Lógica-Simbólica e Alfabetização Dair Aily Franco de Camargo Resumo O presente artigo tenta recuperar as idéias e proposta de H.Furth (1973 ), apontando-a como mais uma opção para tentar trabalhar com as dificuldades das crianças no processo de alfabetização. O autor propõe a substituição das “escolas da linguagem” pelas “escolas do pensamento”, ou seja,substituir a opção do professor no ensino da leitura-escrita, em sua forma tradicional, de como transformar sinais gráficos em sonoros e vice-versa, por aquela do fortalecimento do pensamento, alimentando o intelecto em desenvolvimento da criança por meio de exercícios de “lógica simbólica”.Para nos embasar teoricamente, apresentamos ainda alguns aspectos da teoria psicogenética, bem como outros trabalhos realizados mais recentemente sobre o assunto, que embora “travestidos” (disfarçados) com novas roupagens, ainda encontram seus fundamentos nas obras de J.Piaget. Palavras-chave: alfabetização, lógica simbólica, escolas da linguagem, escolas do pensamento, J.Piaget. Logic-Symbolic and Alphabetization Abstract The present article tries to recoup the ideas and the proposal of H. Furth (1973), pointing it as another option to try to work with the children’s difficulties in the alphabetization process. The author considers the substitution of “schools of the language” for “schools of the thought”, that is, to substitute the option of the teacher in the reading-writing education, in its traditional form, of how to transform graphical signals into sonorous and vice-versa, for that one of the thought consolidation, feeding the intellect in development of the child by exercises of “symbolic logic”. For theoretical basing, we still present some aspects of the psychogenetic theory, as well as other works carried through more recently on the subject, that even so “transvestite” (disguised) with new clothing, still find their beddings in the J. Piaget’s basis. Key words: alphabetization, symbolic logic, schools of the language, schools of the thought, J. Piaget. Quando, há muitos anos, tomei conhecimento – li por inteiro e de uma só vez – do livro de H. Furth (1972) intitulado Piaget na sala de aula, fiquei esperançosa! À medida que lia, tudo me parecia tão lógico, tão claro, tão rele- vante, tal a lucidez das idéias apresentadas. Nada me parecia mais urgente e necessário, dada a situação crítica EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - v. 16, n.28, jan.-jul.-2007, p.67-77. 68 reinante em nossas escolas, que substituir as escolas da linguagem, que têm como única preocupação, particularmente em suas séries iniciais, o ensino da leitura e da escrita, por escolas do pensamento que buscam fortalecer a inteli- gência, base para qualquer aprendizagem posterior. Para evitar mal-entendidos, queremos deixar claro que as escolas da leitura como criticadas por Furth, entendem tanto a leitura como a escrita, em seu sentido tradicional de transformação dos sinais gráficos em sonoros e vice- versa, visão que ainda domina a quase totalidade de nossos professores. Esse número temático, a meu ver, veio de encontro com as necessida- des e os fracassos de nossas crianças no processo de construção da escrita e da compreensão de um texto lido. O objetivo do presente artigo é trazer novamente à tona as idéias de Furth que considero relevantes demais para serem esquecidas, particularmen- te quando nos referimos à alfabetização e, num segundo momento, apresentar alguns estudos ou ramificações mais recentes, que apesar de serem conside- radas novidades, a meu ver, partem sempre da mesma idéia básica discutida por Furth: primeiramente fortalecer o pensamento para só depois incluir novas aprendizagens. Idéias fundamentais da proposta de Furth O autor parte do pressuposto piagetiano de que as idades compreendi- das entre seis a dez anos são fundamentais, pois é nesse período que se dá a implantação da inteligência operatória, quando a criança constrói suas noções de tempo, espaço, classes, causalidade, etc. Logo, tal período não pode ser desperdiçado com o ensino da leitura