UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS - CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA MÁRCIA MIRANDA SILVEIRA BELLO A APRENDIZAGEM COOPERATIVA COMO UMA PROPOSTA DIDÁTICO- METODOLÓGICA INCLUSIVA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Bauru 2017 MÁRCIA MIRANDA SILVEIRA BELLO A APRENDIZAGEM COOPERATIVA COMO UMA PROPOSTA DIDÁTICO- METODOLÓGICA INCLUSIVA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências, Campus de Bauru – Programa de Pós- graduação em Docência para a Educação Básica, sob orientação da Profa. Dra. Vera Lúcia Messias Fialho Capellini. Bauru 2017 Bello, Márcia Miranda Silveira. A Aprendizagem Cooperativa como uma proposta didático-metodológica nos anos iniciais do Ensino Fundamental / Márcia Miranda Silveira Bello, 2017 120 f. Orientadora: Vera Lúcia Messias Fialho Capellini Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2017 1. Escola inclusiva. 2. Grupos cooperativos. 3. Metodologia de ensino-aprendizagem. 4. Aprendizagem cooperativa. 5. Ensino fundamental. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. Parábola do convidado para o jantar Um homem encontrou um velho conhecido a quem não via há muito tempo. Esse homem tinha planejado realizar no dia seguinte um jantar com um grupo de amigos que também o conheciam e tanpouco tiveram notícias dele nos últimos anos, e convidou-o para jantar. O homem era um bom cozinheiro e preparou um esplêndido jantar: entradas variadas, ensopados de todos os tipos e um bolo com frutas cristalizadas. Tudo regado com vinhos finos. No dia do jantar, ele se lembrou que seu velho amigo, não se lembrava muito bem o por quê, tinha que ter muito cuidado com o que comia e nada do que havia preparado com tanto cuidado o faria bem. Ele imediatamente ligou para o amigo (por sorte tinham trocado os números de telefone para o caso de surgir algum problema) para explicar o que aconteceu, e disse que sentia muito, que era melhor que não fosse ao jantar e lhe avisaria quando fizesse outro. Outro homem na mesma cidade encontrava-se na mesma situação. Ele também tinha preparado um jantar esplêndido para seus amigos e convidou um velho conhecido de todos com quem se encontrou alguns dias antes. Na tarde do jantar outro convidado lhe fez lembrar que o velho amigo não podia comer tudo. O grande homem, que tinha esquecido disso, correu para chamar o amigo e lhe perguntar se ele ainda tinha o mesmo problema e dizer-lhe para não se preocupar, porque ele iria preparar-lhe um prato de legumes e peixe grelhado. Curiosamente, um terceiro homem, na mesma cidade, também muito respeitado, se encontrou num caso idêntico. Quando já tinha quase tudo pronto, foi recordado que a pessoa que tinha convidado no último minuto (um velho conhecido seu e de seus amios que havia convidado para jantar naquela noite) teve que seguir uma dieta muito rigorosa. Então ele mudou o menu: selecionou algumas entradas que também poderia comer seu velho amigo, guardou os ensopados no congelador para outra ocasião e improvisou um segundo prato, também excelente, mas que todos podiam comer, também ele refez o bolo, e em vez de frutas cristalizadas colocou frutas naturais. Chegada a hora do jantar todos comeram juntos os mesmos pratos que o anfitrião ofereceu. (Texto utilizado pelo prof Pere Pujòlas para falar de Educação Inclusiva e adaptado do livro “Aprender juntos alumnos diferentes: Los equipos de aprendizaje cooperativo en el aula” de Pere Pujòlas, Barcelona (Espanha), Octaedro, 2003) AGRADECIMENTOS Esse trabalho encerra um ciclo de aprendizado em minha vida e abre as portas para novas experiências. Nesse caminho até aqui tenho muito o que agradecer às pessoas que direta ou indiretamente me fizeram seguir sempre em frente. A primeira delas é sem a dúvida minha mãe. Minha inspiração, minha companheira e minha professora, na vida e na escola. Obrigada por ensinar o valor da educação e a perseverança no que faz. Agradeço a meu querido Job, meu parceiro, “co-orientador”, psicólogo, amigo e amor. Eu jamais teria chegado até aqui se não tivesse a certeza de sua mão estendida sempre que eu precisasse. A minha irmã pela inspiração de força e coragem. Muitos de seus exemplos guiaram meus passos e eu nunca serei capaz de agradecer o suficiente. Muito obrigada! Ao meu pai, por tudo o que aprendi com ele e pela pessoa que me tornei ao seu lado. A todos os professores que passaram pela minha vida, meus mestres, meus colegas de profissão, meus ídolos. Cada um deles colocou um ‘tijolinho’ no caminho que me trouxe até aqui. Entre eles, uma professora merece um agradecimento especial por toda força, apoio e exemplo que foi pra mim nessa caminhada, profª Vera Capellini, muito obrigada! Agradeço as professoras Maria José e Ana Maria pela dedicação e inestimável contribuição que deram à minha pesquisa com suas considerações e conselhos. E por fim, agradeço a todas as crianças com as quais tive a oportunidade de conviver e amar. Foi por cada uma delas que me lancei nessa aventura de aprender a aprender e aprender a ensinar, para encontrar formas de despertar em seus pequenos corações a alegria e o amor pelo saber. Obrigada Deus por ser sempre meu porto seguro e minha fonte de força e coragem! BELLO, Márcia Miranda Silveira. A Aprendizagem Cooperativa como uma proposta didático- metodológica inclusiva nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 2017. 119f. Dissertação (Mestrado em Docência na Educação Básica), Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru-SP, 2017. RESUMO A escola no Brasil sempre foi um espaço restrito no qual só tinha acesso pessoas que se encaixavam em um padrão social pré-estabelecido. Atualmente, algumas políticas públicas têm buscado alterar esse cenário direcionando a escola no sentido de torná-la inclusiva a partir da reconstrução seu papel no sentido de oferecer formas de ensino que garantam a participação efetiva de todos os alunos no processo de ensino e aprendizagem. Essas políticas, ainda que tenham um longo caminho a percorrer para garantir o acesso à educação à totalidade da população, já produziram grandes modificações na realidade escolar gerando turmas muito mais heterogêneas. Nessa perspectiva, emerge a questão da pesquisa: como o professor pode atender à diversidade presente em sua sala de aula e possibilitar a aprendizagem de seus alunos considerando suas diferenças? A hipótese apresentada é a de que uma mudança na perspectiva metodológica, que substitua práticas excludentes por uma que permita a participação de todos os alunos, é um caminho possível para responder à diversidade presente no contexto escolar. Dessa forma, o objetivo geral foi analisar o impacto do uso de uma metodologia de ensino e aprendizagem denominada Aprendizagem Cooperativa (AC) na aprendizagem dos alunos. Enquanto que os objetivos específicos foram: colocar em prática a referida metodologia em uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental I de uma escola municipal do estado de São Paulo; apontar os entraves e potencialidades do uso dessa metodologia no contexto da escola pública brasileira a partir da experiência realizada e elaborar um material didático pedagógico para o professor de Educação Básica contendo orientações e direcionamentos sobre o uso da AC em sala de aula. A AC é um conjunto de técnicas para organizar o trabalho em grupo que tem se mostrado eficaz na construção da Escola Inclusiva, pois respeita a diversidade humana, propondo-se a ensinar todos os alunos juntos de acordo com suas singularidades. Assim, após intervenção, foi possível observar por meio da coleta dos dados, melhoras no desempenho acadêmico dos alunos, na participação deles nas atividades de ensino-aprendizagem, na autopercepção com relação a seus comportamentos e ações, bem como uma maior autonomia na resolução de conflitos dentro do grupo. Foram constatados ainda alguns entraves com relação ao uso dessa metodologia na realidade da escola onde ocorreu a intervenção e que podem ser “extrapolados” para as demais escolas públicas: pouco tempo para superação de uma postura de passividade por parte dos alunos, falta de continuidade no trabalho com uma metodologia diferenciada e falta de interesse e investimento do poder público na formação de professores para a implementação de práticas inovadoras e inclusivas. Palavras-chave: Escola inclusiva; Grupos Cooperativos; Metodologia de ensino- aprendizagem; Aprendizagem Cooperativa; Ensino Fundamental I. BELLO, Márcia Miranda Silveira. The Cooperative Learning as an inclusive methodology in the early years of Elementary School. 2017. 119f. Dissertação (Mestrado em Docência na Educação Básica), Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru-SP, 2017. ABSTRACT In Brazil, schools have always been a restricted place in which the access is possible since people fit in a pre-established social pattern. Recently, some public politics have been seeking to improve this scenario in order for the school to become inclusive, reconstructing its role in offering ways of teaching that assure the participation of all students in the process of teaching and learning. These politics, besides having a long way to assure access to education for everyone, have already produced major modifications in schools realm, resulting in classrooms that are more heterogeneous. In this perspective, the question of research is: how can the teacher manage the diversity in classrooms and enable the learning of students considering their differences? The hypotheses is: a change in the perspective of methodology, that replaces excluding practices to others that enable the participation of all students, is a possible way to answer to the diversity presented in the context of schools. Thus, the general objective was to analyze the impact of the use of a teaching and learning methodology denominated Cooperative Learning in students learning process. The specific objectives were: put into practice the methodology in a 4th grade classroom (Elementary School) of a municipal school in São Paulo state; point the obstacles and the potentialities of using the methodology in the context of a public Brazilian school and elaborate a pedagogical textbook to the Elementary School teacher with guidelines and orientations about Collaborative Learning in classrooms. The Collaborative Learning is a set of techniques to organize the group work that has been successful in the construction of an Inclusive School, because it respects the human diversity, proposing to teach all the students together according to each singularities. After the intervention, it was possible to observe, through the collection of data, an academic improvement of students in their participation in activities of teaching and learning, in their self-perception related to their behavior and actions, as well as a greater autonomy in solution of conflicts inside the group. In this intervention, some obstacles were verified concerning the use of this methodology in the real school context, which may be extrapolated to other public schools. The obstacles were the following: short time for students to overcome a posture of passivity, lack of continuum in a methodology that is differentiated and lack of interest and public investment in professional training for teachers in order to promote practices that are inclusive and innovative. Keywords: Inclusive School; Cooperative Groups, Teaching and Learning Methodology, Cooperative Learning, Elementary School. Lista de Figuras Figura 1 - Organização das mesas para o trabalho com grupos cooperativos ............ 73 Figura 2 - Página inicial do site ................................................................................. 