LARISSA PEREIRA DA SILVA SANTOS
A CHARGE EM SALA DE AULA: reflexo e refração étnicas
ASSIS
2016
2
LARISSA PEREIRA DA SILVA SANTOS
A CHARGE EM SALA DE AULA: reflexo e refração étnicas
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual
Paulista para a obtenção do título de Mestrado
profissional em Letras (Área de Conhecimento:
Linguagens e Letramentos)
Orientador (a): Karin Adriane Henschel Pobbe
Co-Orientadora: Luciane de Paula
Bolsista: CAPES
ASSIS
2016
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp
S237c
Santos, Larissa Pereira da Silva
A charge em sala de aula: reflexo e refração étnicas /
Larissa Pereira da Silva Santos. Assis, 2016.
110 f. : il.
Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras
de Assis – Universidade Estadual Paulista
Orientador: Dra. Karin Adriane Henschel Pobbe
Coorientadora: Dra. Luciane de Paula
1. Caricaturas e desenhos humorísticos. 2. Gêneros
literários. 3. Análise do discurso. I. Título.
CDD 741.58
DEDICATÓRIA
Ao meu esposo, Donizete da Conceição, por seu apoio incondicional.
AGRADECIMENTOS
Ao meu amado esposo, Donizete da Conceição, inestimável companheiro, que esteve ao meu
lado em todos os momentos dessa trajetória, por seu apoio, paciência e carinho. Muito
obrigada!
À minha orientadora Karin Adriane Henschel Pobbe e co-orientadora Luciane de Paula, pela
confiança depositada e por suas valiosas intervenções. Meus sinceros agradecimentos.
Aos professores do PROFLETRAS, UNESP, Campus de Assis, pelas aprendizagens
promovidas.
A toda a turma do Mestrado pela rica convivência, em especial, aos amigos Gerson e Patrícia
pelas caronas e grande companhia durante as viagens.
À CAPES, pela bolsa de fomento à pesquisa.
A todos aqueles que contribuíram de algum modo para a realização deste trabalho.
Muito obrigada!
“O desamor e a indiferença nunca geram forças suficientes para
nos deter e nos demorarmos sobre o objeto, de modo que fique fixado
e esculpido cada mínimo detalhe e cada particularidade sua.
Somente o amor pode ser esteticamente produtivo, somente em
correlação com quem se ama é possível a plenitude da
diversidade”.
MIKHAIL M.BAKHTIN
Pereira da Silva Santos, Larissa. A charge em sala de aula: reflexo e refração étnicas. 2016.
110f. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2016.
RESUMO: A presente pesquisa tem como objeto de estudo o gênero discursivo charge como
possibilidade de trabalho pedagógico para os alunos das séries finais do Ensino Fundamental II. A
escolha do gênero em questão se deu por se tratar de um gênero atrativo, aceito pelos alunos de forma
imediata, por suscitar a criticidade e possibilitar o acesso a questões polêmicas da vida em sociedade. A
pesquisa é oriunda da seguinte questão: de que modo o gênero discursivo charge pode ser trabalhado em
sala de aula como um evento multimodal que reflete e refrata realidades sociais, em especial, as do
campo étnico? A temática eleita, a saber, é a intolerância religiosa. Na esteira dos postulados do Círculo
Bakhtiniano, tais como: a interação verbal, o signo ideológico, o dialogismo, a interdiscursividade, a
ética e a estética e o reflexo e refração esta pesquisa busca investigar os efeitos de sentido subjacentes, as
críticas veiculadas e as questões de enunciação. O objetivo geral da presente investigação é desenvolver
uma proposta de trabalho pedagógico com charges de temática étnico- religiosa, perscrutando de que
modo o gênero charge reflete e refrata realidades sociais que devem ser discutidas como práxis. Os
objetivos específicos são: abordar a charge como gênero discursivo, à luz das formulações do Círculo de
Bakhtin, propor e discutir a inserção das charges na sala de aula e analisar charges com temática étnico-
religiosas, ancorados na teoria da Análise Dialógica do Discurso. As charges que compuseram o corpus
da pesquisa foram coletadas do jornal francês Charlie Hebdo e dos sites dos chargistas brasileiros: Vitort
Teixeira (Vitort) e Carlos Henrique Latuff de Sousa (Latuff).
Palavras-Chave: Charge. Gênero discursivo. Análise dialógica do discurso. Intolerância religiosa.
Proposta pedagógica.
Pereira da Silva Santos, Larissa. La charge dans la salle de classe : réflexion et réfraction
éthniques. 2016.110f. Dissertation ( Diplôme de Master Professionnel en Letrres). – Faculdade
de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis, 2016.
RÉSUMÉ: La présente recherche a pour objet d'étude de la charge du discours de genre comme
possibilité de travail pédagogique pour les élèves de la serie finale de l'Enseignement Fondamental II. Le
choix du genre en question a eu lieu parce qu'il est un genre attrayant, accepté par les étudiants
immédiatement, et permettre l'accès à des questions controversées de la société et augmenter la criticité.
La recherche vient de la question suivante : comment le genre du discours charge peut être travaillé dans
la salle de classe comme un événement multimodale qui reflète et réfracte les réalités sociales, en
particulier dans le domaine èthnique ? Le thème choisi, à savoir, est l‟intolérance religieuse. Dans le
sillage des postulats du Cercle Bakhtiniano, tels que : l'interaction verbale, le signe idéologique, le
dialogisme, l‟interdiscursivité, l'éthique et l'esthétique et réflexion et réfraction de cette recherche vise à
étudier les effets de la signification derrière les critiques, les questions d‟enunciation. L'objectif général
de cette recherche est de développer une proposition pour un travail pédagogique avec des charges sur
les thème ethnique-religieux, en examinant comme le genre charge reflète et réfracte les réalités sociales
qui doivent être examinés en tant que praxis. Les objectifs spécifiques son de traiter la charge en tant que
genre discursif, à la lumière des formulations du cercle de Bakhtine, de proposer e discuter de l‟inclusion
de charges dans la salle de classe e d‟anlyser des charges de thèmes ethnique-religieuses, ancrée dans la
théorie de l'analyse dialogique du discours. Les charges qui compose l'ensemble de recherches ont été
recueillis dans le journal Charlie Hebdo et les sites des brésiliens : chargistas Vitort Teixeira (Vitort) et
Carlos Latuff de Sousa (Latuff).
Mots clés: charge. Le genre discursif. L'analyse des discours dialogique. L‟ intolérance religieuse.
Proposition pédagogique.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ......................................................................................... 17
1.1 Formulações do círculo bakhtiniano ................................................................................... 17
1.2 Estudos bakhtinianos acerca da interdiscursividade e intertextualidade ............................ 22
1.3 Ética e Estética segundo Bakhtin e o Círculo ..................................................................... 26
1.3.1 Os conceitos de ética, estética e pesquisa em ciências humanas .................................... 28
1.4 Reflexo e Refração ............................................................................................................. 30
2. METODOLOGIA – ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO .................................... 33
2.1 A pesquisa e a alteridade .................................................................................................... 33
3. CURRÍCULO ..................................................................................................................... 40
3.1 A dimensão curricular na perspectiva crítica ..................................................................... 40
3.2 Diferença, identidade e currículo........................................................................................ 42
3.3 Parâmetros Curriculares Nacionais .................................................................................... 44
3.4 Base Nacional Curricular Comum ...................................................................................... 47
4. O GÊNERO DISCURSIVO CHARGE: UM ESTUDO COM BASE NOS
POSTULADOS BAKHTINIANOS ...................................................................................... 51
4.1 Gênero discursivo charge: uma das formas de manifestação da linguagem ...................... 51
4.2 O gênero charge e sua carga ideológica ............................................................................. 53
5. A CHARGE EM SALA DE AULA: LEITURA DE UM GÊNERO DISCURSIVO 56
5.1 Estudo das charges.............................................................................................................. 56
5.1.1 O ético e o estético nas charges de temática étnico-religiosas ....................................... 74
5.2 A inserção das charges em sala de aula .............................................................................. 75
6. O TRABALHO COM AS CHARGES E A SUA APLICABILIDADE NOS ANOS
FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL II ......................................................................... 81
6.1 Estudo e reflexões das atividades aplicadas ....................................................................... 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 89
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 92
ANEXOS ................................................................................................................................. 97
11
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objeto de estudo o gênero discursivo charge como
possibilidade de trabalho pedagógico para os alunos das séries finais do Ensino Fundamental
II. O estudo é oriundo da questão que se segue: de que modo o gênero discursivo charge pode
ser trabalhado em sala de aula como um evento multimodal que reflete e refrata realidades
sociais, em especial, as do campo étnico? À luz das formulações do Círculo de Bakhtin, tais
como: a interação verbal, o signo ideológico, o dialogismo, a interdiscursividade e
intertextualidade, a ética e estética e o reflexo e a refração, esta pesquisa busca compreender a
charge como possibilidade crítica no trabalho pedagógico.
A escolha do gênero em questão se deu por se tratar de um gênero atrativo, aceito
pelos alunos de forma imediata, que suscita a criticidade e possibilita o acesso a questões
polêmicas da vida em sociedade. Soma-se a isso um interesse pessoal no modo como este
gênero problematiza e tenciona questões sociais, políticas e culturais.
O gênero discursivo charge eclode de outros diálogos, os quais possibilitam,
geralmente, múltiplas interpretações em que há insinuações ou subentendidos. Esta pesquisa
busca investigar os efeitos de sentido desencadeados, as críticas veiculadas, as questões de
enunciação, com vistas a levar o leitor a compreender a relação dialógica desse gênero. Nesse
sentido, a compreensão é fundamental para que o mesmo tenha uma postura responsiva ativa
frente aos fatos ocorridos.
Traçamos, como objetivo geral, propor um trabalho com o gênero discursivo charge
em sala de aula, a partir da análise das charges com a temática do campo étnico, a saber, a
intolerância religiosa, perscrutando de que modo o gênero charge reflete e refrata realidades
sociais que devem ser discutidas como práxis.
Entendemos práxis norteados pelo princípio da filosofia materialista na qual o termo
significa uma relação dialética entre o homem e a natureza: “o homem ao transformar a
natureza com seu trabalho transforma a si mesmo e pelo entendimento de que a filosofia da
práxis se caracteriza por considerar como problemas centrais para o homem os problemas
práticos de sua existência concreta” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006).
12
Na presente pesquisa, nos detemos ao conceito do termo dialética, entendido como
relação dualística entre o homem e seus problemas concretos.
A práxis, nesta pesquisa, configura-se nos problemas concretos encontrados em sala
de aula, a saber, a intolerância religiosa e as transformações que se refletem em nosso trabalho
pedagógico, os quais nos levaram a propor uma metodologia para se trabalhar com as charges
de temática étnico-religiosa. Consolida-se uma práxis quando se apresenta um dado problema
ou conflito da realidade e suscita uma mudança de postura do pesquisador e dos educandos.
Dessa forma, a práxis surge como algo que transforma os docentes, educandos e
pesquisador, o modo como se deparam com os problemas, ao mesmo tempo em que também
enfatiza esses problemas. Práxis, neste trabalho, é uma proposta de mudança de postura, da
prática docente e da ação em relação a temáticas de cunho étnico-religioso e seus
desdobramentos, presentes no cotidiano em sala de aula.
Como objetivos específicos, traçamos:
a) abordar a charge como gênero discursivo à luz das formulações do Círculo de
Bakhtin;
b) propor e discutir a inserção das charges em sala de aula;
c) analisar charges com temáticas étnico-religiosas.
