desejos dos trabalhadores como aquilo que se passava no corpo gerencial. Commons fez mais do que qualquer autor para estabelecer a importância de uma associação legal na economia norte- americana, ajudando a delinear uma série de projetos de lei na área do trabalho e da indústria. De acordo com Bell: Na prática, trabalhou sempre por reduzir a agitação industrial – chegando mesmo a ser favorável à arbitragem compulsória, mas com aceitação voluntária. As compensações aos trabalhadores, o seguro social, a redução dos riscos industriais e as reformas da legislação do trabalho estão entre os muitos melhoramentos para cuja consecução ele contribuiu muito. (Bell, 1961) Commons transformou Wisconsin no estado mais progressista de sua época na área de regulamentações trabalhistas e industriais, instituindo serviços de utilidade pública, estaduais, tributos, etc. O governador estadual da época, Robert M. LaFollette acatou as recomendações de Commons, e muitas delas foram transformadas em leis. Commons se enquadra na Escola Institucional devido a algumas características que possuía. Sua elegância teórica, sua inquietação no que diz respeito às questões de reforma social, sua pesquisa intrínseca sobre a Escola Histórica e também à crítica a economia ortodoxa. Sua obra possuía traços de várias vertentes econômicas: classicismo, marginalismo e socialismo. Em 1924 publicou o livro The Legal Foundations of Capitalism, que deu a ele uma imagem diferente. Nesse trabalho, utilizou sua pesquisa nos tribunais, seu conhecimento econômico e o trabalho que fizera em comissões trabalhistas. Aprofundou o estudo da propriedade privada desde os primórdios até os dias atuais. Seu método utilizado mostrou 18 bastante familiaridade com o da Escola Histórica. Commons universalizou o conceito de propriedade privada, compreendendo direitos e privilégios como coisas tangíveis. O conceito de instituição foi definido como “ação coletiva no controle da ação individual”, o que tornou as regras de ação institucionalizadas, e é nessa estrutura que reside a ciência econômica. A sociedade passa por um desenvolvimento evolucionista, que conduz a níveis de institucionalização e explica o ambiente moderno das instituições. O Estado e os tribunais impõem regras, exercendo a ação coletiva sobre a ação individual. A conciliação era essencial para o bom funcionamento da economia segundo Commons. Somente por esta, é que as partes envolvidas nos conflitos trabalhistas chegariam a acordos razoáveis para ambos, sem comprometer, mesmo que temporariamente, o bom funcionamento de todo sistema econômico. Os tribunais seriam responsáveis pelas intermediações entre os lados, eliminando as práticas nocivas das instituições capitalistas. Em sua última obra, Insitutional Economics, Commons começa sua pesquisa por John Locke e vai até as ideologias que rodeavam seus pensamentos até 1934. “Meu ponto de vista se baseia em minha participação da ação coletiva no controle da ação individual. Poderá ou não harmonizar-se com as ideias dos outros sobre Economia Institucional”. (Commons, 1934 apud Bell, 1961). Nesse livro, Commons mostra como dedicou a maior parte de sua vida, nas pesquisas sobre conflito de interesses econômicos, políticos e sociais. Commons não queria criar um novo tipo de teoria econômica, mas acreditava que a economia institucional poderia juntar-se com as demais escolas para obter uma teoria completa. “A Economia Institucional toma o seu lugar como a Economia proprietária de direitos, deveres, liberdades e exposições, o que, como procurarei demonstrar, dá à ação coletiva sua devida posição na teorização econômica”. (Commons,1934 apud Bell, 1961) Commons, lado a lado com Veblen, foi um dos autores principais da “velha” economia institucional. Sua contribuição tanto no campo econômico, como no legal, foi exímia. Para ele, o objetivo do estudo econômico era identificar as instituições criadas pelo homem e seu comportamento coletivo, como essas funcionavam juntamente com a propriedade privada, e qual era o papel legítimo das leis e dos tribunais. Marc Tool, faz uma breve consideração sobre o papel de Commons na economia norte-americana: “Certainly no institutional economist in the 20th century has had a greater impact on the actual structure of the American economy has John R. Commons.” (Tool, 2002, apud Hodgson, 2004) 19 Mitchell, juntamente ao lado de Commons e Veblen foi um dos expoentes da Economia Institucional. Mitchell foi tanto um estudioso como um herdeiro das ideias veblenianas. Em sua graduação, na Universidade de Chicago, Mitchell teve a chance de estudar no mesmo local que John Dewey concretizava seu trabalho em Psicologia Pragmática e Filosofia, e J. Lawrence Laughlin e Thorstein Veblen lecionavam. Suas influências não poderiam estar mais próximas. Grande parte da carreira de Mitchell foi considerada um sucesso, sendo considerado o segundo autor mais importante da história da Economia Institucional. Os economistas institucionais foram responsáveis por uma grande parte de teorias econômicas. No campo da macroeconomia, a contribuição de Veblen já se mostrava presente. Enquanto Veblen estabeleceu um nível institucional de análises sobre o indivíduo, Mitchell, que foi seu aluno, atentou-se para o desenvolvimento dos fundamentos macroeconômicos de análise. Mas nem Mitchell, nem Keynes foram os inventores da macroeconomia. As ideias de se focar na nação ou no sistema socioeconômico como um todo e em análises monetárias, são bem mais antigas, presentes nos escritos dos fisiocratas franceses do século XVIII e nas obras de Adam Smith e David Ricardo. Em 1920, qualquer otimismo com a possibilidade de sustentar o crescimento econômico com base em políticas macroeconômicas, foi abalado com a desaceleração rápida e inesperada da economia dos Estados Unidos. Em 1921, a manufatura norte- americana contraiu mais de 25% em apenas um ano. Mitchell sugeriu que a macroeconomia era um fenômeno ontológico e empírico. Seus trabalhos ajudaram a estabelecer a moderna análise macroeconômica, e tiveram uma particular influência na macroeconomia keynesiana. Um elemento crucial em seu trabalho era o foco dado nos fluxos globais de capital como medida de atividade econômica. “Because it thus rationalizes economic life itself, the use of money lays the foundation for a rational theory of that life. Money may not be the root of all evil, but is the root of economic science”. (Mitchell, 1924, apud Hodgson, 2004). No livro, History of the Greenbacks, Mitchell procurou mostrar o que acontecia com os países que utilizavam as notas de banco como moeda comum. O autor procurou fazer sua pesquisa de forma empírica em toda a estrutura econômica, pois para ele, todos os setores da economia estavam relacionados com a moeda. Para esse trabalho, Mitchell utilizou a teoria da empresa comercial de Veblen como ponto de partida, analisou o sistema de preços e qual seria seu lugar exato na sociedade moderna. Apesar da falta de dados estatísticos da época, ele aproveitou as informações que conseguiu para entender os 20 movimentos de preço e as flutuações econômicas, fazendo um estudo tanto qualitativo como quantitativo dessa moeda de emergência. Mitchell procurou mostrar a confusão que essa emissão acarretava em toda estrutura econômica, desde a elevação dos preços das mercadorias, o ágio do ouro, o prejuízo nos rendimentos fixos, e também o empobrecimento nos lucros das empresas e a falta de fé no dinheiro e nas instituições financeiras. Nessa obra, Mitchell conseguiu com sucesso interligar todos os setores da economia e verificar como esses causavam perturbações e flutuações no sistema econômico. A indústria prodigiosa de Mitchell se revelou pela primeira vez em sua History, bem como sua perícia soberba em organizar uma grande massa de fatos e extrair dela generalizações significativas. Fez grandes cálculos novos, estabeleceu completamente os métodos estatísticos, explicou sua derivação e observou as deficiências... Mitchell se moveu tão graciosamente que dificilmente ficaria em dúvida a necessidade dos detalhes estatísticos por ele apresentados. (Burns, 1949 apud Bell, 1961) A obra principal da carreira de Mitchell foi definitivamente seu Business Cycles, o primeiro livro publicado que tratava inteiramente