UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA DE BOTUCATU Fabiana Cristina Martim dos Santos Proposta de fortalecimento com ferramenta de mindfulness para equipe de saúde da unidade de pronto atendimento no enfrentamento da COVID-19 Orientadora: Profa. Dra Regina Célia Popim Botucatu 2022 Fabiana Cristina Martim dos Santos Proposta de fortalecimento com ferramenta de mindfulness para equipe de saúde da unidade de pronto atendimento no enfrentamento da COVID-19 Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Mestra em Enfermagem. Orientadora: Profa. Dra Regina Célia Popim Botucatu 2022 Fabiana Cristina Martim dos Santos Proposta de fortalecimento com ferramenta de mindfulness para equipe de saúde da unidade de pronto atendimento no enfrentamento da COVID-19 Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Mestra em Enfermagem. Orientadora: Profa. Dra. Regina Célia Popim Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP Comissão Examinadora ________________________________________ Profa. Dra. Silvia Cristina Mangini Bocchi Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP Faculdade de Medicina de Botucatu ________________________________________ Prof. Dra. Ivana Regina Gonçalves Centro Universitário Sudoeste Paulista Departamento Enfermagem Botucatu, 04 de maio de 2022. Aos meus pais, que, mesmo com pouco estudo, conduziram-me para a busca de conhecimentos, e sempre me apoiaram em todas as minhas decisões. Ao meu esposo, Pedro, e à minha filha, Luisa, que são meu maior e melhor projeto: minha família. Agradeço que entenderam minha ausência e me impulsionaram diariamente na realização desse sonho. Agradecimentos A Deus e sua infinita misericórdia. À Profa. Dra. Silvia Regina Mangini Bocchi, pela sua generosidade em compartilhar seus conhecimentos com todos os envolvidos neste estudo. Às minhas queridas amigas, Letícia Pereira Orestes e Rita Altino, que me incitaram e me encorajaram na realização deste projeto. A toda equipe da UPA Geisel – onde esta pesquisa foi desenvolvida –, pelo apoio e palavras de incentivo. A todo o grupo de pesquisa do estudo multicêntrico deste projeto, pelo compartilhamento de saberes e apoio nos dias difíceis. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem – Cursos de Mestrado e Doutorado Profissional – da FMB/UNESP. À equipe do NEAD-TIS, pela colaboração e empenho na produção do podcast. À minha orientadora, Profa. Dra. Regina Célia Popim, de forma especial, pela sua gentileza, comprometimento, colaboração e por compartilhar sua expertise na idealização deste projeto. “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Guimarães Rosa “Não tenhas medo. Basta ter fé”. Mc 5-36 Resumo SANTOS, F. C. M. dos. Proposta de fortalecimento com ferramenta de mindfulness para equipe de saúde da unidade de pronto atendimento no enfrentamento da COVID-19 2022. 89 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2022. Foi realizada pesquisa qualitativa, com abordagem metodológica da Teoria Fundamentada nos Dados à luz do referencial teórico: Interacionismo Simbólico. O objetivo foi compreender a experiência interacional dos profissionais de saúde na Unidade de Pronto Atendimento frente à pandemia de COVID-19; e elaborar modelo teórico representativo dessas experiências. Participaram do estudo 29 profissionais, sendo sete enfermeiros, catorze técnicos de enfermagem e oito médicos, que trabalham na Unidade de Pronto Atendimento e em rede de Urgência e Emergência há quatro ou mais anos. Eles responderam à pergunta norteadora: “Como tem sido sua experiência frente à pandemia de COVID-19?” As entrevistas individuais foram audiogravadas e transcritas na íntegra, analisadas a partir do modelo metodológico proposto. A análise dos dados revelou quatro subprocessos significativos, conforme segue: A) Escassez de evidência científica, gerando medo e ansiedade, pela falta de conhecimento sobre a doença; B) Despreparo institucional para proteção do profissional de saúde; C) A pandemia no contexto das relações familiares e sociais; D) A construção do conhecimento, como fator de proteção e encorajamento para lidar com a pandemia. A partir dos resultados, e como contribuição acerca disso, foi essencial planejar e construir um suporte emocional a esse profissional de Pronto Atendimento. Isso foi realizado por meio do desenvolvimento de uma ferramenta de comunicação com práticas meditativas de atenção plena, amplamente conhecida como mindfulness, na versão de um podcast. A proposta de intervenção não se finda com a pandemia, e pode amenizar os efeitos do estresse no trabalho, principalmente para os que laboram nos serviços de emergência, melhorando a percepção do momento presente. A experiência dos profissionais dos serviços de urgência com a instalação da pandemia de COVID-19 se mostrou extremamente difícil, desgastante, e só foi amenizada com o passar do tempo. Houve um movimento em busca do conhecimento científico como forma de fortalecer a mente. Além disso, os avanços científicos e o desenvolvimento da vacina contra a COVID-19 se mostraram muito encorajadores. A promoção do bem-estar mental pode ser alcançada com o planejamento de estratégias de prevenção, e propondo intervenções para buscar ferramentas com o propósito de combater a ansiedade, o sofrimento emocional e reduzir seus efeitos no processo de trabalho dos profissionais de saúde dos serviços de emergência. Nesse sentido, a experiência trazida por esses profissionais pode ajudar nas condições de saúde metal de outros em situação semelhante, e auxiliá-los no enfrentamento a novas pandemias, no futuro. Palavras-chave: infecções por coronavírus; equipe de saúde; serviço de emergência; pesquisa qualitativa, mindfulness. Abstract SANTOS, F. C. M. dos Proposal for strengthening with a mindfulness tool for the health team of the emergency care unit in coping with COVID-19 2022. 89 f. Master’s Dissertation (Master’s in nursing) – Faculty of Medicine of Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2022. A qualitative research paper was carried out, with a methodological approach of Grounded Theory according to the social theoretical framework of Symbolic Interactionism. The aim was to understand the interactional experience of health professionals in the urgent care unit in the face of the COVID-19 pandemic and to develop a theoretical model representative of these experiences. Twenty-nine health professionals participated in the study, including seven nurses, fourteen nursing technicians and eight doctors, who work in the urgent care unit and have been in the urgent care and emergency services area for four or more years. They answered the question: “How has your experience been in the face of the COVID-19 pandemic?” The individual interviews were audio-recorded, fully transcribed, and analyzed using the aforementioned methodological model. Analysis of the data has revealed four significant sub-processes as follows: A) Lack of scientific evidence generating fear and anxiety due to lack of knowledge about the disease; B) Institutional unpreparedness to provide proper protection for health professionals; C) The pandemic in the context of family and social relationships; D) The construction of knowledge as a factor of protection and encouragement to deal with the pandemic. Based on the results and as a contribution following them, planning and building an emotional support system for the urgent care professionals was essential. This was done through the development of a communication tool with mindful meditation practices in the form of a podcast. The proposed intervention does not limit itself to the pandemic, and can alleviate the effects of stress at work in general, especially in those who work in emergency services, through improving the perception of the present moment. The experience of emergency care professionals in light of the advent of the COVID-19 pandemic proved to be extremely difficult, exhausting, and has only improved thanks to the passage of time. There was a movement in search of scientific knowledge as a way to strengthen the mind. Scientific advances and the development of the COVID-19 vaccine proved to be greatly encouraging. Benefits to mental health can be brought about through planning of prevention strategies and proposing the use of tools that help to combat anxiety, emotional distress, and the effects of these on the work of health professionals in emergency care. In this sense, the experience of these professionals can help the mental health condition of others in a similar position and help them to better cope with new pandemics that may occur. Keywords: coronavirus infections; health team; emergency service; qualitative research, mindfulness. Lista de ilustrações Quadro 1 - Percepção dos profissionais de saúde com a chegada da pandemia no país................................................27 Quadro 2 - Revelando as deficiências, despreparo e dificuldades da Rede de Urgência no combate à pandemia da magnitude da COVID-19. Preocupando-se com a falta e a qualidade generalizada de EPIs...............27 Quadro 3 - Mudanças nas rotinas do convívio familiar, a pandemia no contexto das relações familiares e sociais, comprometendo as relações afetivas. Preocupando-se com a flexibilização dos cuidados dos profissionais e da população no decorrer da pandemia...................................................................................29 Quadro 4 - A resiliência dos profissionais de saúde da Rede de Urgência no curso da pandemia..............................30 Figura 1 - Experiência interacional da equipe da Unidade de Pronto Atendimento, face à COVID-19, no interior estado de São Paulo, 2022.........................................................................................................................................36 Lista de abreviaturas e siglas COREQ Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research COVID-19 Coronavirus Disease 2019 – Doença por coronavírus 2019 EPI Equipamento de Proteção Individual h/sem Horas por semana OMS Organização Mundial da Saúde RAU Rede de Atenção à Urgência SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SARS-CoV-2 Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 – Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 SR Sintomáticos Respiratórios TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TE Técnico de Enfermagem TFD Teoria Fundamentada nos Dados UPA Unidade de Pronto Atendimento Sumário Apresentação...........................................................................................................................13 1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................14 1.1 Profissionais de saúde nos serviços de emergência........................................................16 1.2 Atualização da Pandemia de COVID-19........................................................................17 2 OBJETIVOS.........................................................................................................................18 2.1 Objetivos específicos.........................................................................................................18 3 MÉTODOS...........................................................................................................................19 3.1 Tipo de pesquisa................................................................................................................19 3.2 Cenário da pesquisa..........................................................................................................19 3.3 Amostra da pesquisa.........................................................................................................21 3.4 Procedimentos éticos e de coleta de dados......................................................................21 3.5 Referencial metodológico do estudo................................................................................22 3.5.1 Análise dos dados: Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)..........................................22 3.6 Referencial teórico do estudo...........................................................................................23 3.6.1 Interacionismo simbólico.................................................................................................23 3.6.2 Conceitos do Interacionismo Simbólico..........................................................................24 4 RESULTADOS.....................................................................................................................26 4.1 Caracterização da amostra..............................................................................................26 4.2 A experiência da equipe de saúde....................................................................................26 4.3 Subprocessos, categorias e subcategorias, relativos à experiência interacional dos profissionais de saúde frente à pandemia de COVID-19. UPA interior de São Paulo, 2020....................................................................................................................................27 4.4 Modelo teórico...................................................................................................................35 4.5 Elaboração do produto.....................................................................................................37 4.5.1 Título: Ferramenta de comunicação com práticas meditativas de Atenção Plena...........37 4.5.2 Objetivos do produto........................................................................................................37 4.5.3 Podcast.............................................................................................................................37 4.5.4 Mindfulness: atenção plena..............................................................................................38 4.5.5 Conteúdo Podcast.............................................................................................................39 5 DISCUSSÃO.........................................................................................................................41 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................46 REFERÊNCIAS.................................................................................................................47 ANEXO A – Parecer Consubstanciado do CEP..............................................................51 ANEXO B – Autorização da coleta de dados Prefeitura Municipal de Bauru.............54 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Res. CONEP 510/2016)............................................................................................55 APÊNDICE B – Item A) Percepção dos profissionais de saúde com a chegada da pandemia no país.................................................................................56 APÊNDICE C – Item B) Revelando as deficiências, despreparo e dificuldades da Rede de Urgência no combate à pandemia da magnitude da COVID-19. Preocupando-se com a falta e a qualidade generalizada de EPIs..................................................................................................62 APÊNDICE D – Item C) Mudanças nas rotinas do convívio familiar, a pandemia no contexto das relações familiares e sociais, comprometendo as relações afetivas. Preocupando-se com a flexibilização dos cuidados dos profissionais...................................................................................70 APÊNDICE E – Item D) A resiliência dos profissionais de saúde da Rede de Urgência, durante no curso da pandemia.........................................77 Apresentação Sou Fabiana Cristina Martim dos Santos, tenho 43 anos, e sou profissional de enfermagem há 24 anos. Atuei por 10 anos como auxiliar de enfermagem, e concluí minha graduação em Enfermagem em 2007 pela Universidade Paulista-UNIP. Desde 2009 atuo como enfermeira, no município de Bauru/SP, que é município vizinho de onde resido, em Agudos/SP. Minha carreira como enfermeira se iniciou na Unidade de Urgência de um hospital particular de Bauru/SP, no qual permaneci por 8 meses. Após ser aprovada em um concurso público, comecei a trabalhar no município em que resido. Embora tenha sido uma experiência gratificante trabalhar em Atenção Primária, não me identifico trabalhando em Unidade Básica de Saúde (UBS). Então, em 2009, no Hospital Estadual de Bauru, no setor de Hemodinâmica, realizei especialização em Cardiologia e Hemodinâmica, pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto-FAMERP. O meu ingresso na Prefeitura Municipal de Bauru foi em 2011, após aprovação em Concurso Público (em 2008). Iniciei na UBS, porém, de imediato, solicitei minha transferência para o Departamento de Urgência, o que ocorreu 11 meses após minha contratação. Desde então, atuo na rede de urgência do município. Este projeto emergiu da minha prática diária como enfermeira assistencial na Rede de Urgência e Emergência na Unidade de Pronto Atendimento, com o avanço da pandemia de COVID-19, e face às seguintes inquietações: - Qual é a visão dos profissionais de saúde em relação à pandemia, na Unidade de Pronto Atendimento? - Qual é a caracterização desses profissionais? - Os equipamentos de proteção individual (EPIs) oferecem segurança? Perante tais perguntas, foi necessário o mergulho no conhecimento científico produzido sobre o objeto, para que as mesmas pudessem se sustentar como inquietações e, portanto, buscar compreender como se configura a experiência da equipe de saúde na fase inicial da pandemia de COVID-19. 14 1 INTRODUÇÃO Em dezembro de 2019, o mundo assistiu ao surgimento de um novo patógeno emergente em Wuhan, na China, província de Hubei. O hospital local recebeu quatro pessoas com infecção respiratória aguda, e reconheceu que os quatro eram trabalhadores do mercado atacadista de frutos do mar Huanan, que comercializava aves vivas, produtos aquáticos e vários tipos de animais selvagens. A Organização Mundial de Saúde (OMS) foi alertada por autoridades chinesas sobre o surto de pneumonia de origem desconhecida, posteriormente reconhecida como doença do coronavírus de 2019 (COVID-19).1-4 A Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus 2 (SARS-CoV-2) é transmitida por gotículas respiratórias (a forma mais comum), aerossol e por contato em superfícies contaminadas. Os principais sintomas apresentados são: febre, fadiga, mialgia, conjuntivite, anosmia, disgeusia, dor de garganta, congestão nasal, tosse, dispneia, náusea, vômito e diarreia. Contudo, a lista de sintomas aumenta de acordo com a contribuição da vivência profissional; e conforme mais estudos vêm sendo realizados. Alguns pacientes tiveram agravamento dos sintomas e apresentaram insuficiência respiratória, choque, sepse e síndrome da angústia respiratória aguda. De comportamento incerto e rápida disseminação, essa doença acendeu o alerta das autoridades de saúde e ainda necessita ser elucidada.5 O evento se mostrava distante do Brasil. Porém, o vírus rapidamente se propagou, em um curso de difícil controle. Em janeiro de 2020, foi