Câmpus de Presidente Prudente Felipe César Augusto Silgueiro dos Santos Espaço, Tempo e Contradições: Do Banco Nacional de Habitação ao Programa “Minha Casa, Minha Vida” em Presidente Prudente/SP. Presidente Prudente – SP 2016 Câmpus de Presidente Prudente Felipe César Augusto Silgueiro dos Santos Espaço, Tempo e Contradições: Do Banco Nacional de Habitação ao Programa “Minha Casa, Minha Vida” em Presidente Prudente/SP. Trabalho de monografia apresentado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Presidente Prudente/SP, para a obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Márcio José Catelan Presidente Prudente 2016 FICHA CATALOGRÁFICA Santos, Felipe César Augusto Silgueiro dos. S235e Espaço, tempo e contradições : do Banco Nacional de Habitação ao Programa “Minha Casa, Minha Vida” em Presidente Prudente/SP / Felipe César Augusto Silgueiro dos Santos. - Presidente Prudente : [s.n.], 2016 124 f. Orientador: Márcio José Catelan Trabalho de conclusão (bacharelado - Geografia) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Inclui bibliografia 1. Políticas habitacionais. 2. Espaço, Tempo. 3. Cidade média. I. Catelan, Márcio José. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. COMISSÃO EXAMINADORA __________________________________________ Prof. Dr. Márcio José Catelan (Orientador) ___________________________________________________ Profª. Drª. Patrícia Maria de Jesus (Pós – Doutoranda UFABC) ____________________________________________________ Prof. Ms. Marlon Altavini de Abreu (Doutorando - PPGG – FCT UNESP) Felipe César Augusto Silgueiro dos Santos Presidente Prudente – SP, 2016 AGRADECIMENTOS Escrever uma monografia, por mais solitário que seja, demanda muita paciência daqueles que fazem parte da vida de quem escreve. É fato que, horas e dias sozinho escrevendo um trabalho só é possível quando há o entendimento de que, é preciso estar sozinho com as ideias para poder transforma-las em capítulos e textos, até resultar em um trabalho final. Nesta parte dos “Agradecimentos” irei juntar um pouco daquelas pessoas que tiveram a paciência de me acompanhar nesta longa jornada e que compreenderam a minha necessidade de apresentar um trabalho que pudesse concatenar as ideias construídas neste caminho. Assim como irei agradecer aos amigos que andaram comigo até aqui, assim como os que me trouxeram a este momento. Sem eles este trabalho não existiria. Dentro do meu orgulho irei me parabenizar por ter ficado horas, dias e meses escrevendo, produzindo e procurando esclarecer as ideias através dos textos. Não serei estúpido de achar que sou o melhor, mas assumo que procurei buscar o máximo em todo momento, ora conseguindo e ora nem passando perto. Agradeço aos meus pais, Reinaldo Augusto dos Santos (in memoriam) que infelizmente não pode ver o fim de um trabalho onde ele acompanhou as primeiras ideias. Dedico a ele cada página desta monografia. A minha mãe, Ivone Silgueiro dos Santos, agradeço todos os momentos que me esperou chegar tarde da noite com a janta na mesa e todas as vezes que acordou para fazer o café. São detalhes que mostram a dedicação intrínseca que ela teve comigo. A minha irmã, Fernanda Silgueiro dos Santos, agradeço os exemplos dados pela sua trajetória acadêmica. Você sabe o que digo. Muito Obrigado. Agradeço a Camila Silva Costa, que esteve comigo nos melhores e, mais recentemente, nos piores momentos da minha vida, tanto pessoal quanto acadêmica. São nessas ações que vemos que o amor de verdade é mais que palavras; são ações e atitudes. Mesmo nas minhas falhas ela enxergou um bem que eu mesmo não havia mais visto. A você dedico a minha vida e o meu tempo. Também dedico aos meus amigos de escola: Apollo Vinicius Almeida Martins, Douglas Bianchi e Lucas Alves da Silva Prudente. O F3A tão querido que me acompanhou em uma parte desta jornada; vocês são exemplos de “brothers” de verdade e que sempre posso contar com amigos quando puder. Vocês são os melhores!!! Não fiz muitos amigos na graduação, até porque a vaidade de uns e a indiferença de outros nos afasta como seres humanos, e a concorrência exacerbada pelo melhor, onde deve existir sim a melhora eterna, mas não a deslealdade, acaba transformando uns em seres mais primitivos do que seres dotados de inteligência. Devo aqui agradecer dois dos melhores amigos que me restam: Edson Aguiar de Araújo e Mariana Cristina da Silva Gomes, minha “panela” favorita, onde compartilhei momentos que levarei comigo, mesmo quando estivermos longe um do outro. Também fiz amigos morais, pessoas que me mostraram que existe gente que te ensina sem ensinar e você acaba aprendendo. Agradeço a Fredi dos Santos Bento, Wanessa Savoldi, Edson Sabatini, Guilherme dos Santos Claudino, Pâmela Bonilha Schulz, Rodrigo Savoini, Letícia Carli, Elines Gomes Sodré, Vinicius Stoqui, Rodolfo de Souza Lima, etc. Não citarei todos, mas ficarão na minha lembrança. Agradeço aos inimigos que fiz também, porque não? Aliás, são eles que pensaram em mim constantemente e até mesmo vislumbraram suas vidas comigo e hoje não me querem por perto. A vocês agradeço por ainda saber que no mundo existe gente fraca, invejosa e covarde presente em vários lugares; minha alegria e meu sorriso a vocês. Também devo lembrar aos “culpados” por eu estar aqui hoje, pois, foram vocês que me encorajaram a fazer Geografia ainda no cursinho pré-vestibular e me aconselharam do que fazer durante a graduação. Agradeço a Marlon Altavini de Abreu, Ítalo Franco Ribeiro, Ingryd Gomes, André Madruga, Saulo (Chatuba) e Thiago Moraes Passos. Obrigado por terem me ensinado o caminho certo. Aos amigos de discussão (Caio Alencar de Matos, Rafael Bastazini, Meire Michelin) agradeço pelos momentos de “debate” que tivemos em toda reunião realizada. Grandes ideias surgiram destes momentos e elas só são possíveis por causa de vocês. Aos grupos de pesquisa GAsPERR e CEMESPP agradeço a oportunidade de poder conhecer o que estudo e apresento hoje; as oportunidades proferidas por ambos me mostraram como a Geografia é rica em discussões. Agradeço a Vitor Augusto Luizari Camacho pela disponibilidade e pela elaboração dos mapas deste trabalho. Agradeço a Profª Drª Cristina Maria Perissinoto Baron que, gentilmente, me disponibilizou sua tese além de dar conselhos sobre como proceder com alguns dados. Estendo o agradecimento a sua orientanda Melina Lopes da Silva, que me apresentou os trabalhos da professora de forma muito amistosa. Aos professores do Departamento de Geografia fica o meu mais sincero obrigado pelos ensinamentos, que levarei pra toda a vida. Pude conhecer professores fantásticos que mostraram como a educação pode ser um caminho favorável para mudar as perspectivas de nossas vidas e o que aprendi com esses mestres levo comigo no coração. Ao Prof. Dr. Arthur Magon Whitacker agradeço por ter me iniciado na pesquisa acadêmica e me guiado no primeiro ano que desenvolvi um projeto. Algumas de suas dicas me seguirão pra sempre. Agradeço a banca que me avaliou, pois me deram uma aula do trabalho que fiz e considerações valiosas tanto para o contínuo das minhas pesquisas quanto para minha formação profissional. E, por fim, não poderia deixar de agradecer ao professor, orientador e amigo Prof. Dr. Márcio José Catelan. Seus ensinamentos e seus conselhos me mostraram que existe um mundo que não conhecemos direito, mas que devemos estuda-lo constantemente para acompanhar suas mudanças. Você eliminou o abismo “Professor X Aluno” e demonstrou que, existe sim, gente com vontade de ensinar e até mesmo de aprender. Espero poder levar sua amizade comigo para todo o sempre e que este trabalho seja apenas o primeiro de muitos que iremos compartilhar. De coração, Muito Obrigado. A todos que aqui citei agradeço imensamente por tudo que fizeram por mim. Não seria nada sem vocês. Espero poder ter contribuído de alguma forma em suas vidas. Muito Obrigado Felipe César 08 de Janeiro de 2016 “Não desconhecemos que somente o desenvolvimento do país, aumentando a riqueza nacional, poderá elevar o nível de vida do povo, proporcionando-lhe adequadas condições de residência. Mas também não ignoramos que a falta de uma legislação reguladora tem permitido que a indústria de construção se transforme em presa favorita de especuladores, impedindo o acesso à residência própria das camadas mais pobres de nossa população”. Mensagem de posse de João Goulart no Congresso Nacional em 1963. RESUMO A questão habitacional no Brasil não é um problema recente e vem sido discutida, trabalhada e questionada em âmbito institucional, sobretudo, no que diz respeito às considerações críticas sobre o tema e os problemas urbanos envolvidos. Temos como marcos na política habitacional brasileira o Banco Nacional de Habitação - BNH, de 1964, auge do Regime Militar no Brasil, e o Programa "Minha Casa, Minha Vida", no ano de 2009. Ambas possuem questões que as aproximam e as distanciam no que tange as mudanças na política habitacional brasileira, onde temos o surgimento de novas formas de entendimento da produção e do consumo da habitação. Deste modo temos uma série de avanços das formas de aquisição de habitação social, que mesmo em épocas diferentes, caracterizam-se como formas capitalistas de resolução desta questão. Deste modo o processo de espacialização dos conjuntos habitacionais oriundos destes programas refletem a modificação no Espaço – Tempo que os mesmos enunciam, transformando o espaço urbano das cidades, neste caso, a cidade de Presidente Prudente/SP. PALAVRAS – CHAVE: Cidade Média; Política Habitacional; Banco Nacional da Habitação; Programa "Minha Casa, Minha Vida"; Presidente Prudente/SP. ABSTRACT The housing issue in Brazil is’nt a recent problem and has been discussed, worked and questioned in the institutional framework, especially with regard to the critical considerations on the topic and urban problems involved. We as milestones in the Brazilian housing policy the National Housing Bank - BNH, 1964, the height of the military regime in Brazil, and the "Minha Casa, Minha Vida", in 2009. Both have questions that approach and distance themselves regarding changes in the Brazilian housing policy, where we have the emergence of new forms of knowledge production and housing consumption. Thus we have a number of advances in ways of acquiring social housing, even at different times, it is characterized as capitalist forms of this issue. Thus the spatial process of housing developments arising from these programs reflect the change in space - time that they lay down, turning the urban space of the cities in this case the city of Presidente Prudente / SP. KEY - WORDS: Average City; Housing policy; National Housing Bank; "Minha Casa, Minha Vida"; Presidente Prudente/SP. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Fac-símile da carta de Sandra Cavalcanti direcionada ao então presidente General Castelo Branco (os grifos são do próprio General).................. 36 Figura 2. Déficit Habitacional Brasileiro por região (2010)..................................... 51 Figura 3. Presidente Prudente. Outdoor ressaltando as ações políticas do governo municipal. 2015............................................................................................................. 60 Figura 4. Presidente Prudente. Presença da Presidente Dilma Rousseff, do Prefeito Milton Carlos de Melo, do Ministro das Cidades Gilberto Kassab e do Ministro da Previdência Social Carlos Eduardo Gabas na entrega das residências do conjunto habitacional Jardim João Domingos Netto. ........................................................................................................................................ 