0 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN MARCELO DOS SANTOS FORCATO DESIGN, MOBILIÁRIO LITÚRGICO E SUAS RELAÇÕES SEMÂNTICAS BAURU 2020 MARCELO DOS SANTOS FORCATO DESIGN, MOBILIÁRIO LITÚRGICO E SUAS RELAÇÕES SEMÂNTICAS Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, da Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ – Campus de Bauru, como requisito para obtenção do título de Doutor em Design. Orientadora: Profª Drª Paula da Cruz Landim. BAURU 2020 Forcato, Marcelo dos Santos. Design, mobiliário litúrgico e suas relações semânticas / Marcelo dos Santos Forcato, 2020 243 f. : il. Orientador: Paula da Cruz Landim Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2020 1. Design. 2. Mobiliário e espaço litúrgico. 3. Características semântico-simbólicas. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. “O que uma pessoa vê agora, segundo nos disseram, é somente o resultado do que viu no passado”. Rudolf Arnheim A Deus, pela inspiração em poder ajudar profissionais a melhorar a Sua casa. E a minha família: força, fé, amor e refúgio. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter concedido os dons necessários para a realização deste trabalho. Também, por me guiar e me livrar de males nos milhares de quilômetros percorridos durante os quatro anos deste processo de doutoramento. Agradeço à minha família. Vocês me apoiaram, me compreenderam e me incentivaram a trilhar este caminho com foco e determinação. Em especial agradeço minha esposa Néia e ao meu filho João Pedro, pela compreensão em minhas faltas e pela recepção amorosa em cada reencontro. Tenham certeza de que foi por vocês. Agradeço aos meus colegas de trabalho e amigos Profa. Me. Anelise Guadgnin Dalberto e Prof. Me. Vagner Basqueroto Martins, pelas incontáveis contribuições com este trabalho. Também agradeço aos queridos alunos Tamires Nerina Marques, Lucas Renato Dias e Laura Helena Burati Moralez pela oportunidade que nos deram de conhecê-los melhor e de compartilharmos mutuamente os nossos conhecimentos. Agradeço à minha orientadora, Profª Drª Paula da Cruz Landim, por sua objetividade, ensinamentos e direcionamentos durante o processo de doutoramento. Também agradeço aos professores membros de minha banca. Suas observações sempre somaram e continuarão somando neste e em muitos outros trabalhos pelos quais passarem. Não poderia deixar de agradecer a todas as pessoas que de alguma forma colaboraram com este trabalho: os responsáveis pelas igrejas pesquisadas e seus atenciosos funcionários; as pessoas que me ajudaram a compartilhar os questionários, bem como aqueles que os responderam. Agradeço ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001, pela bolsa de estudos concedida a mim. Este apoio financeiro foi essencial, principalmente para a realização da Pesquisa de Campo. Por fim, agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Design da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ – Campus de Bauru. O processo de doutoramento praticado neste programa foi muito melhor do eu poderia esperar. RESUMO O mobiliário e o espaço litúrgico católico são repletos de simbolismos, os quais perduram por milênios. Criar estes espaços e móveis dotados de complexos significados, exigências e materiais que evoquem nobreza não é uma tarefa fácil para designers e arquitetos. Além disso, esta é uma área pouquíssima explorada cientificamente. Neste sentido, esta pesquisa tem por objetivo possibilitar que estes profissionais executem, com rigor semântico-simbólico, projetos de mobiliário e espaço litúrgico. Sabendo da estreita relação das áreas do Design e da Arquitetura com a linguagem simbólica dos objetos e espaços, este trabalho apresenta referencial teórico que aborda como o simbolismo fundamenta e pode ser observado nas religiões, especialmente na religião católica, já que esta é uma das poucas religiões que se utiliza de símbolos para fortalecer a fé de seus seguidores. Apresenta ainda as alterações históricas ocorridas no mobiliário litúrgico da igreja católica até a sua última grande modificação ocorrida no Concílio Vaticano II. Além disso, são descritos como o simbolismo do mobiliário litúrgico deve ser empregado dentro do espaço sagrado e como a linguagem do Design, da Semiótica e da percepção visual se fundem para embasar as interpretações estético-simbólicas. Esta pesquisa se classifica como Exploratória e Descritiva e adota Modelo de Análise Semiótica proposto por Cardoso e Pacheco (2017) para compreensão de como ocorre o processo de leitura visual e percepção do simbolismo em relação ao mobiliário e espaço litúrgico. Este modelo passou por uma aplicação piloto e por três aplicações definitivas que demonstraram que seus resultados poderiam ser convertidos em uma ferramenta que orientasse profissionais de design no projeto de mobiliário e espaço litúrgico, considerando as especificidades de cada espaço sagrado e a recuperação do valor simbólico e litúrgico que vem se perdendo em reformas e execuções mal elaboradas. Como resultado, foi criada uma ferramenta de checklist de avaliação da aplicação de características prático-pragmáticas, estético-sintáticas e simbólico-semânticas para projetos de interiores e mobiliários litúrgicos. Para sua validação foi realizado o projeto do espaço e mobiliário litúrgico de uma Capela no interior do Paraná, Brasil. Esta ferramenta juntamente com o conteúdo teórico desenvolvido foram considerados importante arcabouço teórico-prático para auxiliar profissionais na execução de projetos neste seguimento. Palavras-chave: design, mobiliário e espaço litúrgico, características semântico-simbólicas. ABSTRACT The catholic furniture and liturgical space are full of symbolism, which last for millennia. To create these spaces and furniture with complex meanings, requirements and materials that evoke nobility is not an easy task for designers and architects. In addition, this is a scarcely scientifically explored area. In this sense, this research aims to enable these professionals to execute, with semantic-symbolic rigor, furniture and liturgical space projects. Knowing the close relationship between the areas of Design and Architecture with the symbolic language of objects and spaces, this work presents a theoretical framework that addresses how symbolism is based and can be observed in religions, especially in the Catholic religion, since this is one of the few religions that use symbols to strengthen the faith of their followers. It also presents the historical changes that occurred in the liturgical furniture of the Catholic Church until its last major change occurred in the Second Vatican Council. In addition, they describe how the symbolism of liturgical furniture must be used within the sacred space and how the language of Design, Semiotics and visual perception merge to support aesthetic-symbolic interpretations. This research is classified as Exploratory and Descriptive and adopts Semiotic Analysis Model proposed by Cardoso and Pacheco (2017) to understand how the process of visual reading and perception of symbolism occurs in relation to furniture and liturgical space. This model went through a pilot application and three definitive applications that demonstrated that its results could be converted into a tool that would guides design professionals in the design of furniture and liturgical space, considering the specificities of each sacred space and the recovery of symbolic and liturgical value that has been lost in poorly prepared reforms and executions. As a result, a checklist tool was created to evaluate the application of practical-pragmatic, aesthetic-syntactic and symbolic-semantic characteristics for interior projects and liturgical furniture. For its validation, the design of the space and liturgical furniture of a Chapel in the interior of Paraná, Brazil was carried out. This tool, together with the theoretical content developed, was considered an important theoretical-practical framework to assist professionals in the execution of projects in this segment. Keywords: design, liturgical furniture and space, semantic-symbolic characteristics. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1.1 – Ambão, altar e sédia (cadeira da presidência), respectivamente. .................. 23 Figura 1.2- Interior do Santuário Eucarístico Diocesano – Cianorte-PR. ............................. 25 Figura 1.3 – Modelo de avaliação semiótica na perspectiva do design. ............................. 27 Figura 2.1 - Basílica de São Vital – Itália. ............................................................................ 36 Figura 2.2 - Basílica de Santo Ambrósio – Itália. ................................................................. 37 Figura 2.3 - Catedral de Durham – Inglaterra. ..................................................................... 38 Figura 2.4 - Catedral de São Marcos, Itália .......................................................................... 38 Figura 2.5 - Capela Pazzi, Florença - Itália. .......................................................................... 39 Figura 2.6 - Capela Sistina, Vaticano. .................................................................................. 40 Figura 2.7 - Mosteiro dos Jeronimos, Portugal. .................................................................. 40 Figura 2.8 - Igreja Sant’Agnese in Agone, Itália. .................................................................. 41 Figura 2.9 - Abadia de Ottobeuren, Alemanha. .................................................................. 42 Figura 2.10 - Igreja da Madalena, França. ........................................................................... 42 Figura 2.11 - Igreja Votiva Viena, Áustria. ........................................................................... 43 Figura 2.12 - Capela Notre-Dame-du-Haut, França. ............................................................ 44 Figura 2.13 - Catedral da Ressurreição de Évry, França. ..................................................... 45 Figura 2.14 - Igreja do Jubileu, Itália. ................................................................................... 46 Figura 2.15 - Interior da Basílica de Lourdes – Belo Horizonte - MG. ................................. 49 Figura 2.16 - Presbitério (Igreja Matriz São Sebastião – Japurá-PR). .................................. 50 Figura 2.17 - Altar (Matriz São Sebastião – Japurá-PR). ...................................................... 51 Figura 2.18 - Ambão (Matriz São Sebastião – Japurá-PR). .................................................. 52 Figura 2.19 - Sédia (Matriz São Sebastião – Japurá-PR). ..................................................... 53 Figura 2.20 – Fonte Batismal (Matriz São Sebastião – Japurá-PR). ..................................... 54 Figura 2.21 - Tricotomia das relações sígnicas. .................................................................. 57 Figura 2.22 – Tríade do Design: as principais funções de três cadeiras. ............................. 64 Figura 2.23 – Inter-relações gestálticas, semânticas e de design. ...................................... 66 Figura 2.24 – Esquema síntese da sopreposição das Ciências. ........................................... 67 Figura 3.1 – Visão geral das estratégias de desenvolvimento da pesquisa. ....................... 75 Figura 4.1 – Complexo arquitetônico da Catedral de Brasília (a partir da Via S1 – Eixo Monumental). ...................................................................................................................... 84 Figura 4.2 – Visão interna da Catedral de Brasília (a partir da entrada). ............................ 85 Figura 4.3 – Presbitério da Catedral Metropolitanda de Brasília. ....................................... 86 Figura 4.4 – Encontro das colunas da estrutura hiporboloide do teto – Catedral de Brasília. ............................................................................................................................................. 