considerada uma emergência de saúde pública, de preocupação internacional, pela OMS. E, em março de 2020, foi decretada pandemia de COVID-19. O novo coronavírus estava presente em mais de 200 países.4,6 Embora os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus estivessem ligados ao mercado atacadista de frutos do mar em Huanan, estudos demonstravam a transmissão de pessoa a pessoa. O crescimento exponencial de casos despertou a atenção para a contaminação dos profissionais de saúde, sendo evidente a exposição desses profissionais, principalmente dos que atuam na linha de frente dos serviços de emergência.4 Profissionais de saúde da linha de frente que cuidam de pacientes contaminados com COVID-19 têm alto risco de contágio e transmissibilidade do vírus. Portanto, proteger esses profissionais, promover a segurança da equipe e, consequentemente, dos pacientes têm sido um dos grandes desafios da pandemia.1 Diferentes estudos revelam que o aumento da sobrecarga de trabalho, em virtude dos déficits de profissionais; falta de EPIs adequados e suficientes; sensação de despreparo diante do novo e/ou do desconhecido; e a imprevisibilidade para manter a qualidade da assistência 15 prestada, aumentam a vulnerabilidade e o estresse das equipes de saúde, fazendo com que sejam mais propensos a desenvolver doenças, como ansiedade, depressão, distúrbios do sono, estresse e transtornos psíquicos, face ao risco da exposição, medo em se contaminar e expor a família, amigos e todos de seu convívio social.7,8 Diante dessa desafiadora e inesperada situação, faz-se necessário criar mecanismos que possam mitigar os sofrimentos, medos, angústias dos profissionais da linha de frente; e encontrar medidas de controle para apoiar as vítimas do imenso trauma emocional ocasionado pela pandemia de COVID-19. Ao mesmo tempo, inúmeros casos de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais vêm sendo observados após o inicio da pandemia em toda a população, e isso inclui os profissionais de saúde. Aliado a tudo isso, por sermos seres sociáveis, o medo e o isolamento social nos remetem a sintomas de solidão e tristeza, tendo em vista que essa situação também nos tirou o direito de ir e vir, reforçando os riscos já citados.5 Estudo revela que um terço dos profissionais de saúde sofre com transtornos desenvolvidos durante a pandemia, como: medos, incertezas e a estigmatização que a doença acarreta. 9 É sabido que o esgotamento profissional e emocional é um problema crônico dos profissionais de saúde, tendo a pandemia de COVID-19 exacerbado essa condição. Isso aponta para a necessidade de monitoramento e implementação de medidas de intervenção, a fim de prevenir e reduzir o adoecimento e a escassez de profissionais tão importantes e indispensáveis à promoção, prevenção e recuperação de saúde. As lacunas em relação a treinamentos, carência de recursos, EPIs e a falta de apoio de gestores dos serviços também demonstram as dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde na pandemia de COVID-19, o que denuncia a falta de habilidade para lidar com gestão de crise.10 A pandemia exacerbou as potencialidades e fragilidades dos sistemas de saúde no mundo todo. Inúmeras consequências econômicas, políticas, sociais e culturais impactaram a vida humana. A saúde mental dos profissionais de saúde na linha de frente no combate à doença vem sendo amplamente discutida. Portanto, os serviços de saúde necessitam se preocupar com a saúde emocional de seus colaboradores.11 Estudos destacam a importância de se criar mecanismos para minimizar o sofrimento e promover o enfretamento para os profissionais de saúde, tais como: comunicação clara; atualização e treinamentos que trarão benefícios para o manejo da doença e proteção da equipe, com EPIs adequados e suficientes; e mecanismos de descanso, fortalecendo a equipe da linha de frente dos serviços de emergência no enfrentamento à COVID-19.6,8,12 O apoio emocional se faz necessário diante 16 da intensa exposição ao vírus e ao esgotamento causado por horas extenuantes de trabalho, aliado ao convívio diário com a perda de pacientes.13 A pandemia de COVID-19 é um desafio sem precedentes para a ciência e para os profissionais de saúde, principalmente os que atuam na linha de frente dos serviços de emergência, pois traz um impacto psicológico severo, pelo risco iminente de contaminação diante da exposição frequente e prolongada e da alta carga viral do SARS-CoV-2. Além disso, a condição de estresse é exacerbada ao atender pacientes em condições de trabalho inadequado; e com a intensificação da jornada de trabalho e escassez de EPIs de qualidade. 14 Diante do exposto, foi necessário compreender o movimento interacional das experiências dos profissionais que atuam na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), no interior do Estado de São Paulo, na fase inicial da pandemia de COVID-19, considerando suas suposições, valores, crenças, padrões de comportamento, organização e, principalmente, sua percepção em relação ao cuidado. Essa compreensão nos permitiu propor um modelo representativo, que foi utilizado na elaboração de ações voltadas à atenção da saúde dos profissionais. 1.1 Profissionais de saúde nos serviços de emergência O processo de trabalho em saúde é representado pelas especificidades de cada profissão, que possui uma finalidade geral, relacionada a outras práticas do sistema de saúde, e compõem o setor de serviços consumidos pela população, correspondendo à assistência prestada à saúde. Nos serviços de emergência ocorrem situações críticas e inesperadas. Esse serviço se caracteriza por ser estruturado; atender 24 horas por dia, e ser a porta de entrada dos usuários no sistema de saúde. Suas rotinas de trabalho demandam um processo diferenciado, altamente qualificado e competente. Os serviços de emergência representam um desafio diário aos profissionais de saúde, pois decisões rápidas e precisas são necessárias para intervenções imediatas que visam garantir o bem-estar da população atendida. 15 Os profissionais de saúde integram um grupo de profissões potencialmente estressantes, no qual há um desequilíbrio entre as demandas exigidas e a capacidade do individuo em atendê-las, sejam de cunho profissional ou não. Os profissionais de saúde vivenciam diariamente situações e sentimentos, como: sofrimento, desespero, incompreensão e luto, que favorecem sintomas e estados estressores. A jornada de trabalho exaustiva e a sobrecarga de trabalho estão intimamente relacionadas ao estresse dos profissionais de saúde, interferindo, ainda, no convívio familiar, e impactando no bem-estar mental e na qualidade de 17 vida. Atreladas a isso estão a escassez de recursos humanos, a baixa remuneração e a carência de recursos materiais, o que aumenta negativamente a condição de trabalho insalubre desses profissionais.16 1.2 Atualização da Pandemia de COVID-19 Decorridos 02 anos que a pandemia foi decretada pela OMS, percebemos o quão emblemática ela permanece, com as medidas de contenção para propagação do vírus, que incluem o distanciamento social, as etiquetas respiratórias, o uso de álcool gel. Todas as medidas sanitárias realizadas até aqui devem permanecer para mitigar o vírus. O Brasil se destaca atualmente como o terceiro país do mundo com o maior número de casos de COVID- 19, atrás somente dos Estados Unidos e Índia, respectivamente, dados que justificam essas medidas. Em março de 2022, a pandemia de COVID-19 chegou à marca de 470.839.745 casos confirmados no mundo; e 6.092.933 mortes causadas pela doença.17 No Brasil, temos 29.682.615 casos confirmados da doença. As mortes pelo novo coronavírus chegam a 657.696, com uma taxa de letalidade de 2,2%.18 No município de Bauru, interior do estado de São Paulo, local onde foi realizado o estudo, segundo o boletim epidemiológico número 47, publicado em 22 de marco de 2022, foram confirmados mais de 81.934 casos de COVID-19, sendo que 1.387 evoluíram para óbito. 19 18 2 OBJETIVOS Compreender a experiência dos profissionais de saúde de Unidade de Pronto Atendimento face à pandemia de COVID-19, e propor estratégias de fortalecimento a esse enfrentamento. 2.1 Objetivos específicos I. Elaborar modelo teórico representativo dessa experiência; II. Criar um podcast, uma ferramenta de comunicação com práticas meditativas de atenção plena, amplamente conhecida como mindfulness, baseado na experiência da equipe. 19 3 MÉTODOS 3.1 Tipo de pesquisa O presente estudo foi conduzido segundo o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)21, a partir de uma pesquisa qualitativa, como uma forma de investigação social, que retrata o sentido adotado pelas pessoas em suas experiências e no mundo no qual elas vivem; e cuja finalidade é compreender, descrever e interpretar fenômenos sociais conforme percebidos pelos indivíduos, grupos e culturas. Pesquisadores utilizam as abordagens qualitativas para explorar comportamentos, sentimentos e experiências de pessoas, e descobrir a essência de suas vidas. Os teoristas utilizam a Teoria Fundamentada nos dados (TFD), conhecida internacionalmente como Grounded Theory, para investigar processos e interações sociais.20 Ademais, este estudo é um subprojeto do estudo multicêntrico, intitulado: “Rede de atenção à saúde e de equipamentos sociais: experiências bilaterais Brasil-Chile com a COVID-19 – Experiência interacional da equipe de saúde das Unidades de Pronto Atendimento e COVID 19”, coordenado por docente do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. 