67 Figura 5. Exemplo de comércio do Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB) …………………………………………………………………..78 Figura 6. Exemplo de comércio existente no Conjunto Habitacional Residencial Tapajós. ……………………………………………………………………………….79 Figura 7. Presidente Prudente. Planta do Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB). 1978. ………………………………………………...84 Figura 8. Vista da Avenida Ana Jacinta em Presidente Prudente/SP. 2015 ...........88 Figura 9. Vista da Avenida Ana Jacinta em Presidente Prudente (2016) ...............89 Figura 10. Presença de grande fluxo de pessoas em uma das lotéricas localizadas no Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB) (2016) ........89 Figura 11. Tipologias comerciais diferentes existentes na Avenida Ana Jacinta (2016) ..............................................................................................................................90 Figura 12. Outro tipo de comércio existente, demonstrando a pluralidade do mesmo no Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (2016)..............91 Figura 13. Presença de uma agência bancária no Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB) (2016) .....................................................92 Figura 14. Presidente Prudente. Vista da Rua das Espatódeas (2015).....................94 Figura 15. Vista dos Estabelecimentos da Rua das Espatódeas................................94 Figura 16. Mercado voltado à venda de legumes e de assados na Rua das Espatódeas (2016) .........................................................................................................95 Figura 17. Mercado existente na Rua das Espatódeas, ampliando sua significância comercial para o Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (2016)..............................................................................................................................96 Figura 18. Presidente Prudente. Planta do Conjunto Habitacional Residencial Tapajós. 2015...............................................................................................................101 Figura 19. Informativo de “Plantão de Vendas” do Residencial Parque dos Ipês 2016...............................................................................................................................103 Figura 20. MMF Construtora. Logo do Conjunto Habitacional Residencial Tapajós e a imagem projetada do conjunto. 2015....................................................105 Figura 21. Presidente Prudente. Imagens do Conjunto Habitacional Residencial Tapajós. 2013...............................................................................................................107 Figura 22. Presidente Prudente. Comércio ao lado da habitação no Conjunto Habitacional Residencial Tapajós. 2015....................................................................108 Figura 23. Presidente Prudente. Presença de dois pequenos comércios no Conjunto Habitacional Residencial Tapajós 2016.....................................................................109 Figura 24. Possível instalação de um empreendimento comercial no Conjunto Habitacional Residencial Tapajós. 2016....................................................................110 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Brasil. Valores do Salário Mínimo por décadas (1940 – 2015)........................................................................................................................... 30 Gráfico 2. Brasil. Percentual de Valorização e de Desvalorização do Salário Mínimo (1940 – 2015)................................................................................................ 31 Gráfico 3. Brasil. Unidades habitacionais produzidas no período do BNH. 1964 – 1984............................................................................................................................ 40 Gráfico 4. Brasil. Unidades habitacionais. 1990 a 2001........................................ 49 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Brasil. Subprojetos para famílias de renda baixa. (1975 – 1982)........ 39 Quadro 2. Valores e número de famílias atendidas pelos programas habitacionais. 1995-1998........................................................................................... 47 Quadro 3. Brasil. Cartões componentes do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. 2015................................................................................................................. 57 Quadro 4. Conjuntos Habitacionais de Presidente Prudente/SP de 1968 até 2015............................................................................................................................. 71 Quadro 5. Acontecimentos Históricos e a Política Habitacional: Brasil e Presidente Prudente/SP……………………………………………………………. 74 Quadro 6. Presidente Prudente. Distribuição das famílias do Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB) de acordo com a renda (1980)........................................................................................................................... 85 Quadro 7. Presidente Prudente. Empreendimentos da MMF Construtora. 2015.............................................................................................................................104 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Número de domicílios por déficit habitacional. (2013).........................51 Tabela 2. Brasil. Unidades Habitacionais faltantes por região. 2009..............................................................................................................................54 Tabela 3. Brasil. Unidades Contratadas pela Faixa 1 .......................................................................................................................................55 Tabela 4. Brasil. Unidades Contratadas pelas Faixas 2 e 3 do MCMV 1. 2012............................................................................................................................. 55 Tabela 5. Brasil. Unidades Contratadas pela Faixa 1 do PMCMV 2. 2012............................................................................................................................. 56 Tabela 6. Brasil. Unidades Contratadas pelas Faixas 2 e 3 do PMCMV 2 . 2012............................................................................................................................ 56 Tabela 7. Presidente Prudente. Produção habitacional por administração municipal. 1965 / 2015............................................................................................... 70 Tabela 8. Presidente Prudente. Disposição territorial do Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB). 2015.................................................... 83 Tabela 9. Presidente Prudente. Disposição territorial do Conjunto Habitacional Residencial Tapajós. 2015....................................................................................... 108 LISTA DE MAPAS Mapa 1. Presidente Prudente. Localização do município no Estado de São Paulo e Brasil........................................................................................................................ 62 Mapa 2. Presidente Prudente. Bairros Construídos com financiamento do Banco Nacional de Habitação (BNH) e pelo Programa “Minha Casa, Minha Vida”. 2015............................................................................................................................. 68 Mapa 3. Presidente Prudente. Localização do bairro Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB) e do bairro Residencial Tapajós. 2015............................................................................................................................ 81 LISTA DE SIGLAS ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa BNH – Banco Nacional De Habitação CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano CODESPAULO – Companhia de Desenvolvimento de São Paulo COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo COHAB – CRHIS – Companhia Regional de Habitação de Interesse Social CEF – Caixa Econômica Federal FCP – Fundação Casa Popular FGTS – Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço FHC – Fernando Henrique Cardoso FINEP – Financiadora De Estudos E Projetos FAR – Fundo De Arrendamento Residencial GAP – Grupo De Arquitetura E Planejamento PMCMV – Programa “Minha Casa, Minha Vida” IAP – Instituto De Aposentadoria e Pensão IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada PAR – Programa De Arrendamento Residencial PSH - Programa de Subsídio de Habitação de Interesse Social SERFHAU – Serviço Federal De Habitação E Urbanismo SFH – Serviço Financeiro De Habitação SFI – Serviço de Financiamento Imobiliário SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 21 1. A QUESTÃO HABITACIONAL NO TEMPO E NO ESPAÇO: DO CONTEXTO NACIONAL A PRESIDENTE PRUDENTE/SP ............................... 26 1.1 Primeiros passos da crise habitacional ..................................................................... 27 1.2 A Cruz e a Espada: A renda como parâmetro de aquisição de habitação social ...... 29 1.3 Os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP’S) e a Fundação Casa Popular (FCP): primeiras políticas direcionadas ..................................................................................... 33 1.4 Banco Nacional de Habitação (BNH): tratamento financeiro à política habitacional; ........................................................................................................................................ 35 1.5 Do fim do BNH ao período FHC: da produção da habitação ao seu consumo ........ 43 1.6 Programa “Minha Casa, Minha Vida”;..................................................................... 50 2 PRESIDENTE PRUDENTE: A CIDADE NO CONTEXTO HABITACIONAL. ........................................................................................................................................ 59 2.1 Histórico da política habitacional em Presidente Prudente/SP: iniciativas da gestão municipal. ....................................................................................................................... 60 3 RESULTADOS DOS PROGRAMAS HABITACIONAIS: ANÁLISE DA COHAB E DO RESIDENCIAL TAPAJÓS ............................................................... 76 3.1 Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB).......................... 82 3.2 Conjunto Habitacional Residencial Tapajós; ........................................................... 98 3.3 Conjunto Habitacional Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB) e Conjunto Habitacional Residencial Tapajós: Visão no Espaço – Tempo. ................................... 