da moeda e flutuações de preços. Mitchell observou os principais períodos da economia, do auge as depressões, estudando dados dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha e França, relativos de 1890 a 1911. A influência de Veblen aparece evidenciada no aspecto pecuniário da sociedade. Nessa obra, Mitchell observa que “cada fase da atividade econômica cria forças que, por sua vez, trazem uma fase subsequente em um processo infindável de transformação econômica”. (Bell, 1961) Foi com esse livro, que Mitchell cunhou seu nome e suas ideias junto com os demais economistas institucionais, Veblen e Commons: Mitchell elaborou uma das obras-primas da literatura econômica mundial... Nenhum outro trabalho entre os Principles de Marshall, e a General Theory, de Keynes, exerceu tão grande influência sobre o pensamento econômico do Mundo Ocidental. (Burns, 1949, apud Bell, 1961) Todo o progresso que foi feito no campo macroeconômico, como as previsões e os mecanismos de controle precisos, foram em grande parte devido ao trabalho pioneiro de Mitchell. A macroeconômica moderna tem Wesley Mitchell como precursor. O institucionalismo reconhece a importância de outras disciplinas, dos conceitos de hábito e instituição e de sistemas abertos e evolutivos. Mas talvez a principal ideia do 21 institucionalismo seja de que o indivíduo é socialmente e institucionalmente constituído. Os indivíduos são moldados pelas circunstancias culturais ou institucionais. A economia institucional é mais eficiente no que diz respeito às questões de mudança estrutural e desenvolvimento econômico. É uma teoria que lida melhor com temas de desenvolvimento econômico no longo prazo, problemas de países menos desenvolvidos e processos de transformação sociais. Por outro lado, a análise torna-se muito mais complicado e menos aberta a modelagem formal. Mesmo com um corpo de autores magistrais, a “Velha” Economia Institucional entrou em declínio após a Revolução Keynesiana. Nos anos 20, o institucionalismo mostrava fortes indícios que se tornaria a escola dominante do pensamento econômico norte-americano. Nessa época, Keynes e os neoclássicos recebiam apenas discretas menções. Nas Universidades, “as obras de Veblen e Commons eram exaustivamente estudadas”. (Monastério, 1998, p.9). Mas então, o que levou o institucionalismo a uma espécie de esquecimento? Pode ter sido a aversão de Veblen aos modelos tradicionais da economia, o que culminou no afastamento do institucionalismo do mainstream econômico. Outro fator a se considerar é a dificuldade em elaborar modelos matemáticos baseados nas instituições dada a quantidade de dados. Nas palavras de Lord Lionel Robbins: “A única diferença entre o Institucionalismo e a Escola Histórica é que a Escola Histórica é muito mais interessante” (Robbins apud Monasterio, 1998, p.10). Outro evento que pode ter empurrado o institucionalismo para o declínio é o surgimento da psicologia comportamental, que substituiu a psicologia intuitiva de Dewey, responsável pelo pelos preceitos iniciais do Institucionalismo. A ascensão dos modelos matemáticos utilizados pelos neoclássicos também determinou a queda dessa escola. Uma metodologia comum entre os autores institucionais não era fácil de ser encontrada. Cada autor utilizava determinados pontos da teoria institucional, e dado o extenso leque de características institucionais, era difícil definir um instrumental comum entre os autores. E como causa final, pode-se considerar “o medo das consequências políticas das reformas propugnadas pelos institucionalistas”. (Guedes, 2008, p.53) 22 CAPÍTULO 2 – THORSTEIN VEBLEN Thorstein Bunde Veblen nasceu na cidade de Cato, no estado norte-americano de Wisconsin em 1857, em uma família de imigrantes noruegueses que chegaram aos Estados Unidos em 1847. Veblen nasceu em um período de grandes mudanças no país, com o surgimento das estradas de ferro e a conversão das fazendas do meio-oeste, passarem de autossuficientes para geradoras de grandes rendimentos agrícolas. Sua família vivia em uma comunidade que era considerada uma “Pequena Noruega” dentro dos Estados Unidos. A comunidade era isolada, preservando os costumes e tradições do país de origem, inclusive a língua e o luteranismo. Eles viviam uma vida difícil e simples de agricultores. Veblen era o quarto filho de uma família de seis irmãos. Seu pai, Thomas Veblen, desinteressado e de pensamento vagaroso, era um homem conformado com a vida que levava. Kari, sua mãe era uma mulher apaixonada por suas origens, e tanto é que foi ela que ensinou ao filho as tradições islandesas e o folclore norueguês que fascinou Veblen por toda a vida. Enquanto Veblen ainda era pequeno, sua família mudou-se para Minnesota, mas o modus vivendi era o mesmo, rural e humilde. Sua mãe fazia em casa as roupas para os seis filhos, com lã barata e couro de bezerro para os casacos. Açúcar e café eram considerados artigos de luxo para a família. Desde criança, Veblen apresentava uma personalidade um tanto peculiar. Preguiçoso, não tinha interesse algum nos trabalhos agrícolas, preferia ficar isolado, imerso em livros, inventando apelidos e histórias sobre os mais diversos assuntos. Nas palavras de um irmão mais novo de Veblen: Segundo minhas memórias mais antigas, ele sabia tudo. Podia perguntar a ele qualquer coisa e ele me diria tudo sobre o assunto em detalhes. Descobri desde então que muito do que dizia ele inventava na hora, mas até suas mentiras eram boas. (Dorfman apud Heilbroner, 1953, p. 207). A personalidade ácida de Veblen sempre foi tão comentada quanto seu estilo teórico. Alienação é geralmente um fenômeno dos doentes, e por nossos padrões Veblen poderia ter sido um neurótico. Pois tinha a qualidade de isolar-se de forma praticamente hermética. Passou pela vida como se tivesse vindo de outro mundo, e as coisas que pareciam tão naturais aos olhos de seus contemporâneos pareciam a ele pungentes, exóticas e curiosas como os rituais de uma sociedade selvagem é aos olhos de um antropólogo. Outros economistas – isto inclui tanto Adam Smith quanto Karl Marx – não apenas estavam em sua sociedade, mas 23 vinham dela; às vezes cheios de admiração pelo mundo ao seu redor e às vezes cheios de desespero e raiva pelo que viam. Mas não Thorstein Veblen. Ele manteve-se afastado da agitada, crescente e gregária comunidade na qual vivia: sem envolvimento, sem raízes, remoto, distante, desinteressado, um estranho. (Heilbroner, 1953, p. 204) Fluente em francês e alemão, aos dezessete anos Veblen foi enviado para o Carleton College Academy, perto de Minnesota, pois sua família vivia perto dali e queria que ele seguisse a carreira clerical, tornando-se um ministro luterano. Já naquela época Veblen se mostrava avesso às questões religiosas, portanto Carleton não era seu local preferido para estudar. Foi nessa faculdade que Veblen pode aprimorar seu conhecimento na língua inglesa, pois até então seu inglês era rústico, típico da comunidade em que vivia, onde só falavam norueguês. Em Carleton também, Veblen se interessou pelo estudo da Filosofia, onde teve como professor John Bates Clark (que posteriormente tornou-se um dos maiores economistas norte-americanos de seu tempo). Clark considerava Veblen um bom aluno, mas o achava muito atrapalhado. Carleton reconheceu sua genialidade durante uma declamação semanal, onde Veblen havia preparado dois discursos: “Um Apelo em Favor do Canibalismo” e “Uma Apologia de um Bêbado”. Os discursos deveriam ser sobre a necessidade de converter os pagãos, bem diferente daquilo que Veblen escrevera. Veblen alegou que com esses discursos estava apenas focando em questões científicas. Em 1881, estudou por um semestre na Johns Hopkins, onde teve aulas com o filósofo pragmatista Charles Sanders Peirce, crítico de Spencer, o qual Veblen se atraiu profundamente. Veblen esperava conseguir uma bolsa na Johns Hopkins, mas mesmo com ótimas recomendações essa não lhe foi concedida. Veblen foi então para Yale, encorajado por Clark, almejando um posto acadêmico. Em Yale, Veblen foi bastante influenciado pelos escritos e ideias de William Graham Sumner, professor de economia e sociologia na Universidade nessa época. Aprofundou também seus estudos em Hegel, Spencer, Kant e Darwin. Em 1984, obteve seu Ph.D. em Yale, comparando Spencer e Kant. No entanto, posteriormente, Veblen começou a rejeitar alguns argumentos de Spencer, incluindo a questão da viabilidade do socialismo. A influência Spenceriana foi substituída pelo Darwinismo. Mesmo obtendo a nota máxima no doutorado, Veblen não conseguiu um cargo de professor em filosofia em Yale devido a seu ateísmo e sua falta de sociabilidade. Nesse mesmo ano, Veblen teve seu primeiro artigo publicado, “Kant’s Critique of Judgment”. Sem emprego e doente, pois contraiu malária em Baltimore, voltou para a fazenda de sua família, já que necessitava também de uma dieta especial por causa da doença. 