Para tal, ao abordar o gênero discursivo charge na perspectiva bakhtinana, ancoramo-
nos na teoria da Análise Dialógica do Discurso, com o intuito de provocar a leitura crítica da
charge do ponto de vista da perspectiva étnica.
Quanto ao tema eleito para esta pesquisa, a intolerância religiosa, a escolha se deu
especialmente por ter consciência que a intolerância, de um modo geral, é construída
socialmente e pode se reproduzir no contexto escolar. A temática em questão tem sido tratada
no espaço escolar como tabu. Por essa razão, evidencia-se a relevância de oportunizar o
acesso ao conhecimento das diferentes religiões existentes no mundo em que vivemos,
atentando-nos para o fato de que a intolerância religiosa promove diversos tipos de
discriminação, que, em muitas ocasiões, podem gerar graves conflitos (VIANNA, 2016 s/p).
Há pesquisas estatísticas que discutem a questão dos conflitos oriundos da intolerância
religiosa, como por exemplo, a investigação realizada por Denise Carreira, coordenadora da
13
área de Educação da Ação Educativa e Suelaine Carneiro, coordenadora de educação do
GELEDES - Instituto da mulher Negra, da Plataforma DHESCA Brasil (Plataforma de
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).
Segundo a Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação, da Plataforma
DHESC, por meio de investigações entre 2010 e 2011, foram comprovados casos graves de
situações de violação aos direitos humanos decorrentes da intolerância religiosa nas escolas
públicas brasileiras:
[...] as principais vítimas são adeptos (as) de religiosidades advindas da matriz afro-
brasileira. As estratégias de confronto frente ao problema passam necessariamente
pela implementação efetiva da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), alterada pela Lei n.
10.639, e pelo desenvolvimento de um estatuto de proteção à liberdade religiosa e à
laicidade na educação pública. Em seu trabalho investigativo, em diferentes estados
brasileiros, o relatório evidenciou que a intolerância religiosa se manifesta em casos
de violência física, em humilhações recorrentes e no isolamento social de
estudantes, por não assumirem a sua identidade religiosa por medo de represálias, na
demissão ou afastamento de profissionais de educação adeptos de religiões de
origem africanas ou profissionais que abordaram conteúdos dessas religiões em sala
de aula e no veto ao uso de livros e do ensino/prática da capoeira e de danças afro-
brasileiras em território escolar. A intolerância religiosa no Brasil, portanto, deve ser
entendida como parte integrante do racismo. (Intolerância religiosa, 2012, não
paginado)
1
Na pesquisa realizada, constatou-se que, em muitos lugares no Brasil, há um
crescimento de casos de intolerância religiosa nas escolas e na sociedade que ainda são pouco
registrados e/ou denunciados.
De acordo com os dados do Disque 100, no ano passado, 35,39% das vítimas eram
negros. Os brancos corresponderam a 21,35% e os indígenas, a 0,56%. Os demais não
informaram (Carta Capital, 21/01/2015).
2
Segundo Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância
Religiosa (CCIR), enquanto reflete sobre os atentados de repercussão global, referindo-se aos
ataques à sede do jornal semanário Charlie Hebdo que marcaram o início de 2015,
[...] a liberdade não pode criar vítimas, é preciso ter ética e responsabilidade. É um
momento para a sociedade, não apenas no mundo, mas no Brasil, refletir sobre isso,
porque cresce esse sentimento de intolerância religiosa, cresce o desrespeito à
1
Disponível em:
2
Disponível em:
http://www.acaoeducativa.org.br/relacoesraciais/intolerancia-religiosa/
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/no-dia-de-combate-a-
14
diversidade‟.[Em sua opinião, para haver uma sociedade democrática e livre, é
preciso chegar à compreensão de que todos têm o direito de seguir seu caminho,
inclusive o de não seguir um caminho religioso. ‟Ainda segundo ele: ensinar, o
respeito à diversidade, no lugar de afirmar um grupo religioso, é um papel da
sociedade – da família, primeiramente, e também das entidades religiosas e da
escola” (PEZZONI, 2015, s/p).]
Um exemplo das consequências da ausência dessa compreensão deu origem ao Dia
Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado em 21 de janeiro, desde o ano de
2007. Criada a partir de uma reivindicação do movimento negro e das religiões de matriz
africana, “a data homenageia a ialorixá (mãe de Santo) Gildásia dos Santos e Santos, que
ficou conhecida como Mãe Gilda”. (PEZZONI, 2015, s/p).
Para a presente pesquisa serão utilizadas charges do jornal francês Charlie Hebdo,
alvo do atentado ocorrido em 07 de janeiro do ano de 2015 e charges extraídas dos sites
oficiais dos chargistas brasileiros Carlos Henrique de Souza Latuff, e Vitor Teixeira de Sousa,
produtores de charges que dentre outras temáticas também abordam a étnico/ religiosa. Esta
mescla de charges francesas e brasileiras se justifica pelo fato da temática eleita estar presente
no mundo e, como vivemos em uma sociedade globalizada, as notícias que ocorrem aqui
instantaneamente estão lá e vice-versa. Portanto, é oportuno tratar da questão em esfera local e
global.
O jornal Charlie Hebdo circula semanalmente, possui humor ácido, caricaturas,
piadas e também artigos. Com um tom mordaz, a publicação é vigorosamente antirreligiosa e
de esquerda e tem por hábito publicar artigos que criticam as posturas de extrema-direita, as
instituições religiosas, tais como catolicismo, islamismo e judaísmo, questões de política e de
cultura (Website oficial: Charlie Hebdo).
3
Também chama a atenção pelo enfoque dado ao tema da intolerância religiosa,
temática da nossa investigação.
O chargista brasileiro Vitor Teixeira (Vitort) é um dos novos nomes nacionais que
vem ganhando destaque na área artística. Os desenhos que faz são marcantes e carregados de
ideologia (VILELA, 2014).
4
No ano passado foi alvo de uma polêmica em torno da charge
3 Website oficial Charlie Hebdo: Disponível em: < https://charliehebdo.fr/>
4 Disponível em:
http://www.dm.com.br/cultura/2015/04/os-tracos-rebeldes.html
15
“Gladiadores do altar”, um tipo de exército criado pela Igreja Universal do Reino de Deus.
Vitor, em sua charge, retratou um gladiador romano com a blusa da denominação religiosa,
assassinando uma mãe de santo. Os membros o acusaram de estar incitando o ódio e exigiram
que ele retirasse a charge de circulação. Caso contrário, sofreria processo.
(VILELA, 2014).
5
Carlos Henrique Latuff de Sousa, o Latuff, é um chargista brasileiro e ativista político
com bastante projeção na área artística. Possui trabalhos espalhados por todo o mundo. É de
sua autoria a primeira charge brasileira participante do Concurso Internacional de Caricaturas
sobre o Holocausto, organizado em 2006, pelo jornal iraniano Hamshahri em resposta às
caricaturas de Maomé, publicadas na Dinamarca (Portal Terra, 2011).
6
As publicações do jornal francês e dos artistas brasileiros acima destacados chamam a
atenção pelo enfoque dado ao tema da intolerância religiosa, demonstrando assim que o uso
do gênero charge pode suscitar reflexões ou incitação ao ódio, dependendo de como a
discussão é contemplada. O material selecionado para a pesquisa enfoca a intolerância
religiosa, temática eleita por se tratar de uma questão relevante para a formação crítica e
cidadã.
A presente pesquisa irá valer-se das ideias do Círculo ancoradas na perspectiva da
análise dialógica do discurso (ADD). Segundo Rojo,
A metodologia da ADD busca compreender as regularidades enunciativo-discursivas
que engendram e se engendram na constituição e no funcionamento dos gêneros do
discurso, objetivando entender a relativa estabilização linguístico-enunciativa desse
gênero, e procurando reafirmar que certas regularidades serão devidas não às formas
fixas da língua, mas às regularidades e similaridades das relações sociais numa
esfera de comunicação específica. (ROJO, 2005, p. 199).
Pelo fato da charge se configurar como um texto que possui um território amplo a ser
explorado, nesta pesquisa assinalou-se um, dentre tanto outros encaminhamentos que
poderiam se arquitetar com o gênero discursivo charge e a temática aqui apontada.
5 Disponível em:
6 Disponível em:< http://m.terra.com.br/noticia?n=5294543>
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ir%C3%A3
https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Hamshahri&action=edit&redlink=1
http://www.dm.com.br/cultura/2015/04/os-tracos-rebeldes.html
http://m.terra.com.br/noticia?n=5294543
16
Para dar conta desses objetivos, esta dissertação vem organizada pela Introdução, seis
capítulos e Considerações Finais. O primeiro Capítulo versa sobre os pressupostos teóricos
que embasam essa pesquisa, a saber: a interação verbal, o signo ideológico, o dialogismo, a
intertextualidade e a interdiscursividade, a ética e estética e o reflexo e refração.
O segundo apresenta a metodologia da análise dialógica do discurso, um modelo não
rígido de investigação, uma maneira de interrogar na qual se estabelece uma relação dialógica
entre o pesquisador e seu outro.
O terceiro versa sobre a perspectiva do currículo pós-crítica, a diferença e a identidade
para além do multiculturalismo e alguns aspectos de documentos oficiais, tais como: os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC),
no que tange aos conteúdos de Língua Portuguesa e à temática da diversidade. No quarto
Capítulo, abordamos o gênero discursivo charge, com base nos postulados bakhtinianos, o
modo como a charge se manifesta enquanto gênero discursivo.
No quinto Capítulo, apresentamos a análise das charges selecionadas e apontamos a
interdiscursividade e intertextualidade presentes, também o humor, o signo ideológico e de
que modo elas refletem e refratam o conteúdo veiculado. Ainda neste Capítulo, abordamos a
inserção das charges em sala de aula, uma proposta de intervenção com o gênero de temática
étnico-religiosa.
No sexto e último Capítulo, apresentamos o trabalho com as charges e sua
aplicabilidade nos anos finais do ensino fundamental II e a descrição da atividade aplicada
para uma turma do 9º ano do ensino fundamental II de uma escola pública do interior do
estado de São Paulo e reflexões acerca de seus resultados.
17
CAPÍTULO 1 - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Nesta seção, apresentamos o embasamento teórico que sustenta toda a pesquisa.
Algumas formulações do Círculo são abordadas, tais como: a interação verbal que para o
Círculo é a realidade fundamental da língua, o dialogismo, base de todo pensamento de
Bakhtin, o signo ideológico que revela relações e responsabilidades entre pessoas, a
interdiscursividade alinhado com a concepção de que os discursos se relacionam a outros
discursos, ética e estética que tem como base o dialogismo incidindo sobre o conceito de
sujeito nos vários campos das atividades e o reflexo e refração, termos que emergem da
capacidade que o signo ideológico possui de refletir e refratar uma realidade que lhe é
exterior, algo fora de si que produza um significado.
1.1 Formulações do círculo bakhitiniano
Com o intuito de alcançar o que foi arrolado nos objetivos desta pesquisa,
desenvolvemos uma investigação à luz das formulações do Círculo de Bakhtin, sem o pretexto
de esgotar toda a teoria presente em suas obras. Como já foram mencionados anteriormente,
os conceitos nos quais fundamentamos nossa análise foram: a interação verbal, o signo
ideológico, o dialogismo, a interdiscursividade, a ética e estética e o reflexo e refração.