89 Figura 4.5 – Capela do Batismo (ao centro, a pia batismal) – Catedral de Brasília. ........... 93 Figura 4.6 – Síntese sintática e semântica – Catedral de Brasília. .................................... 101 Figura 4.7 - Principais dados pessoais dos abordados – Catedral de Brasília. ................. 104 Figura 4.8 – Verificação do potencial de comunicação do mobiliário litúrgico – Catedral de Brasília. .............................................................................................................................. 105 Figura 4.9 – Verificação do potencial da Catedral em veicular temática “Espaço celeste/Ressurreição/Ascensão”. ...................................................................................... 106 Figura 4.10 – Fachadas Leste e Norte do Santuário Nacional de Aparecida – SP. ............ 109 Figura 4.11 – Planta baixa do Santuário. ........................................................................... 110 Figura 4.12 - Cúpula Central da Basílica de Aparecida – SP. ............................................ 110 Figura 4.13 – Visão Geral do Presbitério do Santuário Nacional de Aparecida (pela Nave Norte)................................................................................................................................. 113 Figura 4.14 – Capela do Batismo – Basílica de Aparecida – SP. ........................................ 121 Figura 4.15 - Síntese sintática e semântica – Basílica de Aparecida. ................................ 133 Figura 4.16 – Principais dados pessoais dos abordados – Basílica de Aparecida – SP. ..... 136 Figura 4.17 - Verificação do potencial de comunicação do mobiliário litúrgico – Basílica de Aparecida. .......................................................................................................................... 138 Figura 4.18 - Verificação do potencial da Basílica em veicular temática “Ligação entre Terra e Céu”. ............................................................................................................................... 140 Figura 4.19 – Fachada do Santuário Diocesano Nossa Senhora Aparecida – Campo Mourão- PR. ...................................................................................................................................... 143 Figura 4.20 – Modificação realizada no interior da Paróquia Nossa Senhora Aparecida – Campo Mourão. ................................................................................................................. 144 Figura 4.21 – Troca do mobiliário litúrgico da Paróquia Nossa Senhora Aparecida – Campo Mourão. ............................................................................................................................. 144 Figura 4.22 – Visão geral do Presbitério da Paróquia Nossa Senhora Aparecida – Campo Mourão – PR. ..................................................................................................................... 146 Figura 4.23 - Síntese sintática e semântica – Paróquia N. Sra. Aparecida – Campo Mourão - PR. ...................................................................................................................................... 159 Figura 4.24 – Principais dados pessoais dos abordados – Paróquia de Campo Mourão. . 161 Figura 4.25 - Verificação do potencial de comunicação do mobiliário litúrgico – Paróq. de Campo Mourão. ................................................................................................................. 163 Figura 4.26 - Verificação do potencial da Paróquia de Campo Mourão em veicular temática ........................................................................................................................................... 164 Figura 5.1 – Empilhamento das áreas e destaque de colunas projetuais. ........................ 172 Figura 5.2 – Capela Nossa Senhora das Graças – Cianorte-PR. ......................................... 178 Figura 5.3 – Situação atual (em 02/2020) do interior da Capela Nossa Senhora das Graças. ........................................................................................................................................... 179 Figura 5.4 – Reunião do projeto de pesquisa Design e Mobiliário Litúrgico – UEM. ........ 180 Figura 5.5 – Leitura formal/visual da Medalha Milagrosa (frente). .................................. 181 Figura 5.6 – Leitura formal/visual da fachada da Capela Nossa Senhora das Graças. ...... 181 Figura 5.7 – Leitura formal/visual da Medalha Milagrosa (verso). ................................... 182 Figura 5. 8 – Sketches de mobiliário litúrgico desenvolvido para a Capela Nossa Senhora das Graças. ............................................................................................................................... 183 Figura 5.9 – Proposta de espaço e mobiliário litúrgico para a Capela Nossa Senhora das Graças (Sketches). .............................................................................................................. 184 Figura 5.10 – Ferramenta de checklist aplicada ao projeto da Capela Nossa Senhora das Graças. ............................................................................................................................... 187 LISTA DE TABELAS Tabela 3.1 – Resultados obtidos em Bases de dados de acordo com os strings de busca. 72 Tabela 4.1 – Locais e períodos de coleta e análise de dados. ............................................. 83 Tabela 4.2 - Estudo Piloto versus Estudo Atual – Paróquia Nossa Senhora Aparecida de Campo Mourão. ................................................................................................................. 166 LISTA DE QUADROS Quadro 2.1 – Abrangências e conteúdos dos principais autores da Gestalt e suas relações. ............................................................................................................................................. 60 Quadro 4.1 – Relação entre sintática e semântica geral (Presbitério) – Catedral de Brasília. ............................................................................................................................................. 88 Quadro 4.2 – Relação entre sintática e semântica geral (Altar) – Catedral de Brasília. ..... 90 Quadro 4.3 – Relação entre sintática e semântica geral (Cátedra e Ambão) – Catedral de Brasília. ................................................................................................................................ 92 Quadro 4.4 – Relação entre sintática e semântica detalhadas (Presbitério) – Catedral de Brasília. ................................................................................................................................ 95 Quadro 4.5 – Relação entre sintática e semântica detalhadas (Altar) – Catedral de Brasília. ............................................................................................................................................. 97 Quadro 4.6 – Relação entre sintática e semântica detalhadas (Cátedra e Ambão) – Catedral de Brasília. ........................................................................................................................... 99 Quadro 4.7 - Relação entre sintática e semântica geral (Conjunto) – Basílica de Aparecida – SP. ...................................................................................................................................... 115 Quadro 4.8 - Relação entre sintática e semântica geral (Cúpula e Presbitério) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 117 Quadro 4.9 - Relação entre sintática e semântica geral (mobiliário litúrgico) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 119 Quadro 4.10 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Conjunto) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 122 Quadro 4.11 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Baldaquino) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 124 Quadro 4.12 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Presbitério) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 126 Quadro 4.13 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Cúpula) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 127 Quadro 4.14 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Altar) – Basílica de Aparecida – SP. ................................................................................................................................... 129 Quadro 4.15 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Cátedra) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 130 Quadro 4.16 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Ambão) – Basílica de Aparecida – SP. .................................................................................................................. 131 Quadro 4.17 - Relação entre sintática e semântica geral (Presbitério) – Paróquia de Campo Mourão. ............................................................................................................................. 148 Quadro 4.18 - Relação entre sintática e semântica geral (Presbitério) – Paróquia de Campo Mourão. ............................................................................................................................. 150 Quadro 4.19 - Relação entre sintática e semântica geral (Mobiliário) – Paróquia de Campo Mourão. ............................................................................................................................. 151 Quadro 4.20 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Presbitério e Ambão) ... 153 Quadro 4.21 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Altar) – Paróquia de Campo Mourão - PR. ...................................................................................................................... 154 Quadro 4.22 - Relação entre sintática e semântica detalhadas (Sédia) – Paróquia de Campo Mourão - PR. ...................................................................................................................... 156 Quadro 4.23 - Relação sintática e semântica detalhadas (Batistério) – Paróquia de Campo Mourão - PR. ...................................................................................................................... 157 Quadro 5.1 – Checklist de características práticas para projeto de espaço e mobiliário litúrgico. ............................................................................................................................. 173 Quadro 5.2 - Checklist de características estéticas para projeto de espaço e mobiliário litúrgico. ............................................................................................................................. 175 Quadro 5.3 - Checklist de características estéticas para projeto de espaço e mobiliário litúrgico. ............................................................................................................................. 176 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 19 1.1 DEFINIÇÕES CHAVE .................................................................................................. 19 1.1.1 Espaço sagrado ................................................................................................ 19 1.1.2 Liturgia ............................................................................................................ 19 1.1.3 Presbitério ...................................................................................................... 19 1.1.4 Mobiliários Litúrgicos ...................................................................................... 19 1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA ........................................................................ 20 1.3 JUSTIFICATIVA .......................................................................................................... 