UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS CAMPUS BAURU AMANDA NOVELLI Análise da contaminação por microplásticos no siri Callinectes ornatus em Santos, litoral paulista: Avaliação e Impactos Ambientais BAURU 2024 AMANDA NOVELLI Análise da contaminação por microplásticos no siri Callinectes ornatus em Santos, litoral paulista: Avaliação e Impactos Ambientais Orientadora: Drª. Daphine Ramiro Herrera Supervisor: Prof. Dr. Rogerio Caetano da Costa Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Ciências Biológicas, na Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. BAURU 2024 N938a Novelli, Amanda Análise da contaminação por microplásticos no siri Callinectes ornatus em Santos, litoral paulista: Avaliação e Impactos Ambientais / Amanda Novelli. -- Bauru, 2024 34 p. : tabs., fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, Bauru Orientadora: Daphine Ramiro Herrera 1. Impacto ambiental. 2. Fauna acompanhante. 3. Ecossistema marinho. 4. Fauna bentônica. 5. Poluição plástica. I. Título. AMANDA NOVELLI Análise da contaminação por microplásticos no siri Callinectes ornatus em Santos, litoral paulista: Avaliação e Impactos Ambientais Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Ciências Biológicas, na Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. Comissão Examinadora _________________________________ Drª Daphine Ramiro Herrera Orientadora Faculdade de Ciências – UNESP – Bauru _________________________________ Prof. Dr. Rogério Caetano da Costa Supervisor Faculdade de Ciências – UNESP – Bauru _______________________________ Ms. Ana Paula Freitas dos Santos Examinadora Faculdade de Ciências – UNESP – Bauru BAURU 2024 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, meus guias e anjos de guarda, que sempre me protegeram, guiaram e abriram meus caminhos para chegar aonde estou. Saravá! À minha orientadora Drª Daphine Ramiro Herrera, que ao longo dos últimos anos se tornou uma grande amiga. Você me ensina além da biologia e ecologia de decápodes ou análises e processamento de amostras. Você me ensina e me inspira a viver a vida com leveza, determinação e cabeça erguida sempre, obrigada por tantos aprendizados além da vida acadêmica. Ao Prof. Dr. Rogério Caetano da Costa pela oportunidade de fazer parte da família LabCam e pelo suporte na minha carreira acadêmica. Agradeço também aos meus colegas de laboratório por sempre contribuírem com conhecimento para minha formação tanto pessoal quanto profissional, por prepararem o cafezinho matinal que dá o gás para iniciar os trabalhos e pelas conversas descontraídas que servem como um respiro. Ao projeto temático BIOTA/FAPESP - INTERCRUSTA processo 2018/13685-5, e ao Processo FAPESP 2022/00963-2, pela disponibilização dos recursos e equipamentos utilizados durante a coleta dos dados em campo para análise. Ao Departamento de Ciências Biológicas, FC, UNESP campus Bauru ao qual o LABCAM é vinculado. Agradeço a minha avó, Dona Catharina, que sempre me dizia “estudar nunca é demais, fia”. Sou eternamente grata por ter você em minha vida. À minha mãe Silvana, que sempre me apoiou, mesmo que por vezes discordando das minhas decisões e, com seu exemplo, ter me ensinado a ser forte e lutar pelos meus sonhos. Você foi peça fundamental nessa trajetória. Ao meu pai de coração, Irio, que não me apoiou nem um pouco quando decidi que iria fazer uma segunda graduação. Você sempre me desafiou! E agora sei que está orgulhoso de quem me tornei. À minha irmã Bruna e minha sobrinha Luísa, que assim como eu, são apaixonadas por todas as formas de vida e nunca mediram esforços para me ver feliz e realizada. Ao meu eterno namorado, Daniel, que além de me incentivar diariamente, me apoiar incansavelmente, segurar as barras para eu poder executar tudo que me propus a fazer, me deu o maior presente da existência nessa terra: minha filha Catarina, a qual me fez descobrir um amor incabível, incansável, imedido. Filha, você me trouxe luz, força e alegria nesse viver. Prometo lhe retribuir com tudo isso e mais um pouco. Aos meus filhos felinos, Rita e Guiné, que ao longo de toda a graduação sempre estiveram ao meu lado (ou em cima de mim, do meu computador, dos meus livros) me dando força e muito amor. Agradeço a todos os meus familiares, que cada um de sua forma me incentivaram a seguir meu caminho em direção a realização de um sonho: a graduação em Ciências Biológicas. “Proteger os oceanos é proteger o futuro. Eles são o berço da vida na Terra.” (Jacques Cousteau) RESUMO Com o desenvolvimento da sociedade, novas tecnologias são adotadas visando facilitar o cotidiano da população, estabelecendo diferentes padrões de consumo, sendo o período atual da história humana considerada a era do plástico. Recentemente, houve uma crescente preocupação em relação às partículas microplásticas (MPs), que por apresentarem tamanho diminuto (< 5 mm), encontram- se disponíveis para diversos organismos da cadeia trófica, podendo afetar a saúde da biota marinha. Diante deste cenário, o presente estudo tem como objetivo