Utiliza-se o termo “Circulo de Bakhtin” em referência a um grupo de estudiosos
encabeçados pelo pensador Mikhail Bakhtin (1895-1975) que tinham interesses filosóficos
comuns e se reuniam para refletir e debater suas ideias. Entre 1920 e 1930 foi a época de
maior produção do grupo. Faziam parte do grupo: V. N. Volochínov (1895-1936), P.
Medvedev (1892-1938), I. Kanaev (1893-1983), M. Kagan (1889-1934), L. Pumpianskii
(1891-1940), M. Yudina (1899-1970), K. Vaguinov (1899-1934), I. Sollertinski (1902-1944),
B. Zubakin (1894-1937) (MOLON; VIANA, 2012).
A interação verbal é, para o Círculo de Bakhtin, a “realidade fundamental da língua”
(BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2009, p. 127). Tal afirmação se baseia em uma concepção de
linguagem que toma como sua natureza a de comunicar, a de se dirigir ao outro. A reflexão do
Círculo está consolidada no aspecto comunicativo da linguagem, ao se distanciar de
concepções que tomam por natureza a “função de formação do pensamento”, independente da
comunicação. A comunicação aqui não é a simples compreensão de
18
comunicar algo a alguém. O Círculo de Bakhtin toma a comunicação como realização concreta
da interação verbal, uma vez que entende que toda palavra procede de alguém e se dirige para
alguém; toda palavra “serve de expressão a um em relação ao outro” (BAKHTIN;
VOLOCHÍNOV, 2009, p. 117 apud MOLON; VIANNA, 2012).
O outro é central no pensamento bakhtiniano, uma vez que não é indiferente e inerte.
Ao perceber e entender o sentido do discurso, o interlocutor ocupa simultaneamente em
relação ao locutor uma ativa posição responsiva. “Toda a compreensão da fala viva, do
enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (ainda que o grau desse ativismo seja
diverso); toda compreensão é prenhe de reposta, e nessa ou naquela forma a gera
obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante” (BAKHTIN, 2009, p. 271 apud MOLON;
VIANNA, 2012).
Antes de conhecer o dialogismo em Bakhtin é importante conhecer o seu conceito de
discurso, uma vez que ambos estão imbricados:
a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da
linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente necessária de alguns
aspectos da vida concreta do discurso. Mas são justamente esses aspectos, abstraídos
pela linguística, os que têm importância primordial para nossos fins. (BAKHTIN,
2008, p. 207)
Neste trecho há claramente uma crítica a Saussure que compreendia a língua como um
sistema de formas estável e abstraído das relações sociais. Para Bakhtin a substância da língua
se constitui nas relações sociais pela interação verbal. Portanto, a língua não é algo individual,
necessita pelo menos de dois interlocutores, seres sociais que mantém uma relação com outros
discursos precedentes. Aqui entra o dialogismo compreendido como sentido do discurso. Este
é, na realidade, a base de todo o pensamento bakhtiniano, “é basicamente a compreensão de
que qualquer enunciado é intrinsecamente uma resposta a enunciados anteriores e, uma vez
concretizada, abre-se à resposta de enunciados futuros” (MOLON; VIANNA, 2012, s/p) e
quanto aos enunciados, entende-se como uma fala verbalizada entre sujeitos reais, como
também um discurso erigido na forma de um texto, seja ele poema, texto científico etc.
É importante ressaltar que o dialogismo não é sinônimo de polifonia. Pela
compreensão do Círculo de Bakhtin, é uma qualidade intrínseca do enunciado concreto: “o
falante não é um Adão bíblico, só relacionado com objetos virgens ainda não nomeados, aos
quais dá nomes pela primeira vez” (BAKHTIN, 2006, p. 300 apud MOLON; VIANNA,
2012).
19
Todo enunciado concreto é determinantemente dialógico, mas um enunciado concreto
pode ser monológico ou polifônico a sujeitar-se ao modo como estão as variadas vozes no
interior de sua construção. A discussão em torno da polifonia está essencialmente atrelada à
concepção de gênero discursivo. Um gênero pode ser polifônico ou não, porém a linguagem é
sempre dialógica. A polifonia é a representação do dialogismo inerente à linguagem em
determinada manifestação enunciativa. Pelo conceito do Círculo, não se trata apenas da
simples presença de diversas vozes em um enunciado concreto, de alguma obra ou
determinado gênero e sim compreender que essa polifonia é a representação de um outro em
um enunciado, que carrega consigo o seu posicionamento, a sua visão de mundo, marcadas
em sua voz.
É importante lembrar que as próprias noções de gênero têm por base o dialogismo,
conceito central do pensamento do Círculo. E é pela perspectiva do dialogismo que se
compreende o que seriam as vozes do discurso ou os fios ideológicos que o tecem. Nossos
atos discursivos não são neutros, pelo contrário, são carregados de intenções,
posicionamentos, ideologias, trespassados por jogos de poder, que repercutem no mundo
social (MOLON; VIANNA, 2012).
Segundo Moloni e Viana, frente a qualquer enunciado concreto tem-se uma postura
ativa responsiva, ou seja, discorda-se, concorda-se, aceita, nega-se etc. E essa resposta sendo
um outro enunciado concreto, este mesmo enunciado sujeitar-se a posicionamentos
ativamente responsivos de outro (s) (MOLONI; VIANNA, 2012, s/p). A reposta a cada
enunciado irá depender da visão de mundo que se tem, que por sua vez advém da realidade
histórica na qual está inserido, isto é, a vida que se vive concretamente. Se assim não o fosse,
não resultaria em uma postura ativa e sim em uma passividade, não haveria resposta. Na ação
discursiva, não há abstração da palavra, uma vez que ela é sempre de alguém, indivíduo sócio-
historicamente situado e expõe uma situação concreta e irrepetível. Conforme Bakhtin, “essas
palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, ou seu tom valorativo que assimilamos,
reelaboramos e reacentuamos”. (BAKHTIN, 2006, p. 295 apud MOLONI; VIANNA, 2012,
s/p).
Cada enunciado é marcado por um posicionamento de seu enunciador e essa marca
pode definir-se como voz. Em Bakhtin (2006), lê-se que um enunciado jamais é neutro e a
20
relação valorativa determinada do falante com o seu objeto discursivo também determina a
escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado. (BAKHTIN, 2006,
p. 289 apud MOLONI; VIANNA, 2012).
Palavras, obras, enunciados refletem as tradições de cada época, de cada esfera da vida
e da realidade. A experiência verbal – discurso – individual do homem toma forma e evolui na
interação com os enunciados individuais do outro. (SOERENSEN, 2009, s/p). A expressão
das palavras dos outros é assimilada, reestruturada, modificada pelo outro. Como elos na
cadeia de comunicação verbal, os enunciados conhecem-se uns aos outros, refletem-se
mutuamente, são reações-respostas a outros enunciados numa dada esfera da comunicação
verbal. Essa expressividade, embora varie de intensidade em função das diversas esferas de
comunicação, está presente em todos os gêneros.
A concepção de linguagem sociointeracionista, na qual a linguagem se elabora
mediante a interação com o outro pensando na repercussão de cada enunciado, fundamenta a
unidade teórica do pensamento bakhtiniano. “O sociointeracionismo considera a presença do
outro, indicando que a língua não é um ato individual, uma vez que quando falamos ou
escrevemos, dirigimo-nos a interlocutores concretos que também estabelecem uma relação
dialógica com o mundo” (GEDOZ E COSTA, 2012, p.130).
Dialogismo, polifonia não são apenas conceitos que têm a ver com a teoria linguística
e a análise literária. Dão de frente com qualquer prática política, econômica e cultural que
tenta se impor através de discursos monológicos, monofônicos e descarnavalizantes
(SCHAEFER, 2011).
O signo e a situação social são indissociáveis, pois todo signo é ideológico. Os
sistemas semióticos favorecem para exprimir a ideologia e são modelados por ela. A palavra
registra as menores variações das relações sociais. Na obra Marxismo e filosofia da
linguagem, Bakhtin/Volochínov afirmam que tudo o que é ideológico possui um significado e
remete a algo situado fora de si mesmo, ou seja, tudo o que ideológico é um signo. Sem
signos não existe ideologia (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2009, p. 31). Exemplo:
Um instrumento que em um primeiro momento tem apenas uma função pode
adquirir um sentido puramente ideológico tornando-se um signo, como a foice e o
martelo para os comunistas e o pão e o vinho para os cristãos. Desse modo, o autor
afirma que, paralelamente a materiais e artigos de consumo, temos um universo de
21
signos. Os signos refletem e refratam parte de uma realidade, fruto das interações
linguageiras, podendo ser fiéis ou tomá-la sob determinado ponto de vista, pois todo
signo está ligado a uma avaliação ideológica, em que há o domínio efetivo dos
signos e do ideológico. (BARONAS; ARAÚJO; PONSONI, 2013, s/p).
A palavra é o mais importante roteiro no palco das manifestações ideológicas da
linguagem. Outro aspecto que dá à palavra lugar essencial na compreensão da linguagem de
Bakhtin/Volochínov é o fato de que podemos emprenhá-la de ideologia, conforme os grupos
sociais a fazem circular nas esferas de comunicação, pois diferentemente de outros signos,
que têm inerente a eles uma ideologia ou mais ideologias atreladas mais ou menos
estabilizadas, a palavra pode transitar em diferentes domínios, servindo de ancoragem aos
mais diversos discursos e seus direcionamentos ideológicos. A palavra é o mais acessível
repertório sígnico nas interações sociais, o que, portanto, fá-la encontrar-se de maneira
peculiar na comunicação cotidiana, não necessitando ainda, para isso, de aparelhagem ou
material extracorporal para constituir-se. “A palavra funciona como elemento essencial que
acompanha toda criação ideológica” (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2009, p. 37-38).
Por meio das interações dialógicas, então, a palavra deixa a consciência interior e
passa a circular como signo no cotidiano social dos sujeitos e nas práticas
discursivas em que eles se inscrevem. É por isso também que a palavra tem a
mobilidade sígnica para acompanhar toda refração ideológica por meio de uma
refração dialógica verbal. Sendo assim, a palavra, de maneira dialógica, é ponto de
partida para a compreensão da interação linguagem e sujeitos, para o estudo das leis
da refração ideológica existente em signos e na consciência. Isso porque possui
pureza semiótica, espaço para preenchimento de ideologias menos estabilizadas,
cotidianas: está na comunicação humana, da mais prosaica a mais complexa, tem
caráter de interiorização e acompanha todo ato consciente, permitindo assim que se
possa conceber e estabelecer uma espécie de ponte entre os sujeitos. (BARONAS;
ARAÚJO; PONSONI, 2013, p. 29)
A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros (BAKHTIN;
VOLOCHÍNOV, 2009, p. 117). Ela só vive por conta da existência de pelo menos dois
sujeitos em uma interação dialógica, ambos definindo a si mesmos e aos outros por meio do
conjunto de embates suscitados desse movimento dialógico.
A análise do signo ideológico revela relações e responsabilidades entre pessoas,
relações refletidas e fixadas pelo material verbal, fato que só acontece no ato concreto da
comunicação. É a materialização da comunicação realizada entre sujeitos sócio-
22
historicamente situados que dá vida aos signos. É, portanto, condição própria do signo,
constituir-se sócio- historicamente, refletindo e refratando a realidade.
