UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA Campus de Presidente Prudente DA PRODUÇÃO DA CIDADE SOB A ÉGIDE LIBERAL À REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS: O caso da Aglomeração Urbana de Maringá em foco. Bruno Lucas Gonçalves Orientador: Prof. Dr. Márcio José Catelan Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – FCT/UNESP – campus de Presidente Prudente – SP. Pesquisa orientada pelo Prof. Dr. Márcio José Catelan, sob o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e Tecnológico e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2019/16989-8. Presidente Prudente 2022 DEDICATÓRIA Às minhas tias Mariinha, Cristina, Regina e Iara Ao tio Caio (in memorian) AGRADECIMENTOS Durante minha trajetória na pós-graduação, enquanto escrevia essa pesquisa, a humanidade enfrentou um dos maiores desafios, que foi a pandemia do COVID-19. Apesar de ter sido um trabalho individual, houve um coletivo tão essencial que sem eles essa tarefa seria impossível, frente ao contexto do mundo e meus percalços individuais, peço licença para escrever em primeira pessoa, forma mais genuína de expressar e registrar aqui minha imensa gratidão a todos. Às minhas tias, que sempre foram muito presente na minha vida, minha base inspiradora, que me motivou e me apoiou de diversas formas desde o ensino fundamental até o superior, tia Mariinha, tia Cristina, tia Regina e tia Iara, à vocês dedico esta dissertação, e ao meu tio Caio que partiu em 2020, figura inesquecível e amável, que me trouxe pela primeira vez para o oeste paulista. A minha mãe, Angélica, e meu pai, Edson, meu porto seguro onde sempre encontro acalanto e motivação para perseguir meus sonhos. Às minhas primas Alice e Leila, irmãs de leite e de alma, a Camila, Helena e Aline, obrigado pelos conselhos, pelas risadas e pelo ombro quando eu precisei. A minha família de coração, amizades que construí em Presidente Prudente, algumas de longa data, outras durante o mestrado, Victória, Gustavo, João, Gleice, Nany, Raisa, Mateus, Arnaldo, Lorena, Zé Carlos, Lucas, Carol, Jota, Samarane, Jandira, Jean, Paula, Bruna Gonçalves, Bruno Barcella, Alex, Pinóquio, Lidiane e Jana, obrigado por fazer a vida mais colorida, pelas conversas construtivas de boteco e por todo carinho. Agradeço a Bárbara Arôxa, pela nossa amizade e pelas ricas conversas científicas que aqui foram transcritas. Ao Gabriel Berardinelli, pelo companheirismo, paciência, amizade e lealdade. Estendo esse agradecimento também a sua mãe dona D.ª Divina pelos quitutes e pelo suporte assíduo e terno. Ao meu orientador Marcio Catelan, por sua humanidade e sensibilidade ímpar, obrigado por acreditar em mim, pela autonomia e riqueza de conhecimento compartilhado. Replico aqui o que disse Isaac Newton: “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”. Aos funcionários da Unesp, especialmente ao Alexandre Parmindo, à Aline Ribeiro e Tamae Otsuka, por sua sublime competência e empenho. E por fim, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento desta pesquisa (processo nº2019/16989-8). RESUMO As derivações imateriais e materiais do neoliberalismo vem reconfigurando o processo de urbanização e de estruturação das cidades. Neste sentido, buscamos compreender como a lógica socioespacial fragmentária altera o conteúdo da diferenciação e das desigualdades socioespaciais na Aglomeração Urbana de Maringá, redefinindo os sentidos do direito à cidade. Elencamos a produção imobiliária residencial como dimensão empírica para contribuir com o debate da Fragmentação socioespacial. Utilizamos revisão bibliográfica, trabalho de campo, entrevistas e a construção de um banco de dados imobiliário e socioeconômico para alcançar esse objetivo. Concluímos que é indispensável considerar as cidades de Sarandi e Paiçandu, pois se consolidam na periferia de Maringá, portanto indispensável para a compreensão do seu processo de estruturação. Identificamos também a ampliação do eixo de expansão e valorização imobiliária no setor sudoeste de Maringá e um reforço contínuo da valorização do centro-sul da cidade. Constatamos também a injustiça social na apropriação da renda da terra por parte dos proprietários e capital incorporador, uma vez que ela é produzida socialmente, como mais-valia, mas apropriada individualmente. Palavras-chave: Desigualdade socioespacial; Renda da terra; Mais-valia fundiária; Mercado imobiliário; Paiçandu; Sarandi. RESUMEN Las derivaciones inmateriales y materiales del neoliberalismo han reconfigurado el proceso de urbanización y estructuración de las ciudades. En este sentido, buscamos entender cómo la lógica socioespacial fragmentaria cambia el contenido de la diferenciación y las desigualdades socioespaciales en la Aglomeración Urbana de Maringá, redefiniendo el significado del derecho a la ciudad. Enumeramos la producción inmobiliaria residencial como una dimensión empírica para contribuir al debate de la fragmentación socioespacial. Para lograr este objetivo, nos servimos de la revisión bibliográfica, el trabajo de campo, las entrevistas y la construcción de una base de datos inmobiliarios y socioeconómicos. Concluimos que es indispensable considerar las ciudades de Sarandi y Paiçandu, por estas consolidarse en la periferia de Maringá, por lo tanto indispensables para la comprensión de su proceso de estructuración. También identificamos la ampliación del eje de expansión y valorización inmobiliaria en el sector suroeste de Maringá y un refuerzo continuo de la valorización del centro. También comprobamos la injusticia social en la apropiación de la renta de la tierra por parte de los propietarios e incorporando el capital, ya que se produce socialmente, como plusvalía, pero se apropia individualmente. Palabras-clave: Desigualdad socioespacial; Renta del suelo; Plusvalía del suelo; Mercado inmobiliario; Paiçandu; Sarandi. ABSTRACT The immaterial and material derivations of neoliberalism have reconfigured the process of urbanization and structuring of cities. In this sense, we seek to understand how the fragmentary socio-spatial logic alters the content of differentiation and socio- spatial inequalities in the Maringá Urban Agglomeration, redefining the meaning of the right to the city. We have listed residential real estate production as an empirical dimension to contribute to the debate on socio-spatial fragmentation. We used literature review, fieldwork, interviews and the construction of a real estate and socioeconomic database to achieve this goal. We concluded that it is indispensable to consider the cities of Sarandi and Paiçandu, as they consolidate themselves in the periphery of Maringá, therefore indispensable for the understanding of their structuring process. We also identified the expansion of the axis of real estate expansion and valorization in the southwestern sector of Maringá and a continuous reinforcement of the valorization of the center. We also verified the social injustice in the appropriation of land income by landowners and developer capital, since it is socially produced, as surplus value, but individually appropriated. Keywords: Socio-spatial Inequality; Land Income; Land Surplus Value; Real Estate Market; Paiçandu; Sarandi. LISTA DE FIGURAS Figura 1- Linha do tempo do recorte temporal da pesquisa………….………………..28 Figura 2 - Fórmulas para definição, percentual de variação e deflação do preço da terra........................................................................................................................... 30 Figura 3 - Expansão ferroviária da CTNP................................................................. 35 Figura 4 - Anteprojeto do plano urbano de Maringá, de Jorge de Macedo Vieira......................................................................................................................... 37 Figura 5 - Simulação do bairro planejado Eurogarden………….…………..…......... 39 Figura 6- Plano Ágora original apresentado por Oscar Niemeyer em 1986........................................................................................................................... 44 Figura 7- Projeto Ágora, por Oscar Niemeyer. 1991................................................. 46 Figura 8- Vista aérea do Novo Centro, com destaque para área do Projeto Ágora. Maringá, 2020............................................................................................................ 46 Figura 9– Fotografia do muro de arrimo e extensão das calçadas entre a avenida Cerro Azul e o conjunto habitacional Santa Felicidade. Maringá. 2019.................... 66 Figura 10 - Compradores protestam atraso das obras do Golden Ville. Paiçandu, 2018........................................................................................................................... 77 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Organização metodológica para definição do recorte temporal da pesquisa……………………………………………………………………………………. 27 Quadro 2 - Níveis hierárquicos entre os centros urbanos definidos pela REGIC, 2018………………………………………………………………………………………… 50 Quadro 3 - PMCMV Urbano: evolução das faixas de renda familiar………...……… 73 Quadro 4 - Benefícios por faixas do PMCMV urbano (PNHU).................................. 73 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Crescimento da populacional de Maringá de 1950 a 2020………….…… 40 Tabela 2 -Evolução da participação de Maringá no PIB regional, por tipo de valor adicionado. 1999, 2005 e 2016…………………………………………......….……….. 49 Tabela 3- Produção do PMCMV em Maringá, Sarandi e Paiçandu………….......…. 75 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1- Médias nacional, regional e local das taxas de urbanização. 1940-2010.35 Gráfico 2 - Evolução do PIB municipal de Maringá, Paiçandu e Sarandi. 1995, 2005 e 2016………………………………………………………………...……………………..49 Gráfico 3- Produção de UH do MCMV na aglomeração urbana. 2009- 2015…..……...............................................................................................................77 Gráfico 4- Ofertas imobiliárias por tipo de negócio. Maringá, Sarandi e Paiçandu. 2019........................………………………………………………………………………..95 Gráfico 5 - Evolução dos registros cartoriais de transações imobiliárias acumulado em 12 meses. Maringá. 2013-2022………………………………...............………… 100 Gráfico 6- Quantidade anual de registros cartoriais de transações imobiliárias. Maringá. 2012-2022…………………………………………………….………………...100 LISTA DE MAPAS Mapa 1- Aglomeração urbana de Maringá. 2010………...……………………..…..… 21 Mapa 2- Eixos estruturantes do Espaço Urbano de Maringá………………...…….... 40 Mapa 3 - Região de influência de Maringá. REGIC 2018……………..….….………. 52 Mapa 4– Região de Influência das Cidades (2018) e Região Imediata e Intermediária de Maringá (2017)..................................................................................................... 54 Mapa 5 - ZEIS de Maringá, instituídas por lei complementar em 2005, 2007 e 2008………………………………………………………………………………………….73 Mapa 6 - Mapa piloto da cidade de Maringá, 2019…………..…………………..…… 74 Mapa 7- Distribuição dos conjuntos habitacionais PMCMV 2010 a 2013 por renda, tipologia e número de unidades, no aglomerado metropolitano Sarandi-Maringá- Paiçandu, 2013…………………………………………………...........................………80 Mapa 8- Valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas responsáveis por domicílios particulares permanentes (com e sem rendimento). Maringá, Sarandi e Paiçandu. 2010……………………………………………………….……………...……. 81 Mapa 9- Localização dos Condomínios horizontais fechados de Maringá. 2019….. 84 Mapa 10 - Médias de preço do m² dos terrenos não edificados. Maringá. 2001…... 97 Mapa 11 - Médias de preço do m² dos terrenos não edificados. Maringá. 2007…... 98 Mapa 12 - Médias de preço do m² dos terrenos não edificados. Maringá. 2013…... 99 Mapa 13- Médias de preço do m² dos terrenos não edificados. Maringá. 