ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 251 Hip Hop na aula de FLE: aprendendo e ensinando o léxico não-padrão (Le Hip Hop au cours de FLE: apprendre et enseigner le lexique non-standard) Helena Yuriko Sakano Fernandes1, Maria Cristina Parreira da Silva2 1,2Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista (UNESP) helenayuriko@hotmail.com, cristinaparreira@sjrp.unesp.br Résumé: Appuyé sur le concept de lexiculture, proposé par R. Galisson (2000), et en reconnaissance de l’existence et de la dimension du mouvement Hip Hop en France, le but de cet article est d’examiner l’importance de cette culture et de son lexique dans le contexte français, soulignant aussi la nécessité de son insertion dans les matériels éducatifs destinés à l’enseignement du français langue étrangère (FLE). À cet effet, nous avons elaboré, à l’aide d’un système de traitement de corpus, une liste bilingue français-portugais brésilien de ce lexique, à partir des paroles des trois principaux artistes français. Il faut noter que la plupart de ces unités lexicales ne sont pas présentes dans les dictionnaires généraux bilingues, ce qui crée des difficultés aux apprenants ainsi qu’aux enseignants d’accès à ce lexique, qui coexiste avec la langue standard étudiée et qui représente une grande richesse linguistique. Mots-clés: Lexicographie; Enseignement du FLE; Hip Hop. Resumo: Baseando-se no conceito de lexicocultura, proposto por Galisson (2000), e reconhecidas a existência e a dimensão do movimento Hip Hop na França, o objetivo principal deste trabalho foi examinar a relevância dessa cultura e de seu léxico dentro do contexto francês, apontando para necessidade de sua inserção em materiais voltados ao ensino de francês como língua estrangeira (FLE). Para tanto, foi elaborada uma lista bilíngue, francês-português do Brasil, do léxico do movimento Hip Hop e dos registros não-padrão em geral, coletado em letras de música de artistas expoentes, por meio do uso de uma base automática de processamento de corpus. Nota-se que a maioria dessas unidades não consta nos dicionários bilíngues gerais, de maneira que tanto o aprendiz quanto o professor dificilmente têm acesso a esse léxico, que coexiste com a língua padrão estudada e representa uma grande riqueza linguística. Palavras-chave: Lexicografia; Ensino de FLE; Hip Hop. Introdução Nenhuma língua é um todo homogêneo e imutável, porém, em muitas situações, os aprendizes de uma língua estrangeira são apresentados a seu objeto de estudo como se assim fosse. Ao aprenderem um outro idioma, são frequentemente expostos a uma única face dessa língua, à mais prestigiada, ou seja, a norma padrão. No entanto, a língua que não se costuma falar em conferências ou entrevistas de emprego representa um papel muito importante na comunicação cotidiana de seus falantes nativos e essa exposição à face não-padrão da língua constitui-se, muitas vezes, em uma lacuna ou até mesmo em uma falha no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira. Entendemos como linguagem não-padrão a variedade da língua que o falante nativo tende a utilizar em situações de maior informalidade, e que é considerada de menor prestígio quando comparada à linguagem dita “culta”, empregada em situ- ações mais formais, com a qual coexiste. Trata-se de uma linguagem permeada de ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 252 coloquialismos, gírias, expressões e locuções com sentido figurado e muitas vezes própria de um grupo fechado. Nesse contexto, as letras de rap, gênero musical que tomou conta de centros urbanos no mundo inteiro, constituem um rico material para o ensino dessa língua normalmente ignorada durante as aulas, sobretudo no que concerne ao seu léxico e ao léxico especial do grupo que a produziu, além de apresentar outras características culturais importantes para a compreensão da sociedade a que pertencem os textos. Isso se aplica também ao contexto francês, em que a cultura urbana do Hip Hop, criadora do gênero musical rap, encontra-se amplamente expandida. Assim, acredita-se que um exame mais atento do léxico empregado nas letras de rap pode constituir uma forma de auxílio na apresentação de formas não-padrão, tanto as da língua geral quanto as específicas desse novo importante movimento cultural, aos estudantes de língua estrangeira, do francês especificamente neste estudo. Dessa forma, considerando que os léxicos especiais, como, por exemplo, estrangeirismos, gírias e neologismos, veiculados em textos de circulação social, como as letras de rap, são manifestações importantes da realidade do país em que são produzidos, revela-se extremamente interessante para cursos de língua estrangeira que os envolvidos, tanto professores quanto aprendizes, possam ter contato com esses tipos de linguagem. É importante tomar consciência dessas manifestações culturais, que nascem como restritas a determinados grupos, mas que frequentemente encontram expansão dentro da sociedade como um todo, indo além de seu grupo de origem, podendo