UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS ESTUDO DA DISPERSÃO DE ELEMENTOS RADIOATIVOS EM CAVA DE MINA DIANTE DE LEVANTAMENTO GAMAESPECTOMÉTRICO Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Geologia Bruna Viana Sampaio Rio Claro - SP 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS BRUNA VIANA SAMPAIO ESTUDO DA DISPERSÃO DE ELEMENTOS RADIOATIVOS EM CAVA DE MINA DIANTE DE LEVANTAMENTO GAMAESPECTOMÉTRICO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Geóloga. Orientador: Prof Dr. César Augusto Moreira Rio Claro - SP 2022 S192e Sampaio, Bruna Viana Estudo da dispersão de elementos radioativos em cava de mina diante de levantamento gamaespectométrico / Bruna Viana Sampaio. -- Rio Claro, 2022 53 p. : il., tabs., fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Geologia) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: César Augusto Moreira 1. Gamaespectometria. 2. Krigagem ordinária. 3. Drenagem ácida de mina. 4. Alteração supérgena. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. BRUNA VIANA SAMPAIO ESTUDO DA DISPERSÃO DE ELEMENTOS RADIOATIVOS EM CAVA DE MINA DIANTE DE LEVANTAMENTO GAMAESPECTOMÉTRICO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Geóloga. Comissão Examinadora Prof. Dr. César Augusto Moreira (Orientador) (IGCE/UNESP/Rio Claro-SP) MsC Lenon Melo Ilha (Geofísico - Universidade Federal do Pampa) MsC Beatriz Guzzo Duz (Eng. de Minas - Faculdade de Tecnologia de Piracicaba) Assinatura da aluna Assinatura do orientador Rio Claro, 02 de dezembro de 2022. AGRADECIMENTOS Ao professor César, por todo acompanhamento, ensinamento, paciência, conselhos e boas conversas ao longo destes anos. Serei sempre grata! Aos meus pais, Sandro e Viana, e meu irmão, Gabriel, por todo amor, amizade e suporte que sempre me deram. Aos meus amigos de graduação pelos momentos que passamos juntos em aula, campo, festas e jogando lobisomem no ônibus (obrigada por sempre acreditarem que eu era camponesa, e desculpa nunca ter sido). Agradeço especialmente o Matheus, Ana Flávia, Rafael, Bia e Nicolli, por estarem sempre comigo e tornarem tudo tão mais leve e feliz. Aos meus amigos da vida, Milena, Thiago, Gabriela e Luíza. Espero continuar tendo vocês também nas próximas etapas, mesmo que de longe. À equipe de Exploração da Lundin Mining, pela oportunidade, confiança, ensinamento e amizade, e a todos que tive oportunidade de conviver nesse período de estágio. Um agradecimento especial à galera do arguinho: Edu, Polly, Ana Flávia (mais uma vez), Deyllon, Pedro, Katarine e Willy. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, professores, pós- graduandos, técnicos e demais funcionários que contribuíram com a minha formação. À INB pelo apoio técnico e por permitir o desenvolvimento do estudo. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pelo apoio financeiro. RESUMO A atividade mineira visa a explotação de recursos minerais de interesse econômico e apresenta importância socioeconômica global. Contudo, o equilíbrio do ecossistema tende a ser fortemente afetado nas áreas em que é implantada e, possivelmente, em seus arredores. Um dos principais passivos ambientais relacionados a minas ativas e inativas é a geração de drenagem ácida de mina (DAM), que ocorre diante da exposição de minerais sulfetados a condições oxidantes. O efluente caracterizado por baixo pH promove ainda a mobilização de metais e metaloides presentes na matriz rochosa, o que resulta na contaminação de corpos hídricos e de solos e, de maneira geral, afeta diretamente a estabilidade ecológica. Por conseguinte, é de suma importância a adoção de técnicas de prevenção, mitigação e remediação. O presente projeto busca elucidar aspectos relacionados à mobilidade e disposição de elementos radioativos (K, U e Th) em cava de mina a céu aberto que é afetada por drenagem ácida de mina. A mobilidade e dispersão de elementos químicos em áreas afetadas pelo intemperismo é fortemente influenciada por fatores físicos, como pH, topografia e sistema drenagem, e por fatores químicos, como composição mineralógica. Para mapear as anomalias dos três radionuclídeos em questão, foi realizado levantamento gamaespectométrico na área. Os mapas gerados mostraram que não há correlação dos radionuclídeos de K, U e Th com os litotipos mapeados, o que foi interpretado como resultado da forte semelhança litoquimica das rochas na área. O mapa de K mostrou que as altas anomalias do elemento estão concentradas nos taludes superiores, e foram interpretadas como exposição de rochas menos afetadas por processos supérgenos de intemperismo. Os mapas de eU e eTh, em contrapartida, apresentaram tendencias de direção que seguem sentido centro da cava, e foram interpretados como resultado da interação do sistema de drenagem com o minério residual da cava. Os resultados apresentados não permitem identificar quais são as áreas mais afetadas por DAM ou as áreas de geração do efluente, no entanto, a gamaespectometria mostrou um grande potencial de uso como traçador de escoamento superficial, principalmente no mapa gerado para o urânio. Palavras-chave: Gamaespectometria; Krigagem Ordinária; Drenagem ácida de mina. ABSTRACT The mining activity aims at the exploitation of mineral resources of economic interest and has global socio-economic importance. However, the balance of the ecosystem tends to be strongly affected in the areas where it is implanted and, possibly, in its surroundings. The effluent characterized by low pH also promotes the mobilization of metals and metalloids present in the rock matrix, which results in the contamination of water bodies and soils and, in general, directly affects ecological stability. Therefore, the application of prevention, mitigation, and remediation techniques is essential. This project seeks to elucidate aspects related to the mobility and disposition of radioactive elements (K, U, and Th) in an open pit uranium mine that is affected by acid mine drainage. The areas of dispersion and dispersion of chemical elements under weathering conditions are strongly influenced by physical factors such as pH, topography, and drainage system, and by chemical factors such as mineralogical composition. A gamma-spectrometric survey was carried out in the area, with the acquisition of 645 points in an irregular grid, to map the anomalies of potassium, uranium, and thorium radionuclides. The generated maps showed that there is no correlation between the three radionuclides and the mapped lithotypes, because of the strong lithochemical similarity of the rocks in the area. The K map showed that the high element anomalies are concentrated on the upper slopes and were interpreted as exposure of rocks less affected by supergene weathering processes. Furthermore, eU and eTh maps showed direction trends that follow toward the center of the pit. These anomalies were interpreted as result of the interaction of the drainage system with the residual ore. The results presented do not allow identifying which areas are most affected by DAM or the areas of effluent generation. However, gamma spectrometry showed great potential for use as a surface runoff tracer, mainly in the map generated for uranium. Keywords: Gammaspectrometry; Ordinary kriging; Acid mine drainage. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Atenuação da intensidade de raios gamas ao atravessar materiais de diferentes densidades. ............................................................................................................................... 15 Figura 2 - Influência da geometria do terreno (topografia) nas aquisições de dados radiométricos. A) Medições subestimadas por conta do volume de rocha “faltante”; B) Medições sobrestimada em consequência do volume de rocha “extra”. .................................. 15 Figura 3 - Séries de decaimento do 238U (A) e do 232Th (B). ................................................... 17 Figura 4 - Fatores que afetam e modificam a produção, migração e diluição de drenagem ácida de mina. .................................................................................................................................... 23 Figura 5 - Principais impactos da DAM no meio ambiente. .................................................... 24 Figura 6 - Delimitação do CIPC e de suas principais instalações, com destaque à área de estudo. .................................................................................................................................................. 25 Figura 7 - A) Províncias alcalinas da região centro-sul do Brasil; B) Lineamento Magmático Poços de Caldas-Cabo Frio, Província Serra do Mar. .............................................................. 28 Figura 8 - Mapa geológico do Maciço Alcalino de Poços de Caldas. ...................................... 29 Figura 9 - Modelo geológico de formação de caldeira proposto por Ellert (1959) para o Complexo Alcalino de Poços de Caldas. .................................................................................. 29 Figura 10 - Mapa geológico da cava da mina. .......................................................................... 31 Figura 11 - Pontos adquiridos na área de estudo com malha irregular. .................................... 37 Figura 12 - Aquisição radiométrica com o gamaespectometro portátil RS-332 (Terraplus). .. 38 Figura 13 - Histograma dos teores de potássio, em %.............................................................. 39 Figura 14 – A) Histograma dos teores originais de U, em ppm. B) Hisograma dos teores de U, em ppm, com transformação logarítmica. ................................................................................ 40 Figura 15 - Variogramas anisotrópicos para o U nas direções 0°, 45°, 90° e 135°. ................. 