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 115 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 119 21 INTRODUÇÃO 22 A demanda por habitação social é uma realidade presente em muitas famílias brasileiras que convivem com essa mazela social de forma cotidiana e, por muitas vezes, por muito tempo. É de conhecimento geral que cabe ao Estado (nos seus níveis federal, estadual e municipal) apresentar soluções que permitam que essa questão seja solucionada de forma direta e satisfatória. Para trabalharmos a questão habitacional de forma bem mais aprofundada, poderemos voltar ao período imperial, onde os primeiros quilombos se constituíam em habitações para os escravos fugidos da intensa violência de seus senhores. Tal representação é a imagem mais passível de relação com a situação da demanda habitacional brasileira: aqueles que necessitam de um abrigo são diretamente atacados e afetados pelas diretrizes verticalizadas vindas de cima, onde pagam o preço da ausência do habitar com qualidade. (FINEP/GAP, 1983) Naturalmente tal ideia é apenas uma forma de realizarmos uma comparação com a vivência de cada citadino que tem a necessidade de realizar o “sonho da casa própria”1. A possibilidade de se ter uma habitação, de ter o sentimento de posse daquela casa recém-adquirida, é algo que surge como forma de compreendermos o valor que ela tem na vida de cada citadino brasileiro que convive com a falta de um lugar para habitar. E tal sensação de posse tem sido vista de forma muito atenta pelas várias esferas de relações que permitem a concepção da oferta de habitação no Brasil. O governo utiliza da política social habitacional como forma de se firmar, já que precisa da aceitação geral da população, onde a sociedade questiona as atitudes de seus governantes, mas são habilmente saciáveis através de ações como construções, inaugurações de grandes obras entre outros equipamentos que permitem uma celebração mais acintosa. Tal meio de promoção política tem sido utilizada para firmar governos e a política habitacional tem sido atingida diretamente, já que envolve muitas ações como aumento no emprego, já que demanda muitos trabalhadores, melhora na economia, já que movimenta um grande número de agentes do capital etc. Tudo isso para fornecer as condições adequadas de habitação, conjugando qualidade em localização, saneamento, tipologia, ou seja, tudo o que se refere a permitir ao citadino e trabalhador brasileiro uma casa própria adequada. Porém, as ações dos governo em conjunto com as ações de 1 Utilizamos tal frase para retratar o fetichismo exacerbado realizado pelas incorporadoras, imobiliárias e empresas de construção civil, que utilizam tal ideário para promover suas vendas. 23 empresas de construção civil, incorporadoras, construtoras, imobiliárias etc., fornecem uma habitação social de qualidade duvidosa e com muitas outras aparências negativas. Tanto que se realizarmos uma análise acerca das políticas efetivas voltadas a produção habitacional com vias sociais, teremos o primeiro programa realmente com esse caráter somente em 1923, com a Caixa de Aposentadoria e Pensão (CAP), através da Lei nº 4.682 de 24 de Janeiro de 1923, na qual tal política, denominada Lei Elói Chaves, determinava a primeira ação com caráter de previdência social, para quem quisesse guardar uma quantia para conseguir a casa própria. A Lei Elói Chaves nem era uma política habitacional em si, porém, seu modelo e sua ideia foram utilizados posteriormente por muitos políticos como forma de propagar uma política habitacional. Assim sendo, o embrião da política habitacional advém da preocupação com o futuro do trabalhador brasileiro, através da preocupação com a previdência que o citadino teria que fazer para ter que garantir de viver de forma plena. Esse ideário é muito válido, porém tem sido deturpado pelos detentores do capital que transformaram a habitação social em uma habitação de mercado, conforme trabalha Shimbo (2010). Com o passar dos anos a habitação social tem passado por inúmeros programas, que se especializam cada vez mais e espacializam a ideia ter uma casa própria. Agora temos um sistema de aquisição de habitação social bem mais evoluído, totalmente financeirizado, que se especializou ainda mais devido à creditização que o território brasileiro (SANTOS, 1993) sofreu, configurando, na atual sociedade, um sistema de “círculo financeirizado” (CATELAN, 2015) onde vemos que não somente pode-se ter a casa como comprar todos os seus componentes (móveis, eletrodomésticos, material para construção etc.). Tal círculo serve para potencializar a fetichização que é criada em cima da habitação social. Desta forma, ela torna-se uma mercadoria, não mais um objeto de pura necessidade de todo citadino, ou seja, vira objeto do capital, onde essa visão unifica o consumo que será criado em relação à mesma, através da utilização do marketing visual que será empregado pelas empresas responsáveis por conceber a habitação. Toda essa reflexão empregada será utilizada para aplicarmos nossas considerações na cidade de Presidente Prudente – SP, que constitui-se em uma cidade média que vive, e viveu, um contexto habitacional de curiosa relação entre poderes políticos e interesses sociais e que também tem apresentado um crescimento no que se refere a sua produção urbana, derivando dessa implementação, vários conjuntos habitacionais oriundos de programas sociais. 24 Os conjuntos habitacionais “Bartolomeu Bueno de Miranda” (COHAB 2 ) e Residencial Tapajós apresentam configurações no Espaço – Tempo que nos permitem realizar análises a cerca da expansão que as políticas habitacionais têm proporcionado em diferentes momentos da história. Ambos possuem as características necessárias para avaliarmos como um programa habitacional pode modular o espaço urbano das cidades, assim como sofrer intervenção de instrumentos, como o crédito, para sua propagação e expansão das atividades, isso tudo conduzida pelos agentes detentores do capital em conjunto com os níveis de governo (federal, estadual e municipal). Nossa inquietação advém dos debates realizados no âmbito do grupo de pesquisa GAsPERR (Grupo de Pesquisa Produção do Espaço Urbano e Redefinições Regionais), onde construímos nossas primeiras formulações, das aulas de Planejamento Territorial onde verificamos a existências das políticas e de suas ações, das leituras de temas relacionados a habitação social, dos trabalhos de campo realizados na cidade elencada para estudo etc. Todo este trabalho culminou, além desta monografía, em um minicurso entitulado “A Política Habitacional Brasileira” ministrado no II Seminário de Integração da Graduação e Pós- Graduação em Geografia, XVI Semana de Geografia e XI Encontro de Estudantes de Licenciatura em Geografia, realizado na Faculdade de Ciência e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus de Presidente Prudente/SP. Iniciando o debate, no Capítulo 1 – A Questão Habitacional no Tempo e no Espaço: Do Contexto Nacional A Presidente Prudente/SP, realizamos um trabalho intenso no que tange ao trazer a história da política habitacional no país realizando constantes exercícios temporais, onde, contextualizamos o início do debate habitacional com a decisão do uso da renda como critério de investimento na própria moradia. Iremos ainda detalhar um pouco das políticas dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP’s), de 1933, da Fundação da Casa Popular (FCP) em 1946, assim como as atividades do Banco Nacional de Habitação (BNH) de 1964, auge da ditadura militar e um dos focos do nosso trabalho, como também algumas das políticas habitacionais nos anos 1990, período de estabilização da moeda nacional que permitirá uma visão de atuação do capital de forma mais direcionada e, por fim, realizaremos a apresentação do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, do ano de 2009, sendo que este é outro programa que escolhemos como objeto para o debate. Este capítulo servirá de base para nos 2 O bairro é popularmente conhecido como COHAB e não deve ser confundido com a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo, órgão estadual criado para gerir a questão habitacional no Estado de São Paulo. 25 focarmos na cidade de Presidente Prudente/SP e as ações inseridas nela com relação a questão habitacional. O Capítulo 2 – Presidente Prudente: A cidade no contexto habitacional busca apresentar a cidade média do Oeste Paulista, Presidente Prudente, em seu contexto habitacional, visando apresentar todo histórico inserido nela com relação a habitação. Com os dados apresentados será possível compreender como as políticas sociais de cunho habitacional moldaram o espaço urbano desta cidade média paulista, através da produção habitacional de larga e pequena escala. Iremos também apresentar dados e fatos que conduziram a forma de governar em Presidente Prudente/SP, neste caso, tendo a questão habitacional como plataforma política de alguns candidatos a prefeito na cidade. O Capítulo 3 - Resultados dos Programas Habitacionais: Análise da COHAB e do Residencial Tapajós buscará analisar a produção de ambos os conjuntos habitacionais, que se configuram atualmente como exemplos da expansão da cidade de Presidente Prudente – SP e são reflexos das atividades do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. Além disso, realizamos um debate acerca da questão Espaço – Tempo que ambos os conjuntos apresentam em Presidente Prudente/SP, visando apresentar uma nova forma de observar os conjuntos habitacionais. Por fim, nas Considerações finais iremos apresentar nossas impressões sobre o que foi exposto no trabalho assim como levantar novos debates que irão conduzir outras reflexões relacionadas à questão habitacional no Brasil e na cidade de Presidente Prudente/SP. 26 Capítulo 1 A QUESTÃO HABITACIONAL NO TEMPO E NO ESPAÇO: DO CONTEXTO NACIONAL A PRESIDENTE PRUDENTE/SP 27 1.1 Primeiros passos da crise habitacional; Discutir a política habitacional no Brasil nos remete a tocarmos em um assunto que possui um amplo debate e se arrasta há muito tempo, nem sempre com soluções satisfatórias. Várias políticas foram criadas como forma de conter o déficit habitacional brasileiro, porém, nunca se apresentou uma alternativa que possua uma resolução plena e que permita que os cidadãos brasileiros, sem habitação própria, possam habitar de forma justa. Com o crescimento das cidades brasileiras, a questão da demanda por habitação social3vem tomando uma proporção territorial extensa e estamos longe de encontrarmos soluções cabíveis. Porém, o problema não é novo e deve ser analisado a partir do momento de estruturação das cidades brasileiras, com o processo dinâmico da industrialização das cidades. Botega (2008, p. 2) traz de forma bem sintética como ocorreu o processo de urbanização brasileiro, que [...] esteve amplamente ligado ao caráter de capitalismo dependente que a formação econômica e social brasileira adquiriu, sobretudo, após a passagem do modelo agrário-exportador para o modelo urbano- industrial de desenvolvimento. Esta passagem ocorre sem uma ruptura de modelos, ou seja, o modelo urbano-industrial se constitui como modelo hegemônico sem alterar as estruturas originárias do modelo anterior, mantendo uma estrutura agrária baseada no latifúndio e na concentração de renda, fator que será determinante no fenômeno do êxodo rural que irá acompanhar a urbanização brasileira. Assim, há um grande processo de migração das famílias camponesas para as cidades brasileiras, que experimentaram um inchaço populacional no início do século XX conforme retrata Bonduki (1994, p.713) ao dizer, como exemplo, da cidade de São Paulo que “[...] sobretudo, sediando a economia cafeeira e recebendo um fluxo imigratório intenso (a população da cidade cresceu de 40 000 habitantes em 1886 para 260.000 em 1900 e 580.000 em 1920) [...]”. Essa crescente de citadinos demanda condições urbanas que possibilitem uma habitação digna, confortável e que possa fazê- los sentirem-se satisfeitos na cidade. 3Preferimos utilizar o termo “Habitação Social” por concordarmos com Silveira e Fernandes (2010, p.2) que retratam que: “[...] é por considerar o termo “habitação”, diferente de “casa”, “moradia” ou “residência”, devido ao fato de imprimi um sentido mais abrangente, pois envolve a localização, a inserção na comunidade e os serviços disponíveis, não se restringindo à construção física do imóvel.”. 