contribuir para o desenvolvimento da língua geral, com a criação de uma linguagem própria e capaz de se perpetuar. O movimento (representado nas letras de música) é o ponto de partida para coleta do falar específico dos grupos que usam linguagem não-padrão, que, por sua ampla divulgação, ultrapassa os limites do movimento e chega a outros grupos da sociedade. Nas palavras de Preti (2003): É costume admitir que certos vocábulos ou expressões nos causam estranheza, porque seu uso, em certos gêneros textuais, não é habitual. [...] O léxico, parte da língua mais sensível às transformações, em que as palavras surgem e se obsoletizam rapidamente, revela bem esse processo, de tal maneira que vocábulos que se ligam a certos grupos ou atividades específicos, passam a se vulgarizar, entrando para a linguagem comum. (p. 55) A criação do Hip Hop e sua recepção na França: breve histórico O Hip Hop é um movimento nascido no início dos anos 70, em subúrbios de grandes cidades americanas dominados pela violência, representada pela marcante presença de gangues, e pela exclusão social. Assim, esse movimento desenvolveu-se em verdadeiros guetos, habitados sobretudo por negros e latinos. Essa época marcou uma vitória legal contra a segregação racial após um intenso movimento social de luta pelos direitos civis. Em Nova York, em bairros periféricos como o Bronx, começaram a ser realizadas festas de rua, as block parties, em que, a partir das batidas de ritmos afro-americanos, um DJ (disc jockey) criava novas músicas para seu público dançar. Com o novo ritmo, surgiu também o breaking, nome que, convencionalmente, designa os vários estilos de dança do Hip Hop. Nessas festas, o DJ era apresentado por um master of ceremony, o MC, cuja outra ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 253 função era a de entreter o público entre uma música e outra, o que logo começou a ser feito com o uso de rimas, as quais, posteriormente, passaram a ser feitas simultaneamente à música do DJ, dando início ao rap, rhythm and poetry (LEAL, 2007). Com sua relativamente rápida expansão pelo mundo, o movimento cultural do Hip Hop representa hoje, em todo o globo, uma forma artística e/ou alternativa de denúncia e contestação social – além de ter-se transformado também, em alguns países, numa nova indústria cultural. Conforme se lê em Gomes da Silva (1999), Durante o processo de constituição, os elementos centrais do movimento hip hop foram sendo também desterritorializados e ganharam as grandes metrópoles mundiais. Pelos meios de comunicação, TV, cinema, rádios, indústria fonográfica, redes de computadores etc., os jovens de diferentes metrópoles integraram-se ao movimento hip hop. Desde então, passaram a reinterpretar a realidade particular por eles vivida orientadas por símbolos e práticas culturais elaboradas externamente. (p. 28) Devido a essa presença global, a cultura Hip Hop, que gira em torno de quatro elementos principais: o DJing, o MCing e o breaking, já apresentados acima, além do grafite (ou graffiti, do italiano), nas artes plásticas, tornou-se o berço de um novo léxico especial ou de novos léxicos especiais, produzindo, para cada língua em que se manifesta, um léxico próprio do movimento. Um exemplo de onde ocorre uma expansão dessa nova cultura urbana é a França, país em que o movimento Hip Hop começa a se manifestar no início dos anos 1980, após uma turnê de artistas americanos, como o DJ Afrika Bambaataa, um dos criadores do movimento nos EUA e um dos grandes responsáveis por sua divulgação no continente europeu. Naquele país, cujo número de imigrantes decorrentes do antigo projeto colonial é considerável (SANSONE, 2005), assim como são bastante delicados os problemas sociais decorrentes das relações entre esses imigrantes, seus descendentes e os próprios franceses “de origem” (McNEILL, 1998), a cultura Hip Hop encontrou um meio bastante favorável a seu desenvolvimento nas periferias dos grandes centros urbanos e, atualmente, encontra-se difundida por todo o território nacional, repercutindo além dos limites originais e levando representantes seus a serem reconhecidos em premiações musicais importantes no contexto francês, como o MTV European Awards ou o Victoires de la Musique. Lexicocultura, dicionário e ensino do léxico As reflexões sobre o conceito de lexicocultura, proposto por Galisson (2000, p. 52), dizem respeito à “cultura depositada nas ou sob algumas palavras, ditas culturais, que convém atualizar, explicitar e interpretar”, também frequentemente negligenciada em favor da dimensão semântica do léxico, isto é, do “produto da relação que elas [as palavras] estabelecem com seus referentes” (GALISSON, 2000, p. 49), e à percepção de que a carga cultural partilhada (CCP – charge culturelle partagée) de certas palavras pode ser realmente implícita, sendo percebida pelos falantes não-nativos apenas quando a ignorância de tal carga faz falhar a comunicação, como nos diz o autor. Essas reflexões levaram-nos a considerar importante para