O falante envolve as palavras de entonações por ele conferidas, dá-lhes valores no
enunciado, conforme o que se chama de situação e auditório social. Esses elementos
determinam a escolha e a ordenação de qualquer orientação valorativa numa realidade
específica. Para Bakhtin/Volochínov (2009, p. 137),
Toda palavra usada na fala real possui não apenas tema e significação no sentido
objetivo, de conteúdo, desses termos, mas também um acento de valor ou
apreciativo, isto é, quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela
fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento apreciativo determinado. Sem
acento apreciativo, não há palavra.
Os valores apreciativos são intrínsecos ao enunciado concreto, pois os sujeitos
envolvidos em uma comunicação viva não são neutros, não possuem uma postura passiva em
relação à linguagem. (MOLONI; VIANNA, 2012). Todo o entendimento de um enunciado é
de natureza ativamente responsiva, ou seja, frente à vida real todo ouvinte se torna falante, tal
fato trata-se de um ato responsivo que é cruzado por uma visão de mundo. Os valores
apreciativos, por sua vez, são sócio-historicamente restritos à esfera ideológica, “em todo
signo ideológico confrontam-se índices de valores contraditórios. O signo se torna a arena
onde se desenvolve a luta de classes [...] é este entrecruzamento dos índices de valor que torna
o signo vivo e móvel, capaz de evoluir” (BAKHITIN; VOLOCHINOV, 2009, p. 47 apud
MOLONI; VIANNA, 2012, s/p).
1.2 Estudos baktinianos acerca da Interdiscursividade e Intertextualidade
Bakhtin não especificou no conjunto de sua obra os termos interdiscursividade e
intertextualidade. O termo “intertextual” aparece apenas uma vez sob os seguintes nomes:
polifonia, dialogismo, heterogeneidade, intertextualidade, cada um com o seu viés
implicativo, o interdiscurso se faz presente há algum tempo. (POSSENTI, 2003, p. 253 apud
FIORIN, 2006, p. 162).
24
23
A palavra intertextualidade foi uma das primeiras a ser atribuída a Bakhtin. Fiorin (2006)
em seu texto “Interdiscursividade e Intertextualiadade” cita Kristeva para dizer que Bakhtin
trabalha com a ideia de intertextualidade por considerar o diálogo a única esfera possível da
linguagem. A autora identifica discurso como sendo um cruzamento de discurso no qual está
presente ao menos um outro discurso, substituindo o termo intersubjetividade pelo de
intertextualidade.
O conceito de interdiscurso aparece nas obras bakhtinianas sob o nome de dialogismo.
Não o dialogismo entendido por diálogo como interação face a face e nem aquela divisão em
que há o dialogismo entre interlocutores e entre discursos, pois, para Fiorin, “o dialogismo é
sempre entre discursos. O interlocutor só existe enquanto discurso” (FIORIN, 2006, p. 166).
Em Bakhtin o dialogismo possui o sentido da ação real da linguagem, o modo como ela
funciona, seu princípio constitutivo. Os homens, as ações que realizam, as coisas são sempre
mediadas pela linguagem. Nossa relação se dá com os discursos que lhe dão sentido, que
semiotizam as coisas. Deve-se a Bakhtin, a concepção do discurso como essencialmente
dialógico. Para ele, a comunicação só existe na troca dialógica entre o meu e o do outro.
[...] todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está
voltado, sempre, por assim dizer, desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por
sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já
falaram sobre ele. O objeto está amarrado e penetrado por idéias gerais, por pontos
de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto, o
discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de
outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações
complexas, fundindo-se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros; e
tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em todos os seus
estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto
estilístico. (BAKHTIN, 2010, p. 86).
Bakhtin não nega a existência do sistema da língua, é importante estudá-lo, no entanto
este não dá conta do funcionamento real da língua. Por isso, propõe uma outra disciplina, a
translinguística, que teria por objeto o exame das relações dialógicas entre os enunciados, seu
modo de constituição real (BAKHTIN, 1970, p. 239; 1992, p. 342 apud FIORIN, 2006, p.
168).
As palavras e as orações são do âmbito da unidade da língua, enquanto os enunciados
são unidades reais de comunicação. As primeiras são repetíveis, os segundos, irrepetíveis, são
sempre acontecimentos únicos (BAKHTIN, pp. 334-5; p. 287; pp. 295-7; p. 332, apud
FIORIN, 2006, p. 168). Um enunciado tem autoria e torna-se constitutivo de um todo de
24
sentido, uma vez que sendo uma réplica do diálogo possui um acabamento específico e, por
conseguinte é passível de resposta. Apresenta-se, contudo, como irrepetível. (FIORIN, 2006).
As unidades da língua são neutras, são completas, no entanto não têm acabamento e
não são passíveis de resposta. Quando uma palavra ganha autoria e acabamento se torna um
enunciado. Dirige-se a alguém, possui um destinatário. As palavras, unidades da língua, são
neutras, só ganham sentido a partir de um contexto. Já o enunciado não é neutro, mas é
tomado de valores e carregado de uma posição axiológica, no viés bakhtiniano (FIORIN,
2006).
Os enunciados vão muito além das formas internas e externas (centrípetas e
centrífugas), formas bastante influenciadoras na elaboração do enunciado. A maneira de
incorporar o discurso do outro é o próprio modo de funcionamento das unidades reais de
comunicação. Como observa Faraco, Bakhtin, com os conceitos de forças centrípetas e forças
centrífugas, “aponta para a existência de jogos de poder entre as vozes que circulam
socialmente” (FARACO, 2003, p. 67 apud FIORIN, 2006, p. 173). Isso significa que, para o
autor russo, não há uma neutralidade na circulação de vozes. Ao contrário, ela tem uma
dimensão política. As vozes não circulam fora do exercício do poder; não se diz o que se quer,
quando se quer, e como se quer (FIORIN, 2006, p. 173).
Há duas maneiras básicas de incorporar distintas vozes no enunciado: quando o
discurso do outro é nitidamente apresentado e separado por meio de recursos, tais como:
discurso direto e indireto, as aspas e a negação e quando o enunciado possui duas vozes
(bivocal), é dialogizado no texto, isso pode ser evidenciado nas formas composicionais da
paródia, da estilização, a polêmica velada ou clara, o discurso indireto livre (FIORIN, 2006, p.
174).
O enunciado é tanto individual quanto social, não há nele uma forma estanque, pois “a
singularidade do sujeito ocorre na “interação viva das vozes sociais” e, por isso, ele é social e
singular”. (FARACO, 2003, p. 83 apud FIORIN, 2006, p. 178). Ele não só responde a
enunciados anteriores, como também os que sucedem na cadeia da comunicação verbal.
25
A intertextualidade ocorre nas relações dialógicas entre textos, sendo uma
materialização de textos, da relação discursiva. Essa relação entre diferentes vozes e discursos
é o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir sentido, seja para
transformá-lo. Dessa forma o artista confere ao texto, sua obra, uma nova roupagem (FIORIN,
2006). Segundo o autor existem três processos de intertextualidade: a citação: aquele processo
capaz de concordar com o sentido do texto citado ou modificá-lo. Estabelece uma relação de
concordância ou oposição. Alusão: processo pelo qual o artista retoma o texto do outro,
repetindo construções sintáticas. Para isso há a substituição de algumas dessas construções
por outras, porém são mantidas relações hiperonímicas ou figurativizações do mesmo tema.
Também pode estabelecer uma relação de concordância ou oposição. Estilização: é a
reprodução do estilo do outro, sendo estilo entendido como o que mantém a individualidade, a
marca pessoal do autor através da forma, estrutura e do contexto do texto. Esse aspecto
intertextual pode apresentar duas funções: polêmica ou contratual.
Quando a relação dialógica não se manifesta no texto, temos interdiscursividade.
Qualquer relação dialógica é interdiscursiva, na medida em que se configura uma relação de
sentido. No entanto, é preciso observar que nem todas as relações dialógicas que aparecem no
texto devem ser consideradas intertextuais. Bakhtin fala em relação dialógica entre textos
(intertextuais) e dentro do texto (intratextuais). Elas ocorrem dentro do texto quando as duas
vozes se acham no interior de um mesmo texto.
Fiorin, ao tentar deixar clara a diferença entre intertextualidade e interdiscursividade,
explica:
O termo intertextualidade fica reservado apenas para os casos em que a relação
discursiva é materializada em textos. Isso significa que a intertextualidade pressupõe
sempre uma interdiscursividade, mas o contrário não é verdadeiro. Por exemplo,
quando a relação dialógica não se manifesta no texto, temos interdiscursividade, mas
não intertextualidade. No entanto, é preciso verificar que nem todas as relações
dialógicas mostradas no texto devem ser consideradas intertextuais. (FIORIN, 2006,
p. 181).
Assim como a interdiscursividade está presente em qualquer discurso e a
intertextualidade pode ou não fazer parte do discurso, o mesmo ocorre com o interdiscurso,
este é o gerador do primeiro processo, e o intertexto como texto gerador do segundo. O
primeiro está ligado diretamente ao dialogismo, enquanto o segundo à polifonia, como um
processo também dialógico. Bakhtin, (1992, p. 319) afirma: “[...] todo discurso dialoga com
outro discurso e toda palavra é cercada de outras palavras”. Então, eu não sou somente eu,
26
mas também os outros que me constituíram, conscientemente, ou não, por meio de enunciados
(interdiscurso). A interdiscursividade é a multiplicidade de vozes - heteroglossia - (FARACO,
2006 apud SANTOS, 2009) dentro do discurso de uma pessoa materializada, ou não, dentro
de um texto.
1.3 Ética e estética segundo Bakhtin e o Círculo
Os conceitos de ética e estética na obra bakhtiniana e no Círculo diferem da ética e
estética kantiana. Bakhtin reformula conceitos a partir de duas teses essenciais: a primeira é a
ausência de “álibi” na vida, isto é, cada sujeito deve responder por seus atos, sem que haja
justificativa, a priori, de caráter geral, para seus atos particulares, e a segunda tese é a ideia de
que a atitude de assumir uma posição no mundo é uma marca específica do agir de seres
humanos (SOBRAL, 2005, p. 104).
Em Bakhtin a base da filosofia humana se dá no movimento entre o global e o
particular e no campo da vida humana, social e histórica. Ele propõe que entre o particular e o
geral, o prático e o teórico, a vida e a arte há uma composição dialógica em que esses termos
não são privilegiados, mas fazem parte na produção de atos, enunciados, obras de arte, etc.
“As categorias ético, estético e teórico têm como base o dialogismo incidindo sobre o
conceito de sujeito nos vários campos das atividades” (SOBRAL, 2005, p. 105).
O Círculo vê o sujeito em seu agir concreto em esferas distintas: como princípio geral
do agir, como princípio da produção de enunciados/discursos e como forma específica de
composição de enunciados/discursos.
O agir como princípio geral é um movimento do sujeito com outros atos dos
sujeitos. A constituição do indivíduo, o seu vira a ser está calcado na diferença. O
princípio da produção de enunciados/discursos parte do diálogo com discursos
retrospectivos e prospectivos com outros enunciados/discursos. Quanto à forma
específica da composição opõe-se à composição monológica. (SOBRAL, 2005,
p.106).
O Círculo recusa-se àquela visão transcendental, como a de Kant, por exemplo, que
afirma que teria como assimilar o mundo concreto sem ter de vivê-lo concretamente. Segundo
os estudos de Bakhtin, o nosso estado de consciência precisa da linguagem para manifestar-se.
27
A linguagem precisa do nosso estado de consciência para constituir-se. “As experiências
concretamente vividas precisam da linguagem para chegar à consciência individual por meio
do processo de internalização do signo ideológico” (SOBRAL, 2005, p. 106).