21 1.4 TESE DE PESQUISA ................................................................................................... 25 1.5 HIPÓTESE ................................................................................................................. 25 1.6 OBJETIVOS ................................................................................................................ 26 1.6.1 Objetivo Geral ................................................................................................. 26 1.6.2 Objetivos Específicos ....................................................................................... 26 1.7 DELIMITAÇÃO DO TRABALHO .................................................................................. 26 1.8 VISÃO GERAL DO MÉTODO ...................................................................................... 27 1.9 ESTRUTURA DO DOCUMENTO ................................................................................. 28 2 DESIGN, SEMÂNTICA E O SAGRADO ................................................................. 30 2.1 O SIMBOLISMO NAS RELIGIÕES ............................................................................... 30 2.1.1 Mudanças históricas no espaço litúrgico .......................................................... 32 2.1.2 Modificações do estilo artístico no decorrer da história ................................... 34 2.1.2.1 Alta Idade Média (Séculos V-XI) – Paleocristã ......................................................... 35 2.1.2.2 Baixa Idade Média (Séculos XI-XV) .......................................................................... 37 2.1.2.3 Idade Moderna – Formação e consolidação do Antigo Regime (Séculos XV-XVII) . 39 2.1.2.4 Modernismo – Início do Século XX .......................................................................... 43 2.1.2.5 Pós-Modernismo – Século XX .................................................................................. 44 2.1.2.6 Período Contemporâneo – Séculos XX e XXI ........................................................... 45 2.2 O ESPAÇO SAGRADO CATÓLICO .............................................................................. 46 2.2.1 Características gerais do espaço litúrgico católico ............................................ 48 2.2.1.1 Presbitério ................................................................................................................ 50 2.2.1.2 Altar ......................................................................................................................... 50 2.2.1.3 Ambão ...................................................................................................................... 52 2.2.1.4 Sédia ou Cátedra ...................................................................................................... 53 2.2.1.5 Fonte Batismal ......................................................................................................... 54 2.3 AS LINGUAGENS DO DESIGN E DA SEMIÓTICA ........................................................ 55 2.3.1 As interpretações simbólicas e suas inter-relações ........................................... 59 2.4 CONSIDERAÇÕES GERAIS DO CAPÍTULO .................................................................. 68 3 MÉTODO DE PESQUISA .................................................................................... 70 3.1 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA ........................................................................... 70 3.2 SELEÇÃO DO MÉTODO DE PESQUISA ...................................................................... 73 3.3 ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA ............................................... 74 3.3.1 Visão Geral ...................................................................................................... 74 3.4 PROTOCOLO DE COLETA DE DADOS ........................................................................ 75 3.4.1 Estágios de Ação 1: Sintática Geral ................................................................... 76 3.4.2 Estágio de Ação 2: Semântica Geral ................................................................. 76 3.4.3 Estágio de Ação 3: Sintática Detalhada ............................................................. 76 3.4.4 Estágio de Ação 4: Semântica Detalhada .......................................................... 77 3.4.5 Estágio de Ação 5: Sínteses Sintática e Semântica ............................................ 77 3.4.6 Estágio de Ação 6: Pesquisa Pragmática ........................................................... 77 3.4.7 Estágio de Ação 7: Síntese Pragmática ............................................................. 78 3.4.8 Estágio de Ação 8: Inferências Finais ................................................................ 79 3.5 ESTRATÉGIAS DE ANÁLISE E VALIDAÇÃO ................................................................. 79 4 PESQUISA DE CAMPO ...................................................................................... 80 4.1 APLICAÇÃO PILOTO .................................................................................................. 80 4.1.1 Estágio de ação 8: inferências finais ................................................................. 80 4.2 CATEDRAL METROPOLITANA DE BRASÍLIA-DF ........................................................ 83 4.2.1 Sujeitos, materiais e procedimentos ................................................................ 85 4.2.2 Resultados e discussão – Catedral de Brasília ................................................... 86 4.2.2.1 Estágios de ação 1 de 2: sintática e semântica geral ............................................... 87 4.2.2.2 Estágios de ação 3 de 4: sintática e semântica detalhada ...................................... 94 4.2.2.3 Estágio de ação 5: síntese sintática e semântica ................................................... 100 4.2.2.4 Estágio de ação 6 e 7: pesquisa e síntese pragmática ........................................... 102 4.2.2.5 Estágio de ação 8: inferências finais ...................................................................... 107 4.3 BASÍLICA DE NOSSA SENHORA APARECIDA-SP ...................................................... 109 4.3.1 Sujeitos, materiais e procedimentos ............................................................... 111 4.3.2 Resultados e discussão – Santuário Nacional de Aparecida ............................. 112 4.3.2.1 Estágios de ação 1 e 2: sintática e semântica geral ............................................... 114 4.3.2.2 Estágios de ação 3 e 4: sintática e semântica detalhada ...................................... 121 4.3.2.3 Estágio de ação 5: síntese sintática e semântica ................................................... 132 4.3.2.4 Estágio de ação 6 e 7: pesquisa e síntese pragmática ........................................... 135 4.3.2.5 Estágio de ação 8: inferências finais ...................................................................... 141 4.4 SANTUÁRIO DIOCESANO NOSSA SENHORA APARECIDA – CAMPO MOURÃO-PR 143 4.4.1 Sujeitos, materiais e procedimentos ............................................................... 145 4.4.2 Resultados e Discussões – Paróquia Nossa Senhora Aparecida – Campo Mourão ………………………………………………………………………………………………………………………………… 146 4.4.2.1 Estágios de ação 1 e 2: sintática e semântica geral ............................................... 147 4.4.2.2 Estágios de ação 3 e 4: sintática e semântica detalhada ...................................... 152 4.4.2.3 Estágio de ação 5: síntese sintática e semântica ................................................... 158 4.4.2.4 Estágios de ação 6 e 7: pesquisa e síntese pragmática ......................................... 160 4.4.2.5 Comparando o estudo piloto ao estudo atual ....................................................... 165 4.4.2.6 Estágio de ação 8: inferências finais ...................................................................... 167 4.5 CONSIDERAÇÕES GERAIS DA PESQUISA DE CAMPO ............................................. 169 5 PROPOSIÇÃO DE FERRAMENTA DE AVALIAÇÃO ............................................... 171 5.1 VALIDAÇÃO DA FERRAMENTA ............................................................................... 177 5.1.1 Desenvolvimento de mobiliário e espaço litúrgico .......................................... 179 5.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS DA PROPOSIÇÃO DE FERRAMENTA .............................. 189 6 CONCLUSÃO ................................................................................................... 191 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 193 APÊNDICES ……………………………………………………………………………………………………………... 199 GLOSSÁRIO. …………………………………………………………………………………………………………….. 243 19 1 INTRODUÇÃO Este capítulo apresenta definições acerca do espaço sagrado católico, suas partições e seu mobiliário litúrgico. Além disso, é apresentada a contextualização da pesquisa, sua justificativa, tese da pesquisa, hipótese, objetivos, delimitação do tema, visão geral do método e a estruturação da tese. DEFINIÇÕES CHAVE 1.1.1 Espaço sagrado Segundo Eliade (1992), o sagrado é aquele que se opõe ao profano. Qualquer espaço que não seja sagrado ou visivelmente ligado à parte espiritual e religiosa é denominado profano. Essa dualidade é fundamental para o reconhecimento da sacralidade do espaço. Simbolicamente, o espaço sagrado tem a função de interligação entre o homem religioso e o divino. Pelo seu desejo de estar cada vez mais perto de Deus, o local sagrado para ele é a ponte que faz a ligação entre terra e céu (ELIADE, 1992). 1.1.2 Liturgia Liturgia católica consiste do ritual realizado na celebração da missa em que se relembra a vida, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo (MILANI, 2006; PALMA et. al., 2015; FORCATO et. al., 2018). Na religião católica, ‘relembrar’ toma um sentido ainda mais profundo, pois é sinônimo de ‘reviver’. 1.1.3 Presbitério Segundo a Comissão Arquidiocesana de Arte Sacra da Diocese de Porto Alegre (CAAS, 2014) o presbitério é o espaço celebrativo da Igreja Católica Apostólica Romana onde se localiza o altar. No presbitério é celebrada a missa e é onde os ministros, sacerdote e outros membros da liturgia se acomodam para a execução de suas funções litúrgicas. 1.1.4 Mobiliários Litúrgicos É no presbitério que se encontram os móveis fundamentais do espaço litúrgico: o altar, o ambão e a sédia (PASTRO, 1999; MILANI, 2006; SILVA, 2006). O mobiliário do presbitério 20 desempenha funções específicas nas celebrações litúrgicas, além disso, exerce relação entre o mesmo e seus usuários (padres, ministros, coroinhas, leitores, etc.). CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA Este trabalho teve sua proposta inicial em um Projeto de Extensão Universitária iniciado no ano de 2014, na Universidade Estadual de Maringá - UEM. Coordenado pela arquiteta e professora Anelise Guadagnin Dalberto, do Departamento de Design e Moda da UEM, este projeto de extensão tinha o objetivo de desenvolver, de forma voluntária, o projeto de reconstrução da Capela São Vicente de Paulo no município de Assaí, Paraná. O projeto arquitetônico foi formulado pensando na manutenção de aspectos conceituais da antiga capela (que seria demolida por estar muito pequena em relação à quantidade de usuários) e valorizando aspectos simbólicos da religião católica como uma grande cruz, o campanário com o sino e distribuição interna da nave em torno do altar. No entanto, quando se iniciaram os trabalhos de design, ou seja, o desenvolvimento do mobiliário litúrgico da Capela, houve muita dificuldade de se encontrar material didático- científico que conduzisse e resultasse em um bom projeto de design. As exigências litúrgicas não eram muito claras em alguns aspectos (às vezes até abstratas demais. I.e.: “que seja digno, nobre”); faltavam direcionamentos dimensionais e estruturais; e seu potencial altamente simbólico dificultava a utilização de um processo de design convencional, que explorasse, principalmente, a dimensão semântica destes produtos de forma integral, com unidade e harmonia com o espaço arquitetônico. Neste sentido, os pesquisadores envolvidos no projeto adaptaram alguns métodos criativos de design de produtos existentes para o desenvolvimento do mobiliário litúrgico da Capela. Ainda assim, o trabalho desenvolvido apresentou algumas lacunas e deixou claro que nesta área de atuação do design acontecia o mesmo. O trabalho desenvolvido por este projeto de extensão e a avaliação realizada após a implantação e utilização pode ser conferido em Forcato et al. (2018). Percebeu-se, portanto, uma possibilidade de pesquisa inovadora, que contribuísse com o design de mobiliário direcionado a espaços sagrados católicos. Foi criado, portanto, em 2015, um Projeto de Pesquisa Institucional com o objetivo de desenvolver parâmetros para o design de mobiliário litúrgico. Foram realizados vários levantamentos bibliográficos e analisados alguns templos católicos para a compreensão da aplicação do design no mobiliário bem como da unidade semântica e estética perceptíveis nestes espaços. Além disso, buscou-se encontrar ainda, métodos que pudessem conduzir estas análises contemplando as dimensões sintática, semântica e pragmática inerentes ao mobiliário litúrgico. 