99 Lista de Quadros Quadro 1 - Trabalhos encontrados na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações e no Banco de Teses e Dissertações da Capes............................................ 48 Quadro 2 - Artigos encontrados nos periódicos nacionais nas áreas de Educação e Ensino (referência Web Qualis 2014 - A1, A2, B1 e B2, Plataforma Sucupira) .................................................................................................. 51 Quadro 3 - Trabalhos encontrados nos eventos nacionais de educação e ensino....... 53 Quadro 4 - Caracterização do público-alvo................................................................ 62 Quadro 5 - Descritores da Matriz de Referência da Prova Brasil de Matemática utilizados como objetivo de ensino de conteúdos conceituais ................ 68 Quadro 6 - Competências sociais que se buscou desenvolver nos alunos ................. 69 Quadro 7- Distribuição dos alunos em grupos homogêneos baseada no desempenho acadêmico ................................................................................................ 70 Quadro 8 - Distribuição dos alunos em grupos de base ............................................. 71 Quadro 9 - Funções executivas utilizadas para o desenvolvimento dos conteúdos conceituais ............................................................................................... 72 Quadro 10 - Funções organizativas utilizadas para o desenvolvimento dos conteúdos atitudinais ................................................................................................. 72 Lista de tabelas Tabela 1 - Distribuição dos trabalhos encontrados de acordo com o nível ou modalidade de ensino em que a pesquisa se desenvolveu ..................... 54 Tabela 2 - Quantidade de produções científicas por Instituição de Ensino Superior ................................................................................................. 56 Tabela 3 - Acertos de cada aluno nas avaliações diagnóstica e final ..................... 91 Tabela 4 - Porcentagem de alunos em cada nível de aproveitamento com relação à quantidade total de alunos que realizou cada avaliação ..................... 92 Tabela 5 - Número total de acertos em cada descritor ........................................... 93 Tabela 6 - Porcentagem dos alunos em cada nível de desenvolvimento das competências sociais em relação ao total de alunos observados ........... 95 Tabela 7 - Pontuação de cada aluno nos dois momentos de preenchimento do Protocolo de Observação Individual das competências sociais trabalhadas ............................................................................................. 96 Tabela 8 - Desenvolvimento dos conteúdos trabalhados durante a intervenção .... 96 Lista de abreviaturas e siglas AC Aprendizagem Cooperativa AEE Atendimento Educacional Especializado ANA Avaliação Nacional da Alfabetização APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais BDTD Biblioteca Digital de Teses e Dissertações CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBE Congresso Brasileiro de Educação CONEDU Congresso Nacional de Educação EaD Educação a distância EDUCERE Congresso Nacional de Educação EE Educação Especial EI Educação Inclusiva EMEIF Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino FFLCH - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz HTP Hora de trabalho pedagógico ICORES Instituto Coração de Estudante IES Instituição de Ensino Superior IFSP Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de São Paulo Incra Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira” LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação ONG Organização Não Governamental PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PNLD Programa Nacional do Livro Didático PPP Projeto Político Pedagógico PRECE Programa de Estímulo à Cooperação na Escola PUC Pontifícia Universidade Católica Saeb Sistema de Avaliação da Educação Básica SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEDUC/CE Secretaria de Educação do Estado do Ceará TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TGD Transtorno Global do Desenvolvimento UCDB Universidade Católica Dom Bosco UEM Universidade Estadual de Maringá UFBA Universidade Federal da Bahia UFC Universidade Federal do Ceará UFCA Universidade Federal do Cariri UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFPR Universidade Federal do Paraná UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco UFSCar Universidade Federal de São Carlos UnB Universidade de Brasília UNESP Universidade Estadual Paulista UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba UNISAL Centro Universitário Salesiano USP Universidade de São Paulo UTFPR Universidade Tecnológica Federal do Paraná Lista de Apêndices Apêndice A Protocolo de observação individual....................................................... 112 Apêndice B Protocolo de observação do grupo......................................................... 113 Apêndice C Sequência didática ................................................................................ 114 Apêndice D Autoavaliações ..................................................................................... 115 Lista de Anexos Anexo A Termo de consentimento livre e esclarecido........................................... 118 Anexo B Termo de assentimento........................................................................... 119 SUMÁRIO Apresentação.................................................................................................................. 16 Introdução...................................................................................................................... 20 Capítulo 1 – Escola Inclusiva........................................................................................ 23 1.1. A heterogeneidade na sala de aula.................................................................. 23 1.2. O que é Escola Inclusiva? ............................................................................... 29 1.3 A Escola Inclusiva na realidade educacional brasileira.................................... 31 Capítulo 2 – Aprendizagem Cooperativa.................................................................... 35 2.1. Histórico, conceito e princípios......................... 35 2.2. A Aprendizagem Cooperativa como metodologia para a promoção da Escola Inclusiva..................................................................................................... 45 2.3 A Aprendizagem Cooperativa no Brasil......................................................... 46 Capítulo 3 – Procedimentos metodológicos................................................................. 58 3.1 Metodologia da Pesquisa................................................................................. 58 3.2 Procedimentos éticos........................................................................................ 59 3.3 Caracterização do ambiente escolar................................................................. 60 3.4 Caracterização do público-alvo...................................................................... 61 3.5 Procedimentos de coleta de dados.................................................................... 64 3.6 Procedimentos de análise de dados.................................................................. 65 Capítulo 4 – A Aprendizagem Cooperativa em sala de aula..................................... 67 4.1 Pré-implementação: o planejamento............................................................... 67 4.1.1 Especificação dos objetivos de ensino.............................................. 67 4.1.2 Organização dos grupos de base....................................................... 69 4.1.3 Funções atribuídas aos alunos.......................................................... 71 4.1.4 Disposição da sala de aula............................................................... 73 4.1.5 Escolha dos materiais....................................................................... 73 4.1.6 Planejamento das atividades............................................................. 74 4.1.7 Estruturação da interdependência positiva e da responsabilidade.... 74 4.1.8 Estabelecimento de comportamentos desejados............................... 75 4.2 Implementação: desenvolvimento das atividades............................................ 75 4.2.1 Primeiros passos................................................................................ 76 4.2.2 Jogo Cooperativo............................................................................... 80 4.2.3 Conhecendo as frações...................................................................... 81 4.2.4 Torneio de Tabuada ......................................................................... 85 4.2.5 Operações com fração........................................................................ 87 4.3 Pós-implementação: a avaliação............................................................... 89 Capítulo 5 – Apresentação e discussão dos dados...................................................... 91 Considerações finais .................................................................................................... 100 Referências.................................................................................................................... 103 Apêndices....................................................................................................................... 111 Anexos............................................................................................................................ 117 16 APRESENTAÇÃO Ser professora é um desejo que me acompanha há muito tempo. Entre idas e vindas nessa vida eu relutei contra esse desejo, tentei outras carreiras profissionais, mas, dentro de mim, de fato, estar na escola é o que eu queria. A principal razão que me levou a relutar tanto antes de abraçar essa profissão é a que com certeza continua afastando frequentemente os jovens da carreira docente, a desvalorização não apenas da figura do professor, mas da própria educação. De fato, eu desejava muito estar na escola, mas, com uma mãe professora de escola pública, eu só conseguia enxergar na escola um lugar de sofrimento e opressão, e no professor uma figura solitária que bravamente lutava para fazer com dignidade o trabalho de ensinar. Portanto, as inquietações que me trouxeram até essa pesquisa me acompanham muito antes de ingressar nesse mestrado ou de colocar meus pés pela primeira vez em uma sala de aula na figura de professora. Foi em uma palestra com o profº José Pacheco, ex-diretor na escola da Ponte, enquanto eu cursava o segundo ano de Ciências Sociais e pensava em abandonar o curso, que visualizei uma outra escola possível. Durante toda a Educação Infantil e Ensino Fundamental estudei em escolas estaduais, quase sempre nas mesmas em que minha mãe lecionava. E para além das horas de aula, eu estava dentro da escola com ela também nos horários de HTP (hora de trabalho pedagógico), em reuniões de planejamento, em sábados de preparação para festas e outras atividades. Essa experiência de ensinar e aprender com o outro me fascinava e eu sempre encontrava uma desculpa para estar dentro da escola: um trabalho para fazer na biblioteca no contraturno, um colega com dificuldade em um conteúdo para prestar auxílio, um professor para ajudar. Nos anos finais do Ensino Fundamental eu ia na escola ajudar meus professores a corrigir trabalhos ou tomar tabuada e leitura das crianças menores, enfim sempre arrumava um jeito de estar lá. Muitos professores me inspiraram ao longo dos anos e entre eles, sem dúvida, minha mãe, mas eu tinha uma paixão especial pelas aulas de história. Tive a mesma professora da 5ª até a 8ª série, e a cada ano ela