e da escrita (no seu sentido tradicional), que não são desafiadores, em grau considerável, do raciocínio do aluno. Embora para Furth a palavra escrita seja o meio por excelência para a expansão de uma inteligência madura, a pressão prematura no tocante à leitu- ra contribui pouco para o progresso intelectual. Com a finalidade de desenvol- ver o intelecto do aluno e fugindo da leitura-escrita os exercícios apresentados por Furth, são agrupados em sete partes, em progressão crescente de dificul- dade, e suficientes para um curso de lógica-simbólica, com dois períodos se- manais de duas horas, durante todo um ano letivo, para alunos das séries iniciais do atual ensino fundamental. Para esclarecer o leitor, devemos dizer que as operações realizadas na lógica-simbólica nada mais são que aquelas utilizadas na teoria dos conjun- Dair Aily Franco de Camargo. Lógica-Simbólica e Alfabetização. 69 tos, da chamada matemática moderna, ou seja, operações de classes e rela- ção, reunião, intersecção de conjuntos que a inteligência constrói espontanea- mente a partir dos sete ou oito anos. Fica, portanto, difícil imaginar que crianças que elaboram e utilizam as estruturas lógico-matemáticas espontâneas da inteligência encontrem dificul- dades na compreensão de um ensino que incide exclusivamente sobre o que se pode aplicar de tais estruturas. (cf. Piaget, 1970). Espontaneamente, a criança classifica, relaciona, ordena, compara, constrói a noção de tempo e espaço, etc. que são as mesmas operações utili- zadas na leitura, na escrita, assim como na alfabetização matemática. Nesse sentido, por que tantas crianças fracassam na alfabetização da escrita e da matemática? Mas, voltando aos exercícios de lógica-simbólica, algo que sobressai de imediato é que, para que se possa trabalhar com eles nas aulas, o professor não deve verbalizar ou explicar às crianças sobre o significado das expressões simbólicas a serem executadas. Faz-se com que elas descubram o significado lógico exato da expressão, através de demonstrações repetidas e pela coloca- ção de outros problemas específicos, segundo as necessidades dos alunos (vemos então que a orientação do professor é necessária e indispensável!). Todos nós sabemos que um dos motivos que determinaram a invenção da simbologia lógica foi exatamente a necessidade de evitar as armadilhas potenciais criadas pela linguagem cotidiana. Pela experiência do autor, as crianças não encontraram qualquer difi- culdade no trabalho com esse material; pelo contrário, apreciaram a oportuni- dade de fazerem suas próprias descobertas. Furth faz questão de lembrar que, nesses casos, o objetivo do profes- sor não é ensinar uma lógica-simbólica específica, nem mesmo ensinar lógica, mas sim observar o desenvolvimento espontâneo da lógica na criança. Na proposta do autor, todo problema apresentado à criança tem sem- pre três partes e, em geral, uma delas tem de ser completada pelo aluno. À esquerda há uma expressão simbólica, à direita a imagem de um objeto e entre as duas, uma seta (→ ) ou uma seta cruzada (→ ) indicando se a imagem é ou não um caso apropriado da expressão simbólica. São escolhidas as iniciais das palavras para os símbolos (nesse caso, desenhos) usados: EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - v. 16, n.28, jan.-jul.-2007, p.67-77. 70 S = (desenho de sol) A = (desenho de árvore) C = (desenho de casa) M = (desenho de maçã) e os símbolos tradicionais ( - ; . ; v) para indicar a negação, a conjunção e a disjunção entre os objetos. Exemplos: Quando escrevo C→ (desenho de casa) significa que C vale como a classe de casas ou como a oração: Isto é uma casa. Para não tornar este capítulo muito enfadonho, não vou apresentar maiores explicações sobre os exercícios. Para os interessados, basta consul- tar Furth (1972 p. 134-152). Segundo esse autor, se o aluno se aborrece achando os exercícios fáceis demais, ele diria que ele já está pronto para enfrentar a lógica verbal, mais difícil e provavelmente não encontrará problemas para se alfabetizar. Isso significa que essa criança deve