UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS CÂMPUS DE RIO CLARO ______________________________________________________________________ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO ______________________________________________________________________ ESPECIALIZAÇÃO PRODUTIVA E VULNERABILIDADE TERRITORIAL NA REGIÃO SUCROENERGÉTICA DO TRIÂNGULO MINEIRO, MINAS GERAIS MARCELO ALVES TEODORO Rio Claro - SP 2021 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS CÂMPUS DE RIO CLARO Marcelo Alves Teodoro ESPECIALIZAÇÃO PRODUTIVA E VULNERABILIDADE TERRITORIAL NA REGIÃO SUCROENERGÉTICA DO TRIÂNGULO MINEIRO, MINAS GERAIS Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia (PPGG) do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista (UNESP) “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Doutor em Geografia. Orientador: Samuel Frederico Rio Claro – SP 2021 MARCELO ALVES TEODORO Especialização produtiva e vulnerabilidade territorial na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro, Minas Gerais Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia (PPGG) do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista (UNESP) “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Doutor em Geografia. Comissão Examinadora ___________________________ Prof. Dr. Samuel Frederico (orientador) ___________________________ Prof. Dr. Ricardo Abid Castillo ___________________________ Prof. Dr. Mirlei Fachini Vicente Pereira ___________________________ Prof. Dr. Fernando Campos Mesquita ___________________________ Prof. Dr. Mateus de Almeida Prado Sampaio Resultado: Aprovado Data: 22 de novembro de 2021 Rio Claro – SP AGRADECIMENTOS A elaboração de uma tese é um caminho longo onde nos deparamos com diversas situações, momentos e sentimentos. Nessa trajetória é impossível viver e superar as adversidades sem a companhia e apoio de pessoas. Neste sentido, me arriscarei a citar algumas dessas pessoas que compartilhei desses momentos, correndo o risco de falhar e não citar algumas que também pude conviver em algumas ocasiões. Inicialmente, gostaria de agradecer meu orientador, o Professor Samuel Frederico pelo acompanhamento, dedicação, rigor e me fazer enxergar a importância do compromisso e seriedade na produção científica. Aos professores que participaram da qualificação e defesa, Prof. Ricardo Castillo e Prof. Mirlei Pereira e os professores que também participaram da defesa, Prof. Fernando Mesquita e Prof. Mateus Sampaio. Meus sinceros agradecimentos pelas inúmeras contribuições. A professora Marina Castro pelas contribuições na definição da metodologia e no trabalho de campo. Ao colega e amigo Matheus Eduardo pelas contribuições nas discussões e na organização do trabalho de campo. Agradeço fortemente aos amigos que me acompanhou nessa jornada. Em especial ao Felipe Rodrigues, Gilberto Donizete, Bruna Rossin, Raiane Florentino, Rogério Gerolineto, Ana Flávia e Pedro Fontão. Aos funcionários pelo apoio e amizade, Rita Gromoni, Hias Boschin, Rose Franchin, Maria Elisabete (Bete) e a Maíca. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Processo 168942/2018-6. Finalmente, agradeço o fundamental apoio e incentivo dos meus pais, Eliana e Valdete, e da minha irmã Valiana. Deixo minha imensa gratidão pelo carinho e amor. E também pela Amanda por todo carinho. RESUMO Este trabalho teve como objetivo principal analisar a vulnerabilidade territorial decorrente do processo de especialização produtiva do setor sucroenergético na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro, Minas Gerais, a partir da década de 2000. Partimos da hipótese que a formação de uma região sucroenergética promove o aprofundamento da especialização produtiva resultando em maior vulnerabilidade territorial. Entende-se por vulnerabilidade territorial, a fragilização espacial decorrente da especialização produtiva que, por um lado, confere atributos de competitividade diferenciados ao segmento hegemônico, enquanto, por outro, diminui a autonomia local, à medida que insere a região num contexto de produção global, dentro do qual ela se torna funcional e alienada. Os resultados elucidaram que a Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro se especializou no setor sucroenergético no início do século XXI, processo percebido não só no campo, mas também nas áreas urbanas com objetos técnicos e informacionais funcionais ao setor. Conforme a região foi se tornando especializada no setor sucroenergético, os processos de vulnerabilidade ficaram evidentes, tais como: a queda de outras culturas agrícolas destinadas à produção de alimentos; a área agricultável passou a ser ocupada com 40% com a cana-de-açúcar; falências e recuperações judiciais de usinas sucroenergéticas e a degradação da remuneração e queda do número de trabalhadores do setor sucroenergético. Palavras-chave: setor sucroenergético; Triângulo Mineiro (MG); vulnerabilidade territorial. ABSTRACT The main objective of this work was to analyze the territorial vulnerability resulting from the process of productive specialization of the sugar-energy sector in the Sugar- energy Region of Triângulo Mineiro, Minas Gerais, starting in the 2000s. Guided by the hypothesis that the formation of a sugar-energy region promotes the deepening of the productive specialization resulting in greater territorial vulnerability. Territorial vulnerability is understood as the spatial fragility resulting from productive specialization that, on the one hand, confers differentiated attributes of competitiveness to the hegemonic segment, while, on the other hand, reduces local autonomy, as it inserts the region into a context of global production. , within which it becomes functional and alienated. The results elucidated that the Sugar-energy Region of Triângulo Mineiro specialized in the sugar-energy sector at the beginning of the 21st century, a process perceived not only in the countryside, but also in urban areas with technical and informational objects functional to the sector. As the region became specialized in the sugar-energy sector, vulnerability processes became evident, such as: the decline of other agricultural crops intended for food production; the arable area started to be occupied by 40% with sugar cane; bankruptcies and judicial recovery of sugar-energy plants and the degradation of remuneration and drop in the number of workers in the sugar-energy sector. Keywords: sugar-energy sector; Triângulo Mineiro (MG); territorial vulnerability. LISTA DE FIGURAS Figura 1: A estrutura da vulnerabilidade 28 Figura 2: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - mosaico de imagens da paisagem com a atividade do setor sucroenergético 59 Figura 3: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - mosaico de imagens com cultura de cana-de-açúcar e produção de grãos 60 Figura 4: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - armazéns para grãos (esquerda) e granja suína (direita) 61 Figura 5: Maiores países exportadores e importadores de açúcar cru no mundo, em milhões de toneladas, no ano de 2018 67 Figura 6: Trechos do etanolduto em operação e os trechos não concluídos 78 Figura 7: Trechos do etanolduto operando em 2019 79 Figura 8: Iturama (MG) - trecho pavimentado com PPP, entre o GTW e o Estado de Minas Gerais 82 Figura 9: Iturama (MG) - trecho da FNS, localizado aproximadamente a 2 km da Usina Coruripe 83 Figura 10: Página eletrônica da empresa BP no Brasil 87 Figura 11: Página eletrônica da empresa BP no Brasil 87 Figura 12: Ituiutaba (MG) - vista da usina BP 88 Figura 13: Brasil - ranking dos estados que mais geraram energia do bagaço de cana-de-açúcar, em 2018 127 Figura 14: Brasil - divisão dos recursos do BNDES para o setor sucroenergético, em 2018 128 Figura 15: Capinópolis - vista parcial da cidade próxima a produções agrícolas e silos de armazenamento de grãos 130 Figura 16: Ituiutaba - prédio de uma agência do SICOOB (esquerdo) e uma filial da CAMDA (direito) 140 Figura 17: Trator e implemento agrícola utilizados na cultura de cana-de-açúcar em Canápolis (MG) 141 Figura 18: Brasil - registro de agrotóxicos, série histórica entre os anos de 2000 a 2020 144 Figura 19: Sindicato Rural de Capinópolis ofertando curso de mecânica de trator 148 Figura 20: Santa Vitória - irrigação da cultura de cana-de-açúcar próxima à 153 usina SVAA Figura 21: Capinópolis - pulverizador utilizado na agricultura 154 Figura 22: Canápolis - pivô de irrigação em exposição na entrada da cidade 154 Figura 23: Capinópolis - caminhão utilizado no transporte de cana-de-açúcar 155 Figura 24: Santa Vitória - colheitadeira de cana-de-açúcar e caminhão utilizado para o transporte de cana-de-açúcar 155 Figura 25: Canápolis - estabelecimento de prestação de serviços agrícolas 156 Figura 26: Canápolis - estabelecimento de prestação de serviços de máquinas agrícolas 156 Figura 27: Ituiutaba - empresa de logística que presta serviço para usina BP- Bunge 156 Figura 28: Ituiutaba - oficina de máquinas agrícolas 157 Figura 29: Santa Vitória - oficina de caminhões e caçambas utilizados no transporte de cana-de-açúcar 157 Figura 30: Santa Vitória - oficina de caminhões utilizados no transporte de cana- de-açúcar 157 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Brasil - financiamentos de custeio da lavoura (R$) de cana-de-açúcar concedido a produtores e cooperativas, 2000 e 2012 34 Gráfico 2: Brasil - Desembolsos do BNDES para o setor sucroenergético, em bilhões de reais, 2000 e 2015 35 Gráfico 3: Índice CRB (da Thomson Reuters/CoreCommodity) medidor de preços de commodities no mercado internacional 44 Gráfico 4: Indicador mensal do valor em dólar (US$) por saca de 50 kg do açúcar VHP e cristal, cotado pelo CEPEA/Esalq, 2009 a 2018 47 Gráfico 5: Indicador semanal do valor em dólar (US$) por litro de todos os tipos de etanol, cotado pelo CEPEA/Esalq, 2009 a 2019 48 Gráfico 6: Brasil - fusões e aquisições no setor ‘Açúcar e Álcool’, 2000 a 2018 50 Gráfico 7: Brasil - quantidade (toneladas) de açúcar exportado nos anos 2000, 2005, 2010, 2015 e 2018 66 Gráfico 8: Brasil - quantidade (unidades) de países importadores de açúcar nos anos 2000, 2005, 2010, 2015 e 2018 67 Gráfico 9: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade 68 (unidades) de países que as usinas exportaram, 2001 a 2016 Gráfico 10: Centro-Sul - novas unidades de usinas abertas e usinas fechadas, entre as safras 2005/06 a 2018/19 90 Gráfico 11: Brasil - evolução do número de usinas com pedido de recuperação judicial, acumulado, 2008 a 2017 91 Gráfico 12: Brasil - área plantada (hectares) com cana-de-açúcar, milho e soja nos anos 1990, 2000, 2010 e 2018 123 Gráfico 13: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - área plantada com cana-de-açúcar, milho e soja, nos anos 1990, 2000, 2010 e 2019 124 Gráfico 14: Brasil - evolução dos preços (R$) do boi (arroba), milho (saca 60 quilos), soja (saca 60 quilos), açúcar cristal (saca 50 quilos) e etanol hidratado (litro) 126 Gráfico 15: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - valores (R$)* contratados de crédito rural, 2000 a 2020 137 Gráfico 16: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - número de contratos de crédito rural, 2000 a 2020 138 Gráfico 17: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, no setor sucroenergético, 2006 a 2019 162 Gráfico 18: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro – participação do setor sucroenergético (%) no total de vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, 2006 a 2019 162 Gráfico 19: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, no setor sucroenergético, por sexo, 2006 a 2019 163 Gráfico 20: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, no setor sucroenergético, por faixa etária, 2006 a 2019 164 Gráfico 21: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, no setor