3.2 Cenário da pesquisa O estudo foi conduzido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Geisel, inscrita no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), com o número 7206771. Trata-se de serviço público da Prefeitura Municipal de Bauru, interior do Estado de São Paulo.22 Em meados dos anos 2000, uma organização da Política Nacional da Rede de Urgência foi iniciada, com a implantação de novos componentes, como o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e a UPA. Iniciar a implantação pelo pré-hospitalar foi uma estratégia acertada, já que experiências nacionais e internacionais demonstravam impactos positivos desses atendimentos. Porém, essa criação ocorreu de forma desarticulada, tendo a implantação das UPAs se iniciado apenas em 2008. As Unidades de Pronto Atendimento representam o principal componente fixo da rede pré-hospitalar.23 A UPA 24h é um componente da Rede de Atenção à Urgência (RAU), no âmbito do Sistema Único de Saúde. Caracteriza-se por ser um estabelecimento de saúde ininterrupto, de complexidade intermediária, articulado com a Atenção Básica, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU-192), a Atenção Domiciliar e a Atenção Hospitalar. Deve conter 20 as seguintes atividades: acolher pacientes e seus familiares em situação de urgência e emergência; prestar atendimento resolutivo e qualificado às demandas de natureza clínica; dar primeiro atendimento a pacientes cirúrgicos e trauma, estabilizando-os e realizando diagnóstico inicial, referenciando os pacientes que necessitam de atendimento especializado e de maior complexidade; realizar consultas de pronto atendimento nos casos de menor complexidade; funcionar como ponto de estabilização de pacientes, pelo SAMU; prestar apoio diagnóstico, e manter pacientes em observação por até 24 horas para elucidação ou estabilização clínica; e realizar encaminhamentos a serviços hospitalares de retaguarda para aqueles que não tiveram suas queixas resolvidas, dando continuidade à assistência.24 A unidade realiza diariamente, em média, 400 atendimentos (adulto e infantil). Está localizada na região leste do município. O prédio da unidade possui 1.993,38m2 de área construída, numa área total de 2617,38m2, e conta com os seguintes setores: uma recepção; uma ampla sala de espera; uma sala de serviço social; uma sala de pré-consulta, com classificação de risco; uma sala de eletrocardiograma; três consultórios médicos; um consultório de enfermagem; uma sala de curativos e suturas; uma sala de aplicação de medicamentos infantis e uma sala de medicamentos e hidratação venosa adulto; uma sala de inalação; uma sala para raios-X; uma sala de dispensação de medicamentos; uma sala de almoxarifado; uma enfermaria masculina e feminina mista; uma enfermaria infantil; um isolamento adulto com banheiro privativo, e um isolamento infantil com banheiro privativo, que, juntos, totalizam 14 leitos; uma sala de emergência com três leitos para observação, sendo dois leitos adulto e um leito infantil; uma sala de higienização; sanitários; central de material; expurgo; copa, sala de TV e quartos de descanso para servidores, sendo um quarto para médico clínico, um quarto para médico pediatra e um quarto para enfermagem; uma sala administrativa; uma sala de reuniões; uma sala de arquivo de prontuários; uma sala de guarda cadáver; e amplo estacionamento.25 No início da pandemia, a UPA realizou mudanças em seu fluxo de atendimento, para separar os casos sintomáticos respiratórios (SR) dos demais atendimentos da unidade. Dessa forma, os atendimentos que caracterizavam SR suspeitos e/ou confirmados de COVID-19, eram atendidos pela entrada da emergência da unidade; enquanto os demais eram atendidos pela recepção principal. Isso foi adotado como rotina, numa tentativa de evitar o contágio de pessoas com outras patologias que procuravam o atendimento de urgência. Houve intensa mobilização para conscientizar a população para comparecerem à UPA somente em casos de extrema necessidade, evitando a exposição ao vírus. A UPA Geisel conta com um quadro de servidores com escalas nos períodos manhã, tarde e noite, compostas por: um chefe de seção (enfermeiro-40h/sem), dois médicos clínicos, 21 dois médicos pediatras, oito técnicos de enfermagem, dois enfermeiros, um farmacêutico (40h/sem), um auxiliar de farmácia, dois recepcionistas, dois vigilantes, um auxiliar de copa e dois serventes de limpeza. Ressalta-se que, no início da pandemia, houve um acréscimo de colaboradores para completar as escalas e suprir demandas existentes devido à separação do fluxo da unidade, tendo sido contratados mais um médico, um enfermeiro e dois técnicos de enfermagem por período. 3.3 Amostra da pesquisa A pesquisa foi conduzida especificamente com três grupos amostrais: médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Foram utilizados como critérios de inclusão: profissionais de saúde que atuam na UPA Geisel, com assistência direta aos pacientes suspeitos e/ou confirmados para COVID-19, e com experiência há mais de um ano em urgência e emergência. A amostra foi conduzida até a saturação teórica, ou seja, quando não houve novos dados na fala dos participantes. Observou-se uma confluência dos três grupos amostrais, não sendo necessário realizar a separação por categorias profissionais. 3.4 Procedimentos éticos e de coleta de dados O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário Sagrado Coração - UNISAGRADO (ANEXO 1), no dia 19 de maio de 2020, com Parecer Consubstanciado nº 4.036.507, A coleta de dados foi conduzida pela própria pesquisadora, com supervisão de pesquisador com experiência em pesquisa qualitativa. A amostra foi obtida por conveniência, e todos os profissionais convidados a participar da pesquisa firmaram seu aceite, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de Participação em Pesquisa (TCLE) (APÊNDICE 1). Não houve nenhuma desistência no decorrer do processo. A coleta de dados se deu por meio de entrevista semiestruturada, individual, tendo como pergunta norteadora: “Como tem sido a sua experiência frente à pandemia do COVID- 19?”. A entrevista foi conduzida no local de trabalho dos participantes, em sala privativa, devidamente preparada com aparelho para gravação, no período de junho a agosto de 2020. As entrevistas tiveram a duração entre dois e oito minutos e, depois de realizadas, foram transcritas na íntegra e descartadas em seguida, com o cuidado de identificar os participantes alfanumericamente, para guardar o sigilo e o anonimato de suas informações. É importante 22 enfatizar que a coleta de dados envolveu perguntas que provocavam uma ampliação da resposta original, em busca de maiores detalhes, explicações ou mesmo aprofundamento do tema. Essas perguntas são denominadas como “questões circulares”, pois direcionam as informações provenientes do próprio participante, e contribuem para a compreensão da experiência vivenciada. Cabe ainda acrescentar que as questões circulares, de acordo com sua nomenclatura, estabelecem um movimento circular ao gerar novas respostas e novas perguntas.26 Alguns autores relatam que as “entrevistas podem ser consideradas conversas com finalidade, e se classificam de acordo com sua organização”. A entrevista aberta ou em profundidade é aquela em que o informante é convidado a falar livremente sobre um tema e as perguntas do pesquisador, quando são feitas, buscam dar mais profundidade às reflexões.27 3.5 Referencial metodológico do estudo 3.5.1 Análise dos dados: Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) As entrevistas foram analisadas segundo o referencial metodológico da Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), conhecida internacionalmente por Grounded Theory. Trata- se de um método que tem por finalidade conhecer o fenômeno no contexto em que este ocorre, observando a inter-relação entre os significados e ação. Segundo os idealizadores da TFD, essa metodologia consiste na descoberta e no desenvolvimento de uma teoria a partir das informações obtidas e analisadas sistemática e comparativamente. Para eles, a teoria significa uma estratégia para trabalhar os dados em pesquisa que proporciona modos de conceitualização para descrever e explicar. Esses autores apresentam um método de análise comparativa constante, com a qual o pesquisador, ao comparar incidente com incidente nos dados, estabelece categorias conceituais que servem para explicar o dado. A teoria, então, é gerada por um processo de indução, no qual categorias analíticas emergem dos dados e são elaboradas conforme o trabalho avança, uma vez que as categorias começam a emergir dos dados.28 Esse é um processo que descrevem como amostragem teórica: o pesquisador decide que dados coletar em seguida, em função da análise que vem realizando. Nesse sentido, a amostragem adotada não é estatística, mas teórica, visto que o número de sujeitos ou situações que devem integrar o estudo é determinado pelo que eles denominaram de saturação teórica. Isso significa que, quando as informações começam a ser repetidas, dados novos ou adicionais não são mais encontrados.28 Nessa perspectiva, faz-se necessário o desenvolvimento de uma 23 sensibilidade teórica, a qual permite ao pesquisador uma percepção dos significados dos dados e, a partir daí, a elaboração da teoria. Um dos requisitos básicos para o desenvolvimento dessa sensibilidade teórica é o pesquisador iniciar seu trabalho de campo sem preconceitos prévios, com o intuito de estar aberto às informações da coleta dos dados.28 Dentre os componentes que emergem dos dados, estão as categorias que, segundo essas