ser capaz de reconhecer as estruturas e o raciocínio lógico implícitos no material escolar. Afinal, essa deveria ser a finali- dade principal das duas primeiras séries do ensino fundamental: alimentar o intelecto em desenvolvimento de modo que o aluno se torne capaz de manipu- lar o conteúdo das várias disciplinas que lhe serão apresentadas nas séries seguintes. Daí a recomendação de Furth: em lugar da leitura, o desenvolvimento da inteligência deve-se tornar o objetivo primordial das atividades no ensino fundamental pois a leitura em si (decifração) não exige grande esforço intelec- tual; uma idade mental de quatro anos é suficiente para aprendê-la, como de- monstram os métodos de leitura precoce aplicados à crianças de três e quatro anos. Dair Aily Franco de Camargo. Lógica-Simbólica e Alfabetização. 71 Outros embasamentos para a proposta de Furth (1972) Piaget insiste na unidade entre a inteligência e o conhecimento: uma criança não pode desenvolver uma sem o outro e ambos se influenciam mutu- amente; não se trata apenas de apelar à representação, à linguagem e nem mesmo à vida social para explicar a formação e evolução do pensamento. Tra- ta-se, antes de tudo, de seguir passo a passo a transformação das coordena- ções pré-verbais no plano de ação material, em operações mentais propria- mente ditas. Sem a compreensão dessa transformação, o papel que se possa atribuir à linguagem, às transmissões sociais e à própria troca interindividual torna-se superficial e arbitrária (cf. Montoya, 1996 p. 37 e 38). Para favorecer o desenvolvimento do pensamento, exige-se, desde o início, a ação e a manipulação por parte da criança. Fracassos logo no início do ensino fundamental parece não ser ape- nas um problema nacional, mas atingem, também, alunos de outros países como França, Alemanha, Inglaterra e Russia, segundo afirmavam Furth e Wachs em 1979. Será que esse quadro se modificou nesses países? Em caso afirma- tivo, como isso foi conseguido? No passado, esses fracassos eram postos de lado, numa época em que a estrutura social e do trabalho eram menos exigentes e a pressão quanto às oportunidades iguais, menos urgentes. Crianças que fracassaram sempre existiram, mas a sociedade conse- guia não tomar muito conhecimento desse fato; hoje, porém, esses fracassos tornaram-se muito dispendiosos para a sociedade, principalmente em termos monetários. A filosofia de uma escola para o pensamento pode ser uma resposta parcial para esses fracassos. Furth acredita que criança alguma, independentemente de seu ambi- ente social (a não ser que esteja seriamente doente), precisa tornar-se uma fracassada no processo de atingir as metas colocadas pelo ensino fundamen- tal. Furth e Wachs (1979) apontaram três razões para essas dificuldades: 1- imaturidade neurológica; 2- ausência de comportamentos adequados e 3- ausência de motivação. Com base em nossas vivências e experiências, parece claro agora que nenhuma das propostas remediativas implantadas no Estado de São Paulo foi poderosa o bastante para dominar a atmosfera inadequada do ensino funda- EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - v. 16, n.28, jan.-jul.-2007, p.67-77. 72 mental. Uma revisão revolucionária do sistema educacional e seus objetivos torna-se obrigatória por dois motivos: assegurar o desenvolvimento global da criança e evitar os atuais fracassos na aprendizagem. A escola para o pensamento é, antes de mais nada, dirigida ao desen- volvimento global da criança. Para atingir esse objetivo, a ênfase na leitura e escrita é insuficiente. Uma criança que faz progressos satisfatórios numa esco- la tradicional não está, só por esse fato, construindo um alicerce sólido para sua vida intelectual futura. Com base na teoria piagetiana, Furth está convencido de que a escola deve, intencional e propositadamente, enfatizar o desenvolvimento do pensa- mento da criança. De outro modo, ela não poderá evitar o fracasso no aprendi- zado, e, um número grande de crianças perderá sua curiosidade criativa, que é parte do equipamento de todas elas. O autor está convencido