24 Usando a doença como desculpa, se esquivava das tarefas a ele atribuídas, passando os dias vagabundeando e incomodando os demais familiares. Mesmo convalescente Veblen não perdia a oportunidade para utilizar de seu sarcasmo com a família. Disse um de seus irmãos: Ele era sortudo o bastante, para ter vindo de uma raça e de uma família que faziam da lealdade e solidariedade uma religião... Thorstein era o único vadio em uma comunidade altamente respeitável... Ele lia a vadiava, e no dia seguinte vadiava e lia. (Dorfman apud Heilbroner, 1953, p. 209 ). Cada vez mais isolado, Veblen acabou se tornando um homem amargo e mais introvertido. Ele não fazia questão alguma de se socializar com pessoas de seu círculo social. Foi na Carleton College Academy, que Veblen conheceu sua primeira esposa, Ellen Rolfe, com quem se casou em 1888. Ellen era sobrinha do presidente de Carleton, e sua família, capitalista e cristã, não era muito simpática à sua união com Veblen, pois consideravam que o casamento seria vantajoso para ele, que naquela altura não tinha onde cair morto. O tio de Ellen era presidente da ferrovia Atchinson, Topeka & Santa Fe, onde Veblen esperava conseguir um emprego como economista na mesma, mas a má sorte profissional de Veblen surgiu novamente. A ferrovia, sofrendo sérios problemas financeiros, passou a ser controlada por um grupo de banqueiros, e o emprego de Veblen desapareceu. Após esse incidente, uma oportunidade surgiu na Universidade de Yowa, como professor, e mesmo com todas as recomendações e títulos que possuía, foi dispensado pelo seu excesso de agnosticismo. Aos 34 anos, desempregado e isolado já há sete anos, sua família decidiu que o melhor a fazer era que Veblen retomasse seus estudos acadêmicos, a fim de tentar novamente uma carreira como professor universitário. Então, em 1891 Veblen ingressou na Cornell University, onde conseguiu uma bolsa de pós-doutorado. Essa bolsa foi dada à Veblen graças a J. Laurence Laughlin, um economista bastante ortodoxo, mas que de alguma maneira se impressionou com o estilo pouco convencional de Veblen, e convenceu o reitor da universidade a aceitá-lo como membro. Em 1892, Laughlin assumiu o posto de chefe do departamento de economia da Universidade de Chicago, levando Veblen consigo. Ali, Veblen foi nomeado professor de economia e editor do Journal of Political Economy. A Universidade de Chicago foi o primeiro emprego de Veblen, e era uma instituição extremamente conservadora. Veblen nunca foi popular dentre os 25 administradores da faculdade, tanto pelos seus métodos profissionais como sua postura pessoal. Nunca atingiu o posto de professor titular, nem na Universidade de Chicago, nem em nenhuma outra universidade. Não se sabe ao certo o porquê de tamanho fracasso para receber seu devido reconhecimento. Especula-se que pode ser devido à sua forte crítica ao capitalismo, seu desprezo total com seus melhores alunos, ou à sua conturbada vida pessoal, marcada por problemas conjugais e muitas amantes. Pedagogicamente, Veblen também era um fracasso. À sala de aula – isto vem de sua vida mais à frente, mas serve para iluminar o homem – ele chegava com olheiras e perturbado por uma longa noite sobre os livros e, colocando um grande volume em alemão na mesa, começava a virar as páginas com dedos nervosos, amarelados por sua única vaidade – uma queda por cigarros caros. O reverendo Howard Woolston, que fora seu aluno, descreveu assim: ‘Em um baixo tom rascante, ele começou um recital sobre a economia de vilarejos dos primeiros alemães. Por fim chegou a uma injusta imposição falsamente legal dos nobres e sancionada pelo clero. Um sorriso sardônico curvou seus lábios; ele dissecou a tortuosa pretensão de que o desejo dos aristocratas é a vontade de Deus. Ele mostrou implicações similares nas instituições modernas. Ele riu. Então, voltando para a história, continuou a exposição’. (Heilbroner, 1953, p. 211) Entre os anos que vão de 1891 a 1899, considerados os mais importantes da obra intelectual de Veblen, pois foi nesse período, que ele escreveu seus mais importantes livros e artigos. O artigo Why is Economics not an Evolucionary Science? publicado em 1898 no The Quarterly Journal of Economics, é por muitos, considerado a obra inaugural da Escola Institucional. Nesse artigo, Veblen faz uma aberta crítica à economia ortodoxa, baseando- se no fundamento de que essa não é uma ciência evolucionária. Para Veblen, o mundo social era essencialmente dinâmico e processual, dotado de cadeias de causação cumulativa, sem fins previsíveis. Seu pensamento evolucionário contrapunha-se ao pensamento econômico da época, onde havia predominância de modelos e demonstrações matemáticas. A posição adotada por Veblen era de cunho pós-darwiniano, ressaltando o caráter de “processo de causação”, comum na abordagem evolucionária. De acordo com Veblen: ... a vida do homem em sociedade, assim como a vida de outras espécies, é uma luta pela existência e, consequentemente, é um processo de seleção adaptativa. A evolução da estrutura social tem sido um processo de seleção natural de instituições. (Veblen, 1899, apud Hodgson, 1997). Para Veblen, as instituições fazem parte de um processo de seleção que não implica que elas devem ser imutáveis ou rígidas. As instituições mudam gradualmente, 26 pressionando o sistema por meio de conflitos e crises, e isso leva a mudanças de atitudes e ações. Em todo sistema social há sempre tensões entre os períodos de ruptura e simetria, o que exige constantemente a reavaliação do comportamento dos agentes. Mesmo em longos períodos de calmaria e tranquilidade, as instituições estão sujeitas a repentinas rupturas e mudanças nos hábitos intelectuais e atuantes. Na crítica feita à ortodoxia da época, Veblen afirma que por esta não ser evolucionária, acaba não envolvendo cadeias de causa e efeito, o que torna as implicações econômicas explicadas em torno de um determinado propósito. O resultado é uma economia de caráter teleológico, que acaba produzindo sempre mais do mesmo. But here, again, economics seems to meet the test in a fair measure, without satisfying its critics that its credentials are good. It must be admitted, e.g., that J.S. Mill’s doctrines of production, distribution, and exchange, are a theory of certain economic processes, and that he deals in a consistent and effective fashion with the sequences of fact that make up his subject matter. So, also, Cairnes’s discussion of normal value, of the rate of wages, and of international trade, are excellent instances of a theoretical handling of economic processes of sequence and the orderly unfolding development of fact. But an attempt to cite Mill and Cairnes as exponents of an evolutionary economics will produce no better effect than perplexity, and not a great deal of that. (Veblen apud Camic and Hodgson, 2011, p.144) Aos quarenta e dois anos, Veblen publicou seu primeiro livro, A Teoria da Classe Ociosa, considerado por muitos sua obra prima. Quando publicou esse livro, Veblen ainda era professor em Chicago, e desde sua entrada na universidade não havia conseguido subir de cargo. O reitor da universidade, William Rainey Harper, era o protótipo de tudo aquilo que Veblen rejeitava: capitalista até o último fio de cabelo, interessado apenas nas aparências. Harper também não era muito chegado a Veblen, pois de um jeito ou de outro, as confusões amorosas de Veblen repercutiam mais que seu intelecto. Antes de o famoso livro ser publicado, Veblen quase abandonou a Universidade de Chicago, pois Harper não queria saber de dar qualquer tipo de aumento salarial a Veblen. Se não fosse pela intercessão