41 Figura 16 – Validação cruzada dos dados de concentração de urânio. .................................... 41 Figura 17 - A) Histograma dos teores originais de Th, em ppm. B) Histograma dos teores de Th, em ppm, com a exclusão de outliers C) Histograma dos teores de Th, em ppm, após tratamento e transformação logarítmica. .................................................................................. 43 Figura 18 - Variogramas anisotrópicos para o Th nas direções 0°, 45°, 90° e 135°. ............... 43 Figura 19 - Validação cruzada dos dados de concentração de Th. ........................................... 43 Figura 20 - Mapas Gamaespectométricos da área de estudo. A) Mapa de potássio, em %. B) Mapa de urânio equivalente, em ppm. C) Mapa de tório equivalente, em ppm. ...................... 44 Figura 21 - Mapa radiométrico de potássio (K), em %. ........................................................... 45 Figura 22 – A) Área da cava em que foi realizado o levantamento gamaespectométrico. Visada para sul. B) Indicação das áreas com baixas e altas anomalias de K em azul e vermelho, respectivamente. ....................................................................................................................... 46 Figura 23 - Mapa radiométrico do urânio (U), em ppm. .......................................................... 47 Figura 24 - Mapa radiométrico de tório (Th), em ppm. ........................................................... 48 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 10 2 OBJETIVOS ........................................................................................................ 12 2.1. Objetivos específicos ...........................................................................................................12 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 13 3.1. Radioatividade ....................................................................................................................13 3.1.1. Radiação e meio físico .......................................................................................................... 14 3.1.2. Fontes naturais de radiação ................................................................................................. 15 3.2. Gamaespectometria ............................................................................................................17 3.2.1. Influência de processos supérgenos em aquisições gamaespectométricas ........................ 18 3.3. Drenagem Ácida ..................................................................................................................20 4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ............................................................ 25 4.1. Localização ..........................................................................................................................25 4.2. Mina Osamu Utsumi ............................................................................................................25 4.3. Geologia regional ................................................................................................................26 4.4. Geologia local ......................................................................................................................30 4.5. Mineralização ......................................................................................................................33 4.5.1. Mineralização primária ........................................................................................................ 33 4.5.2. Mineralização secundária .................................................................................................... 34 4.6. Estudos prévios ...................................................................................................................35 5 MÉTODO DE TRABALHO .................................................................................... 37 5.1. Aquisição de dados ..............................................................................................................37 5.2. Processamento dos dados ...................................................................................................38 6 ANÁLISE GEOESTATÍSTICA ................................................................................. 39 6.1. Potássio ...............................................................................................................................39 6.2. Urânio .................................................................................................................................40 6.3. Tório ....................................................................................................................................42 7 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................... 44 8 CONCLUSÕES .................................................................................................... 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 50 10 1 INTRODUÇÃO Países ricos em recursos minerais como Austrália, Canadá e Estados Unidos, encontraram na mineração um alicerce à transformação econômica diante da geração de empregos, melhorias na infraestrutura e fornecimento de insumos minerais essenciais à sociedade contemporânea (WORLANYO; JIANGFENG, 2020). No entanto, diversos impactos ambientais e sociais negativos também estão atrelados à atividade mineira e, em muitos casos, não ficam restritos ao tempo de operação da mina. A ausência de planejamento adequado da etapa de fechamento do empreendimento mineiro pode agravar esta questão. Legislações de proteção ambiental crescentemente restritivas exercem pressão sobre a indústria de mineração para operações sustentáveis e minimização de impactos negativos (BECK et al., 2020; SYAHRIR; WALL; DIALLO, 2020; RUOKONEN, 2020). A contaminação de corpos hídricos superficiais e subterrâneos em virtude da drenagem ácida de mina (DAM) é um dos passivos ambientais mais recorrentes e significativos relacionados a minas de metais ativas e inativas (BECK et al., 2020). A exposição de minerais sulfetados a condições oxidantes resulta na formação de DAM, efluente caracterizado por baixo pH em virtude da geração de ácido sulfúrico (AKCIL; KOLDAS, 2006). A consequente queda do pH solubiliza metais e metaloides que compõem a matriz rochosa e promove ampla dispersão de elementos antes imóveis (NORDSTROM; ALPERS, 1999). Os efeitos da DAM no ambiente podem envolver a eliminação de espécies e redução da estabilidade ecológica (GRAY, 1997). Neste sentido, é de suma importância que as áreas afetadas sejam estudadas e monitoradas com intuito de possibilitar a adoção de técnicas de prevenção ou mitigação, além de projetos voltados à coleta e tratamento do efluente (AKCIL; KOLDAS, 2001; GRAY, 1997; JOHNSON; HALLBERG, 2005). Em vista da frequente heterogeneidade intrínseca das rochas, a utilização de métodos de investigação diretos no estudo e monitoramento de áreas afetadas por contaminantes requer uma alta densidade amostral para que as amostras sejam representativas, o que pode acarretar custos demasiadamente elevados e até mesmo inviabilizar o trabalho (FERGUSON; ERICKSON, 1988). Diante desse cenário, a aplicação de métodos geofísicos em estudos ambientais é uma alternativa eficaz em virtude do contraste de propriedades físicas entre contaminantes e material geológico. Diversos estudos geofísicos em áreas afetadas por drenagem ácida de mina trazem resultados promissores que podem auxiliar no planejamento de ações de remediação (CASAGRANDE, 2019; MARQUES, 2021; MOREIRA et al., 2020; TARGA et al., 2019). 11 Atualmente em processo de descomissionamento e recuperação ambiental, a Mina Osamu Utsumi tem a DAM como principal passivo ambiental a ser resolvido, com geração do efluente nas pilhas de rejeito/estéril (BF-4 e BF-8), na bacia de rejeito e na cava. O problema é ainda mais agravado em virtude da interação do efluente com radionuclídeos. Investigações geofísicas desenvolvidas nas pilhas apresentaram resultados promissores que possibilitaram a localização dos corpos sulfetados e das principais áreas afetadas por DAM diante de métodos elétricos (CASAGRANDE, 2019; TARGA, 2020). Em contrapartida, até o momento, poucos estudos foram desenvolvidos na cava da mina, e, apesar de se saber que os minerais sulfetados estão associados às mineralizações de urânio, a área carece de estudos voltados à interpretação da disposição espacial das zonas mineralizadas que foram afetadas por processos supérgenos. Diante do exposto, o presente trabalho visa preencher tal lacuna diante da interpretação geofísica pelo método da gamaespectometria na área da cava. O processo de geração de drenagem ácida na MOU deve perdurar por séculos e, além dos prejuízos ambientais com a contaminação de águas subterrâneas e superficiais por metais pesados e elementos radioativos, os custos que envolvem o tratamento do efluente são demasiadamente elevados, desta forma, ações de remediação economicamente sustentáveis são fundamentais. 12 2 OBJETIVOS Diagnóstico gamaespectrométrico em mina de urânio a céu aberto com o intuito de compreender a dispersão de elementos radioativos (K, U e Th) em área afetada por processos supérgenos. 2.1. Objetivos específicos • Avaliar a correlação entre a concentração dos elementos radioativos com os condicionantes geológicos da área de estudo. 