Políticas e gestão da comunicação no Brasil contemPorâneo DANILO ROTHBERG (ORG.) Políticas e gestão da comunicação no Brasil contemporâneo Conselho Editorial Acadêmico Responsável pela publicação desta obra Mauro de Souza Ventura Danilo Rothberg Juliano Maurício de Carvalho Maria Teresa Miceli Kerbauy Ana Sílvia Lopes Davi Médola Adenil Alfeu Domingos Marcelo Magalhães Bulhões José Carlos Marques DANILO ROTHBERG (ORG.) Políticas e gestão da comunicação no Brasil contemporâneo © 2011 Editora UNESP Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br feu@editora.unesp.br CIP – Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ P829 Políticas e gestão da comunicação no Brasil contemporâneo / Danilo Rothberg (organizador). – 1.ed. – São Paulo : Cultura Acadêmica, 2011. 247p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-211-6 1. Comunicação. 2. Comunicação e tecnologia. 3. Comunicação de massa – Aspectos sociais. 4. Cidadania. 5. Comunicação de massa – Aspectos políticos – Brasil. I. Rothberg, Danilo, 1972-. 11-7980. CDD: 302.2 CDU: 316.77 Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Sumário Apresentação 7 1 Contribuições da Alaic para os estudos em comunicação na América Latina: aportes iniciais 11 Maria Cristina Gobbi 2 Boa governança via web: o Brasil caminha a passos lentos 43 Heloisa Dias Bezerra Vladimyr Lombardo Jorge 3 Democracia digital, comunicação e decisão pública 65 Danilo Rothberg Maria Teresa Miceli Kerbauy 4 Mecanismos de participação e deliberação on-line nas eleições de outubro de 2010 no Brasil 95 Sérgio Braga 5 Os blogs nas eleições de 2010: uma esfera alternativa de comunicação 119 Rafael de Paula Aguiar Araujo Claudio Luis de Camargo Penteado Marcelo Burgos Pimentel dos Santos 6 Democracia no megafone: uma análise das rádios comunitárias como arenas públicas 145 Juliano Maurício de Carvalho André Luís Lourenço 7 Televisão no cenário regional 165 Henrique de Oliveira Teixeira Thales Haddad Novaes de Andrade 8 Comunicação organizacional em um hospital público analisada sob a ótica do diálogo entre os profissionais de saúde e seus usuários 203 Marisa Romangnolli Maria Teresa Miceli Kerbauy 9 Cidadania, comunicação pública e portais eletrônicos de governo 231 Danilo Rothberg Fabíola Liberato Apresentação Quando se verifica a realidade da comunicação entre os diversos públicos e agentes sociais, uma imagem aparente é a da desorgani- zação de mensagens, objetivos e repertórios, que com frequência parecem não se relacionar entre si. Muitas vezes, se identifica a existência de metas distintas, incomunicabilidade, operações inde- pendentes e falta de compromisso com resultados que tendem a dificultar a realização de ações coerentes e eficazes. Em outros casos, é possível visualizar o desenvolvimento de complexas estra- tégias, em graus variados de experiência e amadurecimento, que indicam a clara consolidação de uma área de trabalho e pesquisa, a despeito de sua constante transformação. Felizmente, o conhecimento científico no campo da comuni- cação tem avançado, trazendo de maneira progressiva contribui- ções para a superação do quadro de aparente insuficiência de informações sobre o estado de realizações de políticas e gestão da comunicação no Brasil contemporâneo. Este livro apresenta-se como uma coletânea de artigos de do- centes e pesquisadores de pós-graduação das áreas de ciências humanas, sociais e sociais aplicadas que contribuem para o esclare- cimento de ações relevantes que envolvem a comunicação desen- volvida com planejamento e sistematicidade pelos diversos atores 8 DANILO ROTHBERG sociais a fim de ampliar os espaços de aprofundamento democrá- tico. A afirmação da cidadania modernamente construída, no contexto dos textos aqui presentes, se revela como dependente de arranjos sociais e políticos, nos quais a comunicação assume cen- tralidade a ser devidamente examinada por pesquisas competentes. E a variedade temática é uma das características da obra, que assim se projeta com o propósito de compor um diagnóstico de resultados obtidos, metodologias, possibilidades, desafios e promessas. Maria Cristina Gobbi, vice-coordenadora e docente do Pro- grama de Pós-Graduação em Televisão Digital da Universidade Estadual Paulista (UNESP), docente do Programa em Comuni- cação da mesma instituição e docente da Universidade de Sorocaba (Uniso), no texto intitulado “Contribuições da Alaic para os es- tudos em comunicação na América Latina: aportes iniciais”, em- preende um resgate abrangente dos fatores envolvidos na fundação da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunica- ción (Alaic) e examina contribuições iniciais dessa importante enti- dade ao avanço do conhecimento na área. Sob o título “Boa governança via web: o Brasil caminha a passos lentos”, Heloisa Dias Bezerra, docente da Universidade Federal de Goiás (UFG), e Vladimyr Lombardo Jorge, docente da Universi- dade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), apresentam os re- sultados de pesquisa sobre os portais de dez estados subnacionais que avalia, com ênfase sobre a convergência digital e a Internet como meio de informação e interatividade, se os executivos esta- duais realizam a accountability política e a responsividade necessá- rias à boa governança. Em “Democracia digital, comunicação e decisão pública”, Da- nilo Rothberg e Maria Teresa Miceli Kerbauy, docente do Pro- grama de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), sustentam a hipótese de que temas clássicos como avaliação de políticas pú- blicas, capital social e confiança política não têm sido bem explo- rados pelas ciências sociais e sociais aplicadas para trazer indicações seguras para a reflexão sobre instrumentos de democracia digital. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 9 Sérgio Braga, docente da Universidade Federal do Paraná, com o texto “Mecanismos de participação e deliberação on-line nas elei- ções de outubro de 2010 no Brasil”, apresenta evidências do uso da Internet nas campanhas eleitorais pelos candidatos aos governos estaduais e ao Senado nas esferas subnacionais de governo, com o objetivo de buscar a compreensão sobre padrões de uso da rede. Rafael de Paula Aguiar Araujo, docente da Escola de Sociologia e Política de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Claudio Luis de Camargo Penteado, docente da Uni- ver sidade Federal do ABC, e Marcelo Burgos Pimentel dos Santos, dou torando em Ciências Sociais pela PUC-SP, no texto intitulado “Os blogs nas eleições de 2010: uma esfera alternativa de comuni- cação”, traçam uma abrangente e sistemática análise da blogosfera como espaço alternativo de produção de informação em relação aos meios de comunicação tradicionais, focando especificamente o papel dos blogs no debate político das eleições presidenciais brasi- leiras de 2010. Juliano Maurício de Carvalho, docente do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comu- nicação (Faac) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), e André Luís Lourenço, mestre em Comunicação pela UNESP e as- sessor de imprensa da Câmara Municipal de Botucatu, analisam no texto “Democracia no megafone: uma análise das rádios comunitá- rias como arenas públicas” as características do fenômeno das rá- dios comunitárias, suas funções em sociedades democráticas e suas deficiências, a fim de evidenciar que uma rádio comunitária pode ser considerada uma arena pública e contribui para o avanço do processo de construção democrática. Henrique de Oliveira Teixeira, bacharel em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos, e Thales Haddad Novaes de Andrade, docente da Universidade Federal de São Carlos, ana- lisam, no texto “Televisão no cenário regional”, a regionalização da televisão brasileira e a maneira como o fenômeno conduziu a ex- pansão de sua cobertura e a ampliação de sua programação, fo- 10 DANILO ROTHBERG cando o caso da EPTV Central, emissora afiliada à Rede Globo instalada na cidade de São Carlos (SP). No texto intitulado “Comunicação organizacional em um hos- pital público analisada sob a ótica do diálogo entre os profissionais de saúde e seus usuários”, Marisa Romangnolli, mestre em Comu- nicação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e analista de comunicação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Cranio- faciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), e Maria Te- resa Miceli Kerbauy apresentam resultados de pesquisa sobre o diálogo entre os profissionais e os usuários de um hospital universi- tário público, considerando fatores que influenciam esse diálogo, como a cultura organizacional, a visão de ambos os atores sociais sobre o processo e as estratégias adotadas no desenvolvimento do diálogo. Finalmente, em “Cidadania, comunicação pública e portais ele- trônicos de governo”, Danilo Rothberg e Fabíola Liberato, mes- tranda em Comunicação na Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (UNESP), re- visam aspectos teóricos relevantes para o contexto em questão e su- gerem formas de análise de portais eletrônicos, a fim de oferecer uma contribuição à crescente produção de estudos na área. Danilo Rothberg1 1. Docente do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faac/ UNESP. 1 ContribuiçõeS da alaic para oS eStudoS em comunicação na américa latina: aporteS iniciaiS1 Maria Cristina Gobbi2 Introdução Com a criação de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco),3 em 1949, e do Centro Inter- 1. Parte do texto é resultado do pós-doutorado realizado no Prolam da ECA-USP. 2. Pós-doutora pelo Programa de Integração da América Latina (Prolam) da Uni- versidade de São Paulo. Vice-coordenadora e professora do Programa de Pós- -Graduação em Televisão Digital da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e professora do Programa em Comunicação, da mesma instituição. Professora da Universidade de Sorocaba (Uniso). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Pensamento Comunicacional Latino-Americano do CNPq. Diretora de docu- mentação da Intercom. Coordenadora do GT Mídia, Culturas e Tecnologias Di- gitais na América Latina da mesma instituição. E-mail: mcgobbi@terra.com.br. 3. A convenção que criou a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) foi assinada em Londres em 16 de novembro de 1945, por 37 países, e entrou em vigor em 4 de novembro de 1946. Os governos declararam solenemente: “Nascendo as guerras no espírito dos homens, é no espírito dos homens que devem ser erguidos os baluartes da paz [...]. Que uma paz fundada unicamente nos acordos econômicos e políticos dos governos não suscita a adesão unânime, durável e sincera dos povos e que, consequente- mente, essa paz deve ser estabelecida no fundamento da solidariedade intelec- 12 DANILO ROTHBERG nacional de Estúdios Superiores de Periodismo para a América La- tina (Ciespal), em 1959, os estudos em comunicação na América Latina deram um salto significativo através de múltiplas ações rea- lizadas por elas ou sob seus auspícios. Foi pelos idos de 1958 que a Unesco manifestou formalmente sua preocupação com as “carências de mecanismos e de meios de comunicação nos países não industrializados”.4 Dessa forma, afirma Alfonzo (1993, p.4), foi na Assembleia Geral das Nações Unidas5 ocorrida em 1958 que a Unesco ficou encarregada de preparar um projeto que permitisse o conhecimento prévio sobre a existência de recursos dos meios de comunicação em países subdesenvolvidos. Por essa época e, por que não dizer, até hoje, o mote da pesquisa em nosso continente foi o de estudar a informação no sentido de esta- belecer a paz e a integração, por meio da educação, da ciência e da cultura. Com a tarefa cumprida, a Unesco expressou durante a Assem- bleia Geral das Nações Unidas em 1962 que os meios de infor- mação, de fato, teriam um importante papel na educação, no desenvolvimento econômico e no progresso social, reforçando o direcionamento dos dados para as pesquisas na região. Diante desse fato, várias ações foram empreendidas para oferecer aos países “terceiro-mundistas”6 o ferramental necessário ao seu de- tual e moral da humanidade”. Os estados signatários dessa Convenção estavam decididos a “assegurar a todos o pleno e igual acesso à educação, a livre perse- cução da verdade objetiva e o livre intercâmbio de ideais e de conhecimentos”. A Unesco nasceu das cinzas da Segunda Guerra Mundial (Fonte: www.unesco. org, pesquisa realizada em 10/12/2007). 