sucroenergético, por escolaridade, 2006 a 2019 165 Gráfico 22: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, no setor sucroenergético, por remuneração média (salário mínimo), 2006 a 2019 167 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Brasil - produção de Álcool e Açúcar no período de Desregulamentação e Liberalização da economia brasileira, 1990 a 2002 32 Tabela 2: Brasil - Área plantada (milhões de hectares) das lavouras permanentes e temporárias, 1990 a 2000 33 Tabela 3: Brasil - área plantada (milhões de hectares) de cana-de-açúcar, 1990 a 2000 33 Tabela 4: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - área plantada (hectares) de abacaxi, algodão e arroz, 2000 a 2019 54 Tabela 5: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - área plantada (hectares) de batata-inglesa, feijão, milho, soja, sorgo e trigo, 2000 a 2019 54 Tabela 6: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - área plantada (hectares) de banana, borracha (seringueira), café e laranja, 2000 a 2019 55 Tabela 7: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - percentagem da participação na área plantada (hectares), 2019 55 Tabela 8: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios, área (hectares) lavouras temporária e permanente, e participação da cana-de-açúcar no total da área plantada, 2019 56 Tabela 9: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios, área (hectares) lavouras temporária e permanente, e participação da cana-de-açúcar no total da área plantada, 2019 57 Tabela 10: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - efetivo dos rebanhos (cabeças) de bovinos, suínos e galináceos, 2000 e 2019 61 Tabela 11: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de vacas ordenhadas (cabeças) e produção de leite (mil litros), 2000 e 2019 62 Tabela 12: Número de estabelecimentos rurais (unidades), 2006 e 2017 62 Tabela 13: Número de estabelecimentos rurais (unidades) com terras arrendadas e próprias, 2006 e 2017 63 Tabela 14: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - número de estabelecimentos rurais (unidades) com terras próprias, 2006 e 2017 64 Tabela 15: Número de estabelecimentos rurais (unidades) que usaram agrotóxicos, 2006 e 2017 65 Tabela 16: Brasil - participação do açúcar nos valores (US$) da exportação, 68 2010 a 2017 Tabela 17: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - preços de terras (R$), nos anos 2005, 2013 e 2014, e a percentagem de aumento, 2005 e 2015 70 Tabela 18: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - preços de terras (R$) em 2007, 2015 e 2016, e a percentagem de aumento 2007 a 2016 71 Tabela 19: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - usinas sucroenergéticas que fizeram Parceria Público-Privada, ano, custo e extensão das obras 75 Tabela 20: Demonstrações financeiras da BP Bioenergia Ituiutaba Ltda. a respeito do capital social e prejuízos acumulados, 2013 e 2016 (em milhares de Reais (R$)) 89 Tabela 21: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - munícipios que tem usinas paradas e número de habitantes, 2010 94 Tabela 22: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - Produto Interno Bruto (PIB) (mil reais) dos munícipios com usinas paradas, 2016 95 Tabela 23: Fronteira (MG) - área total dos estabelecimentos agropecuários (hectares), área com cana-de-açúcar (hectare) e valor da produção (mil reais), 2010 97 Tabela 24: Fronteira (MG) - ocupação de trabalhadores (unidades) do setor sucroenergético, 2006 a 2017 98 Tabela 25: Canápolis e Capinópolis - capacidade de moagem (toneladas) das usinas, área total dos estabelecimentos agropecuários (hectares), área com cana- de-açúcar (hectare) e valor da produção (mil reais), 2010 99 Tabela 26: Canápolis e Capinópolis - ocupação de trabalhadores (unidades) do setor sucroenergético, 2006 a 2017 101 Tabela 27: Ibiá - capacidade de moagem (toneladas) das usinas, área total dos estabelecimentos agropecuários (hectares), área com cana-de-açúcar (hectare) e valor da produção (mil reais), 2010 103 Tabela 28: Ibiá - ocupação de trabalhadores (unidades) do setor sucroenergético, 2006 a 2017 104 Tabela 29: Santa Vitória - capacidade de moagem (toneladas) das usinas, área total dos estabelecimentos agropecuários (hectares), área com cana-de-açúcar (hectare) e valor da produção (mil reais), 2014 107 Tabela 30: Santa Vitória - ocupação de trabalhadores (unidades) do setor sucroenergético, 2006 a 2017 107 Tabela 31: Balanço financeiro da Bunge Açúcar e Bioenergia S.A. no Brasil, entre os anos de 2015 a 2018, em milhões de reais 111 Tabela 32: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios que possuem usinas sucroenergéticas com capital internacional, área plantada (hectares) com cana-de-açúcar, 2010 e 2018 e desempenho (%) no período 112 Tabela 33: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios que possuem usinas sucroenergéticas com capital internacional, área (hectares) com pastagens, 2006 e 2017 e desempenho (%) no período 113 Tabela 34: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios que possuem usinas sucroenergéticas com capital internacional, bovinos (cabeças), 2010 e 2018 e desempenho (%) no período 114 Tabela 35: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios que possuem usinas sucroenergéticas com capital internacional, leite (mil litros), 2010 e 2018 e desempenho (%) no período 114 Tabela 36: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - empréstimos contratados pelas usinas sucroenergéticas junto ao BNDES, entre os anos 2002 a 2021, municípios de localização, número do contrato, descrição dos projetos, programa e valores (R$) 135 Tabela 37: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - “cidades da cana”, número de habitantes (População estimada no ano de 2020), participação da área plantada (hectares) da cultura da cana-de-açúcar em relação às demais culturas temporárias e permanentes e a participação da cultura da cana-de-açúcar no valor da produção (R$) das demais culturas temporárias e permanentes 151 Tabela 38: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - “cidades da cana”, Produto Interno Bruto a preços correntes (Mil Reais) e as participações (%) do valor adicionado bruto a preços correntes da agropecuária, indústria, serviços e da administração, defesa, educação, saúde pública e seguridade social no valor total do PIB 152 Tabela 39: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - “cidades da cana” número de estabelecimentos agropecuários que utilizaram irrigação em 2006 e 2017 153 Tabela 40: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - população residente por situação de domicilio (%) e por sexo (%), no ano de 2010 159 Tabela 41: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro – pessoas residentes por lugar de nascimento, distribuídas por sexo (%) em 2010 160 Tabela 42: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, no setor sucroenergético, imigrantes internacionais, 2006 a 2019 163 Tabela 43: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - vínculos empregatícios formais ativos em 31/12, no setor sucroenergético, por grandes grupos ocupacionais, 2006 a 2019 169 LISTA DE MAPAS Mapa 1: Brasil - Área colhida (hectares) de cana-de-açúcar no ano de 2000 36 Mapa 2: Brasil - Área colhida (hectares) de cana-de-açúcar em 2013 36 Mapa 3: Brasil - Domínio do Cerrado e a área desmatada, 2000 a 2018 38 Mapa 4: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios que compõem a região produtiva de cana-de-açúcar 53 Mapa 5: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - área plantada com cana-de-açúcar e usinas no ano de 2003 58 Mapa 6: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - área plantada com cana-de-açúcar e usinas no ano de 2016 58 Mapa 7: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade (unidades) de países que as usinas exportaram seus produtos, 2016 69 Mapa 8: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - rodovias pavimentadas através de PPP, entre o Estado de Minas Gerais e usinas sucroenergéticas, 1998 e 2012 75 Mapa 9: Trecho da Ferrovia Norte Sul que passa pela Região Produtiva do Triângulo Mineiro 83 Mapa 10: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios que atendiam as usinas que decretaram falência e pedido de recuperação judicial 94 Mapa 11: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - localização das usinas sucroenergéticas dos grupos CMAA, BP/Bunge e Coruripe 116 Mapa 12: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de aeródromos privados, públicos e helipontos por munícipio, em 2021 132 Mapa 13: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de agências dos bancos do Brasil e SICOOB por munícipio, em 2021 133 Mapa 14: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de cooperativas por munícipio, em 2021 140 Mapa 15: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de concessionárias de máquinas agrícolas por munícipio, em 2021 142 Mapa 16: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de estabelecimento comercial de agrotóxico por munícipio, em 2013 143 Mapa 17: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de centros de pesquisa voltados à agropecuária, por munícipio 145 Mapa 18: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de cursos ligados à agropecuária, 2018 146 Mapa 19: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de lojas que vendem fertilizantes agrícolas, por munícipio em 2021 147 Mapa 20: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - quantidade de sindicatos patronais e de trabalhadores, por munícipio em 2021 148 Mapa 21: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - municípios das cidades da cana e quantidade de usinas sucroenergéticas 150 LISTA DE ORGANOGRAMA Organograma 1: Esquema de análise da vulnerabilidade territorial no setor sucroenergético 23 Organograma 2: Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro - esquema simplificado de uso da terra atual das usinas sucroenergéticas 72 SÚMARIO Introdução 17 Metodologia 21 Capítulo 1: As transformações recentes do setor sucroenergético brasileiro 27 1.1. Vulnerabilidade territorial: natureza e definições 27 1.2. A emergência do chamado setor sucroenergético 30 1.3. O setor sucroenergético brasileiro no pós-crise capitalista de 2008 39 1.3.1. As consequências da crise capitalista de 2008 no setor sucroenergético 45 Capítulo 2: Formação da Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 52 2.1. A especialização produtiva da agricultura científica no Triângulo Mineiro 52 2.2. A circulação desnecessária do etanol e açúcar na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 65 2.3. O uso da terra na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 70 2.4. A solidariedade institucional na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 73 2.4.1. Etanolduto 78 2.4.2. Ferrovia Norte-Sul 80 2.4.3. A escala regional como norma 84 2.5. O uso alienado e competitivo da Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 89 2.5.1. Os processos de recuperação judicial e falências de usinas sucroenergéticas na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 93 Capítulo 3: A internacionalização e a financeirização do setor sucroenergético na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 109 3.1. As formas de expatriação dos capitais: empresas que obedecem às lógicas financeiras globais 109 3.2. As ações hegemônicas de empresas na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 115 3.3. A expansão da produção de cana-de-açúcar como narrativa do cultivo de culturas flexíveis 119 Capítulo 4: A base técnica e informacional funcional ao setor sucroenergético da Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro 129 4.1. Densidades técnicas e informacionais 129 4.2. A flexibilidade organizacional nas ‘cidades da cana’ 149 4.3. O perfil socioeconômico dos