13 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1. Radioatividade Um átomo consiste em um núcleo massivo e pequeno circundado por elétrons de carga negativa e massa negligenciável, e composto por prótons (carga positiva) e nêutrons (carga neutra), ambos de mesma massa (IAEA, 2003; MUSSET; KHAN, 2000). Cada elemento químico possui um número específico de prótons, e esta propriedade recebe o nome de número atômico (MUSSET; KHAN, 2000). Um mesmo elemento pode ter, no entanto, uma quantidade diferente de nêutrons, e a quantidade total de prótons + nêutrons recebe o nome de massa atômica (MUSSET; KHAN, 2000). Átomos de um mesmo elemento (mesmo número de prótons e, portanto, mesmo número atômico) e com massa atômica diferente (diferente número de nêutrons) são chamados de elementos isótopos, os quais apresentam propriedades químicas idênticas, mas divergem nas propriedades físicas (IAEA, 2003; MUSSET; KHAN, 2000). Alguns isótopos, instáveis em virtude do excesso de energia existente em seus núcleos atômicos, sofrem desintegração natural para formar núcleos estáveis, o que resulta em um isótopo ou elemento diferente; nuclídeos com esta propriedade são chamados de radionuclídeos (IAEA, 2003). O processo de desintegração, denominado decaimento radioativo ou desintegração nuclear, independe das condições físicas do meio e é acompanhado pela emissão de partículas (alfa – α; e beta – β) e/ou de energia (gama – γ); esta emissão, por sua vez, é denominada radiação nuclear (IAEA, 2003; MUSSET; KHAN, 2000). Existem diferentes tipos de decaimento radioativo: decaimento alfa, acompanhado pela liberação de uma partícula α composta por 2 prótons e 2 nêutrons; decaimento beta, pela emissão de uma partícula β idêntica a um elétron carregado negativamente; decaimento Beta+, menos frequente, acompanhado pela emissão de um pósitron carregado positivamente (DENTITH; MUDGE, 2014). O decaimento de um radionuclídeo geralmente deixa o núcleo recém-formado em um estado excitado de energia, e a energia excedente é irradiada como raios gama (IAEA, 2003). Cada radionuclídeos emite raio gama de energia específica, característica de cada elemento e isótopo, portanto, esta energia pode ser usada para determinar o elemento que produziu a radioatividade (IAEA, 2003; DENTITH; MUDGE, 2014; MUSSET; KHAN, 2000). 14 3.1.1. Radiação e meio físico Ao penetrar em materiais, a radiação gerada no processo de decaimento radioativo é naturalmente atenuada em virtude da interação com os átomos do material (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). Em suma, a distância capaz de ser percorrida pela radiação se deve à densidade do meio penetrado e de características físicas da própria radiação - energia, tamanho e carga (DENTITH; MUDGE, 2014). As partículas alfa, grandes e altamente carregadas, atravessam alguns centímetros de ar antes de serem completamente absorvidas, e as partículas β, menores e menos carregadas, percorrem cerca de um metro no ar, mas ambas são absorvidas por espessuras insignificantes de rocha e solo (DENTITH; MUDGE, 2014; MUSSET; KHAN, 2000). Em contrapartida, os raios gama, sem massa e carga, são significativamente mais penetrantes que os outros produtos de emissão, o que os torna quase exclusivamente os únicos a serem levados em consideração em aquisições geofísicas radiométricas (DENTITH; MUDGE, 2014; MUSSET; KHAN, 2000). O alcance dos raios gama dos radionuclídeos naturais é de cerca de 700 m no ar, até 50 cm nas rochas e alguns centímetros no chumbo (IAEA, 2003). A radiação é afetada pela quantidade de material atenuante existente entre a fonte radioativa e o detector de raios gama, portanto, diversos fatores atenuam a medida, como vegetação e neve, umidade do solo e, no caso de aquisições aéreas, a altura em que é realizada a aquisição (IAEA, 2003). A atenuação de raios γ de três energias distintas em diferentes meios é apresentada na figura 1. Em todos os casos ocorre uma diminuição exponencial da intensidade da radiação com o aumento da espessura do material atravessado; ademais, a atenuação é mais expressiva quanto mais denso o material e quanto menor a energia do raio γ (DENTITH; MUDGE, 2014). A atenuação na água é maior apenas do que a que ocorre no ar, contudo, corpos de água com espessura mais significativa (cerca de 70 cm) podem impedir a detecção de emissões γ do material subjacente, como ocorre em áreas de lagos e rios (DENTITH; MUDGE, 2014). Os efeitos topográficos podem ser severos em levantamentos aéreos e terrestres, visto que os espectrômetros são calibrados para uma geometria de superfície de 180° e, portanto, onde há desvios dessa suposição, como em leitos de rios com margens íngremes e cortes de estradas, as estimativas de concentração apresentaram erros (IAEA, 2003). Musset e Khan (2000) afirmam que se o espectrômetro for colocado na beira de um penhasco, por exemplo, a contagem será reduzida devido à ausência de radiação da área sem rocha (Figura 2a); inversamente, na base de um penhasco (Figura 2b) a leitura seria sobrestimada; esses efeitos 15 geométricos, no entanto, não afetam as relações entre os elementos (IAEA, 2003; MUSSET; KHAN, 2000). Figura 1 – Atenuação da intensidade de raios gamas ao atravessar materiais de diferentes densidades. Fonte: Extraído de Dentith e Mudge (2014). Figura 2 - Influência da geometria do terreno (topografia) nas aquisições de dados radiométricos. A) Medições subestimadas por conta do volume de rocha “faltante”; B) Medições sobrestimada em consequência do volume de rocha “extra”. Fonte: Extraído de Musset e Khan (2000). 3.1.2. Fontes naturais de radiação Apesar de existirem dezenas de elementos radioativos naturais, a radiação na Terra se deve aos produtos de emissão de apenas três elementos, potássio (K), urânio (U) e tório (Th), em decorrência da abundância desses radionuclideos no ambiente natural e da intensidade dos 16 raios gama produzidos, que é suficiente para possibilitar a detecção em mapeamentos (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). Os demais elementos radioativos de ocorrência natural são muito raros e/ou apresentam radioatividade muito fraca (DENTITH; MUDGE, 2014). De acordo com IAEA (2003), as abundâncias crustais médias apresentadas na literatura para o K, U e Th se encontram na faixa de 2-2,5%, 2-3 ppm e 8-12 ppm, respectivamente. Dentre os três elementos, o potássio é o mais abundante no ambiente geológico, no entanto, apesar de se tratar de um elemento volumetricamente significativo na crosta continental, apenas o isótopo 40K é radioativo e este compreende 0,012% do potássio natural (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). Em virtude dessa proporção fixa, os raios gama do 40K podem ser usados para estimar a quantidade total de potássio presente (IAEA, 2003). Trata- se de um elemento alcalino que decai para 40Ar e que ocorre principalmente em feldspatos alcalinos, micas e illita (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). O urânio possui dois isótopos radioativos de ocorrência natural: 238U e 235U, os quais originam séries de decaimento que terminam em isótopos estáveis de chumbo - 206Pb e 207Pb, respectivamente (Figura 3 A) (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). No entanto, o 235U não é levado em consideração em levantamentos radiométricos visto que representa apenas 0,72% do urânio natural e os raios γ associados à sua série de decaimento são de baixa energia (DENTITH; MUDGE, 2014). O tório tem o 232Th como único radionuclídeo e dá origem a uma série de decaimento que termina no isótopo estável 208Pb (Figura 3 B) (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). O urânio e o tório raramente substituem outros elementos em minerais de silicato comuns em virtude de seus grandes raios iônicos e alta cargabilidade; podem ser encontrados como elementos traço associados a alguns minerais formadores de rocha, mas a ocorrência de ambos os elementos se dá principalmente em minerais acessórios, como zircão monazita, esfeno e rutilo (DENTITH; MUDGE, 2014). O 238U e o 232Th não emitem raios gama, portanto, suas concentrações são estimadas a partir da radiação emitida por seus produtos filhos (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). A série de decaimento de ambos os elementos é apresentada na figura 3, na qual estão indicados os nuclídeos filhos que emitem radiação gama durante o processo. 17 Figura 3 - Séries de decaimento do 238U (A) e do 232Th (B). Fonte: Extraído de Dentith e Mudge (2014). 3.2. Gamaespectometria O método da gamaespectometria é pautado na radiação gama detectada na superfície terrestre que resulta da desintegração espontânea do potássio (40K) e dos elementos das séries do urânio (238U) e do tório (232Th), sendo estes produtos do decaimento (nuclídeos filhos) também radioativos (GILMORE, 2008). Visto que as concentrações do urânio e do tório são estimadas a partir da radiação gama emitida pelos seus produtos de decaimento, e, portanto, que dependem do equilíbrio de suas séries de decaimento, as medidas destes dois radionuclideos são referidas como concentrações equivalentes em estudos radiométricos (eU e eTh) (DENTITH e MUDGE, 2014). Cada radionuclídeo emite raios gama de energia específica, característica de cada elemento e radioisótopo e a interação desses raios com o detector de cristal do gamaespectômetro dá origem a um pulso de luz de altura proporcional a energia do raio gama absorvido (IAEA, 2003; MUSSET; KHAN, 2000). Os pulsos são classificados de acordo com a altura, e são contados os eventos de decaimento por período de tempo, sendo possível, desse 18 modo, estimar o número de átomos radioativos presente na fonte a partir da premissa de que este é proporcional a taxa de decaimento (GILMORE, 2008). A gamaespectometria pode ser aplicada em mapeamentos geológicos, geoquímicos, ambientais e em explorações minerais no caso de minérios que possuem radioatividade associada (MUSSET; KHAN, 2000). O processamento dos dados obtidos no levantamento gamaespectométrico permite a geração de mapas radiométricos que indicam a distribuição espacial dos radionuclídeos de urânio, tório e potássio e suas respectivas concentrações. 