da importância das forças interiores e da motivação para guiar a direção do desenvolvimento infantil. Alguns comentários da pesquisa realizada sobre o assunto em pauta Em trabalho realizado por mim, Camargo (2003) intitulado Trabalhan- do a lógica simbólica com alunos que apresentam dificuldades na alfabetiza- ção, com um grupo de dezesseis alunos das segundas às quartas séries, um resultado, em particular, chamou minha atenção: As médias finais das notas obtidas nas avaliações sobre o conteúdo de lógica-simbólica, são maiores para os alunos que não sabiam escrever pratica- mente nada, quando comparados com aqueles que conseguiam escrever, embora com falhas. Resultados semelhantes foram também encontrados por Furth e Wachs. Como explicar esse resultado, se as operações que os alunos devem realizar na leitura-escrita são exatamente as mesmas que ele realiza nos exer- cícios lógicos? Uma explicação possível é dada em função do conteúdo ao qual se aplicam essas operações. Já podemos considerar como certo que a natureza do material utilizado para a realização das operações interfere nos resultados obtidos. Outra explicação pode ser dada em termos das próprias afirmações de Furth; diz esse autor: primeiramente deve-se desenvolver o raciocínio e só num segundo momento a leitura e escrita; o domínio das operações implícitas Dair Aily Franco de Camargo. Lógica-Simbólica e Alfabetização. 73 na alfabetização (lógica de classes e relações) facilitaria sua aplicação num conteúdo específico. Também Kamii e Declark (1985) pressupõem que o desenvolvimento operatório permite por si mesmo aceder a qualquer domínio do saber, mesmo quando não tenham sido elaborados conhecimentos prévios específicos nesse campo. Afirmam as autoras que: se a criança possui uma rede cognitiva mais elaborada, pode aplicá-la a quase todos os problemas concebíveis em matéri- as tão diversas quanto física, química, história ou geografia e chegar às res- postas corretas para uma variedade de perguntas por uma óbvia necessidade lógica. Finalmente, creio que teríamos mais elementos para explicar esses resultados se tivéssemos tido a oportunidade (sorte?) de encontrar uma pro- fessora que se dispusesse a aplicar o exercício em sua própria classe durante todo um ano letivo, o que até agora não aconteceu. Questionando as hipóteses de Furth hoje: outros estudos Segundo Becker (2003), um dos principais estudiosos brasileiros da teoria de Jean Piaget, os significados do meio social, da cultura, só existe para o sujeito na medida em que ele tiver construído para si um conjunto de classes e relações que lhe possibilitam assimilar esses significados. Piaget jamais entendeu o conteúdo como um dado, mas como resulta- do de uma construção que mobiliza as atividades do pensamento apoiadas nas representações que os sujeitos fazem de si, do mundo e dos outros. Grize (in Becker, 2003) afirma que o problema da aprendizagem é o problema do desenvolvimento dos conhecimentos, portanto, do crescimento do potencial da ação; é a ação que dá sentido às coisas. Sabemos que Piaget se interessou mais pelos mecanismos lógicos do que pelos conteúdos do conhecimento; daí sua afirmação que nenhum discur- so é capaz de ensinar conteúdos, mas sem conteúdo não haverá conhecimen- to. A aprendizagem humana é definida por Piaget como um esforço de construções de novas estruturas de assimilação. Se é assim, o que podemos dizer do trabalho da escola? O que faz a escola? Repassa conteúdo (escola da leitura) e acredita que o sujeito aprende se ingerir esses conteúdos e isto é feito com tanta tranqüilidade, que nem mesmo as escolas de Genebra conseguiram romper com essa tradição. EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - v. 16, n.28, jan.-jul.-2007, p.67-77. 