trabalhadores do setor sucroenergético 158 Conclusões 171 Referências 175 17 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo principal analisar a vulnerabilidade territorial decorrente do processo de especialização produtiva do setor sucroenergético na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro, Minas Gerais, a partir da década de 2000. Partimos da hipótese que a formação de uma região produtiva do agronegócio (CASTILLO et. al, 2016; PEQUENO; ELIAS, 2016) promove o aprofundamento da especialização produtiva (MASSEY, 1995; SILVEIRA, 2011) resultando em maior vulnerabilidade territorial (CAMELINI, 2011; CASTILLO, 2013). A partir disso, propomos alguns objetivos específicos, que são: 1) definir a Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro com base no conceito de Região Produtiva do Agronegócio, a partir do fenômeno estudado; 2) analisar a especialização produtiva, a partir do avanço da agricultura científica e agronegócio globalizado e a instalação de novos sistemas técnicos; 3) analisar a funcionalidade dos municípios na região sucroenergética e 4) analisar a vulnerabilidade territorial a partir de um esquema teórico-metodológico. A partir dos anos 2000, ocorreu um significativo avanço de área plantada e da quantidade produzida de cana-de-açúcar no Brasil. Entre os anos de 2000 e 2019, a área plantada mais que dobrou, ao passar de aproximadamente cinco milhões para pouco mais de dez milhões de hectares, crescimento de 107% (IBGE, 2019). A quantidade produzida passou de 326 milhões para 752 milhões de toneladas, crescimento de mais de 130% (IBGE, 2019). Esse aumento se deve entre outros fatores: pela introdução dos carros flex-fuel, pelo suporte financeiro do Estado, pela tentativa de transformar o etanol em uma commodity e pelo aumento do preço do açúcar. A mesorregião do Triângulo Mineiro, em Minas Gerais, foi umas das áreas que incorporou parte dessa expansão da produção de cana-de-açúcar. Entre 2000 e 2019, a área plantada com cana-de-açúcar na mesorregião do Triângulo Mineiro passou de 126 mil para 673 mil hectares, crescimento de mais de 430% (IBGE, 2019). No mesmo período, a quantidade produzida de cana-de-açúcar passou de 10 milhões para mais de 53 milhões de toneladas, o que representa crescimento de 430% (IBGE, 2019). A expansão da área produtiva acompanhou a implantação de novas unidades sucroenergéticas na mesorregião, que entre 1999 e 2015, aumentou de nove para 25 (UDOP, 2015 e SITE DAS USINAS). 18 O avanço da área plantada com cana-de-açúcar não abrangeu todos os municípios da mesorregião do Triângulo Mineiro. Desta forma, o nosso exercício inicial foi identificar quais foram os municípios que incorporaram a produção de cana-de- açúcar para delimitar a área do fenômeno estudado. Diante disso, definimos a Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro (RSTM) que utilizamos na pesquisa para reconhecer a área que se especializou na produção de cana-de-açúcar a partir do ano 2000. O avanço da área com cana-de-açúcar gerou uma refuncionalização da RSTM resultando em situações de vulnerabilidade. Entende-se por vulnerabilidade a fragilização espacial decorrente da especialização produtiva que, por um lado, confere atributos de competitividade diferenciados para o segmento específico de atuação, enquanto, por outro, diminui a autonomia local, à medida que insere o território num contexto de produção global, dentro do qual ele se torna funcional e alienado (NEUBURGER, 2003; MALDONADO E CÓCCARO, 2010; CAMELINI, 2011; CASTILLO, 2013; FACCIN, 2017). Vainer (2002) destaca a importância escalar nas análises sociais, econômicas, culturais e políticas dos estudos espaciais. Para o autor não se pode conduzir a análise no sentido de reificar as escalas, como se estas antecedessem ou contivessem os processos. O que temos são processos com suas dimensões escalares, quase sempre ‘transescalares’. Em outras palavras, o tratamento ‘transescalar’ é necessário tanto para abordagens analíticas (escalas de análise), quanto para a construção de estratégias políticas, isto é, de sujeitos e projetos políticos, pois, revela a capacidade de articular ações nas escalas global, nacional, regional e local. Portanto, ‘escolher uma escala é também, quase sempre, escolher um determinado sujeito, tanto quanto um determinado modo e campo de confrontação’. A região é uma escala de análise que possui uma diversidade de definições ao longo da sistematização da ciência geográfica. A categoria região tem conceitos distintos no sentido clássico da geografia, nos termos administrativos, na região como fato e como ferramenta e, por fim no sentido de região produtiva. No sentido clássico da geografia, a região pode ser definida como uma porção do espaço que tem características físicas e socioculturais homogêneas, fruto de uma história que teceu relações que enraizaram os homens a esse espaço, fazendo-o distinto dos contíguos (LENCIONI, 2014). 19 No sentido administrativo a região pode ter a conotação de uma porção do espaço definida a partir de critérios políticos e econômicos definidos para gerir ações administrativas da política. Já em relação à região como fato, essa é expressiva da gênese e da estruturação de regiões que dependem da reconstrução histórica dos múltiplos processos que movimentaram e limitaram a ação hegemônica (RIBEIRO, 2015). Para a autora, trata-se da reflexão simultânea da estrutura espacial e da dinâmica socioeconômica e político-jurídica da formação social brasileira. Enquanto que a região como ferramenta é aquela que a ação hegemônica é conduzida pelas forças econômicas e políticas que dominam o território brasileiro, expressivas da aliança entre agentes externos e internos e condutora de ações subalternas (RIBEIRO, 2015). Segundo Castillo et. al. (2016) e Pequeno e Elias (2016) as transformações ocorridas na atividade agropecuária no Brasil, nas últimas cinco décadas, têm profundos impactos sobre a (re)organização do território brasileiro, resultando em novos arranjos territoriais. Entre esses, as Regiões Produtivas do Agronegócio (RPAs) é um conceito que os autores utilizam para definir os espaços que ocorrem essa (re)organização e, que pode ser definindo como os novos arranjos territoriais produtivos agrícolas, os territórios das redes agroindustriais, escolhidos para receber os mais expressivos investimentos produtivos inerentes ao agronegócio globalizado, representando suas áreas mais competitivas. Nelas encontram-se partes dos circuitos espaciais da produção e círculos de cooperação de importantes commodities agrícolas, evidenciando a dinâmica territorial do agronegócio. Para Santos (2014), a região no contexto do período técnico científico informacional é um subespaço subordinado à globalização. Segundo o autor, a região é uma combinação de solidariedades orgânica e organizacional. A solidariedade orgânica pode ser definida como os nexos econômicos, políticos e territoriais que ocorrem no local, são relações de cooperação mais limitadas entre os agentes locais. Já a solidariedade organizacional são os arranjos criadores de uma coesão organizacional baseada em racionalidades de origens distantes, portanto, ela é obtida através da circulação, do intercâmbio e do controle da região por agentes externos (SANTOS, 2014). Além disso, consideramos a proposta da solidariedade institucional como uma terceira dimensão de solidariedade geográfica. Para a solidariedade institucional, o local está sujeito às ações políticas de governo dos municípios, do Estado federado e do 20 Estado Nação (CASTILLO, TOLEDO Jr e ANDRADE, 1997, p. 79). As ações políticas através de isenções e benefícios condicionam a instalação de sistemas de engenharia em regiões onde ocorrem especializações produtivas. A partir desses pressupostos teóricos acreditamos que a região sucroenergética é a escala de análise mais pertinente no desenvolvimento desta pesquisa. A região sucroenergética baseada, sobretudo, nas definições de RPAs de Castillo et. al. (2016); Pequeno e Elias (2016) e região de Santos (2014) representa a aproximação mais ideal de compreensão do nosso fenômeno estudado, isto é, a região que se conformou e se especializou a partir da expansão da área plantada com cana-de-açúcar no Triângulo Mineiro a partir dos anos 2000. Os limites de análise da categoria geográfica de região vão variar de acordo com as diferentes abordagens. Quando a perspectiva da região for no sentido clássico da geografia, os limites serão uma relação de poder entre um centro e seu espaço circum- adjacente através de interações horizontais hierárquicas (LENCIONI, 2014). Essas interações estão relacionadas aos aspectos econômicos, ambientais e culturais. No âmbito da escala de análise da região administrativa os limites são fixos, delimitados por fronteiras municipais. Do mesmo modo que os limites territoriais são definidos a partir da lógica de exercício de poder por parte do estado, as regiões administrativas são fixadas pelo estado como estratégia para coordenar ações de cunho econômico e político. Em relação ao par dialético de região como fato e como ferramenta, a análise dos limites se diferencia de uma para outra. No caso da região como fato, os limites estão associados à dinâmica da totalidade, em contínua e instável configuração (RIBEIRO, 2015). Para a autora, delimitar a região como fato depende da reconstrução histórica dos múltiplos processos que movimentaram e limitaram a ação hegemônica. Esse processo no revela uma relação orgânica da sociedade com a construção da região. Já no âmbito da região como ferramenta, os limites podem ser considerados como flexíveis, ou seja, a delimitação regional é planejada a partir da ação hegemônica e seus interesses inerentes. Os limites da região sucroenergética, a escala de análise que propriamente nos interessa nesta pesquisa é flexível. Baseado no conceito de RPAs de Castillo et. al. (2016); Pequeno e Elias (2016), a região sucroenergética é delimitada a partir do fenômeno estudado, no caso, as transformações econômicas e políticas que os novos 21 arranjos territoriais produtivos agrícolas provocam na (re)organização do território brasileiro. A área da região sucroenergética pode abranger desde municípios, microrregiões e mesorregiões (divisão de planejamento territorial do IBGE) e até estados da federação. Na produção do agronegócio moderno o desenvolvimento de regiões produtivas atribui a elas uma competitividade diferenciada, em função dos investimentos privados e públicos que equipam essas áreas com uma base técnica e informacional específicas. Nelas podemos citar infraestrutura, tais como, unidades processadoras e de armazenamento, pavimentação de estradas, grandes obras de logística, funcionalidade de serviços e comércio entre outros. A especificidade das atividades que são implementadas na região produtiva podem provocar o detrimento de produções exercidas tradicionalmente naqueles locais e/ou inibir o avanço de uma diversidade produtiva. A vulnerabilidade é um processo que entendemos que vai ocorrer em decorrência, dentre outros, da especialização produtiva fruto da maior competitividade da região. Vai se expressar no território, desta forma, a vulnerabilidade territorial vai evidenciar as consequências das Regiões Produtivas do Agronegócio para a formação sócioespacial. Tais consequências podem ser no âmbito social, territorial e econômico. O processo de falência de uma usina sucroenergética e seus prejuízos de falta de pagamento pelos contratos de arrendamento e trabalhistas é um exemplo de como as consequências da especialização produtiva são notadas no território. As áreas de difusão da cana-de-açúcar são um dos melhores exemplos de regiões sucroenergéticas. Nelas ocorre um verdadeiro rearranjo do território para atender às demandas do agronegócio globalizado (ELIAS, 2011). Sob a égide de