3.2.1. Influência de processos supérgenos em aquisições gamaespectométricas Diversos e complexos processos supérgenos afetam a resposta radiométrica. Em virtude da combinação de diferentes fatores - geomorfologia, intemperismo, erosão, aspectos físicos e químicos das rochas, sistema de drenagem superficial e subterrâneo - não existem relações universais que expliquem a mobilidade e distribuição dos elementos, e, portanto, normalmente trabalhos de campo locais são requeridos para entender adequadamente os efeitos da cobertura na resposta radiométrica da área de estudo (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). Em suma, para uma interpretação condizente acerca das concentrações dos radioelementos em áreas afetadas por processos supérgenos, é importante um amplo conhecimento sobre os aspectos que podem influenciar a mobilidades dos elementos no local em questão (IAEA, 2003). De maneira geral, os principais minerais que hospedam K são pouco resistentes ao intemperismo e o potássio liberado é absorvido em minerais como a ilita e, em menor grau, em outros minerais argilosos (DENTITH; MUDGE, 2014). Dos principais minerais que contêm U e Th, apenas o zircão e a monazita são estáveis quando expostos ao intemperismo (DENTITH; MUDGE, 2014). O urânio liberado tende a ocorrer em óxidos de ferro e em argila, ou pode entrar em solução como um íon complexo (DENTITH; MUDGE, 2014). O tório, por sua vez, pode ser encontrado em óxidos e hidróxidos de ferro ou óxidos de titânio e em argilas (DENTITH; MUDGE, 2014). Uma revisão acerca da interpretação de dados gamaespectométricos em áreas de clima tropical é apresentada em Ulbrich et al. (2009). Os autores do referido estudo citam que as interpretações de dados gamaespectométricos são fortemente baseadas em trabalhos realizados em países como Canadá e Austrália, contudo, como a maior parte do território brasileiro está sujeita a um clima muito mais úmido e quente, com chuvas sazonais intensas e temperaturas médias elevadas, diferentes respostas gamaespectometricas devem ser esperadas. De acordo com Ulbrich et al. (2009), em ambientes de clima úmido e quente, o K tende a apresentar uma 19 intensa mobilidade e, portanto, sinais fortes do elemento podem indicar preservação de rocha fracamente ou não afetada por intemperismo e/ou alteração hidrotermal, enquanto sinais diminuídos ou nulos podem ser interpretados como evidência da lixiviação por intemperismo. Em relação ao U e ao Th, os autores citam que estes elementos devem ficar retidos no solo residual em minerais resistentes, com possibilidade de enriquecimento seletivo e possível transporte coluvial ou em solução (no caso do U) para níveis topográficos inferiores. Além de ser uma ferramenta importante para o mapeamento de solo e de coberturas de alteração, a gamaespectometria também pode fornecer importantes informações em áreas de descarga e recarga de águas subterrâneas (IAEA, 2003). Os sistemas de drenagem superficial e subterrâneo têm efeitos significativos na distribuição dos radionuclideos, visto que minerais e mineraloides que carreiam os elementos podem ser transportados através do sistema, e, por conta disso, um traçador radioativo da drenagem em subsuperfície pode ser identificado em mapas radiométricos (DENTITH; MUDGE, 2014). Seguindo o mesmo princípio, os radionuclideos podem ser distribuídos em grandes áreas quando afetadas por inundação, e como resposta radiométrica, há aumento dos níveis de concentração dos elementos nestas regiões que foram inundadas (DENTITH; MUDGE, 2014). O tório é um elemento com solubilidade muito baixa em águas naturais, contudo, pode ser facilmente transportado em material particulado (DENTITH; MUDGE, 2014). Compostos orgânicos e soluções ácidas podem aumentar a solubilidade do Th (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). O urânio pode formar complexos com uma grande variedade de íons em ambientes aquosos, contudo, sua mobilidade é afetada pela adsorção em óxidos de ferro, argilominerais, zeólitas e colóides (DENTITH; MUDGE, 2014). Um mecanismo comumente citado para a concentração de urânio envolve a reprecipitação quando, ao serem carreados por águas subterrâneas oxidadas, encontram ambientes redutores (DENTITH; MUDGE, 2014). Como citado anteriormente, as concentrações de uranio e tório são estimadas a partir da radiação emitida por elementos que compõem suas séries de decaimento e, em virtude disso, a mobilidade destes elementos filhos também afeta a resposta radiométrica (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). O rádio (Ra), presente na série de decaimento do U e do Th, pode ser mobilizado pela maioria das águas subterrâneas, com sua mobilidade restrita por co- precipitação com sulfatos de bário, óxidos ou sulfatos de ferro-manganês, ou por adsorção por matéria orgânica (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). O elemento dissolvido nas águas e depositado por co-precipitação pode aumentar os teores obtidos em respostas radiométricas para o eU e para o eTh (DENTITH; MUDGE, 2014; IAEA, 2003). 20 3.3. Drenagem Ácida A oxidação de minerais sulfetados é um processo de grande importância para o ciclo ecológico natural: está relacionado a processos de alterações supergênicas de depósitos minerais; à formação de solos; ao desenvolvimento de acidez e à mobilidade de metais (NORDSTROM; ALPERS, 1999). Consequência das diversas fases que envolvem as atividades mineiras, desde a instalação até o descomissionamento, diversas mudanças ambientais são geradas, como a alterações no fluxo hídrico superficial e subterrâneo, na permeabilidade e porosidade de maciços rochosos, além da exposição a condições oxidantes de minerais outrora em condições redutoras (NORDSTROM; ALPERS, 1999). Estas características modificações ambientais resultam num cenário propício à formação de drenagem ácida de mina (DAM) (FERGUSON; ERICKSON, 1988; NORDSTROM; ALPERS, 1999). Em suma, a interação de minerais sulfetados com água e oxigênio resulta em um efluente ácido, visto que há formação de ácido sulfúrico, e a consequente queda do pH solubiliza metais e metalóides que compõem a matriz rochosa (AKCIL; KOLDAS, 2006; NORDSTROM; ALPERS, 1999; PEPPAS; KOMNITSAS; HALIKIA, 2000). Esse processo natural de oxidação é intensificado e acelerado em áreas de exploração mineral que apresentam sulfetos associados, isso porque tanto na área da cava como nas pilhas de rejeito e estéril, a entrada de ar é facilitada e as áreas superficiais dos minerais sulfetados são maiores (NORDSTROM; ALPERS, 1999). A oxidação de sulfetos ocorre numa complexa série de reações (PEPPAS; KOMNITSAS; HALIKIA, 2000). Gray (1997) cita alguns principais minerais associados à DAM (Tabela 1), dentre os quais, o dissulfeto de ferro (pirita – FeS2) é um dos mais comuns e o de maior importância na geração do efluente (AKCIL; KOLDAS, 2006; GRAY, 1997). Tabela 1 - Principais minerais associados à geração de DAM. Mineral Composição Mineral Composição Arsenopirita FeS2.FeAs Millerita NiS Bornita CuFeS4 Molibdenita MoS2 Calcocita Cu2S Pirita FeS2 Calcopirita CuFeS2 Pirrotita FellSl2 Galena PbS Esfalerita ZnS Fonte: Extraído de Gray (1997). 21 De acordo com Nordstron e Alpers (1999), a reação (1) descreve a oxidação da pirita diante da presença de oxigênio e água, o que resulta na dissolução dos íons de ferro ferroso, sulfato e hidrogênio. FeS2(s) + 7/2 O2(g) + H2O(l) → Fe2+ (aq) + 2SO4 2− (aq) + 2H+ (aq) (1) A dissolução dos íons acarreta o aumento do total de sólidos dissolvidos e da acidez do efluente e, quando não há neutralização decorrente da presença de outros minerais na matriz rochosa, têm-se uma queda do pH (AKCIL; KOLDAS, 2006). Se o ambiente for suficientemente oxidante (a depender da concentração de O2, do pH e da ação de bactérias), grande parte do ferro ferroso (Fe2+) liberado na reação (1) oxidará a ferro férrico (Fe3+) (AKCIL; KOLDAS, 2006), de acordo com a reação (2): Fe2+ (aq) + 1/4O2(g) + H+ (aq) → Fe3+ (aq) + ½ H2O(l) (2) A depender do pH, o ferro férrico (Fe3+) pode precipitar como hidróxido de ferro – reação (3) – e jarosita, o que resulta na uma consequente queda no pH em virtude da liberação de hidrogênio, e na diminuição da concentração de Fe3+ em solução (AKCIL; KOLDAS, 2006). Fe3+ (aq) + 3H2O(l) → Fe(OH)3(s) + 3H+ (aq) (3) Ainda segundo os autores, o ferro férrico resultante da reação (2) que não sofreu precipitação a partir da reação (3), tem capacidade de oxidar as piritas residuais, o que caracteriza a oxidação indireta do mineral diante da reação (4). Esta, apesar de ser uma reação mais rápida quando comparada à reação da oxidação direta, ocorre apenas em condições de baixo pH em virtude da baixa solubilidade do ferro férrico em condições próximas a neutras (NORDSTROM; ALPERS, 1999). FeS2(s) + 14Fe3+ (aq) + 8H2O(l) → 15Fe2+ (aq) + 2SO4 2- (aq) + 16H+ (aq) (4) Em síntese, como exposto por Nordstron e Alpers (1999), as reações químicas que envolvem a formação da DAM requerem, basicamente, a presença de pirita, oxigênio e água, tendo sua reação geral descrita na reação (5). A ocorrência natural de algumas espécies de bactérias características de ambientes ácidos pode catalisar consideravelmente a oxidação dos sulfetos (AKCIL; KOLDAS, 2006; FAVAS et al., 2016). 