28 Com o advento da Proclamação da República, em 1889, há a necessidade de uma implementação de um país que seja atrativo aos olhos do exterior, de forma a atrair investimentos. Botega (2008, p.2) retrata que o momento político era a da República Velha (1889 – 1930), onde “[...] o país vinha substituindo a mão de obra escrava pelo trabalho livre, a partir do primeiro surto apreciável de industrialização que ocorre no último decênio do Império”. A questão habitacional no período da República Velha ainda era vista como uma questão de segundo plano. A prioridade em investir em outras áreas, como na modernização dos modelos de produção, torna a habitação preocupação das agências privadas. Segundo Bonduki (1994, p.715), o pensamento que vigora no período era “O governo não deve produzir casas para os operários, mas estimular os particulares a investirem” é a lógica que orienta, de modo geral, o Estado liberal da República Velha”. Em contrapartida, temos o foco do poder federal brasileiro em destinar sua atenção a criar nas cidades a atenção dos investidores pelo embelezamento e pela sua limpeza de forma sintomática. Em trabalho realizado pela FINEP/GAP (1983)4 acerca da questão habitacional brasileira, vemos que a preocupação com cidades higienizadas era tamanha que, em 1927, na cidade do Rio de Janeiro, há a contratação do francês Alfred Agache que elabora um documento, o “Plano Agache”, em que o foco é o remodelamento e o embelezamento da então capital federal, prevendo a demolição de favelas em busca da cidade higienizada. Desta forma, atrairia a atenção de cada político estrangeiro ou investidor que viesse ao país e visse uma capital federal higienizada, e que transparecesse um ideal de sofisticação e de educação, sem mendigos nas ruas, cortiços imundos ou moradores em péssimas condições de habitação, cenário no qual vivia o pobre indesejado pela burguesia e que o queria fora da cidade. Obviamente, tal plano visava mascarar a real situação de muitos brasileiros pobres da época, que mal tinha onde morar e nem possuíam condições financeiras de adquirir uma habitação adequada. (FINEP/GAP, 1983) Devemos aqui trazer a passagem de Chalhoub (1996, p. 16 - 17) sobre a demolição do cortiço “Cabeça de Porco”, um dos mais populares na cidade do Rio de 4O Livro “Habitação Popular: Inventário da ação governamental” é o mais completo trabalho realizado no tocante ao tema habitação social. Com uma visão governista da questão, traz vários pontos de discussão que se tornam essenciais para o debate. 29 Janeiro, em 26 de janeiro de 1893, no governo municipal de Barata Ribeiro, que nos traz uma ideia de como era visto a questão da demanda por higienizar a cidade carioca. O Cabeça de Porco – assim como os cortiços do centro do Rio em geral – era tido pela autoridades da época como um “valhacouto de desordeiros”. Diante do tamanho aparato repressivo, todavia, não parece ter havido nenhuma resistência mais séria por parte dos moradores à ocupação da estalagem. De qualquer forma, segundo o relato da Gazeta de Notícias, ocorreram algumas surpresas. Os esforços se concentraram primeiramente na ala esquerda da estalagem, a que estaria supostamente desabitada havia cerca de um ano. Os trabalhadores começavam a destelhar quando saíram algumas delas crianças e mulheres carregando movéis, colchões e tudo o mais que conseguiam retirar a tempo. Terminada a demolição da ala esquerda, os trabalhadores passaram a ser ocupar da ala direita, em cujas casinhas ainda havia sabidamente moradores. Várias famílias se recusavam a sair, se retirando quando os escombros começavam a chover sobre suas cabeças. Mulheres e homens que saíam daqueles quartos “estreitos e infectos” iam as autoridades implorar que “os deixassem permanecer ali por mais 24 horas”.Os apelos foram inúteis, e os moradores então se empenharam em salvar suas camas, cadeiras e outros objetos de uso. De acordo com a Gazeta, “muitos móveis não foram a tempo retirados e ficaram sob o entulho”. Os trabalhadores de demolição prosseguiram pela madrugada, sempre acompanhados pelo prefeito Barata. Na manhã seguinte, já não existia mais a célebre estalagem Cabeça de Porco. Tal passagem reflete como o poder público agia com relação a esses cortiços, de forma abrupta e de rápida ação, não esperando pela movimentação dos moradores, tudo isso sob o olhar do prefeito e de vários apoiadores da causa. Devemos notar também o apoio que a mídia da época fazia, conforme passado no trecho acima. Além do processo de embelezamento proporcionado pelo Plano Agache no Rio de Janeiro, temos na cidade de São Paulo o crescimento vertiginoso da população, em busca de emprego nas indústrias instaladas na cidade. Compostos de muitos vindos do campo ou de imigrantes, a necessidade de instalar e oferecer habitações a todos esses trabalhadores, demandou ações do governo federal e de outras instâncias de forma a permitir moradias a esses trabalhadores. (BONDUKI, 1994). 1.2 A Cruz e a Espada: A renda como parâmetro de aquisição de habitação social5 5 Nossa intenção com este subcapítulo não é criar uma nova frente dentro deste trabalho, mas assim, utilizar do debate da renda como fator para a aquisição da habitação social para compor nosso pensamento. Sendo assim, deixamos para o leitor realizar uma pesquisa aprofundada sobre este tema, onde abordamos somente a questão habitacional, porém, há outras frentes a serem exploradas que emergem a discussão da valorização da renda familiar. 30 No decorrer de nosso trabalho, verificaremos algumas interfaces no mínimo curiosas no tocante ao investimento público em construir habitações sociais para as famílias pobres brasileiras. Muitas são as justificativas dos governos para direcionar seus investimentos para a construção dessas habitações, e aqui debateremos o uso da renda familiar como forma de investimento em habitação social. Abordaremos sobre o poder aquisitivo do citadino e trabalhador brasileiro que experimentou uma crescente alta, especificamente a partir do ano de 2002, com a eleição de um governo cuja perspectiva priorizava o acesso de muitas famílias a bens de consumo, o que se intensificou em 2009, com a criação de programas que viabilizavam ainda mais esse poder de consumo. Assim, atentamo-nos para a renda familiar, principalmente pautada no salário mínimo do trabalhador brasileiro. O uso do salário mínimo como parâmetro para o financiamento da casa própria ou para a destinação de recursos federais tem sido utilizado pela maioria dos governos que assumem a presidência da República. Utilizar da renda familiar para tal efeito não é correspondente com a realidade de muitos trabalhadores brasileiros. O salário mínimo não condiz com a realidade de muitos citadinos, e nem sequer suprem as necessidades básicas dos mesmos, como os gastos domésticos. Além disso, a renda familiar composta pelos membros da família nem sempre condiz com o fato dela possuir todas as suas necessidades supridas. Mesmo que uma família apresente uma renda de, por exemplo, R$ 2.000,00, isso não significa que sua renda condiz com uma qualidade de vida plena, conforme é especulado. Sobretudo porque o salário mínimo oscila vertiginosamente há muitos anos, algo que não ocorre a pelo menos cinco anos, quando o mesmo voltar a se valorizar. O mesmo tem sofrido oscilações contundentes desde sua instauração em 1 º de Maio de 1940, no governo de Getúlio Vargas (1937 – 1945). O gráfico6 1 abaixo representa a variação que o salário mínimo apresenta desde a sua implementação. Gráfico 1. Brasil. Valores do Salário Mínimo por décadas (1940 – 2015)7 6O gráfico contém dados obtidos através do site http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/02/veja-evolucao-do- salario-minimo-desde-sua-criacao-ha-70-anos.html Acesso em 01.Set.2015. Importante salientar que o salário mínimo somente foi unificado no Brasil em 1980, e que os valores até então correspondem ao Estado de São Paulo. 7 Procuramos deflacionar todos os dados, os aproximando o mais fielmente da realidade financeira do país. Utilizamos de calculadoras que aproximam o valores de moedas anteriores ao Real e deflacionamos os dados para torna-los mais fieis as informações. http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/02/veja-evolucao-do-salario-minimo-desde-sua-criacao-ha-70-anos.html%20Acesso%20em%2001.Set.2015 http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/02/veja-evolucao-do-salario-minimo-desde-sua-criacao-ha-70-anos.html%20Acesso%20em%2001.Set.2015 31 Fonte: DIEESE (2011) Os valores demonstram a desvalorização que o salário mínimo apresentou durante algumas décadas, especificamente no período de inserção ao neoliberalismo, nos governos Collor (1990 – 1991), Itamar Franco (1992 – 1994) e FHC (1995 – 2001). Os valores foram todos corrigidos para Real, a fim de evidenciarmos as diferenças em cada década. O gráfico 2 abaixo demonstra a valorização e a desvalorização que o salário mínimo obteve no decorrer dos anos analisados de forma mais ilustrativa. Gráfico 2. Brasil. Percentual de Valorização e de Desvalorização do Salário Mínimo (1940 – 2015)8 8 Dados utilizados do Grafico 1 elaborado por nós para este trabalho. VALORES SALARIO MINIMO Valores do Salário Mínimo por décadas (R$) (1940 - 2015) 32 Fonte: Elaborado pelo Autor (2016). E mesmo experimentando uma crescente a partir de 2002, os valores do salário mínimo ainda não são plenamente salutares para as famílias brasileiros, porém, apresentaram a partir do ano citado um aumento no poder aquisitivo do citadino brasileiro, mesmo ainda longe do ideal. Desta forma, utilizar o salário mínimo como parâmetro para classificar e definir famílias que serão beneficiadas com programas do governo federal não revela completamente a necessidade pela casa própria. Mesmo que seja uma forma democrática de inclusão a todos os brasileiros para que ganhem o necessário para sobreviver e uma forma de combater os abusos de algumas empresas que vislumbrem não pagar o mínimo necessário de trabalho, seu uso como meio de ação social não é condizente com a realidade. Até porque a valorização do salário mínimo tem decaído, conforme debate empreendido por Mello e Correa (s/d, p. 109) ao retratar que houve uma valorização do salário mínimo somente “[...] entre 1952 e 1964.” As autoras ainda continuam com a sua explanação para retratar que “Atualmente, o governo continua a apresentar motivos vários e obstáculos para não elevar o poder aquisitivo real do salário mínimo, na medida necessária.”. (MELLO e CORREA, s/d, p.109). Deste modo, com a recente inserção das famílias brasileiras a um circuito econômico baseado no crédito, conforme trabalha Catelan (2015), vemos a necessidade 0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00% 100,00% 120,00% 140,00% 160,00% 180,00% 19 40 19 50 19 60 19 70 19 80 19 90 20 00 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 Percentual de Valorização e Desvalorização do Salário Mínimo (1940 - 2015) Valores em % 33 de o salário mínimo possuir um poder de consumo e de aquisição de forma mais abrangente, em que ele seja valorizado pelo Estado de forma que, possa sim permitir que a aquisição de uma habitação social seja a partir dele, porém, o mesmo deve permitir que haja uma proximidade entre cidadão e mercadoria. 