grandes corporações, investidores e produtores, o uso dessas regiões se reorganiza, com a implantação seletiva de sistemas técnicos e normativos funcionais à agricultura científica (SANTOS, 2000). Trata-se da constituição de regiões produtivas (CASTILLO et. al., 2016; PEQUENO; ELIAS, 2016), isto é, de espaços corporativos e especializados na produção de cana-de-açúcar. Metodologia Com o objetivo de manter a coesão epistemológica durante a pesquisa e permitir uma melhor sistematização dos resultados encontrados, adotamos uma abordagem 22 teórico-metodológica que busca atender aos princípios da coerência, pertinência e operacionalidade (SILVEIRA, 2000). Para tanto, elaboramos um esquema de análise para entender a vulnerabilidade territorial na RSTM. Para tanto, inicialmente buscamos construir uma discussão do conceito de vulnerabilidade no âmbito da geografia. Para isso, o primeiro capítulo traz algumas das principais obras que introduziram o tema nos estudos da Geografia. A partir dessa discussão apresentamos a definição para o processo de vulnerabilidade territorial. Ainda no primeiro capítulo, desenvolvemos outras duas discussões a respeito da evolução do setor sucroenergético brasileiro. No segundo item do primeiro capítulo, debatemos como a estratégia de acumulação de capital na agricultura, via exportação de commodities foi retomada no início do século XXI e contribuiu para o crescimento do setor sucroenergético no Brasil. Além disso, concluímos o capítulo apresentando como que o setor sucroenergético brasileiro fora afetado economicamente no período pós- crise capitalista do ano de 2008. Indicamos com nosso esquema de análise que a vulnerabilidade territorial no setor sucroenergético vai se expressar a partir de três eixos de análise: a especialização regional produtiva; a internacionalização e financeirização do setor sucroenergético; o avanço do setor sucroenergético sob a RSTM. 23 Organograma 1: Esquema de análise da vulnerabilidade territorial no setor sucroenergético Org.: Próprio autor (2019) O segundo capítulo tem como temática central a discussão sobre a especialização produtiva na Região Sucroenergética do Triângulo Mineiro. Para isso, trabalhamos com as algumas variáveis que auxiliaram entender o tema central, tais como: circulação desnecessária do setor sucroenergético; às formas de uso da terra das usinas, que gerou aumento dos preços da terra e os modelos de arrendamento. Além disso, compreendemos também, como o setor sucroenergético desenvolveu solidariedades organizacional e institucional na região sucroenergética. Por fim, os processos de falência e recuperação judicial. No segundo capítulo, nos baseamos, sobretudo, na proposta teórico- metodológica de Silveira (2011) que aborda as especializações territoriais produtivas como resultantes do exercício de uma divisão do trabalho mais competitiva e da agregação de atividades similares ou complementares. Diante disso, nos detemos a analisar como o avanço do setor sucroenergético recebeu grandes investimentos na RSTM e gerou atividades funcionais ao setor. Além disso, analisamos algumas consequências que o avanço do setor gerou na dinâmica produtiva da região. 24 Os dados utilizados no segundo capítulo tiveram como fonte bases primárias, isto é, informações descritas no trabalho de campo e bases secundárias, ou seja, dados elaborados por órgãos oficiais e específicos do tema em análise. O trabalho de campo foi realizado no mês de junho de 2019. Na ocasião realizaram-se visitas na Usina CMAA de Uberaba; nas secretarias da agricultura e sindicatos dos trabalhadores rurais, dos munícipios de Canápolis, Capinópolis e Santa Vitória; nas dependências da antiga Usina Triálcool, atual CMAA, no município de Canápolis e na Usina CRV Minas do Grupo Japungu, antiga Usina Vale do Paranaíba, em Capinópolis. Além disso, realizou- se também entrevista via questionário por e-mail com a Usina BP de Ituiutaba. As bases de dados com fontes secundárias que utilizamos no segundo capítulo foram bem diversas. A começar pelo Censo Agropecuário de 2006 e 2017; Censo Demográfico de 2010; Produção Agrícola Municipal entre 2010 e 2019; Produção Pecuária Municipal entre 2010 e 2019 e Produto Interno Bruto Municipal em 2016, todos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os mapas foram elaborados no software livre Quantum Gis (QGIS) e utilizaram as camadas: da divisão territorial administrativa do IBGE (2010); da área plantada com cana-de-açúcar, do projeto do CanaSat (RUDORFF et. al., 2010); da localização das usinas sucroenergéticas, do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE); da malha de rodovias do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e da malha de ferrovias do Ministério da Infraestrutura. Além disso, utilizamos dados de exportação de açúcar do Brasil, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) (2005 e 2018); a participação dos valores do açúcar brasileiro exportado na balança comercial do país do Observatory of Economic Complexity (OEC) (2019); os preços de terras agrícolas destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar da consultoria em agronegócio FNP – Informa Economics (2015); das usinas sucroenergéticas em operação e as tiveram atividades encerradas, entre 2005 e 2019, da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (ÚNICA) e dados sobre Parceria Público-Privada (PPP) do estado de Minas Gerais até o ano de 2017. Por fim, utilizamos os dados de ocupação de trabalhadores do Ministério do Trabalho, disponibilizado pela plataforma da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para os municípios que tiveram usinas sucroenergéticas que encerraram suas atividades por falência ou pedidos de recuperação judicial na RSTM entre os anos 2006 e 2017. 25 No terceiro capítulo, a temática central foi discutir como os grupos com capital internacional e/ou financeirizados atuam no setor sucroenergético da RSTM. Para isso, utilizamos como variáveis, a expatriação dos lucros, isto é, como empresas de origem estrangeira obedecem às lógicas globais de seus comandos e enviam lucros para outros lugares. Abordamos também, como as usinas sucroenergéticas adotam lógicas de gestão financeira de suas estratégias na região. Verificamos os processos de fusões e aquisições do setor sucroenergético. Isso permitiu entender o comportamento do setor e se há um processo de concentração e centralização do capital. Além disso, abordamos como a ordem global dos mercados provocou uma instabilidade no território local e regional. Por fim, como essa ordem influencia as empresas no uso competitivo da região. Tudo isso, numa tendência global de produção das flex crops, isto é, culturas flexíveis que produzem tanto alimento, quanto ração e energia. Os dados utilizados no terceiro capítulo também foram de fontes primárias e secundárias. Os de fontes primárias foram a partir da entrevista de campo com o setor administrativo e financeiro da Usina CMAA e também com o questionário enviado a Usina BP de Ituiutaba. No que diz respeito aos dados secundários, as bases de informações foram: os Censos Agropecuários de 2006 e 2017; a Produção Agrícola Municipal entre 2000 e 2018 e a Produção Pecuária Municipal entre 2010 e 2018, todos do IBGE; preços de commodities do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), entre 2005 e 2020; e os dados do balanço financeiro do grupo Bunge de 2018. Além desses, utilizou-se o software QGIS na elaboração do mapa para localizar algumas usinas sucroenergéticas da RSTM com as camadas da divisão territorial do IBGE (2010) e das usinas sucroenergéticas do CTBE (2015). No quarto capítulo analisamos as variáveis que demonstraram como o avanço recente do setor sucroenergético tornou a economia e a organização espacial funcional na RSTM. Esse processo se deu com a expansão da área plantada e a instalação das novas usinas na região a partir do ano 2000. Neste capítulo, abordamos a funcionalidade do comércio das cidades da região, a construção de infraestruturas e o perfil sociodemográfico dos trabalhadores do setor sucroenergético. No quarto capítulo nos baseamos nas metodologias de Pereira (2014; 2016) e Demétrio (2020) para analisar a funcionalidade das cidades na produção sucroenergética e os dados demográficos no setor sucroenergético. As bases de dados que utilizamos foram: Censo Agropecuário de 2006 e 2017, Censo Demográfico 2010, Produto Interno 26 Bruto dos municípios, todos do IBGE e os vínculos empregatícios do setor sucroenergético que constam na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). As variáveis que apresentamos perpassaram pela população total residente, distribuída por domicílios urbanos e rurais, entre homens e mulheres, pessoas residentes que nasceram em outros estados, área plantada com cana-de-açúcar e valor da produção da cultura de cana-de-açúcar. Nas informações do RAIS consideramos a classificação nos seguintes grupos: cultivo da cana-de-açúcar, fabricação do açúcar em bruto, fabricação do açúcar refinado e fabricação de álcool. Além desses, realizamos um levantamento de objetos técnicos instalados que contribuem para a funcionalidade do setor sucroenergético da RSTM. Na lista desses objetos estão os aeródromos; os bancos e as operações financeiras; as cooperativas; as lojas que comercializam máquinas agrícolas, insumos e vendas de agrotóxicos; centros de pesquisas voltadas a agropecuária; cursos com temáticas ligadas à agropecuária e sindicatos. A partir dessas informações, elaboramos a espacialização desses objetos com a construção de mapas com as camadas da divisão territorial do IBGE (2010). 27 CAPÍTULO 1: As transformações recentes do setor sucroenergético brasileiro 1.1. Vulnerabilidade territorial: natureza e definições O termo vulnerabilidade refere-se ao estado do que é ou se encontra vulnerável, de acordo com Ferreira (2009) e Houaiss e Villar (2009). Ainda segundo os autores, pode-se dizer de vulnerável ‘o lado fraco de um assunto ou de uma questão, ou do ponto pelo qual alguém pode ser atacado, ou ferido’ (FERREIRA, 2009). Além disso, pode ser considerado como sinônimo de ‘ferido, sujeito a ser atacado, derrotado: frágil, prejudicado ou ofendido’ (HOUAISS e VILLAR, 2009). É a partir dessas definições literais do termo vulnerabilidade que partimos nossas análises para o campo científico aplicado à Geografia. De acordo com Maldonado (2015), os estudos de vulnerabilidade social no âmbito territorial da Geografia tiveram um importante desenvolvimento teórico nos últimos anos. Segundo a autora, o termo foi incorporado e adaptado a partir dos estudos da perspectiva das mudanças climáticas, sobretudo, a partir do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no ano de 2001. Entretanto, a autora enumera alguns importantes autores que iniciaram o desenvolvimento do conceito de vulnerabilidade, antes do período supracitado, tais como: Chambers (1989), O’Keefe et al. (1976), Susman et al. (1983), Cannon (1994), Blaikie et al. (1996) e Cutter (1996). Em geral, a discussão inicial, que os autores realizaram do conceito de vulnerabilidade, esteve vinculada ao espaço rural de países africanos, que sofriam com a fome (MALDONADO, 2015, p. 12). Aqui, resgataremos o trabalho dos geógrafos Bohle; Downing e Watts (1994), intitulado ‘Climate change and social vulnerability: toward a sociology and geography of food insecurity’. Em linhas gerais, os autores argumentam que a vulnerabilidade se constitui em uma estrutura multicamada e multidimensional, definida por determinadas capacidades política, econômica e institucional das pessoas, em determinados lugares em um tempo específico. Eles analisam a vulnerabilidade a partir de três processos distintos: a ecologia humana, os direitos expandidos e a economia política (Figura 1). 