Busca-se analisar a obra estética como um enunciado concreto no mundo. A sua
produção, sócio-historicamente situada, reflete e refrata relações de poder, cultura etc. É na
vida vivida pelas pessoas em um mundo concreto que se espera que as ações não sejam
carregadas de passividade, mas que tenham intencionalidade e responsabilidade. “É apenas o
não-álibi no existir que transforma a possibilidade vazia em ato responsável real”
(BAKHTIN, 2010, p. 98).
O agir do sujeito, segundo as formulações do Círculo, possui a categoria de
simultaneidade e que dela não pode se desvincular a articulação das instâncias que constituem
os fenômenos. No agir dos sujeitos fazem parte os aspectos psíquicos provenientes do que
captou e internalizou de suas relações sempre ideológicas com outras no mundo concreto.
Aspectos sociais e históricos do estado de ser no mundo do sujeito e a avaliação responsável
que o sujeito faz ao agir no mundo, conforme sua identidade e também pelas expressões de
suas relações sociais. O que é reprodutível é o espaço do agir do sujeito, no entanto é
irrepetível cada ato, ele é único em seu processar-se (SOBRAL, 2005, p. 107-108). A
condição do papel do sujeito é unir o pessoal e social; cognitivo e empírico; universal e
singular, eis o que constitui o monismo arquitetônico em Bakhtin.
Bakhtin e seu círculo ressignificaram alguns postulados kantianos. Por exemplo, para
o Círculo não se pode dissociar o plano teórico da vida concreta e nem utilizar-se de
proposições transcendentais para substituir os objetos. Devem-se unir as subjetividades,
respeitando o que há de comum entre eles e a suas especificidades constitutivas.
O estético é um processo que busca apresentar o mundo do ponto de vista da ação
exotópica, que não implica em transcender o mundo, mas vê-lo de uma determinada distância,
a partir dele é possível a construção do trabalho estético. O tema do trabalho estético é o
próprio mundo dos homens. “O conceito arquitetônico surge na obra de Bakhtin vinculado a
considerações acerca da relação entre a arte e a vida na existência humana e sobre
responsabilidade” (SOBRAL, 2005, p. 110).
28
O todo arquitetônico possui sentido e suas unidades não são alheias umas às outras.
O todo tem relação com o acabamento. O outro é visto por mim como acabado, ao
passo que vejo a mim mesmo como essencialmente inacabado, ao mesmo tempo em
que o outro se vê como inacabado: trata-se do excedente de visão, base tanto da
interação como da atividade autoral e científica. (SOBRAL, 2005, p.111).
Segundo Bakhtin a vida de qualquer ser humano delimita-se por atos responsáveis,
responsivos e éticos que surgem desde sua origem no mundo até a sua morte. O sujeito tem
que se tornar responsável por seus atos, atos que fazem parte de sua vida. “É imperativo que
estes se interpenetrem na unidade de culpa e responsabilidade” (SOBRAL, 2005, p. 11).
1.3.1 Os conceitos de ética, estética e pesquisa em ciências humanas.
Ao abordarmos as categorias ética, estética e pesquisa em ciências humanas do ponto
de vista bakhtiniano, parte-se de uma perspectiva não mecanizada e sim de uma criação que
envolve uma totalidade orgânica. Uma pesquisa fechada na teorização não permitirá uma
descrição do outro na sua totalidade ou como o é, como deflagra-se e sim aquilo que se quer
projetar sobre esse outro, uma projeção idealizada.
Toda pesquisa caminha com conhecimentos e desconhecimentos. Os conhecimentos
são as referências daquilo que se pretende, pois é necessário um foco, um objetivo a ser
alcançado, se não existe esse foco, então o que se procura? Ao mesmo tempo em que não é
possível um conhecimento total sobre o objeto pesquisado, pois se houvesse tal totalidade,
então o que se pesquisaria? É exatamente importante atentar-se para esses dois movimentos,
visto que saber tudo sobre o objeto pode criar uma visão superficial e não saber nada pode-se
ignorar manifestações importantes para a descrição deste objeto. Essa é uma ambiguidade que
tem que ser trabalhada comedidamente.
A coerência da pesquisa dependerá de uma medida adequada do específico e da
generalização do objeto para que se possa obter êxito na descrição do objeto. Uma postura
ética calcada nos princípios bakhtinianos conduzirá um trabalho de pesquisa sobre um
determinado objeto, com a máxima seriedade, observando quando este não se adequa às
teorias que são lançadas para descrever esse objeto e fará as devidas correções, até mesmo
abandonará ou buscará outros auxílios teóricos quando este objeto denunciar as inadequações
teóricas em que se tenta enquadrar este objeto. Manter uma pesquisa ética com o pesquisador
29
é aceitar manter as contradições e refutações que o objeto apresenta em relação à pesquisa,
pois isto também é produto da pesquisa e manter-se ético é necessariamente compreender que
isso é possível de acontecer.
Nesta perspectiva, produzir conhecimentos requer assumir uma posição de
responsabilidade e responsividade pelo que se produz, como também problematizar
o próprio lugar social de onde se fala. Afinal, a produção de conhecimentos não é
neutra, o(a) pesquisador(a) é um agente que intervém e transforma os contextos
onde atua na medida em que produz discursos e saberes sobre estes contextos e
sobre os sujeitos com os quais pesquisa. A posição do autor(a)/pesquisador(a) é,
portanto, de “responsibilidade”, ou seja, ele precisa responder pelos próprios atos e
também responder a alguém ou ao contexto por aquilo que produz (SOBRAL,
2008a). A produção de conhecimentos em ciências humanas, nesse sentido, precisa
ter como seu fundamento orientador o compromisso social e ético com o humano,
com as possibilidades de vida em suas diferentes manifestações balizadas pelas
condições de convivialidade ( GROFF; MAHEIRIE; ZANELLA , 2010, s/p. ).
A ética bakhtiniana não é abstrata e teorizante, visto que aponta para atitudes de um
pesquisador com suas variantes, contrariedades e instabilidades. E tais contrariedades são
inerentes à natureza do pesquisador e os não álibis para desvios éticos, é antes de tudo um ato
de responsabilidade. O pesquisador deve ser fiel ao retratar e refratar o objeto e não se eximir
disso. Depois de superadas essas dicotomias e apontadas as clarezas necessárias só então se
inicia o caminho para o estético.
“o caráter de construção arquitetônica de toda pesquisa, que envolve a criação de
uma totalidade orgânica que permite à pesquisa ir além de uma construção mecânica
e constituir-se em totalidade dotada de sentido, [é] que constitui o plano do estético”.
O campo da estética articula-se então, com o da ciência e da ética, construindo um
novo objeto, ou seja, o texto da pesquisa. A construção do texto, segundo Sobral
(2008b), é um campo perigoso que beira o delírio, pois ele sempre pede mais, exige
mais do pesquisador que escreve. No entanto, indica a necessidade de que “o todo do
texto há de ser articulado autoralmente, o que envolve a relação com o outro e com o
objeto; o outro é o objeto, são os sujeitos da pesquisa, são os membros da
comunidade acadêmica etc.” (SOBRAL, 2008b, p.117 apud GROFF; MAHEIRIE;
ZANELLA , 2010, s/p. ).
A construção de estético somado ao teórico e ao ético é um momento perigoso para o
pesquisador, visto que, nesse momento pode-se perder o equilíbrio sobre tudo aquilo que se
observou até o momento. É importante elaborar uma pesquisa em que as vozes atendam a
uma igualdade com todos os envolvidos na pesquisa, tais como: pesquisador, objeto, pesquisa,
o texto da pesquisa e a comunidade acadêmica, ao mesmo tempo em que se respeitam as
desigualdades que se apresentam no início da pesquisa.
30
Atender às necessidades da pesquisa com base nas normas éticas que regem esta é unir
as extremidades da pesquisa presentes no percurso, respeitando eticamente o equilíbrio teórico
a que se dispõe o pesquisador a utilizá-lo no embasamento de sua pesquisa. Toda pesquisa não
é a mesma pesquisa em função da arquitetônica que se constitui em sua especificidade, em sua
particularidade, se assim não o fosse, cairia na mesmice e seria apenas mais uma pesquisa.
A postura ética, a estética, as problematizações teórico-metodológicas, a produção
do texto, os vários outros com os quais se dialoga, a responsividade, são condições e
relações que constituem o sujeito pesquisador e ao mesmo tempo o contexto e os
sujeitos com os quais pesquisa. Essas condições e relações se caracterizam pelo
encontro com vários outros que constituem a cultura, pelo diálogo (in)tenso com
múltiplas vozes que ecoam nas palavras próprias/alheias. Ou seja, o processo de
pesquisar é caracterizado por relações de alteridade em que o(a) pesquisador(a) se
afirma como autor(a) em uma condição inexoravelmente compartilhada, pois só há
um eu em relação a um outro, e são os signos que mediam o processo de interação
eu-outro, refletindo uma dada realidade e ao mesmo tempo possibilitando aos
sujeitos refratá-la (BAKTHIN, 1992 apud GROFF; MAHEIRIE; ZANELLA, 2010,
s/p ).
1.4 Reflexo e refração nas charges
É a partir do signo ideológico que os termos reflexo e refração emergem. Os termos se
referem à capacidade do signo de refletir e refratar uma realidade que lhe é exterior, algo fora
de si que produza um significado. É justamente a sua propriedade de refletir e refratar que o
caracteriza como ideológico.
A existência do signo não se dá apenas como parte de uma realidade ele também
reflete uma outra. “Ele pode distorcer essa realidade, ser lhe fiel ou apreendê-la do ponto de
vista específico” (BAKHTIN, 2009, p. 32). A realidade determina o signo e o signo reflete e
refrata a realidade em transformação:
O ser humano se reflete no signo, mas também se refrata no mesmo, no confronto
dos interesses sociais, em uma comunidade semiótica. O signo possui uma dinâmica
interna que se revela no exterior, nos conflitos, nas crises, na fala, no discurso, nas
práticas, nos gestos. Está encarnado, vivo e em constante transformação, reflexão e
refração (COMIN; SANTOS, 2010, p.754).
.
31
3
Corrobora o que foi dito até o momento o fato de que para produzir significado é
preciso ser signo. Tanto o signo verbal quanto o não verbal possuem um valor semiótico de
representação. Seguindo com esse raciocínio, mais do que refletir a realidade, o signo também
remete para elementos além dele. Assim sendo o signo ideológico reflete e refrata a realidade
no âmbito de cada campo ideológico, podendo alterá-la, confirmá-la ou apreendê-la sob um
olhar específico.
A capacidade de refração está atrelada ao signo. Um grupo linguístico fará a refração
conforme suas experiências, percepções, seus usos particulares. “Todo signo está sujeito a
critérios de avaliação ideológica (isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom etc.)”.
(BAKHTIN; VOLOSHINOV, 2009, p. 32).
Refratar significa, na concepção bakhtiniana, que por meio dos signos os sujeitos,
além de descreverem o mundo, também o (re)produzem no decorrer da história e das
múltiplas e diversas experiências dos grupos humanos com os quais se relacionam
(FARACO, 2006). Há então, um processo de relação no refletir e refratar a
realidade, que pode ser compreendido por meio do movimento de
subjetivação/objetivação, onde os sujeitos produzem e (re)criam o mundo, na mesma
medida em que são produzidos e (re)criados por ele. (GROFF; MAHEIRIE;
ZANELLA , 2010, s/p. )
.