de Laughlin para Veblen continuar, ele teria deixado a Universidade, e levado consigo A Teoria da Classe Ociosa, que foi a melhor das propagandas que Harper sequer poderia imaginar. Alguns consideraram que o livro não passava de uma sátira sobre o modo de vida da classe aristocrática, sendo uma crítica direta a esse estilo. Não é de admirar que tenha chamado a atenção, pois jamais um livro com tão sóbria análise fora escrito com tamanha pungência. Uma pessoa o selecionava ao acaso para rir de seus duros insights, das frases cortantes, da visão corrosiva da 27 sociedade em que elementos de ridículo, crueldade e barbárie aninhavam-se em justaposição com coisas tomadas como certas e usadas por costume e sem cuidado. O efeito foi elétrico, grotesco, chocante e impressionante, e a escolha de palavras não era menos primorosa. Um pequeno exemplo: ‘Um certo rei da França... segundo a lenda perdeu a vida por excesso de força moral na observação da boa monarquia. Na falta do funcionário cuja função era mudar de lugar o trono real, o rei sentou-se diante do fogo e sua pessoa real foi tostada até a morte. Mas assim fazendo, ele salvou sua Muito Cristã Majestade da contaminação servil’. (Heilbroner, 1953, p. 213) Mas essa peculiar obra de Veblen, vai muito além da sátira aos costumes das classes mais altas. Ela faz com maestria, uma análise social, econômica e comportamental do modo que as pessoas viviam e como se portavam numa sociedade pecuniária. A abordagem de Veblen sobre o consumo desloca-o da esfera puramente econômica e a joga no campo das forças sociais, ultrapassando a visão apenas utilitária que as coisas possuem. Veblen nos fala de um padrão de vida pecuniário, onde os gastos honorários “conspicuamente supérfluos” acabam sendo vistos como mais indispensáveis que muitos gastos relacionados a atividades “inferiores” básicas. Surge, assim, uma forte crítica à visão instrumentalista do homem como um ser que buscaria, antes de tudo, satisfazer suas “necessidades primárias”. Veblen deixa claro que o homem é, antes de tudo, um ser social cujas “necessidades” são construídas coletivamente. Sua análise começa nos primórdios da humanidade, durante a passagem de um modo de vida pacífico para um modo de vida predatório. A classe superior compreende os nobres, funções eclesiásticas e parte de seus agregados. Todos possuem ocupações dentro da comunidade, mas com uma ressalva: as ocupações não são e não devem ser de âmbito industrial. As ocupações exercidas por essa classe são basicamente de quatro espécies: ocupações governamentais, religiosas, esportivas e guerreiras. Nos primeiros estágios da barbárie, a classe ociosa não está claramente definida, mas apresenta as características que fazem parte do seu desenvolvimento pleno. A diferenciação de funções surge já nesse estágio, e pode-se dizer que é a base da segregação entre classe superior e classe inferior, ou industrial. Entretanto nesse estágio, a ociosidade não era plena, pois algum tipo de trabalho era exercido pela classe superior. A distinção principal se dá nas ocupações masculinas e femininas, de caráter puramente competitivo. Aos homens cabiam-lhes as atividades de mantenedores da comunidade, como a caça e a pesca, e também rituais de devoção, esportes e a guerra. As funções praticadas pelos homens possuíam um elemento de façanha ou proeza, pois dependiam na maior parte dessas, e também força e destreza física. Funções essas que não são precursoras de nenhuma atividade industrial, pois estas ficavam 28 reservadas às mulheres do grupo. O trabalho exercido pelas mulheres era aquele considerado monótono e rotineiro, que não lhes atribuía nenhum elemento espetacular ou honroso. Portanto, a classe ociosa surge num cenário de discriminação entre funções dignas e indignas, proeza e rotina, que se desenvolveu para a discriminação moderna, entre trabalho industrial e ócio. O conceito de dignidade, valia ou honra, quando aplicado a determinados indivíduos ou a determinadas atividades, é de primordial importância no desenvolvimento das classes e das diferenças de classe; é preciso portanto que se diga alguma coisa sobre a sua origem e a sua significação. (Veblen, 1965) Para o homem bárbaro, a noção de mundo animado e mundo das coisas inertes, era imprescindível para caracterizar as ações por ele empreendidas. De um lado estava seu alimento, e de outro, ele próprio. A adoção do termo animado não compreende necessariamente todas as coisas vivas e abrange outras, como tempestades, doenças, cachoeiras, etc. Não há necessidade de alma para caracterizar o termo animado. Animais insignificantes, frutas, plantas estão na parte das coisas inertes. Essa noção é inquestionável para conduzir seu modo de vida. Aquilo que o bárbaro domina do mundo animado, possui elemento de proeza e lhe confere respeito perante os outros membros da comunidade, não sendo de modo algum uma atividade industrial. A caça de animais grandes exige, principalmente, habilidade e força física, possuindo grande teor de proeza, e é por natureza de caráter predatório. Essa função não exige que se molde a matéria, portanto não é um trabalho produtivo, pois qualquer atividade que tenha esse fim é moralmente inaceitável e traz a desonra a aquele que a executa. A diferença entre classes deriva dos conceitos de dignidade, honra e proeza. A classe superior deve vincular-se apenas com funções que tenham esses atributos. Cada ato procura realizar algum fim concreto. Desse modo, em cada ato há repulsa por esforço fútil e preferência por atividade eficaz. Denominou essa propensão como instinto de artesanato. Porém, a extensão desse fundamento depende consideravelmente do contexto social. Nos grupos predatórios, obter sucesso torna-se um fim em si mesmo, necessário em virtude da estima social, pois o indivíduo mostra para os outros suas capacidades, evitando humilhação perante os demais. O instinto de artesanato promove a emulação entre os indivíduos, sendo que num estágio superior, essa será de caráter puramente pecuniário. 29 O homem por necessidade seletiva é um agente. Ele vê a si próprio como o centro do desenrolar de uma atividade impulsiva, de uma atividade ‘teleológica’. Ele é um agente que em cada ato procura a realização de algum fim concreto, objetivo, impessoal. Sendo um tal agente, ele tem preferência por atividade eficaz e repugnância por esforço fútil, sente o mérito da eficiência e o demérito da futilidade, do desperdício, da incapacidade. Esta atitude ou propensão pode-se denominar de instinto de artesanato. (Veblen, 1965) No estado selvagem, há ausência de uma classe ociosa e a atitude espiritual em que se apoia a sua instituição. Tais grupos eram pacíficos, sedentários, e não tinham a propriedade como traço dominante. A emulação econômica acaba sendo em atividade industrial, pois nesse estágio, as condições e os estímulos não são suficientes para tal emulação. Na fase predatória, a emulação muda de caráter, assumindo o de proeza, pois nesse estágio as oportunidades são mais proeminentes, assim como os incentivos. É nessa fase que surgem os símbolos da força do individuo, os troféus que caracterizam as ações como excepcionais, que se tornam essenciais dentro da comunidade. A competição entre os homens é naturalmente aceita como forma de autoafirmação, dando a seus vitoriosos, a posse de artigos úteis, sendo que esses também podiam ser obtidos pela força ou coerção. Essas são as únicas formas aceitas dignamente para obtenção de bens, ou seja, o trabalho produtivo é marginalizado, pois considera que o indivíduo é incapaz e não competente o suficiente para possuí-los. Veblen supõe que sempre tenha existido luta, inclusive nos estágios mais primitivos de desenvolvimento social. Na transição do estágio pacífico para o subsequente, a guerra passa a ser aceita e valorizada, o que, segundo ele, é comprovado pelos hábitos dos grupos primitivos. As lutas são acentuadas pela natureza humana. Nessa sociedade, as armas possuem caráter de prestígio, e seu uso habilita mérito pra quem as utiliza, enquanto a atividade industrial é rejeitada por ser tediosa e indigna. Sempre existiram conflitos mesmo nas sociedades tidas como pacíficas, mas nessas, a luta habitual não é um traço dominante. O que explica as diferenças dessa com