28 Figura 1: A estrutura da vulnerabilidade Fonte: Bohle; Downing e Watts (1994, p. 39) O processo de ecologia humana refere-se às formas de transformação da natureza através do trabalho. O segundo processo, ou seja, o direito expandido, determina que a definição legal do conceito deva ser ampliada, e incluir os direitos legal, cultural e intrafamiliares, pois também, são direitos assegurados e disputados na sociedade. Já o terceiro processo, o da economia política, envolve uma macroestrutura no regime nacional de acumulação que aponta a influência por processos transnacionais que inclui a produção, distribuição e apropriação de mais-valia. A intersecção desses três processos produz três tipos de formas analíticas complexas: o empoderamento, as relações de classe e poder e a ecologia política. Além disso, os autores identificam alguns sujeitos vulneráveis no âmbito rural, como: os pequenos agricultores, com quantidade limitada de terra, talvez pobres em recursos financeiros e expostos a choques externos da economia; os criadores, muitas vezes sensíveis à secas e pragas, sujeitos a colapsos se seus direitos não são respeitados em um contexto político de marginalidade; os prestadores de serviços, os chamados ‘diaristas’, cuja inserção está estreitamente vinculada à dinâmica de mercado e suas jornadas estão submetidas às decisões políticas; e os grupos sociais que são expulsos do meio rural, por falta de ‘adaptação’ às práticas de produção modernas. 29 Apresentamos aqui também outra definição de vulnerabilidade social, em que Busso (2001, p. 8) identifica como um processo multidimensional que converge no risco ou probabilidade do indivíduo, família ou comunidade de ser ferido ou prejudicado por mudanças ou permanência de situações externas e/ou internas. A vulnerabilidade social dos sujeitos, como o desamparo institucional do Estado que não contribui para fortalecer ou cuidar de seus cidadãos, gera uma fraqueza interna para enfrentar concretamente as mudanças necessárias do indivíduo ou do agregado familiar. Provoca uma insegurança permanente que paralisa, incapacita e desmotiva a possibilidade de pensar estratégias e atuar no futuro para alcançar melhores níveis de bem-estar. Ainda na perspectiva da vulnerabilidade social, Filgueira (2001, p. 10) entende como uma configuração particular e negativa resultante da interseção de dois conjuntos: um definido no nível "macro", relacionado à estrutura de oportunidades; e outro no nível "micro", referente aos ativos dos atores. Simplificando os termos, é possível afirmar que a diferença entre esses dois conjuntos reside no fato de que os indivíduos diretamente não controlam ou não podem influenciar os padrões mais gerais da estrutura de oportunidades. No âmbito rural, Neuburger (2004) salienta que a vulnerabilidade se deve ao processo de fragmentação, em virtude da globalização. A partir desse processo, segundo a autora, cria-se ‘ilhas de modernização’ que estão diretamente vinculadas com o mundo global. Em tais regiões aumenta o perigo da marginalização e exclusão dos grupos sociais que pertencem aos extratos baixos da população. Os grupos mencionados pertencem aos pequenos camponeses e trabalhadores rurais. Conforme as autoras Coy e Neuburger (2009), as regiões de produção agrícola moderna no Brasil ajustaram-se às ‘regras’ da globalização, ou seja, desenvolveram uma produção voltada a atender a demanda dos mercados externos. Com isso, os espaços modernizados estão sujeitos, antes de tudo, a uma crescente vulnerabilidade econômica, não só através da desregularização estatal, como também através das relações diretas com os mercados globais e da crescente influência das bolsas de valores internacionais. As decisões comerciais tomadas por atores locais serão cada vez mais influenciadas pela competição global e pela concorrência dos espaços de produção. No trabalho de Maldonado e Cóccaro (2011), os autores elaboraram um esquema teórico de análise sobre vulnerabilidade em áreas rurais. Segundo os autores, a 30 vulnerabilidade é explicada por um processo de construção social, definido e determinado pela maneira como diferentes atores sociais usam e produzem o território. Este processo de produção se expressa em uma relação dialética que opera entre a sociedade e o território, em diferentes escalas espaço-temporais, que têm seu escopo de materialização no local. Portanto, considera-se apropriado descrever a vulnerabilidade como 'sócio-territorial', para destacar o surgimento de grupos vulneráveis da racionalidade que orienta o modo como o território é usado. Diante do exposto, entendemos que a vulnerabilidade territorial pode ser compreendida como a fragilização espacial decorrente da especialização produtiva. Tal fenômeno ocorre através da viabilidade do Estado atuando como agente mediador das relações institucionais, permitindo assim, a instalação de objetos técnicos de modo a contribuir para o setor especializado, assim como, os agentes hegemônicos que estabelecem medidas para tornar a região cada vez mais competitiva no âmbito da produção global. Esse processo tem como consequência direta a diminuição da autonomia local, tornando a região funcional e alienada. 1.2 A emergência do chamado setor sucroenergético Desde os anos 1970, objetos técnicos modernos e ações políticas voltadas ao desenvolvimento do agronegócio foram implantados no território brasileiro. Essa dinâmica priorizou a expansão de monoculturas voltadas à exportação, as chamadas commodities. Essas culturas adotam um uso intensivo de fertilizantes, agrotóxicos e maquinários. Entre as principais culturas, destacamos aqui a soja, o milho e a cana-de- açúcar. No contexto brasileiro, as décadas de 1980 e 1990 foram, de acordo com Delgado (2012), um período de transição entre a ‘modernização conservadora’ da era militar (1965 – 1985), para uma ‘economia do agronegócio’ (a partir dos anos 2000). Segundo o autor, esse período foi marcado por dois importantes eventos: as crises cambiais dos anos de 1982 e de 1999. Diante de tais crises, os governos vigentes na época, adotaram medidas conjunturais de ajustes econômicos e recorreram à estratégia de acumulação de capital na agricultura via exportação de commodities, como forma de resolução do déficit nas contas públicas. Porém, a efetivação dessa orientação como 31 estratégia econômica somente ocorreu nos anos 2000, quando a pauta agroexportadora passou por um processo estrutural de ‘reprimarização’ (DELGADO, 2012, p. 77 – 78). Ao longo da década de 1980, as chamadas políticas neoliberais foram impostas aos países da América Latina. Essas políticas foram transplantadas como um conjunto de mudanças institucionais, produtivas, comerciais e financeiras, que consistiam, resumidamente, em diminuição do papel do Estado, privatizações, desregulamentações e abertura comercial (CANO, 1999, p. 299). O discurso ideológico utilizado como retórica para justificar tais mudanças foi que chegara a hora da periferia modernizar-se, igualando-se ao Primeiro Mundo. E que para isso acontecer, necessitava daquele conjunto de reformulações. Ademais, para Delgado (2012), as reformas neoliberais promovidas nos anos 1990, nas políticas agrícolas, desmontaram importantes estruturas internas de fomento produtivo e comercial e a abriram ao comércio exterior. No período entre 1994 e 1999, ocorreu a mudança neoliberal da política de comércio exterior no Brasil. O governo liberou o comércio exterior, ancorado no tripé câmbio sobrevalorizado, tarifas ultramitigadas e desregulamentação no campo das políticas de fomento agrícola e industrial. O resultado dessa política na agricultura foi a queda do preço da terra e da renda agrícola (DELGADO, 2012, p. 81 – 82). Além disso, outro evento importante naquele período de transição foi a promulgação da Constituição de 1988. Delgado (2012, p. 83) afirma que houve três vertentes de orientação político-normativa às políticas agrícolas, no período posterior à sua promulgação: uma herança do projeto de ‘modernização conservadora’; a pressão neoliberal por desregulamentação, livre comércio e estado mínimo; e a normativa do texto constitucional, cuja novidade jurídica consistiu em elevar à categoria de direito vários dos princípios de política agrária, contidos no Estatuto da Terra. Porém, segundo Delgado (2012, p. 84), o jogo político e social do período pós- constituinte, nos anos 1990, foi marcado por uma das tendências, a vertente neoliberal. O que produziu forte processo de desmontagem das instituições estatais gestoras do projeto de ‘modernização conservadora’, sem que se houvesse planejado ou construído uma nova orientação estratégica para expansão capitalista da agricultura até a crise de 1999. No início da década de 1990, o governo extinguiu o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA). Com o neoliberalismo em prática na política econômica do país, o setor 32 de cana-de-açúcar passou por um período de estagnação de investimentos por parte do Estado. Isso prejudicou a expansão da produção, sobretudo de etanol que atendia basicamente à demanda interna criada nas décadas anteriores. Por outro lado, a produção de açúcar foi alavancada, principalmente pela entrada de capital externo no setor e pela flexibilização das tarifas comerciais para as commodities. (Tabela 1). Tabela 1: Brasil - produção de Álcool e Açúcar no período de Desregulamentação e Liberalização da economia brasileira, 1990 a 2002 Safra Álcool Total Açúcar Bilhões Litros Variação em relação 90/91 Milhões toneladas Variação em relação 90/91 90/91 11,5 7,3 91/92 12,7 10,4% 8,6 17,8% 92/93 11,6 0,8% 9,2 26% 93/94 11,2 -2,6% 9,2 26% 94/95 12,6 9,5% 11,7 60,2% 95/96 12,5 8,6% 12,6 72,6% 96/97 14,4 25,2% 13,6 86,3% 97/98 15,4 33,9% 14,8 102,7% 98/99 13,9 20,8% 17,9 145,2% 99/00 13,0 13% 19,3 164,3% 00/01 10,5 -8,6% 16,0 119,1% 01/02 11,4 -0,8% 18,9 158,9% Fonte: ALCOPAR, s,d. Diante da desregulamentação do setor sucroenergético, os subsídios às usinas foram cortados e o setor precisou se reestruturar e buscar novos investimentos. O ano de 1995 marcou o início da desregulamentação do mercado brasileiro de açúcar e etanol. Esse período ficou caracterizado por fusões e aquisições de empresas e também pelo início dos investimentos estrangeiros na atividade canavieira no Brasil (CAMPOS; CLEPS Jr, 2016, p. 7). As mudanças políticas da década de 1990 tiveram como objetivo promover a abertura comercial do Brasil. Eliminaram-se as barreiras tarifárias às importações, favoreceram-se os investimentos financeiros externos, ampliaram-se as possibilidades de captação de recursos externos pelos bancos e grandes empresas do Brasil e, ainda, eliminaram-se as restrições e tratamentos tributários diferenciados para aplicação de não residentes no mercado financeiro brasileiro ou na forma de investimento direto. Os investimentos foram atraídos também pelas novas oportunidades de negócios originadas no processo de privatização e pela possibilidade de compra de empresas privadas nacionais (BACCARIN, 2005). 