conseguia que eu me apaixonasse mais. Nesse momento, eu definitivamente não tinha dúvida sobre qual carreira seguir, seria professora. Nessa época minha mãe estava em seus últimos anos de profissão, e como muitas professoras que ainda vejo, depois de 25 anos lecionando em escolas estaduais, ela contava os dias para não ter que voltar à sala de aula. Diariamente ela se queixava, e continuou se queixando, mesmo após a aposentadoria, do desrespeito com o qual ela era tratada, pelo 17 governo, pelos pais, pelos alunos. Se queixava das condições precárias de trabalho, da cobrança burocrática por documentos, números, resultados, de nadar contra a corrente e ser uma das poucas a se importar com os alunos, suas histórias de vida e suas aprendizagens. No Ensino Médio eu olhava meus professores exaustos, diante de salas lotadas, adolescentes indisciplinados e desinteressados, e pensava “não é isso que eu quero pra minha vida”. No meio do segundo ano fui para uma escola particular, buscando um ensino ‘mais forte’ que me preparasse para um vestibular de uma universidade pública. Naquele contexto, escolher ser professor era praticamente uma piada. Todos sonhavam com as carreiras de engenharia, arquitetura, direito, medicina. Ser professor era para os menos capazes. Ao final do terceiro ano do Ensino Médio decidi então, prestar vestibular para Jornalismo. Naquele ano não entrei em nenhuma faculdade. E durante o ano seguinte, enquanto trabalhava e fazia um cursinho pré-vestibular à noite tentei encontrar meu caminho. Depois de rodopiar muito, fui fazer Ciências Sociais na Unesp de Marília, quem sabe lá eu me encontraria. Talvez pudesse ser uma jornalista depois, alguém que escrevesse sobre as angústias da sociedade, alguém que refletisse sobre elas. Com o tempo eu percebi que minha alma queria mais do que refletir, queria agir. No campus que eu estudava, tinha também o curso de Pedagogia. Conheci alguns alunos, comecei a me relacionar com eles, a ver o quanto tínhamos em comum. Em pouco tempo, qualquer pessoa que me visse, poderia acreditar que esse era o meu curso. No ano de 2005, na Jornada da Pedagogia daquela faculdade esteve presente o professor José Pacheco, ex-diretor da Escola da Ponte de Portugal e um dos idealizadores daquela proposta educativa. Completamente desinteressada pelo meu curso, e cada vez mais apaixonada pela Pedagogia, resolvi ‘matar’ as aulas da faculdade e participar das atividades da Jornada, mesmo sem estar inscrita. Aquela escola rememorou em meu coração a escola que eu amava quando criança. Lá eu vi crianças felizes, sonhos realizados, pessoas desencaixotadas voando livres como pássaros no céu. Me rendi! Tranquei o curso e fui fazer Pedagogia. Ingressei em 2006 no curso de Pedagogia na Unesp de Bauru e finalmente achei que tinha encontrado meu lugar no mundo. No segundo ano da graduação deixei o emprego que eu tinha para estagiar em uma escola particular e nunca mais consegui sair da escola. No final do ano de 2009, terminei a faculdade e fui aprovada em um concurso municipal onde ingressei como professora efetiva no início de 2010. E, embora eu soubesse que era possível uma escola que “desse asas” e uma educação que libertasse, ainda me deparava com uma escola opressora, na qual, de maneira geral, ainda 18 predominam metodologias tradicionais que visualizam o ensino de maneira homogênea, considerando os alunos iguais em sua forma de aprender. E, portanto, excluindo uma significativa quantidade de crianças que não se encaixam em um perfil pré-estabelecido de aluno ideal. Embora eu reconhecesse os esforços de muitos educadores e os resultados positivos que muitas vezes emergiam de escolas públicas o fato era que eu sabia que esses resultados não eram para todos e isso me inquietava. Meus poucos anos de experiência como docente no Ensino Fundamental I só serviram para aumentar minha inquietude com relação a essas questões. Como o professor pode atender a heterogeneidade de sua sala de aula e possibilitar a aprendizagem dos seus alunos considerando suas diferenças? De que maneira ele pode criar estratégias para que todos os alunos participem ativamente do processo de ensino e aprendizagem? Como efetivamente alcançar a tão proclamada educação para todos? A única certeza que eu tinha era de que deveríamos traçar novos rumos, novas formas de olhar a escola, novas formas de ensinar e aprender. E foi então que descobri que essas formas não são tão novas assim. No ano de 2012, estiveram presentes no Campus da Unesp de Bauru a Profª Dra. María Yolanda Muñoz Martínez, docente na Universidad de Alacá, na Espanha, à convite da Profª Dra. Vera Lúcia Messias Fialho Capellini, e o Profº Dr. Pedro Guilherme Rocha Reis, docente da Universidade de Lisboa em Portugal. Entre outras atividades realizadas pelos docentes, houve o oferecimento de duas disciplinas direcionadas aos alunos da Pós-graduação, a primeira intitulada “El aprendizaje cooperativo y la escuela inclusiva”, oferecida pela Prof. María Yolanda, e a outra intitulada “Da discussão à ação sócio-política sobre controvérsias sociocientíficas”, ministrada pelo Prof. Pedro Reis. Embora as disciplinas tivessem diferentes abordagens, ambas tinham em comum o uso de uma metodologia de trabalho em grupo já frequente na Europa há muitos anos, porém pouco conhecida no Brasil. Essa metodologia é conhecida como Aprendizagem Cooperativa. Não tive a oportunidade de cursar as disciplinas, mas tive acesso aos materiais usados em ambas e enxerguei na Aprendizagem Cooperativa um norte para transformar a minha prática no sentido da construção da escola para todos. Foi o início de um grande percurso. No final do ano de 2013, no mesmo Campus da Unesp, teve início o curso de Pós- graduação em Docência na Educação Básica na modalidade Mestrado Profissional, vi então a possibilidade de aprofundar meus estudos e contribuir ainda mais para transformação da prática educacional. 19 No primeiro processo seletivo, tive a oportunidade de reencontrar com a Profª Vera Capellini que já havia sido minha professora na graduação, e começamos uma linda parceria. Naquele ano, fiquei na lista de espera do processo seletivo e, no ano seguinte, dediquei-me ao Grupo de Pesquisa “A inclusão da pessoa com deficiência, Transtorno Global do Desenvolvimento e Altas habilidades/superdotação nos contextos de ensino e aprendizagem” e aos estudos mais aprofundados sobre a referida metodologia. No ano de 2014, pela primeira vez me aventurei a colocá-la em prática com meus alunos do 5º ano do Ensino Fundamental e os resultados obtidos em tão pouco tempo de trabalho solitário me encheram de entusiasmo para ir além. Assim, a partir das minhas inquietações, da minha experiência piloto com a Aprendizagem Cooperativa, dos meus estudos junto ao Grupo de Pesquisa e da parceria com a Profª Vera Capellini surgiu a pesquisa que hoje apresento nesta dissertação. 20 INTRODUÇÃO Nosso país vem caminhando, nas últimas duas décadas, no sentido de ampliação do acesso à educação com políticas públicas de ordem educacional e social. Essas políticas se traduzem em medidas que, sem dúvida, têm afetado significativamente a atuação dos docentes dentro da escola, antes restrita apenas a alunos que se encontravam próximos a um padrão de aluno ideal. Hoje, o professor encontra uma sala de aula no qual o elemento mais marcante é a diversidade, seja de ideias, culturas, ritmos de aprendizagem, condições físicas e psicológicas ou níveis de motivação para os estudos. As transformações empreendidas dentro da escola por essas políticas públicas decorrem de um movimento global denominado Inclusão Social. Segundo Capellini e Rodrigues (2009, p. 355), esse movimento “busca a construção de um processo bidirecional no qual as pessoas excluídas e a sociedade buscam, em parceria, efetivar a equiparação de oportunidades para todos”. Nesse sentido, as mudanças educacionais citadas são o reflexo desse movimento no âmbito escolar, chamado, assim, de Inclusão Escolar. É notório, porém, que apesar das políticas inclusivas, nas instituições escolares de nosso país, de maneira geral, ainda predominam metodologias tradicionais que concebem o ensino de maneira homogênea, considerando os alunos iguais em sua forma de aprender. A partir dessa realidade, vivida por mim como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental, surgiu a inquietação que motivou o presente estudo e que se tornou a questão de pesquisa: como o professor pode atender à diversidade presente em sua sala de aula e possibilitar a aprendizagem dos seus alunos considerando suas diferenças? Aventamos a hipótese de que uma mudança na perspectiva metodológica, que substitua práticas excludentes por uma metodologia que permita a participação de todos os alunos, é um caminho possível para responder à diversidade presente no contexto escolar. Díaz-Aguado (2000) afirma que a sociedade contemporânea apresenta mudanças de grande amplitude que necessitam de inovações educativas de magnitude semelhante. Entre essas mudanças, a autora destaca o contexto heterogêneo no qual precisamos aprender a conviver e a nos relacionar. As metodologias vigentes, normalmente pautadas em práticas competitivas ou individualistas, além de proporcionarem a exclusão escolar de muitos alunos, não desenvolvem neles as competências necessárias para enfrentar essas demandas. Em países como Estados Unidos, Portugal e Espanha existem várias experiências exitosas com o uso de uma perspectiva metodológica denominada Aprendizagem Cooperativa 21 (AC) que permite ao professor oferecer maior autonomia intelectual e iguais oportunidades de aprendizagem a todos os alunos (LOPES; SILVA, 2009). Segundo Slavin (1999), a AC oferece muitos benefícios em relação às metodologias vigentes, entre elas o aumento do sucesso acadêmico dos alunos, a melhora de suas relações interpessoais e de sua autoestima, além de uma melhor aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem pelo restante da turma. Pujòlas (2004) afirma, ainda, que para garantir a igualdade a todos é necessário encontrar uma maneira de tratar e ensinar todos os alunos juntos, considerando a singularidade de cada um. As novas demandas educacionais citadas, colocam o professor da Educação Básica frente a uma realidade que não é atendida pelas metodologias correntes, em geral orientadas pela ideia de que todos os alunos aprendem da mesma forma e ao mesmo tempo. Sem dúvida se faz necessária uma mudança de perspectiva em termos metodológicos para construir uma escola e uma sociedade verdadeiramente inclusivas e, nesse sentido, a AC tem se mostrado uma metodologia adequada para alcançar esse fim. Essa afirmação é feita com base em estudos apontados por Johnson, Johnson e Smith (1998) que comprovam a eficácia dessa metodologia em diversos contextos e nos estudos de Pujòlas (2001; 2003; 2004), que utiliza a AC como ferramenta metodológica para o trabalho com a diversidade e a inclusão. Muitos outros estudos apontam que o uso da AC favorece as práticas pedagógicas que acolhem a diversidade humana, pois tem como filosofia a inclusão escolar de todos os alunos (DÍAZ-AGUADO, 2000; MESSIAS; MUÑOZ; LUCAS-TORRES, 2013; PUJÒLAS, 2003; SLAVIN, 1999). Entretanto, no Brasil, o levantamento bibliográfico sobre o tema apontou que as pesquisas e o uso dessa metodologia ainda são bastante escassos demonstrando o quanto ela ainda é pouco conhecida e difundida em nosso país e evidenciando, assim, a necessidade de se desenvolver trabalhos e pesquisas que permitam que a AC seja divulgada aos professores da Educação Básica como uma ferramenta de melhoria da qualidade da educação. Nesse sentido, o objetivo geral desse trabalho foi analisar o impacto do uso da AC na aprendizagem dos alunos. O trabalho teve para isso, como objetivos