21 Foram destes pequenos projetos e pesquisas que nasceu a ideia de uma pesquisa maior (esta tese), que pudesse atingir resultados que contribuíssem na área do Design no sentido de conduzir profissionais de design e arquitetura na realização de projetos de forma mais correta e funcional, estética e simbolicamente. JUSTIFICATIVA De acordo com o Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2010), 64,5% da população brasileira declarou pertencer à religião católica. Apesar de haver queda desde o censo do ano 2000, onde 73,5% se declarava católica, esta ainda é a religião com o maior número de adeptos no Brasil. De qualquer forma, estes números também indicam grande presença de templos católicos espalhados pelo país, sendo que em algumas regiões, principalmente as de emancipação recente, várias igrejas estão sendo construídas para acomodação de seus fiéis, em novas cidades, novos bairros, em substituição a pequenas igrejas, ou por conta do aumento de população em determinados lugares, por exemplo. Os mobiliários litúrgicos, assim como todo o espaço litúrgico católico, são dotados de simbolismos e conceitos milenares, mas que aos poucos foram sendo esquecidos ou mal empregados. Mesmo utilizando-se de todo o simbolismo nas celebrações, a Igreja não atendeu devidamente a seus seguidores quanto à manutenção de tradições milenares. Entre os vários fatores, os mais comuns eram não permitir ao padre rezar no idioma vernáculo dos fiéis, celebrar de costas para a assembleia e a insistência em rituais que culminavam no distanciamento dos fiéis. Com o Concílio Vaticano II, realizado no período de outubro de 1962 a dezembro de 1965, a Igreja trouxe a liturgia para mais próximo dos fiéis de modo que se cumprisse seu verdadeiro valor dentro da celebração (SILVA, 2006). Não só a arquitetura, arte e a liturgia devem estar de acordo com o espaço sagrado, mas também a mobília sacra. É importante pensar que o mobiliário deve interagir com a nave de modo que seus materiais, ornamentos, cores e formas, seja expressão de reflexão e arte sacra (MILANI, 2006). De acordo com Milani (2006, p. 107), No Concílio Vaticano II, [...] a Igreja resgatou aspectos essenciais da liturgia que se haviam perdido por mais de um milênio na história da Igreja, como a centralidade do mistério pascal, a importância da participação do povo, a simplicidade da liturgia e sua adaptação às diferentes culturas. Portanto, a Igreja Católica tem buscado reforçar seu espaço de maneira mais funcional e habitacional para que os fiéis se sintam acolhidos, e a comunidade como um todo se sinta à vontade no templo para a participação da celebração. Preza-se pelo cumprimento da liturgia, assim como a arquitetura deve ser prezada ao projetar um espaço sagrado. 22 Também se preza que a simbologia deva estar aliada ao mobiliário litúrgico, assim como o espaço sagrado está ligado com a arte e com seus significados simbólicos (MILANI, 2006). Além disso, estas configurações formais, estéticas e simbólicas propostas pelo Concílio Vaticano II procuram transmitir ao observador uma mensagem de condução e de proximidade com a fé, com Deus, o que pode sinalizar ainda sensação de amplitude, da grandiosidade do amor de Deus pelos seus seguidores. Infelizmente, a má aplicação destas mudanças provocaram distorção do sentido teológico e desvalorização pedagógica dos principais elementos litúrgicos (SILVA, 2006), entre eles o próprio mobiliário. Boróbio (2010, p.7) também menciona a respeito da descaracterização do espaço sagrado e seus elementos simbólicos acerca das mudanças pós Concílio: Certamente, renovaram-se não poucos sinais e cenários: igrejas, presbitérios, batistérios, etc. Construíram-se novos templos e espaços. No entanto, pode-se também constatar que nem sempre se fez a reforma de maneira adequada. Que nem sempre se valorizaram os sinais. Que muitos espaços são impróprios e pouco adaptados. Que se insistiu mais no ilustrativo do que no significativo. Que não se deu suficiente valor ao “capital simbólico” de que dispomos. Pastro (1999) também argumenta que as formas arquitetônicas atuais utilizadas na construção de igrejas existem, na maioria das vezes, para fins comerciais visando resolver problemas espaciais e econômicos. Poucos projetos arquitetônicos se concentram fortemente nos sinais básicos para uma simbologia baseada no sagrado. Esses “erros” tendem a atrapalhar o fiel no momento da celebração, tirando, na maioria das vezes, a devida atenção do altar para outro espaço e objetos do templo, como cartazes, flores e outros elementos de cunho comunicativo ou decorativo. Desta forma, a dessacralização das igrejas tem tomado grandes proporções a cada geração. A importância de determinados símbolos, da estética em determinados móveis e a delicadeza de cada detalhe tem sido esquecida. A unidade visual e a harmonia do templo contribuem com a celebração, refletem na assembleia em oração e permitem fluidez na ação litúrgica (PASTRO, 1999). O estudo do espaço sagrado e suas configurações já é tema de trabalhos acadêmicos, especialmente da arquitetura e na ciência das religiões. No entanto, o mobiliário litúrgico não apresenta estudos e análises suficientes que evidenciem descaracterização estética e simbólica. Tão menos, exemplos de processos criativos que relatem as interferências dos preceitos do design no processo de desenvolvimento de mobiliário litúrgico conceitual e simbolicamente adequados ao espaço sagrado. Vale lembrar que esta desvalorização do simbólico vem ocorrendo não apenas em igrejas contemporâneas. Até mesmo Igrejas tombadas pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) já sofreram grandes descaracterizações. É o caso, por exemplo, da Igreja Matriz Nossa Senhora da Graça, no município de São Francisco do Sul, Santa Catarina, 23 Brasil. Esta igreja foi inicialmente construída de 1553 a 1555. Foi totalmente reconstruída em 1665. Após a instalação de um altar-mor em 1949, foi reformada em 1950 quando suas características arquitetônicas e de estilo foram completamente perdidos. Em visita ao Museu de Artes Sacras daquela igreja, em 2019, o museólogo Giovani Lemos comentou que seu mobiliário foi substituído várias vezes, à medida que novos párocos eram designados àquela igreja (LEMOS, 2019). Obviamente, as mudanças sofridas ocorreram antes do Concílio Vaticano II, no entanto, muito se perdeu com o desprezo do mobiliário original. Segundo Lemos (2019), o mobiliário original “foi reduzido a pó”. Em um exemplo mais recente, mas não menos importante, tem-se o caso da Capela São Francisco de Assis, em Belo Horizonte. Também conhecida como Igrejinha da Pampulha, foi projetada pelo ilustre arquiteto Oscar Niemeyer. Foi inaugurada em 1943 e é hoje considerada ícone do Modernismo Brasileiro. É também tombada pelo IPHAN. Em visita à Capela, em 2016, constatou-se que do mobiliário litúrgico original restava apenas o altar. As obras artísticas e iconográficas de Cândido Portinari permanecem intactas, mas a ausência do mobiliário litúrgico original da capela, na época, acabava por descaracterizar o sentido e conceito do todo da obra. Ainda citando exemplo de despreocupação com o valor simbólico e harmônico dos elementos do espaço sagrado, este pesquisador participou de Projeto de Pesquisa onde se realizou análise de mobiliário litúrgico do Santuário Eucarístico Diocesano, Paróquia Nossa Senhora de Fátima na Cidade de Cianorte – PR, abrangendo os anos de 2014 e 2015. A pesquisa teve como objetivo avaliar o mobiliário litúrgico com relação a seu caráter simbólico e estético. Para isto, foi realizado levantamento in loco por meio de registro fotográfico, croquis e aferição métrica do mobiliário da referida igreja, bem como a análise qualitativa do espaço sagrado e dos próprios mobiliários litúrgicos. Esta pesquisa constatou que no referido Santuário, o conjunto de mobiliário litúrgico do presbitério (ambão, altar e cadeira da presidência) possui deficiência em suas características semânticas. Em resumo, o mobiliário litúrgico (Figura 1.1) era constituído de madeira entalhada, com formas geométricas e orgânicas e possuíam detalhes em placas metálicas. Além disso, imagens entalhadas e pintadas estampavam o ambão e o altar de forma figurativa. As mobílias não possuíam estilo definido. O mobiliário original foi substituido, não se tem documentação sobre o mesmo. O mobiliário atual não condiz com o estilo arquitetônico, porém, o mesmo já é utilizado pela comunidade há mais de 40 anos. Este segundo conjunto foi reformado, onde realizou-se a aplicação de cores nas imagens figurativas do altar e ambão, o que vai contra o que aponta a Intrução Geral do Missal Romano. Figura 1.1 – Ambão, altar e sédia (cadeira da presidência), respectivamente. 24 Fonte: Martelozo, 2014. Individualmente, o mobiliário apresentou soluções adequadas, no entanto, analisando o conjunto, observou-se a ausência de unidade formal e estética. Quanto às questões simbólicas, os mobiliários apresentavam figuras que remetem a símbolos sacros, mas parece que não estão unidos por um conceito. Isto posto, é importante destacar que a própria Igreja Católica recomenda que se evite o uso de imagens figurativas em seus mobiliários litúrgicos. Foi observado ainda que o conjunto de mobiliários do presbitério não concorda esteticamente com o estilo arquitetônico do templo. A construção, da década de 60, apresenta traços modernos (Figura 1.2), sendo que o mobiliário não apresenta estilo artístico definido. 25 Figura 1.2- Interior do Santuário Eucarístico Diocesano – Cianorte-PR. Fonte: Turismo Regional, 2015. Esta descaracterização estética e simbólica foi identificada também em outras 3 igrejas matrizes, somando as quatro paróquias da cidade de Cianorte – PR. Apesar de serem alguns poucos exemplos da descaracterização e dessacralização dos templos, acredita-se que este problema ocorra com muita frequência na maioria das igrejas católicas, principalmente quando se observa o mobiliário litúrgico, a harmonia estética e simbólica do templo. Isto evidencia a necessidade de investigação das formas de contribuição do design para a minimização destes problemas no futuro. TESE DE PESQUISA Tendo como base o contexto teórico supracitado busca-se entender “como o Design pode contribuir no direcionamento de novos projetos de mobiliário e espaços litúrgico católicos, considerando a implementação do rigor estético e simbólico exigido pela Igreja Católica”? HIPÓTESE Aparentemente, poucos profissionais de arquitetura e design têm usado ferramentas e/ou métodos de criação que possibilite implementar no mobiliário, seus atributos práticos, 26 estéticos e, principalmente simbólicos de forma eficiente e condizente com o que preconiza a Igreja. A hipótese é que não está claro ou não há material suficiente que reuna conhecimentos teórico que instrua profissionais de projeto quanto às corretas aplicações arquitetônicas, prático-litúrgicas, estéticas e simbólicas nos projetos de espaços e mobiliários litúrgicos católicos. OBJETIVOS 1.6.1 Objetivo Geral Propor e testar ferramental que ofereca informações para o desenvolvimento de projeto de mobiliário litúrgico católico permitindo a correta utilização de suas relações prático- litúrgicas, estéticas e simbólicas. 