33 Naquele período, houve também a queda da área plantada de lavouras permanentes e temporárias devido à redução nos investimentos estatais, até então o principal subsidiário da produção agrícola brasileira. Essas reformas consistiram no desmonte dos institutos de fomento (o IAA é um exemplo); na reestruturação da política comercial de preços e estoques operada pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) e na redução substancial do volume de crédito rural para agricultura capitalista (DELGADO, 2012, p. 84). Para evidenciar esses processos, a Tabela 2 apresenta os dados de área plantada com as lavouras permanentes e temporárias entre os anos de 1990 a 2000. Tabela 2: Brasil - Área plantada (milhões de hectares) das lavouras permanentes e temporárias, 1990 a 2000 Lavouras permanentes 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Variação 90/00 (%) 7.1 6.9 6.8 6.2 6.0 5.8 5.6 5.8 6.0 6.2 6.2 -13 Lavouras temporárias 45.9 44.7 45.4 42.9 46.7 45.9 41.2 42.4 42.4 44.4 45.5 -0,8 Fonte: IBGE/Produção Agrícola Municipal A área plantada com cana-de-açúcar, ao longo da década de 1990, sofreu oscilações, porém terminou a década com saldo positivo de 12%, em relação ao início do período (Tabela 3). Isso é reflexo da manutenção dos canaviais do Nordeste, que tinham como principal produção o açúcar e as aquisições de usinas falidas do Centro- Sul por grupos nordestinos e estrangeiros. Tabela 3: Brasil - área plantada (milhões de hectares) de cana-de-açúcar, 1990 a 2000 Cana-de-açúcar 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Variação 90/00 4.3 4.2 4.2 3.9 4.3 4.6 4.8 4.8 5.0 4.9 4.8 12% Fonte: IBGE/Produção Agrícola Municipal No ano de 1999, diante da crise cambial o Estado brasileiro relançou a estratégia de acumulação de capital na agricultura via exportação de commodities (DELGADO, 2012). Já o início dos anos 2000, o Estado brasileiro voltou a viabilizar a expansão da cultura de cana-de-açúcar, especialmente em áreas de Cerrado. Os créditos subsidiados (Gráficos 1 e 2) para construção de novas plantas de usinas, para a aquisição de maquinários, para o custeio no cultivo, além de políticas de incentivos à produção de carros com motor flex impulsionaram uma nova onda de crescimento da produção de 34 cana-de-açúcar. O setor que era chamado de sucroalcooleiro até o final da década de 1990, passou a ser denominado sucroenergético, no início dos anos 2000, em função da sua nova capacidade de produzir energia oriunda do bagaço da cana-de-açúcar. Observa-se no Gráfico 1, que os investimentos públicos para custeio das lavouras de cana-de-açúcar tomaram impulso, sobretudo, a partir do ano de 2006. Mesmo com a crise de 2008, os investimentos públicos continuaram crescendo até o ano de 2012. Entretanto, nesse último período houve uma queda de investimentos privados externos (FERRACIOLI; BACHA; JACOMINI, 2016). Gráfico 1: Brasil - financiamentos de custeio da lavoura (R$) de cana-de-açúcar concedido a produtores e cooperativas, 2000 e 2012 Fonte: elaborada com dados do Banco Central do Brasil (2011) disponível em Ferracioli; Bacha; Jacomini (2016) Nota: dados deflacionados pelo IGP-DI, ano base 2000 O Gráfico 2 demonstra que os desembolsos do BNDES não apresentaram grandes variações absolutas entre os anos 2000 a 2004. Enquanto que o período seguinte, de 2005 a 2010, aumentaram os investimentos do banco por causa da expansão das estruturas produtivas, decorrente da demanda gerada pelos carros flex-fuel e da tentativa de transformar o etanol em uma commodity. Entre os anos 2013 e 2014, houve uma retomada de investimentos em função da oferta de linhas de crédito BNDES Pass, Prorenova, BNDES PSI e BNDES Paiss. Enquanto a queda em 2015 foi em função da alta da taxa de juros. 35 Gráfico 2: Brasil - Desembolsos do BNDES para o setor sucroenergético, em bilhões de reais, 2000 e 2015 Fonte: elaborada com dados de Desembolsos do BNDES (2016) disponível em Ferracioli; Bacha; Jacomini (2016) Nota: dados deflacionados pelo IGP-DI, base jan. de 2015 Para tanto, as políticas de incentivo à expansão da cana-de-açúcar promoveram a expansão significativa da área plantada no Brasil. Entre os anos de 2000 a 2019, a área plantada mais que dobrou, ao passar de 4,9 milhões para pouco mais de 10 milhões de hectares, crescimento de 107% (IBGE, 2019). A quantidade produzida passou de 326 milhões para 752 milhões de toneladas, crescimento de mais de 130% (IBGE, 2019). O estado de São Paulo é o maior produtor nacional, com 55% da área plantada (IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2019). A partir dessa unidade da federação, constituíram-se desde a década de 2000, duas frentes de expansão da área plantada com cana-de-açúcar. Uma em direção ao oeste, adentrando os estados do Mato Grosso do Sul; e outra, que nos interessa particularmente, em direção ao nordeste do estado, adentrando a região do Triângulo Mineiro e estado de Goiás, como pode ser visto nos próximos mapas (Mapa 1 e 2). 36 Mapa 1: Brasil - Área colhida (hectares) de cana-de-açúcar no ano de 2000 Mapa 2: Brasil - Área colhida (hectares) de cana-de-açúcar em 2013 O avanço da cana-de-açúcar inseriu algumas regiões no circuito produtivo agrícola moderno e especializado. Essas regiões receberem grandes investimentos – públicos e privados – e tornaram-se especializadas num campo moderno e funcional ao agronegócio. Nesse campo moderno criam-se objetos técnicos (SANTOS, 2012), tais como, infraestruturas (rodovias, ferrovias, etanolduto, entrepostos etc.) nas áreas rurais 37 e urbanas com intuito de atender ao setor produtivo. A região do Triângulo Mineiro é um exemplo concreto dessas áreas. De acordo com Xavier; Pitta e Mendonça (2011), no relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o Cerrado é a área que mais sofreu as consequências da expansão do setor sucroenergético no início do século XXI. [...] a região preferencial da chamada “nova” expansão é o Cerrado, devido à existência de grandes bacias hidrográficas, que se constituem em elementos importantes de apropriação de recursos naturais neste modelo agrícola. A forma de aquisição de novas áreas se dá através da substituição do cultivo de alimentos, através do arrendamento de terras. Este processo gerou especulação imobiliária e forte alta no preço da terra e também um aumento de 30% no preço dos alimentos. Outra forma de expansão é sobre áreas de proteção ambiental, pressionando a fronteira agrícola no Cerrado, Pantanal e Amazônia (XAVIER; PITTA; MENDONÇA, 2011, p. 18). O Cerrado tornou-se uma das áreas que mais ocorreu a expansão da produção agrícola moderna. Isso foi fruto de ações do Estado - que viabilizou através de investimentos púbicos, e de um conjunto de empresas nacionais e estrangeiras que passaram a organizar e regular a produção, circulação e comercialização, para atender, sobretudo, à demanda externa. A expansão da área plantada de cana-de-açúcar teve como uma de suas consequências o desmatamento no Cerrado brasileiro. Não estamos afirmando que a cana-de-açúcar foi a principal responsável pelo aumento do desmatamento, porém, entendemos que o avanço do setor sucroenergético, associado às outras monoculturas (soja e milho) contribuíram de forma direta para esse processo. Conforme dados do projeto de monitoramento do Cerrado 1 , do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre os anos de 2000 a 2018, praticamente 15% da área do Cerrado foram desmatadas (Mapa 3). 1 http://www.obt.inpe.br/cerrado/ http://www.obt.inpe.br/cerrado/ 38 Mapa 3: Brasil - Domínio do Cerrado e a área desmatada, 2000 a 2018 Alguns estudos já evidenciaram o processo de avanço do setor sucroenergético em regiões do Cerrado, tais como Camelini (2011) e Da Silva (2016). Ambos os trabalhos demonstraram que na nova fase de crescimento do setor sucroenergético, ocorrida no início dos anos 2000, mudou o perfil gerencial e normativo da organização produtiva. Os agentes privados passaram a adotar diversas estratégias de associação e de comando de suas empresas. Além disso, casos de especializações produtivas e vulnerabilidade regionais foram identificados em tais pesquisas. De acordo com Pereira (2014, p. 2803), o aumento recente da produção de cana- de-açúcar resulta de uma participação cada vez mais direta do país numa divisão do trabalho desenhada no exterior. O Brasil tem participado como grande fornecedor destas commodities (o açúcar, por exemplo) no mercado externo, ou seja, é toda uma orientação do uso do território que atende a anseios externos e que inclusive tem (no 39 Brasil e também no Triângulo Mineiro) cada vez mais sido coordenado por grandes grupos estrangeiros. A presença de grupos de capital estrangeiro no agronegócio é cada vez mais recorrente no Brasil. A desregulamentação econômica ocorrida na década de 1990, associada à retomada de investimentos estatais no início dos anos 2000, facilitou a entrada de capital estrangeiro no setor sucroenergético. Os grupos estrangeiros (participação majoritária e minoritária) participaram de um total de 25,3% do total da moagem brasileira de cana-de-açúcar, o que correspondeu a 149,4 milhões de toneladas, na safra 2012/13 (OLIVEIRA, 2016, p. 138). O setor sucroenergético brasileiro passou por um processo de financeirização no século XXI. A desregulamentação do setor, a retomada de investimento via créditos estatais subsidiados e a entrada de grupos financeiros de capitais (inter) nacionais levaram ao desenvolvimento do processo de financeirização. Arrighi (2008, p. 239) demonstra de acordo com Braudel, que a financeirização é a capacidade do capital financeiro de tomar posse e dominar, ao menos por um determinado período, todas as atividades do mundo dos negócios no sistema da superacumulação de capital. A tese que o regime neoliberal prega, isto é, o Estado mínimo intervindo na economia é desmontada. A retomada do crescimento do setor sucroenergético só foi possível através de investimentos massivos do Estado, o que contribuiu para a entrada de grupos estrangeiros e financeiros. De acordo com Arrighi (2008, p. 240), “as expansões material e financeira são processos de um sistema de acumulação e de domínio que aumentou em tamanho e alcance no decorrer dos séculos, mas envolveu, desde o princípio, grande número e variedade de agentes governamentais e empresariais”. Neste sentido, Santos (2000, p. 42) ressalta que a atual globalização utiliza-se do falso discurso de “morte do Estado”. Utilizam-se da retórica que esse processo melhoraria a vida dos homens e a saúde das empresas, na medida em que permitiria a ampliação da liberdade de produzir, de consumir e de viver. Porém, o autor observa que com o funcionamento concreto da sociedade civil, não é difícil constatar que são cada vez em menor número as empresas que se beneficiam com a “morte do Estado”, enquanto a desigualdade entre os indivíduos aumenta. 1.3 O setor sucroenergético brasileiro no pós-crise capitalista de 2008 40 ‘As crises financeiras servem para racionalizar as irracionalidades do capitalismo’ (HARVEY, 2011, p. 18). A falência de Wall Street na crise financeira capitalista em 2008 foi interpretada por alguns políticos e intelectuais como o fim do neoliberalismo. O presidente francês da época, Nicolas Sarkozy, ponderou publicamente, no início da crise, que “uma certa ideia de globalização está morrendo com o fim do capitalismo financeiro” (PECK; THEODORE; BRENNER, 2010, p. 97). Porém, não há nenhuma evidência de que o neoliberalismo está morto ou mudará suas estratégias. Segundo Harvey (2011), o neoliberalismo surgiu na crise capitalista da década de 1970, mascarado pela retórica sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal, as virtudes da privatização e o livre-comércio. Esse projeto tem sido bem-sucedido, a julgar pelo aumento da centralização da riqueza e do poder nos países que adotaram o caminho neoliberal. O neoliberalismo é uma teoria que tem como modelo central o ‘livre comércio’ na economia. Tal teoria, originária em Chicago, nos Estados Unidos, tornou-se a ideologia dominante para a globalização e as ‘reformas’ dos Estados contemporâneos. Surgiu como um movimento intelectual, porém, nos governos Reagan, dos Estados Unidos e, Thatcher, do Reino Unido, nos anos 1980, ganhou um caráter político (PECK; TICKEL, 2002, p. 380). Ocorreu uma expansão das políticas neoliberais no mundo utilizando a retórica do desenvolvimento. Esta incluía a apropriação de políticas de governança baseadas em parcerias, entre setores privados e públicos, na reestruturação urbana, no bem-estar social e nos serviços sociais (saúde, educação, previdência social, etc.), a fim de diminuir os investimentos públicos. Porém, esse movimento gerou o aumento de desigualdades sociais, sobretudo, em países pobres. Para Peck e Tickell (2002, p. 390), existem duas formas de políticas de cunho neoliberal, uma em nível micro e outra no macroeconômico. As características da microeconômica são baseadas em inflação baixa, livre comércio, mercados de trabalho flexíveis, tributação regressiva, estado mínimo e autonomia do banco central. Em nível macroeconômico, as instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) estabelecem regras que regulam o livre mercado internacional. Portanto, são decisões políticas e econômicas que levam ao projeto de globalização. 