uma fase predatória é uma predisposição ao conflito que somente pode ser explicado pelo fato de que surgem as condições materiais favoráveis à atitude predatória. A fase predatória se firma com o aumento das aptidões, a consolidação dos hábitos e tradições desse estágio. Essa solidificação se dá principalmente pela mudança de vida do grupo, pelas tendências a manter os costumes e normas de conduta que favorecem o modo de vida predatório em relação ao estágio pacifico. Uma das maneiras da classe superior se diferenciar das demais classes se dá pelo consumo vicário de bens: “A posse da riqueza confere honra” (Veblen, 1965). Esse 30 consumo pode ser expresso através de alimentos, vestuário, moradia, mobília e meios de transporte próprio. É um consumo especializado, que além do poder de pagamento, depende também do gosto refinado do indivíduo. De nada adianta o poder aquisitivo, e não possuir um gosto para definir e escolher os devidos bens que dão status, pois o objetivo principal desse consumo é a ostentação e a distinção social. De acordo com Veblen, o consumo diferenciado é anterior a qualquer força pecuniária, tendo surgido na cultura predatória. Nessa fase, a diferenciação econômica é feita pela separação entre uma classe superior honorífica, onde estão os homens capazes e uma classe considerada inferior, onde ficam as mulheres que fazem o trabalho considerado desprezível. A função da classe superior, ou dos homens, é consumir aquilo que as mulheres produzem. As mulheres consomem apenas como meio de subsistência, é um consumo acidental que não visa o conforto e nem lhes concede honrarias. O consumo que os homens exercem é honorífico, principalmente porque os bens não foram produzidos por eles. Portanto, é do ócio que surge o consumo conspícuo, pois é a classe que não produz que consome os bens mais desejáveis, ou seja, a classe superior – os homens, nessa fase – tem direito a consumir o que é produzido pela classe inferior, e é esse consumo que lhes trará méritos e distinção na comunidade. Pela própria natureza do consumo, o luxo e o conforto pertencem a classe superior, pois as demais classes consomem apenas o que é necessário às suas subsistências. Para obter e conservar a consideração alheia não é bastante que o homem tenha simplesmente riqueza ou poder. É preciso que ele patenteie tal riqueza ou poder aos olhos de todos, porque sem prova patente não lhe dão os outros tal consideração. Não só serve a prova de riqueza para acentuar a importância do indivíduo aos olhos dos outros, conservando sempre vivo e atento o sentido que tem dela, como também tal prova é igualmente útil na criação e preservação da satisfação própria. (Veblen, 1965) Num estágio posterior, o consumo além do necessário muda de esfera, especializando-se quanto à qualidade dos bens consumidos. A melhoria nos bens é devida a maior promoção de conforto e bem estar pessoal que esses irão trazer a seu possuidor. Porém, essas características não são o fim principal do consumo. A inovação que determina os novos bens contém o critério de respeitabilidade. Esse critério traz consigo uma prova de riqueza, pois quem consome essa espécie de bens mostra seu mérito e capacidade perante os outros membros da sociedade. 31 A educação e a atividade intelectual também são determinantes fundamentais desse tipo de consumo. O indivíduo bem sucedido deve evitar sua deterioração social, e essa só pode ser feita através da educação e do intelecto, cultivando o gosto que possui. O homem passa a ser um conhecedor dos melhores vinhos, das obras de arte, dos tecidos, estilistas, alimentos, de tudo aquilo que leva o critério de respeitabilidade. O senso estético deve ser cultivado, e isso requer tempo e esforço. Portanto o ócio muda de esfera, passando para um ócio de aprendizado. Os bens superiores devem ser consumidos por quem sabe fazê-lo, pois seu consumo requer boas maneiras e modo de vida refinado. O consumo conspícuo de bens valiosos é um instrumento de respeitabilidade. A acumulação de riqueza por si só, é incapaz de demonstrar as características honoríficas que o consumo conspícuo traz. A força pecuniária é a base da boa reputação em qualquer sociedade industrial organizada, segundo Veblen. Os meios de demonstrar força pecuniária são o ócio conspícuo e o consumo conspícuo de bens. Mesmo nas classes mais baixas, esses meios podem ser encontrados. Nenhuma classe abre mão, nem que seja minimamente, desse consumo. Há uma necessidade de impressionar certos observadores, que podem nem ser conhecidos pelo indivíduo, e isso só pode ser mostrado através da capacidade de pagar. É pelo consumo que se mede a força pecuniária do homem. Veblen nos mostra que o ócio perdeu lugar para o consumo. No início da civilização, era o ócio que separava o trabalho honroso do fútil, que culminou numa posterior separação de classes. Porém, o consumo conspícuo exerce de maneira mais eficaz a prova de riqueza. A questão fundamental não é apenas se o consumo de certa mercadoria trará satisfação pessoal ou atenderá as necessidades do indivíduo, mas se mostrará os gostos e se irá de acordo com as regras de uso e decência perante a comunidade. É a classe mais alta que dita o consumo para as demais classes. É ela que determinará o padrão de vida que a sociedade deverá adotar, também cabe a ela preservar aquilo que é ideal na comunidade, por meio de preceito e exemplo. Segundo Veblen, se o indivíduo tiver sua capacidade de pagar estendida, essa provavelmente irá se transformar num consumo conspícuo, pois a necessidade de competir com outros é imperiosa. A competição se dá pela concorrência pecuniária, e será essa que mostrará qual individuo possuirá maior força pecuniária, ou seja, maior respeito e credibilidade perante a sociedade. Agindo dessa maneira, o homem está na verdade em um constante processo de adaptação seletiva, de acordo com Veblen. 32 A situação de hoje modela as instituições de amanhã mediante um processo seletivo e coercitivo, atuando na habitual opinião humana sobre as coisas, e assim alterando, ou envigorando um ponto de vista ou uma atitude mental herdada do passado. As instituições – o que vale dizer, os hábitos mentais – sob a orientação das quais os homens vivem, são por assim dizer, herdadas, de uma época anterior; época mais ou menos remota, mas, em qualquer caso, elaboradas no passado e dele herdadas. As instituições são o produto de processos passados, adaptados a circunstâncias passadas, e por conseguinte nunca estão de pleno acordo com as exigências do presente. (Veblen, 1965) Completando essa análise social, Veblen finaliza com a noção de que o homem é um bárbaro parcamente civilizado e faz do padrão de gastos um modo de exibição perante os demais indivíduos da sociedade. Para Veblen, as classes mais baixas não querem destruir as mais altas. Elas estão ligadas às classes superiores por afinidades comuns. “Os trabalhadores não procuram destruir seus dominadores; eles procuram emulá-los”. (Heilbroner, 1953, p.217). Após A Teoria da Classe Ociosa, ter sido publicada, Veblen emergiu do ostracismo – mesmo que sua reputação se tenha dado mais pelas sátiras do livro do que por sua postura como economista. Um problema ao ler a obra de Veblen é identificar quando ele está sendo irônico ou não, então muitas vezes o leitor não sabe se ele está admirando ou criticando determinado comportamento. Isso levou o livro a ser bastante criticado, sendo laureado com o título de Livro Mais Tolo do Mês, pela revista Vanity Fair. Críticas à parte, o livro recebeu diversos elogios, intelectuais e radicais viam em Veblen um ídolo. Mas Veblen não se importava nenhum pouco com isso. Em 1904, publicou seu próximo livro, The Theory of Business Enterprise, onde Veblen analisa o sistema de negócios. Novamente, o brilhantismo de Veblen veio à tona, e esse livro conseguiu ser mais curioso que A Teoria da Classe Ociosa. Nessa obra, o homem de negócios é a chave do sistema industrial, a sociedade vive sob o domínio da máquina e o processo econômico possui um caráter mecânico. Veblen começa a análise pelo homem de negócios: De acordo com sua visão, a direção das grandes empresas está entregue a indivíduos cujas atividades têm orientação intrinsicamente pecuniária. Isto é, o controle dos processos industriais