22 FeS2(s) + 15/4 O2(g) + 7/2H2O(l) → Fe(OH)3(s) + 2H2SO4(aq) (5) Os fatores que controlam a formação e as características da DAM são classificados por Ferguson e Erickson (1988) como primários, secundários e terciários. Os primários estão envolvidos no processo de geração do ácido, como as características mineralógicas dos sulfetos que determinam a susceptibilidade ao intemperismo (tamanho e formato dos grãos, estrutura cristalina, propriedades cristaloquímicas e defeitos estruturais), e fatores físico-químicos como temperatura, pH, Eh e umidade, que, além de possibilitarem o intemperismo e a consequente solubilização e mobilização de elementos, afetam diretamente a atividade bacteriana que pode intensificar a produção de DAM (FAVAS et al., 2016; FERGUSON; ERICKSON, 1988). Os fatores secundários controlam o consumo dos produtos das reações de geração do ácido e podem fazer com que não haja geração de DAM na área, apesar da existência de sulfetos (FERGUSON; ERICKSON, 1988). A existência de minerais capazes de neutralizar a drenagem ácida (carbonatos, como calcita e dolomita) é apontada como um dos mais importantes mecanismos nesse contexto, e o efeito de neutralização pode ser descrito pela reação (6), descrita em Holmström, Ljungberg e Öhlander (1999). FeS2(s) + 3,75O2(g) + 3,5H2O(l) + 4CaCO3(s) → Fe(OH)3(s) + 4HCO3 - (aq) + 2SO4 2- (aq) + 4Ca2+ (aq) (6) Outros fatores secundários citados por Ferguson e Erickson (1988) incluem a alteração dos produtos de oxidação por outras reações, como troca iônica em superfícies de argilominerais, precipitação de gipsita e dissolução de outros minerais induzida pelo decréscimo no pH, o que altera o caráter da drenagem, frequentemente adicionando diferentes metais pesados (Al, Mn, Cu, Pb, Zn, etc.). Os fatores terciários citados pelos autores, por sua vez, compreendem aspectos físicos, estruturais e hidrogeológicos das pilhas de rejeito/estéril ou da cava da mina, dado que estes influenciam na produção, migração e geração do ácido. Favas et al. (2016) esquematizaram os principais fatores que afetam o intemperismo dos minerais sulfetados e que modificam a produção, migração e diluição da DAM (Figura 4). 23 Figura 4 - Fatores que afetam e modificam a produção, migração e diluição de drenagem ácida de mina. Fonte: Extraído de Favas et al. (2016). Em virtude do baixo pH, alta acidez e concentração de metais pesados e outros elementos tóxicos, severos impactos ambientais, sociais e econômicos estão relacionados à geração de DAM, tanto em minas ativas quanto abandonadas, visto que o efluente com alto potencial poluente migra facilmente para vários sistemas naturais (AKCIL; KOLDAS, 2006; FAVAS et al., 2016). Gray (1997) sintetiza e categoriza esses impactos como químicos, físicos, biológicos e ecológicos (Figura 5), e pontua que o impacto geral é a eliminação de espécies, o que reduz significativamente a estabilidade ecológica. Favas et al. (2016) apontam que o aspecto mais preocupante em relação aos efeitos ambientais dos efluentes de mineração é o elevado teor de metais pesados, sulfatos e sólidos em suspensão. Diante do exposto, é importante que a geração de DAM seja prevenida, mitigada ou tratada (AKCIL; KILDAS, 2006). Não existem métodos padronizados para classificar, medir e reduzir o risco de DAM, dado que cada mina é única em termos de potencial e viabilidade das opções de mitigação (AKCIL; KOLDAS, 2006; FAVAS et al., 2016). 24 Figura 5 - Principais impactos da DAM no meio ambiente. Fonte: Extraído de Gray (1997). 25 4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO 4.1. Localização A área de estudo consiste na cava da Mina Osamu Utsumi (MOU), situada na porção norte do Complexo Industrial de Poços de Caldas - CIPC (Figura 6). Operado pela Unidade de Tratamento de Minérios – Unidade Caldas, o complexo está situado em Minas Gerais, no município de Caldas, porção centro-sul do Planalto de Poços de Caldas. A capital mais próxima é São Paulo (180 km), seguida por Belo Horizonte (350 km) e Rio de Janeiro (360 km). A partir de Poços de Caldas, o acesso à MOU é feito pela BR-146 (Figura 6). Figura 6 - Delimitação do CIPC e de suas principais instalações, com destaque à área de estudo. Fonte: Modificado de Alberti (2017). 4.2. Mina Osamu Utsumi Atualmente denominado Unidade de Tratamento de Minério (UTM), o Complexo Mineiro Industrial de Poços de Caldas (CIPC) é operado pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e foi o primeiro centro de produção de urânio do Brasil. 26 As atividades no complexo tiveram início em 1981 com a abertura da Mina Osamu Utsumi, explorada a céu aberto, e foram encerradas em 1995. As atividades envolviam a extração e o beneficiamento físico e químico do minério. A MOU foi projetada para tratar 2500 t/dia de minério de urânio, o que resultaria em cerca de 700 mil t/ano com teor de urânio solúvel equivalente a 680 ppm (CIPRIANI, 2002). O teor de corte foi definido em 170 ppm de U3O8, logo, o material com teores menores foi considerado estéril e depositado nas pilhas da unidade. A operação mineira resultou em uma cava de aproximadamente 1200 m de diâmetro e 200 m de profundidade máxima, hoje parcialmente alagada por conta da manutenção do nível de água por bombeamento e pelo recebimento de efluentes que são tratados no site. A Mina Osamu Utsumi está em fase de descomissionamento e recuperação ambiental. A INB firmou compromisso com o IBAMA, CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e FEAM (Fundação Estadual de Meio Ambiente de MG) para apresentar um Plano de Recuperação de Áreas Degradas (PRAD). Um dos principais entraves para o encerramento completo das atividades na área é a geração de drenagem ácida que ocorre nas pilhas de estéril, bacia de rejeito e na cava da mina. De acordo com Targa (2018), o fluxo de água que atingem a cava da mina provém de um complexo sistema de fraturas e juntas que possibilita a interação do sistema de drenagem com o minério residual da cava, o que resulta em um efluente ácido enriquecido em elementos radioativos. 4.3. Geologia regional O centro-sul da plataforma brasileira compreende ocorrências alcalinas e alcalino- carbonáticas mesozoicas a cenozoicas que são agrupadas em sete diferentes províncias (Figura 7A) (AZZONE et al., 2018; ULBRICH; GOMES, 1981), dentre as quais, destaca-se a Província Ígnea Serra do Mar, na qual a área de estudo do presente trabalho está inserida. Nesta, o magmatismo alcalino resultou no Lineamento Magmático Poços de Caldas-Cabo Frio, de direção WNW-ESSE (Figura 7B), que compreende intrusões alcalinas e enxames de diques subordinados do Cretáceo Superior ao Eoceno (~80-55 Ma) com expressiva diminuição de idade para leste (BROTZU et al., 2005; GUARINO et al., 2021). Os complexos alcalinos e diques foram formados por múltiplas intrusões nos níveis crustais superiores que invadiram rochas neoproterozoicas das faixas Ribeira e Brasília como resultado da atividade de uma pluma mantélica sublitosférica, estando estruturalmente relacionados a um sistema de falhas ENE a EW desenvolvido no final do Ciclo Brasiliano e reativado desde o Cretáceo por movimentos 27 extensionais consequentes da abertura do Atlântico Sul (AZZONE et al., 2018; BROTZU et al., 2005; VLACH et al., 2018). Situado no extremo oeste do final do Lineamento Magmático Poços de Caldas-Cabo Frio, no setor norte da Província Ígnea Serra do Mar (Figura 7B), o maciço de Poços de Caldas representa o maior complexo alcalino da América do Sul e o segundo maior do mundo (GUARINO et al., 2021; ULBRICH et al., 2005; VLACH et al., 2018). O complexo forma uma estrutura circular de aproximadamente 28 km de diâmetro e mais de 800 km² de área, composta por ao menos doze grandes subestruturas circulares com diâmetros de 1 a 15 km (GUARINO et al., 2021). O maciço intrude no embasamento neoproterozoico da Nappe Guaxupé, composto por granitos, gnaisses e charnockitos, e se sobrepõe aos arenitos da Formação Botucatu do Cretáceo Inferior da Bacia do Paraná, preservados nas bordas do maciço (Figura 8) (GUARINO et al., 2021; ULBRICHI et al., 2005; VLACH et al.; 2018). A intrusão é composta predominantemente por tinguaítos e fonólitos (80% do complexo) e, de forma subordinada, ocorrem nefelina sienitos (~15%) e rochas básicas-ultrabásicas mais raras (<5%), representadas por basanitos leucitos, basanitos, basaltos e lamprófitos (GUARINO et al., 2021; ULBRICH et al., 2002; ULBRICH et al., 2005; VLACH et al., 2018). De acordo com os estudos apresentados em Ulbrich et al. (2002), dois eventos magmáticos principais estariam relacionados à formação destas litologias: o primeiro, há cerca de 79 Ma, responsável pela colocação de magmas intermediários (relacionados aos fonólitos, tinguaítos e nefelina sienitos), e o segundo, responsável pelas rochas básicas-ultrabásicas. Grande parte do perímetro do Complexo Alcalino de Poços de Caldas é marcada por um contorno topográfico bem desenvolvido, especialmente pronunciado ao longo dos limites norte e sul em virtude de diques anelares tinguaíticos (ULBRICH et al., 2002; ULBRICH et al., 2005). Ellert (1959) interpreta este cenário como a expressão de uma antiga caldeira vulcânica erodida (Figura 9). Em contrapartida, alguns autores afirmam que tal geomorfologia provavelmente resulta da erosão diferencial, visto que os tinguaítos maciços que se concentram nas bordas são mais resistentes à erosão do que as outras litologias que se concentram no interior do maciço, em parte fortemente afetadas por alteração hidrotermal (MOTOKI et al, 1988; ULBRICH et al., 2002; VLACH et al., 2018). 28 Figura 7 - A) Províncias alcalinas da região centro-sul do Brasil; B) Lineamento Magmático Poços de Caldas- Cabo Frio, Província Serra do Mar. Fonte: A) Extraído de Navarro et al. (2014) modificado de Ulbrich e Gomes (1981); B) Extraído de Guarino et al. (2021) modificado de Lopes et al. (2020). 29 Figura 8 - Mapa geológico do Maciço Alcalino de Poços de Caldas. Fonte: Extraído de Sardinha et al. (2018) modificado de Ellert (1959). Figura 9 - Modelo geológico de formação de caldeira proposto por Ellert (1959) para o Complexo Alcalino de Poços de Caldas. Fonte: Extraído de Holmes, Pitty e Noy (1992). 