específicos: colocar em prática a AC em uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental I de uma escola municipal no interior do estado de São Paulo; apontar os entraves e potencialidades do uso dessa metodologia no contexto da escola pública brasileira a partir da experiência realizada; elaborar um material 22 didático pedagógico para o professor de Educação Básica contendo orientações e direcionamentos sobre o uso da AC em sala de aula. No primeiro capítulo, a discussão gira em torno da compreensão da heterogeneidade na sala de aula, do conceito de Escola Inclusiva e da diferenciação entre Educação Inclusiva e Educação Especial. O capítulo traça ainda um breve panorama da efetivação das políticas voltadas para inclusão no ambiente escolar brasileiro. No segundo capítulo, a AC, metodologia escolhida para a intervenção, é apresentada por meio da discussão sobre sua origem, seu conceito, suas características e princípios. A utilização dessa metodologia no cenário educacional brasileiro é apresentada por meio de um levantamento bibliográfico realizado a partir de teses, dissertações, artigos e resumos apresentados em eventos. O capítulo também traz uma discussão que busca compreender melhor os tipos de grupo e as diferenças entre o trabalho cooperativo, competitivo e individual. Ao final, é realizada uma discussão sobre a possibilidade do uso da AC como uma metodologia inclusiva. O terceiro capítulo é o momento em que os procedimentos metodológicos são apresentados. Nele trata-se da metodologia da pesquisa, dos procedimentos éticos utilizados para coleta dos dados, bem como da caracterização do ambiente escolar e do público-alvo da intervenção. A intervenção é apresentada no capítulo quatro de maneira detalhada. Tem início no planejamento, com a escolha dos objetivos de ensino, a organização dos grupos de alunos, a atribuição de funções, a organização da sala de aula, a escolha dos materiais, o planejamento das atividades de intervenção, o estabelecimento dos comportamentos desejados e da interdependência e responsabilidade entre os alunos. Passa, ainda, pela descrição das atividades desenvolvidas até chegar no momento de avaliação da intervenção. Nesse quarto capítulo, as atividades realizadas pelos alunos são descritas e posteriormente ilustradas com cenas que narram as situações reais de aprendizagem. Essas narrativas foram escritas a partir de gravações, vídeos e descrições feitas por mim durante a coleta de dados. No capítulo cinco, os dados coletados são discutidos e analisados à luz da literatura, e o trabalho é concluído com as considerações finais. 23 1. ESCOLA INCLUSIVA De acordo com Mantoan (2003) a inclusão escolar é um caminho sem volta. Queira ou não o professor, é uma realidade que precisamos enfrentar e buscar caminhos para que o processo ocorra de forma a efetivar direitos garantidos na legislação. Optamos por apresentar de maneira sucinta nesse capítulo, o conceito de inclusão escolar, sua origem e seu percurso para que se compreenda melhor a relação entre a metodologia adotada na intervenção dessa pesquisa, a AC, e a construção de uma Escola Inclusiva, a fim de que essa metodologia possa ser vista como possibilidade de efetivação da educação para todos. Faremos ainda, uma breve reflexão sobre a diferença entre os conceitos de Educação Inclusiva (EI) e Educação Especial (EE), por observar que os temas ainda são frequentemente confundidos e que para alguns professores, até esse momento, não está clara a delimitação de cada um. Julgamos que essa falta de clareza de alguns leitores poderia comprometer a compreensão dos objetivos da intervenção realizada e gerar um entendimento reduzido do impacto que a AC causaria na aprendizagem dos alunos. 1.1. A heterogeneidade na sala de aula Em grupos de professores ou mesmo em palestras voltadas para esse público, comumente se ouve a história de que se um médico do século XIX voltasse aos dias de hoje encontraria um hospital muito diferente do que tinha em sua época, tendo dificuldades em realizar seu trabalho, e que, no entanto, se um professor do século XIX voltasse, veria que a sala de aula em nada mudou, e se sentiria muito à vontade para continuar trabalhando como sempre o fez. O fato é que muitas escolas ainda se parecem, em sua estrutura e organização, com as escolas do século XIX e infelizmente muitos professores ainda hoje dão aula como se estivessem nesse tempo, porém o que podemos dizer dos alunos? Ainda são os mesmos? As últimas décadas foram palco de grandes transformações de ordem social que impactaram diretamente no ambiente escolar e muitas políticas públicas, em diversos países, entre eles o Brasil, transformaram consideravelmente a composição de uma sala de aula. As escolas antes, muito mais seletivas e excludentes do que hoje, pouco a pouco foram sendo ocupadas por minorias que sempre tiveram negado seu direito à educação. Segundo Capellini (2009, p. 78) 24 [...] a educação deixou de ser prerrogativa de alguns para ser direito de todos, cabendo à escola dar resposta à grande heterogeneidade social, cultural, econômica e étnica dos seus alunos, criando condições para satisfazer as necessidades educativas de todos. No Brasil essas mudanças podem ser notadas em várias políticas de ampliação do acesso à escola para os mais diversos públicos historicamente excluídos do processo de escolarização, das quais destacamos duas delas: a inclusão de pessoas com deficiência, altas habilidades/superdotação e transtorno global do desenvolvimento (TGD) e a ampliação do acesso à escola para pessoas economicamente carentes. A primeira se refere ao grupo hoje considerado público alvo da EE, ou seja, pessoas com deficiência, física, visual, auditiva ou intelectual, pessoas com altas habilidades/superdotação e pessoas com TGD. Rodrigues, Capellini e Santos (2014) apontam que a inclusão das pessoas com deficiência no Brasil passou por uma longa trajetória antes de se assumir a perspectiva da Educação Inclusiva defendida nos dias de hoje. Cada contexto histórico-social delineou a forma como as pessoas com deficiência eram vistas e tratadas pela sociedade, no tocante a sua educação e a garantia de seus direitos. Porém, não podemos com essa afirmação, entender erroneamente que cada momento deu lugar ao próximo de maneira estanque. Na verdade, os diferentes entendimentos pelas quais se viam e se veem a educação das pessoas com deficiência sobrepõem-se até os dias atuais. Em uma primeira perspectiva sobre a educação de pessoas com deficiência, esses foram segregadas da sociedade, pois acreditava-se que não seriam capazes de desempenhar eficazmente as funções sociais. Nesse contexto, eles eram relegados a instituições assistencialistas que buscavam oferecer-lhes apenas as condições de sobrevivência, sem nenhuma pretensão de desenvolvimento e constituição da autonomia por parte dessas pessoas (RODRIGUES; CAPELLINI; SANTOS, 2014). No Brasil as primeiras instituições dessa natureza surgiram ainda no tempo do império por volta de 1857 com a criação do Instituto dos Meninos Cegos, hoje Instituto Benjamim Constant e o Instituto dos Surdos Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos. Essas instituições representavam iniciativas privadas e isoladas, em nada se assemelhando a uma política pública de grande abrangência com relação ao atendimento e educação das pessoas com deficiência (MAZZOTTA, 2011). A ideia de segregação total das pessoas com deficiência teve forte influência nas ações voltadas para esse público até a primeira metade do século XX. Ainda nessa conjuntura são criados o Instituto Pestalozzi, especializado no atendimento das pessoas com deficiência mental 25 e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE. Nesse período o atendimento à pessoa com deficiência era de responsabilidade da área da saúde, tendo a área médica se desenvolvido muito mais do que a pedagógica no sentido de criação de condições para o ensino desse público (CUNHA, 2012). O atendimento educacional à pessoa com deficiência no âmbito público, como afirma Mazzotta (2011), começa a ganhar força a partir do final da década de 1950 com ações como a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro de 1957 e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes da Visão de 1958. A Lei nº 4.024/61, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) traz uma inovação ao atendimento dessas pessoas ao colocar que esse atendimento deveria ser feito prioritariamente dentro do sistema geral de ensino (BRASIL, 1961). Na visão de Mazzotta (2011, p. 72) Pode-se inferir que o princípio básico aí implícito (na LDBEN/61) é o de que a educação dos excepcionais1 deve ocorrer com a utilização dos mesmos serviços educacionais organizados para a população em geral (situação comum de ensino), podendo se realizar através de serviços educacionais especiais (situação especial de ensino) quando aquela situação não for possível. A promulgação dessa lei é reflexo de uma nova forma de enxergar o atendimento que deve ser dispensado ao público alvo da EE, conhecido como Integração. Nessa nova perspectiva à pessoa com deficiência é creditada a possibilidade de aprender junto com as pessoas consideradas ‘normais’, desde que ela se ‘normalize’ e, portanto, se adeque as condições de ensino oferecidas aos demais. Do ponto de vista da integração, segundo Glat, Pletch e Fontes (2007) as pessoas com deficiência começaram a ser vistas como sujeitos de direitos com condições reais de aprender, no entanto, ainda não tem o respeito às suas condições de aprender garantido, como acontece na perspectiva da inclusão. De acordo com Glat, Pletch e Fontes (2007, p. 348) a integração [...] se propunha a oferecer aos alunos com deficiências o ambiente escolar menos restritivo possível. Este visava preparar alunos das classes e escolas especiais para ingressarem em classes regulares, quando receberiam, na medida de suas necessidades, atendimento paralelo em salas de recursos ou outras modalidades especializadas. O movimento de Inclusão Escolar, ou Educação Inclusiva teve sua origem de forma mais pontual nos Estados Unidos e acabou ganhando o mundo na década de 1990. Nesse país, 1 O termo ‘excepcionais’ é usado pelo autor para se referir às pessoas com deficiência. Embora esse termo não seja usado na perspectiva de deficiência adotada por esse trabalho, optamos por manter a citação original. 