2019......100 LISTA DE SIGLAS ACIM - Associação Comercial e Empresarial de Maringá BBrasil – Banco do Brasil CEF – Caixa Econômica Federal CHF – Condomínio Horizontal Fechado CMNP - Companhia Melhoramentos Norte do Paraná CODEM - Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá CTNP Companhia de Terras Norte do Paraná FGTS – Fundo de Garantia de Tempo de Serviço HIS – Habitação de Interesse Social IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPARDES - Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social MCMV – Minha Casa Minha Vida PLHIS – Plano Nacional de Interesse Social PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural PwC - PricewaterhouseCoopers REGIC - Regiões de Influência das Cidades RD – Renda Diferencial SIDRA - Sistema IBGE de Recuperação Automática SM – Salário Mínimo UEM – Universidade Estadual de Maringá UH – Unidade Habitacional SUMÁRIO INTRODUÇÃO 13 Metodologia 21 CAPÍTULO I 31 A PRODUÇÃO DA CIDADE DE MARINGÁ - DA ESCALA LOCAL A SUA CENTRALIDADE NA REDE URBANA 31 1.1. 311.2. 46CAPÍTULO II - Diferenciação e desigualdade socioespacial em Maringá e seu entorno 56 2.1. A “escolha” da localização residencial 57 2.2. Fundamentos teóricos da desigualdade socioespacial 60 2.3. Segregação e autossegregação na aglomeração urbana de Maringá, Sarandi e Paiçandu 66 2.4. Autosegregação na aglomeração urbana de Maringá 81 CAPÍTULO III – DA REPRODUÇÃO DO CAPITAL AO APROFUNDAMENTO DAS DESIGUALDADES: LÓGICAS, AGENTES E VETORES DA DINÂMICA IMOBILIÁRIA 88 3.1. A reprodução capitalista e a renda fundiária 89 3.2 A particularidade do capital fundiário na reprodução capitalista 92 3.3 Produção imobiliária no aglomerado urbano de Maringá 96 Considerações finais 103 Referências Bibliográficas 106 INTRODUÇÃO Esta pesquisa está vinculada ao projeto temático financiado pela FAPESP intitulado "Fragmentação socioespacial e urbanização brasileira: escalas, vetores, ritmos, formas e conteúdos - FragUrb". Essa pesquisa surgiu a partir da constatação de que a diferenciação socioespacial em cidades brasileiras vem se aprofundando e aponta para a constituição do processo de fragmentação socioespacial. Por sua vez, o processo de fragmentação socioespacial está vinculado à predominância de lógicas e subjetivações neoliberais que se antepõem à ideia de direito à cidade. Portanto, para alcançar uma compreensão deste processo no plano da cidade e do urbano, foi delimitado como objetivo central do projeto temático, entender como a lógica socioespacial fragmentária altera o conteúdo da diferenciação e das desigualdades, redefinindo os sentidos do direito à cidade (SPOSITO, 2020). Em guisa de alcançar esse objetivo, os pesquisadores (SPOSITO, 2018) delinearam quatro planos analíticos, que conduziu e ainda direciona as pesquisas vinculadas: 1- Analisar a passagem da lógica socioespacial predominantemente centro- periférica para a lógica socioespacial fragmentária; 2- Interpretar a fragmentação socioespacial por meio das formas contemporâneas de diferenciação e desigualdade, a partir das práticas associadas ao cotidiano urbano. 3- Compreender os desdobramentos da lógica socioespacial fragmentária sobre o par espaço público-espaço privado. 4- Identificar e analisar o papel das instituições políticas, dos agentes econômicos hegemônicos e dos sujeitos sociais não hegemônicos na produção e consumo da habitação, sob a lógica socioespacial fragmentária. A fragmentação socioespacial é um processo complexo, que está ancorado de forma complementar nas transformações no tecido urbano, nas práticas espaciais e nos imaginários sociais (MAGRINI, 2013). Portanto, é só a partir da análise do movimento cotidiano que congrega as múltiplas formas de se vivenciar o tempo e o espaço nas cidades contemporâneas é que se pode alcançar e entendimento deste processo. É no cotidiano urbano que se expressam as potencialidades e os entraves, materiais e simbólicos, colocados à realização da vida, que atingem de maneira desigual os habitantes da periferia do capitalismo (op. cit). Lefebvre (1991) reconhece o potencial do cotidiano como horizonte de construção da utopia, como patamar para a reformulação do possível a partir de seu tensionamento. Segundo o autor: A menor mudança da vida cotidiana parece impossível. Pôr em questão seja o que for que concerne à cotidianidade é grave, inquietante. Pense nas ínfimas modificações no tráfego dos carros ou no próprio carro, que os especialistas, entendidos e competentes decretam irrealizáveis, muito dispendiosas, causadoras de consequências em demasia. O que é que isso prova? Que a cotidianidade inteira deve ser questionada. O homo sapiens, o homo faber, o homo ludens se transformam no homo quotidianus, e nisso perdem até a sua qualidade de homo. Será o quotidianus ainda um homem? Ele é virtualmente um autômato. Para que reencontre a qualidade e as propriedades do ser humano, é preciso que supere o cotidiano, dentro do cotidiano, a partir da cotidianidade! (LEFEBVRE, 1991, p. 204). A partir disto, foi definido no projeto temático cinco dimensões empíricas para desbravar essa cotidianidade: a) a dimensão do habitar, b) a dimensão do trabalhar, c) a dimensão do consumir, d) a dimensão do lazer e e) a dimensão da mobilidade, sendo que esta última perpassa e articula todas as demais. Buscando abarcar diversidade da diferenciação socioespacial brasileira, dentro do projeto temático, foram delimitadas oito cidades médias de diferentes formações socioespaciais e uma metrópole para análise: São Paulo-SP, Ribeirão Preto-SP, Presidente Prudente-SP, Chapecó-SC, Dourados-MS, Ituiutaba-MG, Mossoró-RN, Maringá-PR e Marabá-PA. A escolha da capital paulista objetivou poder compreender o contexto metropolitano com o das cidades médias, na qual o exercício de comparação deve ocorrer no sentido de identificar o singular em cada uma, para tecermos as particularidades de suas devidas redes urbanas e formações socioespaciais para, por fim, alcançar de forma bem embasada as generalizações do processo de fragmentação socioespacial na atualidade da urbanização brasileira. Nesta pesquisa em específico, nos debruçamos em contribuir com o debate sobre o processo de fragmentação socioespacial, muito embora não seremos capazes, dado o escopo metodológico, de chegar à questão central que é entendermos se, de fato, a produção do espaço urbano de Maringá caracterizar-se-á pela passagem do paradigma centro-periferia para o da lógica fragmentária com efeito na vida urbana. Temos o compromisso de ler o movimento, os processos, as lógicas atinentes ao plano analítico 4 “Identificar e analisar o papel das instituições políticas, dos agentes econômicos hegemônicos e dos sujeitos sociais não hegemônicos na produção e consumo da habitação, sob a lógica socioespacial fragmentária”, que por sua vez, se apoia na dimensão empírica do habitar como prática urbana, como também pelos procedimentos metodológicos elencados que não nos levaram à dimensão das e dos sujeitos, aspecto relevante para se ler o processo de fragmentação socioespacial em sua completude de compreensão. O processo de urbanização e a cidade contemporâneas são lidas na relação com modelo de acumulação vigente no atual modo de produção capitalista. O marco formal da institucionalização da cidade neoliberal foi a crise do fordismo nos países centrais, em especial na Europa no período da década de 1980. Isso significou um “retorno ao mercado” no que diz aos mecanismos de coordenação de uso do solo. Nos marcos do fordismo, o mercado tinha sua importância na construção da materialidade urbana (habitação, equipamentos e infraestrutura), entretanto, sob mediação do Estado na definição das regras de uso e ocupação do solo e nas características dessa materialidade. (ABRÂMO, 2007, p.25). Em conseguinte, a manifestação da crise do fordismo no processo de produção das cidades foi observada de duas formas, com a crise do urbanismo modernista regulatório, no âmbito do planejamento urbano, caracterizando a flexibilização urbana em múltiplas escalas, e com a crise do financiamento estatal para construção da materialidade urbana. O que reforçou desta vez, foi o protagonismo do mercado. Como resposta, os agentes do mercado assumiram o papel principal de coordenação das políticas de ocupação e uso do solo, seja por meio das privatizações de empresas públicas urbanas, seja pela hegemonia do capital privado na produção das materialidades residenciais e comerciais da cidade. (ibidem, p. 26). Deste modo, o neoliberalismo, sistema normativo global que favorece a disseminação da lógica capitalista em todas as relações sociais e todas as esferas da vida, conforme Dardot e Laval (2016), é através deste aspecto imaterial no qual a urbanização contemporânea deve ser entendida. Este aspecto, que tange a ideologia neoliberal, só se confirmou como o atual projeto de sociedade porque é a ideologia da classe dominante, que sobrepõe seu projeto através da hegemonia (DIAS, 1996, p. 10 apud GINI, 2007, p.87). Por sua vez, Gramsci (1987) define que a hegemonia ocorre quando há uma classe dirigente numa relação entre classes sociais (GINI, 2007, p.85). Gramsci dá um salto qualitativo na definição do conceito primeiramente porque desloca a definição tradicional de ser poder ou domínio político, principalmente entre Estados, para uma leitura em que distingue o domínio de hegemonia em si. Domínio refere-se à coação direta ou efetiva, enquanto a hegemonia é um complexo conjunto de forças políticas, sociais e culturais. (WILLIANS, 1979, p.111 apud ibidem. p.86). Um segundo salto qualitativo de Gramsci, desta vez enriquecendo a teoria marxiana de forma geral, é a incorporação da esfera das superestruturas ideológicas e subjetivas no entendimento da realidade, juntamente com as estruturas objetivas e materiais. Considerando estas duas esferas da realidade, a construção da hegemonia por uma classe fundamental, depende de sua capacidade de elaboração da própria visão de mundo, da sobreposição de seus sistemas de valores, ou seja, de sua ideologia sobre as outras que concorrem para mudar as estruturas objetivas da realidade. (FAVARETTO, 2004, p. 80 apud ibidem. p.88). Assim sendo, Gini (2007, p.88) aponta que “o sujeito hegemônico seria aquele que viesse a se mostrar mais vocacionado para agregar e unificar do que para separar e diferenciar”, ou seja, o sujeito que constrói alianças políticas. Esse sujeito, no sentido mais figurativo, pode ser um grupo de empresários, como é o caso de Maringá. É o agente hegemônico da produção do Espaço quando este passa a ser o interesse da classe dominante. A linha que o diferencia por ser um agente privado ou público é muito tênue, Gini (2007, p.VIII) indica que o elo entre esses agentes em Maringá foi construído: por intermédio do Movimento Repensando Maringá que articulou e reuniu os diferentes segmentos de grupos empresariais – entidades patronais, comércio, indústria e prestação de serviços – para se transformar em uma força dirigente capaz de ditar alguns rumos políticos da cidade a partir da ideia-força do desenvolvimento econômico. O Movimento Repensando Maringá deu origem ao Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá – Codem, criado por lei municipal em 1997 e que é responsável pela gestão do Fundo Municipal de Desenvolvimento Econômico, além de formular as políticas de desenvolvimento da cidade. (GINI, 2007, p.VIII). O princípio disjuntivo promovido pelas subjetivações do ideário liberal, erode as bases da solidariedade, do compartilhamento e da coletividade, ao se sustentar em aspectos como a competição e a individualidade. Neste contexto, foi buscado aqui o entendimento dos processos que engendram diferenciações e desigualdades na produção da cidade de Maringá. Acessando, assim, tanto os aspectos imateriais como fora apresentado, bem como os aspectos materiais, que se imbricam dialeticamente no decorrer do tempo para produzir formas de segregação e autossegregação socioespacial, por exemplo. Diante de tamanha complexidade para se compreender a cidade contemporânea, com foco em Maringá e seus espaço aglomerado na