1.3 Os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP’S) e a Fundação Casa Popular (FCP): primeiras políticas direcionadas Como forma de regulamentar o fornecimento de habitações sociais para os trabalhadores advindos de várias cidades rurais, expoentes do êxodo rural e até mesmo de outras nacionalidades (japoneses, italianos, portugueses etc.) o Estado passa a intervir no ponto da questão habitacional brasileira. (FINEP/GAP, 1983). Com isso, em 1933 são criados os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP´S) desmembrados em vários outros institutos, de forma a criar condições necessárias para que pudessem se obter recursos de forma a permitir a construção das habitações sociais preteridas. Esse desmembramento se constituiu em outros fundos de pensão que visavam atrair investimento de várias áreas: marítimos (IAPM), industriários (IAPI), bancários (IAPB), comerciários (IAPC), condutores de veículos e empregados de empresas de petróleo (IAPETEC) e estivadores (IAPE) (BARON, 2011). Desta forma, era possível obter fundos necessários para a construção de habitações, já que, vários fundos de pensão foram criados de forma a proporcionar uma boa reserva financeira. A lógica que permeava os IAP’s era de cunho totalmente capitalista, conforme nos retrata os estudos realizados pelo FINEP/GAP (1983) apud Baron (2011, p.105) ao dizer que “No início, as atividades do IAPs, se concentraram em aplicar os recursos arrecadados em investimentos que tivessem retorno garantido para o fundo, pois seus objetivos eram a concessão de aposentadorias”. Mesmo a habitação não sendo a intenção primordial dos IAP’s, muito dos seus recursos foram utilizados para a construção de conjuntos habitacionais. Consideramos então que, essa política do IAP’s, foi à primeira de cunho estatal com essa intencionalidade, muito mais como solução paliativa e resposta à população que se via desabrigada naquele momento. Por meio das ações dos IAP’s temos os primeiros passos efetivos do Estado de forma a combater a questão do déficit habitacional brasileiro. Mesmo sendo utilizados de forma oportuna, como meio de promoção de governos (o que ocorrerá em outras 34 políticas voltadas a habitação), os Institutos de Aposentadoria e Pensão surgem como primeiro método de contenção da falta de habitação. Porém, seu formato foi se desgastando conforme o tempo e suas ações foram sendo cada vez mais retraídas e seus resultados não apresentavam a satisfação objetivada. Era necessário que uma nova política habitacional fosse pensada, com o intuito ainda de fornecer habitações para a classe de mais baixa renda. (BARON, 2011). Para isso, temos a criação, em 1946, da Lei nº 9.218, de 01 de maio de 1946, que legitimava naquele momento a Fundação Casa Popular (FCP), órgão federal que seria a mais nova política pública voltada ao combate da demanda por habitação na época. Azevedo (1988, p.108) faz alguns apontamentos acerca da criação da Fundação Casa Popular (FCP) Da mesma forma que o Banco Nacional da Habitação (BNH), duas décadas depois, a FCP foi criada basicamente como meio de garantir ao governo maior respaldo popular através do discurso de acesso à casa própria. A escolha do dia 1º de maio como data oficial de sua criação indica a disposição do governo de tirar o máximo de dividendos políticos - em termos de prestígio e legitimidade – junto aos assalariados urbanos. Assim é possível compreender que a criação da Fundação Casa Popular (FCP) está totalmente atrelada ao discurso legitimador do Governo Federal deste período em se produzir habitação para a classe de mais baixa renda, com o intuito de se fixar no poder político nacional e criar uma rede de aceitação nas classes econômicas existentes no país. (AZEVEDO, 1988). O caminhar da política da Fundação Casa Popular foi o mesmo dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP’s); não teve todo o incentivo necessário para sua legitimação e acabou sendo cancelado com o advento do Regime Militar, em 1964. Ambas as políticas iniciais de produção de habitação popular demonstram a fraqueza que o assunto em questão tinha naqueles tempos. Essas políticas eram utilizadas de forma “paternalista” como resposta do governo às mazelas da população, em que, a intencionalidade intrínseca era, a de legitimar um poder que assumia a presidência da República e não combater um problema de forma direta e eficaz. Com o período militar (1964-1989) o tema da falta de habitação para a população brasileira também ganhou destaque, mas de forma mais incisiva pelo governo federal e com um número de recursos maior. 35 1.4 Banco Nacional de Habitação (BNH): tratamento financeiro à política habitacional; O ano de 1964 configurava uma nova fase política no Brasil no que se refere à democracia. Após a passagem da ditadura de Getúlio Vargas (1937 - 1945) e um período turbulento no processo político do Brasil, vemos a tomada do poder pelos militares, um novo momento de ações políticas ditatoriais e entrave para o exercício da gestão, do planejamento e da prática política democrática. Uma série de medidas foram tomada de forma abrupta, o que já apontava como o poder militar que assumiu o comando do país através de um golpe iria definir o futuro do Brasil. Era necessário que o Regime Militar imposto pudesse ter o apoio da maioria da população, especificamente da classe mais pobre, para convencimento do discurso orientado por esta forma de governo. Desde o principio de sua posse, o governo Militar, tendo o seu primeiro presidente o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco9, necessitava atrair o maior público possível para se legitimar. Compreendendo que a proximidade com o povo mais carente tornaria suas medidas mais palatáveis, investir em um setor que necessita atenção como à questão habitacional tornou-se um atrativo para o governo recém- instaurado. Por isso, o governo militar tomou algumas medidas de caráter populista, muitas direcionadas à questão habitacional, tema já em debate de governos anteriores. Dentro de um período rápido de tempo, cerca de dois anos, o recente governo tomou medidas e criou leis para atingir uma demanda social existente há muito tempo no Brasil - o déficit de habitações sociais. Dentro desta perspectiva temos através da Lei nº 4380/64, a institucionalização do Banco Nacional de Habitação (BNH), que irá gerir os recursos para o financiamento e construção de habitações; há também a criação do Serviço Financeiro de Habitação (SFH), do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) e, com a Lei Nº 5.107 de Setembro de 1966 temos a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). 10 (FINEP/GAP, 1983) 9 Subiu ao posto de Marechal ao aposentar-se em 1964, porém ao asumir a Presidência da República era General-de- Brigada. 10Deve-se fazer um destaque especial com relação à criação do FGTS. Ele trouxe para a dinâmica da questão habitacional uma nova forma de adquirir os recursos que seriam providos para a criação de habitações sociais, através de uma poupança compulsória, cerca de 8% do salário do trabalhador brasileiro. A ideia de colher do trabalhador 36 Essas políticas criadas tinha o ideário de trazer uma solução final ao déficit de habitações para o povo brasileiro. Porém, estavam muito mais permeadas pela ideia de que essa proximidade com uma questão de nível amplo e que atingia muitos trabalhadores brasileiros, pudesse tornar o golpe de 1964 um processo mais aceitável pela população, especificamente de cunho mais pobre, fazendo assim o Regime Militar tornar-se mais estratificado no poder. O sentimento de possuir uma casa para habitar concentraria a atenção da população mais carente, aquela que demandava maior aceitação, para questões mais de caráter pessoal do que de cunho político, sendo que os protestos em repressão a ditadura militar eram constantes neste período. Além disso, o trabalhador brasileiro possuindo uma casa para morar e um emprego para se sustentar não se disponibilizaria a reclamar ou contestar o governo. Assim, o governo Militar manteria uma característica vista em governos anteriores, o populismo, com isso se estabilizaria no poder mantendo um regime limitado e impositivo. (VILLAÇA, 1986). Tais direcionamentos são identificáveis através da figura 1 que traz a reprodução apresentada por Souza (1974, apud FREITAS, 2007, p. 18), da carta endereçada ao então presidente General Castelo Branco, da então deputada federal Sandra Cavalcanti, que seria a primeira presidente do Banco Nacional de Habitação (BNH), onde a mesma relata como a inserção do governo militar na temática habitacional poderia ser benéfica para a legitimação do recente governo. Figura 1. Fac-símile da carta de Sandra Cavalcanti direcionada ao então presidente General Castelo Branco (os grifos são do próprio General) brasileiro os fundos para a habitação foi utilizada em outros governos, demonstrando que a criação deste Fundo destina-se a criar um modo de investimento para as habitações advindo direto do trabalhador brasileiro, o que não configura em qualidade nas mesmas. 37 Fonte: SOUZA (1974, apud FREITAS, 2007, p. 18) Nesta primeira página de sua carta Sandra Cavalcanti destaca que a necessidade de um projeto que trouxesse a atenção da população é essencial para a legitimação do Golpe. No texto, a então deputada federal relata que o projeto do Banco Nacional de Habitação (BNH) era direcionado a campanha presidencial de Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara (atual cidade do Rio de Janeiro) e ligado politicamente a Sandra Cavalcanti. (MELO, 2013) Desta forma, é perceptível que a intenção do governo militar era muito mais de legitimar sua força utilizando-se de uma grande demanda social, o déficit habitacional, do que efetivamente combatê-lo demonstrando quais seriam as bases ideológicas que direcionariam as regras do Banco Nacional de Habitação (BNH). 38 Além de sua legitimação no governo, a intenção do Regime Militar era criar o maior número de empregos possíveis para a população desempregada no Brasil. É de conhecimento geral que a construção civil demanda um grande número de trabalhadores, desde a construção até a projeção, exigindo uma demanda alta de homens, em específico nas áreas que demandam pouca experiência. Um governo que cria empregos, principalmente para a grande demanda de população de baixa renda, abarca o maior número de pessoas coniventes com suas determinações, que não irá contestar as ações ditatoriais do governo, sabendo das possíveis oportunidades criadas. Outros pontos podem ser destacados no que se refere aos benefícios que o BNH viria a trazer para a sociedade, como cita Azevedo (1988, p. 109 – 110) ao dizer que A criação do BNH, além de colaborar na legitimação da nova ordem política, previa inúmeros efeitos positivos na esfera econômica: estímulo à poupança; absorção, pelo mercado de trabalho, de um maior contingente de mão-de- obra não qualificada; desenvolvimento da indústria de material de construção; fortalecimento, expansão e diversificação das empresas de construção civil e das atividades associadas (empresas de incorporações, escritórios de arquitetura, agências imobiliárias, etc.). Com a criação de um banco que iria gerir os financiamentos para a construção de habitações sociais temos um novo panorama no que se refere à política habitacional: a conotação financeira que este problema teria no governo Militar, desconsiderando sua característica plenamente social. Isso é o que Magalhães (1985, p.213) apud MEDEIROS (2010, p.5) ressalta ao dizer que “[...] A questão da habitação não é financeira, mas social. O SFH, justiça seja feita, foi concebido para um modelo de desenvolvimento pleno da economia e, nestas circunstâncias, funcionava". Aqui o autor faz destaque a uma das ferramentas utilizadas pelo governo Militar para consolidar o BNH: o Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Ao captar recursos do FGTS, oriundos do trabalhador brasileiro, o SFH demonstrava ser uma forma de alocação de dinheiro que se destinaria a outras camadas da sociedade, já que o mesmo era direcionado para famílias de renda média. Com isso, outras políticas foram criadas para as camadas populares, ou seja, de renda mais baixa, com o intuito de cobri-las também com as medidas do BNH. Retratamo-las no quadro abaixo 39 Quadro 1. Brasil. Subprojetos para famílias de renda baixa. (1975 – 1982) Fonte: Elaborado a partir de SILVA (2007), Organizado pelo Autor (2015). SUBPROJETOS ORIUNDOS DO BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO (BNH) PROGRAMA ANO DE IMPLANTAÇÃO OBJETIVOS PROFILURB (Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados) 1975 “[...] consistia basicamente no financiamento de moradias para famílias de condição econômica instável, com renda até três salários mínimos.” (SILVA, 2007, p. 31). FICAM (Financiamento de Construção, Conclusão, Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Popular) 1977 “[...] funcionava de modo articulado ao anterior, constituindo-se como uma alternativa às habitações convencionais, propiciando aos financiados a possibilidade da autoconstrução.” (SILVA, 2007 , p.31) PROMORAR (Programa de Erradicação de Sub- habitação) 1979 “Visava à melhoria das habitações populares em favelas tendo como meta erradicar as habitações insalubres, sem, no entanto, remover os moradores do local.” (SILVA, 2007, p. 32) PROJETO JOÃO DE BARRO 1982 “[...] tratava-se de um programa de autoconstrução de moradias populares, que visava evitar o processo desfavelização gerado pelas construções espontâneas sem planejamento.” (SILVA, 2007, p. 32) 40 Ao criar novos programas habitacionais destinados a famílias com renda mais baixa, fica evidente que a política habitacional do Banco Nacional de Habitação (BNH) se pautava em atender famílias de renda média, ou seja, havia criado uma divisão do que se entende em prover habitação social para promover habitação para uma classe social definida. Todo o processo financeiro que envolvia agora a política habitacional trouxe resultados até que muito interessantes no que se refere à produção de habitações durante o período de atuação do BNH, devido ao número expressivo de casas construídas, conforme o gráfico 3. Gráfico 3. Brasil. Unidades habitacionais produzidas no período do BNH. 1964 – 1984. 