26 na década de 1980, a busca por uma educação de qualidade por meio de reformas educacionais possibilitou uma melhoria no ensino de todos os alunos independente de suas características pessoais (MENDES, 2006). Segundo a autora “a reestruturação das escolas aumentou também a consciência e o respeito à diversidade, e produziu mudanças no papel da escola, que passou a responder melhor às necessidades de seus diferentes estudantes” (MENDES, 2006, p. 392). Essas mudanças foram disseminadas pelo restante do mundo e ganharam força nas políticas educacionais de outros países a partir Conferência Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, em Jomtien, na Tailândia, e mais fortemente após a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade, que produziu a Declaração de Salamanca. Ambos os documentos, produzidos na década de 1990, tornaram-se parâmetros para a construção da ideia de Educação Inclusiva e subsídio para a formulação de leis e políticas públicas em diversos países pelo mundo, inclusive o Brasil. Além das pessoas com deficiência, a educação por muito tempo também tem sido negada à população economicamente carente. Essa população, frequentemente, tirava e ainda tira, seus filhos da escola para mandá-los ao trabalho a fim de complementar a renda familiar. No ano de 1996, o Governo Federal deu início ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) com a implantação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento desse tipo de trabalho no país. De acordo com informações fornecidas pelo site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome2, no ano de 2005 houve a integração do PETI com o Programa Bolsa Família, um programa de transferência de renda também do Governo Federal, que possibilitou mudanças significativas no cenário nacional com relação à pobreza e ao trabalho infantil. Entre as ações do PETI está a transferência de renda para as famílias e o encaminhamento das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil para a escola e programas socioeducativos. A frequência escolar dessas crianças é um dos condicionantes para que as famílias recebam esse dinheiro. No Portal do Ministério da Educação (MEC)3 podemos encontrar informações sobre a criação por esse ministério, no ano de 2004, da Secretaria de Educação Continuada, 2 Portal do Ministério do desenvolvimento social e combate à fome. http://mds.gov.br/assuntos/assistencia- social/servicos-e-programas/peti/peti Acesso em 24 de jan. de 2016 3 Portal do Ministério da Educação http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao- diversidade-e-inclusao/apresentacao Acesso em 23 de jan. de 2016 http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/servicos-e-programas/peti/peti http://mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/servicos-e-programas/peti/peti http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-inclusao/apresentacao http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-inclusao/apresentacao 27 Alfabetização e Diversidade (SECAD), que posteriormente se tornou Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). O objetivo dessa secretaria é a implementação de políticas educacionais que visam a construção de um sistema de ensino inclusivo que valorize a diversidade e os direitos humanos. Segundo Gonçalves (2013, p. 570) a criação da SECADI busca “contribuir para a redução das desigualdades educacionais, por meio da ampliação do acesso à educação e programas específicos voltados para públicos minoritários”. As ações dessa Secretaria são voltadas para inclusão de diversos grupos historicamente excluídos dos sistemas de ensino por meio de políticas nas áreas de Educação Especial, Educação no Campo, Educação Quilombola, Educação de Jovens e Adultos, Educação para Gênero e Diversidade Sexual, entre outros. A Educação Inclusiva, dessa forma, configura-se como um modelo de educação pautado na diversidade, contudo em muitos contextos ainda há uma forte crença de que ela se resume à inserção da pessoa com deficiência na escola. O movimento da Educação Inclusiva no Brasil e o movimento de Inclusão dos alunos público alvo da EE caminharam juntos nas políticas públicas de ampliação ao acesso e permanência desses alunos na escola, por isso aventamos a hipótese de que a proximidade desses movimentos produziu relevante simplificação da ideia de Educação Inclusiva. Por essa razão achou-se necessário nesse trabalho apresentar as diferenças entre os termos EE e EI a fim de deixar claro qual a perspectiva de Educação Inclusiva adotada no trabalho com a AC. Em 2008 o MEC publicou sua Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva no qual esclarece os objetivos e finalidades da Educação Inclusiva e da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. a educação inclusiva constitui um paradigma fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis e supera o modelo de equidade formal, passando a incidir para eliminar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008). Nesse sentindo a “inclusão é uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação” (BRASIL, 2008). No Brasil a EE historicamente se organizou como um tipo de atendimento educacional que deveria substituir o ensino comum, em instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. 28 Essa organização, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, determina formas de atendimento clínico terapêuticos fortemente ancorados nos testes psicométricos que definem, por meio de diagnósticos, as práticas escolares para os alunos com deficiência (BRASIL, 2008). Na perspectiva da Educação Inclusiva, no entanto, a EE, é entendida como uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis de ensino, da Educação Infantil ao ensino superior, funcionando como um suporte para o ensino e aprendizagem de alunos que apresentam alguma deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Segundo o documento do MEC intitulado Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, a EE [...] realiza o atendimento educacional especializado, disponibiliza os serviços e recursos próprios desse atendimento e orienta os alunos e seus professores quanto a sua utilização nas turmas comuns do ensino regular (BRASIL, 2008). Esse atendimento educacional especializado se refere aos programas de enriquecimento curricular, ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva que são realizadas como atividades complementares e/ou suplementares às atividades desenvolvidas na sala de aula regular com vistas à formação integral dos alunos. Faz-se importante destacar que Uma escola inclusiva é aquela que educa todos os alunos em salas de aula regulares. Educar todos os alunos em salas de aula regulares significa que todo aluno recebe educação e frequenta salas de aula regulares. Também significa que todos os alunos recebem oportunidades educacionais adequadas, que são desafiadoras, porém ajustadas às suas habilidades e necessidades; recebem todo o apoio e ajuda de que eles ou seus professores possam, da mesma forma, necessitar para alcançar sucesso nas principais atividades (STAINBACK; STAINBACK, 1999, prefácio). A Educação Inclusiva surge assim, como um enfrentamento à histórica exclusão escolar de diversos grupos que durante décadas tiveram seu acesso à escola restrito ou negado por uma concepção de educação pautada na homogeneização do ensino e em padrões de normalidade. Dessa forma, ela se refere à inserção dessas pessoas no processo educativo, garantindo não apenas seu acesso ao ambiente escolar, mas na mesma proporção a garantia de sua aprendizagem. Essa perspectiva educacional não se restringe às pessoas com alguma deficiência, ela se estende à todas as pessoas consideradas em suas singularidades. É a partir do ponto de vista da Educação Inclusiva que é possível compreender a EE como um apoio à inclusão de pessoas com deficiência, transtorno global do desenvolvimento e altas habilidades no ensino regular. 29 Nesse sentido a EE se direciona a esse público alvo específico, enquanto a EI tem uma abrangência maior, tratando da garantia de acesso e permanência na escola à toda e qualquer pessoa indistintamente. 1.2. O que é Escola Inclusiva? Como já mencionado anteriormente a Educação Inclusiva é um movimento global que orienta as políticas públicas educacionais em todo o planeta. Mendes (2006) aponta que o movimento surge a partir da compreensão da diversidade presente dentro da escola e da emergência em responder às necessidades educacionais de todos os alunos. Cardoso (2010) afirma que a sociedade sempre foi diversa, mas nem sempre foi vista dessa forma. Antes do período de globalização dos meios de comunicação, a noção de sociedade e do outro era restrita ao entorno de cada um, cercado por pessoas com crenças, costumes e atitudes parecidas. Nesse contexto, no qual se pregava o valor de respeito ao semelhante, o diferente era visto como uma exceção, muitas vezes negativa. Nessa perspectiva, a escola como um recorte da sociedade, durante muitos anos excluiu o diferente. Os mais pobres direcionavam-se muito cedo para o trabalho e aqueles com alguma deficiência, eram segregados (RODRIGUES; CAPELLINI; SANTOS, 2014). Atualmente a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e a Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área das Necessidades Educativas constituem-se documentos norteadores da compreensão que se tem acerca do termo ‘Educação Inclusiva’. Esses documentos estão em consonância quanto ao entendimento de que a Educação Inclusiva deve opor-se à uma escola excludente que durante décadas tem dificultado o acesso a diversas pessoas. Por exemplo, a Declaração de Salamanca afirma que “o princípio fundamental da Escola Inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter” (UNESCO, 1994, p. 6). Para Pacheco, Eggertsdóttir e Marinósson (2007, p. 14) “o termo ‘Educação Inclusiva’ cobre variadas tentativas de atender à diversidade total das necessidades educacionais dos alunos nas escolas”. Stainback e Stainback, (1999, p. 21) acreditam ainda que Em um sentido mais amplo, o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independente do seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas ou salas de aula provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas. 30 Pujòlas (2004) caracteriza o que seria a Escola Inclusiva ou modelo de Educação Inclusiva, como sendo uma escola que vem exatamente ao encontro do princípio de educação para todos, por se tratar de uma proposta no qual o principal objetivo é o desenvolvimento da potencialidade de cada um e de todos os alunos. Nessa concepção, o ensino dos conteúdos não é um fim em si mesmo, mas é o meio pelo qual se promove o desenvolvimento pessoal e social de cada aluno e de todos. O autor defende que a Educação Inclusiva, é mais do que um perfil de escola, é na verdade uma forma de viver, uma filosofia de educação que, ao mesmo tempo educa e instrui. A Escola Inclusiva tem como princípios fundamentais a diversidade e a heterogeneidade, afinal ambas consistem em terreno fértil para a criatividade e o novo. Todos os grandes avanços da sociedade em campos como as artes, as línguas, as ciências e a política só se deram no contato com o diferente, por meio da mescla de ideias (PUJÒLAS, 2004). Assim, a Escola Inclusiva, por intermédio da diversidade, permite a cada aluno desenvolver ao máximo de suas potencialidades. O êxito ou a qualidade da educação são medidas pelo quanto cada aluno aprendeu e se desenvolveu (PUJÒLAS, 2004). Segundo o autor, os métodos mais eficazes para a Escola Inclusiva são justamente aqueles que possibilitam que cada aluno aprenda mais e junto com o outro, de forma que se possa formar cidadãos tolerantes, cooperativos, respeitosos, livres, críticos e responsáveis. Contudo, não é possível formar cidadãos tolerantes e respeitosos se eles não conviverem com o diferente, não é possível formar cidadãos cooperativos e responsáveis se eles tiverem que competir entre si. Isso reforça o quanto a heterogeneidade e a diversidade são fundamentais no processo de Educação Inclusiva, e o quanto esse modelo de educação é o que melhor atende a premissa de educação para todos. Nesse sentido, “no âmbito da educação, passou-se a defender um único sistema educacional de qualidade para todos os alunos, com ou sem deficiência”. (MENDES, 2006, p. 393). Em oposição ao modelo de Escola Inclusiva, Pujòlas (2004) considera que está a escola de acesso restrito que apresenta uma configuração bastante homogênea, em que apenas alguns tem o direito de estudar e aprender. Para atender à demanda desse modelo de escola, os métodos tradicionalmente usados preocupam-se em ensinar cada vez um número maior de conteúdos, baseados na memorização e no ensino enciclopédico. O autor chama esse modelo de escola, em que predomina a ideia de homogeneidade das turmas, de escola seletiva, pois nelas os alunos considerados diferentes não têm espaço. Nesse contexto, entende-se por diferente todo aluno que foge aos padrões socialmente estabelecidos 31 de normalidade e não se encaixa no modelo de aluno ideal capaz de aprender da única forma usada para ensinar, o conteúdo enciclopédico acumulado. Ainda segundo ele, o sucesso desse modelo de ensino é medido pela quantidade de alunos que atingem uma meta pré-estabelecida, ou seja, traça-se um perfil ideal de aluno, uma meta pautada na retenção de conteúdos conceituais e se considera mau aluno todo aquele que não atinge a meta. Na escola seletiva não há lugar para todos. Apenas os mais aptos, dentro dessa perspectiva, alcançarão o sucesso. Os demais serão paulatinamente excluídos do processo de ensino e aprendizagem. São características da escola seletiva a competitividade, a ênfase no saber enciclopédico, a avaliação classificatória, a homogeneidade dos alunos, a exclusão dos ‘menos capazes’, a preocupação com métodos de ensino que permitam ensinar mais conteúdos e a aversão à diversidade, entendida por esse ponto de vista, como um empecilho ao ensino de qualidade (PUJÒLAS, 2004). Esse novo cenário educacional, no qual a diversidade está cada vez mais presente, permite-nos refletir sobre a ineficiência de uma perspectiva educacional pautada na homogeneidade dentro da escola, e nos leva a buscar novas formas de avançar de maneira efetiva na construção de uma Escola Inclusiva, permitindo que alunos diferentes possam aprender juntos. Uma vez que a escola seletiva produz a exclusão de muitos alunos, ainda que estejam incluídos no espaço escolar, podemos concluir que frente à realidade educacional atual, ela precisa ser superada. 