a elaboração de cursos de Francês Língua Estrangeira (FLE) a inserção de textos representativos dessa cultura/realidade recente, porém extremamente significativa, para que os aprendizes de FLE possam ter contato com esse léxico culturalmente ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 254 marcado, a fim de conhecer outras faces relevantes da língua que estudam e não somente sua norma padrão. É sabido que, assim como o léxico individual (aquele dominado pelo indivíduo isolado) é apenas uma parte ínfima do léxico global de uma língua, o qual “abrange todo o universo conceptual dessa língua” (BIDERMAN, 2001, p. 179), os léxicos especiais, que Xatara (1998, p. 11) denomina “linguagens especiais”, que abrangeriam “classificações como linguagem técnica, a científica, a gíria e o jargão” por exemplo, também representam uma parte pequena do todo deste “vasto universo de limites imprecisos e indefinidos” (BIDERMAN, 2001, p. 179). No entanto, o fato de serem comparativamente inferiores em termos quantitativos, não descarta a importância dos léxicos especiais no ensino de língua estrangeira, pois, como afirma Roulet (1978), o falante dentro de sua comunidade linguística precisa, para se comunicar de maneira satisfatória, de conhecimentos que vão além de uma língua pura e homogênea. Ainda, nas palavras de Gleason (1978, p. 428, apud PRETI, 1982): [...] um único falante, sem se afastar das convenções habituais na sua área, fala de modos diversos em diferentes situações sociais. São diferentes o vocabulário, as construções e até as pronúncias utilizadas numa alocução formal e numa conversa familiar. (p. 34) Segundo Preti (1982), a essas variações no uso da língua pelo falante em situações diferentes dá-se o nome de registros ou níveis de fala. Seria, então, necessário aos aprendizes de uma língua estrangeira, além de dominar as regras gramaticais e pragmáticas que regem seu léxico, ser também capaz de compreender, e, se possível, utilizar as diferentes variedades da língua em uso nessa comunidade. Nesse sentido, excluindo a possibilidade da aprendizagem em imersão linguística, os dicionários constituem o principal recurso de que dispõem os estudantes de uma LE para ter acesso a uma descrição dos fenômenos linguísticos do idioma estudado. Dessa forma, conforme se pode ler em Parreira da Silva (2003, p. 1), Além de sua função básica e natural de indicar o sentido das unidades lexicais (UL), [o dicionário] deve também fornecer a seus consulentes a norma dos falantes da língua tratada: as linguagens familiar, popular, culta, vulgar, etc. Parreira da Silva (2008, p. 2022) também complementa que: O léxico que será organizado em dicionário deve ser descrito de modo especial, pois, apesar de descontextualizado nessa obra, não se trata de um conjunto de unidades signi- ficativas que sobrevivem desvinculadas de um contexto. Considerando o que foi acima exposto, esta pesquisa procurou, como objetivo geral, refletir sobre a relevância e o grande potencial dessa nova cultura e do léxico em uso nesse meio para o ensino de FLE, propondo-se, mais especificamente, a elaborar uma lista bilíngue, francês-português do Brasil, do léxico coletado em letras de músicas de artistas franceses expoentes do movimento Hip Hop, por meio de uso de uma base automática de processamento de corpus, de forma a disponibilizar material que posteriormente possa ser inserido em materiais didáticos para aulas de FLE e em dicionários bilíngues. ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 255 A coleta do léxico Hip Hop em músicas francesas: materiais e métodos A lista bilíngue do léxico utilizado no movimento Hip Hop resultante desta pesquisa foi elaborada a partir de uma listagem de palavras gerada pelo UNITEX (http://igm.univ-mlv. fr/~unitex/), sistema de processamento de corpus desenvolvido por Sébastien Paumier, na Universidade de Marne-la-Valée, França, no processamento do corpus constituído pelas letras de álbuns de três rappers franceses – Diam’s, MC Solaar e Sinik – escolhidos pela expressividade de suas vendas e, consequentemente, de seu alcance na sociedade francesa. Os três álbuns selecionados, Dans ma bulle, Chapitre 7 e Le toit du monde, foram lançados em 2007 e têm suas letras disponíveis em sites da internet. Cada item da lista, após ter seu contexto consultado no concordanceador do programa, foi pesquisado em dois dos principais dicionários gerais da língua francesa: o on-line Le Trésor de la Langue Française informatisé (TLFi), disponível em http://atilf.atilf.fr, e o eletrônico Le Petit Robert (1997). Essa pesquisa objetivou conferir a presença do item lexical no dicionário e verificar que marcas de uso foram atribuídas a ele, se tiver sido atribuída alguma. Assim foi possível confirmar se a unidade lexical em questão era relevante ou não para a lista que se construiu, uma vez que, não apresentando marcas de uso em nenhum dos dois dicionários, ela seria descartada. Quando o item não foi encontrado em nenhum dos dois dicionários, outros dois