está nas mãos de homens de negócio cujos interesses não estão relacionados com a eficiência dos processos produtivos; o elemento guia das suas ações é a busca de ganho financeiro. (Monasterio, 1998) Para Veblen, a máquina não estava preocupada com lucros, sua função era apenas de produzir bens. Portanto, o homem de negócios não poderia entender a máquina, ao 33 menos que ele se tornasse engenheiro. Seu intuito era apenas para acumular, e isso acaba corroendo o sistema, pois surgem monopólios, incorporações de outras empresas, vendas ampliadas através de publicidade, aumento de preços limitadores da produção e outras atividades que prejudicam a sociedade. Não é possível compatibilidade entre a eficiência industrial e o desejo de lucros por parte dos homens de negócios. Com esse conceito, Veblen refuta a ideia liberal de que os empresários conduziriam a um ótimo social. Se fosse necessário para aumentar seus ganhos, eles não hesitariam em começar uma crise para tirar proveito disso. Portanto, a origem das crises é genuinamente financeira e posteriormente ela impactará na indústria. The Theory of Business Enterprise, originou posteriormente o livro The Engineers and the Price System, onde Veblen conta como seria uma revolução desencadeada pelos engenheiros. Nesse livro, há um tom de ativismo político, que não é encontrado nas demais obras do autor. Em The Engineers and the Price System, um grupo de engenheiros seria recrutado pela sociedade para controlar o caos desencadeado pelo sistema de negócios. Os engenheiros já possuíam o poder real da produção em suas mãos, mas não tinham se dado conta de que o sistema de negócios “atrapalhava” a produção industrial, dada a incompatibilidade de ambos. Mas após perceberem esse antagonismo, eles exonerariam os empresários e passariam a controlar a economia como uma máquina produtiva bem coordenada. Se isso não acontecesse, o sistema de negócios transformaria a sociedade num ambiente de guerra, culminando num fascismo. Na época em que o livro foi publicado, ele acabou virando uma das bases da Technocracy, que foi um movimento político da época que defendia algumas ideias parecidas com as de Veblen. Em 1906, Veblen já estava famoso na Europa. Talvez tanto quanto seus casos extraconjugais eram famosos em Chicago. O reitor Harper, mesmo sabendo da notoriedade de Veblen, tinha medo que suas indiscrições pessoais promovessem a Universidade de Chicago de maneira negativa. Veblen perdeu seu cargo na universidade. Veblen se divorciou de Ellen em 1911, e nesse mesmo ano mudou-se para a Universidade de Missouri, onde foi morar na casa de um amigo, Davenport, economista respeitado. Nessa época, isolou-se no porão e produziu muitas de suas obras, como The Higher Learning in America, onde faz uma crítica às universidades norte-americanas, pois as práticas acadêmicas estão voltadas apenas para os negócios e são dependentes de 34 administradores capitalistas, que de acordo com Veblen “deveriam ser apagados da lousa.” (Veblen apud Monasterio, 1998). Sem obter nenhum cargo acadêmico respeitável, Veblen se aposentou em 1927. Passou seus últimos dias sozinho e recluso na Califórnia. Veblen faleceu em 3 de agosto de 1929, pouco tempo antes da Crise de 1929 estourar. Um homem excêntrico e solitário, que contribuiu com grandes obras tanto no campo econômico quanto no social. O nome de Veblen pode ser colocado lado a lado ao de grandes economistas como Marx, Keynes e Ricardo. 35 CAPÍTULO 3 - CONSUMO E RACIONALIDADE Para Veblen, a formação humana deriva de certos instintos. Esses instintos são fundamentais para o entendimento das instituições, pois considera que a natureza humana é guiada por “disposições instintivas”, que moldam as ações humanas em grupos. Mas os instintos como elementos da natureza humana só são completos se possuírem a característica teleológica, ou seja, anseiam um fim de configuração consciente. Ação instintiva é teleológica, consciente então, e o alcance teleológico e visado de cada propensão instintiva difere caracteristicamente de todo o resto. Os vários instintos são categorias teleológicas, e são, num uso coloquial, distinguidos e classificados sobre o terreno de seu conteúdo teleológico (...) ‘Instinto’, contrariamente à ação tropismática, envolve consciência e adaptação para um fim visado. (Veblen, 1989, p. 3-4) Dada a característica de teleologia nos instintos, fica claro que esses não incorporam apenas formas puramente intuitivas e inconscientes. Os modos de agir e viver dos homens são produtos de complicado fatores, sendo esses difíceis de discernir enquanto maiores forem as variantes que se estabelecem a eles. A ação é dotada de um sentido teleológico, mas é imprescindível a inteligência para a efetivação dessas propensões inatas, participando também aquilo que está inconsciente ou fora do alcance da racionalidade imediata. De acordo com Veblen, a ação instintiva carrega em si própria, noções herdadas socialmente. Não há sociedade e ação sem história, pois é esta que fornece a marcação necessária para os simbolismos, os arquétipos de conduta ou valores, as regras e demais fatores que saem da alçada imaterial, contribuindo para o arranjo dos atores e sua natural inter-relação. Veblen chama esse conjunto de elementos de “hábitos de pensamento”, que vão sendo acumulados “através da experiência de gerações passadas” (Veblen, 1989, p. 7). Sendo assim, as condutas humanas sociais provêm da motivação biológica, do suporte social e histórico e da racionalidade. Os modos costumeiros de fazer e pensar não somente tornam-se uma matéria habitual, fácil e óbvia, mas chegam igualmente a ser sancionados pela convenção social, e então tornam-se corretos e apropriados, originando princípios de conduta. (Veblen, 1989, p.7) Os instintos possuem ainda duas características essenciais em sua natureza: a de imutabilidade relativa e a de indeterminação. Diferentemente das instituições, que se 36 modificam constantemente e vastamente, os instintos permanecem os mesmos desde o início da humanidade. Já as suas indeterminações implicam na “capacidade que a natureza humana, entendida como o conjunto das propensões inatas, possui de ajustar-se às exigências ambientais diversas”. (Monasterio, 1998, p. 42) Veblen alega que os instintos surgiram no início da humanidade, mais precisamente no período da barbárie. A seleção natural foi responsável pela estruturação das propensões instintivas, que se adequaram ao ambiente no qual o homem vivia. Porém, devem ser notadas duas advertências: não há um determinado gene para cada instinto, o que acontece na verdade é que estes resultam de um grupo de genes; as exigências ambientais foram as responsáveis pela formação do conjunto desses genes. Segundo Veblen, não há oculto no genoma humano um gene responsável pelas propensões instintivas. Elas seriam, na verdade, características derivadas de conjuntos de genes agindo simultaneamente, não podendo ser atribuídas a um gene específico. As exigências de sobrevivência impostas pelas circunstâncias iniciais da história são radicalmente distintas das fases seguintes, e daí a natureza humana adequar-se instintivamente apenas para o ambiente, material e cultural, relativos à selvageria pacífica e à fase predatória. (Monasterio, 1998, p. 43) Há quatro instintos que Veblen classifica como os mais importantes. Cada um desses instintos age de maneira diferente no comportamento humano. O instinto de trabalho eficaz ou artesanato (instict of workmanship) é denominado como aquele que faz o homem preferir atividade eficaz ao invés de esforço fútil. É o instinto responsável por nos fazer eleger os meios apropriados para conseguir certos objetivos. Formado na selvageria pacífica, esse instinto distinguia do grupo, o indivíduo que mostrava sua capacidade através de seu trabalho para a comunidade. É uma condição essencial para a sobrevivência do homem e da sua comunidade. O instinto de artesanato é o primeiro e principal instinto, pois é por ele que se assegura o bem-estar material dos homens e também suas sobrevivências biológicas. A inclinação paternal (parental bent) e o da curiosidade ociosa (idle curiosity) apresentam-se de maneira um pouco mais periférica no conjunto das obras de Veblen. A inclinação paternal pode ser considerada