4. Tradução nossa. 5. “Posteriormente, la Asamblea General de las Naciones Unidas aprobó un con- junto de resoluciones en el área de la comunicación e información. Entre ellas se encuentran las siguientes: 1.778 del 17/12/1962; la 3.148 de 14/12/1973; la 31/139 de 16/12/1976; la 33/115A de 18/12/1978 y la 34/181 de 18/12/1979. Esta última relativa a la ‘Cooperación y asistencia en la aplicación y el mejora- miento de los sistemas nacionales de información y de comunicación para las masas a los fines del proceso social y de desarrollo’” (Alfonzo, 1993, p.6). 6. Estamos nos referindo somente aos países da América Latina. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 13 senvolvimento econômico-social, e, claro, isso passava necessaria- mente pela comunicação. Por outro lado, em nossa região, em 1959, criou-se um orga- nismo que tinha como objetivo principal oferecer aos países do Terceiro Mundo condições para fazer frente a esses desafios. O Ciespal foi fundado em 9 de outubro, na cidade de Quito, no Equador. Tratou-se de uma iniciativa do governo equatoriano, da Unesco e da Organización de los Estados Americanos (OEA) para abrigar as necessidades de criar centros destinados a desenvolver atividades de ensino, privilegiando a formação de profissionais para atuar nas indústrias culturais da região, principalmente na área do jornalismo e da publicidade. Para atender ao crescente desenvolvimento das novas tecnolo- gias de reprodução simbólica – offset, videoteipe, super-8, saté- lites – e aos novos enfoques comunicacionais, por volta dos anos 1970, o nome da instituição sofre uma variação. A palavra “perio- dismo” foi substituída por comunicação. O Centro passou, então, a chamar-se Centro Internacional de Estudos Superiores de Comu- nicação para América Latina. A sigla Ciespal permaneceu inalte- rada (Gobbi, 2002). Em seus primeiros anos de trabalho, dedicou-se principalmente à área do jornalismo.7 Posteriormente ampliou seu campo de atuação para a pesquisa, a documentação e a produção de materiais técnicos e didáticos. Dentre seus objetivos, destaca-se, até hoje, a preparação de co- municadores sociais capazes de difundir a cultura, a ciência, a edu- cação e a tecnologia. A formação oferecida pelo Ciespal incluía uma bibliografia de autores norte-americanos, em uma linha muito li- gada ao jornalismo impresso (Prieto Castillo, 2000, p.120). Bus- cava também investigar a realidade do continente latino-americano no que se referia à comunicação social e à participação efetiva dos meios nesse processo. 7. A palavra “comunicador” não era utilizada por essa época (Prieto Castillo, 2000, p.120). 14 DANILO ROTHBERG As preocupações do Centro traziam nitidamente as próprias in- quietações da Unesco, calcadas pela “paternização de um profis- sionalismo despreparado ou disfuncional para a Nova Ordem Política das áreas de influência no confronto Norte-Sul”. O que não se imaginou foi que a incompreensão, motivada por identi- dades conflitantes com esse programa, pudesse colocar em xeque as reais intenções da Unesco e do próprio Ciespal (Medina, 2000, p.141). A variedade da produção do Ciespal e o eco encontrado em muitos pesquisadores de diversos países da América Latina pare- ciam conclamar por uma nova metodologia de orientação de suas pesquisas; esses fatores, mais uma compreensão dos rumos da in- formação, tão manipulada entre as guerras,8 reforçaram a atuação do Centro e inspiraram a criação de outros. Como bem observa O’Sullivan (1985),9 toda experiência hu- mana se fundamenta na observação científica e na teorização da pesquisa. Somente através da investigação é possível compreender e valorizar a comunicação, os processos, os ritmos, os meios e as formas de interação social. E isso, sem dúvida, pode ser observado nas várias produções e ações realizadas pela Alaic. Mas, para que possamos compreender a real dimensão desses aportes, é necessário o resgate do período de fundação da Alaic e de suas contribuições iniciais. Somente assim acreditamos ser possível entender as ações empreendidas por aquele grupo de pesquisadores que, reunidos em Caracas em 1978, tiveram a ideia de fundar a ins- tituição e, posteriormente, o empenho de outros tantos que desde então vêm mantendo a Associação atuante até hoje. 8. Estamos nos referindo à Segunda Guerra Mundial e posteriormente à Guerra Fria, fruto do conflito informacional das duas superpotências vencedoras do primeiro confronto. 9. Jerry O’Sullivan, El unicórnio azul y la investigación en comunicación. In: Chasqui, n.14, Quito: Ciespal, 1985, p.44. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 15 As batalhas pelas “liberdades” É possível afirmar que a trajetória histórica do pensamento la- tino-americano em comunicação teve seu início na compreensão de nossa própria identidade, mas sobretudo no cenário de nossas lutas para pôr fim à dependência colonial. Essa busca pela construção de uma identidade latino-americana, por um lado, passou pela valori- zação da cultura dos índios, crioulos e mestiços; por outro, se trans- formou em expressão de luta interna e externa contra a dependência sofrida em todo o continente. Os vários movimentos econômicos, sociais e culturais ocorridos em todo o mundo tiveram reflexos significativos na América La- tina, marcado principalmente por uma grande ascensão do movi- mento operário e democrático. Muitos partidos, em particular os comunistas, começaram a transformar-se em organizações revolu- cionárias de massas, abrindo suas portas para novos membros. Essa “abertura” do movimento comunista dava um clima de libe- ralização geral da vida política, ocasionando uma ampliação do mo- vimento operário. Mas foram as revoluções populares contra as burguesias dominantes na América Latina, especialmente a partir dos anos 1960, que mostraram claramente as lutas sociais travadas para pôr fim a um período de dominação. As mudanças significativas na estrutura social dos trabalha- dores das cidades e do campo criaram condições para o desenvolvi- mento dos movimentos operários em todo o continente. Mas tudo isso alarmou profundamente o imperialismo internacional. A América Latina passou à ofensiva em todas as frentes. A confron- tação entre as diversas forças nos anos da Guerra Fria teve como resultados a manifestação de uma série de contradições sociais. Para Guazzelli (1993, p.15-23), a Revolução Cubana foi um dos processos históricos decisivos para o destino das nações latino- -americanas na década de 1960, bem como “para a condução ado- tada pelo imperialismo no tratamento das questões envolvendo o subcontinente. Tendo sido conduzida por um grupo que não tinha, 16 DANILO ROTHBERG em princípio, o objetivo de uma transformação rumo ao socia- lismo”, os resultados acabaram desencadeando reformas pro- fundas, que atingiram grupos de interesses dominantes, dentre os quais os norte-americanos presentes em Cuba. “Os barbudos de Sierra Maestra iniciaram um movimento antioligárquico que se tornou anti-imperialista e acabou, finalmente, rompendo com o próprio capitalismo”. Se, por um lado, as burguesias enfrentavam dificuldades para atender às reivindicações populares, por outro, temiam que o exemplo cubano pudesse ser seguido por outras nações latino-ame- ricanas. Passaram, então, a buscar o apoio das Forças Armadas, ge- rando as “ditaduras militares”, tão presentes em todo o continente (Guazzelli, 1993, p.15-23). É claro que os Estados Unidos não ficaram indiferentes a esses acontecimentos, tendo como preocupação básica minimizar os efeitos da Revolução Cubana em outras regiões. Mas os resultados foram drásticos e dramáticos. Após a fracassada Aliança para o Progresso, programa de investimentos para atenuar problemas so- ciais, os Estados Unidos passaram a aparelhar as forças armadas latino-americanas para combater o que eles chamaram de “inimigo infiltrado” (Guazzelli, 1993, p.15-6). Toda essa ofensiva trouxe para a América Latina diversas con- sequências, dentre elas a criação de um movimento defensivo que foi uma das ações mais marcantes contra o imperialismo norte- -americano. No entanto, torna-se fundamental olhar o reverso da moeda para compreender o panorama político-social. Guazzelli (1993, p.25) afirma que, paulatinamente, a América Latina passou a sentir os efeitos dos governos ditatoriais e milita- rizados. Estes foram “capacitando-se, com o apoio dos Estados Unidos, para o enfrentamento da ameaça que pairava”. Desenvol- veram instrumentos capazes de encarar as formas de oposição in- terna. Ficamos divididos em duas situações: “aqueles países que não haviam feito uma transformação das antigas formas de dominação oligárquica, e outros, onde a instalação da burguesia no poder POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 17 havia-se realizado através da fórmula política conhecida como po- pulismo” (Guazzelli, 1993, p.25). O panorama político-social latino-americano, entre as décadas de 1960 e 1970, pode ser visualizado no Quadro 1. Quadro 1 – Situação político-social da América Latina nas décadas de 1960 e 1970 Ano País Situação 1962 Peru Os militares antecipam-se à posse do populista Haya de la Torre e ocupam o poder. 1963 República Dominicana Um golpe militar derrubou o governo do moderado Juan Bosch. 1964 Brasil Cai o populista João Goulart. 1964 Bolívia Cai o populista Paz Estenssoro. 1965 República Dominicana Tropas capitaneadas pelos Estados Unidos intervieram e impediram uma restauração democrática no país. 1966 Argentina As Forças Armadas ocuparam o poder. 1968 Peru Novamente os militares assumiram o governo. 1973 Chile Chegou ao fim a experiência socialista chilena com o sangrento assalto ao poder por Pinochet. 