investigar a presença de MPs no estômago do siri azul Callinectes ornatus da região de Santos, litoral do Estado de São Paulo. A análise dos MPs foi realizada através da digestão dos estômagos dos siris com KOH a 10%, posteriormente separados por densidade (NaCl) e filtrados em fibra de vidro. Foram analisados 20 indivíduos, coletados em dois pontos de amostragem. Os resultados demonstraram a presença de MPs em 100% dos espécimes analisados, totalizando 312 partículas, com tamanho médio de 0,74 mm. A média da concentração de partículas/100g foi de 0,93 MPs/100 g no ponto 1 e 0,43 MPs/100 g no ponto 2. Fibra apareceu como o tipo mais recorrente, seguidos por fragmento. MPs de colorações azuis e pretas foram as mais presentes. A alta abundância de fibras de coloração azul observadas no presente estudo pode estar relacionada com a proximidade do centro urbano e do porto, e também à presença de detritos originados da pesca, considerando que a região de Santos é uma das mais importantes do litoral paulista. Tais resultados nos indicam uma condição considerada alarmante, requerendo aprofundamento de estudos acerca de consequências a longo prazo, tanto para a saúde do ecossistema marinho, como também para a saúde humana, pois espécies de importância comercial também estão expostas aos MPs. Medidas de controle e diretrizes acerca do consumo de polímeros plásticos devem ser realizadas em caráter de urgência para que se possa mitigar os impactos dessa problemática. Palavras-chave: Impacto ambiental. Fauna acompanhante. Ecossistema marinho. Fauna bentônica. Poluição plástica. ABSTRACT With the development of society, new technologies are adopted to facilitate the population's daily life, establishing different consumption patterns, with the current period in human history being considered the plastic era. Recently, there has been a growing concern regarding microplastic particles (MPs), which, due to their small size (< 5 mm), are available to several organisms in the trophic chain and can affect the health of marine biota. Given this scenario, the present study aims to investigate the presence of MPs in the stomach of the blue crab Callinectes ornatus from the Santos region, coastal state of São Paulo. The MPs analysis was carried out by digesting the crab stomachs with 10% KOH, subsequently separated by density (NaCl) and filtered through glass fiber. 20 individuals were analyzed, collected at two sampling points. The results demonstrated the presence of MPs in 100% of the analyzed specimens, totaling 312 particles, with an average size of 0.74 mm. The average concentration of particles/100g was 0.93 MPs/100 g at point 1 and 0.43 MPs/100 g at point 2. Fiber appeared as the most recurrent type, followed by fragment. MPs with blue and black colors were the most present. The high abundance of blue fibers observed in the present study may be related to the proximity of the urban center and the port, and also to the presence of debris originating from fishing, considering that the Santos region is one of the most important on the coast of São Paulo. Such results indicate a condition considered alarming, requiring further studies on long-term consequences, both for the health of the marine ecosystem and for human health, as species of commercial importance are also exposed to MPs. Control measures and guidelines regarding the consumption of plastic polymers must be carried out urgently so that the impacts of this problem can be mitigated. Keywords: Environmental impact. Bycatch. Marine ecosystem. Benthic fauna. Plastic pollution. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 11 2. OBJETIVOS ................................................................................................... 15 2.1. Objetivo geral ................................................................................................. 15 2.2. Objetivos específicos ...................................................................................... 15 3. MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................. 16 3.1. Área de estudo e amostragem ....................................................................... 16 3.2. Análise de microplástico ................................................................................. 17 3.3. Análise estatística ........................................................................................... 18 4. RESULTADOS ............................................................................................... 19 5. DISCUSSÃO .................................................................................................. 24 6. CONCLUSÃO ................................................................................................ 28 7. REFERÊNCIAS .............................................................................................. 