41 Fonte: Elaborado a partir de SOUZA (2005). Organizado pelo Autor (2015). CASTELO BRANCO COSTA E SILVA MÉDICI GEISEL FIGUEIREDO Unidades habitacionais produzidas no período do BNH (1964 - 1984) 42 Totalizando cerca de 4.283.383 (quatro milhões, duzentos e oitenta três mil e trezentos e oitenta e três) habitações construídas no período do regime militar, podemos perceber que não houve uma regularidade no tocante a construção das mesmas, onde podemos verificar uma oscilação bem destoante nos governos militares. Mesmo com números expressivos no que se refere à produção habitacional, é preciso salientar que boa parte destas habitações construídas não foram totalmente destinadas a famílias de baixa renda e sim às famílias de renda média. E todas foram construídas com recursos advindo do FGTS dos trabalhadores brasileiros, que não eram contemplados na maioria pelo programa. (VILLAÇA, 1986). E mesmo com a criação de programas que visavam atingir um público de menor renda (PROFILURB, Projeto João de Barro, etc.) não foi possível abranger toda a população carente que necessitava de habitação, devido à limitação que o programa apresentava, onde havia muita demanda, mas pouca disponibilidade de recursos. (SILVA, 2007). Assim, o governo militar irá dar novas atenções para outras demandas como o planejamento urbano das cidades, com enfoque no saneamento urbano a fim de regularizar as novas habitações construídas, atingindo outro ponto que, em nossa opinião, necessita de atenção total já que demanda investimentos altos e infraestrutura adequada. Pelo exposto, é possível verificar que a intencionalidade do governo militar é a mesma de governos anteriores: a de sanitizar favelas, cortiços e outras moradias sem valor de uso, a fim de criar uma forma de regulação dessas habitações, visando trazer o sentido de "progresso" ao país. Em contrapartida, as inúmeras residências produzidas no período militar não foram capazes de suplantar a necessidade de habitação de muitos trabalhadores brasileiros, agravando o déficit habitacional do Brasil, criando maiores entraves para a solução de tal problema. A dissolução do Banco Nacional de Habitação (BNH) vem através da Lei nº 2.291 de 21 de novembro de 1986, com medidas realizadas após as eleições diretas, que tiveram como vencedor Tancredo Neves, que não pode assumir por ter falecido antes de sua posse, sendo sucedido por José Sarney. Uma das medidas do novo presidente da República foi extinguir o Banco Nacional de Habitação (BNH), como forma de martirizar o programa que teria sido reflexo da governança incólume dos militares, e distribuir suas atividades em secretarias 43 e Ministérios, atribuindo ao banco Caixa Econômica Federal (CEF) as medidas referentes à posse da habitação no país, o que seguirá por muitos anos até o momento atual. O déficit habitacional ainda persistiria mesmo após a conquista da democracia através do apelo popular e das manifestações por “Diretas Já!”, que trouxe o direito ao voto para os brasileiros. Mesmo tendo sido uma experiência negativa no tocante a distribuição de suas habitações para as camadas da classe social brasileira, o BNH trouxe para governos posteriores novas formas de lidar com a questão habitacional e também com novas formas de financiamento e crédito, o que será visto nos próximos capítulos. 1.5 Do fim do BNH ao período FHC: da produção da habitação ao seu consumo Com o fim do período de ditadura militar em 1985, inicia-se o processo de redemocratização dos poderes e a criação de uma Constituição em 1988. O insucesso representado pela política voltada às classes médias e altas da sociedade culminou no encerramento das atividades do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1986 através do Decreto-Lei nº 2.291/86, e passou a ter suas atribuições incorporadas pela Caixa Econômica Federal (CEF) que iria controlar as decisões referentes ao financiamento da habitação popular. Como a intenção era a de apagar a imagem negativa que a ditadura militar trouxe ao Brasil, a dissolução do Banco Nacional de Habitação (BNH) representou uma esperança em uma nova fase que poderia representar ao setor habitacional brasileiro. Porém, a situação foi totalmente diferente da pensada e resultou num hiato indefinido com relação à ação governamental na demanda por habitação. A partir de então, as políticas públicas voltadas para este setor, passariam por um período estático no que se refere à efetivação de construção física de habitações, mas em contrapartida, teríamos muitas políticas no papel, com a criação de muitos programas que pouco amenizaram o déficit habitacional. É possível pensarmos essas questões relacionadas à ação do governo federal frente à questão habitacional, analisando os três períodos que representam o pós-periodo militar. Temos a Nova República, de 1985 a 1990 com o Governo de José Sarney, em que Arretche (1996, p. 81) apud CARDOSO (s/d, p. 3) nos relata que 44 Na verdade, na assim chamada Nova República, as áreas de habitação e desenvolvimento urbano percorreram uma longa via-crucis institucional. Até 1985, o BNH era da área de competência do Ministério do Interior. Em março de 1985, foi criado o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente – MDU, cuja área de competência passou a abranger as políticas habitacional, de saneamento básico, de desenvolvimento urbano e do meio ambiente. Em novembro de 1986, com a extinção do BNH e a transferência de suas atribuições para a Caixa Econômica Federal – CEF, a área de habitação permanece vinculada ao MDU, mas é gerida pela CEF que, por sua vez, não está concernida a este Ministério, mas ao Ministério da Fazenda. Em março de 1987, o MDU é transformado em Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente – MHU, que acumula, além das competências do antigo MDU, a gestão das políticas de transportes urbanos e a incorporação da Caixa Econômica Federal. Em setembro de 1988, ocorrem novas alterações: cria-se o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social – MBES, em cuja pasta permanece a gestão da política habitacional. Em março de 1989, é extinto o MBES e cria-se a Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária – SEAC, sob competência do Ministério do Interior. As atividades financeiras do Sistema Financeiro da Habitação – SFH e a Caixa Econômica Federal – CEF passam para o Ministério da Fazenda. Assim é possível identificar que há um desmembramento total do que era até então o Banco Nacional de Habitação (BNH) em vários órgãos institucionais, em que há demonstração de uma divisão do problema e não da busca de sua solução. Essas ramificações evidenciam como a política voltada para a habitação era vista de forma despretensiosa pelo governo vigente. Com o governo Collor, em 1990 até 1992, temos um período que seguiria basicamente a ideia do governo Sarney, onde a política habitacional “[...] foi caracterizada por processos em que os mecanismos de alocação de recursos passaram a obedecer preferencialmente a critérios clientelistas ou ao favorecimento de aliados do governo central.” (AZEVEDO, 1996 apud CARDOSO, s/d, p. 4). Começava no país a adesão à política neoliberal, onde o Estado participa de forma a facilitar a entrada do mercado contribuindo para as ações de empresas privadas. Tal fato refletia nas ações do governo referente à questão habitacional. Santos (1999, p. 21apud BOTEGA 2007, p.71) retrata em específico como foi o período Collor e suas ações na habitação. Os principais programas de habitação passaram, com a extinção do Ministério do Interior, para o controle do Ministério da Ação Social. Entre estes podemos destacar o Plano de Ação Imediata para a 45 Habitação (PAIH), que previa a construção, em caráter emergencial, de aproximadamente 245 mil casas em 180 dias através da contratação de empreiteiras privadas. Novamente um programa habitacional estava direcionado ao capital imobiliário privado. Em pouco tempo este prazo alongou-se por mais de dezoito meses, o custo médio foi bem superior ao previsto, a meta acabou diminuindo de 245 mil para 210 mil casas, e para piorar a situação o plano não conseguiu os percentuais de recursos necessários. Segundo dados extraídos do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado no ano de 1991, cerca de 55,2% das famílias que enfrentavam a falta de habitação própria recebia cerca de dois salários mínimos11(R$ 896,72). E o total de pessoas que não possuíam casa própria e viviam nas ruas representava ao torno 60 milhões de brasileiro, número muito expressivo com relação a pessoas que habitavam nas ruas. (BOTEGA, 2007) Com a iminência do impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, várias políticas do recente governo ficaram ameaçadas e tiveram um hiato até que outro político pudesse assumir a presidência da república. A questão habitacional sofreu deste período conturbado da história política e da democracia brasileira, tendo sua atenção desfocada e suas medidas esfriadas. Como forma de cumprir o mandato, assume a presidência da república o então vice-presidente de Fernando Collor de Mello, Itamar Augusto Cautiero Franco, que possuía a responsabilidade de guiar as políticas até então implementadas de forma a contribuir com toda a democracia refletida nas ruas através dos “caras pintadas”12. As medidas que Itamar Franco (1992 – 1994) tomou foram simplesmente seguir com as políticas até então já tomadas no governo anterior, devido os recursos disponíveis, algo entorno de 800 mil dólares, além de realizar a criação de mais dois programas habitacionais, conforme retrata Fernandes (2006, p. 48) No Governo Itamar Franco (1992-1994), a opção foi por priorizar a conclusão das obras em execução e projetos já aprovados no governo anterior pelo Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH). Houve a criação de dois novos programas: o Habitar Brasil e o Morar 11A moeda Cruzeiro (Cr$) fora instaurada através da Medida Provisória 168 de 13/03/1990 e depois pela Lei Nº 8.024 de 12/04/1990. O salário mínimo em 1991 variava de Cr$ 12.330,00 a Cr$ 42.000,00. Optamos por pegar o salário mínimo no inicio do ano de 1991; em Janeiro do mesmo ano seu valor era de Cr$ 12.330,00, ou seja, R$ 448,36. 12Os “caras pintadas” foi um movimento civil estudantil, de 1992, da população brasileira de forma a responder as denúncias de corrupção que o governo de Fernando Collor de Mello estava envolvido. Com os rostos pintados das cores da bandeira do Brasil, a população foi às ruas reivindicar a punição ao presidente da república. Recentemente, a mobilização da população evocando tal ato tomou força novamente, porém fora de contexto e de motivação odiosa. 