foram pesquisados: o impresso Lexik des Cités Illustré (AZOR et al., 2007) e o on-line Sensagent (www.sensagent.com). Foram separadas para compor a lista final todas as unidades lexicais que não constavam nos dois primeiros dicionários gerais ou que, presentes nesses dicionários, eram acompanhadas de qualquer marca de uso do registro não-padrão, isto é, “fam.” (familiar ou coloquial), “pop.” (popular), “vulg.” (vulgar) e “arg.” (gíria). Quanto à marca “péj.” (pejorativo), optou-se por não considerá-la como não- -padrão quando não acompanhada de outra marca, por acreditarmos que ela represente apenas uma avaliação negativa do falante em relação ao referente, independentemente do nível de fala. Como exemplo, a unidade barbare, que no TLFi recebe essa marca, e é atestada por uma citação nada coloquial ou popular:1 Quadro 1. Extrato do verbete “barbare” do TLFi A. Péjoratif 1. (Celui) qui n’est pas encore ou n’est plus civilisé, qui appartient à un niveau inférieur d’humanité : 7. Au fond, tout Danois est certain que le Danemark seul existe nécessairement et que ce qui n’est pas lui pourrait fort bien ne pas exister. Passé la frontière de cette Chine minuscule, il n’y a plus que des barbares, une humanité inférieure.1 BLOY, Journal, 1899, p. 302. Nos casos em que a unidade não foi encontrada em nenhum dos quatro dicionários monolíngues, foi feita pesquisa no motor de busca Google, em sua versão francesa (www.google.fr), com a opção Pages:France habilitada, a fim de registrar a ocorrência da forma pesquisada somente na variante hexagonal. Para restringir a pesquisa, a unidade 1 “No fundo, todo dinamarquês está certo de que a Dinamarca sozinha existe necessariamente e que o que não faz parte dela poderia muito bem não existir. Ultrapassada a fronteira dessa minúscula China, não há nada além de bárbaros, uma humanidade inferior”. Tradução nossa. ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 256 buscada é escrita entre aspas. Os itens seguintes fornecem uma amostra do percurso realizado para a seleção das unidades nas quatro fontes lexicográficas e no buscador Google. Quadro 2. Percurso realizado para a seleção das unidades nos quatro dicionários monolíngues e no buscador Google Unidade Freq TLFi Petit Robert Lexik Sensagent Google.fr Contexto Ado 7 0 Abrév. Fam. J’ai le mal de l’ado en manque à bout de souffle... Wesh 1 0 0 p.351 Wesh mon vieux, ça fait un bail, elles sont bizarres nos trajectoires Paname 1 0 0 0 Paris j’y croyais pas, j’étais la femme la plus cocue de Paname Barbec 1 0 0 0 0 32.700 un barbec géant pour tous les SDF qui sont postés Em seguida, após estabelecer essa lista, todos os itens nela constantes foram pes- quisados em dois dos dicionários bilíngues francês-português mais comuns no Brasil, a versão on-line do dicionário escolar Michaelis (2002), da Editora Melhoramentos, disponível em http://michaelis.uol.com.br/escolar/francês.index.php, e o dicionário impresso Larousse Oui mini (2005). Quando a unidade pertencente ao registro não-padrão já estava banalizada a ponto de constar em um desses dicionários, ela foi descartada da lista final. Esse procedimento se justifica porque, na elaboração de obras bilíngues desse porte, prioriza-se a inclusão do vocabulário básico, excluindo grande parte do léxico especial atualizado. A escolha dessas obras bilíngues, de publicação mais recente, visou a diminuir a discrepância de que trataremos no próximo item. Após a revisão na lista das unidades em francês, com o auxílio de sites da internet e de alguns poucos glossários encontrados referentes ao movimento Hip Hop, foram propostas traduções para os itens, em princípio de mesmo registro. Cabe lembrar que, como nem todas as unidades têm equivalentes de mesmo registro, nesses casos, as traduções propostas foram marcadas, por meio de um asterisco, como pertencentes ao registro padrão da língua. Léxico francês-português do Hip Hop: breve análise dos resultados Após as fases de seleção e tradução das unidades, obteve-se uma lista final de 325 unidades, das mais diversas classes lexicais, como substantivos, adjetivos, verbos e alguns advérbios e locuções, colocada em anexo neste artigo. Reproduzimos abaixo a letra A da referida lista, para efeito de ilustração dos resultados. Reiteramos que as equivalências ou definições precedidas por * não são do mesmo nível de fala. Informações contextuais podem vir entre parênteses: ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 257 Quadro 3. Amostra da lista bilíngue francês-português do Brasil do léxico não-padrão extraído de letras de rap A Accaparer vt dominar Alcoolo sm cachaceiro, pinguço Allumer vt *disparar contra, atirar em (com uma arma de fogo) Alpaguer vt *apreender, *prender Amende sf *extorsão paga pelos comerciantes Amocher vt capotar, descer a lenha, *agredir Amphète sf *anfetamina Appart sm apê Area sm *área (s’)arracher vpron meter o pé, vazar Assurer vi *estar à altura; ser muito bom Atterrir vi *aterrissar, falando de um objeto que voa e depois toca o chão (no caso, um projétil) No Unitex, o corpus composto por 46 letras gerou uma lista de 56283 ocorrências de 5119 diferentes tokens, a partir da qual foram feitas as pesquisas nos dicionários monolíngues e, eventualmente, na internet. Analisando as informações obtidas ao longo do processo de elaboração e tradução da lista, observou-se que um número razoável de unidades previamente selecionadas durante a pesquisa em dicionários monolíngues foi encontrada também nos dicionários bilíngues, o que pode ser atribuído aos avanços dos estudos linguísticos e lexicográficos, que, no último século, mudaram os objetivos de muitas dessas obras, tornando-as mais descritivas e menos prescritivas, diminuindo assim as discrepâncias entre a língua falada nas ruas e a presente nos dicionários. Da lista preliminar de 578 unidades, 192, ou seja, aproximadamente 33% do total, foram descartadas por constarem nessas obras lexicográficas. As unidades restantes que não constam na lista dividem-se entre erros de ortografia de unidades do registro padrão (29 itens), alguns nomes próprios, de início não percebidos como tal (12 itens), e unidades cujos contextos encontrados na internet não foram suficientes para garantir uma interpretação segura o bastante para se construir uma definição (20 itens). Na sequência, analisaremos dois itens fortemente marcados nesse léxico, os nomes próprios e os neologismos (estrangeirismos), bem como a controversa questão da anotação das marcas de uso dessas unidades lexicais. Os nomes próprios são determinantes na interpretação do texto, sendo uma das classes de palavras em que, de certa forma, mais se pode observar a carga cultural partilhada de que fala Galisson (2000). Se considerarmos trechos como o seguinte, retirado de uma das músicas que compõem o corpus, Carpe Diem, de MC Solaar, fica claro o quanto seu desconhecimento representa uma grande dificuldade de interpretação: (01) Avant avec des francs je partais acheter des Picorettes Maintenant avec des euros c’que j’demande ce sont des Nicorettes2 Qualquer estudante de francês com um nível intermediário de conhecimento de língua seria capaz de interpretar com segurança esses dois versos se as palavras finais de 2 Antes com francos eu ia comprar *Picorettes / Agora com euros o que eu peço são *Nicorettes. Tradução nossa. ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 258 cada um deles fossem chocolat ou produit anti tabac. Mas, da forma como estão escritos, torna-se muito difícil para uma pessoa que não está inserida no mesmo contexto cultural do autor compreender o significado desses versos. Situação que só pode ser solucionada por meio de uma busca em sites da internet, uma vez que esses dois nomes de marca não constam em obras lexicográficas impressas. A dificuldade aumenta quando ocorre algo como no trecho abaixo, retirado da mesma música, no qual apenas alguns nomes também estão presentes em nossa cultura: (02) Au temps d’Avon, Herbalife, Tupperware et Amway Y’avait des sacs orange à l’Euromarché Du Topset, des chewing gums Baraka, des Treets Des bouteilles consignées Gévéor, Préfontaine et Pschitt Entretanto, apesar de reconhecermos sua importância cultural e linguística no contexto interpretativo, optou-se por não incluir nomes próprios na lista final, por não considerarmos possível qualificar seu uso com base nas variações diastráticas e diafásicas e por não podermos oferecer um equivalente linguístico adequado, apenas uma explicação do significado. Contudo, esse seria um objeto relevante de pesquisa linguístico-cultural que ainda não foi tratado adequadamente em publicações. Quanto aos neologismos, pode-se dizer que um dos processos de formação de novas palavras mais recorrentes foi a adoção de estrangeirismos – notadamente os anglicismos. É natural que se encontrem unidades ligadas ao movimento, como beat, crew, flow, freestyle, mas ocorrem também unidades mais ligadas ao uso geral, como blues, cash, man, skinny. Por não ter sido nosso objetivo realizar uma análise do étimo de todas as unidades presentes na lista, não estabelecemos com precisão o número e a origem dos estrangeirismos. Entretanto, reconhecemos em torno de 40 anglicismos, o equivalente a aproximadamente 12% da lista final de 325 unidades; um número considerável, sobretudo pensando na conhecida rejeição do francês aos estrangeirismos. Além desses dois grupos principais de léxicos especiais, observamos outros processos importantes como: a) a abreviação, como em mouvement > mouv’ ou em michetonneuse > michto; b) a inversão silábica, ou verlan (langue à l’envers), como é conhecida em francês, sendo alguns exemplos desse fenômeno fou > ouf, speed > despi ou frère > re-fré. Contrariamente ao que se pensava, este último recurso ainda é muito produtivo em francês, havendo mesmo o verlan do verlan, como em femme >meuf > feumeu. Outra questão observada durante a realização deste trabalho concerne às diferenças na atribuição de marcas de uso pelos dois dicionários gerais utilizados na pesquisa. Para