29 11 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento da sociedade e a incorporação de novas tecnologias têm contribuído para facilitar o cotidiano humano, consequentemente, novos padrões de consumo são introduzidos, sendo o período atual da história humana considerada a “era do plástico”, ou dos “descartáveis” (Pompêo et al., 2022; Cózar et al., 2014). A revolução industrial representou um marco importante na relação dos seres humanos com os resíduos produzidos, modificando o perfil dos materiais descartados, como vidros, isopor, alumínio, borrachas e, principalmente, plásticos (VALT, 2009). Em 2022, a produção global de plástico foi estimada em aproximadamente 400,3 milhões de toneladas, representando um aumento significativo em comparação com décadas anteriores. Esse crescimento exponencial é preocupante para os ecossistemas marinhos, uma vez que o aumento na produção está diretamente relacionado ao incremento do descarte inadequado de plástico nos oceanos (PlasticEurope, 2023). Na década de 1970, foram relatados os primeiros registros de polímeros plásticos no ambiente marinho, pouco mais de 40 anos depois, em 2017, estimava-se aproximadamente 150 milhões de toneladas de plásticos nos oceanos, e anualmente entram cerca de 8 milhões de toneladas (Pompêo et al., 2022; Guimarães et al., 2020). Esse aumento está diretamente associado a diversas atividades antropogênicas, incluindo a ocupação de áreas costeiras, o turismo, a exploração de petróleo e gás natural, como também a atividade pesqueira (Abreu et al., 2017). Plásticos são materiais poliméricos sintéticos que apresentam grande versatilidade em cores, formas e tamanhos como também alta durabilidade, baixo custo de produção, além da praticidade de uso, alcançando cada vez mais visibilidade e preferência, tanto dos produtores, quanto dos consumidores (Yi et al., 2022; Montagner et al., 2021). Estudos recentes demonstram que aproximadamente 79% do plástico produzido é destinado a aterros sanitários ou descartado de forma inadequada, 12% incinerado e apenas 9% é destinado à reciclagem (Tekman et al., 2022). Nesse contexto, a poluição ambiental por plástico tem se tornado um problema de grande 12 relevância socioambiental, uma vez que seu descarte incorreto acarreta graves consequências aos ecossistemas (Montagner et al., 2021). Os grandes detritos plásticos, definidos como macroplásticos, têm sido alvo de investigações científicas por cerca de 50 anos, visto que seu acúmulo no ambiente marinho acarreta significativo impacto ambiental, como lesões e mortalidades da fauna marinha por emaranhamento e ingestão de plástico, além de prejuízos econômicos relacionados a danos em equipamentos e embarcações (Cole et al., 2011). Com o aumento correspondente na quantidade de pesquisas relacionadas às partículas plásticas, surgiu nos últimos anos uma crescente preocupação científica e social em relação às consequências ambientais e biológicas das micropartículas, denominadas microplásticos (MPs) (Hartmann et al., 2019). Os MPs são definidos como partículas plásticas com tamanho inferior a 5 milímetros e podem ser categorizados de acordo com sua origem. Quando produzidos intencionalmente para uso comercial, como em cosméticos, produtos de higiene pessoal, ou microfibras provenientes da indústria têxtil, são denominados MPs primários. Em contrapartida, microplásticos secundários são aqueles resultantes de processos de desintegração e degradação de partículas maiores, causadas pela exposição a fatores ambientais, como radiação solar e abrasão mecânica (Yang et al., 2022). A presença de MPs nos ecossistemas aquáticos tem sido relatada em escala global, originados predominantemente de fontes terrestres, sendo frequentemente encontrados em estuários e rios, os quais são considerados responsáveis pela sua entrada no ambiente marinho. Uma vez nas zonas costeiras ou em superfícies oceânicas, os MPs são carregados através de correntes marítimas e ventos, alcançando diferentes matrizes ecológicas e depósitos na zona bentônica. Estudos também registram concentrações significativas de MPs em ambientes extremos, como no gelo do Ártico, e a existência de zonas de acumulação de detritos marinhos flutuantes, concentradas em giros oceânicos (Gündoğdu et al., 2024; Bergmann et al., 2015). De acordo com Gündoğdu et al. (2024), é estimado que cerca de 4.076 espécies marinhas se encontram ameaçadas pela presença de lixo marinho, predominantemente composto por plástico, incluindo peixes, aves marinhas, 13 crustáceos, artrópodes e moluscos, envolvendo processos de ingestão, emaranhamento ou colonização. Nos invertebrados, a contaminação por MPs abrange em torno de 136 espécies pertencentes a diferentes grupos como Porifera, Cnidária, Mollusca, Arthropoda e Equinoderma. Por apresentarem tamanho diminuto, os MPs encontram-se disponíveis como potencial alimento para diversos organismos da cadeia trófica marinha, sendo frequentemente confundidos com alimentos, podendo ser absorvidos através de cadeias tróficas em processo de bioacumulação (D’Costa, 2022; Gündoğdu et al., 2024). Os efeitos das partículas microplásticas nos organismos variam de acordo com o tamanho e a quantidade das partículas ingeridas. A