74 Segundo Becker (2003) a epistemologia genética, com toda sua contri- buição, foi jogada no lixo pelos educadores, salvo um pequeno número deles. Primeiramente ela é deformada de todos os modos possíveis; uma vez defor- mada, não produz os resultados esperados. Acusa-se a teoria de ser ineficaz e na primeira oportunidade, é trocada por outra. No Brasil, tal troca foi feita por meio da substituição da psicologia gené- tica pela psicologia sócio-histórica de Vygotsky, com muito pouco conhecimen- to de suas obras (cf. Becker, 2003). Sabemos hoje que as obras completas de Vygotsky (edição espanho- la) compõe-se de seis volumes de aproximadamente 450 páginas cada um. Das duas obras de Vygotsky que temos traduzidas para o português (Pensa- mento e Linguagem e Formação Social da Mente), a primeira delas é uma tradução inglesa de uma versão em russo que teria cortado aproximadamente um terço do texto original (censura?). Ao contrário de Vygotsky, para Piaget, no período sensorio-motor, a linguagem incipiente da criança dribla sua ação em vez de reproduzir, de ime- diato, os significados sociais da palavra. O que a criança expressa nessa fase não são os significados sociais, mas os significados de sua ação em interação social, o que é bem diferente. O desenvolvimento do conhecimento dá-se por interiorização da ação, dos esquemas e estruturas, e só mais tarde, dos conteúdos culturais. Piaget mostra que o significado que a criança atribui à palavra pronun- ciada pelo adulto é muito diferente da intenção do adulto ao pronunciar a mes- ma palavra, ou seja, ela recheia a palavra de significados diferentes que im- pregnam o significante social. Ela recheia o significante com o significado de sua vida, de sua ação. Para esse autor o desenvolvimento deve ser estudado e explicado a partir da perspectiva do sujeito em interações; fora dessa perspectiva não há explicação possível. A criança, ao construir o conhecimento do mundo, constrói a própria inteligência: a criança se organiza, organizando o mundo. Alguns autores enveredaram por outros caminhos: entre eles Coll et al. (1998) se preocuparam mais com o conhecimento escolar, ou seja, com a fun- ção social do ensino e com a concepção do processo de aprendizagem cha- mada de concepção construtivista do aprendizado escolar que tenta responder a questão: como fazer com que os alunos passem de um estado de menor conhecimento para um estado de conhecimento maior com relação à cada um Dair Aily Franco de Camargo. Lógica-Simbólica e Alfabetização. 75 dos conteúdos escolares? Essa é a pergunta-chave da chamada didática construtivista. Lerner (in Castorina et al., 1998) afirma que algumas interpretações educativas da teoria piagetiana têm considerado possível deduzir da psicogênese conseqüências imediatas para a prática na sala de aula. Isso é o que sucede, por exemplo, toda vez que o desenvolvimento operatório é pro- posto como o objetivo da educação. Tendências mais recentes (o sócio-construtivismo), aquelas onde os pesquisadores se perguntam se as operações intelectuais são produto da vida social, se aproximam mais de Vygotsky do que de Piaget. Entre eles, Charlot (2001 e 2003) dá outra explicação para o fracasso escolar. O autor utiliza, para explicar tal fato, o conceito de posição social subje- tiva que é aquela que a criança ocupa em sua cabeça, em seu pensamento. A criança de fato interpreta a sua posição social e pode, em função desta, apre- sentar sentimentos diversos, tais como: vergonha, orgulho, desatenção, desin- teresse, medo, etc. Portanto, a criança produz uma interpretação de uma posi- ção social, do que lhe acontece na escola, gerando para si um sentido de mun- do. Não se pode compreender sua história escolar, sem levar em conta o que faz na escola, quais são suas relações com o saber escolar. Os alunos, como todo ser humano, são singulares, e, como todo ser humano, são membros de uma sociedade. A questão colocada pelo autor é: que sentido tem para uma criança do meio popular, ir à escola, estudar na escola, aprender e compreen- der o conteúdo ensinado? Outra representante do sócio-construtivismo é Jolibert (1994a, 1994b) que também apresenta um trabalho comprometido com a transformação da escola francesa, com o objetivo de auxiliar a superar o fracasso escolar. Seu trabalho busca ser uma contribuição para que ocorram mudanças nas concep- ções do que é a