o instinto humano de autopreservação. É nesse instinto que está inclusa a característica de proteção para com os filhos e com os demais descendentes. A reprodução, a manutenção e a previdência são seus atributos básicos, cujo fim é a preservação dos interesses comuns do grupo. Portanto, a inclinação paternal assemelha-se com o instinto de artesanato, visando o bem-estar da comunidade. Essa semelhança permite que Veblen incorpore esses dois instintos como “instintos de 37 utilidade” (instincts of serviceability). Já com o instinto de curiosidade ociosa, Veblen alega existir uma motivação humana que empurra o homem para o conhecimento de si mesmo e do meio em que vive. Esse conhecimento não é necessariamente aplicável ou prático, muito menos um conhecimento científico, mas sim uma propensão inata que, se juntando com o instinto de artesanato, por exemplo, resultará em conhecimento buscando ampliação do bem-estar material da sociedade. Na sociedade pecuniária, o instinto de curiosidade ociosa está diretamente ligado aos lucros que pode gerar. O instinto predatório compõe uma espécie de linha de referência para a compreensão da teoria de Veblen. Seus aspectos constitutivos são: a competição dos indivíduos pelas melhores posições hierárquicas, a guerra entre grupos, a concepção dos segmentos sociais com poder de exploração, o domínio de natureza sexual ou econômico e outras práticas ligadas a ações impositivas e coercitivas. Veblen afirma que o instinto predatório deriva do instinto de artesanato, pois assim que garantidas as condições de sobrevivência devido ao segundo instinto, os homens passariam gradualmente da cooperação à competição. É o instinto predatório que estimula a rivalidade e faz os homens buscarem vantagens sociais entre suas próprias comunidades. O trabalho rotineiro dá lugar à valorização da proeza. O instinto predatório origina a propriedade privada e a classe ociosa, assim como o ócio e o consumo conspícuo. Advindo do conceito vebleniano de instinto ou de disposição instintiva, origina-se o de hábitos. O hábito aparece como solução para preparar o caminho do instinto para a instituição. Nos usos cotidianos e no âmbito material, o hábito é denominado como hábito de vida (habits of life). De acordo com Veblen, os hábitos estão enraizados no espírito humano. Os homens tendem a manter seus hábitos, repetindo-os, e só os mudam quando certas circunstâncias os obrigam a fazê-lo. Essa mudança é feita “apenas tardiamente e com relutância, e tão somente, sob a coerção exercida por uma situação que tornou insustentáveis as opiniões adotadas”. (Veblen, 1899). A alteração nos hábitos é incômoda aos homens, pelo fato de que se necessita de um esforço mental para encontrar e sustentar um novo arquétipo de conduta. Esse fato explica o conservadorismo presente tanto na classe ociosa, pois essa teme as forças econômicas de mudança, como também nas classes inferiores, onde lhes faltam forças para a alteração de seus hábitos. ... uma vez formado o hábito de expressão ao longo de uma certa linha de pouca resistência, a descarga procurará o escapamento de costume, mesmo depois de se haver processado uma mudança no ambiente, aumentando apreciavelmente a resistência externa. Esta maior facilidade de expressão numa determinada direção, que se chama hábito, pode contrabalançar um considerável aumento na 38 resistência oposta pelas circunstâncias externas para o desdobramento da vida numa determinada direção. Entre os diferentes hábitos... há uma diferença apreciável quanto à persistência sob circunstâncias adversas e quanto ao qual de imperativismo com que a descarga procura determinada direção. (Veblen apud Monasterio, 1998, p. 51) O hábito como fenômeno imaterial, que regula a reflexão dos indivíduos é chamado por Veblen de hábitos de pensamento (habits of thought). Esses hábitos de pensamento resultam dos hábitos de vida, onde certas atitudes passadas das pessoas acabam tornando- se referência para outros membros da sociedade agir. Os indivíduos julgam essas práticas como naturais, atemporais e necessárias. Uma vez socialmente aceito, o hábito arraiga-se de maneira quase inabalável. Muitas vezes os indivíduos não fazem ideia de sua origem ou aplicabilidade, e mesmo assim determinado hábito mantem-se inalterado. Em outras palavras, e de modo geral, poder-se-á dizer que os hábitos mais antigos e arraigados que governam a vida do indivíduo – aqueles que afetam a sua existência como um organismo – são os mais persistentes e imperiosos (...) Em geral, quanto mais antigo o hábito, tanto mais inquebrantável; e quanto mais um determinado hábito coincidir com os costumes, tanto maior a persistência com que se fixará. (Veblen, 1965) Percebe-se com isso a indefinição da vontade humana como guia de desígnios racionais. As disposições habituais saem na frente para garantir a fixação da ação social nas comunidades. Os hábitos, uma vez inseridos na história, minimizam a capacidade dos indivíduos de solicitar mudanças nas organizações sociais ou políticas, assim como alterações expressivas de padrões culturais colocados há muito tempo antes. Veblen reconhece que leva certo tempo para se ter qualquer tipo de mudança social que culmine em mudanças de hábito das pessoas. Veblen utiliza o conceito de hábito para poder explicar de modo satisfatório, as condições em que determinadas práticas institucionalizem-se. Os hábitos são as peças que montam e direcionam as instituições, e são essas que permitem as relações de poder e domínio entre os homens. Na vida econômica, como em outras áreas de conduta humana, os modos habituais de atividade e as relações apareceram e foram, por convenção, transformados em uma trama de instituições. Essas instituições... têm uma força prescritiva habitual que lhes é própria... Se o contrário fosse verdade, se os homens agissem, universalmente, não com base nos fundamentos e valores convencionais da trama das instituições, mas apenas e diretamente com base nos fundamentos e valores das propensões e aptidões não-convencionais da natureza humana hereditária, não haveria instituições nem cultura. Mas a estrutura 39 institucional da sociedade subsiste e os homens vivem dentro de seus limites. (Veblen apud Hunt, 2002, p. 304) As instituições, segundo Veblen são “hábitos de pensamentos estabelecidos comuns aos homens em geral” (Veblen apud Monasterio, 1998, p.53). Essas instituições são os hábitos formados coletivamente, um conjunto de hábitos de pensamento individuais. O grupo se compõe de indivíduos, e a vida do grupo é a vida dos indivíduos vivida pelo menos por uma ostensiva maioria. O esquema de vida aceito pelo grupo é o consenso de opiniões mantidas pelo conjunto desses indivíduos ao que é certo, bom, conveniente e belo na natureza humana. (Veblen, 1965) Veblen admite que os membros de uma sociedade têm hábitos de pensamento semelhantes. As instituições exercem uma determinada força nos indivíduos pelos hábitos, e esses indivíduos promovem a sociedade. Se os homens agissem de modo individualista e egoísta, sem base nos fundamentos e valores da trama institucional, não haveria instituição nem cultura. A situação de hoje modela as instituições de amanhã mediante um processo seletivo e coercitivo, atuando na habitual opinião humana sobre as coisas, e assim alterando, ou envigorando um ponto de vista ou uma atitude mental herdada do passado. (Veblen, 1965) As forças exercidas sobre os agentes fazem com que eles acabem tendo hábitos de pensamentos análogos. Isso acarreta em hábitos de pensamento que coincidem entre si, o que não é necessariamente um consenso entre os indivíduos. O hábito do consumo conspícuo é o único hábito que é claramente copiado, onde as classes inferiores procuram se espelhar no consumo das classes superiores. Veblen atribui grande valor ao processo de institucionalização de comportamentos ou valores no decorrer de sua obra. Preocupou-se em explicar como as práticas sociais instituíam-se por meio da obtenção de artigos materiais. Veblen notou que os atributos econômicos da vida cotidiana possuem grande relevância na institucionalização dos hábitos coletivos. As forças econômicas são as que exercem maior poder na manutenção e no reajuste das instituições na sociedade industrial. Após os hábitos