ingestão à MPs tem sido associada a impactos negativos na saúde da biota marinha, como a diminuição da ingestão de alimentos, levando a falsa sensação de saciedade, retardando seu crescimento e, consequentemente, comprometendo as taxas reprodutivas. Alterações fisiológicas, metabólicas e danos oxidativos também foram relatados (Tekman et al., 2022). Além disso, os MPs possuem a capacidade de absorver substâncias químicas, nutrientes, poluentes orgânicos persistentes, produtos farmacêuticos e compostos tóxicos, sendo considerados parte multiestressora para a biota aquática (Hodkovicova et al., 2022). A problemática da ingestão de MPs afeta diversas espécies, incluindo aquelas de importância comercial e ecológica para a teia alimentar, como os representantes da infraordem Brachyura (Linnaeus, 1758) (Crustacea: Decapoda), considerados os “caranguejos verdadeiros”, com cerca de 7.480 espécies descritas (WoRMS). Na costa litorânea do estado de São Paulo, aproximadamente 168 espécies de braquiúros foram registrados (Yi et al., 2022; Mantelatto et al., 2020). Além de seu hábito alimentar e comportamento de escavação, os braquiúros também apresentam o moinho gástrico altamente desenvolvido em seu intestino anterior, possibilitando maior capacidade de acumular altas concentrações de fragmentos plásticos. Isso os torna mais suscetíveis à exposição da carga microplástica do sedimento, seja por ingestão acidental ou pela ingestão de presas contaminadas (McGoran et al., 2020; Yi et al., 2022). Os caranguejos da família Portunidae (Rafinesque, 1815) são considerados um dos mais conhecidos, pois apresentam grande importância ecológica, podendo atuar como indicadores da qualidade da água, predadores em ecossistema marinho e 14 estuarino, além disso, também são considerados recurso alimentar para outros organismos aquáticos como peixes e aves marinhas (Keunecke et al., 2012; Herrera e Costa, 2022). A característica morfológica que os distinguem de outros caranguejos é a presença do achatamento dorso-ventral do último artículo do quinto par de pereiópodos, conferindo habilidades natatórias na coluna d’água, sendo comumente chamados de caranguejos-nadadores ou siris. Diversas espécies dessa família são consideradas importante recurso pesqueiro, principalmente na América, Europa e Japão (Pinheiro et al., 2016). O gênero Callinectes Stimpson, 1860, conhecido popularmente por “siri-azul” possui 15 espécies, sendo 11 restritas aos trópicos e subtrópicos, das quais, seis são encontradas na costa brasileira. Dentre as espécies pertencentes a este gênero, o Callinectes ornatus Ordway, 1893 possui distribuição do Amapá ao Rio Grande do Sul, sendo encontrado desde a zona entre marés até 75 metros de profundidade, como também em substrato arenoso, lamoso, preferindo salinidade moderada (Herrera e Costa, 2022; Melo, 1996). A espécie é considerada de hábitos oportunista e onívora, desempenhando um papel importante na regulação da cadeia trófica (Keunecke et al., 2012). Em razão dessas características, há uma crescente preocupação acerca de sua exposição aos MPs, que podem estar presentes na coluna d’água como também depositados no substrato (Sul e Costa 2014). A região de Santos é um importante polo comercial e industrial, considerada a área costeira mais urbanizada do Estado de São Paulo. A região é fortemente afetada por atividades antrópicas, devido a influência de polos industriais e comerciais, além de abrigar o maior porto da América do Sul, o Porto de Santos, e um dos mais importantes complexos industriais do país, o complexo de Cubatão (Santana et al., 2016). A cidade também apresenta uma indústria de turismo altamente desenvolvida, atraindo cerca de 2,8 milhões de visitantes durante a alta temporada (Prefeitura de Santos, 2024). Essa intensa atividade turística combinada com as características urbanas da região, contribui para o potencial de geração e liberação de MPs no ambiente marinho, o que torna extremamente importante o monitoramento e gestão adequados. Diante deste cenário, é fundamental o desenvolvimento de estudos sobre a ingestão de MPs e a quantificação de seus níveis em organismos de diferentes níveis tróficos. Esses estudos são de grande relevância, não somente para a comunidade 15 científica, que busca compreender a distribuição e os potenciais impactos dessa contaminação no ecossistema marinho, mas também para alertar a sociedade sobre os riscos associados a esta problemática, que se manifesta em escala global. A compreensão dos níveis de MPs em organismos marinhos contribui para o entendimento das dinâmicas de contaminação e auxilia na formulação de políticas públicas e estratégias de gestão ambiental. 2. OBJETIVOS 2.1. Objetivo geral Investigar a presença e caracterizar o nível de exposição de microplásticos no estômago do siri Callinectes ornatus, capturados como fauna acompanhante na pesca de arrasto na região de Santos, no estado de São Paulo. 