1.6.2 Objetivos Específicos • Investigar a relação entre o design e o papel semântico do mobiliário e espaço litúrgico da Igreja Católica Apostólica Romana; • Analisar e avaliar características estéticas e simbólicas presentes no mobiliário e espaço litúrgico; • Identificar parâmetros que indiquem a aplicação de características sintáticas, semânticas e pragmáticas no processo de design do mobiliário litúrgico; • Propor ferramenta que auxilie profissionais de projeto no desenvolvimento de mobiliários e espaço litúrgicos visando contemplar as características práticas, estéticas e simbólicas em futuros templos católicos, bem como em reformas e/ou substituições necessárias. DELIMITAÇÃO DO TRABALHO Para a execução deste trabalho, foram considerados alguns pontos que definem seu escopo de pesquisa: o primeiro é ater-se à Religião Católica Apostólica Romana. Como apontado anteriormente, esta é a religião predominante no Brasil. Além disso, dentre as religiões com maior número de adeptos no país, esta é uma das únicas que se fundamenta por meio de símbolos e sinais, tanto espiritual quanto materialmente. 27 Esta pesquisa também se limita a aplicar o método de pesquisa proposto às Igrejas Católicas Brasileiras. Por ser o maior país católico, acredita-se que o Brasil seja uma importante referência de mobiliário litúrgico contemporâneo para o mundo, visto a quantidade de igrejas presentes em todas as regiões do país. VISÃO GERAL DO MÉTODO Esta pesquisa possui duas grandes etapas metodológicas. A primeira consistiu da Revisão Bibliográfica Sistemática para seu desenvolvimento. Apoiou-se em publicações científicas da área de Ciências da Religião, mas principalmente, das áreas de Design e Arquitetura que tratam de temas referentes à Semiótica Aplicada ao Design e Design de Mobiliário e suas relações semânticas. Esta revisão, além de investigar livros, teses e artigos de forma livre, também contemplou publicações do Portal de Periódicos da Capes. A segunda etapa consistiu da aplicação do Modelo de Análise Semiótica na Perspectiva do Design proposto por Cardoso e Pacheco (2017), conforme Figura 1.3. Figura 1.3 – Modelo de avaliação semiótica na perspectiva do design. Fonte: Cardoso e Pacheco, 2017. Este modelo consiste em 8 fases, os quais relacionam as dimensões sintática, semântica e pragmática da Semiótica com o círculo hermenêutico de Gadamer (2015). Seu detalhamento metodológico e sistemático está descrito no Capítulo 3. Um estudo piloto foi realizado para testar a funcionalidade do Modelo de Avaliação Semiótica por usuários católicos antes das aplicações definitivas do método. Para garantir rigor às aplicações definitivas do Modelo de avaliação semiótica alguns critérios foram estabelecidos para a escolha dos templos que seriam investigados, sendo estes: • Igreja dedicada à mesma figura sacra: Nossa Senhora Aparecida, com o intuito de fornecer elementos formais, estéticos e simbólicos com possibilidades de comparações semânticas; 28 • Estilos artísticos e arquitetônicos diferentes, priorizando também a diferenciação da forma global do templo; • Caracterizar-se como tipos diferentes de templo, tais como: capela, paróquia, catedral, santuário, basílica, etc.; • Ter sido projetada por diferentes profissionais de projeto, evidenciando diferentes estilos profissionais, tanto no conceito quanto no partido arquitetônico, quanto no design de interiores; • A participação dos mesmos membros para análises sintática, semântica e pragmática. Para isso, a aplicação do Modelo foi realizada em reuniões de projeto de pesquisa institucional com a participação de seus membros. ESTRUTURA DO DOCUMENTO Este trabalho se estrutura da seguinte forma: no capítulo 1 são apresentadas as definições- chave que facilitarão a leitura e compreensão de alguns termos frequentemente utilizados na tese, bem como a contextualização da pesquisa, sua justificativa, a tese de pesquisa, a hipótese de pesquisa, os objetivos geral e específicos, as delimitações do trabalho e uma visão geral do método utilizado para seu desenvolvimento. No capítulo 2, a fundamentação teórica do trabalho, são discutidas as relações semânticas entre o design e o sagrado, passando pela exposição do simbolismo pelas religiões primitivas, pela evolução histórica da igreja católica, pelo elencamento das características formais percebidas pelos diferentes estilos artísticos dos mobiliários litúrgicos no decorrer da história e pelo simbolismo no espaço sagrado atual, priorizando a exposição dos mobiliários litúrgicos. Também são discutidas as linguagem do Design, Semiótica e Gestalt, mostrando como estas grandes áreas se relacionam na construção das interpretações simbólicas. No capítulo 3, faz-se a caracterização do problema para a seleção e exposição do método de pesquisa. Também há a descrição completa do protocolo de coleta de dados e a exposição das estratégias de análises e validação. O capítulo 4, descreve como ocorreu a pesquisa de campo, a qual abordou a visita técnica, registros fotográficos e análise de mobiliário e espaço litúrgico de três igrejas católicas sendo elas: a Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida de Brasília – DF; a Basílica de Nossa Senhora Aparecida em Aparecida – SP; e o Santuário Diocesano Nossa Senhora Aparecida de Campo Mourão – PR. Como mencionado, para a realização das análises e discussão foi adotado o Modelo de Análise Semiótica na perspectiva do Design, proposto por Cardoso e Pacheco (2017). 29 No capítulo seguinte (5), tendo como base o levantamento teórico e as percepções registradas na pesquisa de campo, foi proposta uma ferramenta de checklist para avaliação de mobiliário e espaço litúrgico católico. A mesma foi aplicada em um projeto conceitual de uma capela no interior do Estado do Paraná onde se pôde validá-la. Por fim, o capítulo 6 apresenta as conclusões obtidas por este trabalho, destacando as contribuições da pesquisa para as áreas do Design e Arquitetura, especificamente relacionadas ao interior e mobiliário litúrgico de templos católicos. Além disso, expõe as possibilidades de trabalhos futuros. 30 2 DESIGN, SEMÂNTICA E O SAGRADO Este capítulo fornece o aparato teórico suficiente para a compreensão sobre o emprego do simbolismo nas religiões pelo mundo apontando, de forma especial, para o sistema simbólico integrado utilizado pela Igreja Católica em seus espaços sagrados. Também revela a carga semântica presente no espaço litúrgico, local onde está inserido o mobiliário investigado por este estudo. Ademais, ilustra como grandes áreas do conhecimento como a Semiótica e a Gestalt podem ser aplicadas e percebidas no Design de mobiliário litúrgico. O SIMBOLISMO NAS RELIGIÕES Paden (2001) explica a formação das características simbólicas da religião a partir de óticas diferentes, sendo as apresentadas neste trabalho: a da antropologia e sociologia defendida pelo francês Émile Durkheim (1858-1917), da psicologia de Carl G. Jung (1875-1961), e da ciência da religião pelo romeno Mircea Eliade (1907-1986). Pela relevância da comparação entre estas três óticas, os estudos de Paden (2001) foram tomados como referência central deste tópico. Pela perspectiva durkheimiana, a simbologia da religião está estreitamente ligada com a sociedade. Para Durkheim (1989 apud PADEN, 2001, p.61), “cada sociedade cria uma cultura, construindo o seu próprio mundo habitável”. Em outras palavras, o que o autor pretendia dizer é que cada sociedade primitiva foi responsável pela criação da sua ciência e arte, o que sugere que os seus deuses possam ser também criações próprias, determinando suas religiões genuínas. Durkheim, ao estudar as mais de quatrocentas comunidades aborígenes australianas, pertencentes estas às sociedades mais primitivas, descobriu que cada uma possuía suas próprias crenças as quais se baseavam nos conhecimentos obtidos de seus ancestrais. Cada comunidade possuía um objeto diferente de contemplação (culto), geralmente um animal ou planta, chamado por Durkheim de “totem”. Este representava a identidade da comunidade, não por suas qualidades ou especificidades próprias, mas pelas qualidades simbólicas construídas pelo grupo. As conclusões obtidas por Durkheim foram que aqueles “objetos” considerados sagrados somente eram sagrados porque carregavam significados passados de geração a geração os quais representavam a identidade daquela comunidade (PADEN, 2001). Assim, Durkheim defendia que a sacralidade, [...] como uma característica universal de todos os fenômenos religiosos, é, nessa interpretação, um valor atribuído aos objetos pelos grupos. Esse valor pode ser expresso negativamente por meio de tabus e restrições, ou positivamente por meio de requisitos de purificação para os ritos solenes de comunhão com o sagrado. Mas é a sociedade que torna as coisas sagradas ou profanas, e cada sociedade tradicional tem seus objetos, pessoas, lugares ou datas sagradas (PADEN, 2001, p.64). 31 Durkheim ainda defendia que este conceito de sacralizar objetos e permitir que estes símbolos tenham significados em suas vidas corresponde ao aplicado às imagens de santos e entidades, padroeiros de cidades, livros sagrados como Bíblia e a Torá (PADEN, 2001). Considerando seu valor simbólico e emocional para seus seguidores, acrescentam-se aqui os espaços sagrados e todos os objetos que compõe estes espaços. Do ponto de vista da psicologia, Jung defendia que a simbologia da religião tinha relação com a psique humana, o inconsciente. Nas discussões de Jung com teólogos bíblicos que o acusavam de reduzir Deus ao inconsciente, ele os desafiou a produzir uma imagem de Deus que não fosse parte da matriz de experiência psíquica, mas que ficasse fora dela em algum sentido objetivo (PADEN, 2001, p.95). Defendem os jungianos que deuses e demônios são arquétipos do próprio inconsciente, sendo a religião determinada por poderes secundários que invadem a vida do homem, mas que ainda assim são partes da vida, pois são vivenciadas pelo ego e, negligenciados ao próprio risco (JUNG, 1995 apud PADEN, 2001). Por esta ótica, o simbolismo percebido pelo inconsciente, pela psique de cada indivíduo religioso em relação a objetos ou a seus espaços sagrados, possui interpretações e significações diferentes, sendo que aquilo que causa sensação de bem-estar ou de sagrado para uns, pode ao mesmo tempo, causar mal- estar ou repulsa a outros. Por outra ótica, o alemão Max Müller (1823-1900), precursor dos estudos das ciências da religião, defendia que era necessário que houvesse um estudo comparativo de todas as religiões para se obter o sentido da religião. Ele alegava que não era possível conhecer uma religião a menos que se conhecessem todas (MÜLLER, 1872 apud PADEN, 2001). As premissas da religião comparada são de que a religião é uma forma universal de cultura que precisa ser entendida antes de ser explicada, e que entendê-la significa conhecer seus padrões e variedades transculturais de uma perspectiva equilibrada. As partes podem então ser vistas em relação ao todo, variações em relação a temas, e inovações em relação a padrões históricos globais. Assim, não se pode entender completamente um deus, um salvador ou um mito de criação sem compreender toda a gama de deuses, salvadores e mitos de criação (PADEN, 2001, p.123). Mircea Eliade, o mais contemporâneo defensor