Os enunciados produzidos como charge configuram um gênero discursivo, pois os
diferentes campos da atividade humana, ao utilizarem um modo específico de linguagem
produzem “os seus tipos relativamente estáveis de enunciado”, aos quais Bakhtin denominou
de gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2011, p. 262).
Sendo um enunciado, na concepção do Círculo, é ideológico:
[...] qualquer enunciado, é na concepção do Círculo, sempre é ideológico para eles
não existe enunciado não ideológico. É ideológico em dois sentidos: qualquer
enunciado se dá na esfera de uma das ideologias (i.e.,no interior de uma das áreas da
atividade intelectual humana) e expressa sempre uma posição avaliativa (i.e.,não há
enunciado neutro; a própria retórica da neutralidade é também uma posição
axiológica) . (FARACO, 2009, p. 118).
Não há neutralidade no gênero discursivo charge, uma vez que carrega a visão de
mundo do chargista. Trata-se de um gênero que remete a algo exterior, fora dele, manifesta a
visão do mundo da sociedade e do homem. Um gênero ideológico por excelência. Os olhares
de mundo do chargista provocam sentidos nos que interpretam a charge, uma vez que “não
32
pode entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes senão àquilo que adquiriu
valor social” (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 2004, p. 45).
O discurso da charge supera a si mesmo, uma vez que manifesta uma opinião acerca
de algo, um acontecimento, geralmente político e temporal. Comumente utiliza o humor para
criticar e suscitar críticas. Na linguagem da charge, o próprio traço escolhido pelo chargista já
indica a sua intencionalidade, a intensidade das cores, sombras, um exagero que se pretende
dar, o texto verbal. O modo de refratar a realidade se diversifica, pois cada campo ideológico
tem o sua peculiaridade.
Dentro das palavras de uma sociedade de classes, se dá discursivamente a luta de
classes. O signo verbal não pode ter um único sentido, mas possui acentos
ideológicos que seguem tendências diferentes, pois nunca consegue eliminar
totalmente outras correntes ideológicas de dentro de si. (MIOTELO, 2010, p. 172).
Em suma e considerando o que foi arrolado acima, compreendo os termos reflexo e
refração usados por Bakhtin como na física, enquanto o reflexo é a imagem idêntica do outro
no objeto, a refração é a mudança que o outro sofre ao atravessar o objeto.
Seguindo esse raciocínio, nas charges em análise na presente pesquisa, o reflexo é
exatamente como se apresenta a charge, seu conteúdo verbal (os dizeres que o chargista ali
imprimiu segundo sua visão de mundo) e/ou não verbal (os traços, as cores, a sombras, o
colorido). A refração, o que se reverbera do que se apreendeu das charges se dará de acordo
com a visão de mundo de quem a lê, suas bagagens sócio-culturais, sócio-históricas,
percepções, vivências etc.
Realizada a discussão acerca das formulações bakhtinianas que embasam esta
pesquisa, a seguir, apresentamos a metodologia empregada na presente pesquisa, a saber, uma
metodologia dialógica aplicada às pesquisas em ciências humanas.
33
CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DIALÓGICA NAS CIÊNCIAS
HUMANAS
Neste capítulo, o objetivo é abordar a metodologia da análise dialógica do discurso
(ADD) como subsídio para o trabalho pedagógico com o gênero charge em sala de aula. Uma
proposta de investigação que tem como enfoque analisar produções discursivas produzidas nas
variadas esferas da atividade humana.
A presente pesquisa está balizada em uma metodologia dialógica aplicada às pesquisas
em ciências humanas. Essa perspectiva, segundo AMORIM (2004, p.16), é uma proposta de
análise, uma via de investigação, uma maneira de interrogar e não um método de pesquisa ou
modelo rígido de escrita.
A tarefa de um pesquisador que se lança nessa abordagem de pesquisa é dialógica
entre o pesquisador e o(s) seu(s) outro(s). Esse encontro instaura entre pesquisador e
pesquisado uma relação de alteridade fundamental, que emerge de uma diferença de lugar na
construção do saber. (AMORIM, 2004, p. 31).
2.1 A pesquisa e a alteridade
Segundo Amorim (2004), a pesquisa se instaura a partir de uma visão do outro, o que
implica em situar o sujeito no lugar do objeto de estudo. O caráter alteritário da pesquisa
exerce um movimento rumo ao outro com o intuito de tentar compreendê-lo e posteriormente
traduzi-lo. O percurso para traduzir o outro é feito, inicialmente, pelo estranhamento para
posteriormente chegar ao familiar. Esse estranhamento preambular se dá diante da alteridade,
objeto da pesquisa. Ir ao encontro de, rumo ao país do outro para que se possa traduzi-lo e
torná-lo familiar (AMORIM, 2004).
O trabalho de campo necessariamente impele para o encontro com o outro. Este
encontro instaura entre pesquisador e pesquisado uma relação de alteridade fundamental, que
emerge de uma diferença de lugar na construção do saber (AMORIM, 2004, p. 31). Segundo
Amorim, isso implica na escuta da alteridade, aquilo que eu percebo de diferente no outro, na
possibilidade de tradução da alteridade e na transmissão da alteridade. A diferença se coloca,
então, fundamental para a construção do conhecimento. O que eu encontro de produtivo é a
diferença. Por isso, ir ao encontro do outro é não só assumi-lo como alguém capaz de produzir
diferenças, como também estar desarmado de meus próprios preconceitos para poder
influenciá-lo ao mesmo tempo em que me deixo influenciar por ele.
34
A pesquisa em Ciências humanas, entendida pelo Círculo de Bakhtin como a ciência do texto
discursivo, possui a especificidade de se tratar de uma alteridade humana (AMORIM, 2004, p.
28). O trabalho de escrita no que tange ao outro é um dos pontos dos quais o pesquisador se
ocupa.
O objeto de pesquisa é algo construído, portanto, a relação com o outro pode variar
desde a negação dessa alteridade, a dominação ou até mesmo a omissão deste. O olhar para
esta relação deve ser um olhar ressabiado, uma vez que o desejo de encontro com o outro
pode ter variadas razões dentre as quais estão as que citamos acima. Por exemplo: o outro
presente nas charges analisadas nesta pesquisa pode ser negado quando não se leva em conta
os seus preceitos de vida, seu modo de ver, ser e estar no mundo. Uma das charges analisadas
nesta pesquisa é a de um mulçumano sendo alvejado por balas, observa-se nesta que a religião
professada pelos mulçumanos foi atacada, negada enquanto valor intrínseco da cultura deles,
com o intuito de desconstruir a sua crença religiosa, seus hábitos culturais. A razão para o
encontro com este outro é a ridicularização, o insulto a seus valores.
A diferença que permeia o ato da pesquisa torna o sujeito um outro, um enigma a ser
desvendado e ir ao seu encontro para tentar estudá-lo é fazer um movimento exotópico (de
extralocalização) na demanda pelo outro, sair de seu lugar para contemplar a visão do outro.
Ir ao encontro ou até mesmo no desencontro dessa alteridade conduz à produção de
conhecimentos. Segundo Amorim (2004), o conhecimento do outro se dá na construção e na
desconstrução do outro. Ter a alteridade como objeto implica em ultrapassar o caráter
objetivo e subjetivo no processo ilimitado de objetivação do sujeito. Toda comunidade que
difere da nossa é objeto ou um grupo qualquer nessa comunidade da qual não façamos parte
também será objeto.
Um termo fundamental para a problemática do texto de pesquisa é a questão do
dialogismo. Para compreendê-lo, Amorim (2004) cita Affergan quando afirma que o princípio
dialógico funda a legitimidade da antropologia, pois “constitui tanto o processo empírico
quanto a sua condição de possibilidade” (AMORIM, 2004, p. 93).
Para uma escrita crítica, deve-se ter conhecimento do contexto enunciativo e da
perspectiva teórica da qual emergiu o contexto. O olhar sob a perspectiva teórica nos leva ao
monologismo (ouve-se apenas uma voz) e o dialogismo (pluralidade de vozes). Aquele tenta
35
apagar as vozes enunciativas e este, pelo contrário, reporta-se as vozes enunciativas presentes
no texto.
Quanto à linguagem, esta não se constitui sem o outro. A linguagem pressupõe o
outro. A linguagem pressupõe o diálogo que, por sua vez, propicia a possibilidade de resposta.
Para tal reflexão, Amorim cita Benveniste, quando declara que “a linguagem põe e supõe o
outro” (AMORIM, 2004, p. 95). Nós nos comunicamos à espera de uma resposta, de uma
reação e no ser humano esta resposta ou reação é inesperada, imprevisível, não é possível
afirmar quando as variações de respostas irão findar.
O ser humano possui a capacidade de formular mensagens, emiti-las, reproduzi-las de
um modo nada objetivo e preciso como qualquer outro ser vivo que domine tal ação. O outro
personificado no diálogo e a citação que pode fazer é atributo substancial da linguagem. Há
um outro a quem a minha fala se dirige e que também é falante e que tem a possibilidade de
transmitir a mensagem recebida.
Amorim (2004) cita Benveniste para definir o termo enunciação. Trata-se de uma ação
individual na qual a língua é colocada em funcionamento. Tal ato tem a estrutura de um
diálogo. Os índices de troca e das relações da alteridade dados na língua são, a condição
linguística de todo discurso que se dá no conjunto das pessoas eu/tu/ele. O “eu” enuncia e se
dirige a outro, o seu interlocutor o “tu” e “ele” fala a um “tu” de alguma coisa de um “ele”.
Nesse conjunto, há a relação das pessoas eu-tu de um lado e ele, a não-pessoa de outro, isto
ocorre não por ele não ser um falante, mas por um dado momento ele estar ausente no texto.
O estatuto das três pessoas da enunciação tem fundamental relevância para discutir os lugares
na pesquisa.
A enunciação é lugar de expressão e, mais ainda, de constituição de subjetividade,
mas seu sentido só se produz numa relação de alteridade. Em Bakhtin, no entanto,o
caráter de alteridade do enunciado se radicaliza: desdobrando os lugares
enunciativos ao infinito, seu enunciado dialógico merece bem ser chamado de
polifônico, pois uma multiplicidade de vozes pode ser ouvida no mesmo lugar
(AMORIM, 2004, p. 104).
Bakhtin conceitua o texto como polifônico ou dialógico. A partir do estudo da prosa
romanesca que o levou à formulação de uma tipologia universal do romance que se
fundamenta no que ele concebeu como as duas modalidades do romance: o monológico e o
36
polifônico. A alteridade no texto polifônico corresponde à busca do outro no interior do
discurso. Tanto o que está no interior do discurso quanto o que está fora, externo ao
enunciado, faz parte da estrutura semântica (AMORIM, 2004, p. 107).
Para o problema da alteridade no texto de pesquisa em ciências humanas, o conceito
de gêneros do discurso se faz necessário. Os gêneros discursivos são relativamente estáveis. É
possível conhecê-los refletidos no enunciado por meio do conteúdo, estilo e forma
composicional, os domínios de circulação deste, suas condições e finalidades. Há uma
distinção essencial que se dispõe acerca dos gêneros: gêneros secundários: teatro, romance,
teoria etc. Aparecem geralmente em intercâmbio cultural, na forma escrita. Já os primários
aparecem numa situação de intercâmbio espontâneo, gênero da intimidade, correspondência
etc.