2.2. Objetivos específicos • Determinar a presença de microplásticos no estômago do siri Callinectes ornatus da Baixada Santista. • Quantificar o número de partículas de microplásticos presentes no estômago do siri, avaliando variações entre e diferentes pontos de amostragem na região. • Classificar e identificar os tipos de microplásticos encontrados, com base em suas características morfológicas. • Avaliar a relação entre a abundância de microplásticos e o tamanho dos indivíduos de Callinectes ornatus, buscando possíveis padrões de exposição. 16 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1. Área de estudo e amostragem A coleta foi realizada na Baía de Santos/SP (23º57’S e 46º19’W), em fevereiro de 2024, selecionando dois pontos de amostragem: ponto 1 (S1), localizado a uma profundidade de 10 metros e ponto 2 (S2), situado a 14 metros de profundidade (Figura 1). A Baía de Santos está localizada no litoral sul do Estado de São Paulo. É popularmente conhecida como Baixada Santista devido a sua localização, no interespaço de planícies de marés com manguezais existentes entre as duas principais ilhas da região: Santo Amaro e São Vicente, e os múltiplos esporões da Serra do Mar (Ab’Saber, 2003). Figura 1: Mapa evidenciando a área de estudo em Santos, litoral de São Paulo e a distribuição dos pontos amostrados (S1 e S2). Para a amostragem dos siris foi utilizado um barco camaroeiro com redes tipo “double rig” (4 m de largura de boca, malha de 20 mm e 18 mm no saco final). Após o término de cada arrasto, os indivíduos foram triados, etiquetados e armazenados em caixa térmica com gelo para preservação e análises posteriores. Em laboratório, os espécimes foram identificados de acordo com Melo (1996), separados quanto ao sexo, a partir de diferenças morfológicas no abdômen, mensurado os dados biométricos de largura da carapaça (LC) – correspondente à 17 distância entre a base dos dois últimos espinhos marginais –, com auxílio de um paquímetro (0,01 mm) e pesados individualmente em balança analítica (0,0001g). 3.2. Análise de microplástico Os siris foram descongelados em temperatura ambiente e analisados conforme protocolo descrito por Compa et al. (2023). Como a contaminação por fibras transportadas pelo ar é um fenômeno recorrente na pesquisa de microplásticos, precauções rigorosas foram adotadas durante o manuseio e processamento das amostras para evitar a contaminação (De Witte et al., 2014; Van Cauwenberghe e Janssen, 2014). Os materiais de vidro, assim como os demais equipamentos utilizados nas análises (tesouras de metal, pinças e bisturi), foram lavados, enxaguados com água ultrapura e, posteriormente, limpos com álcool (70%). No laboratório, a estação de trabalho foi cuidadosamente limpa antes e após a análise das amostras. Os espécimes foram enxaguados com água ultrapura tipo 1, para limpar possíveis MPs em seus exoesqueletos, e as análises foram realizadas sob a capela laboratorial desligada (Fernandez-Severini et al., 2020). Jalecos de algodão e luvas de nitrilo foram utilizados durante o trabalho de laboratório. Além disso, a água ultrapura tipo 1 (Milli-Q®) bem como as soluções preparadas com ela foram filtradas através de uma membrana de poros de 0,70 μm antes de seu uso para garantir a eliminação de MPs. A carapaça de cada indivíduo foi removida com auxílio de tesoura e pinça, em seguida retirado o estômago e pesado em balança analítica (0,0001g). Os estômagos foram colocados em béquer de vidro, na sequência foi adicionado 20 ml de solução de Hidróxido de Potássio (KOH) a 10%, método eficaz para a remoção de matéria orgânica das amostras, deixando principalmente matéria inorgânica dissolvida e particulada. Na sequência, os béqueres foram rapidamente cobertos com papel alumínio e uma placa de petri, para evitar a contaminação por partículas no ar e colocados em estufa a 60ºC por 48 horas. Por apresentarem resistência à solução de KOH, os estômagos foram dissecados com auxílio de uma pinça para permitir que a solução entrasse na cavidade. Agitação manual periódica foi realizada até que o tecido 18 estivesse completamente digerido, ou seja, sem apreciação visual. Solução adicional de KOH foi adicionada em caso de evaporação durante a digestão. Solução salina saturada foi adicionada para separação por densidade dos microplásticos dos grãos de sedimento presentes no estômago, utilizando como valor o coeficiente de solubilidade do NaCl que é 36g para cada 100 ml de água (Cau et al., 2023) e posteriormente separado o sobrenadante em balão volumétrico. As amostras foram lavadas três vezes com a solução para garantir a decantação do sedimento. As amostras foram filtradas em uma bomba a vácuo (Millipore®) através de um filtro de membrana de fibra de vidro (tamanho de poro de 0,70 μm, Millipore®). Os filtros foram armazenados em placa de Petri de vidro e mantidos fechados até o momento das análises. Um estereomicroscópio (Zeiss) e um microscópio óptico (Leica) foram utilizados para identificar, mensurar, fotografar e classificar detritos plásticos com base em seu tamanho como MPs (< 5 mm), cor e forma (fragmento, fibra, filmes ou esférula). 