esses casos, de acordo com cada dicionário, a utilização dessas unidades teria um nível de adequação diferente nas mesmas situações comunicativas. Por exemplo, um estudante de francês que consultasse a expressão faire chou blanc, na entrada chou do Petit Robert, tomaria a ausência de marca de uso como uma “carta branca” para sua utilização em qualquer contexto, enquanto que, se fizesse a mesma consulta no TLFi, provavelmente procuraria evitar o emprego dessa expressão em situações comunicativas em que se espera um nível de língua mais formal. Observe-se o quadro abaixo: ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 259 Quadro 4. Diferenças na atribuição de marcas de uso Unidade Freq TLFi Petit Robert Contexto (se) barrer 1 Arg. Fam. Regarde-moi, tu es ma femme, je ferai tout pour qu’on se barre. Chou (faire ~ blanc) 1 Fam. — Il ouvre la chasse en flippant tirant mais faisant trop souvent chou blanc. Embrouille 3 — Fam. J’ai dit aux autres “nous, on s’arrache si y’a embrouille vous nous appelez” Finalmente, é importante salientar novamente que não foi possível encontrar equivalentes de mesmo registro ou nível de fala para todas as unidades selecionadas, o que já era previsível, uma vez que duas línguas não interpretam a realidade exatamente da mesma forma. Novos estudos linguísticos podem buscar aproximações, mas cada idioma continua sempre mantendo suas especificidades culturais. Considerações finais Esta pesquisa teve como objetivo fazer uma reflexão sobre a relevância do aspecto cultural no ensino do léxico, por meio do estudo e elaboração de uma lista bilíngue de unidades lexicais utilizadas no contexto do Hip Hop para o ensino do FLE. Como contribuição, pudemos perceber a riqueza lexical e também a riqueza de referências extralinguísticas presentes nas letras dos raps, que passam despercebidas durante os cursos de língua e cultura francesas e que merecem ser levadas ao conhecimento dos estudantes dessa língua estrangeira, por fazer parte de uma cultura que ganha proporções cada vez maiores dentro do contexto desse país. Também foi possível levantar novamente questões comuns à elaboração de dicionários, como a constituição da nomenclatura e a atribuição de marcas de uso, que muitas vezes constituem o primeiro e único recurso a que têm acesso os aprendizes, a fim de saber o quê, como e quando empregar as possibilidades oferecidas pela língua no momento de interação, evitando, assim, impropriedades e inadequações. Assim, podemos concluir que, para se aproximar um pouco mais da competência linguística ideal almejada por qualquer estudante de língua estrangeira, é preciso também passar pelo estudo de formas menos prestigiadas do idioma, como o léxico não-padrão, o que pode passar também pelo estudo de textos de grande circulação social nem sempre abordados nos materiais de ensino de língua estrangeira, como é o caso das letras de rap. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZOR, Cindy et al. Lexik des Cités. Paris: Fleuve Noir, 2007. BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Teoria linguística: teoria lexical e linguística computacional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. DICIONARIO Larousse OUI francês-português, português-francês: mini. São Paulo: Larousse do Brasil, 2005. [Coordenação editorial: José A. Galvez] ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 260 GALISSON, Robert. La pragmatique lexiculturelle pour accéder autrement, à une autre culture, par un autre lexique. 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Acesso em: 26 jun. 2011. XATARA, Cláudia Maria. A tradução para o português de expressões idiomáticas em francês. 1998. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Araraquara. ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 261 ANEXO Léxico francês-português de letras de rap A Accaparer vt dominar Alcoolo sm cachaceiro, pinguço Allumer vt *disparar contra, atirar em (com uma arma de fogo) Alpaguer vt *apreender, *prender Amende sf *extorsão paga pelos comerciantes Amocher vt capotar, descer a lenha, *agredir Amphète sf *anfetamina Appart sm apê Area sm *área (s’)arracher vpron meter o pé, vazar Assurer vi *estar à altura; ser muito bom Atterrir vi *aterrissar, falando de um objeto que voa e depois toca o chão, no caso, um projétil B Baba sm traseiro Backstage sm backstage Badboy sm bad boy, pitboy Bague sf une bague au doigt barbada, boi, mamão com açúcar Bail sm ça fait un bail mó cara, mó cota Banana sf banana, pau Banane sf avoir la banane *1. Estar feliz *2. [pênis] estar ereto Baraque sf *empresa, empreendimento Barbec sm churras Barbelé sm cachaça Barge smf despirocado, zureta (se) barrer vpron vazar, meter o pé Bastos sf *bala de arma de fogo Beat sm beat Bécane sf *1. Máquina ou ferramenta especificada de acordo com a profissão ou interesse do usuário 2. Magrela, *bicicleta Bédave vt Bob Marley, Charles Brooklin, fumar um beck Bédo sm bagulho, bamba, brets, bucha, cabeça de nego Bénef sm *benefício, vantagem Bétom vi rodar