41 O neoliberalismo adota um 'discurso forte', difícil de combater, porque tem por trás todos os poderes de um mundo de relações, que ajudam a fazer as escolhas econômicas daqueles que dominam o sistema (BOURDIEU, 1998, p. 95). Um exemplo disso é a afinidade das corporações financeiras e as decisões políticas dos Estados. Esse vínculo que se estabelece tem como intuito principal determinar uma política conservadora de enfraquecimento dos meios coletivos de representação da sociedade. As políticas neoliberais operam e articulam-se de forma desigual entre lugares, territórios e escalas. Peck e Tickell (2002, p. 399) mencionam que a globalização do projeto neoliberal tem sido associada à sua capacidade de desorganizar fontes de oposição política e, de outro lado, as formas de políticas progressivas estão se tornando visivelmente relacionadas à ruptura com seus pontos de referência. O desenvolvimento do neoliberalismo não é uma condição temporária, mas sim um produto da institucionalização de tal projeto, em outras palavras é um reflexo das ações hegemônicas nas participações políticas. (PECK; THEODORE, BRENNER, 2010, p. 107). Para Altvater (2009, p. 80), a "aniquilação do tempo pelo espaço e do espaço pelo tempo", que Marx mencionou no "Grundrisse", é o que move a crença neoliberal. Não levam em conta as características específicas do tempo, da história, do espaço e dos territórios. Por causa disso, é possível desenvolver e aplicar a política econômica do chamado ‘Consenso de Washington’. Tal consenso pregava que os países endividados deveriam seguir as regras do mercado para saírem da crise. As consequências disso foram: cortes dos gastos sociais (saúde, educação, previdência etc.), privatizações de empresas públicas e empréstimos junto ao Fundo Monetário Mundial (FMI). Para Harvey (2009, p.3), a problemática que assegura a desigualdade no capitalismo, a partir da década de 1970, com o neoliberalismo é a absorção de excedente de capital. Segundo o autor, os capitalistas produzem um excedente, do qual eles não precisam. Desta forma, esse excedente precisa ser (re)capitalizado e reinvestido na expansão e geração de novos lucros. O que significa que eles sempre têm que encontrar algum ‘outro lugar’ para expandir. Exemplo comum dessa expansão é a reestruturação urbana em alguns setores que provoca a especulação imobiliária. Ainda segundo Harvey (2009,p. 3), ao longo da história do capitalismo, a taxa geral de crescimento tem sido próxima de 2,5% ao ano. Para o autor tem havido um problema sério, particularmente desde 1970, sobre como absorver quantidades cada vez 42 maiores de excedente na produção real. Cada vez menos está entrando na produção real e, cada vez mais, especulando sobre os valores dos ativos, o que explica a crescente frequência e profundidade das crises financeiras que tem ocorrido desde 1975, aproximadamente, todas as crises foram de valor de ativos. As crises financeiras mais recentes são marcas conhecidas do ciclo de liberalização da economia. A década de 1990 foi profundamente marcada pela crise do México em 1994, depois pela crise asiática em 1997, que afetou a Rússia em 1998 e a Turquia e o Brasil em 1999 (ALTVATER, 2009, p. 78). A crise de 2008 foi em consequência da estratégia do projeto de acumulação financeira e de políticas liberais adotadas pelos Estados. Essa crise parece mais uma transformação qualitativa do que um evento final do neoliberalismo (PECK; THEODORE; BRENNER, 2010, p. 105). À medida que o neoliberalismo se transformou em uma série de projetos estatais, as crises tornaram-se recorrentes. De fato, elas podem ser consideradas um “motor” da transformação do neoliberalismo, uma vez que afetam, sobretudo, as segmentações sociais mais baixas implicadas através de políticas de austeridade. Isso é resultado dos fracassos regulatórios. A financeirização é uma maneira que o neoliberalismo encontrou para lidar com o problema da absorção de excedentes. Porém, esse processo não consegue funcionar sem desvalorizações periódicas (HARVEY, 2009, p. 3). De acordo com o autor, as crises recentes – pós década de 1970 – estiveram todas vinculadas ao capital financeiro. Essa é a razão pela qual o neoliberalismo não se autorregula no mercado, necessitando cada vez mais da intervenção do Estado (ALTVATER, 2009, p. 79). Ainda segundo Altvater (2009, p. 85), o socialismo financeiro é a expressão das expectativas dos gestores de bancos e fundos financeiros que estão ameaçados no turbilhão da crise financeira. Eles precisam do poder legítimo do Estado para aproveitar os rendimentos dos contribuintes, a fim de desviar os fluxos de renda da economia real para o setor financeiro. Exemplo comum desse processo no Brasil são as altas taxas de juros da dívida pública. No inicio do século XXI, o Brasil se insere na nova divisão internacional do trabalho com a reestruturação daquilo que Delgado (2012) denomina de ‘pacto de economia política do agronegócio’, isto é, a inserção primário-exportadora do país no plano externo. Com isso, ocorreu uma ‘reprimarização’ do comércio exterior, para o autor “seria como pensar o pacto do agronegócio se espraiando pelo conjunto da 43 economia, e impondo cada vez mais uma estratégia privada e estatal de perseguição da renda fundiária como diretriz principal de acumulação de capital ao conjunto da economia” (DELGADO, 2012, p. 111). Os principais recursos explorados desse pacto são a terra, as jazidas minerais, os recursos hídricos e as florestas 2 . O Estado brasileiro adotou a política de pacto do agronegócio via exportação de commodities, com o intuito de superar a crise cambial de 1999. Aliado a isso, o início do século XXI vivenciou um forte aumento da demanda por commodities, sobretudo, pela China. Entre os anos de 2000 a 2010, o país asiático aumentou seu volume de importação dos produtos minerais em 1.065%, dos produtos animais em 305% e dos gêneros alimentícios em 556% (OEC, 2019). O Brasil foi um dos principais países exportadores desses produtos. Ao final da primeira década do século XXI, a China consolidou-se como o principal importador de produtos brasileiros, com participação de 15% do total exportado. Os principais produtos exportados pelo Brasil, em termos de valor, em 2010, foram: minério de ferro (43%); soja (23%); petróleo cru (13%); sulfato de celulose (3%); óleo de soja (2,5%); açúcar (1,7%), entre outros, todos esses produtos, considerados primários 3 (OEC - Observatory of Economic Complexity, 2019). Consolidava-se assim, a relação bilateral entre os países no âmbito da balança comercial. A repartição do excedente econômico no plano interno caracterizou-se como um modelo de rendas de monopólio, no período expansivo da demanda externa por commodities, sobretudo na primeira década dos anos 2000 (DELGADO, 2012, p. 115). Essas rendas se formam conforme quatro critérios, são eles: a propriedade da terra e a forma ultraconcentrada de sua distribuição; o segundo, pela sua localização e a qualidade intrínseca dos recursos naturais explorados; o terceiro, o acesso a fundos públicos subvencionados, propiciados pelas vantagens conferidas à emissão da dívida agrícola, sob respaldo de hipotecas; e, por fim, as patentes tecnológicas envolvidas na difusão do pacote técnico. 2 Para Thomaz JR. (2009, p. 304), na medida em que a cana-de-açúcar expande sua área plantada e, consequentemente, as plantas agroprocessadoras estabeleceu um vínculo à apropriação privada da terra e das fontes de água ou dos recursos hídricos.‘O sucesso do agronegócio não pode ser atribuído somente à sua fixação à territorialização e/ou monopolização das terras, mas também ao acesso e controle da água’. 3 https://atlas.media.mit.edu/pt/visualize/tree_map/hs92/import/chn/bra/show/2010/ https://atlas.media.mit.edu/pt/visualize/tree_map/hs92/import/chn/bra/show/2010/ 44 Desta forma, o Brasil se especializou, neste início do século XXI, como país primário-exportador. Em 2017, os principais produtos exportados, em termos de valores pelo país foram, em sua maioria, produtos primários ou de origem primária: soja (12%); minério de ferro (9,2%); petróleo cru (7,9%); açúcar bruto (5,2%); carros (3,1%); carne de aves (3%) e sulfato de celulose (3%) (OEC, 2019). Porém, os riscos da especialização em exportação de produtos primários são grandes, por causa da volatilidade dos preços dos produtos com baixo valor agregado. Na segunda década dos anos 2000, os preços globais das commodities apresentaram queda, devido à desaceleração do crescimento da China. O país asiático vivenciou um processo de transição para um novo modelo econômico que valoriza o seu mercado interno em detrimento da produção industrial para a exportação, com isso, reduziu a demanda por commodities 4 . Essa é uma das causas apontadas pela crise econômica brasileira (Gráfico 3). Gráfico 3: Índice CRB 5 (da Thomson Reuters/CoreCommodity) medidor de preços de commodities no mercado internacional Lamoso (2013, p. 414) nos faz refletir sobre o dinamismo e a densidade material instalada nos territórios dominados pelas commodities. Segundo a autora, as novas áreas de especializações produtivas agrícolas são um conjunto de espaços produtores primários que passam por intensa modernização técnica e transformações nas relações de produção. Com isso, o mercado de trabalho busca por profissionais com qualificação, 4 Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/31/As-commodities-e-seu-impacto- na-economia-do-Brasil 5 O CRB (Commodity Research Bureau) é um índice de preços de commodities utilizado mercado de negociações (TRADINDG ECONOMICS, s./d.). https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/31/As-commodities-e-seu-impacto-na-economia-do-Brasil https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/03/31/As-commodities-e-seu-impacto-na-economia-do-Brasil 45 intensifica a procura por serviços e toda a complexidade do processo de urbanização funciona como vetor da integração desses ao circuito produtivo global. Essa é a dimensão geográfica da reprimarização no território (LAMOSO, 2013, p. 414). Desta forma, o território brasileiro aumenta a funcionalidade das técnicas e normas para atender o desenvolvimento da agricultura científica do agronegócio globalizado. 