No limiar de um enunciado estão os falantes, desde a réplica de um diálogo ao texto
científico e comportam começo e fins absolutos marcados pela tomada de palavra por parte do
outro. Comunicamo-nos em gêneros, os quais nos são dados assim como a língua materna. A
experiência do uso dos gêneros discursivos pode determinar sua maior desenvoltura ao usá-
los. “É em função do domínio e, portanto da possibilidade de escolher o gênero a ser utilizado
que se realiza com maior ou menor perfeição o desejo discursivo e que, ali onde for possível e
útil, o locutor descobre sua própria individualidade” (AMORIM, 2004, p. 113).
Os gêneros discursivos possuem flexibilização e por esta característica pode ocorrer de
nos gêneros padronizados, haver gêneros secundários e primários. É típico de um enunciado
que ele se dirige a alguém ainda que este outro não se concretize. O gênero discursivo terá a
sua construção específica a partir do destinatário que determina o gênero. É importante que se
compreenda a relação do locutor com o outro, pois do contrário não haverá compreensão do
gênero ou o estilo de um dado discurso.
Ao escrever um autor dirige-se ao seu destinatário, no entanto, este não trata de um
público real, uma vez que está em segundo plano. O que se ouve é o silêncio. O destinatário
está oculto e este, ainda que silenciado, representa a instância de pertença social da obra, em
seu interior. Além do destinatário há o sobredestinatário, uma presença outra no texto e que
37
possui um caráter extraterritorial a qual o enunciado se dirige. Segundo Amorim (2004), toda
criação se desenvolve na presença de um terceiro invisível, tanto o destinatário quanto o
sobredestinatário existem de maneira simultânea na escrita.
O autor se localiza no conjunto da obra. O leitor pode elaborar uma representação do
que seja o autor, no entanto essa representação é exterior à constituição da obra. As vozes
presentes no texto se mostram no silêncio que corresponde à pessoa do autor, os destinatários
reais ou primeiros. Bakhtin dedicou grande parte de seus estudos à pluralidade de vozes. O
gênero que melhor representa esse plural de vozes é o romance polifônico. A pluralidade de
vozes presentes no romance e aqui deve-se entender como a pluralidade de discurso sociais,
só encontra eco quando todos os discursos são igualmente atravessados de uma pretensa
universalidade. A polifonia ocorre no interior do romance quando todas as vozes ali ecoadas
são vozes de sujeitos de seu próprio discurso, numa interação em que existem de modo
simultâneo a voz do autor e as vozes dos personagens combinando-se e não uma sobrepondo-
se a outra.
Em relação às charges, gênero discursivo em análise na presente pesquisa, pode-se
compreendê-la como um ato de linguagem que faz referência a um lugar público em que se
ouvem muitas vozes e se somam muitas vontades. Segundo Bakhtin (2005, p. 21):
A essência da polifonia consiste justamente no fato de que as vozes, aqui,
permanecem independentes e, como tais, combinam-se numa unidade de ordem
superior à da homofonia. E se falarmos de vontade individual, então é precisamente
na polifonia que ocorre a combinação de várias vontades individuais, realiza-se a
saída de princípio para além dos limites da vontade. Poder-se-ia dizer assim: a
vontade artística da polifonia é a vontade de combinação de muitas vontades, a
vontade do acontecimento.
Na relação do autor-personagem, essencialmente no romance, encontram-se os
alicerces da relação entre o pesquisador e o seu objeto, que estão em posições idênticas no
trabalho de criação. O pesquisador e o outro não se fundem, ou seja, o pesquisador realiza um
movimento de descoberta de sua exterioridade em relação ao outro. A criação ocorre da não
coincidência ente ambos.
38
Há um sistema de alteridades que foi traçado a partir da relação autor-personagem no
romance polifônico. Esse sistema foi organizado em dois níveis em que o primeiro ocorre na
relação do autor com ele mesmo e o segundo, a criação da alteridade, um processo de perda
de si em um mundo exterior. Esse ato criador se faz em posição de exotopia na qual o
pesquisador redescobre a sua exterioridade em relação ao outro, eis a fórmula da criação: a
alteridade.
Quanto à palavra,esta, num texto polifônico trata-se de uma representação. Ela incita
ao diálogo. Não coincide com a voz do autor. A palavra de um personagem nunca é plena,
acabada, ela busca a si mesma nas palavras dos outros, é nesse contato que ela faz sentido.
A relação dialógica do autor-pesquisador com as múltiplas vozes presentes no texto é
justamente a de dar voz a esse objeto estrangeiro, a esse corpo estranho que está no texto. No
entanto, tentamos evitar dar-lhe espaço para que sua voz seja ouvida para que então essa voz
possa refratar a nossa. As relações dialógicas não se dão apenas entre enunciados, no interior
destes, mas também entre palavras, ou uma única palavra que pode estar localizada no interior
dessa mesma palavra.
Quanto ao texto científico, este pertence à categoria de dialogismo no qual o autor
representa a voz do outro. Os enunciados citados de outros autores acerca da mesma questão
no texto já é uma relação dialógica, o ato de concordar ou discordar também é dialógico; no
entanto, há apenas uma voz, a do autor. Nesse sentido, ela é monovocal.
A palavra bivocal se dá na categoria de dialogismo em que o autor usa as palavras do
outro para seus próprios objetivos, ainda que elas se confirmem ou se refutem, no momento
em que as palavras se encontram e se orientam entre si, entram numa relação de significação.
É no enunciado e na sua oposição singularizante com relação a outros enunciados,
que a memória da palavra pode ser ouvida. Portanto, quando Bakhtin fala de palavra
(dialógica, bivocal, etc.) será preciso entendê-lo, a rigor, como palavra-enunciado.
(AMORIM, 2004, p. 195).
É importante falar acerca da bivocalidade no texto científico, pois a partir de
neologismos e palavras formadas na elaboração de novos conceitos, ao mesmo tempo em que
39
são a afirmação de uma voz singular e vigente são também um embate com vozes anteriores,
seja de elementos que a constituem, seja no que exclui, o conceito é, apesar dele, bivocal.
Na presente pesquisa a aproximação com o outro se deu na relação de dialogia
concretizada entre o pesquisador e as diferentes vozes constituídas nas identidades e
diferenças, diferentes grupos étnico-religiosos que se fazem presentes no contexto social tanto
do pesquisador quanto dos leitores.
A seguir, abordaremos o currículo na perspectiva pós-crítica, a identidade e a
diferença para além do multiculturalismo em educação e os documentos oficiais, objetivando
embasamento teórico e ações concretas no cotidiano escolar.
40
CAPÍTULO 3 – CURRÍCULO
Neste capítulo, abordamos a perspectiva pós-crítica do currículo, a identidade e a
diferença para além do multiculturalismo e também aspectos de documentos oficiais, tais
como, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a Base Nacional Curricular Comum
(BNCC), no que tange aos conteúdos de Língua Portuguesa e à temática da diversidade que
vêm ao encontro do tema da presente pesquisa. Objetiva-se não somente garantir sustentação
teórica a esta pesquisa, mas direcionar propostas aplicáveis que o currículo oficial contempla
no discurso oficial e que a presente pesquisa, por sua vez, almeja concretizá-los no cotidiano
em sala de aula. Vimos que os documentos oficiais alertam para a necessidade emergente e
indispensável de abordar as temáticas relacionadas ao múltiplo e ao diferente, no entanto
apenas apontam crítica e teoricamente, mas não propõe ações concretas. A presente pesquisa,
pelo contrário, se prontifica a fazê-lo, enfrentando os desafios contemplados em tais
documentos. Trata-se de um trabalho que não deseja ser somente analítico e sim aplicável à
realidade que se propõe a analisar sustentado pelas fundamentações teóricas citadas acima
conjuntamente com os currículos oficiais.
3.1 A dimensão curricular na perspectiva pós-crítica
As teorias pós-críticas em educação possibilitaram vislumbrar a educação sob outra
perspectiva, outro olhar que inclui conceitos de ideologia e poder. Conforme a perspectiva em
questão, nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas está inevitavelmente
implicada nas relações de poder. Um pós-currículo, ou seja, um currículo que pensa e age
impulsionado pelas teorias pós-críticas em educação (CORAZZA, 2002, p. 103), está
preocupado com as conexões entre saber, identidade e poder. Segundo Canen (2002, p. 177),
“a noção de currículo como artefato meramente técnico, neutro, foi desafiada pela teorização
crítica, que evidenciou as relações de poder à base de “escolhas” curriculares e da seleção de
conhecimentos escolares”. Um pós-currículo:
Pensa a partir de perspectivas pós-estruturalistas e pós-modernistas, pós-
colonialistas e multiculturalistas (Canen e Moreira, 2001) e com conceitos criados
pelos estudos culturais e feministas, gays, lésbicos, filosofias da diferença e
pedagogia da diversidade. Age por meio de temas culturais (Corazza, 1997)
estudando e debatendo questões de classe e gênero, escolhas sexuais e cultura
popular, nacionalidade e colonialismo, raça e etnia, religiosidade e etnocentrismo,
construcionismo da linguagem e textualidade, força da mídia e dos artefatos
culturais, ciência e ecologia, processos de significação e disputas entre discursos,
políticos de identidade e da diferença, estética e disciplinaridade, comunidades e
41
imigrações, xenofobia e integrismo, cultura juvenil e infantil, história e cultura
global. É desse modo que um pós-currículo circulariza as diversas formas
contemporâneas de luta social. (CORAZZA, 2002, p. 103).
As teorias pós-críticas estão focadas e se norteiam em questionar e tencionar as teorias
neoliberais e suas implementações no campo da educação, pois “um pós-currículo não aceita
conviver com nenhum dos currículos oficiais desses governos neoliberais” (CORAZZA,
2002, p. 104). Governos neoliberais que buscam tão somente legitimar práticas de capital
extremado, conduzir a educação das massas por metodologias tecnocratas única e
exclusivamente para “implantar” uma ideologia de que o desenvolvimento social significa
desenvolvimento econômico, o que não contribui em nada para um desenvolvimento que
respeite as diversidades, o relativismo cultural e as identidades próprias dos mais variados
grupos de uma sociedade:
[...] embora reconheça as diferentes e fale de suas diferenças, utiliza a tal identidade
nacional para tratá-los como desvios ou ameaças. Acima de tudo, princípio
obediente, que segue os imperativos globais de administrar a pluralidade, a
diversidade e a alteridade, por meio da transformação de cada diferença e de cada
diferente em objeto de ação curricular-estatal, a ser corrigido ou eliminado.
(CORAZZA, 2002, p. 105).
O pós-currículo constitui-se na direção de englobar o outro e tem como objetivo a
imparcialidade, o laico, o não proselitismo. Busca identificar o que pode ser de base nacional
comum e o que tem que ser preservado como identidade local respeitando assim o diverso de
um todo que se faz presente nas interioridades de uma sociedade – nação: “[...] um pós-
currículo escuta o que os diferentes têm a dizer e incorpora, em seu corpus, as diferenças
(CORAZZA, 2002, p. 106)”.
Um currículo assim não age com uma proposta educacional pautada apenas na busca
de acúmulo de capital extremado, da mesma forma, não baseia-se no ideal de felicidade
conquistado por meio do consumo de bens e serviços da atividade humana voltada quase que
na totalidade para a exploração da força de trabalho, relativizando, assim, a vida humana em
detrimento do que se pode ou não consumir e acumular:
Um currículo, assim pós, não opera com conceitos e critérios técnicos e
empresariais, como os presentes nos currículos nacionais, baseado no produto e nos
mecanismos do mercado, na eficiência econômica e na superexploração do trabalho,
na geração de mais desemprego, na reunificação da diversidade social. (CORAZZA,
2002, p. 106).