autoras, são abstrações do fenômeno observado nos dados, e formam a principal unidade de análise da TFD. A teoria se desenvolve por meio do trabalho realizado com as categorias, que faz emergir a categoria central, sendo geralmente um processo como consequência da análise. As fases da análise dos dados segundo o referencial metodológico são: 29 Codificação aberta: o passo inicial. Uma vez redigido o texto da observação ou entrevista, consistirá em quebrar os dados em pequenos pedaços, e cada um deles representará um incidente específico ou fato. Para isso, os dados foram analisados linha por linha e parágrafo por parágrafo, buscando incidentes e fatos. Cada incidente será codificado como um conceito ou abstração do dado. Codificação axial: uma vez identificadas as categorias, efetuou-se nova comparação, dessa vez entre categorias, o que determinou uma melhor estruturação do conceito. Desse modo, ocorreu um processo de redução das categorias e, por meio de comparação, foi identificada a ideia que melhor explicou o fenômeno daquele grupo de categorias. Assim, foram identificadas as categorias e seus componentes (subcategorias e elementos). Codificação seletiva: uma vez identificadas as categorias e seus componentes, passou-se a ordená-las de maneira a identificar uma que seria central, ou melhor, aquela categoria com a qual todas se relacionavam. Para chegar a ela, foram elaborados esquemas que foram, então, aplicados aos dados. Depois, foi verificado qual deles melhor expressou a experiência interacional. 3.6 Referencial teórico do estudo 3.6.1 Interacionismo simbólico Embora seja um equívoco atribuir todas as ideias básicas subentendidas no interacionismo simbólico a uma única pessoa, George Herbert Mead foi, indubitavelmente, o gerador primordial do movimento. Nesse sentido, Mead pode ser chamado o “pai” do interacionismo simbólico.30 No entanto, Mead jamais utilizou a expressão interacionismo simbólico. Quem a criou foi Blumer, um de seus seguidores, em 1937, responsável por 24 compilar as ideias de seu mestre. Assim, nominou uma abordagem, relativamente distinta para o estudo da vida e da ação humana em grupo. Quatro aspectos importantes distinguem essa abordagem das demais da psicologia:31 1. O interacionismo simbólico cria uma imagem mais ativa do ser humano e rejeita a imagem deste como um organismo passivo e determinado. Os indivíduos interagem e a sociedade é constituída de indivíduos interagindo. 2. O ser humano é compreendido como um ser agindo no presente, influenciando não somente pelo que aconteceu no passado, mas pelo que está acontecendo agora. A interação acontece neste momento: o que fazemos agora está ligado a essa interação. 3. Interação não é somente o que está acontecendo entre pessoas, mas também o que acontece dentro dos indivíduos. Os seres humanos atuam em um mundo que eles definem. Agimos de acordo com o modo que os definimos a situação que estamos vivenciando, embora essa definição possa ser influenciada por aqueles com quem interagimos, ela é também resultado de nossa própria definição, nossa interpretação da situação. 4. O interacionismo simbólico descreve o ser humano mais ativo no seu mundo do que outras perspectivas. O ser humano é livre naquilo que ele faz. Todos definimos o mundo em que agimos e parte dessa definição é nossa, envolve a escolha consciente, a direção de nossas ações em face dessa definição, a identificação dessas ações e a de outros e a nossa própria redireção. (CHARON31) 3.6.2 Conceitos do Interacionismo Simbólico • Símbolo É o conceito central, pois segundo o Interacionismo Simbólico, sem eles não podemos interagir uns com os outros. É uma classe de objetos sociais usados para representar alguma coisa. Os símbolos são desenvolvidos socialmente, através da interação; eles não são concordados universalmente dentro dos grupos humanos, mas são arbitrariamente estabelecidos e mudados através da interação dos seus usuários; existe uma linguagem de sons e gestos que é significativa e inclui regras permitindo que se combine os sons ou gestos em declarações significantes. Para ser simbólico, o organismo cria ativamente e manipula símbolos na interação com os outros. • Self No Interacionismo Simbólico, o self é um objeto social em relação ao qual o indivíduo age. O ator configura o self na interação com os outros. O self não somente surge na interação, mas como todo objeto social é definido e redefinido na interação. Surge, na infância, inicialmente através da interação com os pais e outros significativos, mudando constantemente à medida em que a criança vivencia novas experiências interagindo com outros. “Como eu me vejo, como eu me defino, o julgamento que faço de mim mesmo é 25 altamente dependente das definições sociais que encontro durante minha vida”. • Mente Mente é a ação, ação que usa símbolos e dirige esses símbolos em relação ao self. É o indivíduo tentando fazer algo, agir em seu mundo. É a comunicação ativa com o self através da manipulação de símbolos. O mundo é transformado em um mundo de definições por causa da mente; a ação é resposta não a objetos, mas a interpretação ativa do indivíduo a esses objetos.18 É a interação simbólica do organismo humano com seu self. • Assumir o papel do outro Este conceito está intimamente relacionado aos anteriores, porque consiste em atividade mental e torna possível o desenvolvimento do self, a aquisição e o uso de símbolos e a própria atividade mental. “É através da mente que os indivíduos entendem o significado das palavras e ações de outras pessoas”. • Ação humana A interação com o self e com os outros leva o indivíduo a tomar decisões que direcionam o curso da ação. As ações são causadas por um processo ativo de tomada de decisão pelo sujeito, que envolve a definição da situação e esta por sua vez, envolve interação consigo mesmo e com os outros. Dessa forma, é a definição da situação feita pelo ator que é central para como a ação ocorrerá. • Interação social Conforme apresentamos, todos os conceitos básicos para o Interacionismo Simbólico surgem da interação, e é parte dela. Quando interagimos, nós nos tornamos objetos sociais uns para os outros, usamos símbolos, direcionamos o self, engajamo-nos em ação mental, tomamos decisões, mudamos direções, compartilhamos perspectivas, definimos realidade, definimos a situação e assumimos o papel do outro. Assim, o reconhecimento da existência de atividades como estas, permite a compreensão da natureza da interação.31 26 4 RESULTADOS 4.1 Caracterização da amostra Participaram da pesquisa sete enfermeiros (E) (um do sexo masculino e seis do sexo feminino), com idade entre 28 e 46 anos, e com tempo de formação de cinco a 19 anos, sendo um a nove anos de trabalho em urgência e emergência. Participaram, ainda, 14 técnicos de enfermagem (TE) (dois do sexo masculino e 12 do sexo feminino), com idade entre 38 e 55 anos, com tempo de formação de 11 a 36 anos, sendo cinco a 25 anos de trabalho em urgência e emergência. Para finalizar o estudo, participaram também oito médicos (M) (quatro do sexo masculino e quatro do sexo feminino), com idade entre 28 e 43 anos; tempo de formação entre quatro a 12 anos; e tempo de urgência e emergência de dois a 12 anos. 4.2 A experiência da equipe de saúde Através da Teoria Fundamentada nos Dados foi possível compreender a experiência da equipe de saúde da Unidade de Pronto Atendimento na fase inicial da pandemia COVID- 19. Médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem explicitaram suas impressões iniciais frente ao desconhecido, derivando por meio das relações teóricas (subprocessos, categorias e subcategorias). Esse processo se desdobrou em quatro subprocessos que demonstram a vivência dos profissionais de saúde frente à pandemia de COVID-19: A) Escassez de evidência científica, gerando medo pela falta de conhecimento sobre a doença; B) O despreparo institucional para proteção do profissional de saúde; C) A pandemia no contexto das relações familiares e sociais; D) A construção do conhecimento como fator de proteção e encorajamento. A demonstração das categorias se encontra nos quadros 1 a 4, com os códigos descritos e organizados em quadros de 1 a 45 no Apêndice 2. 