1973 Uruguai Deixava de ser a Suíça da América Latina. Fonte: Guazzelli, 1993, p.25-34. Cabe o registro de que apenas o México, a Colômbia e a Vene- zuela, durante a década de 1970, não apelaram para golpes mili- tares como “solução para seus problemas”. Também é necessário dizer que as ditaduras militares, impostas a partir dos anos 1960, tinham como diferença fundamental, em relação àquelas implan- tadas nos estados oligárquicos, o fato de ocorrerem em países in- 18 DANILO ROTHBERG dustrializados em busca do desenvolvimento capitalista (Guazzelli, 1993, p.25-34). Todo esse cenário, sem dúvida, gerou atraso, miséria, impe- dindo uma sólida organização social em nossa região. Os reflexos disso ainda são sentidos na atualidade. O desenvolvimento dependente latino-americano não esteve li- gado somente às situações econômica, política ou social. A diversi- dade geográfica e cultural entre os países de nosso continente é evidente. Podemos dividir a América Latina e o Caribe em três grandes regiões: América Central, Caribe e América do Sul. Com referência à comunicação, as primeiras investigações na América Latina, no fim da década de 1950 e início dos anos 1960, tinham como modelo a sociologia desenvolvimentista norte-ameri- cana por uma parte e, por outra, os conceitos da Escola de Paris, e eram expressas em resultados sobre morfologia, conteúdo da im- prensa, análises de audiência, diagnósticos sociográficos, legis- lação, estrutura e funcionamento dos meios na sociedade (Beltrán, 1973). Era a modernização dos chamados países desenvolvidos que determinava as pautas de investigações em nossa região. Fuentes Navarro (1992, p.75-8) afirmou que os estudos históricos e descri- tivos da imprensa, embasados no referencial da Comissão Econô- mica da América Latina (Cepal) – organismo das Nações Unidas, fundado em 1947 –, incidiram no campo da comunicação de massas de maneira gritante e foram considerados como um dos fatores de desenvolvimento. Por outro lado, a bibliografia disponível na área da comuni- cação na América Latina, no fim dos anos 1950, era praticamente insignificante.10 Tratava-se, muitas vezes, de obra traduzida ou 10. “Podemos citar que o maior exemplo de uma produção significativa na Amé- rica Latina na área da comunicação é a trilogia sobre jornalismo, escrita pelo cubano Octavio de la Suarée (1944, 1946, 1948). Também algumas publicações na área da publicidade e da propaganda, de autoria dos brasileiros Ernani Ma- cedo de Carvalho (1940), Ary Kerner (1943); do argentino Carlos Juan Zavala Rodríguez (1947); do mexicano J. M. Miguel e Verges (1941). Alguns estudos dedicados à imprensa como os do brasileiro Carlos Rizzini (1946) e do argen- POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 19 fruto de pesquisas bastante localizadas.11 Os trabalhos estavam, em grande parte, fundamentados no funcionalismo norte-americano, na Mass Communication Research, da Escola de Chicago, e na Sciences de L’Information, da Escola de Paris Rivera (1986, p.15) referenda a grande influência da Argen- tina12 nas pesquisas realizadas entre os anos de 1942 a 1958. Cita como exemplo La rebelión de las masas, de Ortega y Gasset;13 as pesquisas de Francisco Ayala, na área do cinema; de Roger Caillois, sobre a sociedade de massas; Jorge Luis, com as críticas às novelas e antologias policiais, Horácio Quiroga, com as reflexões críticas sobre as condições de produção literária ou mesmo as críticas ra- diofônicas de Homero Manzi.14 “Em linhas gerais tratavam de en- tino Eliel Ballester (1947). Já nos anos de 1950, são representativas as pesquisas sobre cinema dos brasileiros Salvyano Cavalcante de Paiva (1953) e Alex Vianny (1959). O trabalho sobre radiodifusão no Brasil de Saint-Clair Lopes (1957), publicado na Argentina por Mouchet e Radaelli (1957). Sobre propa- ganda, podemos citar o brasileiro Genival Rabelo (1956), o mexicano Gustavo Adolfo Otero (1953), o venezuelano Julio Febres Cordero (1959)” (Marques de Melo, 1993(a), p.78). Tradução nossa. 11. “Neste sentido podemos citar o tratado sobre jornalismo contemporâneo de Danton Jobim (1957) e de Paulo Emilio Salles Gomes (1957) sobre o cineasta francês Jean Vigo; ambos publicados em Paris. Também a análise sobre a inde- pendência da Venezuela na imprensa francesa desde o século XIX, de Jesús Rosas Marcano (1964)” (Marques de Melo, 1993(a), p.78). Tradução nossa. 12. “Desde a década de 1940, aparecem pesquisas sobre os processos comunicacio- nais inerentes à realidade da América Latina. [...] os programas iniciais de for- mação de jornalistas foram criados em universidades da Argentina (1934), do Brasil (1935), de Cuba (1942), entre outros países” (Marques de Melo, 1993(a), p.151). 13. Ortega y Gasset elaborou interessantes reflexões sobre o homem latino-ameri- cano na realidade argentina. Em seu artigo, “La Pampa”, ele desvenda um sen- tido prospectivo do latino-americano ao enfrentar a sua realidade: a realidade é compreendida e vivida a partir das promessas de seu horizonte, de seu porvir. É um viver a partir de um futuro imaginado, mas não real, em que o horizonte se apresenta como uma utopia prometida a se cumprir (Ortega y Gasset apud Mance, 1995, p.4). 14. B. Rosenberg & D. M. White incluíram um fragmento de La rebelión de las masas na antologia Mass Culture. The popular arts in America, Glencoe III: The Free Press, 1957. Roger Caillois, Sociología de la novela, Buenos Aires, Sur. 20 DANILO ROTHBERG foques que revelavam a posição subalterna e controvertida dos fenômenos ou produtos implicados”15 (1986, p.22). Em 1957, a Unesco realizou um levantamento da produção em comunicação na América Latina chamado Recherches actuelles sur les moyens d’information.16 Como resultado não foi obtido nenhum projeto desenvolvido na região (Marques de Melo, 1971, p.30). Talvez isso possa ser visto como um reflexo daquilo que ocorria em outros países. A pobreza de textos e de pesquisas realizadas nessa década ocorria também nos Estados Unidos e na França, apesar das tradições acadêmicas desses países na área das ciências sociais e nos estudos comparativos. Assim, o mote que a comunidade acadêmica passou a ter estava centrado na problemática relacionada aos meios de comunicação, aos conteúdos e seus efeitos sobre as massas, resultados dos estudos internacionais. Isso pode ser observado em trabalhos realizados entre os anos de 1949 a 1955, como os de Schramm, Swanson, Be- relson, Lazarsfeld, Klapper, Merton, McPhee, Lasswell, Hovland, entre outros.17 Essas pesquisas tinham como ponto central a quan- tificação das reações do público e a eficácia dos meios. Esses pes- quisadores passam a apontar os estudos de comunicação não mais em uma única dimensão. Tratava-se, pois, de divisar a comunicação em nossa região como uma reunião de diversos fenômenos interconectados e inter- -relacionados, de alta complexidade, requerendo, para sua análise, ferramentas metodológicas e conceituais específicas. Estas, con- 15. Tradução nossa. 16. Unesco. Cahiers du Centre de Documentation. Paris: Departement d’Infor- mation, 1957. 17. The language of politics, 1949, de Lasswell; Experiments on mass communication, 1953, e Communication and persuasion, 1954, de Hovland; Mass communica- tion, 1949, e The process and effects of mass communication, 1955, de Schramm; Televison ownership and its correlates, 1951, de Swanson; Content analysis in communication, 1953, de Berelson; Communication Research, e Radio Research, 1949, de Lazarsfeld; The effects of mass media, 1949, de Klapper; Mass persua- sion, 1946, de Merton; Futures for radio, 1955, de McPhee (Rivera, 1986, p.22). POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 21 forme cita Rivera (1986, p.21), tinham como instrumental básico as medições empíricas, destinadas a quantificar os impactos dos meios sobre o público e seus efeitos sobre as massas. Buscava-se desenvolver uma teoria global, capaz de dar conta da comunicação de massas e de seus efeitos na região. Embora, nessa época, o con- ceito de massa fosse utilizado basicamente como sinônimo de meios, de comunicação e de cultura. As primeiras pesquisas mostravam a preocupação dos centros de poder, tanto econômicos como políticos, em conhecer o grau de influência dos meios sobre o comportamento dos consumidores ou dos eleitores (no caso dos poderes políticos).18 Os trabalhos de Lasswell19 e Berelson,20 no início da década de 1950, tinham como foco central as análises dos meios, dos con- 18. “Recordemos que la información periodística, el cine, la televisión, la radio, la producción de equipos para filmación e insumos, los discos, la industria elec- trónica, etc., son manejados a nivel internacional por UPI, AP, Reuter, AFP, EFE, Paramount, United Artists, Universal, MGM, Columbia, Fox, MCA, Walt Disney Productions, CBS, NBC, ABC, Kodak, Philips, EMI, IBM, Ma- tsushita, Sony, EMI, Zenith, Grundig, Polaroid, Warner, Polygram, General Electric, Siemens, Western Electric, Westinghouse, AEG, Telefunken, Rockwell, LTV, Xerox, CGE, Texas, Intel, Fairchild, Motorola, Honeywell, Locheed, ITT, Times Mirror, Aircraft, etc.” (Rivera, 1986, p.22). 19. “Não é possível falar em evolução teórica da comunicação social sem passar pela análise do paradigma de Lasswell. A importância atribuída a esse para- digma pode ser ampliada quando se considera que sua influência supera o marco norte-americano e se estende, praticamente, para toda a ciência mundial da comunicação de massas” (Moragas Spa, 1981, p.29). Tradução nossa. 20. A análise de conteúdo, como acontece em geral com a mass communication research, adquire seu máximo desenvolvimento nos Estados Unidos ante as exigências políticas e militares derivadas da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, em tempo de guerra, são vários os departamentos governamentais que precisam desse tipo de análise. Participaram desse desenvolvimento pesquisa- dores como Berelson e Lasswell (aplicação da análise de conteúdo às mensa- gens de comunicação política e da cultura dos mass media). Outros detalhes sobre o desenvolvimento dessas teorias podem ser encontrados nos escritos de Miquel de Moragas Spa, no livro Teorias de la comunicación (Barcelona: Gus- tavo Gili, 1981, p.143-70). 22 DANILO ROTHBERG teúdos, dos públicos e dos efeitos e serviram de referência durante um bom tempo (e ainda servem). Somente nos anos 1960 o modelo funcionalista proposto por Merton21 passou a nortear as pesquisas. Objetivava-se, claramente, a redução do conjunto dos fenômenos comunicacionais a nítidas ca- tegorias funcionalistas. Isso pode ser comprovado em obras como a de Charles R. Wrigth, “Functional analysis and mass communi- cation”, contidos na coletânea People, society and mass communica- tion, que foi organizada por M. White & Dexter em 1964. O rápido desenvolvimento dos meios de comunicação na Eu- ropa começou a clamar por contribuições de outras disciplinas. Calcadas nas ciências humanas e sociais, buscavam respaldo para as análises dos meios e dos processos comunicacionais em um con- texto mais global. Rivera (1986, p.23) cita as contribuições de Edgard Morin,22 com a obra L’esprit du temps (no Brasil, publicado como Cultura de massa no século XX:o espírito do tempo), que trata da cultura de massas, além dos ensaios publicados na revista Communications. Ênfase também deve ser dada aos trabalhos de Roland Barthes, com a introdução da análise semiológica, presente principalmente em Mitologias, de 1957. O rádio e a televisão igualmente foram contemplados com as pesquisas de M. Crozier, publicadas em 21. Robert Merton, Social theory and social structure. 11.ed. Ed. revista e aumen- tada. Nova York: Free Press, 1957. 