46 Município, com recursos oriundos do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), buscando implementar outra fonte de captação de recursos. (grifo nosso). Somente com o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 1998) é que teremos novas medidas referentes as ações que contemplam a questão habitacional e as expectativas até o momento, é que novas providências fossem tomadas. No seu governo algumas medidas foram mantidas e outras possuíram caráter mais econômico, com a absorção de recursos nos mais variados âmbitos institucionais. Em seu primeiro mandato, houve a retomada do uso dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), como forma de utilizar os mesmos na construção de habitações sociais, uso dos recursos do Orçamento Geral da União (OGU) para a provisão de habitações ou melhoria das existentes, criação dos programas Habitar- Brasil e Pró Moradia, criação do programa “Carta de Crédito” e a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Essas medidas de cunho macroeconômico visavam, além de resgatar as construções de habitações sociais, repassar recursos destinados à política habitacional para outras cidades do Brasil, porém elas deveriam seguir uma série de regras pré- estabelecidas pelo governo federal, conforme retrata Cardoso (s/d, p. 4) ao dizer que Após a reorganização do setor, foram criadas novas linhas de financiamento, tomando como base projetos de iniciativa dos governos estaduais e municipais, com sua concessão estabelecida a partir de um conjunto de critérios técnicos de projeto e, ainda, da capacidade de pagamento dos governos sub-nacionais. Essas medidas visavam conter o endividamento público que o então governo visava enfrentar devido a medidas intransigentes de governos anteriores. Desta forma havia o favorecimento de algumas cidades brasileiras, que cumpriam todas as exigências do governo federal, em detrimento do prejuízo de outros que não seguiam exatamente aquilo que era preconizado pelo governo. Essa retração pode ser claramente observada através do Quadro 2 que apresentamos, onde retratamos os investimentos previstos e os executados pelo governo de FHC no seu primeiro mandato de 1995 a 1998. 47 Quadro 2. Valores e número de famílias atendidas pelos programas habitacionais. 1995-1998 Fonte: Extraído de CARDOSO (s/d) É possível verificarmos que a Carta de Crédito, disponibilizada pela Caixa Econômica Federal (CEF) e criada como forma de fornecer crédito a famílias com renda até 12 salários mínimos, e que contemplava recursos do banco e do FGTS, obteve o maior número de acessos pela população do que os programas que seriam destinados à política habitacional, demonstrando que a iniciativa de retirar o financiamento diretamente do banco era muito mais buscado pela população do que a espera pelos recursos destinados pelo governo federal, devido a sua intensa política de controle financeiro e de acúmulo de recursos. Por outro lado, a criação da Lei Nº 9.514 de 20 de novembro de 1997, que instaurava o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), visava trazer à questão habitacional e imobiliária novos moldes e novas estruturas a esse modelo, como forma de modernizar um sistema até então defasado e ineficiente. Royer (2011, p. 2) relata as motivações da criação do SFI O SFI foi criado como uma possibilidade real de estabelecer um mercado importante no país para o financiamento a empreendimentos imobiliários. A ‘ausência do sistema nervoso’ para ‘deslanchar’ o setor imobiliário no Brasil, [...] em relação ao sistema de crédito para a produção de torres de escritório, um dos principais tipos de empreendimentos imobiliários pelo volume de produção e valores envolvidos, demonstra a importância dada pelo setor imobiliário na formatação de um sistema financeiro próprio em meados da década de 90. Toda a argumentação de que falta um sistema de crédito destinado ao setor imobiliário, de que o setor será alavancado caso esse sistema funcione, vem ao encontro da edição da lei do SFI. Desta forma, é possível evidenciarmos que a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) visava criar um ambiente favorável para a valorização PROGRAMAS PREVISTO (1995 – 1998) EXECUTADO (1995 – 1998) VALOR (R$) FAMILIAS VALOR (R$) FAMILIAS PRÓ-MORADIA 3.518.000.000,00 433.000 1.072.000.000,00 285.000 HABITAR-BRASIL 1.881.000.000,00 268.000 1.090.000.000,00 437.524 CARTA DE CRÉDITO 6.000.000.000,00 146.000 11.964.000.000,00 397.495 TOTAL 11.399.000.000,00 847.000 14.126.000.000,00 1.120.304 48 de empreendimentos imobiliários, com destaque para os recentes prédios comerciais, que demandavam uma valorização para a sua venda, isso tudo acabou que culminou com a lei do SFI. No seu segundo mandato, (1999 – 2001), FHC ainda avançaria com a criação de novas leis, porém a produção habitacional ainda apresentava pouca efetivação, com muitas medidas tomadas, mas com representação abaixo do que se esperava e a manutenção de uma política que valoriza o valor capital das famílias, não sua constituição social e sua demanda habitacional. A criação do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), em 1999, visava fornecer ao adquirente de uma casa a possibilidade de realizar a compra desta através da Caixa Econômica Federal (CEF) após 15 anos de residência na mesma. Até este momento o terreno ainda estaria em posse do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que iria gestionar essas residências pelo período estipulado até a compra definitiva do mesmo pelo morador. Esse novo formato de aquisição de habitação social, nos apresenta outra forma de adquirir uma casa, agora em um modelo econômico direto e em uma situação de isenção de ação governamental para construção de habitações sociais. Tal questão suscita outros debates como a inadequada ação do governo em se inserir em uma questão que demanda grande atenção como a qualidade das habitações, a localização periférica dos conjuntos em, muitas vezes, descontínuo no tecido urbano, o que prejudicava a mobilidade dos moradores, limitando o acesso à cidade. O Governo de FHC só irá atentar para a população com renda de até três salários mínimos somente no final de seu mandato, com a criação do Programa de Subsídio de Habitação de Interesse Social (PSH) 13 , que consiste em uma linha de crédito disponibilizada para a população de baixa renda como forma de fornecer subsídios para a construção de habitações para essa população. Como uma de suas últimas medidas na presidência da Republica, FHC sancionou uma lei que direcionaria as diretrizes necessárias para a regulação urbana das cidades e que seria um meio de aproximação com as mazelas urbanas existentes, atentando-se, finalmente, para tais problemas. O Estatuto da Cidade, sancionado através 13 Maiores informações no site http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/programa_des_urbano/programas_habitacao/psh/index.asp http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/programa_des_urbano/programas_habitacao/psh/index.asp 49 da Lei Nº 10.257 de 10 de Julho de 2001, visa regimentar a política urbana no Brasil, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal.14 Portanto, as políticas apresentadas nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2001, nos apresenta um novo modelo no que se refere à produção e aquisição da habitação social. Conforme retrata Valença (2001) apud Shimbo (2010, p. 70) “o governo Collor plantou as sementes de um mercado aberto, que FHC fez florescer”. Com isso, vemos que a habitação social ganhou moldes de produto financeiro e não de bem necessário para vivência do citadino, demonstrando a política mercadológica implementada no inicio do Governo Collor (1990 – 1991), continuada pelo Governo Itamar Franco (1991 – 1994) e finalizada pelo Governo FHC (1995 – 2001), através de medidas distantes da realidade de muitas famílias que necessitavam de uma casa própria. Com o gráfico 4 temos uma explanação da produção habitacional dos três governos, demonstrando uma certa irregularidade no que se refere ao número de habitações sociais. Gráfico 4. Brasil. Unidades habitacionais. 1990 a 2001. Fonte: SOUZA (2005). 14 Aqui fica o nosso destaque para que, a conquista do Estatuto das Cidades, advém da intensa luta proferida pelos movimentos sociais da Reforma Urbana. 0 50 100 150 200 250 300 350 400 240 400 108 57 61 63 68 208 243 215 317 279 Unidades Habitacionais construídas 1990 - 2001 ITAMAR/ COLLOR FHC 50 Com um total de 2.259 (duas mil e duzentas e cinquenta e nove) habitações o período correspondente aos primeiros anos do primeiro mandato do Governo de FHC (1995 – 1998) foi o que menos trouxe destaque para a produção habitacional. No final de seu segundo mandato (1999 – 2001) temos uma variação significativa no que tange a esta produção, com números acima do seu primeiro mandato, mas ainda em uma escala bem ínfima. Somente com os dois mandatos do Governo de Luis Inácio Lula da Silva, a partir de 2002, é que teremos uma atenção maior com relação à faixa de famílias que ganham até três salários mínimos, através de inúmeros programas criados voltados a essa faixa de renda e no que se refere à política habitacional, o Programa “Minha Casa, Minha Vida” surgirá como uma alternativa possível para a solução do déficit habitacional. Daremos mais ênfase a seguir a este programa buscando compreender em que este pode ser distinto e em que pode ser complementar aos contextos relatados anteriormente. 1.6 Programa “Minha Casa, Minha Vida”; Para falarmos do Programa “Minha Casa, Minha Vida” é preciso partir da elaboração de alguns projetos, inclusive pelo próprio Luis Inácio Lula da Silva em seu primeiro mandato, que serviram de base estrutural para o advento do programa em si, baseado nas inúmeras modificações realizadas pelo presidente eleito em questão. Antes de destacarmos a instauração do programa em 2009, como componente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é preciso que situemos as lógicas que culminaram na elaboração do mesmo, partindo da ideia central do projeto e das suas ambições referentes ao combate do déficit habitacional brasileiro. No quesito sobre o déficit habitacional 15é interessante apresentarmos alguns números que expressam com melhor qualidade a necessidade de atenção para tal ponto. Na Tabela 1 abaixo trouxemos dados elaborados a partir do Censo de 2010 utilizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que nos demonstra os números de habitações necessárias nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2011. 15 Para compreensão do que é déficit habitacional utilizaremos a definição apresentada por FURTADO, NETO e KRAUSE (2013, p. 2 - 3) onde eles retratam que o mesmo “[…] é indicador que contribui para a formulação e avaliação da política habitacional, na medida em que orienta o gestor público na especificação das necessidades das moradias. O objetivo do indicador é orientar os agentes públicos responsáveis pela política habitacional na construção de programas capazes de suprir a demanda explicitada na estimação do indicador nas distintas esferas de governo: municípios, Distrito Federal, estados e União. 