conurbação Paiçandu-Sarandi-Maringá, nos utilizamos de três estratégias metodológicas que congregam nesta dissertação: (1) Primeiramente, decidiu-se como ponto de partida para análise empírica da dinâmica imobiliária a escala local, tomando como pressuposto; (2) A principal distinção, em comparação com as outras cidades estudadas pelo projeto temático (São Paulo, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, Chapecó, Ituiutaba, Mossoró e Marabá) é justamente o que caracteriza a singularidade da cidade de Maringá, em contrário do que geralmente sucede nas cidades médias brasileiras, esta teve seu plano urbano projetado com acuidade previamente à implementação. Mais importante do que ser planejado e projetado no princípio, as lógicas espaciais e as destinações sócio-ocupacionais determinadas nos primórdios de seu planejamento urbano obtiveram continuidade até o período atual. (3) O recorte temporal para analisar a dinâmica imobiliária foi determinado a partir de movimentos disruptivos oriundos primordialmente da escala local, independente de manter ou não relação com as tendências político-econômicas das escalas superiores. A eleição deste ponto de partida para seleção do recorte temporal, guiado pelas fronteiras internas de valorização imobiliária identificadas na cidade (SMITH, 2007), deve-se a particularidades do setor de mercado estudado. O mercado imobiliário em Maringá desenvolveu entre os empresários locais um mecanismo de convergência das expectativas, que permite o surgimento de uma regularidade na estrutura urbana. Tal mecanismo caracteriza uma verdadeira convenção urbana (ABRÂMO, 2007a). A convenção urbana é resultante dos esforços políticos do empresariado local na construção de sua hegemonia, podendo, assim, exercer influência direta no poder político. Deste modo, Gini (2007) aponta que este processo se deu por intermédio do Movimento Repensando Maringá que articulou e reuniu os diferentes segmentos de grupos empresariais – entidades patronais, comércio, indústria e prestação de serviços – para se transformar em uma força dirigente capaz de ditar alguns rumos políticos da cidade a partir da ideia-força do desenvolvimento econômico. Tomamos então como objetivo geral “Compreender a produção do Espaço na Aglomeração Urbana de Maringá, identificando os agentes e vetores que em coalizão com o poder público agem para (des)organizar a cidade sob lógica da Fragmentação Socioespacial, através do aumento do preço da terra e sua mais-valia expropriada.” E para alcança-lo, o compartimos nos seguintes objetivos específicos: 1) Compreender como se estruturou a cidade de Maringá desde seu projeto inicial até a atualidade, buscando correlacionar com as particularidades político-econômicas do mercado imobiliário local até as escalas superiores (regional, nacional e global); 2) Analisar e representar cada prática territorial por parte da municipalidade que intervenha no mercado de terras, sendo elas: zoneamento via plano diretor das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e influencia na localização do programa federal de habitação social (Minha casa, Minha vida); 3) Mensurar o preço e sua variação dos imóveis urbanos não edificados a cada episódio relevante que impacte na estrutura urbana, especificamente os que dinamizem com proeminência o mercado de terras local; 4) compreender a lógica de diferenciação socioespacial predominante através da análise da prática espacial referente a habitação, dos sujeitos que residem na aglomeração urbana de Maringá. A hipótese desta pesquisa é que o antagonismo entre Estado e mercado na produção do Espaço Urbano é falso, e que suas resultantes confluem para a atenuação de desigualdades socioespaciais. O contrário é recorrentemente afirmado como verdadeiro na literatura (TOPALOV, 1979; MATOS, 2000, p.118 e 166) e pelos ideólogos do mercado, especificamente na Geografia Urbana, autores da Escola de Chicago, também conhecida como Escola de Ecologia Humana, guiados essencialmente pelo método neopositivista na ciência geográfica (PARK, R.E. 1948a, 1948b, 1973; MCKENZIE, R. 1948; BURGUESS, E.W. 1974). Uma vez que o planejamento urbano toma sua forma mercadológica, a produção da cidade torna-se intrinsecamente segregadora. Sendo assim, as coalizões entre o poder público e os agentes privados da produção do espaço superam os antagônicos entre esses distintos agentes. A eleição por Maringá como recorte espacial da pesquisa se deu porque há na produção desta cidade elementos constitutivos da relação entre o paradigma centro- periferia e da passagem para uma condição de fragmentação socioespacial tanto na dimensão do intra, como do interurbano. Concebendo essa relação como um movimento espaço-temporal, recorremos, então, ao conceito de formações socioespaciais nos termos propostos por Santos (1977) para diferenciar as realidades brasileiras, em que a formação socioespacial: diz respeito à evolução diferencial das sociedades, no seu quadro próprio e em relação com as forças externas de onde mais frequentemente lhes provém o impulso. A base mesma explicação é a produção, isto é, o trabalho do [ser humano] para transformar, segundo leis historicamente determinadas, o espaço com o qual grupo se confronta.” (SANTOS. 1977, p. 81-82). Embora o Brasil seja um único país, seu território é heterogêneo em função das “variações da existência histórica determinada” (SANTOS. 1977, p.84). Sendo assim, cada cidade é a expressão urbana da especificidade de cada formação. Maringá está inserida na formação socioespacial ligada ao desenvolvimento do ciclo cafeeiro e sua expansão. Tal formação abarca também outras cidades estudadas no projeto temático: Ribeirão Preto, Presidente Prudente e a grande metrópole brasileira São Paulo, expressão destacada como reflexo da avançada magnitude de processos políticos, econômicos e sociais dessa formação. Todavia é destacado no capítulo 1 o caráter distinto em que Maringá ocupa, como uma extensão posterior da rede urbana paulista, estendendo-se de Ourinhos-SP até as cidades nas terras da CTNP no noroeste do Paraná (TOMAZI, 1989). Dado o peso da divisão territorial do trabalho como definidor máximo das distintas realidades brasileiras, também é feito no capítulo 1 uma apresentação das características produtivas de Maringá, o que consequentemente ajuda a compreender como a cidade ganhou centralidade na rede urbana na qual faz parte. Em seguida no capítulo 2 é apresentado o conteúdo das diferenciações e desigualdades do recorte espacial de investigação, tendo em vista o alto grau de integração entre as cidades do entorno e Maringá, relevante movimento pendular e visível conurbação do tecido urbano1 (mapa 1). É indispensável considerar a 1 compreendemos como tecido urbano a conceituação apresentada por Whitacker e Miyazaki (2012, p.318): O tecido urbano é a expressão física da forma urbana. É constituído pelo sítio urbano, pela rede viária, pela divisão dos lotes urbanos, pela relação entre espaços construídos e não construídos, dimensão, forma e estilo das construções e pelas relações que ligam esses elementos. aglomeração urbana Paiçandu-Maringá-Sarandi para um diagnóstico fiel da desigualdade. Mapa 1- Aglomeração urbana de Maringá. 2010. Como suporte conceitual utilizamos conceitos como segregação socioespacial e autossegregação (SPOSITO & GÒES, 2013) para representar a desigualdade na prática espacial do habitar, dimensão empírica central desta pesquisa. Neste sentido, para explorar teoricamente a pratica do habitar, é trazido também no capitulo 2 o debate em torno da escolha da localização residencial. As respostas se polarizam em duas vertentes teóricas, a ortodoxa, representado principalmente por autores da economia neoclássica, onde o equilíbrio espacial e a localização residencial dependem unicamente do indivíduo; e a heterodoxa, na qual ressaltamos a bibliografia marxista, em que as classes inferiores tem seu poder de decisão limitado pelas forças hegemônicas capitalistas. Por fim, no capítulo 3, de caráter mais quantitativo, buscamos compreender a desigualdade socioespacial a partir do papel que o mercado imobiliário exerce na produção do Espaço. Sendo assim, a dinâmica imobiliária nos anos de 1995, 2001, 2007, 2013 e 2019 foi tomada como embasamento para localizar no intraurbano as especificidades da espoliação da cidade, através da apropriação da renda fundiária. Neste sentido, especificamente, identificamos como as mudanças no mapa de acessibilidade levada à cabo pelo capital incorporador, através da criação de centralidades e novos vetores de valorização imobiliária, repercutiu qualitativamente na mobilidade urbana dos citadinos. METODOLOGIA Partindo do objetivo geral de “Compreender a produção do Espaço na Aglomeração Urbana de Maringá, identificando os agentes e vetores que em coalizão com o poder público agem para (des)organizar a cidade sob lógica da Fragmentação Socioespacial, através do aumento do preço da terra e sua mais-valia expropriada” foi articulado um conjunto de procedimentos metodológicos que, no decorrer da pesquisa, principalmente após o trabalho de campo, sofreu modificações comparado ao projeto inicial de pesquisa. O trabalho de campo por si só corresponde a um importante procedimento metodológico, além de ser por através dele possível a realização de entrevistas e a construção de parte dos bancos de dados. Postos os desafios surgidos no decorrer da pandemia, cabe a adaptação metodológica para entrevistas virtuais, por exemplo. No que se refere à necessidade de visita ao campo para coleta de dados e informações componentes dos bancos de dados, o distinguimos em dois tipos, o primeiro sendo o socioeconômico, não dependente exclusivamente do trabalho de campo, mas sim, relevante para endossar os pressupostos da pesquisa com a empiria no recorte estudado; e o segundo o banco de dados imobiliários, já que para sua construção foi necessário coleta de material in loco. O trabalho de campo propiciou de forma singular a oportunidade de identificar elementos da estrutura urbana, como grandes centros comerciais (shopping centers, galerias, boulevards, etc); morfologia e localização dos empreendimentos habitacionais populares; morfologia e localização de empreendimentos residenciais de alto padrão; características dos setores de expansão da malha urbana no limite do perímetro urbano; setores de verticalização do espaço construído; obras de requalificação de edificações de interesse público, como o terminal urbano intermodal de Maringá; eixos de concentração de comércios e serviços; identificação e localização de grandes espaços públicos e unidades de conservação ambiental intraurbanas, como vimos no mapa 1. As Entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado utilizado para orientar as perguntas. E teve como público-alvo os agentes bem-informados, do setor público, sociedade civil e setor privado, envolvidos na produção e consumo da habitação. No caso dos agentes do setor público e privado, a finalidade das entrevistas foi de identificar e analisar o papel das instituições políticas e dos agentes econômicos na produção da habitação. Foi possível também obter informações sobre o desenvolvimento econômico, as novas áreas centrais, os aspectos locacionais das atividades econômicas e as questões político-administrativas concernentes à gestão da cidade. No tocante aos agentes pertencentes à sociedade civil, foram distinguidos dois grupos distintos, o primeiro dos sujeitos bem-informados, são pessoas que possuem relevante conhecimento acerca da cidade como negociações políticas com a população, histórico de ocupação dos bairros com um nível de detalhamento carregado de nuances emotivas que enriquecem a reconstituição imaginária do setor estudado, trajetória da luta pelo direito à moradia. O segundo grupo, consiste no citadino comum, é nele que a pesquisa foi direcionada a captar as práticas espaciais. O recorte espacial que abarca os agentes não-hegemônicos extrapola os limites de