22. Ex-membro do Partido Comunista Francês, crítico do marxismo oficial, orto- doxo, em contínua evolução intelectual, estudou o papel decisivo da evolução da teoria da cultura de massas na Europa. Junto com Roland Barthes e influen- ciado por George Friedmann, foi um dos primeiros teóricos franceses a prestar atenção aos fenômenos da cultura cotidiana. Morin acreditava que os temas da cultura do dia a dia, sua estrutura, sua transformação ideológica, deixaram de ser objetos irrisórios, marginalizados pela pesquisa de interesses acadêmicos. O livro Espírito do tempo I tem um resgate interessante sobre o esquema da cultura de massa em seu tempo. Em Espírito do tempo II, são estudadas as va- riações culturais experimentadas desde 1960 até hoje (Moragas Spa, 1981, p.163). POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 23 1958, Broadcasting sound and television e La grande chance de la télévision, de Jean Cazeneuve, em 1963.23 Por outro lado, nos Estados Unidos, o foco das pesquisas estava relacionado aos efeitos e à recepção de mensagens. Klapper24 re- visou as análises calcadas na teoria funcionalista e propôs a apre- ciação das disfunções desempenhadas pelos meios de comunicação como ponto principal de observação. O cenário passou a ter novas formas de integração. Descorti- nava-se um novo campo de desenvolvimento das pesquisas e aná- lises dos meios e dos processos comunicacionais. Nesse novo método, integraram-se os trabalhos de Arrons y May, Television and human behavior, 1963, e de Wilbur Schramm, L’influence de la télévision sur les enfants et les adolescentes, de 1965. Inscreveu-se, também, a produção teórica de Marshall McLuhan, The Gutenberg Galaxy, de 1962, e Understanding Media, de 1964, convertidos em espetáculos da comunicação (Rivera, 1986, p.25). Podemos observar e afirmar que o fenômeno da comunicação de massas e da pesquisa teórica nesse campo do conhecimento é re- cente. Até a década de 1930, os estudos tinham como tema a crítica literária, os estudos sobre propaganda e as indagações a respeito dos efeitos de determinados produtos sobre o público.25 Os problemas econômicos e políticos gerados a partir da Pri- meira Guerra Mundial, incrementados com o processo de indus- trialização, o nazismo, a urbanização, entre outros, possibilitaram o surgimento de diversas temáticas para estudos das ciências sociais. 23. Cabe citar as contribuições de Abraham Moles, em Teoria da informação e per- cepção estética, e os trabalhos de T. W. Adorno. Não podemos deixar de consi- derar as pesquisas de Hans M. Enzensberger que tratavam dos efeitos e da manipulação dos meios, observados na obra Elementos para uma teoria de los médios de comunicación e, finalmente, Vers une civilisation du loisir, 1962, e Loisir et culture, 1966, de Joffre Dumazedier (Rivera, 1986, p.24). 24. J. T. Klapper, Mass communication research, an old road resurveyed. Chicago: University of Chicago Press, 1963. 25. Sean McBride et al. Un solo mundo voces múltiplas México: Unesco/Fondo de Cultura Económica, 1980. 24 DANILO ROTHBERG Moragas Spa (1985)26 argumenta que Lazarsfeld tinha os inte- resses iniciais de estudo dirigidos para a propaganda, tendo a polí- tica como seu foco de atenção, utilizando a técnica da análise de conteúdo; a cultura através das pesquisas de efeito e a publicidade no rádio, com perspectiva da investigação sobre audiência, privile- giando o setor comercial. Na América Latina, afirmou Moragas Spa (1986),27 os métodos de análise de conteúdo, avaliando os efeitos das mensagens sobre o público, fizeram parte do cenário das pesquisas. A investigação enquanto processo social, resultado de estudos sobre as instituições, os fenômenos da comunicação, a estrutura de poder dos meios e a socialização não eram os focos das análises, prevalecia a relação entre a política e a vertente comercial. Na década de 1960, na América Latina, desenvolveram-se di- versos estudos tendo como enfoque as análises sobre a sociedade e os meios de comunicação. Segundo Almengor, Araúz, Gólcher & Tuñón (1992, p.13-5), dois pesquisadores merecem destaque: o venezuelano Antonio Pasquali e o brasileiro Paulo Freire, que enri- quecem com seus trabalhos o campo da comunicação social, apre- sentando novos esquemas de pesquisa, diferentes dos modelos norte-americanos. O livro precursor foi Comunicación y cultura, cuja edição original foi disponibilizada em 1962. Enquanto Pasquali tratava dos conceitos entre comunicação e cultura, Freire trabalhava o caráter comunicacional da perspectiva da educação, conferindo “ao processo uma bidirecionalidade. So- cialmente, colocava diversos grupos humanos como produtores de mensagens a partir de sua própria realidade”.28 Também não podem ser esquecidas as contribuições de Eliseo Verón e Armand Mattelart. 26. Miguel de Moragas Spa, Teorías de la comunicación: investigación sobre los me- dios de América y Europa. 3.ed. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1985, p.25- 30. 27. Miguel de Moragas Spa, Sociología de la comunicación de masas. 2.ed. Barce- lona: Editorial Gustavo Gili, 1986, p.83-90. 28. Tradução nossa. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 25 Almengor, Araúz, Gólcher & Tuñón (1992, p.14) afirmaram em sua publicação que a maior parte da produção sobre comuni- cação na América Latina, durante o final dos anos 1960 e início da década seguinte, traziam considerações sobre particularidades his- tóricas, sociais, políticas e culturais. Uma das principais críticas, consequência da 1a Reunião Geral de Pesquisadores da Comuni- cação, ocorrida na Costa Rica em 1973, concluiu que as pesquisas privilegiavam modelos teóricos importados, principalmente dos Estados Unidos. Esse resultado sinalizou a vontade de uma eman- cipação dos esquemas importados para “fundamentar-se em raízes históricas, culturais de nosso contexto social e criar, dessa forma, novas instâncias de pesquisa e projeção acadêmica”.29 De acordo com o professor Beltrán (1978), as teorias que mais influenciaram as pesquisas em comunicação na América Latina foram: 1) baseados nos paradigmas de Lasswell (Merino Utreras, 1974); 2) modelo clássico da difusão de inovações, amplamente empregada no Brasil, México, Costa Rica e Colômbia, mas muitos pesquisadores fizeram uma crítica contundente a esse modelo (Parra, 1966; Cuéllar y Gutiérrez, 1971; Días Bordenave, 1974). Algumas críticas da aplicação desse modelo em países subdesen- volvidos também foram feitas por pesquisadores norte-americanos, como Havens (1972), Havens & Adams (1966), Felstehausen (1971), Grunig (1968), Esman (1974) e Rogers (1969); 3) teorias que vinculavam a comunicação com a modernização – propostas de Schramm (1963, 1964), Lerner (1958), Pye (1963), De Sola Pool (1963) e Frey (1966).30 29. Tradução nossa. 30. “Com menos frequência, a revisão de literatura também revela a presença na América Latina do modelo de busca de informação e hipótese de fluxo da co- municação em duas etapas, como os estudos realizados no Peru por McNelly & Molina (1972) e Schneider (1973, 1974) no Brasil” (Beltrán, 2000a, p.53-5). Tradução nossa. Artigo publicado originalmente no número especial de Co- municación y Desarrollo del Communication Research an International Quar- terly, v.III, n.2, abr. 1996. Versão castelhana na revista Orbita, n.22, Caracas, jul. 1978. 26 DANILO ROTHBERG A literatura disponibilizada nessa época indicava, ainda, a in- fluência de outros modelos norte-americanos. Diante disso, a con- clusão óbvia era que a pesquisa em comunicação na América Latina foi dominada por modelos conceituais forâneos, procedentes prin- cipalmente dos Estados Unidos. Dessa forma, tornou-se possível afirmar que, naquele primeiro momento, faltou aos pesquisadores latino-americanos formular conceitos e teorias que tivessem raízes na experiência particular da vida na América Latina. Ou, mesmo, adaptar as teorias oriundas dos centros hegemônicos de forma a contemplar as necessidades da região. Mas a aparentemente adormecida comunidade acadêmica da América Latina reúne-se entre os dias 17 e 22 de setembro de 1973 em Costa Rica, no Seminário Investigación de la Comunicación en América Latina, sob a batuta do Ciespal, contando com o apoio de Fundação Friedrich Ebert e do Cedal. A grande pauta foi a ava- liação do “estado da arte” na área da comunicação em nosso conti- nente, além de definir algumas orientações para o futuro nesse campo do conhecimento. Dentre as principais conclusões do encontro, Beltrán31 destacou a busca de um marco conceitual, com a adoção de metodologias com o perfil latino-americano; maior ênfase nas análises qualita- tivas; as pesquisas deveriam primar por temáticas fora do contexto político, social, econômico e cultural; priorizar os trabalhos inter- disciplinares, entre outros pontos. Por essa época já era notória a dependência externa, em parti- cular no que tangia aos estudos em comunicação, mas ainda poucos conseguiam enxergá-la. Teorias e metodologias oriundas dos cen- tros hegemônicos foram aplicadas em nossa região de forma indis- criminada, com resultados muitas vezes inadequados e distorcidos. Nesse sentido, de forma praticamente unânime, os pesquisadores definiram que a investigação deveria orientar o diagnóstico da si- tuação atual e buscar alternativas que permitissem definir estraté- 31. Luis Ramiro Beltrán, Estado y perspectivas de la investigación en comunicación en América Latina: textos escogidos. México: Iteso, 1986, p.38. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 27 gias específicas, sem omitir suas relações com a dominação interna ou dependência externa, e possibilitar a procura de novos canais, meios, situações de comunicação que contribuíssem para o pro- cesso de transformação social. Na verdade, o Ciespal reunia em suas atividades “uma geração inquieta, do ponto de vista das práticas profissionais”. Esses pes- quisadores/profissionais que frequentavam os cursos do Centro transformavam as aulas em cenários de discussão de suas angús- tias, sentidas no dia a dia de suas práticas, quer fossem apenas aca- dêmicas, quer fossem combinadas com a atividade profissional. Tudo isso em um cenário político e social em que o autoritarismo e a violação dos direitos humanos faziam parte do cotidiano latino- -americano (Medina, 2000, p.141). Para Cremilda Medina (2000, p.140), pesquisadores, profes- sores e profissionais do Ciespal levaram para o Equador posições “que se contrapunham ao projeto dirigido pelo Norte para quali- ficar os comunicadores do Sul”. Além de tratar de novos modelos de investigação, mais pertinentes às reais necessidades latino-ame- ricanas, firmava-se “um robusto movimento que defendia aguerri- damente a Nova Ordem da Informação”.32 Nesse sentido, a fertilidade racional, com a criação de novos focos de irradiação, projetou para o século XXI as sementes de uma pluralidade de contribuições, tendo como mote a dicotomia entre a teoria e a prática profissional, quer entre a qualificação dos comu- nicadores, quer nas temáticas e metodologias que recheavam as pesquisas desenvolvidas. Essa falsa contradição entre os espaços tradicionais de pesquisa e o mercado profissional encontrou, sem sombra de dúvida, na 32. O Instituto Latinoamericano de Estudios Transnacionales (Ilet) publicou em 1977, no México, o resultado de uma pesquisa, La información en el nuevo orden internacional, coordenada por Juan Somavia, que mostra uma sinopse paradig- mática da questão. No Brasil, o livro, organizado por Fernando Reyes Matta, foi publicado pela Paz e Terra, Rio de Janeiro. 