da religião comparada (PADEN, 2001), afirmava que é intrínseco à religião provocar experiências significativas e simbólicas, e esta é a linguagem própria da religião. Defende que as religiões precisam identificar os significados que proporcionam valores ao homem religioso, visto que estes sistemas de símbolos vêm influenciando há séculos a vida da humanidade (ELIADE, 1992). Por este ponto de vista, Paden (2001) conceitua a religião como formadora de sociedades, pois padrões e comportamentos são criados pela sua linguagem, que modela novas sociedades de forma paralela ao governo, funcionando como lei que determina uma ordem moral. Ela 32 dá sentido à vida do homem religioso que é orientado a se comportar de modo correspondente. Eliade também defendia que a religião permite atribuir valor e significado a objetos e ações, mostrando como o mundo pode ser vivenciado mediante o símbolo, o mito e o ritual (PADEN, 2001, p.129). Neste sentido, o homem religioso se comporta e valoriza o ambiente e as ações consideradas sagradas. Por exemplo, Eliade (1992) menciona sobre a importância da porta que separa o espaço sagrado do profano. Para o autor, a porta de entrada é o limiar, a ruptura do mundo profano para o divino. A porta (literalmente a passagem) deve expressar ao fiel um local de acolhimento, de proximidade com Deus, de paz. Isto revela uma carga semântica que permeia as interpretações do espaço considerado sagrado. Ao mesmo tempo, os principais objetos e mobiliários que compreendem estes espaços ficam, de certa forma, restritos somente à visualização e contemplação pela maioria dos fiéis, no entanto, essa restrição parece ser simbolicamente suficiente. Pode-se perceber pelas óticas apresentadas por Paden (2001) que o simbolismo nas religiões independe de suas origens. Seja qual for a religião, como se deu sua criação ou o que defende, os valores simbólicos contribuem para a composição de uma identidade espiritual e material da religião. Para aprofundamento acerca do simbolismo presente na esfera material da religião, estudou-se nos próximos tópicos, elementos que exemplificam como o simbolismo é empregado na igreja católica e como é ou deveria ser percebido pelos fiéis. 2.1.1 Mudanças históricas no espaço litúrgico Vários foram os momentos históricos que culminaram em mudanças na igreja católica, inclusive na arquitetura dos templos, design do mobiliário litúrgico e suas simbologias. As mudanças mais significantes, segundo Roque (2004), ocorreram a partir do século II, particularmente relacionadas ao altar, e mais recentemente no século XX, na década de 1960, abrangendo toda a liturgia. Inicialmente, nos primeiros séculos, o elemento principal para a realização das celebrações já era o altar, já que não haviam templos construídos, de modo que estas eram realizadas nos ambientes familiares. Neste período, o altar era constituído de mesa móvel, em madeira, que dividia função com a mesa de refeições que era alocada apropriadamente para as celebrações. Mesmo que a mesa portátil tenha sido utilizada por toda a história do cristianismo, nos séculos seguintes houve uma tendência de se reservar uma mesa de madeira exclusivamente para a função de altar, com dimensões adequadas apenas para a realização da celebração (ROQUE, 2004). 33 Por volta do século IV, houve a intenção de valorização da simbologia do altar, onde se buscou resgatar o conceito de rochedo espiritual, presente nas sagradas escrituras (i.e.: I Cor 10, 4). Assim, a exigência para construção do altar passa a ser preferencialmente de pedra, já que a madeira se mostrava perecível em relação à rocha. Além disso, nestes primeiros séculos houve também uma grande valorização dos mártires, os quais eram sepultados em catacumbas onde era construído o altar e aquele espaço passava a ser o espaço celebrativo. Dentro do altar, por vezes, eram ainda inseridas relíquias do mártir ali sepultado (ROQUE, 2004). Também no século IV, o imperador Constantino iniciou a construção de basílicas monumentais que revelaram uma arquitetura cristã para a prática litúrgica, provocando as mudanças mais bruscas na estrutura da liturgia. Nestas basílicas o altar fixo passa a ser inserido em local de destaque dentro do templo, no ponto central, o ponto de convergência do cruzeiro que era um elemento característico da arquitetura constantiniana. Neste contexto, as sepulturas dos mártires eram construídas em um nível inferior ao do altar, sendo que as relíquias eram acessadas pelo andar de baixo do mesmo, estando ainda conectados (o altar, as catacumbas e as relíquias) por uma passagem (ROQUE, 2004). Pelos séculos seguintes, até o VIII, o altar passa por pequenas modificações ligadas ao material empregado, geralmente o mármore, e à contenção de relíquias. A partir do século VIII, a busca pela visualização daquilo que era de valor, provocou a reestruturação do altar com a exposição das relíquias acima dele. Neste período, o ponto de convergência das atenções sai da mesa e passa a ser uma caixa elevada que continha a relíquia do mártir o qual era cultuado como santo. Com o passar do tempo, esta valorização da caixa aumenta, provocando a inserção de grandes painéis decorados, chamados de retábulos, no fundo dos templos, os quais eram dotados de iconografias envolvendo as relíquias, fazendo com que o altar fosse encostado neles. Isto fez com que o altar perdesse sua importância como centro da liturgia (ROQUE, 2004). Esta estrutura interna da igreja perdurou por centenas de anos com mínimas modificações. No século XVI, o Concílio de Trento determinou que era reconhecido o culto à imagens e relíquias como elementos mediadores entre o homem e Deus e não como novos deuses, no sentido de reforçar a fé religiosa. Assim também, a consagração eucarística ocorrida em cima dos altares pelo celebrante de costas para a assembleia, passou a ser entendida como algo inacessível aos fiéis que cultuavam apenas a memória do mistério de Cristo (ROQUE, 2004). Durante os séculos, a Igreja Católica Apostólica Romana foi se adaptando as mudanças de ordem arquitetônica e litúrgica, para que houvesse maior interação do fiel com a celebração e maior funcionalidade e habitabilidade ao espaço (arquitetura). Essas adaptações foram formas que a Igreja encontrou para preservar a fé e a liturgia, de modo a conquistar um ambiente cada vez mais adequado para sua destinação. A compreensão 34 da Igreja é de que um espaço onde reside o próprio Deus deve, no mínimo, representar o mesmo. No entanto, foi apenas no século passado, por meio do Concílio Vaticano II, que a Igreja trouxe a liturgia para mais próximo dos fiéis de modo que cumprisse o verdadeiro valor da liturgia dentro da celebração. Recuperou-se o valor simbólico primordial da liturgia, reposicionando o altar no centro das atenções do espaço celebrativo, devolvendo aos fiéis a proximidade com o divino que se tinha nos primeiros séculos da igreja católica (PASTRO, 1999; SILVA, 2006; BOROBIO, 2010; NUCAP e PASTRO, 2012). Não só a arquitetura, arte e a liturgia devem estar de acordo com o espaço sagrado, mas também a mobília sacra. É importante pensar que o mobiliário deve interagir com a nave de modo que seus materiais, ornamentos, cores e formas, sejam expressão de reflexão e arte sacra (MILANI, 2006). Percebe-se que a Igreja Católica tem reforçado seu espaço de maneira mais funcional e habitacional para que os fiéis se sintam acolhidos e a comunidade como um todo se sinta à vontade no templo para a participação da celebração. Preza-se pelo cumprimento da liturgia, assim como a arquitetura deve ser prezada ao projetar um espaço sagrado. Também se preza que a simbologia deva estar aliada ao mobiliário litúrgico, assim como o espaço sagrado está ligado com a arte e com seus significados simbólicos (MILANI, 2006). Portanto, estas configurações formais, estéticas e simbólicas propostas pelo Concílio Vaticano II procuraram transmitir ao observador uma mensagem de condução e de proximidade com a fé, o que pode sinalizar ainda sensação de amplitude, da grandiosidade do amor de Deus pelos seus seguidores. 2.1.2 Modificações do estilo artístico no decorrer da história Por não poder chegar de forma física à divindade, a imaginação motivou as pessoas a buscarem por algo que as simbolizassem com o intuito de aliviar e aconchegar os sentimentos. Considerando esta necessidade de “materialização” do divino surgiram os ritos litúrgicos católicos. De acordo com Borobio (2010, p. 30) a liturgia está ligada com a arquitetura e a arte pois a celebração deve possuir um ambiente digno para a ocasião, precisa de um estilo artístico mais engajado para relacionar com o transcendente e ao sobrenatural. Desde a oficialização do catolicismo, quando houve a necessidade de propagar a religião, a arte sacra contribuiu em atrair o povo para dentro das igrejas devido às grandes construções e seus elementos decorativos e ornamentais (BOROBIO, 2010; DIAS, 2013). Este tópico tem por finalidade o levantamento bilbiográfico das características principais dos estilos históricos a partir do surgimento das primeiras construções específicas para cultos cristãos. Com este levantamento, objetiva-se dar suporte à compreensão dos estilos 35 adotados nos projetos dos templos analisados. A cada breve descrição do estilo artístico e seu período histórico segue uma imagem de altar com sucinta análise da mesma, exemplificando visualmente o período em questão. 2.1.2.1 Alta Idade Média (Séculos V-XI) – Paleocristã • Bizantino (Altar do mártir), 395 - 1453 Em 311 d.C., por ordem do imperador Constantino, a Igreja Cristã foi estabelecida como um poder de estado. Os locais de culto cristão que eram pequenos, devido os anos de perseguição, passaram a exigir espaços amplos que contemplassem o tipo de rito realizado. Neste sentido, os templos pagãos não favoreciam o tipo de reunião cristã, por este motivo as basílicas, as quais eram edíficos cobertos com função de abrigar amplas reuniões, foram adotadas como modelos por estas novas igrejas (GOMBRICH, 1999). Segundo Gombrich (1999) as basílicas eram amplos salões, com compartimentos mais estreitos e baixos ao longo das laterais, divididos do corpo central por colunatas. O espaço da basílica foi ocupado de acordo com as funções dos ritos. A abside foi utilizada como “altar-mor” (Figura 2.1). O corpo central, mais tarde denominada “nave”, comportava os fiéis, e os compartimentos laterais foram chamados de “alas”. Estas construções traziam a mais importante característica da arquitetura romana, que segundo Gombrich (1999) era o uso dos arcos. A decoração do interior destes edifícios enfrentou diversos percalços considerando que não se podia reproduzir com pinturas e esculturas o interior do templo pagão, a fim de não confundir os recém convertidos (GOMBRICH, 1999). A Arte Bizantina era voltada principalmente à Igreja. Tinha como relevância a retratação do Imperador como o Cristo, utilizava mosaicos nas paredes, a arquitetura era robusta, porém seu interior era agradável e rico em detalhes. As figuras humanas eram esguias, não havia preocupação com os traços, apenas na sua representação (DENIS, 2000). 36 Figura 2.1 - Basílica de São Vital – Itália. Fonte: Andy, 2017. • Românico, Século XI – XII O manuscrito com Iluminuras surge com intuito de transmitir narrativas e mensagens da Bíblia. A arquitetura é inspirada na planta da basílica romana, caracterizadas com fachadas esculturais, arcos arredondados e abóbadas (Figura 2.2). No interior os materiais muito utilizados no período foram mármore e demais pedras (GOMBRICH, 1999; DENIS, 2000). A maior conquista do período acontece na catedral normanda de Durham, onde foi projetada a primeira abóbada em “canhão seguido”, o que abriria as portas para inúmeras possibilidades futuras. Já na França surgem as primeiras igrejas decoradas com esculturas (GOMBRICH, 1999). 37 Figura 2.2 - Basílica de Santo Ambrósio – Itália. Fonte: José, 2016. 