1.3 A Escola Inclusiva na realidade educacional brasileira Se observarmos a legislação brasileira no tocante à educação, bem como alguns slogans utilizados pelo Governo Federal nessa última década como “Brasil: pátria educadora” ou “Educação para todos” podemos afirmar com certeza de que nosso país vem caminhando na construção de escolas inclusivas e tentando superar os abismos da exclusão que durante tantos anos permearam o ambiente escolar. No inciso I do artigo 206 da Constituição Federal de 1988 encontra-se um dos primeiros indícios da tentativa de garantir uma educação para todos por meio da legislação. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas [...] (BRASIL, 1988). 32 Essa preocupação também aparece na Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), em seus incisos I e XII do artigo 3º ao retomar a ideia de que o ensino deverá garantir igualdade de condições para acesso e permanência na escola bem como considerar a diversidade étnico-racial (BRASIL, 1996). Outros documentos oficiais emitidos pelo MEC também apontam para o mesmo caminho, são eles a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008, o Relatório Educação para todos no Brasil 2000-2015 publicado em sua versão preliminar em junho de 2014 e ainda em construção e A Consolidação da Inclusão Escolar no Brasil 2003-2016 de 2016. Esse último documento traz um levantamento do número de matrículas de pessoas com deficiência nas classes comuns e nas classes especiais4, considerando o aumento dessas matrículas nas salas comuns e a diminuição nas salas especiais como um indicativo de efetivação e sucesso da Escola Inclusiva. Todos esses documentos demonstram que, no tocante à legislação, o Brasil tem conseguido garantir que a educação seja um direito de todos. Cury (2012) nos atenta, no entanto, para o fato de que um direito reconhecido pela legislação não é necessariamente um direito garantido e que a realidade e as contradições sociais chocam-se muitas vezes com os textos legais. Nesse sentido, buscamos refletir, a partir de pesquisas publicadas na área, sobre como essa educação para todos tem chegado à sala de aula e como de fato a Escola Inclusiva tem se efetivado na prática escolar cotidiana. A primeira pesquisa analisada é o artigo de Capellini e Rodrigues (2009) no qual as autoras identificaram o que os professores das salas de aula regulares pensam ser os maiores dificultadores do processo de inclusão escolar. O estudo envolve 423 professores das redes públicas e particulares que foram convidados a participar da pesquisa em momentos iniciais de formação continuada oferecida pela Diretoria de Ensino da região na qual esses professores estavam vinculados. Os principais problemas apontados pelos docentes estavam relacionados à escola e ao próprio trabalho do professor. Entre os problemas relacionados à escola as autoras destacam o número excessivo de alunos por sala, a falta de equipe técnica e de apoio ao professor da sala regular, a falta de materiais adequados, as barreiras arquitetônicas, o descompromisso da equipe 4 Segundo o Decreto 7.611/11 a Educação Regular compreende a classe comum, na qual todos os alunos estudam juntos, a classe especial na escola regular e as escolas especiais ou especializadas, sendo essas últimas destinadas aos alunos com deficiência. 33 escolar e falta de planejamento. Com relação aos problemas relacionados aos professores, os mais apontados foram a formação deficitária, tanto inicial quanto continuada e as práticas pedagógicas inadequadas para o trabalho com a diversidade. Silveira, Enumo e Rosa (2012), em um estudo de revisão de literatura no período de 2000 a 2010 sobre a concepção dos professores acerca da inclusão escolar apontam que a falta de apoio da equipe especializada ao trabalho do professor da sala comum, a capacitação insuficiente desse professor e sua concepção inadequada do que é o processo de inclusão escolar são os principais entraves para efetivação de uma escola para todos. De acordo com os levantamentos bibliográficos feitos pelas autoras, diversos estudos mostram que a política inclusiva não se efetiva na prática e os alunos não são atendidos de forma a ter suas necessidades respeitadas por metodologias didático-pedagógicas adequadas. As autoras ainda afirmam que, por meio dos estudos analisados, foi possível observar que, no caso da inclusão das pessoas público alvo da EE, tanto as dificuldades de aprendizagem como as altas habilidades são compreendidas pelos professores como características inerentes ao aluno. Essa concepção, na visão das autoras, desconsidera o contexto sociocultural e o próprio aluno como sujeito ativo em seu processo aprendizagem. Maturana (2016) em seu estudo sobre a inclusão da pessoa com deficiência intelectual apresenta um levantamento de trabalhos que analisaram a efetivação da Educação Inclusiva nos anos de 2010 à 2014 e a partir dos dados encontrados identificou uma realidade educacional bem distante da Escola Inclusiva pretendida pelo MEC. Alguns trabalhos apontam que em muitas escolas brasileiras a educação tradicional, pautada em uma visão homogênea da turma de alunos, ainda é a mais utilizada, a principal razão apontada é a falta de conhecimento e preparo dos professores com relação às práticas pedagógicas alternativas. Outros trabalhos analisados pela autora indicam que a formação inicial e continuada dos professores brasileiros não tem sido adequada para prepará-los para o trabalho com a diversidade dentro da sala de aula. O que corrobora com os resultados apresentados pelos estudos de Capellini e Rodrigues (2009) e de Silveira, Enumo e Rosa (2012). Os professores público alvo das pesquisas não têm conseguido compreender a abrangência da sua atuação seja nas salas de aula comuns ou nas salas de recurso multifuncionais5 destinadas ao atendimento complementar do público alvo da EE. 5 De acordo com o Decreto 7.611/11 as salas de recurso multifuncionais são ambientes dotados da infraestrutura necessária à oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) para as pessoas com deficiência, as quais deverão estar matriculadas na referida sala no contraturno da sala comum. 34 Maturana (2016) levanta alguns problemas frequentes na realidade educacional brasileira que levam a prática cotidiana a se distanciar daquilo que se denomina Escola Inclusiva. Dentre os problemas identificados pela pesquisa, podemos destacar uma visão estratificada das deficiências; a falta de articulação entre o professor da sala de aula comum e o professor especializado em EE; a falta de compreensão por parte do professor da sala comum com relação à sua responsabilidade na promoção do desenvolvimento dos alunos da EE; as práticas educacionais pautadas na ideia de normalização da pessoa com deficiência para adequá-la a sala de aula comum; a falta de recursos humanos, pedagógicos e materiais e práticas escolares pautadas na perspectiva médica, sendo a deficiência, considerada nessa perspectiva, uma doença. Muitos desses problemas identificados estão relacionados a uma visão inadequada do que é inclusão escolar e à tentativa de se transformar uma realidade por meio de leis e não de ações. Nesse sentido, a construção de uma Escola Inclusiva pressupõe uma reformulação não só nas leis, mas nas bases da educação brasileira, em seus métodos, seus currículos, sua filosofia e em suas condições objetivas. Essa reformulação deve ser responsável por transformar toda a estrutura escolar de maneira contundente. Segundo Kupfer e Petri (2000, p. 112): [...] a reformulação da escola, para poder incluir os excluídos, precisa de uma revolução que a ponha do avesso em sua razão de existir, em seu ideário político- pedagógico. É necessário muito mais do que uma reformulação do espaço, do conteúdo programático ou dos ritmos de aprendizagem ou de uma maior preparação do professor. Essa tentativa de modificar apenas alguns poucos aspectos da escola tradicional para se construir uma Escola Inclusiva tem produzido um processo de exclusão dentro da própria escola. Os estudos de Campos (2012) demonstraram que a presença física de alunos que historicamente foram excluídos do processo de escolarização na escola não tem garantido a participação deles nas atividades educativas e, portanto, não tem possibilitado de maneira efetiva seu desenvolvimento, fazendo com que a Escola Inclusiva de fato ocorra muito mais no papel do que na prática. Dessa realidade emergem várias necessidades, dentre as quais, a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas que se pautem no respeito à diversidade e possibilitem que cada aluno possa desenvolver com eficácia suas potencialidades. Nessa perspectiva está a AC, metodologia utilizada para nortear a intervenção dessa pesquisa e que será apresentada no próximo capítulo. 35 2. APRENDIZAGEM COOPERATIVA A Aprendizagem Cooperativa (AC) caracteriza-se pelo uso de atividades cooperativas em grupos heterogêneos. É uma opção para quem procura superar a metodologia tradicional, que nivela os alunos e homogeneíza o ensino com base em uma falsa ideia de que os alunos aprendem todos da mesma forma e ao mesmo tempo. Não há na literatura um consenso sobre a diferença entre os termos Aprendizagem Cooperativa e Aprendizagem Colaborativa. Alguns autores, segundo Torres, Alcântara e Irala (2004) aproximam ambos os termos, inclusive conceituando-os como sinônimos, porém, a revisão bibliográfica realizada por esses pesquisadores constatou que “cada um deles, ao longo dos anos, desenvolveu distinções próprias e diferentes práticas em sala de aula”. (TORRES; ALCÂNTARA; IRALA, 2004, p. 3). A principal diferença entre os termos, está na forma como as tarefas são organizadas. A Aprendizagem Cooperativa, caracteriza-se por um trabalho mais sistemático, envolve um conjunto de técnicas e procedimentos que promovem a interação e cooperação entre os membros do grupo. Enquanto que a Aprendizagem Colaborativa é definida por Panitz (1996) como sendo muito mais uma filosofia de interação, um estilo de vida que pode ser aplicado a qualquer contexto social do que uma técnica a ser utilizada em sala de aula. Dessa forma, nesse capítulo, apresentamos o conceito de AC, bem como os princípios e características que fazem dela uma metodologia. Contamos ainda de que forma a ideia de cooperação, presente em diferentes contextos de ensino, foi tomando forma ao longo dos anos até se tornar um método, como é conhecido hoje, e como a AC vem sendo usada no contexto educacional brasileiro de acordo com os trabalhos produzidos. 