Maringá, chegando até Paiçandu/PR e Sarandi/PR, ambas já com tecido urbano conurbado ao de Maringá, tal destaque é necessário, pois, estas cidades além de ocuparem um grau inferior na hierarquia urbana, historicamente carregam o ônus do planejamento de perspectiva ao marketing e empreendedorismo de Maringá. A condução deste procedimento metodológico foi coletiva, no primeiro trabalho de campo realizado pela equipe2 do projeto temático responsável pelas investigações que ocorreram em Maringá e entorno próximo. Ainda que não tenham sido aqui transcritas parcialmente, embasaram as considerações e conclusões tomadas ao longo da pesquisa, bem como ofereceram a oportunidade de agregar discussões singulares à produção do Espaço urbano de Maringá. Partiu-se do entendimento de que a Fragmentação socioespacial precisa ser entendida a partir da análise do movimento cotidiano que congrega as múltiplas formas de se vivenciar o tempo e o espaço nas cidades contemporâneas. As práticas espaciais são as práticas circunscritas nos espaços de ação em atividades vinculadas ao habitat, ao trabalho, ao lazer, ao consumo e à circulação (mobilidade). Porque, por meio delas, 2 Pesquisadora coordenadora: Eda Maria Góes. Pesquisadores colaboradores: Luciano Furini; Cleverson A. Reolon; Luciano Antônio Furini. Bolsista pós-Doc.: Matthew Richmond. Bolsista de mestrado: Bruno L. Gonçalves. Bolsista de iniciação científica: Ana Júlia S. Rodrigues. “imbuímos o espaço de símbolos, tornando-o parte de nós mesmos na medida em que dele nos apropriamos, mesmo que essas práticas nem sempre signifiquem modificação abrupta ou mudança nos substratos espaciais” (SPOSITO, 2018). Um enfoque maior foi dado principalmente na prática do habitar. Historicamente, nos estudos urbanos a habitação sempre protagonizou o debate, tendo em vista a relevância do tema para a política urbana como meio para se diminuir as desigualdades socioespaciais relacionadas com a distribuição, localização e qualidade das habitações. Os Bancos de dados que orientaram a pesquisa possuem uma natureza técnica e diversa. Por isso, decidiu-se por agrupar em dois grandes tipos de dados e informações que se assemelham. O banco de dados socioeconômico primou pela periodicidade e totalidade do universo pesquisado. Nele foi organizado em planilhas dados demográficos, índices de desenvolvimento, renda ingressa, componentes e quantidade do produto interno bruto municipal e regional, escolaridade e raça. As principais fontes foram o IBGE, especificamente o portal SIDRA, no qual é possível acessar e baixar dados históricos por recorte territorial; os estudos da REGIC publicado também pelo IBGE (2008, 2020) e o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). O banco de dados imobiliários foi mais complexo, nele foram compiladas informações de classificados imobiliários, registros do setor de construção civil e bancário especializado no setor imobiliário e a evolução de um conjunto de parâmetros urbanísticos definidos por lei do município de Maringá. O uso da REGIC como base para a caracterização da rede urbana de Maringá deve-se ao fato de que o conceito de região de influência é muito próximo ao conceito de rede urbana aqui escolhido. A hierarquia entre as cidades dentro de uma mesma região de influência é definida a partir das funções de gestão que uma exerce sobre a outra. Essa gestão é tanto da esfera pública, institucional, bem como da gestão privada, referente as atividades empresariais. É definida também em função da sua atratividade para suprir bens e serviços. A noção de Região de Influência é operacionalizada por meio de vínculos estabelecidos entre centros urbanos de hierarquia menor direcionando-se àqueles com hierarquia superior. Dessa forma, a região de influência possui feição espacial reticular, ou seja, em formato de rede constituída por um conjunto de unidades urbanas que realizam ligações entre si. Portanto, não deve ser confundido com os conceitos de regionalização definidos pelo IBGE, no âmbito do projeto das divisões Regionais Imediatas e Intermediárias. Estas foram criadas para responder a uma carência do país em gerir um território tão grande e heterogêneo. Trata-se de divisões regionais infra estaduais, que embasa a ação do poder público no planejamento. Sendo que a Região Geográfica Imediata tem na rede urbana o seu principal elemento de referência. Essas regiões são estruturadas a partir de centros urbanos próximos para a satisfação das necessidades imediatas das populações, tais como: compras de bens de consumo duráveis e não duráveis; busca de trabalho; procura por serviços de saúde e educação; e prestação de serviços públicos. Enquanto a Região Geográfica Intermediária corresponde a uma escala intermediária entre as Unidades da Federação e as Regiões Geográficas Imediatas, e organizam o território articulando as Regiões Geográficas Imediatas por meio de um polo de hierarquia superior diferenciado a partir dos fluxos de gestão privado e público e da existência de funções urbanas de maior complexidade (IBGE, 2017). A partir ponto de vista das Regiões de Influência da REGIC, é possível compreender as relações de concorrência e complementaridade que ocorre entre a cidade de Londrina e Maringá, já que sua representação é através de uma rede reticular, onde conflui a influência de ambas cidades, enquanto as Regiões Intermediárias de Maringá e Londrina, apesar de contíguas, são delimitadas territorialmente, portando impenetráveis. A partir do censo do IBGE de 2010, o instituto disponibilizou as informações desagregadas territorialmente, ou seja, contemplando os diferentes recortes espaciais, desde as grandes regiões, unidades da federação, mesorregiões, microrregiões, municípios até se chegar aos setores censitários (Miyazaki, 2013, p.113). Essa forma de apresentar os dados e as informações contribuíram para o diagnóstico e análise do território nacional em suas diversas escalas. As informações dos anúncios classificados foram coletadas no jornal de que tinha a maior circulação da cidade, O Diário do Norte do Paraná, conforme aponta Abreu e Amorim (2014): esta fonte de dados envolve um conjunto amplo e variado de anunciantes, e é capaz de abarcar um recorte temporal significativo. [...] a fonte dos jornais é a única possível de ser obtida sem o recurso a tantas viagens, podendo ser reunida em uma única visita por um determinado pesquisador, com levantamento sistematizado dos classificados desejados. (ABREU E AMORIM, 2014, p.301). Foram selecionados os classificados de domingo, dia da semana que tem a maior quantidade de classificados de imóveis e terrenos segundo os autores supracitados. Foi agregado também a este banco de dados, informações sobre imóveis à venda e para alugar das imobiliárias e sites especializados nesta modalidade de anúncio publicitário, foi recorrido a técnica do webscrapping. Também conhecido como coleta da Web ou extração de dados da Web, essa técnica visa extrair informações de sites, simulando uma pessoa navegando na internet. Através de um código em linguagem de programação, é efetuada uma transformação de dados não estruturados na Web, normalmente em formato HTML, em dados estruturados que foram armazenados e analisados em um banco de dados local (VARGIU&URRU, 2012). A maior vantagem desse método é a quantidade possível de se extrair, neste caso foram obtidas 10418 linhas, onde cada linha representa um anúncio imobiliário no site “www.sub100.com.br”, atualmente o maior portal do tipo, que anuncia para múltiplas imobiliárias, corretores e proprietários, sendo o mais relevante e procurado na atualidade em Maringá. O uso complementar das informações obtidas a partir do webscrapping com o que fora compilado a partir dos anúncios classificados imobiliários deve-se à necessidade de enfrentar desafios que emergiram no decorrer da investigação, como por exemplo a falência do jornal “O diário”, declarada em abril de 2019, exigindo assim uma diversificação das fontes de dados. Importante destacar que essa necessidade de adaptação da metodologia vai mais além do que apenas uma infortuna falência de uma empresa, representa na verdade um reflexo da rápida evolução do meio técnico- científico-informacional nos negócios imobiliários. A ascendente inclusão digital veio para substituir o papel impresso pela informação na internet, a migração massiva dos classificados imobiliários do jornal “O diário” do norte do paraná para o site “sub100” é um exemplo desta evolução. O processamento deste conjunto de informações permitiu a formação de um banco de dados contendo as seguintes variáveis para cada oferta: Dia, Mês, Ano, Bairro, Zona, Tipo, Uso, loteamento aberto ou fechado, Área terreno, Área Construída, Área útil, Anunciante, Número dormitórios e Preço ofertado. Melazzo (2013) sintetizou um conjunto de perguntas a serem respondidas, como um guia de análise empírica das dinâmicas imobiliárias: a) qual é a composição do mercado em relação aos tipos de imóveis e aos usos do solo ofertados para cidade como um todo e em relação a cada uma de suas zonas? b) em relação à oferta de terrenos, como se comportam no tempo e no espaço os preços e as áreas médias e medianas? c) é possível observar padrões de diferenciação de localização, preços e áreas de terrenos (e também de residências unifamiliares) ofertados em loteamentos abertos e fechados? d) são perceptíveis diferenças entre as zonas, e ao longo do período, nos tipos de imóveis edificados, em relação a preços e áreas construídas ou número de dormitórios? e) o que é possível depreender da informação das imobiliárias anunciantes em relação aos agentes atuantes? (MELAZZO, 2013, p.33) Essas perguntas guiaram a busca da compreensão do mercado imobiliário e dele com os processos de estruturação intra-urbana e com as diferenciações socioespaciais. A seguir, discutimos em maior profundidade o porquê e a função de cada uma das variáveis selecionadas dos anúncios imobiliários: Dia, Mês e Ano: Para a seleção dos recortes temporais do banco de dados (e posteriormente o mesmo para as representações cartográficas), definiu-se dois critérios, o primeiro, de ordem técnica, pensamos na homogeneização do período entre as classes temporais. Foi definido um intervalo de seis anos entre as classes. Foi selecionado o ano de 2001 para iniciar o recorte temporal da pesquisa. O segundo critério relaciona-se com a necessidade de contextualizar o recorte temporal com os vetores político-econômicos que foram essenciais para a reestruturação da cidade de Maringá, ou seja, estratégia imobiliárias de grande escopo. Amorim (2015, p. 107) identificou dois projetos na cidade que se encaixa neste critério: o Centro Novo de 2001 e o Novo Centro Cívico Eurogarden de 2013, que podem ser entendidos como fronteiras internas de valorização imobiliária (SMITH, 2007), expressivos da coalizão e sinergia de interesses comuns entre os agentes participantes e/ou apenas beneficiados pelas dinâmicas do mercado. Os critérios e filtros para seleção dos anos que serão representados em mapas o preço da terra e a variação do preço da terra estão sintetizados no quadro e na linha do tempo abaixo: Quadro 1 - Organização metodológica para definição do recorte temporal da pesquisa. Figura 1- Linha do tempo do recorte temporal da pesquisa. ● Tipo e uso: refere-se ao tipo de imóvel anunciado, podendo ser um terreno, casa ou apartamento. Seu uso trata da finalidade do imóvel, se é para fins residenciais, comerciais ou de uso misto. Essas variáveis evidenciam a composição do mercado, especificamente o conteúdo da oferta. Pode demonstrar também a consolidação do espaço construído da cidade em contraste com as regiões mais inabitadas, onde predomina os terrenos; ● Metragem: são as dimensões dos imóveis ofertados, valor dado normalmente em metros quadrados. Há uma especificidade conforme o tipo do imóvel, em apartamentos duas informações são importantes, a área privativa e a área total. As casas por sua vez são apresentadas