2.1.2.2 Baixa Idade Média (Séculos XI-XV) • Gótico – Século XII Foi uma época de grandes avanços na engenharia. A arquitetura era bastante característica por conta dos detalhes, como os tetos altos com abóbadas mais abertas, torres pontiagudas, arcobotantes, vitrais coloridos permitindo a entrada da luz natural, o uso de esculturas e o baixo e alto relevo nas paredes (Figuras 2.3 e 2.4). Estilo marcado pelas formas ogivais. A utilização de afresco na arte gótica aprimorou a harmonia e luminosidade nas obras, sempre retratando histórias bíblicas (GOMBRICH, 1999; DENIS, 2000; FARTHING, 2011). 38 Figura 2.3 - Catedral de Durham – Inglaterra. Fonte: Brown, 2017. Figura 2.4 - Catedral de São Marcos, Itália Fonte: PETER apud BROWN, 2017. • Renascença, transição da Idade Média à Idade Moderna – Século XV Neste período surge a visão humanista. Período influenciado pelos ideais clássicos (Figura 2.5). Nas artes, evidencia-se a preocupação com a observação da representação do homem e da natureza. As representações se tornam mais realistas e naturalistas. Também se desenvolveu técnicas de perspectivas e a noção de profundidade nas obras (FARTHING, 2011). Na arquitetura, Brunelleschi abandona a técnica utilizada até então e desenvolve um novo processo de construção, onde as formas da arquitetuta clássica poderiam ser utilizadas livremente para criar novos modos de harmonia e beleza (GOMBRICH, 1999). 39 Figura 2.5 - Capela Pazzi, Florença - Itália. Fonte: Gombrich, 1999. 2.1.2.3 Idade Moderna – Formação e consolidação do Antigo Regime (Séculos XV-XVII) • Renascimento ou Alta Renascença – Século XV Período baseado na filosofia humanística, marcado pelo racionalismo, experimentalismo e individualismo, onde se resgatou nas obras de arte e na arquitetura os temas clássicos. Houve, nesta época, o desenvolvimento das técnicas de claro-escuro e a capacidade de representar o espaço tridimensional. Acontece neste período um grande projeto papal para revitalizar e reorganizar a região do Vaticano. A Capela Sistina (Figura 2.6) é um dos fortes exemplos deste projeto (FARTHING, 2011). 40 Figura 2.6 - Capela Sistina, Vaticano. Fonte: TVZAP, 2017. • Maneirismo – Entre 1515 e 1600 Período de transição entre o renascimento e o barroco (renascimento rebuscado), com utilização de temas dramáticos e cores fortes nas obras, estranhamento como o alongamento intencional dos corpos e proporção na retratação humana (FARTHING, 2011). Para Summerson (2009) não é um estilo, mas “o estado de espírito de uma época”, apresentando manifestações infinitamente variadas, como a utilização de painéis em baixo e alto-relevo (Figura 2.7), decoração esculpida independente das ordens e a ordem colossal de Miguel Ângelo. Figura 2.7 - Mosteiro dos Jeronimos, Portugal. Fonte: Ishizaka, 2017. 41 • Barroco – final do século XVI e meados do século XVIII É um estilo muito utilizado durante o movimento de Contra-Reforma e se expressou principalmente pela arte como uma forma de divulgação dos ideais religiosos renovados pelo Concílio de Trento (1545-1563). É caracterizado por uma decoração mais carregada com intenso uso de relevos, curvas, volutas, tons dourados, com apresentação de complexidade (Figura 2.8). No afrescos se fazia uso de cores vibrantes, uso intenso de luzes e sombra expressando emoções dramáticas. Nas obras de pintura as figuras são retratadas de forma mais dinâmica do que centralizadas. Além dos temas bíblicos, retratavam o cotidiano da nobreza e burguesia (GOMBRICH, 1999; DENIS, 2000; FARTHING, 2011). Segundo Summerson (2009) a arquitetura de fachadas com “disposição das ordem em dois andares arrematadas por volutas nos cantos” torna-se padrão na Europa. Figura 2.8 - Igreja Sant’Agnese in Agone, Itália. Fonte: Sailko, 2017. • Rococó, período do Absolutismo e a aristocracia – Fim do século XVIII O Rococó surge da evolução e reação ao barroco, pois alguns aspectos do antigo estilo, como o esplendor excessivo era rejeitado pelos artistas do rococó. Este estilo, praticado no império de Luis XIV, se encontra principalmente na arquitetura e nas artes decorativas. Eram abordados temas leves e sentimentais como o amor, o romantismo, a sensualidade, a delicadeza, elegância, graça. Uso de materiais como a porcelana em vez de mármore, cores claras e suaves, uso de traços curvos e fluidos nos ornamentos e simetria (Figura 2.9) (FARTHING, 2011). 42 Figura 2.9 - Abadia de Ottobeuren, Alemanha. Fonte: Mander, 2017. • Neoclassicismo: Início do Iluminismo, norte da Europa - XVIII; Academicismo: criado em XVI porém acentuado em XIX O Neoclassicismo surge em reação ao Rococó, retomando os ideais clássicos impulsionados pelos iluministas. É marcado pelo racional, moral e intelectual. Com influências de Napoleão Bonaparte, o estilo valorizou os aspectos do Império Romano (Figura 2.10) e não a moral da República (DENIS, 2000; FARTHING, 2011). O Academicismo é marcado pela criação da Academia de Belas-Artes onde os alunos tinham a sua formação na arte, substituindo o sistema medieval. As pinturas abordavam temas bíblicos e clássicos, além de paisagens e retratos; também é o período em que Napoleão Bonaparte foi proclamado imperador (FARTHING, 2011). Figura 2.10 - Igreja da Madalena, França. Fonte: Aline, 2017. 43 • Neogótico e Romantismo, reação ao Iluminismo, origem na Inglaterra - Séculos XVIII - XIX O estilo neogótico retoma formas góticas medievais em contraste com os estilos neoclássicos dominante na época, em apoio ao medievalismo (Figura 2.11). Ambos os estilos retomam e recriam as características das arquiteturas dos tempos passados, estilo arquitetônico conhecido como revivalismo ou historicismo (possui estilos do Art Nouveau). Este estilo acontece no período do romantismo (FARTHING, 2011). O Romantismo é marcado pelo Lirismo e nacionalismo e em parte é uma reação ao Iluminismo do século XVIII. É bastante influenciado pelas guerras constantes durante a Revolução Francesa, exaltando emoções conturbadas do homem e a força da natureza de forma poderosa. Dentro do Romantismo houve os movimentos artísticos como Impressionismo, Pós-impressionismo, com uso expressivo da cor. A Revolução Industrial impulsionou o romantismo por conta do período de crise social e impotência diante da mecanização, reforçando a relação entre o homem e a natureza (FARTHING, 2011). Figura 2.11 - Igreja Votiva Viena, Áustria. Fonte: BWAG, 2017. 2.1.2.4 Modernismo – Início do Século XX Marcos históricos como a Primeira e Segunda Guerra Mundial, o surgimento do fascismo na Itália e nazismo na Alemanha, ajudaram a acentuar a diferença entre a alta burguesia e o proletariado. Houve grande avanço na tecnologia e na comunicação imediata em várias parte do mundo. Neste contexto surgiram várias tendências e movimentos artísticos que 44 foram expressando as angústias e a perplexidade do homem no período de crise. Surgem então movimentos marcantes como: o Expressionismo (emoções humanas e angústias psicológicas do homem no início do século XX), o Fauvismo (simplificação das figuras e a aplicação das cores puras), o Cubismo (desconsidera o uso de perspectiva e planos), o Abstracionismo (ausência da relação entre formas e cores, sem representação da realidade) e o Construtivismo (uso de formas geométricas e de cores primárias), esses movimentos deram origem também aos princípios dos estilos Art Decó e De Stijl. Segundo Argan (1992) existia neste período a intenção de aproximar a arquitetura, a pintura e a escultura, da mesma forma que a busca por uma funcionalidade decorativa. Havia também a renúncia aos modelos clássicos, já o surgimento do urbanismo pregava que a função seria a única determinante da estrutura urbana. Percebe-se, portanto, a valorização em detrimento da ornamentação, o que fica claro no altar da Capela Notre- Dame-du-Haut (Figura 2.12). Na arquitetura, fez-se muito uso do ferro, vidro, cimento e alumínio por conta do período de industrialização (SANTOS, 1997). Figura 2.12 - Capela Notre-Dame-du-Haut, França. Fonte: Winston apud Marydoll, 2016. 2.1.2.5 Pós-Modernismo – Século XX Período marcado pela Guerra Fria (queda do muro de Berlim) e pelas mudanças de pensamentos e novas concepções referente ao estado do homem após o modernismo dentro das condições sócio-culturais e intelectuais. Também pelas grandes influências do mundo virtual conforme as inovações tecnológicas e consumismo (substituição do livro pela televisão). Neste contexto, o mundo está recuperado dos danos causados pela Segunda Guerra Mundial. A arte do pós-modernismo apresenta uma nova forma de ver o mundo, expressando sentimentos emotivos devido à sociedade fria e calculista. Neste cenário, surgem diversos movimentos: Futurista (expressando velocidade e exaltação do 45 futuro), Surrealista (elementos inexistente da natureza) e Art Pop (utilização de símbolos, ícones representando o dia-a-dia das grandes cidades norte-americanas) (SANTOS, 1997). Figura 2.13 - Catedral da Ressurreição de Évry, França. Fonte: Didion, 2017. 2.1.2.6 Período Contemporâneo – Séculos XX e XXI O período contemporâneo é marcado principalmente pela mudança da era industrial para a era digital, com fácil comunicação e informação devido à internet. É marcado também pelas críticas às condições sociais, como a produção em massa e a poluição, que a preocupação ecológica enfatizou no final do século XX. A arte contemporânea ainda possui características do pós-modernismo englobando a música, o teatro, pintura, fotografia, etc, e apresenta a Arte Conceitual (questionamento da arte buscando agregar valor e crítica ao consumismo e produção em massa), Minimalismo (esforço manual mínimo do artista e simplificação de objetos – Figura 2.14), Op Art (utilização de efeitos ópticos e ilusão), Land Art (alternativas de materiais para a composição visual da arte, por meio da paisagens e elementos da natureza), Hiper-Realismo (obras extremamentes detalhadas tornando bem próximo da realidade), Arte Digital (utilização de programas de computador para a composição das obras e manipulações de fotografia) e a Arte Urbana (ilustração e ilustrações caligráficas por meio do grafite) (FARTHING, 2011; SANTOS, 1997). 46 Figura 2.14 - Igreja do Jubileu, Itália. Fonte: Jauréguiberry, 2017. Estes estilos artísticos apresentados, além de demonstrarem a adaptação da Igreja às mudanças históricas ocorridas desde o início do Cristianismo, certamente contribuirão para a formulação de um arcabouço teórico que facilitarão as análises arquitetônicas e estéticas das igrejas. Especialmente na pesquisa de campo deste trabalho. No entanto, é importante destacar que, com este levantamento histórico, foi possível perceber como os elementos artísticos e construtivos dos espaços litúrgicos, em especial os mobiliáros, foram sendo diminuidos e ficando mais leves e menos perceptivos. No entanto, essa diminuição expressiva parece não ter influenciado negativamente o simbolismo destes espaços. O tópico seguinte, busca detalhar como são e como se configuram os espaços e mobiliários litúrgicos católicos, em suas questões litúrgico-funcionais, materiais, estéticas e simbólicas. O ESPAÇO SAGRADO CATÓLICO Em primeiro lugar é preciso compreender que, para qualquer religião, há uma distinção entre o espaço sagrado e o espaço profano. O templo físico, o local onde se realizam as celebrações, é diferente simbolicamente daqueles que se encontram ao seu redor, mesmo que localizados em uma mesma região urbana, ou até mesmo com extrema proximidade, sendo limítrofes, por exemplo. Ao passar pela porta do templo, deixa-se o espaço não reconhecido como sagrado, que é humano, e adentra-se ao espaço que, em um movimento ascendente, conduz ao céu, ao sagrado, ao divino (ELIADE, 1992; BOROBIO, 2010; NUCAP e PASTRO, 2012). Borobio (2010) fundamenta esta concepção ascendente do templo sagrado pela filosofia platônica que expressava a necessidade de distinção entre o humano e o sagrado, já que o sagrado não poderia ser influenciado por pensamentos ou ações humanas. Nas igrejas recentemente construídas nem