Beuh sm bagulho, bamba, brets, bucha, cabeça de nego Beurre sm compter pour du beurre *não ter importância alguma, ser um zero à esquerda Bicrave vt *1. Traficar 2. Fazer a elza, *roubar Biff sm cascalho Biffeton sm *1. Bilhete 2. Verdinha, *nota de dinheiro Bille sf toucher une bille arrasar Bimbo sf *garota de beleza provocante Bip sm pager Bitch sf catiroba, puta Bitume sm *chão, terra Biz sm biz, business Black smf black (pessoa) Bled sm buraco, cu do judas ‘blème sm *problema Bloc sm casarão, penita, tranca Blues nm deprê Blunt sm bagulho, bamba, brets, bucha, cabeça de nego Bolosse smf comédia Bonze sm *personagem oficial, homem influente Boire la tasse *1. Engolir água involuntariamente, durante um banho de mar *2. Sofrer perdas Bouillave vt 1. Foder 2. Descer a lenha, o cacete Boule sf pote, coco Boulette sf brecha, *erro Bourge sm *burguês Bozo sm comédia, zureta C Cab sm *carro conversível Cafard sm deprê Cage sf gaiola Cagoulé, -ée adj *encapuzado Cailler vi fazer uma friaca Caille-ra sf marginália Caisse sf caranga, lata-velha Calcif sm *cueca Calmologue smf *psicólogo Came sf bala de coco, bilu Cancre sm *aluno pregiçoso e ruim Canner vi 1. Dar pinote, *fugir 2. Cair, *morrer Carburer vt *funcionar, trabalhar utilizando deter- minado “combustível” Cash adv na lata, na cara Casse-pipe sm *guerra (se) casser vpron 1. Dar pinote, *fugir 2. vazar Cellule sf *quarto Cess sf *droga Chtar sm 1. Gambé, cachorro de madame 2. Espinha, acne Chapeau sm faire porter le chapeau à qqn *responsabilizar alguém por algo Chelou adj * estranho, duvidoso, suspeito Chialer vi *chorar Chiant, -e adj broca, chaveroso, *irritante Chienne sf cadela, cachorra Chier vi 1. Cagar 2. Encher o saco ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 262 Chiotte sf *banheiro, toalete Chite sm v. shit Chnouff sf *droga, entorpecente Chou sm faire chou blanc *falhar em algo Cicatrice sf boceta Ciné sm *cinema Claquer vi ser cabuloso, *chocar, *maravilhar Clash sm *desafio Clean adj *1. Moralmente são *2. Que não usa mais drogas Clodo sm *pessoa socialmente não adaptada, que vive nas grandes cidades, sem emprego nem domicílio Cocard sm colorido, *olho roxo Coffee shop sm *nos Países Baixos, estabeleci- mento onde se pode comprar e consumir maconha legalmente Cogiter vi *refletir de modo empenhado e, fre- quentemente, ineficaz Coke sf bala de coco, bilu Colo sf *colônia de férias Compile sf *coletânea Conditionnable adj *que está em liberdade condi- cional Condé sm bacona, cachorro de madame, gambé Connard sm *imbecil Conso sf *consumo Cool adj na moral Couille sf partir en couille *não ter fim Couplet sm *refrão Couv’ sf *capa [de revista] Crack sm cabral, drusca Crado adj *muito sujo, imundo Cramer vi *queimar completamente, consumir-se Crâne sm coco Crash vi destruir-se contra o chão Cravate sf engravatado Crème sf nata Crew sm crew, *grupo de amigos que compartil- ham a mesma paixão Criser vi dar chilique, dar piti Croc adj *louco por Croc sm avoir les crocs estar laricado Croco sm *crocodilo Croquer vi *aproveitar D Dada sm cavalinho (que) dalle loc adv neca Dark adj dark Daron sm velho Dass’ sm *aids Débarquer vi *chegar de repente Déchirer vi arrasar Déconner vi *1. Dizer besteiras 2. brincar Défourailler vi *sacar uma arma de fogo Défourailleur sm *atirador Dégager vi vazar, meter o pé Dégommer vi *1. Derrubar, atingir *2. Destituir de um cargo Démago smf, adj *demagogo Démarrer vi *começar a ter sucesso, a conquistar notoriedade (se) Démerder vpron se virar Despi adj *1. Rápido 2. Osso, *difícil Diam sm *diamante Dico sm pai-dos-burros (en) douce loc adv *sem barulho, com discrição Douiller vt *pagar E Embarquer vt *prender e levar Embrouille sf enrolação Emmerder vt *considerar inexistente, ser indife- rente a (s’)enrailler vpron *pôr nos trilhos Entuber vt *ludibriar, fraudar, trapacear Escampette sf prendre la poudre d’escampette dar pinote F Fada sm, adj porta Fast style sm fast style, *estilo rápido Featuring sm featuring, feat., ft. Feeling sm feeling Fermer sa gueule calar a boca Feumeu sf *mulher Fils de chien sm filho da puta Flat adj *neutro Flipper vi *ficar abatido pelo fim do efeito da droga Flouze sm cascalho Flow sm flow, *enunciação de um rapper Foirer vi *fracassar lamentavelmente Fouleck sm *pessoa perigosa, que não recua diante de nada Foutre en l’air foder, foder-se Foutre le camp vazar, meter o pé Freestyle sm freestyle, *estilo livre Fuck vt foder-se G Galère sf être en galère *ter falta de algo Gamos sm caranga, lata-velha Gar-ci sm *charuto Gardav’ sf *prisão preventiva Garre-ba sf boloro, croquilho Gencive sf *1. O maxilar *2. Os dentes Ghetto sm muvuca, zona Gimmick sm *procedimento ou objeto ardiloso, truque destinado a causar um efeito marcante ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 263 Go sf mina Go tout de go loc adv. Na cara, na lata Gonze smf cara, mina (se)goumer vpron sentar(-se) a madeira Grave adv *seriamente Griller vt être grillé *ser desmascarado, desco- berto, não ter mais saída