a área total (a metragem da edificação) e a área do terreno (área total do lote); ● Anunciante: é o agente hegemônico estudado, aqui há variedade de anunciantes, podendo ser desde a mais tradicional, a imobiliária, até os proprietários individuais, incorporadoras, corretores, construtoras, etc. Qual quer sujeito ou empresa interessado em comercializar imóveis; ● Preço do imóvel: o preço cobrado na negociação, sendo tanto valor de aluguel como de compra. O preço se relaciona com a variável metragem quando o interesse for de comparar a valorização na escala da cidade, sendo assim, a divisão do preço pela metragem possibilitou a comparação em R$/m² entre as diferentes zonas da cidade. O preço nominal foi deflacionado com base no IGP-M (índice geral de preços de mercado), pois é o índice de inflação mais comumente utilizado para reajustes em preço de aluguel entre outros produtos imobiliários e é divulgado mensalmente pela FGV. O mês de referência foi fevereiro de 2019, último mês em que os índices medidores de inflação mantiveram a variação dentro do desvio padrão, até serem abruptamente oscilados devido a pandemia do covid19; ● Loteamento aberto ou fechado, número de quartos: essas duas variáveis qualificam o padrão do imóvel construído. Revela também a dinâmica em relação ao crescimento da quantidade de imóveis em condomínios fechados, dado importante para subsidiar o debate acerca da autossegregação socioespacial. As Representações Cartográficas tratam-se de todos mapas que localizam e informam no espaço urbano diversos atributos para a compreensão do ‘estado da arte’ do recorte espacial da pesquisa. Foram utilizados desde mapas-base, como o de localização, os temáticos e os coropléticos. Este último, são mapas que representam por meio de áreas simbolizadas com cores, sombreamentos ou padrões de acordo com uma escala que representa a proporcionalidade da variável estatística em causa (MONTEIRO et al., 2004), neste caso, renda e preço da terra. Na estatística, em relação à abrangência da pesquisa, é possível distinguir entre dois tipos de dados, os amostrais e populacionais. No primeiro, coleta-se uma menor quantidade a fim de representar o todo, no segundo caso trata-se de todo conjunto de elementos que compõem o universo de dados. A fim de atingir maior acurácia, as metodologias empregadas buscaram coletar os dados populacionais, isto é, todos os anúncios classificados imobiliários no período analisado. Para os mapas de preço da terra, foi necessário transformar a informação do anúncio em dados. Para trabalhar em ambiente de Sistema de Informação Geográfica – SIG, cada classificado imobiliário foi transformado em um dado XYZ, onde X e Y são as coordenadas geográficas e Z o valor em reais do metro quadrado do terreno. Neste sentido, optou-se pela geocodificação dos endereços através do Google Earth Pro. A geocodificação é uma técnica em que se transforma endereços em coordenadas. Para o ano de 2019 por exemplo, foi coletado em torno de 1700 anúncios, que tiveram sua geocodificação semiautomática. Ou seja, o software cruza o endereço fornecido com seu banco de dados de toponímias, e lhe atribui a coordenada geográfica correspondente. Todavia este primeiro procedimento é passível de erros, que exigiu um filtro anúncio por anúncio para corrigi-lo. Tendo 2019 como ano base, todos os anos antecessores tiveram o valor de seus anúncios deflacionados pelo índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI). É um índice divulgado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), convencionalmente utilizado em operações de produtos imobiliários. Como por exemplo, reajuste anual de aluguéis, e neste caso, comparações temporais que têm descontado o efeito inflacionário. Este índice foi criado em 1947 e mede a variação de preços em geral na economia, e é composto por uma média ponderada dos seguintes índices: Índice de Preços ao Produtor Amplo, antigo Índice de Preços por Atacado (IPA), com peso de 60%; Índice de Preços ao Consumidor (IPC), medido no Rio de Janeiro e em São Paulo, com participação de 30%; e Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.3 O conceito de DI refere-se à variação de preços que afetam atividades econômicas relativas à produção nacional e às importações, evitando assim que fatores exógenos à economia brasileira influenciem na contabilidade de assuntos estritamente nacionais, como é o caso do mercado imobiliário. Caso ainda assim alguma tendência da economia mundial de fato reverbere internamente, se manifesta através da alta ou queda dos preços de produtos importados que são considerados pelo índice. Após aplicada as correções mencionadas foi calculado o preço do metro quadrado dos anos analisados, para chegar ao resultado foram utilizadas as seguintes fórmulas: Figura 2 - Fórmulas para definição, percentual de variação e deflação do preço da terra. Após o tratamento dos dados pontuais através dos cálculos acima, eles foram espacializados. Há uma variedade de softwares de geoprocessamento que exercem essa função, para esta pesquisa foi selecionado o QGIS por ser um software de licença aberta. Nele foi gerado o raster dos preços, o raster da variação percentual e cada um será sobreposto com a uma base cartográfica de Maringá. Alguns topônimos e pontos de 3 Fonte: Glossário da Agência de notícias do Senado. Disponível em: Acessado em: 05. Abr. 2022. interesse dotados de localização geográfica foram extraídos do Google Earth e do Open Street Maps, ambos softwares/suplementos de licença aberta. O método estatístico utilizado para interpolar os dados pontuais foi a Krigagem ordinária. Este procedimento compreende um conjunto de técnicas de estimação e predição de superfícies baseada na modelagem da estrutura de correlação espacial. Isto quer dizer que, para os pontos da superfície onde não há dados, estima-se um valor baseado nos valores da vizinhança amostrada. O peso dado à influência deste ponto amostrado para o ponto estimado é definido através de uma análise espacial baseada no semivariograma experimental. Este por sua vez é um gráfico que expressa a variabilidade espacial entre as amostras. (CAMARGO et al. 2004). O procedimento de interpolação especificamente, foi operacionalizado pelo complemento do QGIS chamado de Smart-Map, desenvolvido por três universidades públicas mineiras4 inicialmente voltado para agricultura de precisão. Além da Krigagem em si, o complemento também gera o índice de Morgan, muito utilizado em estudos urbanos para indicar tendências de cisões e correlações de informações espaciais. O único aspecto negativo é sua limitação de mil amostras por análise. Ele automaticamente exclui outliers5 e repetições desnecessárias do rol de dados. 4 Universidade Federal de Viçosa – UFV; Universidade Federal de Uberlândia – UFU e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais - IF Sudeste MG. 5 Os outliers são dados que se diferenciam drasticamente de todos os outros. Ou seja, é um valor que foge da normalidade (desvio padrão) e que pode causar anomalias nos resultados obtidos por meio de algoritmos e sistemas de análise. (CAMARGO et al. 2004). CAPÍTULO I A PRODUÇÃO DA CIDADE DE MARINGÁ - DA ESCALA LOCAL A SUA CENTRALIDADE NA REDE URBANA 1.1. Estruturação da cidade e sua expansão urbana O Espaço Urbano comporta um conjunto de formas e funções, “fixos e fluxos”, conforme apresenta Santos (2006) ao compreender o espaço geográfico baseado no movimento desses pares dialéticos, que se estruturam de forma complexa e heterogênea. Quando consideramos essa heterogeneidade, baseada no “arranjo dos diferentes usos do solo no interior das cidades, ou seja, o mosaico-resultado do processo de alocação/realocação das atividades econômicas e das funções residencial, de lazer e de circulação nas cidades” (SPOSITO, 1988, p.111) estamos nos referindo à estruturação da cidade, pautada na dinâmica do processo social que determina a organização da cidade. (MIYAZAKI, 2013, p.50). A complexidade desta estruturação, deve-se justamente pelo fato dela estar em constante mudança, numa relação dialética com a dinâmica do processo social. Por isso, a substituição do termo estruturação por reestruturação, para Sposito (2004), avalia que estamos vivendo em um período de amplo e profundo conjunto das mudanças, no que concerne aos processos de estruturação urbana e das cidades. Essas mudanças por sua vez ocorrem em função dos ajustes promovidos no âmbito do capitalismo internacional nos últimos 40 anos e que engendram redefinições na divisão regional do trabalho na escala interurbana (na rede urbana, onde se observa as dinâmicas de reestruturação urbana) e na escala intraurbana (lócus da reestruturação da cidade). Neste capítulo a discussão é orientada na articulação de escalas geográficas diversas, distinguindo-as, mas objetivando considerar as múltiplas determinações que entre elas se estabelecem. Neste sentido, para se entender a estrutura é necessário compreender as diferentes lógicas e interesses de cada momento histórico. Soja (1987, p. 178) sintetizava essa problemática em termos paradigmáticos: A reestruturação transmite a noção de uma ruptura com tendências seculares e de uma mudança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente diferentes da vida social, econômica e política. Evoca, pois, uma combinação sequencial de destruição e tentativa de reconstrução, provenientes de certas deficiências ou debilidades na ordem estabelecida que impedem adaptações convencionais e requerem, por sua vez, significativa mudança estrutural [...]. Ao aproximar a noção de reestruturação à produção do Espaço urbano, deve- se enfocar por exemplo, na concomitante construção e desmantelamento de arranjos espaciais; nas tendências de regionalização e o desenvolvimento espacial desigual das relações político-econômicas; [...] (BRENNER, 2013, p.201). Sendo assim, o primeiro subcapítulo apresenta os eventos de (r)estruturação na escala da cidade de Maringá, seguido de uma caracterização de sua rede urbana, compreendendo assim a escala interurbana na qual a cidade se insere. E por fim, um aprofundamento no processo de segregação socioespacial, considerando a conurbação das cidades de Sarandi e Paiçandu com a cidade de Maringá, considerando ainda que processos de diferenciações e desigualdades socioespaciais só são compreendidos em sua totalidade se analisada a produção do espaço urbano-regional das três cidades conjuntas, dado o grau de interações espaciais entre elas. No que tange à origem deste espaço regional, o chamado norte pioneiro do Paraná, é delimitado ao norte pelo rio Paranapanema, ao oeste pelo rio Paraná e a ao sul pelo rio Ivaí e o paralelo 24º possui características singulares no Brasil. Nesta região, predomina a “terra roxa”, solos férteis devido a elevada presença de minerais secundários decorrente da decomposição de rochas magmáticas intrusivas. Outro fator que agregou benefício a essa região, são as características climáticas, por se situar numa zona de transição climática subtropical, as geadas que costumam ser devastadoras no sul do país ocorrem com menor intensidade, se restringindo aos fundos de vale, sendo incipiente nos espigões. (MONBEING, P. 1945, p.11 e 12). A formação de núcleos urbanos foi primordial para atração de investidores e moradores na fundação da cidade de Maringá, considerando o protagonismo que a atividade agrícola exercia na economia brasileira no início do século XX. (RODRIGUES, 2005). A ocupação da região do norte do Paraná, deve ser lido como um processo de reocupação. Isto porque a historiografia da região configurou um campo de disputa entre os que analisam o processo dotado de cientificidade, e os que analisam o processo contribuindo para a construção do discurso dominante, dos vencedores na colonização. Tomazi (1999) destaca que houve uma construção do silêncio e do consentimento com o processo de (re)ocupação do norte pioneiro, levado à cabo pela companhia inglesa Paraná Plantations, tendo como