3.3. Análise estatística Os dados foram testados para normalidade e homogeneidade de variância usando o teste de Kolmogorov-Smirnov e o teste de Levene, respectivamente (Zar, 2010). Para avaliar uma possível relação entre os níveis de contaminação (número de partículas) observados no estômago e os pontos amostrais foi realizado o teste de Mann-Whitney (p < 0,05). 19 4. RESULTADOS Foram analisados 20 indivíduos, sendo 10 indivíduos do ponto 1 e 10 do ponto 2. Um total de 100% dos indivíduos apresentou MPs em seu estômago. A largura da carapaça (LC mm) variou de 31,6 mm a 63,6 mm com média de 54,7 mm ± 8,9 mm nos indivíduos do ponto 1. No ponto 2 a LC variou de 30,6 mm a 63,3 mm com média de 44,5 mm ± 11,1 mm. O peso (P) dos indivíduos no ponto 1 variou de 3,8 g a 30,2 g (21,3 g ± 7,3 g). No ponto 2 a variação do peso foi de 3,4 g a 26,5 g (11,4 g ± 8,2 g). Já o peso do estômago dos indivíduos do ponto 1 variou entre 0,05 g a 1,06 g (0,51 g ± 0,37 g) e no ponto 2 variou entre 0,09 g a 0,55 g (TD) (0,21 g ± 0,14 g). Foram registradas 312 partículas de MPs no total dos espécimes analisados, sendo 246 partículas de MPs registradas no ponto 1 (24,6 ± 5,5) e 66 MPs nos indivíduos do ponto 2 (6,6 ± 2,5) (Figura 2). Constatou-se diferença estatística da quantidade de MPs entre os pontos de coleta (Mann-Whitney, p = 0,0001). O maior número de MPs encontrados em um indivíduo foi 31 partículas e a menor quantidade foi 3 (Figura 3). O tamanho das partículas de ambos os pontos variou entre 0,04 mm a 4,7 mm, (0,74 mm ± 0,75 mm). Figura 2: Número médio de MPs registrados em Callinectes ornatus Ordway, 1893, nos pontos amostrados na região de Santos, São Paulo. 20 Figura 3: Número de microplásticos por indivíduos de Callinectes ornatus Ordway, 1893, amostrados em Santos, São Paulo. Em termos de itens por peso, o ponto 1 apresentou média de 0,93 ± 1,1 MPs/100g e o ponto 2 obteve média de 0,43 ± 0,3 MPs/100g (Figura 4). Figura 4: Número médio de partículas encontradas no estômago de Callinectes ornatus Ordway, 1893, por 100g de peso úmido nos diferentes pontos amostrados em Santos, São Paulo. 1 2 Pontos -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0 M P s /1 0 0 g Média Média±DP Min-Max 21 Foram registrados três tipos de microplásticos: fibras, fragmentos e esfera. A maior porcentagem encontrada nos indivíduos foi de fibras, com 84,6%, seguida de fragmentos, com 15,1% (Figura 5). Figura 5: Porcentagem dos tipos de microplástico encontrados no estômago de Callinectes ornatus Ordway, 1893, amostrados em Santos, São Paulo. Em relação às cores, foram encontradas partículas azuis, vermelhas, pretas, transparentes, coloridas, brilhantes e outros. A maior porcentagem foi de partículas azuis, com 41,3%, seguido de pretas, com 33,3%e a menor porcentagem foi de partículas transparentes, com 2,2% (Figura 6). Algumas imagens das partículas encontradas podem ser vistas na Figura 9. Figura 6: Porcentagem das cores de microplásticos encontradas no estômago de Callinectes ornatus Ordway, 1893, amostrados em Santos, São Paulo. 41,3 2,99,9 33,3 2,2 10,3 Azul Outro Brilhante Preta Transparente Vermelha 22 No ponto 1 a maior porcentagem foi da cor azul, com 42,3% e no ponto 2 foi da cor preta (40,9%) (Figura 7 e 8). Figura 7: Porcentagem de coloração de microplásticos em Callinectes ornatus Ordway, 1893, do ponto 1, amostrado em Santos, São Paulo. Figura 8: Porcentagem de coloração de microplásticos em Callinectes ornatus Ordway, 1893, do ponto 2, amostrados em Santos, São Paulo. 23 Figura 9: Partículas de microplástico encontradas no estômago de Callinectes ornatus Ordway, 1893, amostrados em Santos, São Paulo. A) Fibra preta; B) Fibra azul; C) Fibra vermelha; D) Fragmento roxo. 24 5. DISCUSSÃO Os resultados do presente estudo revelam a ocorrência de microplásticos no estômago de C. ornatus, detectados em 100% dos indivíduos analisados. Esses níveis significativos de contaminação, possivelmente associados às intensas atividades antropogênicas na região da Baixada Santista, destacam a necessidade de ações efetivas para mitigar a introdução de resíduos plásticos em ecossistemas costeiros vulneráveis. Santana et al. (2016), analisaram seis diferentes pontos próximos ao terminal do porto de Santos, demonstrando a presença de MPs em mexilhões Perna perna (Linnaeus, 1758) em todas as áreas investigadas. Em três pontos, 100% dos mexilhões analisados apresentaram contaminação por MPs, enquanto outros pontos exibiram porcentagens relativamente menores. Outro estudo, realizado por Machado et al. (2021), com a mesma espécie de mexilhão, adquiridos no Mercado Municipal do Município de Matinhos (PR), também indicou a presença de MPs em todos os espécimes analisados, o que pode indicar um aumento crescente da poluição por MP em ambientes marinhos no litoral brasileiro. Esses dados, juntamente com os resultados do presente estudo, reforçam que a região de Santos é altamente impactada por microplásticos. A presença de MPs em P. perna, espécie filtradora que compõe a dieta de diversos organismos