27 4.3 Subprocessos, categorias e subcategorias, relativos à experiência interacional dos profissionais de saúde frente à pandemia de COVID-19. UPA interior de São Paulo, 2022 Quadro 1 - Percepção dos profissionais de saúde com a chegada da pandemia no país Subprocessos Categorias Subcategorias Escassez de evidência científica, gerando medo pela de falta de conhecimento da doença (A) Assustando-se com o desconhecido, presenciando a COVID-19 se instalando no Brasil (A1) Reconhecendo-se impotente frente falta de conhecimento da doença (A1.1) Comparando a pandemia do H1N1 em 2009 e a COVID-19 (A1.2) Legitimando a gravidade da doença no cotidiano de trabalho (A2) Sentimento de medo e angústia ao se deparar com uma pandemia na magnitude da COVID-19 (A2.1) Relatando sentimentos por ser linha de frente, expondo-se aos riscos e travando uma batalha frente ao invisível (A2.2) Sofrendo psiquicamente com a experiência cotidiana da doença, contaminação da equipe e a gravidade da doença (A2.3) Legenda: COVID-19: Coronavirus Disease 2019 - Doença por Coronavírus de 2019; H1N1: subtipo do vírus Influenza A. Fonte: Elaborado pela autora. Quadro 2 - Revelando as deficiências, despreparo e dificuldades da Rede de Urgência no combate à pandemia da magnitude da COVID-19. Preocupando-se com a falta e a qualidade generalizada de EPIs Continua Subprocessos Categorias Subcategorias Notando o despreparo institucional para proteção do profissional de saúde (B) Sentindo o despreparo mundial no enfrentamento da pandemia de COVID-19 (B1) Convivendo com a falta de protocolos definitivos e treinamentos insuficiente e atemporal oferecidos pela vigilância (B1.1) Sentindo-se desamparado em relação à instituição (B1.2) 28 Conclusão Subprocessos Categorias Subcategorias Queixando-se da organização estrutural do trabalho (B1.3) Notando o despreparo institucional para proteção do profissional de saúde (B) Lidando com dificuldades gerenciais na pandemia, equipe apavorada e temorizada (B2) Afirmando as dificuldades encontradas para definir o diagnóstico no início da pandemia (B2.1) Sofrimento gerado pela desvalorização e exclusão na testagem dos funcionários (B2.2) Gerando sofrimento diante da possibilidade de se tornar um propagador da doença (B2.3) Equiparando as instituições que trabalham, as mudanças e sentimentos que envolveram (B2.4) Mobilizando-se para conseguir EPIs com doações (B3) Gerando sofrimento pela falta de EPIs (B3.1) Reconhecendo a importância de utilizar EPIs como medidas de prevenção e controle de infecção (B3.2) Entristecendo-se frente ao posicionamento e fragilidade psicológica dos colegas frente à doença e ao contágio (B3.3) Relembrando as vezes em que pensou em desistir (B3.4) Legenda: COVID-19: Coronavirus Disease 2019 - Doença por Coronavírus de 2019; EPIs: Equipamentos de Proteção Individuais. Fonte: Elaborado pela autora. 29 Quadro 3 - Mudanças nas rotinas do convívio familiar, a pandemia no contexto das relações familiares e sociais, comprometendo as relações afetivas. Preocupando-se com a flexibilização dos cuidados dos profissionais e da população no decorrer da pandemia Subprocessos Categorias Subcategorias A pandemia no contexto das relações familiares e sociais (C) Sentindo a preocupação da família em relação à saúde do profissional (C1) Temendo pela contaminação da família (C2) Sofrendo pelo distanciamento da família (C2.1) Compartilhando a dificuldade em se manter afastado da família (C2.2) Preocupando-se em conscientizar a família em relação à doença e as medidas de isolamento (C2.3) Protegendo-se ao chegar em casa (C2.4) Inconformando-se com a incredulidade da população brasileira em relação à doença e seu contágio (C3) Descuidando-se no decorrer da pandemia (C3.1) Percebendo a dificuldade de adesão ao isolamento (C3.2) Deparando-se com a falta de conscientização e aceitação dos profissionais para usar EPIs em todos os atendimentos (C3.3) Legenda: EPIs: Equipamentos de Proteção Individuais. Fonte: Elaborado pela autora. 30 Quadro 4 - A resiliência dos profissionais de saúde da Rede de Urgência no curso da pandemia Subprocessos Categorias Subcategorias A construção do conhecimento como fator de proteção e encorajamento (D) Construindo conhecimento técnico- científico para o enfrentamento da doença (D1) Buscando conhecimento para enfrentar a doença (D1.1) Reinventando-se para trabalhar em urgência e emergência em cenário de pandemia (D1.2) Tranquilizando-se após alguns meses de pandemia com mais estudos sobre a doença (D1.3) Estimulando habilidades de liderança (D2) Conscientizando-se sobre as dificuldades encontradas, pela instituição, em equipar e preparar a unidade com equipamentos de proteção individual (D2.1) Enaltecendo que a falta de EPIs foi suprida, o que acarretou na confiança e no apoio psicológico para enfrentamento da doença (D2.2) Acreditando nos ensinamentos que a pandemia gerou, trazendo otimismo (D3) Reconhecendo o fortalecimento da equipe durante a pandemia (D3.1) Sentindo-se otimista com a chegada dos testes (D3.2) Projetando estratégias de enfrentamento para proteger a família (D3.3) Confiando em Deus e Sua proteção para enfrentar a pandemia (D3.4) Enaltecendo sentimentos: angústia, emoção, tranquilidade, paz, aceitação, dedicação (D3.5) Acreditando na ciência e no desenvolvimento da vacina (D3.6) Fonte: Elaborado pela autora. 31 Em uma linha de temporalidade quanto à percepção dos profissionais de saúde com a chegada da pandemia no país, originou o subprocesso “Escassez de evidência científica, gerando medo pela falta de conhecimento da doença (A)”, fato observado pela chegada abrupta e rápida da pandemia no país. A ausência de conhecimento ocasionou muita insegurança aos profissionais, principalmente aos integrantes das equipes da rede de urgência. Esse subprocesso originou as categorias A1 e A2, conforme a seguir. A categoria “Assustando com o desconhecido, presenciando a COVID-19 se instalando no Brasil (A1)” agrupa duas subcategorias: reconhecendo-se impotente frente à falta de conhecimento da doença (A1.1), trazendo comparações entre a pandemia H1N1 em 2009 e a COVID-19 (A1.2). A categoria “Legitimando a gravidade da doença no cotidiano de trabalho (A2)” e suas subcategorias revelam o sentimento de medo e angústias dos profissionais ao se depararem com uma pandemia da magnitude da COVID-19 (A2.1), relatando sentimentos por ser linha de frente, expondo-se aos riscos e travando uma batalha frente ao invisível (A2.2). E, além disso, gerando sofrimento psíquico com a experiência cotidiana da doença, ao tomar conhecimento sobre a contaminação da equipe e a gravidade da doença (A2.3): [...] A minha experiência profissional diante dessa pandemia que está acontecendo, está sendo um trabalho, uma situação bem diferente de tudo que a gente já viveu. No começo, teve um pânico, uma tensão muito difícil de controlar o emocional diante da situação que a gente não sabia como iria ser, como nós iriamos enfrentar tudo isso [...] (M2) [...]A pandemia tem sido uma experiência diferente, eu acho que para todo mundo, inusitada, inesperada, além de tudo, e fez a gente lançar mão de novas metodologias, novas formas de trabalho [...] (M6)[...] No inicio da pandemia, eu acho que todos os profissionais ficaram com medo. Eu fiquei porque é um vírus novo, é uma doença nova, e a gente não sabia até, então, como que seria aqui no Brasil [...] (E3)[...] no começo, eu tinha muito medo, tremendo, estava em pânico para trabalhar, eu ia trabalhar com medo [...](TE7) [...] Então, é tudo muito novo, trouxe, assim, bastante medo, bastante insegurança, bastante desafio, porque é algo que ninguém conhecia, ninguém sabe muita coisa, então pegou a gente de surpresa; e a gente nunca tinha passado por isso, bem complicado no começo, em relação a eu trabalhar na área de saúde[...](TE11) [...] acredito que como eu trabalhei também na pandemia do H1N1, também foi muito feia, mas essa pandemia está pior. Por causa do contágio, está sendo muito grande para mim, está sendo uma experiência não muito boa [...] (TE13) [..] eu lembro até hoje como aconteceu a experiência de ter os primeiros profissionais da unidade contaminados. Eu cheguei no posto dos funcionários no momento que, de uma vez, 5 funcionários foram contaminados [...](E6) A categoria “Notando o despreparo institucional para proteção do profissional de saúde (B)” revela as deficiências e as dificuldades da Rede de Urgência no combate à pandemia da COVID-19, conforme indicados pelas categorias: “Sentindo o despreparo mundial no enfrentamento da pandemia (B1), representada pelas subcategorias B1 e B2, conforme a seguir. “Convivendo com a falta de protocolos definitivos e treinamentos 32 insuficientes e atemporal oferecido pela vigilância (B1.1)”; “remetendo à equipe sentimento de desamparo em relação à instituição (B1.2)”; e “queixando-se da organização estrutural do trabalho (B1.3)”. A categoria “lidando com dificuldades gerenciais na pandemia (B2)”, mostra a equipe apavorada e atemorizada, trazendo as subcategorias: “afirmando dificuldades encontradas para definir diagnóstico no inicio da pandemia ( B2.1)”, no período em que os testes eram escassos; E, houve, ainda, o “sofrimento gerado pela desvalorização e exclusão na testagem dos funcionários (B2.2)”, o que gerou sofrimento ante à possibilidade de ser propagador da doença (B2.3), evidenciando as diferenças, e equiparando as instituições que trabalhavam, e os sentimentos que envolveram os servidores com vinculo em duas instituições que atendem COVID-19 (B2.4). Com a chegada da pandemia, foi necessária uma grande mobilização para conseguir EPIs mediante doações da sociedade civil (B3), fato vivenciado mundialmente, e demonstrado nas subcategorias: “gerando sofrimento ante à falta de EPIs (B3.1)”. Os profissionais reconheceram a importância de utilizar EPIs como medidas de prevenção e controle de infecção (B3.2); entristeceram-se frente ao posicionamento e fragilidade psicológica dos colegas frente à doença e ao contágio (B3.3), relembrando as vezes em que pensou em desistir, devido ao medo e ao sofrimento causado pela insegurança (B3.4). [...] A gente deveria seguir um protocolo, não é o válido na nossa cidade pelo menos não tem estrutura para isso, sei lá [...] (M1) [...] No começo, era muito difícil porque era novo, não tinha teste, não tinha como a gente saber se o paciente tinha ou não [...] (M4) [...] e a gente sofreu bastante com essa parte de não ter a paramentação adequada [...] (E2)[...] Em relação ao meu trabalho, aqui na UPA a gente teve um problema com EPIs, que a gente não tinha para trabalhar, foi bem complicado no começo [...] (E3)[...] percebo a equipe muito amedrontada ainda nessa época, não temos alguns respaldos, às vezes porque também os diretores, a administração também não sabe ainda como reagir frente a uma situação nova [...] (E4) Eu acho descaso em relação a nós profissionais. Por exemplo, essa relação do teste, de ter chegado