subsidiária no Brasil o nome de Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). O contexto da reocupação do norte pioneiro situa-se em um momento do capitalismo internacional, em que os países centrais buscavam estender seu domínio imperialista, neste caso a Inglaterra, sobre países periféricos. O cenário no Brasil era de forte instabilidade política e inflacionária. Arthur Bernardes, que presidiu o país de 1922 a 1926, na chamada “velha república”, deu prosseguimento à política de valorização do café, através de subsídios para controle artificial da oferta do produto, bem como para extensão da infraestrutura ferroviária (FURTADO, 2005). Para isso, ele necessitou de volutuosas fontes de financiamento externo, recorrendo então ao empréstimo com empresários ingleses, especialmente a figura de Lord Lovat, que em 1924 tratou de financiar a extensão da linha férrea conectando o norte do Paraná com a cidade de Ourinhos-SP, facilitando assim o escoamento da produção para o porto de Santos. (SILVA, M.F.P.; GOMES, D. H. 2016. p.37 e 38). Na figura a seguir é possível visualizar o traçado de expansão da linha férrea, é a partir do ramal de Ourinhos-SP que a ferrovia adentra o estado do Paraná. Figura 3 - Expansão ferroviária da CTNP. Fonte: Tomazi (1989). Voltando para Inglaterra, Lord Lovat após constar a potencial liquidez que economia brasileira tinha a oferecer, mobilizou um grupo de empresários para catalisar capital de investimento, com destaque para o grupo Rothschild, fundando assim a CTNP. A subsidiária brasileira aproveitando-se do êxodo rural em voga no país, galgou patamares sem precedentes de investimento estrangeiro no Brasil, a começar pelo legado imobiliário, ao fundar quatro cidades-polo no norte-noroeste do Paraná: Londrina, Maringá, Cianorte e Umuarama (SILVA, M.F.P. 2016, p.38-41), que distam 100 Km entre si. A urbanização generalizada no mundo como um todo e no Brasil foi, sem dúvida, um movimento ascendente no que tange ao surgimento, fundação e consolidação dos centros urbanos. No caso brasileiro, essa mudança no paradigma da produção do espaço e modo de vida da população data do êxodo rural iniciado na década de 1950, e intensificado nas décadas seguintes, consolidada no final do século XX. A cidade de Maringá mais do que ser produzida sob essa tendência, sempre esteve acima da média no que se refere às taxas da urbanização brasileira que variou no período disposto no gráfico 1 de 20% para um pouco mais de 98,4%, a mais do que a média nacional, maior ainda quando se compara com a média regional, a região sul do país e a unidade federativa na qual está localizada. Gráfico 1- Médias nacional, regional e local das taxas de urbanização. 1940-2010. Fonte: censo IBGE; Prefeitura de Maringá. Elaboração própria. Maringá teve seu projeto urbanístico desenvolvido na década de 1940 por iniciativa e interesses, principalmente, da Companhia Melhoramentos Norte do paraná (CMNP) baseado na perspectiva e proposta da cidade jardim de Ebenezer Howard, e sua fundação se efetivou em 1942, quando o interventor do estado, Manoel Ribas, veio fundar a cidade, no seio do projeto da “Frente Pioneira” que visava interiorizar a ocupação política do Paraná. (RODRIGUES, 2005). Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) foi o nome dado para a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) após ser nacionalizada em 1944. Os empresários paulistas e ingleses que detentores da nova companhia obtinham forte influência entre políticos desde a esfera estadual até mesmo a nacional, tal permitiu que a empresa adquirisse terras a um preço muito baixo. Foram comprados 350 mil alqueires paulistas (8.470 Km²), sendo que a companhia pagou 0,60 centavos de cruzeiro por data (terreno de 13x40 metros), supondo a venda de cada uma por cem mil cruzeiros, o lucro foi por volta de 200 mil vezes o valor de custo. (idem, p. 69). O engenheiro Jorge de Macedo Vieira que desenhou o projeto inicial não seguiu à risca a ideologia urbanística hegemônica da época, onde as principais influências senão a única era a Carta de Atenas e Le Corbusier (ANDRADE; CORDOVIL, 2008) de caráter modernista, mas mesclou diversas concepções do ideário urbanístico: [...] o Eng. Vieira operava com outros princípios de desenho urbano, ainda que incorporasse a noção de zoneamento, também apropriada pelos urbanistas modernistas. Seu traçado revela um certo hibridismo entre princípios racionalistas, marcados pela regularidade e geometria precisa do sistema viário, e critérios organicistas presentes na adequação do traçado de quadras e ruas às situações de topografia mais acidentada. (ANDRADE; CORDOVIL, 2008). O aspecto central que ajuda a compreender o modo como foi pensada, sem dúvida, é a proposta do zoneamento funcionalista advindo do modernismo que buscava já pensar as cidades por suas funções. Entretanto, por uma exigência feita por parte da CNMP, ao separar no zoneamento do projeto inicial as áreas de consumo e moradias estratificadas pelo poder de compra e renda dos citadinos já demarca no espaço urbano desigualdades socioespaciais. Figura 4 - Anteprojeto do plano urbano de Maringá, de Jorge de Macedo Vieira. Fonte: Andrade e Cordovil (2008). Apesar do plano ter sido baseado principalmente nos postulados de Howard, considerado um socialista utópico, declaradamente reformista, em sua obra “To- morrow: a peaceful path to realm reform” de 1898 preocupou-se inclusive com o processo social mais até que com a própria forma física da cidade. Vieira priorizou o pragmatismo antagonizando sua principal influência. Cordovil (2011) salienta que “Obviamente, Vieira despreza o princípio de que a cidade deveria estar nas mãos de uma autoridade pública representativa, conforme recomenda Howard, e se submete às diversas encomendas feitas por investidores individuais, especuladores ou proprietários.” (CORDOVIL, 2011, p.2). Entretanto, há de se destacar que destinação de zonas específicas para diferentes estratos sociais no plano piloto não foi de intenção do projetista, mas sim uma exigência da própria CMNP, mesmo porque as zonas não diferem no tocante ao tamanho dos lotes, ao número de praças e de centros secundários e edifícios públicos. Tais correções foram incorporadas por ele a lápis sobre a prancha do anteprojeto, que, assim assumia já a intencionalidade da diferença e da segmentação urbana, destinando diferentes bairros a diferentes segmentos socioeconômicos. (AMORIM, 2015, p.66). Neste sentido, a nova estrutura projetada a partir do que fora incorporado com os rascunhos, ficou definido que no centro da cidade e proximidades se localizaria as áreas residenciais “principais”, a oeste as “populares”, e a leste, próximo à zona industrial, a área residencial “operária” (RODRIGUES, 2005, p.63). O discurso fortemente publicitário de promoção dos diferenciais de Maringá com traduzido em sua imagem de cidade verde, agradável, eficiente e com serviços disponíveis foi a estratégia da CNMP para atrair e diferenciar das outras cidades do Norte do Paraná, fundada pela mesma companhia. Em “terras onde se anda sob dinheiro” foi na encontrado na concepção da cidade-jardim o diferencial e o específico da cidade. (ANDRADE; CORDOVIL, 2008) O tom de modernidade e planejamento urbano construiu uma imagem que foi elementar na configuração do polo regional construído pela CTNP/CMNP. Um exemplo da atualidade desse ideário construído pode ser contatado na observação da linearidade em que o aparato publicitário reverbera esse discurso. É o caso do projeto Eurogarden, viabilizado por uma Operação Urbana Consorciada e institucionalizada pela Lei Complementar 946 de 2013, que entre outros projetos, buscou se alinhar aos princípios das Smart Cities propondo um conjunto de inovações tecnológicas e de edificações cujo visual futurista parece impor-se como modelo de revitalização e embelezamento em meio aos desiguais padrões socioespaciais da cidade. A localização planejada é no lugar no antigo aeroporto desativado, o projeto propõe ainda o translado de órgãos públicos do poder judiciário. O projeto chama atenção também por possivelmente promover estrategicamente uma valorização de uma área do entorno que já tem o arruamento preparado para receber o empreendimento, todavia, esta valorização estratégica é uma possível estratégia dos agentes que será analisada no terceiro capítulo desta pesquisa. Figura 5 - Simulação do bairro planejado Eurogarden. Fonte: Maringá Post (2019). No mapa 2 é possível localizar elementos da estrutura urbana atual da cidade, com destaque para elementos estruturantes como principais avenidas, centros de consumo, linha férrea e universidades. Mapa 2- Eixos estruturantes do Espaço Urbano de Maringá. Na comparação entre a Figura 4, do anteprojeto de Maringá, e o mapa 2, a primeira constatação é da expansão para o setor norte da cidade. O limite norte da cidade até então era delimitado pela avenida Colombo, que atravessa a cidade no sentido oeste-leste. O crescimento da demanda interna e o interesse de novos agentes imobiliários em aproveitar as vantagens locacionais do entorno da avenida Colombo resultou na criação do bairro Jardim Alvorada, delimitado pela avenida Colombo ao sul e a leste pela avenida Morangueira, formando um eixo de ligação entre o norte e o sul da cidade, conectando perpendicularmente ao eixo oeste-leste. A implantação da Universidade Estadual de Maringá – UEM, na década de 70, na parte norte, contribuiu para densificar e intensificar os deslocamentos entre o norte e o sul da cidade (RODRIGUES, 2013). A UEM exerce notável influência tanto no que diz importância acadêmica bem como o dinamismo econômico que universidade gera na cidade. Paradoxalmente, Rodrigues (2013, p.6) denuncia a desvirtuação deste “espaço público que deveria estar de posse da população vem perdendo seus territórios a fim de compensar os valores de mercado regulados pelos principais seguimentos de mercado capitalista”. A prefeitura municipal sugeriu vários projetos viários que transpassam o interior do câmpus, caso efetivado, será um potencial perturbador das qualidades ambientais para o pleno desenvolvimento das atividades acadêmicas. (ibidem). A expansão para o norte da malha urbana em 1970 marcou a intensificação do processo de periferização que a cidade já se iniciara há alguns anos, assim como pelo significativo aumento populacional (RUBIRA, 2016). A década de 70 consolidou também a plenitude situação urbana da população do município, considerando que a taxa de urbanização era de 45,7% em 1960 passou para 82,4% em 1970, sendo que no fim dessa década os habitantes já se localizavam quase em sua totalidade em área urbana (95,5% taxa de urbanização em 1980) (tabela 1). Tabela 1- Crescimento da populacional de Maringá de 1950 a 2020. Fonte: IPARDES; Censo IBGE 2010; *Estimado por SIDRA/IBGE. É marcante a aceleração da taxa urbanização iniciada na década de 60, com 27% de crescimento em relação a década anterior. Isto se deve a uma tendência nacional do êxodo rural. Tal taxa de crescimento só é superada pela década de 1970, com seu crescimento de 36% da taxa de urbanização em relação a década anterior. Uma singularidade das cidades que compõe a rede urbana do Norte/Noroeste paranaense é um evento extremo climático conhecido como geada negra, que acelerou de forma trágica o êxodo rural, consolidando-o. Na ocasião, no dia 18 de julho de 1975, uma forte geada trazida pelas massa de ar polar atlântica derrubou as temperaturas para -3,5°C medido no ar e -9,0°C na relva, conforme medições feitas em Apucarana-PR, apuradas pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC). Este fenômeno congelou os cafezais das raízes até as copas, e fez com que os agricultores perdessem toda produção. Na época, na colheita anterior a geada negra, somente o café paranaense representava 43% de toda produção nacional. Tal evento além do impacto econômico, devastou emocionalmente os cafeicultores que só tinha suas plantações de café como fonte de renda, que acabaram migrando para as cidades (CHERNIOGLO; ANDRADE. 