1.3.1. As consequências da crise capitalista de 2008 no setor sucroenergético O Brasil vivenciou, no início do século XXI, o chamado boom do setor sucroenergético. Esse fenômeno foi marcado pelo aumento expressivo de 80% da área plantada e 85% da quantidade produzida da cultura da cana-de-açúcar no Brasil, entre os anos de 2003 e 2011 (IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2019). As principais justificativas apresentadas para o crescimento da demanda da produção de cana-de-açúcar e seus produtos processados foram, de acordo com Gonçalves (2009, p. 70): pelas perspectivas positivas do comércio interno e internacional; a elevação dos preços internacionais do petróleo; o crescimento da demanda interna de álcool hidratado, devido aos automóveis flex fuel; o efeito do protocolo de Kyoto, que ao impor a redução das emissões de CO2, provocou o crescimento da demanda externa por álcool anidro; a incapacidade dos EUA, maior produtor mundial de etanol de milho, de atender ao crescimento de sua demanda interna por etanol, o que deixou este mercado aberto ao etanol do Brasil; além dos baixos custos de produção do açúcar e do etanol no Brasil. Porém, segundo Pitta e Mendonça (2010, p. 6), as justificativas fundamentadas apenas no desenvolvimento econômico são superficiais do ponto de vista da explicação científica. Para os autores, expor a causa apenas no crescimento econômico positivado “é não atentar para os processos históricos que ocorrem “às costas dos sujeitos” (MARX, 1983, L.I, T.1, Cap. 1)”. A explicação científica é baseada em um esclarecimento mais completo do fenômeno de expansão recente do setor sucroenergético. De acordo com Pitta e Mendonça (2010), uma série de ações refutou a tese de justificar a retomada de investimentos no setor sucroenergético apenas pelo crescimento econômico positivo. Para os autores, o Estado foi o principal agente que contribuiu para que o setor sucroenergético apresentasse alguns saldos positivos na retomada do 46 crescimento, do início do século XXI. As ações que justificam o papel do Estado na retomada do crescimento do setor sucroenergético foram: favorecer os preços do etanol aumentando a mistura do produto na gasolina e oferecendo benefícios fiscais à produção de carros flex; promover a ampliação dos investimentos do BNDES na expansão do setor sucroenergético e o esforço para dar ao etanol o status de commodity que permitiu que os preços do etanol seguissem a tendência de aumento das mercadorias negociadas nos mercados de futuros. A crise econômica mundial de 2008 apresentou consequências diretas ao setor sucroenergético brasileiro. Pitta (2016) apresentou em sua pesquisa os mecanismos que a agroindústria canavieira brasileira desenvolveu no início do século XXI, com a expressão sintética D – D’, presente na compreensão de Marx (1984 e 1985) de capital portador de juros, que se desdobra em capital fictício. Para isso, o autor analisou os derivativos cambiais utilizados pela agroindústria em questão anteriormente à crise de 2008, e que foram responsáveis pela falência de algumas usinas de açúcar e etanol. Além disso, analisou também, que os empréstimos estrangeiros em dólares que as usinas utilizaram retroalimentavam a desvalorização do dólar em relação ao real. No período de boom do setor sucroenergético, várias usinas se submeteram a empréstimos de dinheiro em bancos internacionais. O objetivo desses empréstimos foi a rolagem de dívidas das usinas, promovidos pela expansão de suas plantas, da capacidade de moagem e de suas áreas produtivas (PITTA, 2016). Porém, após a crise de 2008, a moeda nacional, ou seja, o real (R$) se desvalorizou perante o dólar (US$) o que provocou uma demanda ainda maior das usinas por maiores produções, para que saldassem suas dívidas contraídas em dólares. No relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Mendonça; Pitta e Xavier (2012) salientam o tamanho do prejuízo que o setor obteve com essas movimentações financeiras de empréstimos internacionais. A crise financeira mundial trouxe mudanças significativas para a agroindústria canavieira em relação ao padrão de expansão que se delineou nos anos anteriores. Diversas usinas tomaram empréstimos baratos em dólar, aproveitando a valorização do real, para especular com derivativos cambiais. Com a reversão dessa tendência e a valorização do dólar em relação à moeda brasileira, muitas usinas quebraram. O setor somou um prejuízo de mais de R$4 bilhões (MENDONÇA, PITTA, XAVIER, 2012, p. 4). 47 Aliado a esse processo de valorização e desvalorização de moedas, o setor sucroenergético foi diretamente atingido, também, pela macro conjuntura internacional dos preços de commodities. Os preços do açúcar e do etanol, entre os anos 2009 e 2019, apresentaram queda no mercado externo (Gráficos 4 e 5). De acordo com os indicadores de valor do CEPEA/Esalq, os preços do açúcar cristal atingiu seu ápice entre o final de 2010 e início de 2011, após esse período houve uma queda acentuada até meados de 2015, quando retornou apresentar elevação até o final de 2016. Nos últimos anos a tendência demonstrada foi de baixa nos preços, tanto para açúcar cristal quanto para VHP (Very High Polarization) 6 . Gráfico 4: Indicador mensal do valor em dólar (US$) por saca de 50 kg do açúcar VHP e cristal, cotado pelo CEPEA/Esalq, 2009 a 2018 Fonte: União dos Produtores de Bioenergia (UDOP), 2019 Org.: Próprio autor (2019) Em relação aos preços de etanol, os três tipos analisados, basicamente seguiu a mesma tendência de preços entre os anos de 2009 a 2019. Em meados de 2011, os três tipos tiveram a maior remuneração, com destaque para o tipo anidro combustível que destoou com alta substancial. Após o ano de 2012, os três tipos de etanol apresentaram tendência de queda nos preços em todo o período analisado. 6 O Açúcar VHP (Very High Polarization) é um açúcar menos úmido, utilizado como matéria-prima para outros processos e destinado ao refino devido a sua alta polarização (CLEALCO, s. d.). 48 Gráfico 5: Indicador semanal do valor em dólar (US$) por litro de todos os tipos de etanol, cotado pelo CEPEA/Esalq, 2009 a 2019 Fonte: União dos Produtores de Bioenergia (UDOP) (2019) Org.: Próprio autor (2019) Diante das oscilações de preços dos produtos derivado da cana-de-açúcar, as usinas sucroenergéticas buscam sempre a necessidade de ampliarem suas áreas, produções e produtividades. Para Harvey (2001, p. 84), “o capital não é nada mais do que o dinheiro reposto na produção e na circulação para render mais dinheiro”. Então, existe essa necessidade de circulação e dinamicidade do dinheiro para que possa gerar mais dinheiro. Essa lógica faz os capitalistas buscarem sempre novas áreas e índices de produtividade sempre maiores. Porém, o que Pitta (2016) desvenda no entendimento de Harvey é que essa acumulução e/ou reprodução capitalista ‘produtiva’ é compreendida também na lógica da reprodução ‘fictícia’ do dinheiro. Para tanto, tal reprodução ocorreria por meio do aprofundamento, tanto da mais-valia, quanto da superexploração do trabalho, em suas diversas formas contemporâneas. Esses processos acontecem, principalmente por meio da ‘produção do espaço’. Que aqui compreendemos, como a expansão, por exemplo, de ‘novas’ áreas e ‘novas’ fronteiras agrícolas. Outra característica comum ao período recente do setor sucroenergético são os processos de fusão e aquisição de usinas com participação de capital estrangeiro. De acordo com Xavier; Pitta e Mendonça (2011), o caso mais emblemático foi a associação da Cosan (empresa brasileira) com a petroleira holandesa Royal Dutch Shell no ano de 2008. Formou-se assim, a empresa Raízen, detentora de 24 usinas na região do Centro- 49 Sul do Brasil. A constituição dessa empresa significou a maior transação do setor sucroenergético brasileiro. Além da holandesa Shell, estão presentes hoje no setor sucroalcooleiro brasileiro as seguintes empresas estrangeiras, que juntas são proprietários de mais de 100 usinas (em ordem alfabética): Açúcar e Álcool Fundo de Investimento e Participações (constituído por fundos de investimento Carlyle/Riverstone, Global Foods /Goldman Sachs /Discovery Capital e DiMaio Ahmad), Abengoa (Espanha), Adecoagro (do grupo Soros, EUA/Argentina), ADM (EUA), Brazil Ethanol (EUA), British Petroleum (Inglaterra), Bunge (EUA), Cargill Inc (EUA), Clean Energy (Inglaterra), Glencore (Suíça), Infinity Bio- Energy (Inglaterra e outros, controlado pelo Bertin), Louis Dreifus (França), Mitsubishi (Japão), Mitsui (Japão), Noble Grouptinha (China), Shree Renuka Sugars (Índia), Sojitz Corporation (Japão; tem 65% da ETH, uma sociedade com a Odebrecht), Sucden (França), Kuok (China), Tereos (França) e Umoe (Noruega) (XAVIER; PITTA; MENDONÇA, 2011, p. 12). A participação de empresas estrangeiras na indústria da cana-de-açúcar no Brasil cresceu de 1% em 2000 para cerca de 25% em 2010 (XAVIER; PITTA; MENDONÇA, 2011, p. 12). Outro autor que evidencia esse processo de negociações entre grupos no setor sucroenergético é Thomaz Jr. (2009). De acordo com ele, É importante salientar que esse processo de concentração e centralização de capitais (nacional e estrangeiro), que se territorializa por todo o espaço produtivo agroindustrial canavieiro, juntando as empresas instaladas nas áreas novas com as já existentes nas áreas tradicionais, já revela novas relações de poder, ou seja, redefinição de poucos grandes grupos empresariais que intensificarão as disputas entre si e demarcarão novas rotinas, no tocante à subordinação/dominação do trabalho, vinculada, pois, ao patamar técnico das operações agrícolas (mecanização da colheita e do plantio) e na planta agroprocessadora (THOMAZ JR, 2009, p. 320). Oliveira (2016) elaborou, de forma sistemática, um quadro geral da participação de capital estrangeiro com controle majoritário e minoritário na produção de cana-de- açúcar na safra 2013/14. Conforme o autor, a entrada dos capitais estrangeiros foi ocorrendo, em sua maioria, pela associação com grupos nacionais ou aquisição, ou seja, não construíram usinas. Segundo os dados da KPMG Corporate Finance, uma empresa de prestação de serviços que inclui fusões e aquisições de todos os setores do mercado brasileiro, aponta que entre os anos 2000 a 2018, os processos de fusão e aquisição no 50 setor de ‘Açúcar e Álcool’ registrou o pico de negociações entre os anos de 2007 a 2012 (Gráfico 6). Gráfico 6: Brasil - fusões e aquisições no setor ‘Açúcar e Álcool’, 2000 a 2018 Fonte: KPMG (2019) A primeira década de 2000 foi o período de maior abertura de novas usinas sucroenergéticas. De acordo com os registros de usinas sucroenergéticas cadastradas no Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no ano de 2001, o Brasil tinha 306 usinas. Em 2009, ano que registrou o maior número, saltou para 482 usinas, aumento de 57%. Já em 2012, ano que o setor começou a sentir de fato os reflexos da crise econômica mundial, o número foi de 419, queda de 13% em relação ao registrado em 2009. Em 2019 eram 376 usinas, número que representa queda de 10% em relação ao ano de 2012 (BRASIL, 2019). Isso representa uma mudança de perfil do setor na segunda década dos anos 2000. A queda do número de usinas, após o ano de 2010 foi reflexo dos processos de pedido de recuperação judicial 7 e falência 8 . Conforme os dados da NovaCana (2016), 7 De acordo com a Lei No 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Dispõe no Artigo 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. 8 De acordo com a Lei No 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa. Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento proporcional dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta Lei. 51 em 2016 eram 72 usinas no Brasil que estavam nessa situação, sendo 12 falidas e 60 em recuperação judicial. Das 60 em recuperação judicial, 30 estavam paradas, ou seja, com as operações suspensas. E esses números continuaram aumentando. De acordo com os dados da NovaCana (2019), em abril de 2019 foram registradas 100 usinas no Brasil em recuperação judicial e falidas, aumento de quase 40% em relação ao ano de 2016. São 19 falidas, o que representa aumento de 58% em apenas três anos, e 81 em recuperação judicial. Dessas, 27 estavam paradas, o que representa uma queda de 10% em relação às usinas em recuperação judicial que estão paradas de 2016. 52 CAPÍTULO 2: Formação da Região Sucroenergética no Triângulo Mineiro 2.1. A especialização regional produtiva da agricultura científica no Triângulo Mineiro Partimos de uma concepção de região para além de um enfoque apenas de cunho natural, histórico-cultural e administrativa, mas como um compartimento produtivo do espaço geográfico decorrente do aprofundamento da divisão territorial do trabalho (SANTOS, 2012). Trata-se de uma área definida pela sua coerência produtiva, cujos, limites são flexíveis, decorrentes da alteração da extensão do fenômeno analisado. Para