sempre é possível distinguir a dualidade entre espaço sagrado e espaço profano, isto pela falta de caracterização simbólica dos espaços sagrados (quando analisadas dimensões estéticas e simbólicas no espaço). Neste sentido, o ponto de referência para a criação desta dualidade é a porta da igreja que separa o 47 profano do divino (ELIADE, 1992). A porta (passagem) deve expressar ao fiel um local de acolhimento, de proximidade com Deus e de remissão dos pecados. Considerando esta carga semântica do espaço sagrado, não é possível que um mobiliário sacro seja apenas funcional, abstraído de sua função simbólica, já que o espaço em que reside é totalmente dotado de significados e simbologias. [...] O núcleo da Igreja é o espaço celebrativo. A nave e o presbitério juntos é que traduzem o significado da igreja durante a celebração dos católicos. [...] Na ambientação de uma igreja deve-se levar em conta que sentimentos e emoções fazem parte do encontro do ser humano com o divino [...] (MILANI, 2007, p.107). Assim como para projetar um espaço sagrado é preciso levar em consideração sua simbologia, o mesmo se dá ao projetar um mobiliário. O simbolismo está presente em tudo, desde a forma da construção e os materiais utilizados, até as peças mais importantes como o Altar, o Ambão (atril), a Cadeira do celebrante e dos auxiliares litúrgicos, a Nave, a Pia batismal, ou ainda o Círio pascal e os Ícones e Imagens (OLIVEIRA, 2013, p.06). Por esta premissa, todo o espaço interno do templo é por si só símbolo. Borobio (2010) argumenta que a real importância dos símbolos foi sendo esquecida com o tempo, e apesar de existirem documentos que prezam pelo valor simbólico e estético dos espaços e mobiliários sacros, ainda há uma lacuna em relação a isso. Mesmo que o homem não esteja mergulhado no mistério da religião ou dentro de um ambiente sacro, o que é sagrado perdura e isso se dá por meio dos símbolos. O símbolo religioso transmite sua mensagem diretamente, mesmo que não conscientemente, pois o símbolo se direciona ao homem de maneira integral e não apenas à sua inteligência (ELIADE, 1992). A relação dos símbolos na construção do sagrado é determinante para o espaço. O simbolismo é determinado pela configuração formal do objeto e, por isso, está intimamente ligado à questão estética. Dessa forma, as simbologias e significados perduram ao tempo, e isso se faz necessário para que o espaço sagrado se difira ainda mais do espaço profano, já que, “a respeito do templo sagrado pode se dizer que ele é sempre o mesmo, que é uma sucessão de eternidades” (ELIADE, 1992, p.101). Portanto, a estética e a simbologia devem ser aplicadas em todas as igrejas, principalmente naquelas que estão sendo construídas e/ou em projetos futuros, pois esses dois aspectos estão diretamente ligados à busca da espiritualidade do ser humano dentro do espaço sagrado. Uma das formas que a igreja utilizou, através do tempo e da história, para intensificar a espiritualidade em seus espaços foi o uso da arte. A Igreja sempre favoreceu as belas artes para serem usadas a favor de seu mistério. O uso de decorações dignas e belas sempre foi compatível com o mistério cristão (CONCILIUM SACROSANCTUM, 1996). A Ecclesia de Eucharistia (apud BOROBIO, 2010, p.13) afirma que 48 a arte e a beleza devem estar espalhadas em pinturas, objetos, música, canto, esculturas, para uma única destinação: auxiliar na fé por meio da emoção, envolvimento e admiração. Para Borobio (2010) existem duas formas de se explanar sobre beleza. Uma delas é por meio da natureza, através de elementos cósmicos ou então pela forma que gera harmonia em uma celebração, com criatividade e profundidade. Sendo assim, a beleza da liturgia está em agrupar as duas formas, para que haja o encontro de Deus com o homem. É poder unir a verticalidade mediante a interioridade e a horizontalidade mediante a admiração (BOROBIO, 2010). Do ponto de vista da Igreja, preocupar-se com a arte e seus símbolos é um meio de, por meio da beleza e do seu significado, fazer com que o fiel se sinta acolhido e, ao sair, sinta- se fortalecido para continuar vivendo no mundo secularizado. É um meio de ajudar o fiel a retornar à Igreja sempre que sentir necessidade. O que é material se faz simbólico, significativo e devotado. É saber unir o belo e o simbólico de forma correta, funcional, e totalmente habitável dentro de um templo sagrado. A arte religiosa é, portanto, uma evocação do divino, a partir da materialidade. [...] O sentido estético, a atenção às necessidades reais e à sensibilidade própria, à proporcionalidade e ao bom gosto devem contribuir e tornar possíveis tanto à funcionalidade quanto a habitabilidade (BOROBIO, 2010, p.36). Dockhorn (2006) defende que o encontro do Santo Evangelho com a cultura gera o simbolismo litúrgico. Portanto, o simbolismo litúrgico se renova por meio das culturas de diversos povos, fundamentado no cristianismo como centro, revelando um novo sentido do Evangelho. O autor também explica que várias atitudes tomadas diante da Celebração Eucarística foram desencadeadas pelo simbolismo litúrgico, como por exemplo, o uso de materiais nobres (objetos estéticos) nas peças que seriam utilizadas na celebração, ou a genuflexão (ato simbólico que se realiza ao encostar um dos joelhos no chão) em momentos de adoração, consagração e exposição do Santíssimo. Assim, para a cultura católica romana a característica estética e simbólica deve agir principalmente no exercício e estímulo da fé, dando a visão clara de um ambiente sacro, ideal para oração e penitência dos pecados. E este ambiente somente poderá ser considerado sacro se houver relação íntima entre o espaço arquitetônico e tudo que nele estiver contido, sendo esta relação dada pelo estilo, simbologia e beleza. 2.2.1 Características gerais do espaço litúrgico católico Estando, portanto, separados simbólico e conceitualmente o sagrado e o profano, fica fácil entender porque o desenho arquitetônico dos principais templos possuem linhas e movimentos formais que conduzem ao céu (Figura 2.15), como abóbadas, pé direito alto, iluminação zenital e colunas delgadas, entre outros. Esta configuração procura transmitir 49 ao observador uma mensagem de condução ao céu e de proximidade com Deus, o que pode sinalizar ainda, para os católicos, sensação de amplitude, da grandiosidade de seu amor. Conforme menciona Lima (2010), também são elementos importantes na arquitetura litúrgica: as paredes, teto, piso, vitrais e o exterior. Em suma, estes elementos, frequentemente diferentes das estruturas arquitetônicas das residências, buscam evocar nos fiéis a sensação de ligação com o céu, com o eterno, com o sagrado. Embora estes sinais sensíveis, como preconiza Silva (2006), sejam oriundos de um bom projeto arquitetônico, vários elementos que compõe o espaço sagrado, principalmente seu interior, são produtos da arquitetura e do design. Figura 2.15 - Interior da Basílica de Lourdes – Belo Horizonte - MG. Fonte: Elaborado pelo autor, 2016. De forma geral, o espaço litúrgico católico se configura obrigatoriamente em um presbitério elevado e nele um altar, um ambão e uma sédia. É possível que uma pia batismal esteja também alocada sobre o presbitério ou próximo à entrada da igreja. Além disso, dentro deste espaço celebrativo, considerado sagrado, tudo deve atender o que preconiza a liturgia. Tudo dentro do espaço celebrativo tem função prática, estética e/ou simbólica para a execução do ritual litúrgico. Neste contexto, o “mobiliário litúrgico” possui suas funções intimamente ligadas aos ritos litúrgicos, os quais dão apoio e significado às ações executadas durante as celebrações. As três principais peças do mobiliário litúrgico do espaço sagrado católico são o altar, o ambão e a sédia. Também tem sua importância a pia batismal. Estes serão apresentados nos próximos tópicos. 50 2.2.1.1 Presbitério O presbitério do templo católico (Figura 2.16) é o local do espaço sagrado de onde o padre, diácono ou ministro realizam as ações litúrgicas (SECRETARIADO..., 2003, n.294). Geralmente encontra-se destacado em relação aos demais espaços do templo na intenção de dar visibilidade aos elementos que ali se encontram (SECRETARIADO..., 2003, n.295; NUCAP e PASTRO 2012). Pastro (1999, p.65) defende que o presbitério deva ser concebido antes mesmo de qualquer elemento arquitetônico do templo, pois é “o lugar mais importante de todo o espaço celebrativo” sendo o ponto de partida para o projeto e conceito do templo. É no presbitério que se encontram os elementos fundamentais do espaço litúrgico: o altar, o ambão e a sédia (PASTRO, 1999; MILANI, 2006; SILVA, 2006). Figura 2.16 - Presbitério (Igreja Matriz São Sebastião – Japurá-PR). Fonte: Elaborado pelo autor, 2016. Neste sentido, é importante destacar que “a atenção dos fiéis – na nave – deve estar nestas três peças no momento da celebração, recomendando-se uma unidade na construção, sempre valorizando sua função e simbologia” (MILANI, 2006, p. 43). 2.2.1.2 Altar O altar (Figura 2.17) é o elemento central do templo. É nele que se concentra a fé cristã (PASTRO, 1999; SECRETARIADO..., 2003, N.296; MILANI, 2006; SILVA, 2006; BOROBIO, 2010; NUCAP e PASTRO, 2012). Este mobiliário assemelha-se muito com uma mesa, porém, apresenta simbologia significativa, conforme relata Borobio (2010, p.66): 51 O altar cristão quer expressar a íntima relação desses dois aspectos: o do sacrifício-imolação e o do convite ou ceia do Senhor. O sinal mais visível, a mesa com o pão e o vinho, remetem mais diretamente ao aspecto convivial ou de banquete da Eucaristia; ao passo que a mesa com a ara, junto com o pão partido e o sangue derramado, remetem mais diretamente ao sacrifício de Cristo na cruz, presente na Eucaristia. Figura 2.17 - Altar (Matriz São Sebastião – Japurá-PR). Fonte: Elaborado pelo autor, 2016. A Instrução Geral ao Missal Romano – IGMR (SECRETARIADO..., 2003) preconiza que o altar seja preferencialmente fixo ao presbitério, afastado da parede permitindo andar em seu entorno e celebrar de frente para a assembleia, constituído de material sólido, rígido, nobre e digno, preferencialmente de pedra. Admite-se também a utilização de outro material, tradicional ou de costume de cada região, desde que se mantenham as características citadas anteriormente. É importante que haja moderação na ornamentação do altar, sendo recomendado utilizar apenas o necessário para a ação litúrgica. Um crucifixo pode ser mantido sobre o altar de forma contínua para lembrar aos fiéis seu significado. Ademais, Roque (2004), Lima (2010) e Borobio (2010) se referem ao altar como um objeto com status elevado ao de obra de arte, já que sua função simbólica, desde os primórdios da religião, é fazer uma conexão entre o homem e o divino. Isto é justificado pela capacidade artística de sua criação onde estão intrínsecos traços de estilo, cultura e técnica de uma época, sua localização e/ou de uma comunidade; bem como pela função a ele destinada. Em outras palavras, para a religião católica altar é, litúrgica e simbolicamente, o o próprio Jesus e representa a única ligação do homem com Deus (ROQUE, 2004; LIMA, 2010). 52 Em resumo, dentre os mobiliários litúrgicos pertencentes ao espaço sagrado, o altar é aquele que se expressa semanticamente de maneira mais forte e significativa. Porém, entende-se que esta importância deva ser estendida também aos outros mobiliários litúrgicos, principalmente ambão e sédia, os quais são imprescindíveis para a execução da ação litúrgica em toda celebração. Neste sentido, é importante elevar a criação do conjunto ao mesmo status de obra de arte já que complementam a semântica, função e beleza essenciais à liturgia. 2.2.1.3 Ambão O ambão (Figura 2.18), no espaço litúrgico, é o mobiliário de onde se proferem as leituras bíblicas, salmos, a homilia e as proposições de intenção universal (SECRETARIADO..., 2003). A palavra ambão vem “do grego ‘anabaino’ que significa subir, porque costuma estar em posiçã