30 O trabalho de Ellert (1959), pioneiro no mapeamento do complexo, apresenta uma interpretação acerca de sua evolução em seis etapas (Figura 9). De acordo com o autor, a atividade ígnea iniciou com o domeamento das rochas de cobertura, seguido pela intrusão de rochas vulcânicas com posterior subsidência da parte central da caldeira vulcânica. A ascensão de magma nefelinítico pelas fendas radiais e circulares resultou em intrusões de tinguaítos, nefelina sienitos e fonólitos, com a formação de diques anelares (ELLERT, 1959). A intrusão de chibinito, lujaurito e foialito é apresenta como a sexta etapa da evolução do complexo. O Planalto de Poços de Caldas compreende dois sistemas de falhas principais: um de orientação preferencial N60W, relacionado à tectônica regional e observado além do complexo alcalino, e outro, de orientação N40E, resultante do colapso da caldeira (HOLMES; PITTY; NOY, 1992; TARGA et al., 2019). Ademais, estruturas sub-circulares relacionadas aos cones vulcânicos são descritas no interior do maciço (HOLMES; PITTY; NOY, 1992; GUARINO et al., 2021; ULBRICH et al., 2002; ULBRICH et al., 2005). A passagem de fluidos hidrotermais pelas zonas fraturadas e a consequente interação destes com as rochas encaixantes provocou alteração hidrotermal em várias áreas, modificando as assembleias minerais primitivas diante do enriquecimento em minerais de argila (ilita, caulinita), do metassomatismo potássico e da mineralização em U-Mo-Th-REE e fluorita (ULBRICH et al., 2002; ULBRICH et al., 2005; GUARINO et al., 2021). As mineralizações ocorrem concentradas em uma estrutura circular no centro-oeste do maciço, que provavelmente representa uma antiga intrusão subvulcânica, na qual está situada a Mina Osamu Utsumi, o Campo do Agostinho e o Morro do Ferro (ULBRICH et al., 2002; ULBRICH et al., 2005). A oxidação da pirita e o aumento no conteúdo de caulinita sinalizam o início da alteração supergênica, que resultou na formação de solos residuais lateríticos/bauxíticos de até 10 metros de espessura, o que, muitas vezes, dificulta o mapeamento das diferentes unidades rochosas e das subestruturas circulares do complexo (GARDA, 1990; GUARINO et al., 2021, SCHORSCHER; SHEA, 1992). 4.4. Geologia local O contexto local da Mina Osamu Utsumi compreende uma assembleia litológica pouco variada, com predomínio de rochas de composição fonalítica (nefelina sienito e fonólitos) afetados por processos hidrotermais e localmente cortados por diques (Figura 10) (MAGNO JÚNIOR, 1985; SCHORSCHER; SHEA, 1992; ULBRICH, 1984; ULBRICH et al., 2005, WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). 31 Figura 10 - Mapa geológico da cava da mina. Fonte: Adaptado de Capovilla (2001). Fonólitos são as rochas mais recorrentes na mina e apresentam matriz afanítica a muito fina, com illita e feldspato potássico (MAGNO JÚNIOR, 1985; ULBRICH et al., 2005). Nefelina sienitos, a variedade intrusiva, se apresentam como rochas maciças de granulação média a grossa, muitas vezes presentes como pequenos corpos que compreendem feldspato potássico reconstruído e nefelina alterada (ULBRICH et al., 2005). Fonólitos pseudoleucíticos e raros traquitos são descritos como diques subverticais intrudidos nos fonólitos principais e nos nefelina sienitos (ULBRICH et al., 2005). Algumas manifestações ultrabásicas cortam as rochas do depósito indistintamente na forma de diques lamprofíricos de pequena espessura, normalmente bastante alterados (com uma 32 única exceção), em geral com mergulhos intermediários e direção predominantemente NE (MAGNO JÚNIOR, 1985; SCHORSCHER; SHEA, 1992; ULBRICH et al., 2005). De acordo com Magno Júnior (1985), os corpos mineralizados são relacionados a uma grande chaminé de brechas instalada no planalto. Na área da mina ocorre um pipe de brecha externamente bordeado por brechas de fragmentação que gradam para rochas significativamente fraturadas, e a mineralização primária é observada principalmente relacionada a estas estruturas (ULBRICH et al., 2005). Ulbrich et al. (2005) afirma que os fonólitos foram as primeiras rochas a cristalizarem na área, seguidas pelo nefelina sienito, pela posterior intrusão dos diques e, então, pelo evento de brechação, alteração hidrotermal e mineralização. Os estudos de Schorscher e Shea (1992) sugerem que o magmatismo alcalino-nefelinitico que resultou nas variedades plutônicas, hipoabissais e vulcânicas de composição fonolítica tenha ocorrido em um breve espaço de tempo. A ocorrência de diques lamprofíricos alterados e não alterados sugere que a colocação destas rochas ocorreu durante e após a alteração mineralizante (SHEA, 1992; SCHORSCHER; SHEA, 1992; ULBRICH et al., 2005). Com o cessar dos processos magmáticos na área da MOU, há 76 Ma, foi iniciado o ciclo supergênico que perdura ainda nos dias de hoje (CAPOVILLA, 2001; SHEA, 1992). Os agentes intempéricos promovem a dissolução da pirita e demais sulfetos expostos, o que resulta na liberação de ácido sulfúrico e no ataque às fases minerais das rochas hidrotermalizadas pré- existentes, que são então oxidadas e, deste modo, são originadas frentes redox que separam os hidrotermalitos reduzidos dos oxidados (CAPOVILLA, 2001). A frente redox exibe superfície muito irregular e se estende a profundidades variáveis em virtude das zonas fraturadas e das heterogeneidades nas propriedades físicas das rochas (GARDA, 1990; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). É marcada por um contraste de coloração entre a zona reduzida (cinza-esverdeada) e a oxidada (amarelada-esbranquiçada a bege), atribuída principalmente à presença de óxidos e hidróxidos de ferro e à formação de fases de argila na zona oxidada, e compreendem faixas de 10-20 cm de largura (CAPOVILLA, 2001). Na zona oxidada da frente redox, os principais minerais neoformados são os argilominerais - com destaque à caulinita, resultante da decomposição intempéricas do feldspato potássico - e os OHF resultantes da oxidação da pirita e outros sulfetos de ferro (CAPOVILLA, 2001). Apesar de os hidrotermalitos oxidados apresentarem essencialmente a mesma mineralogia principal dos equivalentes reduzidos em relação às fases silicáticas, os estudos desenvolvidos por Capovilla (2001) apontam algumas diferenças entre o primeiro grupo quando 33 comparado ao segundo. De acordo com as análises mineralógicas realizadas, nos hidrotermalitos oxidados ocorre: • Oxidação, dissolução e desaparecimento da pirita e demais sulfetos • Formação abundante de OHF e subordinada de minerais secundários de Mo • Desaparecimento por dissolução da fluorita e dos carbonatos • Dissolução parcial dos minerais uraníferos Em relação às composições médias dos hidrotermalitos, a autora constata que, diante da oxidação dos hidrotermalitos, ocorre: • Enriquecimento fraco a moderado de TiO2, Al2O3, Na2O, Ba, Ce, Cr, Th, V e Y • Empobrecimento fraco a forte de Fe2O3, MnO, MgO, CaO, F, Hf, La, Nb, Nd, S, Sr, U, Zn e Zr Duas principais famílias estruturais são encontradas na mina, com atitudes preferenciais de N20E/80NW e N55W/75NE e intersecção quase ortogonal entre estes sistemas, o que resulta em uma intensa percolação de água no maciço (TARGA et al., 2019). 4.5. Mineralização Na Mina Osamu Utsumi, o enriquecimento em urânio está associado a processos de alteração hidrotermal hipógenos, responsáveis pelas mineralizações primárias, e a processos supérgenos, responsáveis pelas mineralizações secundárias (MAGNO JUNIOR, 1985; SCHORSCHER; SHEA, 1992; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). 4.5.1. Mineralização primária Dois tipos de enriquecimento hidrotermais hipógenos podem ser observados: 1) enriquecimento em U-Th-Zr-Mo, disseminado e de baixo grau; 2) enriquecimento em U-Th- Zr-REE-Mo de alto grau na matriz das brechas e em veios, sobreposto ao minério disseminado (SCHORSCHER; SHEA, 1992; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). As rochas hospedeiras das mineralizações, usualmente descritas como “rochas potássicas”, são principalmente fonólitos e nefelina sienitos que foram submetidos a um forte hidrotermalismo de larga escala que pode ser observado em todo o depósito (MAGNO JUNIOR, 1985; SCHORSCHER; SHEA, 1992; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). 34 A intrusão de nefelina sienitos nos fonólitos encaixantes foi seguida por atividades explosivas que afetaram substancialmente as rochas da mina diante de alteração potássica, piritização, formação de pipes de brechas, e enriquecimento disseminado e de baixo grau em elementos incompatíveis, com destaque a urânio, tório, molibdênio, zircônio, enxofre e flúor (MAGNO JUNIOR, 1985; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). O enriquecimento nestes elementos foi acompanhado por uma forte depleção em Ca, Na, Mg e Sr, e a alteração potássica transformou os feldspatos em feldspatos potássicos, a nefelina em illita, e a caulinita e os clinopiroxênios, que são os principais portadores de REE, em misturas de minerais ricos em TiO2, argilominerais e pirita (WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). Após essa fase de hidrotermalismo relacionada a intrusão de pipes vulcânicos de brecha e metassomatismo potássico, as rochas da mina foram submetidas a novas intrusões subsequentes de condutos de brechas vulcânicas que permitiu a percolação de soluções hidrotermais ricas em urânio e outros elementos e a consequente formação das mineralizações primárias de alto grau (WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). Em função da alta permeabilidade, os corpos de brechas foram os principais meios para as soluções mineralizantes ascendentes, e, por conseguinte, a matriz destas rochas foi impregnada pelos elementos presentes nos fluidos (MAGNO JUNIOR, 1985; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). Na matriz da brecha e nos enriquecimentos em veios, o urânio ocorre como uraninita, pitchblenda (parcialmente intercalada com pirita) e associado a fases contendo TiO2 (brannerita - UTiO6) (WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). Diante da variação considerável na abundância de minerais hidrotermais nas mineralizações primárias de alto grau, Waber, Schorscher e Peters (1992) sugerem processos polifásicos. A datação de um dique ultramáfico não afetado por hidrotermalismo possibilitou inferir um limite inferior de 76 Ma aos eventos hidrotermais na mina (SHEA, 1992). 