serem institucionalizados, sua influência permanece diretamente na formação de outros hábitos. Mesmo que os novos hábitos sejam particulares a uma linha de conduta distinta, juntam-se aos princípios vigentes. Dessa maneira, os novos hábitos carregam em si materiais já institucionalizados. Esse cruzamento de hábitos antigos e 40 novos forma um tecido de instituições, que condicionará o comportamento dos agentes estabelecidos em uma sociedade. Como todas as formas de cultura humana, essa civilização material é um esquema de instituições – estrutura institucional e desenvolvimento institucional. Mas as instituições são um resultado do hábito. O desenvolvimento da cultura é uma sequência cumulativa de habituação e suas formas e meios são as respostas habituais da natureza humana a exigências que variam de forma incontinente e cumulativa, mas com algo de consistente na sequência de variações cumulativas que ocorrem – de forma incontinente, porque cada novo movimento cria uma nova situação que induz a mais uma variação na maneira habitual de resposta; de forma cumulativa, porque cada nova situação é uma variação do que aconteceu antes dela e incorpora como fatores causais tudo o que foi afetado pelo que aconteceu antes; e de forma consistente, pois os traços subjacentes da natureza humana (propensões, aptidões e coisas desse tipo) por força dos quais ocorre a resposta, e com base nos quais a habituação é efetuada, permanecem substancialmente inalterados. (Veblen, 1909) As instituições são modeladas pelas consequências das estruturas comportamentais restauradas pela própria instituição. Instituições defasadas preparam o ambiente para o recebimento de novas normas ou padrões de comportamento. Elas sobrevivem e renovam- se por adaptações exigidas na sociedade. Uma mudança nas circunstâncias faz com que as instituições se modifiquem. Essas circunstâncias responsáveis pela mudança levam consigo resquícios de instituições anteriormente consolidadas. Esses resquícios sombreiam as atitudes atuais. Apenas pela renovação dos hábitos mentais é possível haver uma renovação institucional. A renovação dos hábitos deve advir de toda comunidade, dada a força que os hábitos possuem. Para Veblen, as instituições primeiramente possuem uma característica inata de conservadorismo ao invés de clamarem mudanças. Seu papel é o de preservador de certas estruturas, intuindo manter a ordem da dinâmica social. Portanto, qualquer ajustamento que necessitará ser feito, virá de pressões praticadas pelo ambiente social. Essas pressões, segundo Veblen, são quase sempre associadas às necessidades pecuniárias. As instituições são responsáveis pela estabilidade na vida econômica. Na visão de Veblen, os hábitos só mudam através de um esforço mental, mas ele refuta a ideia de que essa mudança é feita após um cálculo mental onde os indivíduos questionam receitas e despesas. Os hábitos se adaptam de acordo com as necessidades dos seres humanos, dando origem às instituições, mas essa adaptação está longe de alcançar um nível ótimo. Na teoria neoclássica, os hábitos estão ligados à racionalidade, e mudá-los envolve custos. Os neoclássicos acreditam que os hábitos são a repetição de algum cálculo racional já feito, com caráter ótimo. 41 Os postulados da utilidade marginal, e as preconcepções hedonistas mais geralmente falham neste ponto porque confinam sua atenção àquelas implicações da conduta econômica que são concebidas para não serem condicionadas pelos padrões e ideias habituais, nem terem implicações na forma de habituação. Eles negligenciam ou abstraem a sequência causal da propensão e da habituação na vida econômica e excluem da investigação teórica todo interesse pelos fatos do desenvolvimento cultural, de modo a olhar para os aspectos da questão que são concebidos para serem ociosos a esse respeito. (Veblen, 1909) Assim como a sociedade pecuniária, a abordagem econômica tradicional era frequentemente criticada por Veblen. Veblen dedicou um artigo inteiro, The Limitations Of the Marginal Utility, para mostrar a incapacidade da economia neoclássica em ministrar análises satisfatórias sobre os indivíduos e as instituições. Para Veblen, os economistas neoclássicos não explicam adequadamente como as instituições surgem na economia, isso quando assumem a existência dessas, o que muitas vezes não o fazem. Fenômenos como dinheiro e propriedade privada, são reconhecidos como imutáveis, pertencentes a um estado natural, onde suas causas, efeitos e variações não são explicados, pois o cálculo hedonista no qual se baseia essa teoria acaba restringindo explicações dessa ordem. É característico desta escola que, se qualquer elemento da estrutura cultural, uma instituição ou qualquer fenômeno institucional, estiver envolvido nos fatos com os quais a teoria se ocupa, tal fato institucional é tomado como certo, negado ou dado por explicado. Se é a questão do preço, oferece-se uma explicação da maneira como as trocas ocorrem, de tal forma a deixar a moeda e o preço fora da explicação. Se é a questão do crédito, os efeitos da extensão do crédito sobre o movimento dos negócios são deixados de lado e faz-se uma explanação sobre como o tomador e o emprestador cooperam para facilitar suas respectivas correntes de rendimentos em bens consumíveis ou sensações de consumo. O fracasso desta escola a este respeito é consistente e amplo. Contudo, estes economistas não são destituídos nem de inteligência nem de informação. Eles são dotados, de fato e em geral, com uma ampla série de informações e um controle exato da matéria, bem como de um interesse muito atento pelos acontecimentos; e, à parte seus pronunciamentos, os membros desta escola habitualmente professam as visões mais sãs e inteligentes a respeito de questões práticas correntes, mesmo quando estas questões tocam em temas de desenvolvimento e decadência institucional. (Veblen, 1909) Veblen considera que a visão dos homens na abordagem neoclássica é ultrapassada tanto psicologicamente como antropologicamente. Ele considera algumas oposições muito importantes quanto ao homo economicus da teoria neoclássica, apoiadas numa concepção hedonista. A primeira crítica seria quanto à questão da racionalidade. O mainstream econômico é adepto de racionalidade instrumental dos agentes. Essa racionalidade postula que os indivíduos fazem suas escolhas baseadas naquelas ações que melhores satisfarão seus objetivos. Nessa linha de pensamento, o homem faz cálculos hedonistas contínuos, 42 pretendendo sempre maximizar seu prazer e diminuir a dor. Os agentes conhecem as funções de utilidade, pois estas são dadas a priori, o que os permite escolher da maneira que mais lhes agradará. Dado o conhecimento antecipado, os indivíduos sempre escolherão a opção que resultará em uma maior utilidade. ... a conduta humana é concebida e interpretada como uma resposta racional às exigências da situação na qual os homens se encontram. Em relação à conduta econômica, ela é uma resposta racional e sem defeitos aos estímulos de prazeres e dores antecipados – sendo, normal e principalmente, respostas induzidas pelo prazer antecipado, pois os hedonistas do século dezenove e da escola da utilidade marginal são de temperamento otimista. (Veblen, 1909) A escola da utilidade marginal citada por Veblen tem como base filosófica, os escritos de Jeremy Bentham que desenvolveu no século XIX as noções do utilitarismo. Bentham afirmava que toda motivação humana poderia ser descrita apenas com um princípio, o de maximizar a utilidade. Os agentes estão sempre tentando maximizar o prazer e impedir a dor, segundo Bentham. As ideias de Bentham tornaram-se fundamentais na teoria do valor-utilidade. Bentham afirmava que se um objetivo não possuísse utilidade alguma, então esse não poderia também possuir valor algum. A utilidade confere valor às mercadorias. Outra insatisfação de Veblen com o homo economicus neoclássico, é de que o homem possui uma postura demasiadamente passiva nesse molde. Na abordagem hedonista, o comportamento humano emana da eterna busca em satisfazer seus desejos, onde o homem apenas se ajusta conforme determinadas forças atuam sobre ele. Isso confronta com os instintos que Veblen sugere. A ação é nata do homem, na teoria vebleniana. Os elementos culturais env