teste e não ter testado todos nós, profissionais, primeiro[...][...]a gente ficou, a gente sentiu, a gente se sente desvalorizado em relação a EPIs, de péssima qualidade [...](TE2)[..] como não teve um treinamento pra gente, teve algumas coisas faladas, o enfermeiro conversou com a gente. Depois, veio um pessoal da vigilância, que o que eles falaram não somou nada [...] (TE10) [...] Eu fiquei muito triste pelas colegas aqui, que ficaram muito, ai parece que perderam o rumo, ficaram depressivas, mas muito preocupadas e todo dia falava sobre isso, uma preocupação muito grande, já visualizando uma cena que não tinha acontecido ainda, que seria a pior, né. Que seria que a gente vê que aconteceu nos outros países, e que aqui, graças a Deus, não aconteceu. Eu acho que eu consegui me manter bem por um tempo, mas teve uma época que eu também, mas por elas, de ver algumas falando que não queria respirador, umas coisas assim, abri mão da vida, parece. Então, eu fiquei triste por elas, foi quando para mim mexeu um pouco[...] (TE10) “A pandemia no contexto das relações familiares e sociais(C)” exacerbou a preocupação da família em relação à saúde do profissional, demonstrada na categoria (C1). E, 33 também, o temor dos profissionais em contaminar os seus entes na categoria (C2), refletida em suas subcategorias: sofrendo pelo distanciamento da família (C2.1), compartilhando a dificuldade em manter-se afastado da família (C2.2); preocupando-se em conscientizar a família em relação à doença e às medidas de isolamento (C2.3); e protegendo-se ao chegar em casa (C2.4), desvelando as mudanças que a pandemia provocou nas rotinas do convívio familiar, afetando as relações sociais. Os profissionais tiveram danos em relação ao fortalecimento familiar, tão necessário em situações adversas. O estreitamento das relações familiares e sociais avultou o sofrimento psíquico presente nessa pandemia. Outra categoria elencada: inconformando-se com a incredulidade da população brasileira em relação à doença e seu contágio (C3), e as subcategorias: “descuidando-se no decorrer da pandemia (C3.1)”; “percebendo as dificuldades de adesão ao isolamento (C3.2)”; e “deparando-se coma falta de conscientização e aceitação dos profissionais para usar EPIs em todos os atendimentos (C3.3)”. Esta categoria e suas subcategorias demonstram um relaxamento (um baixar a guarda) tanto de profissionais, quanto da população, diante de algo ainda desconhecido, trazendo a reflexão acerca dessa situação inusitada e inaceitável. [...] diante da situação que a gente não sabia como iria ser, como nós iríamos enfrentar tudo isso e, junto com nós, veio com certeza esse sentimento familiar, nós preocupados em contornar nossos familiares; e eles, preocupados com nossa saúde, como ia ser pra gente tudo isso[...] (M2)[...] A minha família eu não vejo desde que começou, então família você fala, pai, mãe, né, porque fica eu e meu marido só e meus pais moram em outra cidade e eu não posso ir lá, então faz 3 meses que a gente não se vê [...](M3)[...] eu, inclusive, acabei até mudando de casa. Eu saí da casa dos meus pais, eles eram grupo de risco, e aluguei um apartamento para mim para evitar o contato com eles[...] (M8)[...] a maior preocupação nossa, é não tanto adquirir a doença, desenvolver alguma coisa, mas é levar para os familiares da gente, que têm risco para pais, mães ou passar contaminação para outras pessoas inocentes, pessoas que convivam com a gente[...](E2) e a questão de chegar em casa também depois dos plantões; o cuidado extremo que a gente tem com toda a limpeza das roupas; chegar e não se aproximar de ninguém,[...](E6) é, o que eu temo mais é pela minha família. Eu venho trabalhar, eu chego em casa, tiro tudo lá fora, não deixo entrar para dentro. Lavo a mão com álcool gel. Às vezes, eles até brincam: “mãe, você está paranoica”, mas não é. Paranoia não, a gente ama, né, e quem ama, cuida [...] (TE7) [...] em relação à minha família, o que eles pensam em relação à covid-19, eles acham que é só respiratório. Eu tento explicar ao máximo que não é só respiratório, que todas as vezes que eles saírem, eles têm que trocar as roupas, lavar as mãos, usar álcool gel, por a máscara direitinho, porque geralmente eles só colocam a máscara na boca[...](TE1)[...] brasileiro não está sendo coerente em muita coisa que a gente vê, as aglomerações, as pessoas não utilizam as máscaras; as pessoas acham simplesmente que o álcool gel vai resolver tudo[...](TE2)[...] mas, também, eu vejo que tem muitos profissionais não se importam em usar o EPI do jeito que deveria ser usado em todo momento, até o próprio pessoal, da saúde. Eles estão já desencanando dessa proteção; estão perdendo o medo, na verdade[...] (M1) [...] cada hora que você fica trancado no quarto, sem contato com sua família, é uma experiência única, onde você tem medo, para pra pensar [...](TE9) [...] A parte do isolamento foi muito complicada, porque foram 14 dias e eu, como profissional de saúde não podia trabalhar, não podia sair de casa e, agora, a gente vê o que os pacientes realmente passam, mas, assim, deu tudo certo[...](E3) 34 A resiliência dos profissionais de saúde da rede de urgência no curso da pandemia originou a categoria central designada como: “A construção do conhecimento como fator de proteção e encorajamento (D)”, apontando as categorias e subcategorias a seguir: Construindo conhecimento técnico-científicos para o enfrentamento da doença (D1); buscando o conhecimento para enfrentar a doença (D1.1); reinventando-se para trabalhar em urgência e emergência em cenário de pandemia (D1.2); e tranquilizando-se após alguns meses de pandemia, com mais estudos sobre a doença (D1.3). Houve um lançar sobre o conhecimento, desenvolvendo e estimulando as habilidades de liderança na categoria (D2), conscientizando- se sobre as dificuldades encontradas pela instituição, em equipar e preparar a unidade com equipamentos de proteção individual (D2.1); enaltecendo que a falta de EPIs foi suprida, o que acarretou confiança e apoio psicológico para enfrentamento da doença (D2.2). As reflexões acerca do aprendizado gerado pela pandemia subsidiaram a próxima categoria: “acreditando nos ensinamentos que a pandemia gerou, trazendo otimismo (D3)”, cujas subcategorias revelam: reconhecendo o fortalecimento da equipe durante a pandemia (D3.1); sentindo-se otimista com a chegada dos testes (D3.2); projetando estratégias para proteger a família (D3.3); confiando em Deus e Sua proteção para enfrentar a pandemia (D3.4); enaltecendo sentimentos: angústia, emoção, tranquilidade, paz, aceitação e dedicação (D3.5); acreditando na ciência e no desenvolvimento da vacina (D3.3). [...] a gente tem que ter resiliência e tornar se adaptar, de acordo com as novas circunstâncias, na área da saúde como um todo (M6)[...] eu acho que, hoje, a gente tem mais segurança na hora, para atender o paciente suspeito, do que no começo; a gente já adequou melhor[...] (E1) [...] hoje, a gente está mais tranquilo de ver que todo mundo se recuperou bem, que os casos continuam chegando, principalmente porque tem EPI para gente trabalhar; a gente já chega, já se protege [...] [...] e aguarda ansiosamente pela vacina, pelo momento em que a maioria dos cidadãos vão estar imunizados; e continuamos aqui para ajudar a sociedade. Graças a Deus, [...] (E6) [...] eu espero que essa pandemia passe logo, e que eles descubram a vacina (E3)[...] então, a gente tem que pedir, muito a Deus, proteção. Quem não tem fé em Deus, vai ter que ter fé em Deus a partir de agora, porque é uma doença muito estranha[...] (TE8) [...] Eu acho que vendo pelo lado normal, não como profissional eu acho que a gente começou a dar valor a poucas coisas e...(choro)[...] (TE 10)[...] acho que a gente já esta mais informado, então a gente tá tendo mais condições de trabalhar; as condições psicológicas da gente já melhorou bastante também [...] (TE11) [...] que a gente possa tirar o melhor de cada um, porque eu acredito que isso veio para nos ensinar algumas coisas, e eu espero que a gente aprenda e saia melhor do que a gente entrou[...](TE11) 35 4.4 Modelo teórico A resiliência dos profissionais de saúde da rede de urgência no curso inicial da pandemia de COVID-19 originou a categoria central “A construção do conhecimento como fator de proteção e encorajamento”, o processo da experiência, o modelo teórico (figura 1). A experiência dos profissionais de saúde destacou que a busca do conhecimento se tornou uma atividade de superação frente ao desconhecido, abarcando as angústias, os medos e as incertezas advindas pela pandemia de COVID-19. Com isso, vindo à tona o dinamismo dos profissionais de saúde, principalmente os que atuam nos serviços de emergência, para se reerguerem e se reestruturarem em situações de crise. 