28 DANILO ROTHBERG América Latina, um cenário fértil de debate, tanto que pauta as agendas de muitas pesquisas até hoje. Os desequilíbrios mundiais da informação e da comunicação, tratando do tema da dependência informativa, as múltiplas crises instaladas nos mais variados pontos e tendo inúmeros focos de dis- cussão, deram origem a diversas equipes de pesquisadores que, em busca de soluções, criam condições para o surgimento de várias or- ganizações institucionais. Assim, nesse cenário entre o desenvolvi- mento e a comunicação, um grupo de especialistas começou a projetar e socializar a ideia de criar uma associação capaz de con- gregar essas preocupações e estimular o desenvolvimento de pes- quisas na região. Começava a nascer o embrião do que seria, mais tarde, a Alaic. Vale mencionar que por essa ocasião, nos anos 1970, já existiam o Instituto de Investigaciones de la Comunicación (Ininco) (1974), a Asociación Venezolana de Investigadores de la Comunicación (Avic)33 (1977), a Sociedade Brasileira de Estudos Interdiscipli- nares da Comunicação (Intercom) (1978), entre outras, e posterior- mente surgiu a Asociación Mexicana de Investigadores de la Comunicación (Amic) (1979).34 33. A Asociación Venezolana de Investigadores de la Comunicación (Avic) foi fun- dada em Caracas, em 6 de julho de 1977. Filiada à Alaic, tinha sua sede provi- sória no Ininco. Seu primeiro presidente foi Ancizar Mendoza. O primeiro presidente da Alaic, Luis Aníbal Gómez, foi membro fundador da Avic. (Fonte: Boletin Avic, n.1, jan. 1979). [N. da A.] 34. Creio que um grande desafio para os pesquisadores da nova geração seria re- construir a trajetória dessas outras instituições latino-americanas de pesquisa em comunicação, especialmente aquelas criadas entre os anos de 1960 a 1980. Por não ser objeto desse trabalho, apenas mencionaremos alguns fatos e con- textos importantes dessas entidades para a sedimentação da Alaic, que poderão ser encontrados em páginas posteriores. Porém registramos a enorme dificul- dade de encontrarmos informações sobre muitas delas. A nosso ver, o conheci- mento sobre o passado nos permite enxergar o futuro com mais segurança e a partir de novos desafios e perspectivas. [N. da A.] POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 29 Cenários norteadores: a criação da Alaic Podemos dizer que, embora a Associação Latino-Americana de Pesquisadores da Comunicação tenha atravessado diversas fases, a história da Alaic pode ser dividida em dois momentos fundamen- tais. O primeiro, quando de sua fundação, em 1978, e o outro, dez anos depois, na sua reconstrução. Não que nesse período a Alaic tenha fenecido, mas ficou adormecida em muitos aspectos. Assim, evidenciamos alguns acontecimentos, cenários, lutas, produções, certezas e inquietudes presentes nessa primeira fase vivida pela en- tidade. Jesús Martín-Barbero (1999, p.23) afirmou que a Alaic surgiu inicialmente para ser uma associação acadêmica, com um projeto científico. Mas, à medida que a instituição tentava se consolidar e realizava reuniões preparatórias em Lima, Acapulco, Anahuac e Bogotá, já era possível vislumbrar que ela foi, desde o início, um projeto político. Mais do que a tarefa de pesquisar, a Alaic tem bus- cado reunir pesquisadores latino-americanos em torno de temas comuns e necessários para a compreensão de nossa situação econô- mico-político-social, dentro dos cenários comunicativos. E suas ações têm permitido tirar as “anteojeras” para conhecer, clarificar, transformar e reafirmar nossas identidades a partir de um olhar la- tino-americano. Fundada em Caracas entre os dias 16 e 17 de novembro de 1978, a Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Co- municación (Alaic) teve como primeiro presidente o pesquisador Luis Aníbal Gómez, da Venezuela, e enfrentou várias dificuldades para sobreviver institucionalmente pelos idos dos anos 1980, “re- sultado da crise político-econômica que assolou a maioria das orga- nizações não governamentais na América Latina”.35 35. Centro Interdisciplinario Boliviano de Estudios de la Comunicación (Cibec). Texto de Divulgación 4 – Alaic 1978-1998. Contribuciones para una memoria ins- titucional. La Paz, s. d. 30 DANILO ROTHBERG Isso ocorreu na sede do Ininco,36 com os representantes Luis Gonzaga Motta (Brasil), representando a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação (Abepec); Patrícia Anzola de Morales (Colômbia), da Associação Colombiana de Investigadores da Comunicação; Josep Rota (Espanha), do Conselho Nacional de Ensino e Investigação em Ciências da Comunicação do México 36. Com mais de trinta anos de atuação no campo da comunicação social, o Ininco funciona com sede nos núcleos de Los Chaguaramos, em Caracas, sob os auspí- cios da Universidad Central de Venezuela. Oficialmente, a data de sua fun- dação foi 1o de abril de 1974, sobre as bases do Instituto de Investigaciones de Prensa que havia sido criado em 1958. Posteriormente, em 1973, a instituição deu origem ao Instituto de Investigaciones de la Comunicación (Ininco), vincu- lado à Faculdade de Humanidades e Educação. Seu fundador e primeiro diretor foi o professor Antonio Pasquali, que exerceu o cargo no período de 1973 a 1978. Dentre os objetivos do Centro, destacam-se “a pesquisa da Comunicação Social ou de Massas, compreendendo tanto o estudo teórico e metodológico dos problemas da comunicação, como a análise permanente dos diferentes meios e de sua incidência no âmbito nacional; além de contribuir para o desenvolvi- mento integral e independente da Venezuela, buscando formas de construção de uma comunicação justa e equilibrada em todo o país”. O Ininco teve como patrimônio intelectual de base as pesquisas realizadas por Antonio Pasquali, Héctor Mujica, Eleazar Díaz Rangel e Luiz Aníbal Gómez. Essa equipe vene- zuelana construiu reflexões, resgatando, por um lado, a vertente crítica da Es- cola de Frankfurt, e, por outro, o referencial analítico do marxismo-leninismo. Sua produção acadêmica é autodenominada “pesquisa-denúncia”, por levar em consideração as escassas possibilidades que o grupo tinha de influir na transfor- mação da estrutura oligárquica dos meios de comunicação de massas no país. Entretanto, deve-se reconhecer que foi por pressão das ideias emanadas desses pesquisadores da Universidad Central de Venezuela que o governo implantou, posteriormente, uma Política Nacional de Comunicação, destinada a planejar estratégias para a intervenção do Estado no controle e funcionamento dos apa- ratos de difusão massiva. A inovação governamental da Venezuela teve um papel decisivo para respaldar a ação da Unesco no continente, sobretudo esti- mulando o equilíbrio do fluxo informativo Norte-Sul trazido pelas ideias da Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic) (Gobbi, 2002, p.160-70). Edita desde 1980 o Anuario Ininco Investigaciones de Comuni- cación . O Instituto de Investi- gaciones de la Comunicación (Ininco), tem sua página no endereço web , e está localizado na avenida Nevera, CC Los Chaguaramos, 3, Ala Oeste, Los Chaguaramos, Caracas, Venezuela. Telefone: (+58 212) 693-0077. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 31 (Coneicc); Gloria Davilla de Vela (Colômbia), do Centro Interna- cional de Estudios Superiores de la Comunicación para América Latina (Ciespal); Alberto Ancizar-Mendonza (Venezuela), da Asociación Venezolana de Investigadores de la Comunicación (Avic); Fernando Reyes Matta (Chile), diretor executivo do Insti- tuto Latino-Americano de Estudos Transnacionais (Ilet); Luis Aníbal Gómez, diretor do Instituto de Investigaciones de la Comu- nicación (Ininco); Eleazar Díaz Rangel, presidente da Federación Latinoamericana de Periodistas (Felap) e Rafael Roncagliolo, da Associação Latino-Americana de Jornalistas para o Desenvolvi- mento (Alacode). Os nomes das pessoas e das instituições mencionadas foram co- letados da ata oficial da Assembleia de Constituição da Entidade.37 Mas cabe um apontamento corretivo: em diversas resenhas sobre o evento, disponibilizadas em outras publicações na época, nos bo- letins Alaic e em matérias de periódicos, como El Nacional, da Ve- nezuela (datado do dia seguinte ao acontecimento), verificamos, também, como participantes da assembleia de fundação os profes- sores Elizabeth Safar e Oswaldo Capriles, pelo Instituto de Pesqui- sadores da Comunicação, da Venezuela; Enrique Oteiza, delegado da Unesco; e Mario Kaplún, do Uruguai. A primeira diretoria da Entidade ficou constituída como é mos- trado no Quadro 2.38 37. O material faz parte do acervo pessoal da pesquisadora. 38. Boletín Avic. Organo Informativo de la Asociación Venezolana de Investigadores de la Comunicación. Ano I, n.1, Caracas, jan. 1979. 32 DANILO ROTHBERG Quadro 2 – Primeira diretoria da Alaic, eleita na Venezuela, em 1978 Nome Cargo País Luis Aníbal Gómez Presidente Venezuela Hernando Bernal Alarcón Vice-presidente Colômbia Luis Gonzaga Motta Secretaria de Promoção e Organização Brasil Marco Ordoñez Secretaria de Formação e Documentação Equador Fernando Reyes Matta Secretaria de Relações Exteriores México Alejandro Alfonzo Secretário de Administração e Finanças Venezuela Josep Rota Coordenador do Conselho Consultivo México Fonte: Boletín Avic, n.1, 1979. A partir das várias leituras que realizamos, é possível afirmar que a Alaic nasceu para ser uma entidade capaz de congregar pes- quisadores, apoiar, incrementar, promover melhorias e difundir as pesquisas na área da comunicação na América Latina, além de ca- pacitar recursos humanos para esse mote de investigação.39 Por essa época, ficaram definidos a missão, a visão e os obje- tivos40 principais da Alaic. São eles: 39. Os objetivos detalhados da entidade encontram-se disponíveis no site oficial, , pesquisado em nov. 2007. 40. Essas definições encontram-se em cópias de documentos xerocopiados e per- tencentes ao acervo pessoal da pesquisadora. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 33 Missão Impulsionar o desenvolvimento da pesquisa comunicacional na América Latina e sobre ela junto com a consolidação de uma comunidade acadêmica que produza em condições de liberdade, qualidade e colaboração permanentes. Visão Um espaço institucional plural e dinâmico dedicado ao desenvolvimento crítico do conhecimento científico tanto quanto à produção, ao debate e à divulgação de pensamento em matéria de comunicação na América Latina e sobre ela. Ficaram estabelecidos como objetivos principais: • Congregar e apoiar a comunidade científica latino-americana especializada na pesquisa da comunicação, procurando o in- cremento e melhora de suas atividades. • Promover e defender o estabelecimento e desenvolvimento das condições necessárias para a liberdade de pesquisa, o re- conhecimento, a proteção legal e justa remuneração para os pesquisadores da América Latina que atuam na área da co- municação. • Fomentar as relações e cooperação entre agrupações desse campo do conhecimento científico e com organizações regio- nais, nacionais e internacionais que persigam objetivos si- milares; promover a criação de centros de pesquisa em comunicação e propiciar a formação de associações nacionais de pesquisa. • Promover e cambiar as atividades de pesquisa entre seus membros e também a captação de recursos humanos qualifi- cados para a pesquisa na graduação, pós-graduação e atuali- zação permanente; difundir documentação científica sobre a especialidade em questão, preferentemente aquela que é ori- ginária da região. 34 DANILO ROTHBERG Muito mais que pensar em objetivos utópicos ou simplistas em alguns aspectos, o que podemos verificar é que eles refletiam as aparentes agruras pelas quais estava passando a comunidade acadê- mica. Era a vontade de modificar cenários e situações, melhorando resultados de pontos nevrálgicos, que incomodavam pesquisadores e profissionais da área. A ideia inicial de criação da entidade teve como mola propul- sora a necessidade de termos uma entidade hábil para produzir, re- fletir e debater temas sobre o papel dos meios de comunicação para o desenvolvimento social; além disso, deveria ser capaz de criar condições de acabar com o colonialismo cultural e a dependência informativa, propondo uma ampla gama de ações que possibili- tassem a criação de uma nova ordem informativa internacional. É importante ressaltar que, por essa época, a América Latina, em quase todos os seus países, atravessava períodos políticos muito conturbados, como mencionamos no início do capítulo. Especificamente, a entidade deveria promover o desenvolvi- mento e a melhoria da pesquisa, além de difundir informações e promover a capacitação de recursos humanos orientados para a pesquisa em comunicação em nosso continente. Ou seja, nasceu com o propósito de ser um espaço peculiar de diálogo acadêmico e de projeção internacional. Fazendo uma retrospectiva dos estudos, podemos dizer que estava de fato consolidada, por essa época, aquilo que muitos pes- quisadores chamaram posteriormente de Corrente Crítica Latino- -Americana, baseada na pesquisa-denúncia,41 tendo como mote o entendimento das principais frentes de dominação observadas no contexto dos países de nossa região. As peculiaridades da América Latina, o estímulo ao diálogo, a ética, o fortalecimento da democracia e da integridade do cidadão poderão (deverão) ser preservados e estimulados (sempre) e esses motes não passaram despercebidos por esse grupo de intelectuais 41. Que teve nas atividades desenvolvidas no Ininco um terreno bastante fértil de desenvolvimento. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 35 que criaram a Alaic em 1978. Tanto assim que nos objetivos da entidade estavam, entre outras coisas, a defesa dos valores culturais nacionais e regionais, fomentando a participação nos processos de- cisórios da comunicação e no desenvolvimento de pesquisas que dessem conta das mudanças que estavam ocorrendo nas sociedades latino-americanas, especialmente aquelas relacionadas com a Nova Ordem Informativa Internacional.42 Os desafios para superar dificuldades Quatro anos depois da criação, conforme consta em ata, na Assembleia Geral ocorrida em Lima no dia 9 de junho de 1982, por conta do primeiro Fórum Internacional de Comunicação Social que aconteceria em breve, já era visível a ampliação dos sinais da crise que se abateria sobre a entidade algum tempo depois. A crise da Alaic não foi isolada, e muitas instituições viveram esses mesmos problemas, por essa época, como relatado mais adiante. Mas, no caso específico de nossa instituição, vários pes- quisadores reunidos informalmente durante o 16o Congresso da Aieri “abraçaram a causa de reconstituição da Entidade”.43 No dia 8 de setembro de 1989, na cidade de Florianópolis, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), um grupo de 56 pesquisadores, professores e profissionais da comunicação, repre- sentando 12 países latino-americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, México, Nicarágua, Peru, Porto Rico, Ve- nezuela e Uruguai reuniram-se na Assembleia Geral de reconsti- tuição da Alaic. É importante ressaltar que vários pesquisadores, emissários de diversas entidades e países estiveram presentes, demonstrando 42. Boletín Alaic, n.6, agosto de 1992, p.102-4. 43. Tradução nossa. José Marques de Melo, La reconstrucción de una sociedad la- tinoamericana, Alaic, 1988-1992. In: Centro Interdisciplinario Boliviano de Estudios de la Comunicación (Cibec). Texto de Divulgación 4 – Alaic 1978- 1998. Contribuciones para una memoria institucional. La Paz, s. d. 36 DANILO ROTHBERG total apoio ao projeto de reconstituição da Alaic. Entre eles, po- demos destacar: James Halloran (Inglaterra), presidente da Aieri; François Huttin (França), dirigente da Associação Francesa de Ciências da Comunicação e da Informação; Joëlle Hullebroech (Bélgica), dirigente da União Latina; Ernesto Vera (Cuba), vice- -presidente da Organização Internacional dos Jornalistas; Armando Rollemberg (Brasil), presidente da Federação Latino-Americana de Jornalistas, e Luiz Suárez (México), secretário-geral da Felap. Foram aclamados e eleitos por unanimidade, para o triênio de 1989 a 1992, os professores: José Marques de Melo (Brasil), presi- dente; Javier Esteinou Madrid (México), primeiro vice-presidente; Diego Portales (Chile), segundo vice-presidente; Margarida Maria Krohling Kunsch (Brasil), primeira-suplente; e Enrique Sanchez Ruiz (México), segundo suplente. Também ficou determinado que a sede seria no Brasil, nas dependências da ECA-USP.44 Assim, com o respaldo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, que aceitou abrigar a sede da entidade, a nova junta diretiva e as diretorias que a sucederam puderam de- senvolver o trabalho de reconstituição e consolidação da Alaic. Contudo, a participação e o empenho, no sentido de congregar e ampliar os estudos em comunicação em nossa região, não ficou res- trito a essas localidades. Cuba, Uruguai, Bolívia e América Central também criaram seus espaços representativos. Mas isso deman- daria um novo estudo. É nesse cenário de luta pela sobrevivência que diversos grupos de pesquisadores estão unidos e vêm conseguindo manter a enti- dade em funcionamento, registrando atualmente (2011) mais de trinta anos de existência. 44. Ata da Assembleia de Florianópolis, Boletín Alaic, n.2, mar. 1990, p.9. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 37 Desafios para o século XXI Um dos trabalhos mais significativos da Alaic envolveu os se- guintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Mé- xico, Panamá e Peru. Contou com o apoio das entidades IDRC, Asaicc, Abic, Intercom, Aicc, Acics, Coneicc, Apeic, Unesco, entre outras. Tratou-se de um esforço articulado entre pesquisa- dores que objetivou situar o estado da pesquisa em comunicação na região, recuperando e sistematizando as experiências de investi- gação ocorridas em cada um dos países mencionados. O projeto Alaic/Ciid – Bibliografias Básicas de Investigação em Comunicação e Cultura na América Latina foi concebido para contemplar cinco países inicialmente – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Peru –, e foi financiado pelo Centro Internacional de Investigaciones para el Desarrollo (Ciid). Posteriormente, foram incorporados Bolívia, México e Panamá. O primeiro encontro para definir as bases da pesquisa e das pu- blicações, como relatou Patrícia Anzola (então presidente da enti- dade), foi realizado em Lima, em 1982, e contou com a participação de representantes dos cinco países inicialmente envolvidos. Nessa atividade, ficaram determinados os referenciais teórico-metodoló- gicos que norteariam toda a produção, criando parâmetros seme- lhantes para a seleção do material. Ficou estabelecido que cada pesquisador envolvido teria liberdade para fazer a análise crítica do material selecionado (Anzola, 1984, p.XI). Esse material revela primeiramente a capacidade de articulação da Alaic e depois o comprometimento de vários pesquisadores para a realização da pesquisa. Tarefa árdua, extensa e muito demorada. Foram meses para percorrer os mais distantes e variados centros de documentação e pesquisa, para que fosse possível fazer os levanta- mentos, dentro dos critérios elencados em cada país, por cada pes- quisador. O resultado? Uma coleção de extraordinário valor histórico- -analítico, que dá conta da produção em comunicação de vários países latino-americanos. Fonte inesgotável de pesquisa quer pelo 38 DANILO ROTHBERG valor histórico e pela descoberta dos primeiros textos e pesquisa- dores desses países, quer por permitir análises de cenários, produ- ções, temáticas e muitas outras. Em linhas gerais, podemos dizer que se trata de um material de referência para quem deseja conhecer a produção comunicacional nesses países, nos períodos por ele contemplados. Falhas? Algumas pesquisas esquecidas? Alguns autores não citados? Instituições não referenciadas? Algumas datas e períodos não compilados? Sim, é possível. Mas, quaisquer que sejam os detalhes, essa coleção traz um marco importante para a nossa área. Ela permitiu, em uma fase de produções ainda pequenas, que conhecêssemos o “estado da arte” em Comunicação em uma gama importante de países. Em- bora o estudo pudesse abarcar outros locais, como o Equador e a Venezuela, que não foram contemplados por questões de financia- mento e de dificuldade na articulação de grupos de pesquisa nesses países, é importante reforçar que as regiões mais produtivas foram consideradas. Esse material, atualmente, é um guia importante para todos aqueles que têm na América Latina e nos estudos em Comu- nicação seu foco de investigação. Quem sabe, nessa nova fase que atravessa a entidade, a atuali- zação desses dados, com a inclusão de outros países na amostra, poderia balizar e incentivar essa nova geração, tão aflita quanto ne- cessitada de direcionamento em suas linhas de pesquisa. Esse ma- peamento pode oferecer para a comunidade de pesquisadores não só a evolução dos estudos latino-americanos na área da Comuni- cação, mas possibilitar a sistematização de fontes bibliográficas, que podem servir de referências para muitas investigações. Eviden- temente, aproveitando os recursos disponíveis da era digital como forma de ampla divulgação. Fica a sugestão. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 39 Considerações finais Como podemos observar, foram várias as contribuições da Alaic no que se refere a atividades de congregar pesquisadores e permitir a discussão saudável e profícua sobre temas relevantes dos estudos em comunicação de nosso continente. Também foram múltiplas suas contribuições para a com- preensão e a divulgação desses estudos. Parte significativa desses aportes está disponibilizada em uma variedade de publicações, como livros, revistas, CD-ROM, atas de congressos, etc., em uma variedade de meios, como a Internet, digitais (CD), im- pressos e gravações de áudio e vídeo. Impossível seria, neste tra- balho, mostrar todos. Essa quantidade de produtos de maneira nenhuma fez com que a Alaic perdesse seu foco qualitativo. Ao contrário. Foram tantas, tão variadas, ricas e substanciosas as contribuições recebidas ao longo desses mais de trinta anos de existência, que a opção de dis- ponibilizar para a comunidade acadêmica parte significativa desses aportes demonstra, mais uma vez, a transparência de ações, a se- riedade e o trabalho voluntário de um grupo de guerreiros da comunicação. Sem esquecer os subsídios fundamentais dos estudos europeus e norte-americanos na área, esse grupo tem nos ensinado a pre- servar e a responder às inquietações de nossa região com uma fisio- nomia competente, criando uma identidade própria, mas não homogênea, capaz de dar conta das grandes diferenças, nos vários cenários comunicativos latino-americanos. Referências bibliográficas ALFONZO, Alejandro. Dimensión de la comunicación para el desar- rollo en la Unesco. Material apresentado na Reunión del Comité Asesor sobre Políticas de Comunicación para la Promoción de la 40 DANILO ROTHBERG Salud. Quito, 6-7 de setembro de 1993. (Serie Documentos Refe- renciales). ALMENGOR, Manuel, ARAÚZ V., Javier, GÓLCHER R., Ileana, TUÑÓN, Modesto A. La investigación en comunicación social en Panamá. Panamá: Mariano Arosemena, 1992. ANZOLA, Patrícia. Presentación. In: ANZOLA, Patrícia, COO PER T., Patricio. La investigación en comunicación social en Colombia. Lima: Desco/SCICS/Alaic, 1984. 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Paris: Departement d’information, 1957. 2 Boa governança via web: o braSil caminha a paSSoS lentoS Heloisa Dias Bezerra1 Vladimyr Lombardo Jorge2 Introdução Allow me in passing a remark on the Internet that counterbalances the seeming deficits that stem from the impersonal and asymme- trical character of broadcasting by reintroducing deliberative ele- ments in electronic communication. The Internet has certainly reactivated the grassroots of an egalitarian public of writers and readers. However, computer-mediated communication in the web can claim unequivocal democratic merits only for a special context: It can undermine the censorship of authoritarian regimes that try to control and repress public opinion. In the context of liberal re- gimes, the rise of millions of fragmented chat rooms across the world tend instead to lead to the fragmentation of large but politi- cally focused mass audiences into a huge number of isolated issue publics. Within established national public spheres, the on-line debates of web users only promote political communication, when news groups crystallize around the focal points of the quality press, 1. Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: diasbezerra.h@gmail.com. 2. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. E-mail: vljorge@uol. com.br. 44 DANILO ROTHBERG for example, national newspapers and political magazines. (Ha- bermas, 2006, p.423 – nota de rodapé) Habermas permanece incrédulo quanto à hipótese de uma es- fera pública virtual ou mesmo quanto ao potencial da Internet como meio para incrementar a “esfera pública real”, a qual, para ele, constitui e é constituída pela interação face a face entre indi- víduos. Contudo, mesmo suas palavras mais áridas podem ser to- madas como indicativas de que as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTICs) suportam iniciativas direcionadas para o incremento das relações sociopolíticas nas democracias (liberais) representativas. Internet e telefone celular, por exemplo, oferecem condições para trocas igualitárias entre leitores e escritores, falantes e ouvintes, emissores e receptores; a opinião pode ser tornada pú- blica sem a interferência de um poder exógeno. A interação face a face da esfera pública habermasiana continua ocorrendo, agora me- diada pela máquina, redimensionada pelo ciberespaço, mas man- tendo parte das características e possibilidades originariamente imaginadas. Certamente com prejuízo para certas emoções, ex- pressões físicas e sensações que o contato direto proporciona, o que talvez não seja sentido de modo tão forte especialmente pelas novas gerações, que já estão nascendo sob o signo de interações mediadas por telas de computador, lentes de câmeras e filmadoras, micro- fones e máquinas (suportes tecnológicos) que passaram a fazer parte da vida cotidiana. Nas últimas décadas, as NTICs propiciaram a criação de um arsenal de ferramentas bem adequadas ao fazer político e gover- namental, facilitaram a divulgação de informações, ampliaram as formas de controle dos agentes estatais e criaram expectativas quanto à expansão da participação política dos cidadãos.3 3. Por exemplo, o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro lançou um sistema que permite aos cidadãos acompanharem on-line os investimentos rea- lizados pela Prefeitura em políticas públicas; e a secretária municipal de Edu- cação da cidade, Cláudia Costin, tem feito do twitter um canal para recepção de POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 45 Ainda é cedo para falarmos de uma democracia digital, mas po- demos admitir, mesmo os mais pessimistas, que as tecnologias do virtual introduziram novas sementes na ressequida horta da demo- cracia representativa, as quais devem certamente desabrochar com força nas próximas décadas. São novidades interessantes especialmente para a sociedade civil, organizada ou não, que pode guardar expectativas quanto à superação do pior paradoxo da democracia: o sistema que mais deu certo no mundo ocidental não consegue, minimamente, aproximar as partes que deveriam ser complementares, quem representa e quem é representado. Essa distância entre cidadãos e classe política e os custos da informação permanecem como entraves à partici- pação na vida política democrática. No caso específico do Brasil, ainda que esteja vivendo, desde o final dos anos 1980, a sua mais longa e estável experiência demo- crática, pesquisas de opinião pública mostram que a desconfiança política é demasiadamente elevada. Por isso, políticos e sociedade civil discutem o que fazer para reverter essa situação; o que fazer para tornar a res publica mais acessível; como minimizar o mau uso dos recursos públicos e dificultar a apropriação desses recursos por indivíduos ou grupos privados, como permitir que os cidadãos exerçam um controle mais efetivo sobre os seus representantes (Jorge, 2009, p.206-7). Infelizmente, não temos bons exemplos inspirados na velha frase de Bernard Mandeville – “vícios privados, benefícios públicos” – pois o que se vê, a todo o momento, são ten- tativas de privatização dos recursos públicos. Nosso propósito, neste texto, é apresentar resultados de uma pesquisa que estamos fazendo desde 2009,4 investigando os portais de dez estados subnacionais, confrontando menor PIB e maior PIB propostas, para resolver pequenos problemas relacionados à sua pasta (O Globo, caderno Rio, p.19, 20/6/2010). 4. Democracia e boa governança via websites dos governos estaduais, projeto finan- ciado pelo CNPq, Processo no 567742/2008-3. 46 DANILO ROTHBERG de uma região, para os quais fizemos inicialmente as seguintes per- guntas: I. Os poderes executivos estaduais permitem à sociedade civil o acesso a informações suficientes e necessárias para que esta possa exercer algum tipo de controle horizontal ou ver- tical? II. Os governos estaduais oferecem mecanismos que permitem à sociedade civil interagir direta ou indiretamente e ex- pressar suas preferências diante das ações e políticas pú- blicas desenvolvidas e em desenvolvimento? III. Considerando I e II, em que níveis os executivos estaduais, aderindo à convergência digital e assim privilegiando a In- ternet como meio de informação e interatividade com a sociedade, estão realizando a accountability política e a res- ponsividade essenciais para a chamada boa governança? Quando iniciamos a pesquisa, uma questão simples nos inquie- tava sobremaneira: será que os representantes democraticamente eleitos, do Executivo e do Legislativo, estão trabalhando para re- modelar as instituições de modo a adequá-las às novas possibili- dades tecnológicas? Será que estão investindo na reconfiguração do Estado com vistas a garantir mais acesso à sociedade civil?5 Objeto de estudo e metodologia de pesquisa A fim de verificar se, no Brasil, os governos continuam a ofe- recer pouca transparência, baixa accountability e praticamente ne- nhuma permeabilidade à opinião pública, analisamos, entre 2009 e 2010, os sites das secretarias dos governos estaduais do Pará, Ro- raima, Bahia, Piauí, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Espí- 5. Partes do presente texto foram apresentadas anteriormente em congressos na- cionais e internacionais, com publicação em anais dos respectivos eventos. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 47 rito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Salientamos que vamos usar a expressão “portal do governo do estado” por consi- derarmos que o mesmo é parte da estratégia do grupo político eleito, que faz uso do portal do modo que considera mais adequado e sem nenhuma perspectiva de continuidade em relação às gestões anteriores. Portanto, o portal não é da instituição (ou das institui- ções), mas do(s) grupo(s) gestor(es), do(s) grupo(s) político(s) do momento. Com base nesse propósito, trabalhamos com uma metodo- logia que nos permitiu problematizar algumas dimensões rele- vantes da democratização das relações entre as instituições políticas e a sociedade civil. Considerando a centralidade do conceito de boa governança, que inclui accountability e responsividade e considera fundamental o esforço dos poderes executivos quanto ao empode- ramento da sociedade civil, ou seja, no sentido de disponibilizarem informações adequadas e suficientes para habilitar os cidadãos a demandar políticas e prestar atenção na performance dos políticos (Bezerra, 2008), as variáveis foram pensadas em torno das três questões anteriormente mencionadas. Informação política, accountability e os limites da democracia representativa As democracias representativas têm limitações e, à medida que as expectativas dos cidadãos não se realizam ou não se concretizam completamente, tendem a gerar frustrações. As limitações da de- mocracia representativa na área social e as frustrações com relação ao desempenho de suas instituições têm estimulado não somente a crítica a esse tipo de configuração política, mas, e sobretudo, a va- lorização de medidas que possam incrementar o modelo e estimular a participação direta dos cidadãos. Se não propõem a eliminação completa da democracia representativa, tais limitações estimulam seus críticos à esquerda a proporem a democracia deliberativa ou participativa em nível local ou operando conjuntamente com a de- 48 DANILO ROTHBERG mocracia representativa.6 Esse segundo modelo de democracia amplia a participação pelo uso dos institutos que permitem aos próprios cidadãos, e não apenas a seus representantes, monitorar o governo e/ou interferir no próprio processo deliberativo. Para terem mais controle sobre seus representantes ou deci- direm sobre algum assunto (em uma eleição, um plebiscito, um re- ferendo ou veto legislativo), os cidadãos individualmente ou as instituições da sociedade civil (ONGs, sindicatos, etc.) necessitam de mais informação do que a disponível nos órgãos de imprensa tradicionais (jornal, rádio e televisão). Mesmo nas democracias re- presentativas que não exigem uma cidadania ativa, a oposição e os jornalistas, para que possam desempenhar efetivamente seu papel de “cão de guarda da democracia”, precisam que as instituições pú- blicas disponibilizem suas informações. Assim, as NTICs podem permitir o acesso rápido e fácil a informações necessárias a ONGs, partidos de oposição e jornalistas interessados em fiscalizar o poder público ou aos próprios cidadãos quando convocados a deliberarem sobre uma questão. Accountability política tem sido indicada como uma das prin- cipais ferramentas de democratização da atividade política, espe- cialmente governamental. Nesse caso, a disponibilização de dados pode incrementar a esfera pública e, em consequência, a capaci- dade de avaliação retrospectiva por parte de indivíduos e grupos. Contudo, infelizmente, boa parte desse debate é a redução de ac- countability à transparência financeira, o que de fato é um elemento significativo para o combate à corrupção e para a própria democra- tização das relações políticas. A pergunta que permanece é se efe- tuando uma boa prestação de contas o governante está realizando plenamente o que se espera da accountability política. Essa questão remete a um segundo conjunto de problemas: como realizar ac- countability política sem enveredar pela propaganda direcionada para a persuasão político-eleitoral de interesse do grupo que está no 6. Ver a respeito Santos & Avritzer, 2005. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 49 poder? O terceiro conjunto de problemas diz respeito ao formato da prestação de contas políticas, posto que eventuais parâmetros para avaliação retrospectiva certamente esbarrariam em velhos di- lemas da democracia representativa: o que seria informação rele- vante? O que poderia ser indicado como accountability política de qualidade? Os eleitores podem cobrar promessas de campanha ou o representante tem o direito e o dever de ampliar sua atuação em favor, também, das minorias derrotadas, ou seja, reincluir na agenda pública aqueles indivíduos e grupos que apoiaram e/ou vo- taram em candidatos derrotados (Manin et al., 2006)? Uma questão que nos parece significativa é correlacionar três di- mensões do fazer político numa democracia representativa: informação técnico-administrativa (ou racional legal, nos termos weberianos), res- ponsividade (Dahl, 1997) e accountability no que tange ao processo de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas. Nesse caso, por questões de método, poderíamos separar os aspectos mera- mente informativos dos episódios deliberacionistas, localizando o pro- cesso decisório pura e simplesmente no âmbito da representação eleita, mas atribuindo significativa importância ao compartilhamento de in- formações durante o período de formulação, implementação e avaliação dessas políticas, com a possibilidade de um comportamento responsivo dos agentes políticos. Ganha relevância o conjunto de informações disponibilizadas cotidianamente pelas instituições governamentais acompanhado de mecanismos de interação, o que, preliminarmente, nos parece um bom indicativo da ressonância da esfera pública e/ou da socie- dade civil organizada junto aos poderes constituídos. Considerando que na democracia representativa os cidadãos esperam contar com o trabalho dos representantes legitimamente eleitos para buscar solu- ções adequadas aos problemas que surgirem durante seus man- datos e que a participação da sociedade fica bem resolvida quando circunscrita aos processos eleitorais e eventuais consultas temáticas por meio de referendos e plebiscitos, garantir informação abun- dante acaba sendo parte da atividade de representação. A teoria da democracia deliberativa propõe a ampliação da participação dos 50 DANILO ROTHBERG cidadãos nos processos decisórios e a quebra dos limites impostos pelo modelo representativo, que, supostamente, engessariam a criatividade e as preferências dos indivíduos. Mas se, de fato, a responsividade é um indicador de demo- cracia, é relevante que os órgãos públicos criem mecanismos para o cidadão expressar suas preferências. A grande questão é se há representantes interessados em formular políticas de acordo com preferências manifestadas via mecanismos abertos de consulta po- pular e se os ativistas do século XXI, principalmente a grande maioria que frequenta a Internet, se interessam por participar de processos decisórios organizados pelo Estado e de acordo com a movimentação dos atores políticos institucionalizados. Análise dos portais Trabalhando com uma planilha subdividida em oito dimensões e 93 variáveis,7 fizemos diversas rodadas de coleta de dados nos portais buscando analisar quantitativa e qualitativamente a pre- sença de informações e de mecanismos de interação direta ou in- direta. Avaliamos, também, os fatores de facilitação do acesso a informações e a ferramentas disponíveis. Os níveis de presença foram classificados e pontuados do seguinte modo: nível expan- dido = 2,0 pontos;8 nível resumido = 1,0 ponto; ausência de infor- mação ou de ferramentas = 0,0 ponto. Para demonstrar a análise dos dados agregados, indicaremos como “pontuação máxima” para uma dada secretaria aquela que o órgão obteria caso todas as informações e ferramentas disponibili- 7. 1) Acessibilidade; 2) informações sobre o Poder Executivo; 3) informações sobre os membros do Poder Executivo; 4) relação com o Poder Legislativo; 5) relação com o público: interação; 6) interação com o público e processo deci- sório; 7) transparência administrativa; 8) links para outros órgãos de interesse. 8. Caracterizamos como nível expandido, em contraposição a nível resumido, todo conteúdo ou ferramenta com maior nível de detalhamento ou que mais auxiliava o internauta na busca de níveis de informação/ferramenta. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 51 zadas no seu site estivessem no nível expandido. Já a “pontuação máxima” para o estado é aquela que atribuiríamos ao portal do Executivo estadual caso todas as informações e ferramentas con- tidas nos sites de todas as secretarias analisadas estivessem no nível expandido. Por fim, o que estaremos denominando por “pontuação obtida” pelo estado é aquela que os sites de todas as secretarias ana- lisadas efetivamente obtiveram. A Tabela 1 mostra a pontuação máxima para cada uma das se- cretarias estaduais, a máxima para o estado e a obtida efetivamente pelo estado. Tabela 1 – Pontuação máxima e obtida pelos estados Estado Pontuação Máxima por secretaria Máxima para o estado Obtida pelo estado Pará 186 4.278 339 Bahia 186 3.720 983 Goiás 186 3.906 971 Roraima 186 2.046 175 Piauí 186 3.534 344 Mato Grosso do Sul 186 2.046 274 Espírito Santo 186 3.162 718 São Paulo 186 4.278 760 Santa Catarina 186 3.906 505 Rio Grande do Sul 186 3.348 639 52 DANILO ROTHBERG A última coluna da Tabela 2 mostra o percentual que a pontuação obtida pelo estado representa em relação à pontuação máxima. Tabela 2 – Pontuação máxima e obtida por estado Estado Pontuação B/A (%) Máxima para o estado (A) Obtida pelo estado (B) Bahia 3.720 983 26,4 Goiás 3.906 971 24,9 Piauí 3.534 344 9,7 Mato Grosso do Sul 2.046 274 13,4 Roraima 2.046 175 8,6 Pará 4.278 339 7,9 Espírito Santo 3.162 718 22,7 São Paulo 4.278 760 17,8 Santa Catarina 3.906 505 12,9 Rio Grande do Sul 3.348 639 19,1 As tabelas 1 e 2 mostram que os portais governamentais não al- cançaram patamares mínimos seja em relação a conteúdo informa- cional seja quanto a ferramentas de interatividade. Dentre as dez unidades da federação analisadas, as que mais forneciam informa- ções para os cidadãos foram Bahia e Goiás. Contudo, mesmo esses dois estados não conseguiram obter sequer 27% do total máximo de pontos que poderiam atingir. O baixo aproveitamento da Internet pelos estados fica evidente quando analisamos as variáveis sobre conteúdo informacional, conforme Tabela 3. POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 53 Tabela 3 – Relação com o público: informação Estado Pontuação B/A (%)Ideal (A) Obtida (B) Bahia 1.000 274 27,4 Goiás 1.050 190 18,1 Roraima 550 42 7,6 Piauí 950 58 6,1 Mato Grosso do Sul 550 36 6,5 Pará 1.150 82 7,1 Espírito Santo 850 116 13,6 São Paulo 1.150 230 20,0 Rio Grande do Sul 900 107 11,9 Santa Catarina 10.50 106 10,1 Isolando a variável conteúdo informacional, as unidades da fe- deração que mais disponibilizavam informações para os cidadãos foram Bahia (27,4%), São Paulo (20,0%) e Goiás (18,1%). Contudo, mesmo esses três estados não conseguiram obter sequer 28% do total máximo de pontos que poderiam atingir. O prejuízo para a sociedade civil é elevado se considerarmos que a quantidade, a di- versidade e a qualidade das informações disponibilizadas pelas ins- tituições políticas contribuem sobremaneira para o incremento das discussões da sociedade civil na esfera pública, diretamente ou via meios de comunicação. O cenário continua desolador quando passamos às variáveis sobre ferramentas de interatividade, conforme Tabela 4. 54 DANILO ROTHBERG Tabela 4 – Relação com o público e processo decisório Estado Pontuação B/A (%)Ideal (A) Obtida (B) Bahia 440 81 18,4 Goiás 462 50 10,8 Piauí 418 24 5,7 Mato Grosso do Sul 242 6 2,5 Roraima 242 7 2,9 Pará 506 8 1,6 Espírito Santo 374 37 9,9 São Paulo 506 10 2,0 Rio Grande do Sul 396 52 13,1 Santa Catarina 462 16 3,5 A exemplo do que vimos anteriormente, os três estado com me- lhores índices – Bahia (18,4%), Rio Grande do Sul (13,1%) e Goiás (10,8%) – não conseguiram obter nem 20% do total máximo de pontos. Os resultados mostram que, apesar da riqueza de possibili- dades que podem ser exploradas na Internet, os governos estaduais mantêm baixos padrões informacionais e de interatividade, ou seja, pouco incentivo à ciberdemocracia. Nossa hipótese original era a de que o fator econômico não de- terminava um comportamento mais responsivo por parte dos agentes públicos e que, sendo assim, mesmo um estado mais “pobre” poderia apresentar boas práticas. Os testes estatísticos re- velaram que, de fato, não é necessário ser um estado rico para se implementar práticas de boa governança, pois, conforme consta- tamos, há secretarias que oferecem ferramentas diferenciadas para POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 55 níveis de tecnologias da informação e comunicação (TICs). Mesmo no agregado, conforme veremos na Tabela 5, o fator desenvolvi- mento econômico não se mostra determinante. Tabela 5 – PIB* e pontuação dos 10 estados Estado PIB* (R$) Máxima por estado (A) Obtida por estado (B) B/A (%) Pará 58.519.000,00 4.278 339 7,9 Roraima 4.889.000,00 2.046 175 8,6 Bahia 121.508.000,00 3.720 983 26,4 Piauí 16.761.000,00 3.534 344 9,7 Goiás 75.275.000,00 3.906 971 24,9 Mato Grosso do Sul 33.145.000,00 2.046 274 13,4 São Paulo 1.003.016.000,00 4.278 760 17,8 Espírito Santo 69.870.000,00 3.162 718 22,7 Rio Grande do Sul 199.499.000,00 3.348 639 19,1 Santa Catarina 123.283.000,00 3.906 505 12,9 *Fonte: . Boa governança, incremento informacional e processo decisório A constatação de que a democracia representativa tem gerado frustrações com relação ao desempenho de suas instituições tem es- timulado a defesa da democracia deliberativa ou participativa e de uma cidadania ativa. E, mesmo nas democracias representativas, que não exige uma cidadania ativa, a sociedade civil necessita de 56 DANILO ROTHBERG mais informação a fim de exercer controle sobre seus representantes e para os cidadãos decidirem sobre o destino do seu voto. Portanto, para ambos os modelos de democracia, as NTICs podem vir a ser um instrumento importante, pois a Internet pode oferecer disposi- tivos capazes de permitir tanto o acesso a informações necessárias ao exercício da cidadania quanto à participação direta dos cidadãos no processo político. Tendo em vista a crítica à democracia representativa e o poten- cial das NTICs, vamos examinar, nesta seção, um conjunto de va- riáveis que visavam verificar o quanto de informação os sites das secretarias analisadas disponibilizavam para o cidadão, a presença ou ausência de mecanismos de interação direta e indireta com o ci- dadão e o grau de facilidade de acesso às informações e ferramentas disponíveis ao usuário(a): respectivamente, dimensões 4 e 5, “Re- lação com o público: informação” e “Relação com o público: pro- cesso decisório”. A análise revelou que a maior parte dos sites analisados não ofe- recia dispositivos voltados ao estreitamento de relacionamento com o público ou o que se pode chamar de interatividade. A Tabela 6 mostra a inexistência, em mais de 80% dos casos, de mecanismos que possibilitem ao Executivo prestar contas aos cidadãos (ac- countability). Ainda, a ausência, em mais de 90% dos casos, de dis- positivos que permitam a participação política do(s) cidadão(s) no processo político. Tabela 6 – Relação com o público (%) Dimensões Ausência Presença Total Relação com o público: informação (N = 4.600) 85 15 100 Relação com o público e processo decisório (N = 2.024) 91 9 100 POLíTICAS E GESTãO DA COmuNICAçãO NO BRASIL CONTEmPORâNEO 57 Os dispositivos que visam possibilitar o relacionamento do go- verno com o público podem ser distinguidos em três tipos: de inte- ração ou participação, informativos e de ligação ou navegação. Essa distinção é importante porque os dois primeiros estão associados a concepções diferentes de democracia. Os dispositivos de interação são os mais associados à democracia direta, já que permitem ao ci- dadão participar e influenciar efetivamente no processo de tomada de decisões políticas, desde as mais simples, como iluminação das ruas de um bairro, às mais complexas e que envolvem disputas por grandes fatias do orçamento. Os dispositivos informacionais estão mais próximos da con- cepção de democracia representativa, pois foram concebidos para permitir o acesso do cidadão às informações sobre as ações dos seus representantes no governo e de propostas que pretendem trans- formar em políticas públicas. Por fim, mas não menos importante, os dispositivos de navegação (links) são aqueles criados para auxi- liar o cidadão a acessar outros sites. Verificamos que é pouco comum a presença de dispositivos que permitam a participação direta do cidadão no processo político. A Tabela 7 mostra a ausência em 90% dos casos analisados de disposi- tivos que permitiriam ao cidadão participar ativamente da política de seu estado. Estavam ausentes dos sites das secretarias estaduais dispositivo