2.1. Histórico, conceito e princípios Coll et al. (2000) afirmam que a educação escolar tem por objetivo oferecer aos seus alunos a oportunidade de participação em atividades educativas planejadas, a fim de que eles se desenvolvam e se apropriem dos saberes historicamente construídos e culturalmente organizados. Conhecimentos que são de fundamental importância para o desenvolvimento e socialização desses alunos, e que não podem ser assimilados apenas pela participação nas atividades cotidianas. 36 Esses saberes são aprendidos pelos alunos por meio do trabalho com os conteúdos curriculares que, na perspectiva adotada por Coll et al. (2000), estão divididos em conteúdos conceituais, conteúdos atitudinais e conteúdos procedimentais. A AC é uma metodologia de trabalho em grupo que tem como objetivo o ensino sistemático desses três tipos de conteúdo, tendo como um de seus princípios básicos o ensino de conteúdos atitudinais ou, na perspectiva de autores como Reis (2011), o ensino de competências sociais. Para ele as competências sociais não são aprendidas de maneira espontânea, mas devem ser ensinadas de maneira sistemática e explícita no contexto de atividades de AC (REIS, 2011). Podemos considerar duas grandes linhas de pensamento sobre a AC presentes na Europa. A primeira delas se refere à aprendizagem para cooperar como uma meta educativa, em que o trabalho em grupo é um fim em si mesmo. Nessa perspectiva, mais utilizada na Grã- Bretanha, põe-se ênfase especial no treino de competências sociais como a cognição social (OVEJERO, 1990). Slavin (1995) acredita que a cooperação é um conteúdo que se deva ser ensinado na escola. Segundo ele, por meio do trabalho em pequenos grupos heterogêneos, os alunos devem aprender a trabalhar juntos e cooperativamente desenvolver as competências sociais necessárias para tal trabalho. A segunda linha de pensamento, especialmente difundida por parte da chamada Escola de Genebra, refere-se à aprendizagem por meio da cooperação. Assim, as atividades em grupo são um meio mais eficaz para o ensino de conteúdos conceituais e procedimentais, e a aprendizagem dos conteúdos atitudinais ou das competências sociais é uma consequência desse trabalho. Lopes e Silva (2009) consideram que a AC é uma estratégia de ensino baseada em grupo cujo objetivo visa maximizar a aprendizagem de todos os alunos do grupo através da cooperação entre eles. Embora o trabalho em grupo não seja novidade para os professores, o diferencial da AC é o fato de, por meio de um planejamento de ações e de variáveis, ser possível proporcionar uma experiência de interação capaz de desenvolver competências sociais inerentes ao trabalho cooperativo, como a responsabilidade individual e a cooperação. Além disso, essa metodologia permite ao professor oferecer maior autonomia intelectual e iguais oportunidades de aprendizagem a todos os seus alunos (LOPES; SILVA, 2009). 37 Os trabalhos em grupos tradicionalmente utilizados na sala de aula, podem apresentar alguns problemas, os quais a AC tenta evitar, maximizando dessa forma a aprendizagem dos três tipos de conteúdo. Em geral o objetivo do trabalho em grupo na perspectiva tradicional é que os alunos apresentem um único produto, seja um trabalho escrito ou uma apresentação sobre um conteúdo que deveria ser estudado pelos membros do grupo. O primeiro problema nessa forma de organização é que, como os agrupamentos normalmente são formados pelos próprios alunos, eles acabam se organizando por afinidade ou amizade. Assim, há pouca ou nenhuma interação com outros alunos, o que poderia potencializar a aprendizagem. Além disso, alunos que normalmente são excluídos do contexto social da turma permanecem excluídos nesses agrupamentos. Dessa forma, esses alunos não se encaixam em nenhum grupo, ou não interagem dentro do grupo em que estão. Outro problema comum, é que o professor não tem controle de quais membros do grupo realmente se dedicam e participam. Em geral, nem todos os alunos participam ativamente do desenvolvimento do trabalho, ficando esse a cargo de um ou poucos alunos mais interessados ou com mais facilidade no conteúdo trabalhado (SLAVIN, 1999). Essa forma de organização não altera a perspectiva do ensino tradicional, no qual apenas alguns alunos participam da aula e se apropriam dos conteúdos propostos, enquanto outros permanecem excluídos do processo de ensino-aprendizagem. Ademais, comumente no trabalho em grupo desenvolvido sem o respaldo da AC, os alunos continuam trabalhando individualmente e ao término juntam seus resultados individuais em um produto final, gerando uma aprendizagem fragmentada e incompleta (SLAVIN, 1999). Portanto, essa forma de organização dos grupos tem pouco impacto na aprendizagem de habilidades ou competências e não altera a organização tradicional das aulas, no qual o professor detém o controle da aula e da totalidade do conteúdo. Se o trabalho com equipes cooperativas for bem planejado, muitos desses problemas podem ser superados. O trabalho com equipes cooperativas baseia-se no uso sistemático do trabalho em grupo dentro da sala de aula. Dessa forma, a turma de alunos é dividida em grupos heterogêneos menores, sendo que, cada aluno torna-se responsável pela sua própria aprendizagem e pela aprendizagem de cada membro de sua equipe. Na AC os alunos trabalham juntos para atingir um objetivo comum, de tal forma que esse objetivo não pode ser alcançado sem que haja a participação de todos (JOHNSON; JOHNSON; SMITH, 1998; LOPES; SILVA, 2009; REIS, 2011). Nesse caso, o objetivo não se trata apenas da aprendizagem de determinado conceito ou conteúdo, mas principalmente, da 38 efetiva aprendizagem dos membros do grupo. Cada membro do grupo tem a possibilidade de oferecer aquilo que tem para alcançar o objetivo da atividade, bem como ser ajudado naquilo que ainda precisa para alcançá-lo. Essa organização altera significativamente o papel do professor em sala de aula, que deixa de controlar sozinho todo o processo de ensino-aprendizagem e passa a partilhar com os alunos a organização da aula, possibilitando maior autonomia e protagonismo em sua aprendizagem. Ao partilhar com os alunos o controle da aula, a aprendizagem cooperativa permite e exige que o professor realize novas atividades, além das que habitualmente aplica em outras formas de aprendizagem (explicar, perguntar e avaliar) que, por si mesmas, melhoram sua interação com os alunos e a qualidade pedagógica, tornando-se imprescindíveis em contextos heterogêneos [...] (DÍAZ-AGUADO, 2000, p. 143). Nessa perspectiva, cabe ao professor em primeiro lugar distribuir os alunos em grupos para garantir a heterogeneidade e, para isso, é preciso que ele os conheça bem. No momento de determinar que alunos integrarão cada grupo, nas distintas formas de agrupamento, o critério que menos se deve ter em mente é a homogeneidade (colocar em um mesmo grupo alunos com as mesmas ou similares competências). Pelo contrário, a heterogeneidade dos diferentes agrupamentos – a diversidade dos membros de um mesmo grupo – é vista como uma fonte de novos conhecimentos e um estímulo para a aprendizagem (PUJÒLAS, 2003, p. 3 – tradução nossa). Além disso, o professor, precisa planejar suas ações e definir previamente os objetivos de sua aula: que conceito ou conteúdo ele espera que seus alunos aprendam e qual a competência social será ensinada por meio dessa atividade. A explicação de como a atividade será desenvolvida e principalmente de como trabalhar com o método escolhido deve ser bastante clara, principalmente nas primeiras vezes em que a turma estiver trabalhando em grupos dessa forma. Por conseguinte, o papel fundamental do professor é preparar um ambiente propício no qual os alunos possam aprender e se desenvolver. Criado esse ambiente, resta ao docente fomentar a curiosidade, a criatividade e o pensamento investigativo dos estudantes, bem como orientá-los durante seu processo de ensino-aprendizagem. Nesse caso, a responsabilidade sobre a aprendizagem é dividida entre os alunos e professor. Os trabalhos com grupos cooperativos, dessa forma, são capazes de minimizar os problemas apresentados pelos trabalhos com grupos tradicionais, além de possibilitar a aprendizagem de todos os alunos da turma, independentemente de suas características individuais. 39 As metodologias tradicionalmente utilizadas nas salas de aula, em geral pautam-se em duas formas de organização social das atividades, a organização competitiva e a organização individual (COLL, 1984). Segundo Coll (1984) na organização competitiva das atividades os objetivos de aprendizagem dos alunos de um mesmo grupo se relacionam de forma excludente. Nessa forma de organização, apenas um aluno pode alcançar o objetivo proposto que é sempre o de ser o primeiro, ou o melhor. O sucesso desse aluno depende inevitavelmente do fracasso dos demais com os quais ele estabelece uma relação de competição. Logo, os resultados positivos de um aluno geram resultados negativos para os demais. Lopes e Silva (2009) reforçam essa ideia ao afirmarem que as atividades competitivas estão baseadas em um princípio de interdependência negativa, em que “o sucesso de um aluno reduz as possibilidades de sucesso dos outros” (LOPES; SILVA, 2009, p. 16). Com relação à organização individual das atividades de sala de aula, na qual não há relação entre os objetivos que se propõe alcançar cada aluno, e cada aluno pode contar apenas com suas aptidões e esforços, Coll (1984) afirma que o fato de um aluno alcançar seus objetivos não influencia nem positiva e nem negativamente sobre o sucesso dos outros alunos da turma. A essa perspectiva Lopes e Silva (2009) denominam de independência e Johnson, Johnson e Smith (1998) referem-se a ela como o mito do gênio individual. Johnson, Johnson e Smith (1998) afirmam que a organização cooperativa das atividades é superior às atividades baseadas na competição e no individualismo em diversos aspectos como, por exemplo, no desempenho acadêmico, no relacionamento interpessoal e no desenvolvimento cognitivo e psicológico. Apresentam também mais de 100 trabalhos nos EUA que demonstram essa eficácia. Para Slavin (1999), a AC oferece ainda muitos outros benefícios com relação às metodologias pautadas na competição e na individualidade. Entre esses benefícios destaca: o aumento do sucesso acadêmico dos alunos, a melhora de suas relações interpessoais e de sua autoestima, além de uma melhor aceitação de alunos com dificuldades de aprendizagem pelos demais estudantes da turma. Monereo e Gisbert (2005) endossam essas afirmações ao dizerem que essa metodologia é capaz de transformar a heterogeneidade, muitas vezes vista como um empecilho ao ensino, em um elemento positivo, que promove e facilita a aprendizagem. Alguns desses autores citados consideram que ainda há outras perspectivas teóricas que podem explicar a eficácia obtida pelo uso da AC em sala de aula. 40 A primeira delas, conhecida como perspectiva motivacional, defende que os alunos se sentem motivados a se esforçarem para aprender e para ajudar os demais membros do grupo, já que o sucesso do grupo depende da aprendizagem de todos. Essa perspectiva relaciona-se com a teoria da interdependência social que segundo Johnson, Johnson e Smith (1998) foi formulada nos anos 1940 por Morton Deutsch. A premissa básica da teoria da interdependência social é que o modo como a interdependência social é estruturada determina o modo como os indivíduos interagem, que, por sua vez, determina os resultados. A interdependência positiva (cooperação) resulta em interação promotora visto que os indivíduos estimulam e facilitam