4.5.2. Mineralização secundária Na zona reduzida ocorre a mineralização secundária de urânio, essencialmente pura, o que a difere da mineralização primária, rica em Zr, Th e ETR (CAPOVILLA, 2001). Após a dissolução e mobilização do urânio na zona oxidada, ocorre e a reprecipitação do elemento imediatamente abaixo da frente redox, na zona reduzida, o que caracteriza a mineralização secundária encontrada na mina, com dimensão restrita a uma faixa centrimétrica (10-15 cm em média) (GARDA, 1990; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). O urânio ocorre finamente disseminado em micro e macronódulos concrecionários de 35 pitchblenda/uraninita criptocristalina, com estruturas botrioidais, associados à pirita secundária, também supergênica - possivelmente produto da atividade biogeoquímica de colônias de bactérias redutoras de sulfatos (CAPOVILLA, 2001; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). Ademais, algumas concentrações secundárias de urânio são encontradas nas zonas oxidadas devido à adsorção do elemento por estruturas argilosas e alguns óxidos de ferro de baixa cristalinidade (CAPOVILLA, 2001; MAGNO JUNIOR, 1985; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). 4.6. Estudos prévios Em virtude de um cenário complexo que abrange diversas áreas do conhecimento, numerosos estudos foram desenvolvidos nas instalações do CIPC, com uma gama significativa de estudos geológicos, ambientais, ecológicos e sociológicos. Os trabalhos pioneiros no âmbito ambiental tiveram início nos primeiros anos de abertura do CIPC, como o desenvolvido por Minardi et al. (1982), que fez uso de traçadores artificiais para verificar a possível contaminação da bacia do Rio das Antas diante da construção da bacia de rejeitos. Passivos ambientais passaram a assolar o complexo devido falta de planejamento durante a abertura e operação da mina. Segundo Nóbrega, Lima e Leite (2008), a geração de drenagem ácida é o passivo de maior relevância tanto pelas questões ambientais e radiológicas quanto pelos custos envolvidos em sua neutralização, o que justifica a considerável quantidade de trabalhos voltados ao estudo hidroquímico da área (ALBERTI, 2017; FERNANDES; FRANKLIN, 2001; FRANKLIN, 2007). Diante de análises geoquímicas, Fernandes e Franklin (2001) concluíram que a oxidação da pirita ocorre majoritariamente pela sua reação com o oxigênio, ao passo que a oxidação indireta pelo ferro férrico constitui um processo de menor importância. Posteriormente, Alberti (2017) constatou que o oxigênio é originário dominantemente das águas meteóricas. Ainda de acordo com Fernandes e Franklin (2001), o período necessário para o consumo de todo o material piritoso é na escala de centenas de anos, o que, na visão dos autores, justifica a implantação de soluções de remediação permanente, sugerida a adoção de medidas que foquem na redução da difusão de oxigênio pela cobertura por materiais que apresentem baixo coeficiente de difusão e baixa permeabilidade para água. A solução sugerida está de acordo com o que foi posteriormente apontado por Franklin (2007), que constatou a oxidação da pirita de forma intensa em regiões não-saturadas. Desta forma, são recomendadas ações voltadas reduzir a infiltração da água de chuva e a penetração do O2(g). 36 Os estudos de Franklin (2007) foram pautados em modelos numéricos que buscavam o entendimento acerca do escoamento hidrológico e dos processos geoquímicos relacionados à geração de DAM na BF-4. Na mesma linha, Alberti (2017) elaborou um modelo hidrogeoquímico conceitual do sistema cava da MOU e do BF-4. De acordo com Alberti (2017), os processos mais intensos de DAM ocorrem no interior do maciço rochoso. Ademais, é ressaltado que as águas subterrâneas são muito oxidantes nas áreas de recarga e, em contrapartida, águas mais profundas possuem baixo teor de oxigênio, o que forma um ambiente redutor com a consequente diminuição ou até mesmo interrupção da geração de DAM em maiores profundidades (ALBERTI, 2017). Alberti (2017) afirma que algumas regiões na cava podem não apresentar águas acidificadas, o que é explicado pelo autor como resultado da ausência de minerais sulfetados na rocha ou da neutralização natural decorrente da dissolução de outros minerais. Trabalhos recentes mostraram resultados promissores do uso da geofísica em estudos realizados na mina, tanto no reconhecimento de zonas de geração de DAM, quanto no de caminhos preferenciais de fluxo hídrico nos aquíferos porosos e fraturados, sendo o desenvolvido por Casagrande (2019), pioneiro na aplicação de ensaios geofísicos na MOU, assim como na geração do primeiro modelo tridimensional da área contaminada. Com intuito de avaliar a conexão entre as zonas de fluxo hidrogeológico e de reconhecer as zonas sulfetadas no interior do BF-4, fez uso do método da Eletrorresistividade e da Polarização Induzida. Para mitigação do passivo, o autor sugere ações locais de remediação com impermeabilização dos principais núcleos reativos identificados no levantamento geofísico. Apesar da existência de pirita disseminada, essa medida reduziria drasticamente a geração de DAM na pilha de estéril. Os estudos de Targa et al. (2019) na cava da mina envolveram análises estruturais e levantamentos geofísicos pelo método da Eletrorresistividade, o que possibilitou a identificação de descontinuidades com maiores potenciais de percolação de água. Os autores constataram que o padrão de fraturamento indica que em todas as frentes de lavra, a maioria dos planos de fratura projetam para a cava, o que favorece a canalização para o centro da mesma. O método geofísico escolhido mostrou um forte contraste entre as zonas saturadas, de modo a permitir a diferenciação entre águas naturais das ácidas. Os autores sugerem tratamentos pontuais, com isolamento das zonas sulfetadas da percolação de água. Por sua vez, pelos métodos da Eletrorresistividade e Polarização Induzida, aliados a dados hidroquímicos, Targa (2020) avaliou o processo de geração de DAM no BF-8 e, diante da identificação das áreas afetadas pela drenagem ácida e das zonas sulfetadas, também considera a remediação in situ, com injeção de cimento ou selo de bentonita. 37 5 MÉTODO DE TRABALHO 5.1. Aquisição de dados As aquisições dos dados gamaespectométricos foram realizadas em seis dias de campo que ocorreram de abril a outubro de 2021 (18, 28 e 29 de abril; 9 e 10 de junho; 21 de outubro). Foram adquiridos em 645 pontos com malha irregular (Figura 11). O equipamento usado para aquisição de dados foi o gamaespectometro portátil RS-332 (Terraplus) (Figura 12), composto por detector de cristal de germanato de bismuto (BGO), com alcance de aproximadamente 30 cm de profundidade. Figura 11 - Pontos adquiridos na área de estudo com malha irregular. Fonte: Elaborado pela autora (2022). 38 Figura 12 - Aquisição radiométrica com o gamaespectometro portátil RS-332 (Terraplus). Fonte: Elaborado pela autora (2022). 5.2. Processamento dos dados Os dados coletados em campo foram geoestatisticamente tratados e a interpolação destes foi realizada com os softwares GS+, Surfer e ArcGis. A interpretação dos mapas gerados foi realizada em paralelo a revisões bibliográficas acerca da geologia da mina. 39 6 ANÁLISE GEOESTATÍSTICA Os dados gamaespectrométricos foram tabelados e estatisticamente tratados em termos de média, desvio padrão, variância amostral, mediana, curtose, assimetria, mínimo e máximo (Quadro 1). Os altos valores obtidos para o desvio padrão e para a variância amostral eram esperados por se tratar de um depósito mineral. Quadro 1 – Resultados obtidos diante do levantamento gamaespectométrico. K U Th Média 9.549393 140.3803 105.1288 Desvio Padrão 2.650471 77.89131 32.29815 Variância Amostral 7.024998 6067.056 1043.17 Mediana 10.24865 123.5757 100.2993 Curtose -0.26565 8.571418 31.71655 Assimetria -0.49694 2.169377 3.574762 Mínimo 0.99305 23.92409 36.68551 Máximo 17.79846 658.5314 483.0005 n 645 645 645 Fonte: Elaborado pela autora (2022). 6.1. Potássio O potássio apresenta média (9,54%) menor do que a mediana (10,24%), o que aponta a uma frequência maior de medições de teores acima da média (Figura 13). Apesar dos baixos valores de curtose (-0,26) e assimetria (-0,49), os dados não apresentam distribuição normal, o que foi confirmado pelo teste de aderência à normalidade d'Agostino-Pearson, que forneceu um p-value menor que 0,05. Não foi possível normalizar os dados de concentração do elemento, portanto, a interpolação foi realizada pelo Inverso do Quadrado da Distância. Figura 13 - Histograma dos teores de potássio, em %. Fonte: Elaborado pela autora (2022). 40 6.2. Urânio A média das concentrações de urânio apresentou um valor maior que a mediana, (140,38 e 123,57 ppm, respectivamente), o que indica maior quantidade de medições de teores abaixo da média. No histograma (Figura 14A) fica claro a maior frequência de teores menores que 150 ppm, com poucas ocorrências de teores maiores que 280 ppm. Para a normalização dos dados, foi realizada transformação logarítimica (Figura 14B), que atendeu ao teste de aderência à normalidade d'Agostino-Pearson, com p-value maior que 0,05 (0,373). Os valores de retorno da média, desvio padrão e variância amostral foram próximos dos valores originais (Quadro 2). Figura 14 – A) Histograma dos teores originais de U, em ppm. B) Hisograma dos teores de U, em ppm, com transformação logarítmica. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Com os dados normalizados, foi realizada a análise estrutural. Optou-se por usar o variograma anisotrópico (Figura 15). O modelo esférico foi o que melhor se ajustou aos dados. Após a análise estrutural, foi realizada a interpolação dos dados de teores de urânio pelo método da Krigagem Ordinária e, em seguida, a validação cruzada (Figura 16), que se mostrou bastante satisfatória apesar da suavização dos dados, o que já era esperado em virtude do método de interpolação usado. 