leitura e a escrita e o seu ensino na escola. A autora defende a leitura como uma construção singular de cada su- jeito, mas que ocorre com maior potencialidade em situações reais, vividas individualmente ou em grupo, com o objetivo claro e coordenado pelo profes- sor. Quer a transformação da escola mediante uma audaciosa modificação do ato educativo, seus conteúdos, seus processos e a sua relação com o saber, nessa tentativa de acabar com os fracassos, para que a escola se torne enfim um local de construções de poderes funcionais por parte da criança. Não pode haver dúvida de que Piaget também atribuía uma importân- EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - v. 16, n.28, jan.-jul.-2007, p.67-77. 76 cia considerável aos fatores sociais que incidem no desenvolvimento. Os poucos e renomados estudiosos mencionados que se fundamen- tam, ainda hoje, na teoria piagetiana, podem nos dar a idéia que ainda temos muitos pesquisadores, que mesmo tomando outras direções (afinal, não é as- sim que a ciência progride?) ainda se apoiam nos ombros gigantes do mestre de Genebra. Para concluir, poderíamos citar Garcia (2002) que no Prefácio de seu livro afirma: A tarefa dos exploradores, abrindo picadas na selva é diferente da tarefa dos que vêm atrás, construindo os caminhos, procurando os trajetos mais apropriados e expandindo as áreas cobertas pelas estradas. Assim, Piaget foi um incansável explorador que, durante seis décadas de ininterrupto traba- lho investigativo ampliou os domínios do conhecimento e criou novas discipli- nas para aprofundar-se neles. Nós, que vivemos depois, tendo-o acompanhado em parte de suas experiências, devemos, na medida de nossas forças, e como homenagem ao mestre, fazer o esforço necessário para lustrar o caminho e expandi-lo. Foi o que fez Furth, com brilhantismo, a meu ver: lustrou e expandiu caminhos. Referências BECKER, F. “Vygotsky versus Piaget – ou sócio-interacionismo e educação”. In: BARBOSA, R.L.L. (org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Ed. Unesp, 2003, p. 233-253. CAMARGO, D. A. F.de. “Trabalhando a lógica simbólica com alunos que apresentam dificuldades na alfabetização”. In: MICOTTI, M.C.O. (org.). Alfabetização: a produção de saberes. Rio Claro, I.B., UNESP, 2003, p. 31-44. CASTORINA, J.A., FERREIRO, E., LERNER, D. e KOHL de OLIVEIRA, M. Piaget- Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ed. Atica, 1998. CHARLOT, B. “A noção de relações com o saber: bases de apoio teórico e fundamentos antropológicos”. In: CHARLOT, B. (org.). Os jovens e o saber: perspectivas mundiais. Porto Alegre: Artmed, 2001. ___________ “O sujeito e a relação com o saber”. In: BARBOSA, R.L.L. (org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo. Ed. da Unesp, 2003. p. 23-33. COLL, C. et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 1998. FURTH, H. Piaget na sala de aula. São Paulo: Ed. Forense, 1972. Dair Aily Franco de Camargo. Lógica-Simbólica e Alfabetização. 77 _________ e WACHS, H. Piaget na prática escolar. São Paulo: IBRASA, 1979. GARCIA, R. O conhecimento em construção: das formulações de J. Piaget à teoria dos sistemas complexos. Porto Alegre: Artmed, 2002. JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Trad. de B.C. Hagner. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994a. ___________ Formando crianças produtoras de textos. Trad. de W.N.V. Settineri e B.C. Magni. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994b. KAMII C. e DECLARK, G. Reinventando a aritmética: implicações da teoria de J. Piaget. São Paulo: Papirus, 1985. MONTOYA, A.O.D. Piaget e a criança favelada: epistemologia genética, diagnóstico e soluções. R. Janeiro: Vozes, 1996. PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. São Paulo: Ed. Forense, 1970. Enviado em ago./2007 Aprovado em out./2007 Dair Aily Franco de Camargo Profª Drª Aposentada do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Unesp – Campus de Rio Claro E-mail: dair.aily@terra.com.br EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - v. 16, n.28, jan.-jul.-2007, p.67-77.