42
Tem-se, portanto, uma cidadania limitada ao consumo e distante de princípios
democráticos, de tomada de decisões que culminam num resultado de ideologia autoritária,
onde quem define o melhor modelo de educação não é a sociedade organizada
democraticamente e sim as regras de mercado.
O pós-currículo legitima uma proposta pedagógica que se torne um currículo em que o
sujeito torne-se protagonista da própria formação e construa uma consciência, para que sua
práxis existencial enquanto ser humano seja um agir prático e intelectual autonomamente.
Trata-se de uma proposta coletiva e emancipatória. Segundo Corazza (2002, p. 107), “o
processo de um pós-currículo é sempre democrático e participativo, estando encravado no
imaginário, nas fantasias, nos desejos de todos [...]”. Não admite que a qualidade educacional
sirva apenas para alguns (minorias) dominar outros (maioria), a qualidade tem que ser
destinada a todos, propõe uma quebra de paradigmas no que se refere à ideologia de
dominação, dá espaço, voz e vez aos desvalidos de todas as ordens e os lança como sujeitos
capazes de se desenvolverem com qualidade que lhe é de direito e não por bondade de
ideologia política, não presta favores aos indivíduos e sim legitima e faz valer uma
necessidade humana de desenvolvimento intelectual humano, cultural, tecnológico. Nessa
perspectiva, o ser humano, o diverso e o diferente são respeitados como riqueza da
constituição do mundo e não como defeitos a serem corrigidos.
No campo político, um pós-currículo situa-se à esquerda, nunca à direita, nem ao
centro. Por isso, está sempre comprometido com a educação pública, gratuita e de
qualidade para os homens, mulheres e crianças. Repudia as políticas sociais e
educacionais dos governos neoliberais do mundo que mundializam o capital e a
exclusão, distribuem desigualmente recursos simbólicos e materiais, privatizam e
mercantilizam a educação. (CORAZZA, 2002, p. 104).
3.2 Diferença, identidade e currículo.
Antes de dar início a discussão sobre diferença, a identidade e currículo, é importante
ressaltar que as problemáticas em torno da mera tolerância e da construção de respeito às
identidades e diferenças não serão aprofundadas nesta dissertação, não trataremos da
perspectiva multiculturalista em educação, uma vez que tem suas limitações e abordagens já
superadas. Faremos algumas considerações norteados pela abordagem teórica discutida por
Silva (2000), que aponta quais são as limitações da abordagem multicultural em educação.
43
Uma das principais abordagens teóricas que questiona o modo de operar do
multiculturalismo é discutida por Silva (2000), que tece críticas ao multiculturalismo e, no
tocante a essa corrente de trabalho multicultural, em ter ausente em suas teorias “uma teoria
da identidade e da diferença”. O autor questiona as discussões multiculturais, apontando que a
tolerância e o respeito, propostos pelo multiculturalismo, estão no campo da superficial
benevolência e por isso mesmo o autor propõe uma abordagem à identidade e à diferença,
numa perspectiva de uma teoria sobre a produção da identidade e da diferença. Aponta que
identidade e diferença são inseparáveis dado a dependência de uma a outra assim como a
identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. “Identidade e diferença
são, pois inseparáveis” (SILVA, 2000, p. 73).
Para o autor em questão, a identidade e diferença são compreendidas como os
resultados são produzidos. Esses são atos de criação linguística, e por isso não são da
natureza, mas do mundo cultural e social. Para Silva, não basta serem respeitadas e toleradas,
é necessário entender que identidades e diferenças são criadas e fabricadas por nós no
universo das relações culturais e sociais e, como atos linguísticos, estão sujeitas a
propriedades da linguagem em geral. Reforça que identidade e diferença fazem parte dos
sistemas de significação que adquirem sentido, mesmo que não sejam definidas de uma vez
por todas pelos sistemas discursivos e simbólicos, são mais da cultura e dos sistemas
simbólicos que a compõem, dado aos vícios da linguagem.
Nos entraves e meandros da linguagem, o autor apresenta argumentos que mostram
como a linguagem tem consequências para a questão da diferença e das identidades culturais e
como são instáveis assim como a linguagem. Além da linguagem, Silva aponta para as
relações de poder que definem e marcam a identidade e a diferença e estas não são inocentes,
pois o poder está presente na diferenciação da identidade e diferença. Chama a atenção para a
normalização que elege uma identidade e cria hierarquizações, ao mesmo tempo em que
oscilações não permitem fixações de identidade, pois este como a linguagem sempre nos
escapa, a essencialização da identidade e da diferença é cultural na perspectiva do autor.
As identidades são criadas dentro de um complicado processo de hibridização,
subversão e fixação de identidades. Também cabe uma crítica ao pós-estruturalismo, segundo
o pensador, no modo como se apropria da representação, na esteira do pensamento de Silva, a
representação é um sistema linguístico e cultural e ligado às relações de poder. Nas palavras
44
do autor: “quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade”
(SILVA, 2000, p. 78).
O questionamento da identidade e diferença é uma ocupação central da teorização
contemporânea e isso significa tencionar os sistemas de representação que dão suporte e
sustentação a diferença e identidade e é nesse ponto que a pedagogia e os currículos têm o
desafio de apresentar oportunidades aos educandos para que desenvolvam a capacidade de
crítica, de questionamento das formas de sistemas dominantes de representação da identidade
e da diferença.
A proposta e a alternativa de superação ao multiculturalismo apresentada pelo autor é
de uma pedagogia como diferença, para que não se aborde o multiculturalismo em educação
apenas como tolerância e respeito para com a diversidade cultural, pois isso emperraria uma
abordagem da identidade e da diferença como processos de produção social, que envolve
relações de poder. Então a identidade, a diferença e o outro são um problema pedagógico,
curricular e social ao mesmo tempo. O caminho seria estimular e cultivar bons sentimentos e
boa vontade para com a diversidade cultural, caminhos que nessa perspectiva corresponde a
não deixar de questionar as relações de poder e os processos de diferenciação que antes de
tudo produzem a identidade e a diferença.
Propõe Silva que se levem em conta as contribuições da teoria cultural recente e em
especial de inspirações pós-estruturalista. Enfim, a abordagem de Silva é filosófica e de
elevado cabedal da filosofia da linguagem e pós-estruturalista, com questionamentos nada
fáceis de serem respondidos, que caberia uma abordagem mais minuciosa, detalhada,
aprofundada e com o devido domínio de algumas conceptualizações, por isso mesmo que me
limito a ficar nesta superficialidade de abordagem da teoria cultural recente na esteira do
pensamento de Silva.
3.3 Parâmetros Curriculares Nacionais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), um dos instrumentos da política
educacional brasileira, foram implementados em 1996. Neles estão contidas orientações
básicas para a elaboração das matrizes de referência. O objetivo de sua elaboração é orientar
os professores na busca de novas abordagens e metodologias em seu fazer pedagógico. Não
possui caráter de obrigatoriedade, o que pressupõe que podem ser adaptados às peculiaridades
locais.
45
Os documentos divulgados pelo MEC/SEF que definem a proposta curricular nacional
estão organizados em dois blocos. O primeiro bloco de documentos concerne ao primeiro e
segundo ciclos (1º ano ao 5º ano) e o segundo bloco, foco da presente pesquisa, concerne ao
terceiros e ao quarto ciclos (6°ano ao 9° ano) do Ensino Fundamental. Nele estão contidas
orientações, objetivos, conteúdos referentes às áreas curriculares: Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte, Educação Física e Língua
Estrangeira. Contêm, igualmente, os Temas Transversais, assim nomeados por não serem
específicos de nenhuma área, mas atravessadas por todas elas. Os temas presentes no
documento são compreendidos como conteúdos que afetam a nossa sociedade, tais como: a
ética, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, saúde, trabalho e consumo.
Além dessas temáticas outras poderão ser abordadas, uma vez que se constate a relevância
para a comunidade escolar.
O foco da presente pesquisa refere-se aos conteúdos referentes à Língua Portuguesa e
à temática da diversidade arrolada nos temas transversais. A seguir, o que diz o documento
acerca da diversidade:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de um lado,
respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro,
considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo
educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso pretende-se criar condições, nas
escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos
socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania
(BRASIL, 1998, p. 5).
No excerto acima, afirma-se que o documento no que tange à diversidade foi
elaborado com o intuito de respeitar o diverso. Mas, mais do que respeitar a diversidade,
colocá-la como conteúdo a ser trabalhado e por outro lado construir referências comuns. Para
o exercício da cidadania tais conteúdos são importantes, como explana o excerto.
Conforme esse documento, os objetivos dos temas transversais são contribuir para a
formação da cidadania, levando os alunos a agirem de modo ativo e em prol da construção da
sociedade:
[...] Ao lado do conhecimento de fatos e situações marcantes da realidade brasileira,
de informações e práticas que lhe possibilitem participar ativa e construtivamente
dessa sociedade, os objetivos do ensino fundamental apontam a necessidade de que
os alunos se tornem capazes de eleger critérios de ação pautados na justiça,
detectando e rejeitando a injustiça quando ela se fizer presente, assim como criar
formas não violentas de atuação nas diferentes situações da vida. (BRASIL, 1998, p.
121).
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Contribuir de modo que a construção da cidadania reconheça uma sociedade pluriétnica e
pluricultural, levando- a não somente a respeitar e a tolerar, como preconizam os parâmetros,
mas desenvolver uma consciência de aceitação da alteridade, do diverso.
[...] repudiar toda discriminação baseada em diferenças de raça /etnia, classe social,
crença religiosa, sexo e outras características individuais ou sociais; exigir respeito
para si e para o outro, denunciando qualquer atitude de discriminação que sofra, ou
qualquer violação dos direitos de criança e cidadão valorizar o convívio pacífico e
criativo dos diferentes componentes da diversidade cultural. (BRASIL, 1998, p.
143).
De acordo com o documento, cabe ao professor de Língua Portuguesa trabalhar com
os conceitos e procedimentos subjacentes às práticas de linguagem e proporcionar ao aluno
que desenvolva um olhar mais crítico ao que lê e interpreta, por meio da “compreensão dos
gêneros previstos para os ciclos articulando elementos linguísticos a outros de natureza não
verbal; e da identificação de marcas discursivas para o reconhecimento de intenções, valores,
preconceitos veiculados no discurso.” (BRASIL, 1998, p. 55).
Identificar as marcas discursivas, as suas finalidades, as várias vozes presentes,
confrontar outros textos e opiniões e se posicionar criticamente. Identificar a ideologia e
preconceitos presentes, assumindo um “posicionamento crítico diante de textos, de modo a
reconhecer a pertinência dos argumentos utilizados, posições ideológicas subjacentes e
possíveis conteúdos discriminatórios neles veiculados.” (BRASIL, 1998, p. 64).
A presente pesquisa está em consonância com o que preconizam os PCN quanto aos
conteúdos referentes à Língua Portuguesa. Trabalhar com o gênero discursivo charge implica
em compreender este gênero que discursa de um modo singular, extrapolando a si mesmo,
uma vez que expressa em sua construção um ponto de vista em relação a uma temática,
geralmente política, suscitando reflexão em relação ao dito e ao não dito.
Analisa-se que a conformidade da proposta da presente pesquisa com os PCN é
exequível e o contempla, no objetivo de combater e superar formas de discursos que não
respeitem a pluralidade e, em especial, a temática abordada nesta pesquisa. Propor um
trabalho que seja aplicável de modo a contribuir para uma formação cidadã cada vez mais
consciente de que as sociedades são constituídas