Gros, grosse smf 1. Mano 2. Cara, mina Gueule (ma) sf meu brother, meu chapa Gueule sf faire la gueule *mostrar descontenta- mento por meio de uma atitude mau-humorada que se tem de propósito H Hardcore adj hardcore, barra-pesada Hchouma sf *vegonha, pudor Hélico sm mosquito de ferro Héro sf *heroína Hic sm *ponto difícil, essencial de uma coisa Hip hop sm Hip Hop Hit sm hit, *sucesso musical Homme sm *marido, companheiro, amante Hosto sm *hospital I (s’)inquiéter vpron t’inquiète não esquenta Intello smf, adj *intelectual Internet sm internet Intox sf *intoxicação J Jacter vi colê, bater uma caixa JT sm *jornal televisivo K Kenn vt comer, foder Kéta sf *cloridrato de cetamina, anestésico e remé- dio para cavalos Keuf sm cachorro de madame, gambé Keumé sm cara Kiffer vt curtir L Lève-tôt sm *madrugador Loco sf *locomotiva Lolo sm *seio M Mag sm *revista Man sm cara Manche sf faire la manche *pedir dinheiro depois de uma apresentação, mendigar Masse sf être à la masse *estar desorientado Mat’ sm *manhã Mater vt *1. Ver ou olhar com atenção 2. secar Maton sm *carcereiro Matricule (mon, ton...) sf *eu, você Maxi sm *máximo Mémère sf *mulher gorda e comum de uma certa idade Méninge sf *cérebro Merco sf *curiosa, fofoqueira Merde sf *1.heroína *2. qualquer droga pesada Meuf sf mina Mic sm *microfone Michetonneuse sf catiroba, seringueira, puta Michto sf catiroba, seringueira, puta Mike sm v. mic Minot sm *criança pequena, guri, piá Meskin sm, adj *pobre, coitado Mitard sm surda, *solitária (cadeia) Mollard sm *escarro Mouv’ sm *movimento N Naze sm *1. Sujeito atingido pela sífilis *2. Por ext., estragado, que não vale mais nada Nerf sm une boule de nerfs uma pilha de nervos Nique sm *gesto de desprezo Niquer vt foder O Occas’ sf *promoção Oinj sm bagulho, bamba, brets, bucha, cabeça de nego Opé adj *decidido Ouais adv *sim Ouf adj despirocado, zureta (l’)ouvrir v *falar, exprimir uma opinião [geral- mente falando alto] P Paname sf Paris Partir au quart de tour *dar partida facilmente [motor] Patate adj *idiota Patate sf avoir la patate *estar em plena forma física Pédé sm balde, butterfly, lisinho Peau sf avoir qqch dans la peau *ter algo que im- pulsiona a agir, a se comportar de tal ou tal maneira Pêche sf avoir la pêche *estar em forma Pécho vt *pegar Pendre au nez *desprazer ou infelicidade pelo qual alguém é ameaçado People sm *celebridades Pépère adj na moral Pépètes sf pl cascalho Pera sm rap ESTUDOS LINGUÍSTICOS, São Paulo, 40 (1): p. 251-264, jan-abr 2011 264 Perpète sf perpétua (se) Péta vpron sentar a madeira Pétard sm berro, boca de ferro Pétasse sf catiroba, seringueira Péter vt Péter un plomb *irritar-se, ficar louco de fúria Pèze sm grana Philo sf *filosofia Phone sm *telefone Phone-tel sm *telefone Picoler vi mamar Pillave v mamar sf cachaça Pin-up sf *garota de beleza excitante, consciente de seu poder de sedução Pisse sf mijo Placard sm casarão, penita, tranca (en) planque loc adv. mocozado Planquer vi mocozar, muquiar Plaque sf être à côté de la plaque *enganar-se, estar por fora do assunto Plonger vi *desaparecer (se) pointer vpron *chegar Pomper vt se faire pomper la bite ganhar uma gulosa, uma chupeta Ponte sm *figurão Poto sm mano, chapa Q Quitte à * correndo o risco de R Racailleux sm, adj bicho solto, sinistro Raclo sm *garoto, moleque Ragga sm ragga(muffin) Rap(p)er vi *cantar rap Rappeur sm rapper Raquetter vt *extorquir Rasta smf *rastafári Récré sf *recreio Ré-fré sm mano Rencard sm *1. Informação confidencial *2. En- contro, compromisso Reusse sf *irmã Revoilà prép *eis de novo Riddim sm *sequência musical que forma a base de uma música Riffe sm berro, boca de ferro Rodéo sm muvuca, zona Rond, -e adj *gordo e pequeno S Sape sf beca Sauter vt trepar Sconke sf erva, bamba, breguete Scoot sm scooter, *vespa Scratch sm scratch (en) scred loc adv *escondido, discretamente Sec adj *1. Nada *2. vazio Sécu sf *segurança Self sm *auto-indutância Seuf sf traseiro Shisha sf *narguilé Shit sm bagulho, bamba, brets, bucha, cabeça de nego Shopping sm faire le shopping *fazer compras Single sm single Skate sm skate Skinny adj *muito magro, especialmente de forma não atrativa Skyzo adj *esquizofrênico Smala sf *família ou séquito numeroso que vive ao lado de alguém e o acompanha a todos os lugares Smicard sm adj *assalariado da categoria mais desfavorizada Solo adj *sozinho Soss sm brother Spliff sm baguho, bamba, brets, bucha, cabeça de nego Starting-block sm *dispositivo formado por duas bases, no qual um corredor apoia os pés antes de largar Strike sm strike String sm * calcinha ou biquíni fio-dental Sun sm *sol Sup sf *nível superior T Tacler vt *em uma rivalidade amorosa, tomar uma atitude antes de alguém Taco sm caranga, lata-velha Taf sm 1. Cagaço 2. trampo Taff sm trampo taf(f)er vi trampar (se) taper v traçar V Vendre vt *estar pronto a tudo para conseguir as graças de alguém Vénèr adj 1. Puto, *nervoso *2. Extraordinário, fora do comum W Wesh interj 1. Salve, e aí? Yo! Firmeza? 2. Qual é? O que que tá pegando?