os esforços mútuos para se aprender (JOHNSON; JOHNSON; SMITH, 1998, p. 4). A segunda perspectiva teórica é a cognitiva. Nessa concepção, as interações entre os alunos em grupos cooperativos promovem a aprendizagem deles a partir do desenvolvimento de seus processos mentais. Os autores subdividem a perspectiva cognitiva em perspectiva de desenvolvimento, que se refere aos estudos de Vygotsky e Piaget: Jean Piaget ensinou que, quando os indivíduos cooperam quanto ao ambiente, um conflito sócio-cognitivo saudável ocorre, o qual cria um desequilíbrio cognitivo que, por sua vez, estimula a habilidade para se posicionar em perspectiva bem como estimula o desenvolvimento cognitivo. Lev Vygostsky acreditava que os esforços cooperativos para se aprender, entender e resolver problemas são essenciais para construir o conhecimento e transformar perspectivas conjuntas em funcionamento mental interno. Para ambos, Piaget e Vygotsky, trabalhar de modo cooperativo com parceiros e instrutores mais capazes resulta em desenvolvimento cognitivo e em crescimento intelectual (JOHNSON; JOHNSON; SMITH, 1998, p. 4). E perspectiva de elaboração que pauta-se nas investigações da área da psicologia cognitiva, que sustenta o facto de que as informações retidas na memória estão relacionadas com outras anteriormente retidas. Então, entende-se que, para aprender, o sujeito deve estar envolvido em algum tipo de reestruturação cognitiva ou elaboração. Um dos meios mais eficazes de elaborar [...] é através da explicação do material que está a ser elaborado para alguém. Desta forma, o aluno que apresenta a explicação aprende muito mais do que num estudo solitário (LOPES; SILVA, 2009, p. 5-6). Por fim, há a perspectiva da coesão social, que acontece quando um grupo coeso de alunos ajuda-se mutuamente porque todos desejam o sucesso e se unem em torno de um objetivo comum. Autores como Lopes e Silva (2009), Slavin (1999) e Johnson, Johnson e Smith (1998), demonstram em seus trabalhos que a AC é um termo relativamente novo. Segundo Slavin (1995), a utilização dessa metodologia com todos os princípios e técnicas sistemáticas 41 atualmente definidos tem ganhado destaque em alguns países do mundo a partir do final do século XIX. Cabe perceber, no entanto, que aplicações menos sistemáticas e menções aos conceitos de cooperação e colaboração já existiam em diversos contextos antes desse momento. Lopes e Silva (2009) relatam que no século II a.C já encontram-se princípios da AC no livro do Eclesiastes na Bíblia e no Talude (compilação da Torá), assim como nos diferentes períodos da história com pensadores, filósofos e escritores, tais como Sócrates, Quintiliano, Séneca, Comenius e os artesãos da Idade Média, que se utilizavam da colaboração no processo de ensino-aprendizagem em seus ensinamentos. Os princípios dessa metodologia difundiram-se pelo mundo de diversas formas. Na Inglaterra, segundo os mesmos autores, os pedagogos Andrew Bell e Joseph Lancaster, publicaram no século XVIII obras enaltecendo técnicas de ensino em grupo baseadas na colaboração, que foram chamadas de Método de Ensino Recíproco ou Mútuo. Em Portugal foi dentro das escolas militares, com objetivo de alfabetizar os soldados, que essa proposta espalhou-se depois de ser adaptada por João Crisóstomo de Couto e Melo. Mais tarde foram criadas as primeiras escolas normais de Ensino Mútuo no país e esse método passou a ser utilizado nas escolas públicas, embora não mais em sua forma pura e original, em consequência das inúmeras adaptações que sofreu. Nos Estados Unidos esse método se difundiu a partir da fundação de uma escola, no início do século XIX, denominada Escola Lancasteriana. A fundação dessa escola foi responsável por tornar o Ensino Mútuo conhecido em vários países do Continente Americano. O filósofo e pedagogo norte americano John Dewey destacou, no final do século XIX, a importância social da cooperação, visto que oferece a formação de hábitos e habilidades necessárias para além da vida escolar. Contudo, foi Willian Heard Kilpatrick, unindo os princípios da AC e da Pedagogia de projetos que difundiu essas ideias, reforçando a necessidade do aluno aprender a viver em sociedade (BIN, 2012; KNOLL, 1996; 1997). Segundo Johnson, Johnson e Smith (1998) a AC dominou a educação norte-americana nas últimas três décadas do século XIX, mas perdeu forças no início do século XX. Para alguns autores como Lopes e Silva (2009) e Ovejero (1990), o uso dessa metodologia perdeu espaço para metodologias competitivas e individualistas como consequência da grave crise econômica enfrentada por aquele país na década de 1930. Diversos interesses comerciais começaram a surgir e influenciaram no uso de técnicas competitivas, quase que totalmente. O uso da AC declinou de tal forma, que a competição passou a ser incorporada inclusive na formação de professores. Lopes e Silva (2009), baseando-se nos trabalhos de Morton 42 Deutsch, Muzafer Sherif e Stuart Cook da década de 1960, destacam que no referido período as metodologias pautadas na competição e no individualismo ocupavam até 95% do tempo nas escolas norte-americanas. Todavia, alguns pesquisadores como Johnson e Johnson (1975) e Aronson et al (1978) continuaram publicando seus trabalhos com foco na AC e, em meados da década de 1970, o interesse por essa metodologia voltou a crescer. O que não é estranho, pois: [...] a capacidade para trabalhar cooperativamente tornou-se um dos fatores que mais contribuíram para a sobrevivência da nossa espécie. Ao longo da história humana, os indivíduos que organizavam e coordenavam os seus esforços para alcançar uma meta comum, foram os que tiveram maior êxito em praticamente toda a empresa humana (JOHNSON; JOHNSON, 1990, p.23). De acordo com Slavin (1995), na Alemanha, em 1927, foi inaugurada a escola Jenaplan, idealizada por Peter Peterson. Era uma escola que organizava os estudantes em grupos de estudo de acordo com os níveis de rendimento, nos quais os alunos se autoavaliavam para passar de um nível para outro. Na França, estudiosos como Roger Cousinet, Antonio Sérgio, M. Profit e Célestin Freinet utilizaram-se da metodologia cooperativa contribuindo para o surgimento das Cooperativas Escolares, que visavam unir a escola com a vida social (LOPES; SILVA, 2009). Os Estados Unidos era o país onde mais se utilizava a AC na década de 1990. E nesse mesmo período ela estava sendo implementada em escolas de diferentes países do mundo com destaque para Israel, Canadá e Austrália, seguindo os moldes norte-americanos (SLAVIN, 1995). Atualmente, além dos países já citados, é possível encontrar trabalhos acadêmicos que relatam o uso da AC em países como Argentina, Chile, Colômbia, México e Espanha. Embora a AC tenha sofrido algumas adaptações nos diferentes países e nas diferentes realidades na qual foi colocada em prática, autores como Johnson, Johnson, Smith (1998), Lopes e Silva (2009) e Reis (2011) apontam cinco princípios básicos que devem existir em um trabalho pedagógico para que ele seja considerado cooperativo. São essas características que irão diferenciar um trabalho em grupo, no qual os alunos apenas somam suas partes, de um trabalho com equipes cooperativas. A primeira característica chamada de interdependência positiva é a característica que irá diferenciar um trabalho pedagógico cooperativo de um trabalho competitivo ou individualista. Como apontam Lopes e Silva (2009), a interdependência positiva acontece quando os elementos de um grupo têm consciência de que o sucesso do grupo depende do sucesso de cada um dos seus membros. 43 Em atividades competitivas a lógica de dependência dos alunos é justamente a oposta: há interdependência negativa. Nessa situação o sucesso de um membro de um grupo depende do fracasso de todos os demais, pois só há lugar para um vencedor (LOPES; SILVA, 2009). A literatura (LOPES; SILVA, 2009; OVEJERO, 1990; REIS, 2011; SLAVIN, 1999) apresenta diversas estratégias para garantir que a interdependência positiva aconteça. Algumas delas estão relacionadas à atribuição de papéis ou funções para cada membro do grupo, de maneira que o objetivo que o grupo almeja só possa ser alcançado se cada membro cumprir com responsabilidade seu papel. Os papéis ou funções podem ser tanto de ordem executiva, na qual cada aluno tem um papel na execução do trabalho como fazer as leituras, servir de escriba, fazer desenhos ou esquemas para o grupo ou colori-los, quanto de ordem organizativa na qual os alunos assumem funções que regulam e organizam o trabalho em grupo como controlar o tom de voz da equipe, verificar se todos compreenderam os conceitos, garantir que o trabalho aconteça dentro do tempo previsto ou mediar conflitos. Nesse aspecto, verificamos a segunda característica da AC, a responsabilidade individual e do grupo, em que cada membro tem noção clara da responsabilidade de suas ações sobre o sucesso ou fracasso do grupo. Essa responsabilidade pode ser desenvolvida por meio de atividades planejadas, sendo considerada um dos conteúdos atitudinais, ou competências sociais a ser aprendido. Para garantir essa característica nas atividades em grupo, o professor precisa levar o aluno a perceber o quanto suas ações contribuíram ou não para o resultado final do trabalho. Uma das estratégias sugeridas por autores como Reis (2011) é a forma como podem ser organizadas as avaliações. Dessa forma, os alunos estudam juntos, mas são avaliados individualmente e a nota final de cada membro pode ser a média aritmética das notas de todos os membros do grupo. Essa estratégia é mais uma que favorece a interdependência positiva. A terceira característica é a interação face-a-face ou interação facilitadora. Ela acontece quando os alunos interagem com seus pares de forma a facilitar o trabalho do outro. Para atender a essa característica é necessário que os alunos trabalhem em grupos pequenos nos quais possam se conhecer, facilitando e encorajando o trabalho uns dos outros. Essa interação facilitadora pode ser melhor trabalhada com dinâmicas que permitam aos alunos aproximar-se dos demais membros do grupo de forma a garantir a coesão da equipe e o respeito mútuo pelas características individuais de cada membro. Alguns autores como Reis (2011) e Lopes e Silva (2009) consideram que um grupo eficaz de AC tem em média quatro alunos. Esses grupos podem ser esporádicos, utilizados por 44 um curto período de tempo, como uma aula, uma atividade ou até alguns minutos e indicado para os trabalhos iniciais com a metodologia. E podem ser ainda grupos de base, considerados de longa duração nos quais os alunos tem oportunidade de conhecer melhor os parceiros de grupo potencializando o desenvolvimento de competências sociais e o trabalho eficaz no grupo. Reis (2011) considera além disso que um grupo de base pode se tornar cada vez mais eficaz com o passar dos anos, se tornando o que ele chama de um grupo de alto desempenho, no qual as potencialidades da AC chegam a seu ápice e os alunos apresentam um nível bastante elevado de autonomia e desenvolvimento das principais competências sociais necessárias ao trabalho em grupo. O ensino de competências sociais, quarta característica, é um dos pilares da metodologia. Ele se baseia no ensino sistemático de competências que são necessárias para um trabalho cooperativo como respeitar opiniões diferentes, expressar claramente suas ideias, encorajar o trabalho do outro, ter responsabilidade e saber ouvir. Essas competências são consideradas objetivos de aprendizagem e devem ser levadas em consideração pelo professor no momento de seu planejamento. O desenvolvimento dessas competências não é espontâneo, por essa razão o professor deve garantir que o aluno compreenda a competência que precisa desenvolver, como desenvolvê-la e tenha oportunida