marinhos, como crustáceos, sugere que essas partículas já estão inseridas na cadeia trófica marinha, representando potencial ameaça aos ecossistemas costeiros. Além de bivalves, crustáceos também apresentaram evidências significativas de ingestão de MPs, como é o caso do estudo conduzido por Murray e Cowie (2011), no Mar de Clyde, na Escócia, com a lagosta Nephrops norvegicus (Linnaeus, 1758), onde 83% dos indivíduos analisados apresentaram MPs em seus estômagos, o que sugere que seu hábito alimentar escavador colabore para ingestão dessas partículas presentes no sedimento. Esses dados, juntamente com outros estudos, sugerem que a poluição por MPs é um problema de escala global, impactando diferentes oceanos e organismos. Compa et al. (2023) também investigaram a presença de MPs em crustáceos, utilizando Callinectes sapidus (Rathbun, 1869) como espécie-alvo nas Ilhas Baleares, 25 Espanha. Embora seus resultados revelem que 65,8% dos indivíduos apresentem MPs em seu estômago, indicando níveis relevantes de contaminação, esses valores são inferiores aos observados no presente estudo, no qual 100% dos indivíduos analisados estavam contaminados. Esses achados reforçam a ampla disseminação dos MPs nos ecossistemas marinhos e os diferentes graus de exposição entre regiões e espécies, destacando a relevância de estudos locais e globais para compreender melhor os padrões de poluição. Foram identificadas 312 partículas de MPs nos indivíduos analisados, com uma diferença significativa observada entre os pontos de coleta. O ponto de menor profundidade apresentou número maior de partículas em comparação ao ponto localizado em maior profundidade. Esses resultados corroboram com outros estudos, como relatados na Revista FAPESP, que indicam uma elevada concentração de poluentes no fundo marinho da Baía de Santos, a cerca de 4 quilômetros das praias. Essa poluição tem contribuído para o declínio da biodiversidade marinha na região, fenômeno associado ao acúmulo de resíduos, incluindo microplásticos. O problema é agravado pela descarga de esgoto doméstico por meio de um emissário construído em 1979 para atender 1,2 milhões de habitantes da Baixada Santista, resultando no lançamento de quase 7 mil litros de esgoto por segundo na baía. Essa alta concentração populacional é impulsionada pela atividade econômica da região, que abriga o polo industrial de Cubatão, situado a 15 quilômetros do mar. Diversos tipos de resíduos sólidos, compostos majoritariamente por polímeros, destacam-se como importantes contribuintes para a poluição ambiental na região, especialmente devido à sua ampla utilização no transporte de cargas no porto. Além disso, a proximidade do estuário com um aterro sanitário e o lançamento recorrente de esgotos clandestinos não tratados ao longo do estuário intensificam o aporte de microplásticos na área, embora a magnitude desse impacto ainda não tenha sido completamente quantificada (Santana et al., 2016). Esses fatores justificam a alta incidência de partículas de microplásticos observada no ponto 1, que está mais próximo da costa e, portanto, mais exposto à influência direta dessas fontes de poluição. No presente trabalho, foi observada a variação de tamanho das partículas de MPs entre 0,04 mm a 4,7 mm. A análise de MPs realizada por Capparelli et al. (2022) 26 no Golfo do México revelou tamanhos médio das partículas do estômago de 1,5 mm em Menippe mercenaria (Say, 1818) e de 3,8 mm em C. sapidus, demonstrando diferença significativa no tamanho das partículas ingeridas em relação ao presente estudo. Tal fato pode estar associado, principalmente, com a diferença dos tipos de poluentes gerados e escoados em cada região de estudo, refletindo variações nas fontes de contaminação e nas características ambientais de cada área. As concentrações médias de MPs observadas por peso dos indivíduos analisados são inferiores às reportadas em outros estudos para espécies relacionadas em diferentes regiões. Aliko et al. (2022) documentaram uma média de 11,0 MPs/g em C. sapidus coletados em uma lagoa natural na Albânia, no Mar Adriático, enquanto Capparelli et al. (2022) relataram 37,9 MPs/g nas brânquias de C. sapidus e 8,62 MPs/g em seu trato digestivo no Golfo do México. Quando comparadas a outras espécies de caranguejos, como Neohelice granulata (Dana, 1851) (0,36 MPs/g), Cyrtograpsus angulatus (Dana, 1851) (0,19 MPs/g), Leptuca uruguayensis (Nobili, 1901) (0,06 MPs/g) e C. sapidus (0,2 MP/g) (Compa et al., 2023), os níveis observados neste estudo também são relativamente baixos. Essas diferenças podem estar associadas a fatores como hábitos alimentares, características das fontes locais de MPs e variações nos níveis de poluição ambiental entre as áreas estudadas. A fibra foi o tipo de MP predominante, assim como em diversos estudos que também indicam que é o tipo mais identificado em diferentes espécies. Machado et al. (2021) cita organismos como anelídeos, bivalves, peixes e anêmonas como os maiores consumidores de fibras. Além de ser o tipo mais abundante nos