41 Quadro 2 – Dados obtidos para o urânio após a transformação logarítmica. URÂNIO Original Transformado Back Transformed Média 140.3803361 4.816325581 140.200 Desvio Padrão 77.89130766 0.503686089 75.337 Variância Amostral 6067.055809 0.253699676 5675.71621 Mediana 123.57573 4.82 Curtose 8.571418197 0.271197206 Assimetria 2.16937744 0.033879967 Mínimo 23.92409 3.17 Máximo 658.53143 6.49 n 645 645 Fonte: Elaborado pela autora (2022). Figura 15 - Variogramas anisotrópicos para o U nas direções 0°, 45°, 90° e 135°. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Figura 16 – Validação cruzada dos dados de concentração de urânio. Fonte: Elaborado pela autora (2022). 42 6.3. Tório Assim como descrito para o urânio, as concentrações de tório apresentaram média maior que a mediana (105,12 e 100,29 ppm, respectivamente) em virtude da maior quantidade de medições de teores menores que a 105,12 ppm (Figura 17A). Os dados precisaram ser tratados para normalizarem, e, para tanto, cinco medições tiveram que ser excluídas do conjunto (Quadro 3 e Figura 17B). Como de fato ocorrem valores significativamente mais altos e mais baixos em depósitos minerais, não sendo necessariamente erro de medição, optou-se por excluir o menor número de dados possível nesta etapa. Os teores excluídos foram de 36,68 ppm, 250,51 ppm, 261,20 ppm, 282,13 ppm e 483,00 ppm. Por fim, para a normalização dos dados, foi realizada transformação logarítimica (Figura 17C), que atendeu ao teste de aderência à normalidade d'Agostino-Pearson, com p-value maior que 0,05 (0,0768). Os valores de retorno da média, desvio padrão e variância amostral foram próximos dos valores tratados (Quadro 3). Em relação aos dados originais, os valores de retorno foram menores principalmente para o desvio padrão e para a variância amostral, em virtude da exclusão dos outliers. Quadro 3 – Dados obtidos para o Th após tratamento e transformação logarítimica. TÓRIO Original Tratado Transformado Back Transformed Média 105.12880 103.89771 4.61292 103.86100 Desvio Padrão 32.29815 26.43479 0.00967 25.79200 Variância Amostral 1043.17040 698.79802 0.05984 665.22596 Mediana 100.30 100.19 4.61 Curtose 31.72 2.62 0.36 Assimetria 3.57 1.10 0.14 Mínimo 36.69 50.61 3.92 Máximo 483.00 235.80 5.46 n 645 640 640 Fonte: Elaborado pela autora (2022). Com os dados normalizados, foi realizada a análise estrutural. Optou-se por usar o variograma anisotrópico (Figura 18). O modelo exponencial foi o que melhor se ajustou aos dados. Após a análise estrutural, foi realizada a interpolação dos dados de teores do elemento pelo método da Krigagem Ordinária e, em seguida, a validação cruzada (Figura 19), que se mostrou satisfatória, também com suavização dos dados, no entanto, menos significativa quando comparado com a suavização obtida para o urânio. 43 Figura 17 - A) Histograma dos teores originais de Th, em ppm. B) Histograma dos teores de Th, em ppm, com a exclusão de outliers C) Histograma dos teores de Th, em ppm, após tratamento e transformação logarítmica. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Figura 18 - Variogramas anisotrópicos para o Th nas direções 0°, 45°, 90° e 135°. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Figura 19 - Validação cruzada dos dados de concentração de Th. Fonte: Elaborado pela autora (2022). 44 7 RESULTADOS E DISCUSSÃO O contorno dos litotipos foram adicionados aos mapas radiométricos gerados para analisar uma possível correlação entre as concentrações dos radioelementos e as litologias, contudo, como pode ser observado nos mapas da figura 20, as anomalias não estão condicionadas às litologias. O motivo desta falta de correlação pode estar relacionado a composição química dos litotipos encontrados na área da cava, que são bastante semelhantes, como apontado nos estudos litogeoquimicos de Capovilla (2001). Figura 20 - Mapas Gamaespectométricos da área de estudo. A) Mapa de potássio, em %. B) Mapa de urânio equivalente, em ppm. C) Mapa de tório equivalente, em ppm. Fonte: Elaborado pela autora (2022). 45 Os teores mais elevados para o K são encontrados nos taludes superiores, enquanto os menores valores ocorrem nas áreas topograficamente mais baixas (Figura 21). O potássio é um elemento muito móvel quando exposto a condições de intemperismo, portanto, em regiões de clima tropical, altos teores do elemento usualmente são relacionados a exposição de rocha inalterada. Contudo, parte do K também pode ficar retido na estrutura de argilominerais e/ou reprecipitar em áreas alagadas. Figura 21 - Mapa radiométrico de potássio (K), em %. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Estudos realizados na mina apontam para menores teores de potássio nas rochas mais intemperizadas em virtude da destruição do feldspato potássico, que, em geral, é alterado a caulinita, um argilomineral de alumínio - Al2Si2O5(OH)4 – com pouco um nenhum potássio em sua composição, dado a alta mobilidade do elemento quando exposto a condições oxidantes (CAPOVILLA, 2001; WABER; SCHORSCHER; PETERS, 1992). Diante disso, os altos teores do elemento no talude superior são interpretados como resultado de rocha menos afetada pelos processos intempéricos e, em contrapartida, os baixos teores do elemento estariam associados a uma camada mais espessa de cobertura residual. Esta interpretação é sustentada também pelo trabalho de campo realizado. Como é possível observar na foto da Figura 22, tirada na cava com visada para sul, os altos teores de 46 potássio (destacados em vermelho na figura 22 B) ocorrem nos taludes em que a rocha se encontra mais rasa, e os baixos teores (destacados em azul) estão associados à área com camada de solo mais espessa. Figura 22 – A) Área da cava em que foi realizado o levantamento gamaespectométrico. Visada para sul. B) Indicação das áreas com baixas e altas anomalias de K em azul e vermelho, respectivamente. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Como discutido em capítulos anteriores, sistemas de drenagem superficial e subterrâneo tem grande efeito na distribuição de radionuclideos, que podem ser carreados como material particulado ou solubilizados. Os mapas de urânio e tório equivalentes são interpretados como resultado da interação destes elementos com o sistema de drenagem da área. O urânio, mais solúvel e com maior mobilidade quando comparado ao Th, apresenta altos teores com direções preferenciais que seguem sentido ao centro da cava, sendo o principal traçador radioativo de drenagem (Figura 23). Os estudos de Targa et al. (2019) desenvolvidos na cava da mina indicam que de fato ocorre uma canalização do fluxo hídrico em direção ao centro da cava. 47 Figura 23 - Mapa radiométrico do urânio (U), em ppm. Fonte: Elaborado pela autora (2022). As anomalias observadas no mapa de eTh (Figura 24), por sua vez, são mais disseminadas na área, o que provavelmente ocorre como resposta da baixa mobilidade do elemento, que tende a permanecer no solo residual. Uma tendencia sutil em direção ao centro da cava pode ser observada e esta, por sua vez, pode estar relacionada tanto ao transporte do elemento como coloides ou partículas carreadas pela drenagem, como resultado da dissolução do Th em virtude da passagem de drenagem ácida, visto que o elemento se torna solúvel em soluções ácidas. 48 Figura 24 - Mapa radiométrico de tório (Th), em ppm. Fonte: Elaborado pela autora (2022). Visto que o sistema hídrico da cava possui forte influência na dispersão do urânio e do tório e que estes radionuclideos possuem grande potencial de contaminação, é fundamental que sejam adotadas medidas que visem reduzir a interação do sistema de drenagem com as rochas e solos da área. Dentre as opções de controle do fluxo hídrico, é possível adotar medidas de impermeabilização (com cimento ou argilas) para evitar a infiltração de água pluvial, juntamente com a construção de calhas para direcionamento do fluxo a um lugar de captação. 49 8 CONCLUSÕES Os resultados geofísicos obtidos demonstram a complexidade relacionada à dispersão de elementos químicos em áreas afetadas por alterações supérgenas. Diversos fatores influenciam na mobilidade dos elementos, o que confere características únicas a cada área e torna essencial o estudo acerca de aspectos físicos e químico locais. A drenagem ácida de mina é um fator que deve ser levado em consideração durante a interpretação dos mapas radiométricos, visto que, apesar de não ser possível detectar áreas de ocorrência e geração do efluente, o baixo pH possui influência na dispersão e mobilidade dos radionuclídeos, além de favorecer o intemperismo das rochas. O mapa de eU gerado permite considerar o elemento como traçador radioativo de drenagem em subsupefície, mas não é possível atribuir correlação à ocorrência de drenagem ácida de mina. Ademais, por se tratar de um método que fornece informações apenas de subsuperfície, a sua utilização voltada para ações de controle de DAM é pouco indicada, visto que o efluente é gerado também em profundidades, além de não ser identificado pelo método. É de suma importância a adoção de medidas que reduzam a mobilidade dos radionuclídeos, dado que estes possuem grande potencial de contaminação de corpos hídricos e solo. Como comprovado pelos mapas gerados, o sistema de drenagem possui grande influência na dispersão dos elementos, logo, ações de remediação devem visar diminuir a infiltração de água meteórica na área da cava. . 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AKCIL, A; KOLDAS, S. Acid Mine Drainage (AMD): causes, treatment and case studies. 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