2007). Contudo, esta singularidade acabou se concatenando com o contexto geral do país, que na década de 1970 vivenciou diversas mudanças no Espaço agrário, como o incremento de fertilização química, uso de agrotóxicos, transgenia de sementes e mecanização da agricultura. Em consequência, para absorver esse contingente populacional, diversos empreendedores, encontrando liberdade de ação sobre o solo nas cidades menores, executaram loteamentos sem a mínima infraestrutura urbana. Como resultado Silva e Fleury e Silva (2015) fazem o seguinte apontamento: Assim em 1974 através da lei 1063/74, o perímetro urbano de Maringá foi ampliado em duas vezes e cinco anos mais tarde, em 1979, sofreu aumento de 50% em relação ao anterior. Estas sucessivas e expressivas expansões do perímetro, em flagrante articulação do poder público com o mercado, desestruturaram espacialmente a cidade e contribuiu para o processo de segregação, supervalorizando terrenos existentes nos vazios entre a área consolidada e a expandida, criando nova oportunidade de acumulação do capital (SILVA; SILVA. 2015, p.271). O processo de favelização foi assistido nesta época na maioria das grandes cidades do país, mas a forma como ele foi erradicado em Maringá foi peculiar. Entre 1973 e 1988 foram eliminadas todas as habitações subnormais, a maior parte transferida para os municípios vizinhos. Tal dinâmica será melhor abordada no próximo capítulo, no qual analisamos como se desenvolveu o padrão segregatório na aglomeração urbana de Maringá, Paiçandu e Sarandi. Em Sarandi, A malha urbana se expandiu de forma desconexa, sendo retalhada por agentes imobiliários que viram na cidade um território à livre exploração. Esta constatação, entra em consonância com a conclusão de Gottdiener (1997, p.32), quando analisou o processo de expansão urbana em cidades dos Estados Unidos: “se as necessidades do capital se manifestam no espaço, as mudanças se manifestam nas necessidades do capital”. Em Paiçandu, essa expansão acelerada também foi problemática. Lá, os agentes imobiliários “retalharam a cidade em loteamentos em sua maioria nulos de áreas para uso institucional e de lazer, já obrigatório pela lei 6766/79, que no município foi exigida legalmente na década de 1980, com a publicação da lei nº 3.248/81.” (op. cit., 2015, p.272). Demarcando assim, uma maior diferenciação da qualidade urbanística das cidades do entorno em relação ao polo de Maringá. Na passagem da década de 1980 para 90, Maringá passou por uma mudança de estratégia, por parte do capital, na direção continuada de valorização imobiliária seguida de especulação imobiliária, promovendo, por meio do discurso da renovação urbana, uma alta valorização do solo na área central. Nasceu o projeto urbano Novo Centro para onde se dirigiu forte capital imobiliário. As primeiras iniciativas nesta área da cidade se deram com propostas relacionadas a intervenções na linha do trem, Amorim (2015, p.66) aponta que “a presença da ferrovia como uma barreira socioespacial é evidente em muitas cidades brasileiras cuja história esteja atrelada de algum modo à economia cafeeira ou à expansão da rede ferroviária.” No caso de Maringá, a ferrovia serviu como um marco segregatório, distinguindo quem habitava abaixo, de quem habitava acima da linha férrea. E era vista como um enclave anacrônico. Essa barreira foi atenuada tardiamente, no seio do projeto “Novo Centro”. Este projeto, foi um conjunto de intervenções urbanísticas com a finalidade de requalificar o centro da cidade, mas não antes de uma intensa disputa política para definir as diretrizes do plano, sendo este pleiteado por três vertentes. A Primeira chamada de “Plano Ágora”, elaborado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, usou o termo de origem grega “ágora” para fazer alusão à ágora grega, lugar de reunião, de assembleia, tanto em sua concepção etimológica bem como da arquitetura praticada na Grécia antiga. O plano primava pela valorização dos espaços públicos, e desenhou uma verdadeira obra monumental, da mesma fonte de inspiração para a construção do Plano Piloto da capital federal, Brasília. Destinando espaços comunitários para equipamentos de lazer e atividades esportivas, trabalho e moradia com a implantação de superquadras com distribuições funcionais e construção de edifícios de cunho monumental em grandes lotes, que visavam promover integração entre diferentes segmentos socioeconômicos. (AMORIM, 2015, p.144; MENDES, GRZEGORCZYK, 2003, p. 115; GRZEGORCZYK, 2000, p.89). Figura 6- Plano Ágora original apresentado por Oscar Niemeyer em 1986. Fonte: Blog Maringá Histórica.6 Após várias mudanças políticas e alterações no plano original, no evento de arquitetura e urbanismo Urbe 6, organizado pelo Executivo, foi apresentado o “Plano Ágora Plano Diretor”, tornando-se a segunda vertente a disputar as reformas no centro de Maringá. A proposta apresentada em 1991 visava realizar três obras fundamentais: 1ª) transferência do pátio de manobras e da estação ferroviária; 2ª) rebaixamento da linha férrea da RFFSA, entre a Avenida Dezenove de Dezembro e Avenida Tuiuti; 3ª) construção das obras de edificação no Novo Centro. Operando assim, uma reestruturação em maior escala, não limitada ao local, mas a toda área central para o fortalecimento do comércio na cidade. (AMORIM, 2015, p.134; GRZEGORCZYK, 2000, p. 98). Inicialmente, o Projeto Ágora não previa a venda de lotes, mas somente do direito de construção, tornando-o, assim, autofinanciável. A prefeitura pretendia substituir, assim, o empreendedor privado, realizando, ela própria, os lucros decorrentes da venda das edificações e dos direitos de incorporação imobiliária na área. Essa proposição não foi bem aceita pelos agentes imobiliários locais, que se articularam e lobbies para assegurar a possibilidade de auferir maiores ganhos, via iniciativa privada. 6 Disponível em: < https://www.maringahistorica.com.br/index.php/2017/10/projeto-agora- oscar-niemeyer-e-o-novo.html>. Acessado em: 21. jan de 2022. Em 1991 ocorreu então as mudanças solicitadas pelo empresariado, como a diminuição de áreas destinadas a ruas e a venda de terrenos com maior potencial construtivo. Isso veio a calhar com os interesses do prefeito José Magalhães Barros7, que em 1992 para sanar as contas públicas, autorizou a venda dos terrenos, e não somente os direitos de construir como fora inicialmente sugerido no projeto de Oscar Niemeyer. Em 1993, o prefeito Said Ferreira8 volta ao comando do Executivo local, e dá linearidade ao modus operandi da gestão anterior, fazendo prevalecer o caráter mercadológico e privatista do projeto, configurando-se então, como a terceira vertente de disputa que dessa vez venceu, renomeando o projeto para “Novo Centro”. As mais recentes alterações dos parâmetros urbanísticos que caracterizou a proposta vencedora foi mudança no número de lotes, passando de 20, da proposta original, para 105, com redução significativa das metragens de cada um. E também foi aumentado o coeficiente de aproveitamento, que passou de 4,5 para 6 e houve abertura de novas vias atendendo aos interesses imobiliários locais. Das intenções do projeto original (figura 6), de inspiração modernista e de valorização da vida pública, pouco se manteve. Entre os arranha-céus e estacionamentos rotativos pagos, o que restou de equipamento público atualmente foi o terminal intermodal (figura 8), que recentemente passou por reformas iniciadas em 2017 e teve sua reinauguração no dia 28 de setembro de 2020, levando o nome do prefeito Said Ferreira. Desta forma, Amorim (2015) conclui: A preocupação em fazer da área um grande centro comercial observou-se na obrigatoriedade de destinar os dois primeiros pavimentos ao uso comercial e de serviços. Com tantas alterações, o projeto de Oscar Niemeyer havia se transformado em um simples loteamento, cujo parcelamento foi redesenhado por arquitetos locais. A aversão desferida ao projeto original qualificava-o como destoante da ocupação do solo que prevalecia na cidade, descaracterizando-a. (AMORIM, 2015, p.135). Para compensar financeiramente a atividade incorporadora, os agentes optaram por verticalização. A multiplicação dos pavimentos é devida ao custo relativo por unidade, e isso faz com que, para o incorporador/construtor, diminua o aporte inicial. Para 7 Prefeito do município de Maringá de 1989 a 1992, pelo Partido da Frente Liberal. 8 Prefeito do município de Maringá de 1983 e 1988, e de 1993 a 1996 pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro. exemplificar, de acordo com a Lei de Zoneamento e Uso do Solo Nº 331/1999 e alterações dadas pela Lei Complementar Nº 340/2000, é permitido no Novo Centro a construção de edifícios de até 21 pavimentos (TÖWS, 2010, p. 173). Figura 7- Projeto Ágora, por Oscar Niemeyer. 1991. Fonte: Acervo da Prefeitura Municipal de Maringá. Figura 8- Vista aérea do Novo Centro, com destaque para área do Projeto Ágora. Maringá, 2020. Fonte: Google Earth. Imagem satélite de jan. 2022. Adaptado pelo autor. De uma cidade projetada para abrigar 200 mil pessoas, para os atuais 430 mil habitantes conforme estimativa do IBGE para 2020, o planejamento urbano em Maringá teve continuidade aos princípios do plano inicial, mantendo a disposição das principais vias respeitando o traçado original bem como mantendo os padrões de arborização. Cabe aqui uma grande ressalva, a ocupação urbana de Maringá não se explica por si só, ou seja, tal desenvolvimento seria inalcançado se não fosse a extrapolação da ocupação urbana para os municípios contíguos, Sarandi e Paiçandu, lócus da periferização da pobreza de Maringá. Os trabalhadores desprovidos de condições de pagar o valor do aluguel na cidade em que trabalha acabam buscando moradia nos municípios vizinhos, desprovidos da mesma infraestrutura arrojada de que Maringá possui. (RODRIGUES, 2004; 2005). 1.2. Caracterização da Rede Urbana e da Estrutura produtiva Antes de adentrar na produção da desigualdade e da diferença na escala intraurbana de Maringá, é necessário compreender o seu papel na rede urbana9 em que faz parte. Isto porque a particularidade de uma cidade deve ser compreendida a partir dos processos gerais associados à expansão e acumulação capitalista, em que as cidades se especializam produtivamente no contexto da rede urbana. Ao passo que o capital penetra em novas esferas de atividade, cria novas necessidades e desejos, estimulando o crescimento demográfico e a expansão geográfica. (AMORIM, 2015, p.48; HARVEY, 2005). A especialidade produtiva de Maringá se complexificou substancialmente se considerarmos o cenário econômico de seus primórdios da década de 1940, no qual seu papel na rede urbana era de dar continuidade e estender a primazia do cultivo cafeeiro presente até então no estado de São Paulo. Essa continuidade foi interrompida juntamente com o declínio da economia agroexportadora que alicerçava o país na época. O modal ferroviário declinou dando lugar aos poucos à rodovia. O fluxo e circulação de pessoas e mercadorias foi alavancado através das rodovias federais: BR 376 (rodovia do café), BR 369 (rodovia dos cereais) e a BR 374 (Castelo Branco), juntas conectam os principais portos fluviais e marítimos do sul-sudeste 9 Rede urbana é um conjunto de centros urbanos especializados e funcionalmente articulados entre si, organizados hierarquicamente conforme seu controle político e econômico em sua esfera de influência. (CORRÊA, 2006). brasileiro. Em março de 2016, o empresariado representado pela Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM), o poder público através do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (CODEM) e a sociedade civil organizada lançaram um plano de desenvolvimento estratégico de longo prazo, o projeto realizado pela empresa de consultoria multinacional PricewaterhouseCoopers (PwC), com sede em Dubai, é intitulado de “Masterplan Metrópole Maringá 2047”, apontou para um objetivo