organismos, as fibras também foram abundantes nos sedimentos, conforme relatado por Claessens et al. (2011). O autor D’Costa (2022) através de uma revisão de literatura, menciona 50 artigos onde as fibras apresentam a maior taxa de MPs em decápodes, seguido de fragmentos (30 artigos), dados corroborados pelo presente estudo. Cau et al. (2023) também evidenciou as fibras plásticas como forma dominante no trato digestivo de duas espécies de lagostas de importância comercial (Palinurus elephas (Fabricius, 1787) e Nephrops norvegicus). Diversos estudos relataram que as fontes de fibras microplásticas estão principalmente relacionadas com indústrias têxteis ou descargas de lavanderia doméstica (D’Costa, 2022). Além disso, a alta abundância de fibras observadas pode estar relacionada tanto a proximidade do 27 centro urbano e do porto, como também à presença de detritos originados da pesca, considerando que a região de Santos é um dos mais importantes polos pesqueiros do litoral paulista. A cor azul e preta foram as mais abundantes, embora também tenha sido encontradas partículas de outras cores. Esses dados podem estar diretamente relacionados ao fato da abundância de fibras encontradas, as quais tendem a ser azul, também demonstrado por Barros et al. (2020), onde todas as partículas de MPs encontrados nos indivíduos de Pachygrapsus transversus (Gibbes, 1850) eram fibras de nylon de coloração azul. Wójcik-Fudalewska et al. (2016) também reportou a presença de fibras azuis nos estômagos de Eriocheir sinensis (Milne-Edwards, 1853). Já nos resultados de Costa et al (2019), a maioria das partículas encontradas tanto no trato digestivo do caranguejo Ocypode quadrata (Fabricius, 1787) quanto no sedimento, no Rio de Janeiro, foram fibras de coloração preta e azul. Esta predominância de fibras azuis ocorre pois os ambientes são fontes crônicas de águas residuais, com microfibras e equipamentos de pesca levados para a praia (Costa et al., 2019). Embora os dados acerca da presença e característica dos MPs sejam robustos, ainda não se pode afirmar com certeza se a ingestão desses poluentes ocorre de maneira indireta, por meio da teia trófica, visto que animais como bivalves fazem parte da dieta de diversas espécies de crustáceos, ou se é direta, devido aos hábitos bentônicos e escavadores desses organismos (Farrel e Nelson 2013). Além disso, o presente estudo representa a primeira investigação sobre a espécie C. ornatus como espécie-alvo, demonstrando grande relevância na análise e compreensão acerca da poluição por microplásticos na costa brasileira. 28 6. CONCLUSÃO Os resultados obtidos no neste estudo evidenciam alta incidência de MPs na região da Baixada Santista, refletindo um cenário potencialmente representativo em escala global. O alto número de MPs no ponto de menor profundidade, indica uma possível correlação com as fontes de poluição localizadas mais próximas da costa. A fibras azuis e pretas foram os tipos e cores de MPs predominantes registradas. As fibras, em particular, são frequentemente associadas a resíduos têxteis, que são amplamente dispersos no ambiente marinho e às atividades da pesca. A cor predominante, azul e preta, podem estar relacionadas as fibras sintéticas, mas também cordas e redes de pesca. Essa distribuição de tipos e cores de MPs pode refletir as fontes específicas de poluição na região estudada, como o lançamento de resíduos urbanos e industriais, e reforça a necessidade de abordagens mais detalhadas para compreender as fontes e os padrões de dispersão dos microplásticos. Apesar de Callinectes ornatus não ser comumente comercializada, a espécie apresenta grande importância à saúde do ecossistema, pois transita em diversos níveis tróficos, bem como ocupa diferentes regiões no ecossistema marinho. Sua abundância ao longo do litoral brasileiro e sua exposição a altas cargas de poluentes, especialmente nas regiões de maior atividade comercial e industrial como a Baixada Santista, destacam ainda mais a vulnerabilidade da espécie. Diante desses resultados, é urgente a necessidade de estudos aprofundados acerca das possíveis consequências a longo prazo, não apenas para a fauna marinha, bem como para a saúde humana, pois espécies de importância econômica estão igualmente expostas aos MPs, sendo consumidas como parte da dieta da população. Portanto, medidas de políticas públicas para controle e diretrizes acerca do consumo de polímeros plásticos devem ser realizadas em caráter de urgência, a fim de mitigar os impactos dessa problemática ambiental. 29 7. REFERÊNCIAS AB’SABER, A.N. 2003. Litoral do Brasil. São Paulo: Metalivros. ABREU, F.; VASCONCELOS, F.P.; ALBUQUERQUE, M.F. A diversidade no uso e ocupação da zona costeira do Brasil: a sustentabilidade como necessidade. Conexão Ciência e Tecnologia, 11(5): 8-16. 2017. ALIKO, V. et al. Plastic invasion tolling: First evaluation of microplastics in water and two crab species from the nature reserve lagoonary complex of Kune-Vain, Albania. 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