51 Tabela 1. Número de domicílios por déficit habitacional. (2013) 2007 2008 2009 2011 Número de domicílios 55.918.038 57.703.161 58.684.603 61.470.054 Déficit Habitacional 5.593.191 5.191.565 5.703.003 5.409.210 Fonte: Elaborado a partir de Furtado, Neto e Krause (2013) É curioso nos atentarmos para o ano de 2009 que corresponde à implantação da primeira fase do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. Mesmo acompanhando um aumento nos números de habitações a cada ano analisado, temos uma oscilação no que se refere aos números correspondentes ao déficit habitacional. Não vemos a superação de 5.000.000 (cinco milhões) de casas necessitadas por ano, mas temos uma variação significativa, de quase 400.000 (quatrocentas mil) habitações de 2007 para 2008 e de cerca de 200.000 (duzentas mil) habitações de 2009 para 2011. Há uma redução pequena a partir do ano de 2009. A figura 2 abaixo ilustra de forma mais didática os números apresentados, mas destacando cada região do país. Figura 2. Déficit Habitacional Brasileiro por região (2010) 52 Fonte: BRASIL, cartilha “Minha Casa, Minha Vida” (s/d). Mas para chegarmos até a esses dados constatados é necessário que expliquemos o fator determinante para pensar o déficit habitacional. Para tal finalidade apresentaremos o projeto que considerado a célula principal de desenvolvimento no que se refere à abordagem da questão habitacional pelo Governo Lula. Trata-se do “Projeto Moradia”. Bonduki (2009, p.1) ressalta o que foi o programa e suas orientações [...] fui procurado pela arquiteta Clara Ant, dirigente do Instituto Cidadania, com uma proposta sedutora: elaborar um projeto que permitisse o equacionamento do problema habitacional no país. A proposta fazia parte de um conjunto de iniciativas do instituto, coordenado por Luiz Inácio Lula da Silva, tendo em vista a construção de projetos de desenvolvimento que associasse o enfrentamento da questão social a crescimento econômico e geração de empregos. Para levar adiante essa ideia, chamada Projeto Moradia, durante um ano uma equipe promoveu inúmeras reuniões técnicas e seminários com todos os segmentos de sociedade envolvidos com o tema da moradia – movimentos sociais, entidades empresariais, técnicas e acadêmicas, ONGs, sindicatos e poder público –, recolhendo propostas e debatendo alternativas. 53 Essa iniciativa por parte deste conjunto de profissionais ligados a questão habitacional, constitui-se nos primeiros passos relacionados ao PMCMV. Essas medidas caracterizam-se por demonstrar uma preocupação latente no que se refere a uma demanda social que é a falta de habitação. Com esses estudos realizados, é possível precisarmos que o “Projeto Moradia” trouxe uma base significativa ao Governo Federal a fim de conhecer o problema habitacional de forma mais contundente do que em outros governos. Tal iniciativa municiou o governo do Presidente Lula a tomar medidas mais direcionadas e de forma mais planejada. Deste modo, no ano de 2009 temos a implementação do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, em sua primeira fase, como parte integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que visava atingir outros pontos além do déficit habitacional O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é um programa do Governo Federal Brasileiro, anunciado em janeiro de 2007, com uma previsão de investimento de R$ 503 bilhões, para o período 2007- 2010, nas áreas de transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos. (BRASIL, 2007, apud RODRIGUES; SALVADOR, 2011, p. 130) O governo federal visava atuar em vários âmbitos através do PAC, com a expectativa de conseguir gerar empregos e suprir algumas fissuras econômicas que poderiam aparecer no decorrer de sua atuação, ficando evidente a preocupação em manter a economia estável através de medidas que incentivassem o emprego direto e pudessem atuar com políticas sociais de inclusão social. Neste ponto de inclusão social, as políticas do PAC demonstraram-se efetivas e salutares ao criar programas sociais destinados à camada de baixa renda da sociedade brasileira. O “Programa Minha Casa, Minha Vida” não foge a regra do PAC. Andrade (2012, p.39) retrata de forma simples quais seriam as pretensões do PMCMV Dentre suas principais orientações estavam reduzir em 14% o déficit de moradias no Brasil atuando em municípios com mais de 100 mil habitantes além de dinamizar o setor de construção civil, responsável por 5,7% do PIB nacional, e por empregar mais de 1,9 milhões de pessoas. 54 O programa ainda possuía metas direcionadas as faixas de renda, assim como também metas para as diversas regiões do país que demandavam acesso de habitação social conforme demonstra a Tabela 2. Tabela 2. Brasil. Unidades Habitacionais faltantes por região. 2009. REGIÃO UNIDADES HABITACIONAIS Em Porcentagem (%) Norte 103.018 10,30% Nordeste 343.197 34,32% Centro – Oeste 69.786 6,98% Sudeste 363.983 36,40% Sul 120.016 12,00% TOTAL 1.000.000 100% Fonte: Elaborado a partir de ANDRADE (2012). O programa, em seu início, tinha a missão de prover cerca de 1 milhão de habitações sociais espalhadas pelas regiões do país, de forma a atingir a sua meta estipulada em suas primeira fase de atuação, denominada PMCMV 1, que decorreu do ano de 2009 até o ano de 2011. E como resultado de suas ambições, o programa em sua primeira fase apresentou resultados acima do esperado, com contratações de habitações sociais superando um milhão estipulado inicialmente nas mais variadas regiões do país, demonstrando um sucesso não esperado inicialmente, conforme representado na Tabela 3 e 4. 55 Tabela 3. Brasil. Unidades Contratadas pela Faixa 1 do MCMV 1. 2012. Faixa 1 Capitais 74.644 Regiões Metropolitanas 136.517 Outras Cidades 271.580 TOTAL 482.741 Fonte: Elaborado a partir de Andrade (2012). Tabela 4. Brasil. Unidades Contratadas pelas Faixas 2 e 3 do MCMV 1. 2012 Fonte: Elaborado a partir de Andrade (2012) A segunda fase do programa iniciou-se no ano de 2009 já no governo de Dilma Rousseff com mudanças que pudessem contribuir para o maior acesso das várias faixas de renda previstas para serem inseridas no programa, claramente como forma de superar as metas empreendidas na Fase 1 do programa. Além dessa intenção de superar as metas da Fase 1, houve um aumento no investimento federal para com o programa, conforme retrata Andrade (2012, p. 53) “Os recursos dirigidos ao PMCMV II também foram ampliados somando o montante de 125 bilhões de reais, sendo 72 bilhões de reais orientados aos subsídios e 53 bilhões de reais para os financiamentos.” Como resultados parciais, a Fase 2 do PMCMV teve um desempenho inicial que, de certa forma, impressionam pela quantidade de famílias que requereram uma habitação através do PMCMV16. 16É preciso ser feito uma ressalva com relação a esses dados apresentados. A coleta dos mesmos foi realizado pela CEF com apenas 7 meses de programa, conforme aponta Andrade (2012). Faixa 2 e 3 Capitais 103.898 Regiões Metropolitanas 199.214 Outras Cidades 219.275 TOTAL 522.387 56 Tabela 5. Brasil. Unidades Contratadas pela Faixa 1 do MCMV 2. 2012. Faixa 1 Capitais 29.481 Regiões Metropolitanas 32.914 Outras Cidades 73.933 TOTAL 136.328 Fonte: Elaborado a partir de Andrade (2012). Tabela 6. Brasil. Unidades Contratadas pelas Faixas 2 e 3 do MCMV 2 . 2012. Faixa 2 e 3 Capitais 56.376 Regiões Metropolitanas 151.015 Outras Cidades 167.056 TOTAL 374.447 Fonte: Elaborado a partir de Andrade (2012) Esses números expressivos apresentados nas Tabelas 5 e 6 são resultado de uma política pública voltada a camadas sociais que demandam atenção do governo federal, conforme debate iniciado por nós neste capítulo. Em conjunto com essas ações de investimentos, devemos destacar o intenso processo de atrelamento financeiro que o PMCMV oferece a partir das ações de seu principal gestor, que é a Caixa Econômica Federal (CEF). A oferta de crédito fornecida pelo banco citado, através de seus cartões (Quadro 3) demonstram como esses números apresentados são significativos, porém, são combinados com alternativas que visam viabilizar não só a compra da habitação, mas a aquisição de outros bens como, eletrodomésticos, materiais de construção e etc. No quadro 3 podemos observar quais esses cartões. 57 Quadro 3. Brasil. Cartões componentes do Programa “Minha Casa, Minha Vida”. 2015 Cartão Características gerais Construcard  Disponível para correntistas.  O limite do financiamento varia mediante a aprovação de crédito.  Juros entre 1,40% e 1,80% ao mês.  Parcelamento em até 96x.  Não há produtos pré- selecionados. Móveiscard  Disponível para beneficiários do MCMV e correntistas.  Limite de 10.000 R$ para beneficiários do MCMV e de 20.000 R$ para correntistas.  Juros de 1,40% ao mês (MCMV) e entre 1,50% e 1,80% para correntistas.  Parcelamento em até 60x.  Não há produtos pré- selecionados. Minha Casa Melhor  Exclusivo para beneficiários do MCMV.  Financiamento de até 5.000R$.  Parcelamento em até 48x com juros de 5% ao ano.  13 mil lojas pré-cadastradas no Brasil.  Os produtos são pré- selecionados pelo Governo e contém um valor máximo para ser gasto por produto. Fonte: Extraído de Catelan e Bastazini (2014) Esses cartões são reflexos de um processo de avanço dos programas habitacionais, com a inserção do crédito para a aquisição não só da habitação social, mas também de móveis, eletrodomésticos e material de construção para o adquirente das residências sociais. 58 Esse processo de ampliação do crédito, bem como extensão dele para além da compra da casa, que Catelan e Bastazini (2014) e Catelan (2015) vêm chamando de creditização da política habitacional serve para reforçar um programa habitacional baseado no apelo popular e na intenção em atrair o maior número de interessados, com metas de 1 ou 2 milhões de habitações sociais. A fase 3 do programa ainda encontra-se em processo de adequação, devido a uma contenção de gastos que o segundo mandato do governo de Dilma Rousseff vem implementando, visando equilibrar a economia do país. Por outro lado, a ideia é de não atingir os programas sociais com grandes cortes, já que os mesmos têm servido de base para a sustentação de seu governo. A previsão da Fase 3 é de um investimento de R$ 15 bilhões com uma faixa de renda em até R$ 2.350,00, segundo informações do Ministério do Planejamento.17 Dentro do exposto, pudemos resgatar todo processo da questão habitacional desde seus primórdios, por meados da década de 1920, aonde vimos que a falta de habitação caminhava com a expectativa negativa de boa qualidade de morar além de outros serviços que faltavam. Os caminhos escolhidos para a solução habitacional foram pautados na reprodução de políticas populistas, que visavam angariar votos, sempre com resultados aquém do esperado. Somente a partir de 2009 tivemos uma dinâmica na produção habitacional de forma mais satisfatória, mas que suscita outras questões, como localização dos empreendimentos etc. No próximo capítulo iremos apresentar a questão habitacional em Presidente Prudente/SP, onde iremos verificar quais os passos que conduziram a situação atual da habitação na cidade média paulista. 17Segundo o site http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/09/minha-casa-minha-vida-3-depende-de-aprovacao-do- orcamento-diz-ministro.html e http://www.cidades.gov.br/ultimas-noticias/3847-governo-federal-amplia-subsidios- para-familias-com-renda-de-ate-r-2-350-no-minha-casa-minha-vida-3 Acesso: 05.Nov.2015. http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/09/minha-casa-minha-vida-3-depende-de-aprovacao-do-orcamento-diz-ministro.html http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/09/minha-casa-minha-vida-3-depende-de-aprovacao-do-orcamento-diz-ministro.html http://www.cidades.gov.br/ultimas-noticias/3847-governo-federal-amplia-subsidios-para-familias-com-renda-de-ate-r-2-350-no-minha-casa-minha-vida-3 http://www.cidades.gov.br/ultimas-noticias/3847-governo-federal-amplia-subsidios-para-familias-com-renda-de-ate-r-2-350-no-minha-casa-minha-vida-3 59 Capítulo 2 PRESIDENTE PRUDENTE: A CIDADE NO CONTEXTO HABITACIONAL. 60 2.1 Histórico da política habitacional em Presidente Prudente/SP: iniciativas da gestão municipal. A história da política habitacional na cidade de Presidente Prudente/SP está diretamente atrelada com a característica de uma política de gestão populista, marcada pela intencionalidade no discurso do