ambicioso “Tornar- se a melhor metrópole do interior do Brasil, com elevada qualidade de vida, sendo referência nacional em atividades econômicas de alto valor agregado, com potencial de internacionalização, e com nível de integração da sociedade civil organizada com a gestão pública comparável ao das melhores cidades do mundo aponta através de estudos prospectivos quatro atividades econômicas de potencial na cidade.” (MARINGÁ, 2017). O documento apontou ainda quatro atividades econômicas chave no desenvolvimento econômico local e regional: Desenvolvimento de sistemas e outros serviços de informação; Saúde; Intermediação financeira, seguros e previdência complementar; Educação. Os critérios para seleção destas atividades especificamente levaram em consideração a atratividade regional, sendo que o valor agregado na cadeia produtiva de determinada atividade econômica é proporcional a sua atratividade. Isso gera uma vantagem competitiva local, segundo critério de escolha. E por fim, o impacto das megatendências globais avaliadas pela PwC, são tendências econômicas, demográficas e ambientais principalmente, que direcionaram a seleção dessas quatro atividades chave na economia maringaense. Os quatro setores econômicos chave totalizam, respectivamente, 16% e 13% do número de empregados e empresas em Maringá. Apesar de ter o maior número de empregados entre os quatro setores-chave, o setor de educação figura como o terceiro em número de empresas (158 ao todo), tendo, portanto, maior concentração de funcionários por organização. Intermediação financeira é o setor com renda média do trabalhador, enquanto o setor de saúde é o único com renda média do trabalhador inferior à média nacional. As atividades de serviço de saúde e de tecnologia da informação são recorrentemente apontadas como diretamente impactadas de forma positiva pela estrutura de pesquisa, ensino e pós-graduação presente na cidade, configurando sua vantagem competitiva. Isso reforça a defesa de Rodrigues (2013) no importante papel da UEM na estrutura da cidade, bem como das outras instituições de ensino superior apontadas no mapa 3. Com a finalidade de facilitar a apresentação de dados e informações censitárias, o IBGE generaliza alguns aglomerados urbanos, caracterizados pelo grau de conurbação, chamando-o de Arranjo Populacional. Neste sentido, o Arranjo populacional de Maringá compreende também os municípios de Paiçandu e Sarandi. Na comparação entre os três estudos da REGIC é possível constatar (gráfico 2) que o setor terciário da economia é preponderante, correspondendo a mais da metade das atividades econômicas. Não poderia ser em outro lugar senão na cidade o local de concentração dessa atividade, Sposito (2018) indica que quando a localização é favorecida pela proximidade, caracterizando assim uma aglomeração, aumenta a necessária acessibilidade: [...] que se refere à superação de dificuldades espaciais ao movimento de pessoas e mercadorias, e ao intercâmbio de bens, serviços e informações; a interação espacial que se refere ao desenvolvimento de rede complexa de relações bidirecionais ao redor dos principais focos econômicos; e introduz o papel da competitividade, fator que fortalece o nível hierárquico na rede urbana mediante processos de integração horizontal ou vertical, gerando sinergias e complementaridades. O espaço econômico é resultado, portanto, da dinâmica de redes de fluxos visíveis (mercadorias e pessoas) e invisíveis (capital, informação e tecnologia) que se articulam nas relações de produção, consumo e gestão dos negócios. (SPOSITO, E. S. 2018, p.157). A cidade, portanto, é o “nó” de articulação desses fluxos, e tem nas empresas do setor terciário o centro gestor das atividades econômicas no geral, que são desenvolvidas seja no meio urbano ou rural. Gráfico 2 - Evolução do PIB municipal de Maringá, Paiçandu e Sarandi. 1995, 2005 e 2016. Fonte: IBGE/REGIC (1999, 2005, 2016); IBGE/SIDRA. *Exceto serviços relacionados a administração pública. Tabela 2 -Evolução da participação de Maringá no PIB regional, por tipo de valor adicionado. 1999, 2005 e 2016. Fonte: IBGE/REGIC (1999, 2005, 2016); IBGE/SIDRA. *Exceto serviços relacionados a administração pública. A participação de Maringá no PIB de sua região de influência teve um movimento progressivo de aumento até 2005, caracterizando forte polarização, principalmente na oferta de serviços. Apesar de diminuir discretamente sua participação no ano de 2016, 3,1% no valor agregado dos serviços e 2% da indústria, isso não significou regressão da economia, em termos absolutos (gráfico 2) o crescimento seguiu initerruptamente. este processo de polarização iniciara na década de 1970, a intempérie climática conhecida popularmente como “geada negra” foi um marco nesse processo de polarização, isto porque, como as atividades agrícolas foram abruptamente interrompidas o êxodo rural ganhou um forte incentivo. (GODOY e NYCHAI, 2015. p. 119) O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística realiza uma série de estudos em que mede as interações entre as cidades do país, é o caso da pesquisa “Regiões de Influência das Cidades – REGIC (2018)” tem o propósito de identificar e analisar a rede urbana brasileira, estabelecendo a hierarquia dos centros urbanos e as regiões de influência das Cidades. O estudo constitui uma abordagem fundamental para a compreensão da geografia do País, uma vez que estabelece critérios para a qualificação das Cidades e das relações entre elas, revelando eixos de integração no território e padrões diferenciados de distribuição de centralidades urbanas (IBGE, 2020, p.9). A REGIC de 2018 definiu dez níveis hierárquicos entre os centros urbanos: Quadro 2 - Níveis hierárquicos entre os centros urbanos definidos pela REGIC, 2018. Fonte: IBGE (2020). Elaboração própria. Maringá foi classificada como Capital Regional B, concorre ao mesmo nível com Londrina, também planejada incialmente pela CMNP, juntas corresponderam a 8,57% do PIB do estado do Paraná em 2017 (IPARDES,2020). Foram identificadas dezesseis cidades polarizadas por Maringá, distribuídas em quatro níveis hierárquicos inferiores, sendo elas: ● 4 Centros Sub-Regionais A: Paranavaí/PR, Umuarama/PR, Campo Mourão (PR) e Cianorte (PR); ● 1 Centro Sub-Regional B: Guaíra (PR). ● 4 Centros de Zona A: Jandaia do Sul/PR, Loanda (PR), Mundo Novo (MS) e Nova Esperança (PR); ● 5 Centros de Zona B: Colorado (PR), Nova Londrina-Marilena (PR), Barbosa Ferraz (PR), Goioerê (PR) e Santa Isabel do Ivaí (PR). Mapa 3 - Região de influência de Maringá. REGIC 2018. Fonte: IBGE (2020). Adaptado pelo autor. No mapa 3 podemos observar uma forte centralidade de Maringá num recorte cuja atração regional é bastante relevante na produção desta cidade. Ademais da proximidade dos tecidos, como já foi destacado no mapa 1, é possível perceber que o universo de cidades com dinâmica local sobressai na composição de Maringá enquanto centro regional. Algumas cidades, mesmo frente à força da centralidade exercida por Maringá, têm apontado relevância de papéis e funções para além da intraurbana como é o caso de Campo Mourão (3), Paranavaí (5) e Cianorte (6). No mapa se pode observar também que não somente a Regic, mas também o recorte realizado a partir do estudo Regiões Geográficas Intermediárias e Imediatas (IBGE, 2017) foi considerado. Com a relação destes dois estudos vemos de modo mais detalhado aquelas cidades do entorno próximo e que possuem relação imediata com Maringá. Também se pode constatar a importância da análise da produção do espaço levando-se em conta uma perspectiva que engloba o aglomerado urbano, no que tange à expansão territorial, com as cidades de Paiçandu e Sarandi, mas também como um conjunto de cidades, cujo municípios compõem a região de influência da cidade de Maringá, como vemos no mapa 3. No mapa 4 podemos observar aspectos articulados à valorização imobiliária como orientadora da produção da cidade para além do perímetro da cidade de Maringá e mesmo do limite de munícipio. Há um conjunto de 116 cidades no entorno das regiões imediatas, intermediárias e de influência de Maringá (IBGE, 2004 e 2007). Estes recortes são relevantes porque também vamos defender que a fragmentação socioespacial em Maringá afeta, principalmente, as cidades do entorno imediato. Mapa 4– Região de Influência das Cidades (2004) e Região Imediata e Intermediária de Maringá (2007). A criação da região metropolitana de Maringá em 1998 ocorreu principalmente para responder aos desafios que a estrutura social impunha. Este desafio perdura até hoje, as disparidades sociais entre as atuais 26 cidades que compõem a região metropolitana delatam um o modelo de urbanização: [...] centro-periferia que decresce neste sentido em qualidade de infraestrutura urbanística e renda dos moradores. Esse padrão caracterizou o desenvolvimento urbano brasileiro ao longo do século XX, quando as cidades surgiram e cresceram formando periferias intra e intermunicipais marcadas por precária infraestrutura, por menor preço imobiliário e, por isso, destinadas aos moradores de baixa renda, para os quais esses espaços restavam como as únicas opções de habitação. (RODRIGUES et al. 2015. p.148). No subcapítulo a seguir, será discutido mais afinco a relação entre as cidades de Paiçandu e Sarandi, que conurbadas com Maringá, formam a aglomeração urbana aqui estudada. Este recorte foi escolhido por que é na escala da aglomeração que ocorre as sinergias urbanas. As Sinergias urbanas são externalidades que compõe a determinação do preço da terra, a cada alteração do uso do terreno, altera-se o preço de todo seu entorno (SMOLKA, 1987). Qualquer modificação que aumente a edificabilidade de determinado terreno, gera valorização deste terreno, e possivelmente desvalorização de outros. A edificabilidade por sua vez é prioritariamente definida pela permissividade do poder público através do planejamento urbano, que pode aumentar os limites de parâmetros urbanos como o coeficiente de aproveitamento, gabarito, taxa de ocupação, taxa de permeabilidade, etc. É modificada também conforme aumenta a capacidade de investir, localizar, capitalizar crédito, entre outras estratégias dos agentes econômicos privados (SMOLKA, 2014). E é neste movimento dialético de valorização e desvalorização do preço da terra que vai se conformando o cenário de desigualdade na aglomeração urbana de Maringá-Sarandi-Paiçandu. A voracidade em que os agentes econômicos hegemônicos têm de acumular e reproduzir seu capital de incorporação conflita com direito à cidade de certos segmentos da sociedade, que se deslocam para cidades vizinhas em busca de moradia acessível. CAPÍTULO II - DIFERENCIAÇÃO E DESIGUALDADE SOCIOESPACIAL EM MARINGÁ E SEU ENTORNO 2.1. A “escolha” da localização residencial A preocupação com a forma que a estruturação do Espaço urbano se constrói, especificamente em relação a localização e alocação residencial, suscita um caloroso debate nas ciências sociais desde a década de 1950, reflexo da peculiaridade do objeto habitação ser um importante indicador da saúde econômica e social de um país; uma fonte substancial de empregos, tanto a nível de sua produção como a nível de sua comercialização; ser um bem de consumo essencial e um indicador de status (FARRET, R. L. 1985, p.74). O autor supracitado nos indica que o debate acerca da localização residencial fora inicialmente levantado de forma cientificamente sistematizado com os Ecologistas da já mencionada escola de Chicago. Fundamentados nos princípios do darwinismo social, os modelos ecológicos enfatizam que a escolha da localização residencial são expressão de forças subculturais, bióticas e impessoais, operando na sociedade como um todo (ibid. p.7). Em contraste com a natureza descritiva do enfoque ecológico, mas ainda mantendo a noção de que a estruturação do Espaço residencial se equilibra pela busca da eficiência e por questões de competência individual, aparece os modelos explicativos da teoria neocláss