36 Figura 1 - Experiência interacional da equipe de saúde da Unidade de Pronto Atendimento na fase inicial da COVID-19, no interior estado de São Paulo, 2022 Legenda: COVID-19: Coronavirus Disease 2019 – Doença por Coronavírus de 2019; EPIs: Equipamentos de Proteção Individuais. Fonte: Elaborado pela autora. •A1 Assustando-se com o desconhecido, presenciando a COVID-19 se instalando no Brasil; •A2 Legitimando a gravidade da doença no cotidiano de trabalho. A) Escassez de evidência científica, gerando medo a falta de conhecimento sobre a doença •B1 Sentindo o despreparo mundial no enfrentamneto da COVID-19; •B2 Lidando com as dificuldades gerenciais na pandemia, equipe apavorada e temorizada; •B3 Mobilizando-se para conseguir EPIs com doações . B) Notando o despreparo institucional para proteção do profissional de saúde •C1 Sentindo a preocupação da família em relação à saúde do profissional; •C2 Temendo pela contaminação da família; •C3 Inconformando-se com a incredulidade da população brasileira em relação à doença e seu contágio. C) A pandemia no contexto das relações familiares e sociais •D1 Construindo conhecimento técnico-científico para o enfrentamnto da doença; •D2 Estimulando habilidades de liderança; •D3 Acreditando nos ensinamentos que a pandemia gerou, trazendo otimismo. D) A construção do conhecimento como fator de proteção e encorajamento 37 4.5 Elaboração do produto 4.5.1 Título: Ferramenta de comunicação com práticas meditativas de atenção plena. (Disponível no link: Podcast - Atenção Plena.mp3 - Google Drive, e no ícone clicável, abaixo). Podcast - Atenção Plena.mp3 Fonte: Elaborado pela autora. 4.5.2 Objetivos do produto I. Criar um podcast, a partir de uma ferramenta de comunicação com práticas meditativas de atenção plena, amplamente conhecida como mindfuness, objetivando no contexto da pandemia, minimizar a ansiedade, medos, angústias e incertezas criadas por algo novo, jamais vivenciado; II. A proposta de intervenção não finda com a pandemia, diminuindo os efeitos do estresse no trabalho, principalmente os que laboram nos serviços de emergência, melhorando a percepção do momento presente. 4.5.3 Podcast O podcast foi criado por Adam Curry em 2004. Resumidamente, é possível dizer que é um arquivo digital de áudio, disponível on-line. É uma tecnologia de áudio de oralidade, que vem ganhando importância no cenário educacional32. É um produto da Internet 2.0 que pode ser utilizado em contexto educacional, com grandes chances de atingir o público alvo33. A palavra vem do laço criado entre as palavras ipod: aparelho produzido pela empresa Apple, que reproduz MP3 e broadcast, que significa: transmissão34. O podcast dá a possibilidade de escutar em qualquer lugar, sem necessidade de conexão com a internet, sendo necessário apenas no momento do download35. Atualmente, temos um modo de ensinar e aprender mais sensorial, questionador e desafiador. Na sociedade midiatizada, métodos tradicionais de ensino são insuficientes para atender a expectativa. Diante do exposto, é necessário oferecer mecanismos de aprendizagem capaz de processar informações e gerar conhecimento, garantindo espaços para a expressão https://drive.google.com/file/d/1Rq69UA875z59RhZRtTW2dI0ogHIR6Z2h/view 38 comunicativa. Produzir temática de forma contextualizada, como elemento inovador, produtor e consumidor de conhecimento34. Através dessa ferramenta, podemos servir de organizador prévio à construção do conhecimento. Os podcasts estão ganhando muito espaço, assumindo um importante papel na disseminação de informação e divulgação científica.33 4.5.4 Mindfulness: atenção plena Mindfulness tem suas raízes no budismo há mais de 2.500 anos, e é uma prática de meditação, em que a atenção consiste no momento presente. Tem sido amplamente estudada por Jon Kabat-Zinn professor e pesquisador da Universidade de Massachusetts, responsável por trazer a prática para o ocidente, com foco na saúde, sendo “a consciência que emerge através da atenção plena, no momento presente, e sem julgamento para o desenvolvimento da experiência, momento a momento”. Portanto, é um estado de atenção plena, é estar presente de forma intencional e com o esforço do não julgamento.36,37 A atenção plena é a consciência que surge ao prestar atenção propositalmente no momento presente e livre de julgamentos. O autor revela que uma mente destreinada pode contribuir para o sofrimento humano, seu próprio e de terceiros. A atenção plena é a disciplina da consciência. Utilizam-se treinamentos específicos para expressar e processar as emoções e, para melhor compreensão, é necessária a prática. Cultivar uma continuidade da consciência de todas as atividades diárias requer um compromisso contínuo, e pode ser cultivada a qualquer momento.36 O medo, as incertezas, a falta de conhecimento sobre a doença, o desconhecido vivenciado pela pandemia de COVID-19 exacerbou nos profissionais de saúde suas angústias, fato que foi amplamente descrito nas entrevistas. E, diante do exposto, se faz necessário desenvolver habilidades socioemocionais, de bem-estar e criar mecanismos que amenizem o sofrimento emocional e os efeitos mentais e físicos.38 Utilizar práticas de atenção e autocuidado para o bem estar mental dos profissionais de saúde, usando tecnologias digitais para lidar com o estresse no ambiente de trabalho e oferecer intervenções de saúde mental, torna-se imprescindível. É possível observar, no cotidiano, que o autocuidado geralmente é a sua última prioridade, negligenciando o bem-estar e gerando autossacrifício39. A perda da conectividade pessoal, trazida pelos protocolos de distanciamento, diferentemente de tudo que já se havia experimentado; a capacidade de perseverar, exigirá e nutrirá a resiliência, sendo uma ferramenta fundamental para garantir o bem estar durante a pandemia. Adquirir técnicas meditativas diárias, sem dúvida, será um legado duradouro da COVID -19.40 39 No enfrentamento da crise da COVID-19 é observado que os profissionais de saúde estão sendo exigidos tecnicamente e, sobretudo, em suas habilidades emocionais. É salutar cuidar da saúde mental, visto que várias sequelas psicológicas poderão acometer os profissionais, como, dentre outras, estresse e depressão. Com a vulnerabilidade emocional na pandemia, medidas de suporte e apoio emocional incluem práticas de mindfulness para encorajamento da atenção plena e o fortalecimento da resiliência35. Existe a necessidade de que, em um ambiente cada vez mais dinâmico e estressante, é importante desenvolver novas habilidades.37 4.5.5 Conteúdo Podcast A pandemia de COVID-19 trouxe consigo grandes desafios para a humanidade. Por ser uma doença nova, desconhecida para a ciência, desencadeou uma busca sem precedentes, no sentido de se conhecer seu agente e suas consequências. Sendo assim, envolveu diretamente os profissionais de saúde, sobretudo os que atuam na linha de frente, nos serviços de emergência, expostos aos riscos de contaminação nas suas jornadas de trabalho. Devido a sua rápida disseminação, atingindo um número expressivo de pessoas, foi observada escassez de Equipamento de Proteção Individual nos serviços de saúde, além de desgaste físico e emocional dos profissionais, principalmente no início, quando o medo do desconhecido gerou incertezas, trouxe pânico, afetando negativamente a qualidade de vida dos profissionais. Diante do grande desafio profissional, fez-se necessário buscar estratégias eficazes para reduzir os prejuízos oriundos da pandemia de COVID-19, buscando mecanismos de defesa, no sentido de proporcionar uma melhor qualidade de vida, tanto para os doentes, quanto para os profissionais de saúde, minimizando eventos estressores. Cabe salientar que as práticas meditativas surgiram como um recurso no enfrentamento dessa pandemia, contribuindo para atenuar o esgotamento emocional dos profissionais de saúde e desenvolvimento de habilidades pessoais. Além disso, essas práticas também se mostraram eficientes para a saúde, revelando ser uma ferramenta eficaz de intervenção, com grande potencial de assertividade, devendo ser praticada, buscando o bem- estar mental. Os benefícios da prática de Atenção Plena: o indivíduo fica centrado no momento presente; melhora o foco; aumenta o funcionalismo imunológico, e promove bem estar; exercita autocompaixão, ou seja, promove a capacidade de tratar a si mesmo com gentileza, melhorando a saúde mental e o autocuidado, através do equilíbrio emocional. 41 40 Mindfulness, também conhecido como atenção plena, visa reduzir a sobrecarga do profissional, ao estresse percebido, ansiedade e solidão, melhorando o bem-estar mental. É um estado meditativo centrado na própria presença, com redução do sofrimento psicológico. Se dá pela observação das experiências como se apresentam, sem modificá-las; ter um posicionamento não julgador e não reativo das experiências. Consiste em afastar as ruminações do passado e das aflições em relação ao futuro. Perceber o momento presente e estar presente de forma intencional com o esforço do não julgamento. “Parar e estar presente, só isso” (Jon Kabat-Zinn).42 Convido vocês a prestar atenção: na própria respiração, nas sensações corporais, nos pensamentos e emoções; buscar habilidades de auto percepção dos seus processos mentais; consistir em buscar regulação da atenção; novas formas de reagir às emoções: distanciar, não reagir e procurar aceitar. Experimente ficar apenas um minuto fazendo exercício de não pensar em nada (Um minuto de silêncio). Parece fácil, não é mesmo? Trouxe esse podcast intencionalmente, para que nós, profissionais de saúde, estarmos atentos para o momento presente. Tente realizar esse exercício diariamente. Inicie com práticas informais de atenção plena, como: comer com atenção; escovar dentes com atenção; flexibilidade para realizar exercício, independentemente de nossas atribuições e responsabilidades. Uma mente destreinada pode contribuir para o sofrimento humano. Discipline sua consciência. Faça a experiência. Aposte em praticar os princípios da atenção plena. Aliviar o estresse e a ansiedade, melhorar a saúde mental, objetivando estimular ações que favoreçam a implementação de estratégias de prevenção e programas que corroboram com o bem-estar dos profissionais de saúde, torna-se indispensável para o enfrentamento do estresse e outras pandemias que poderão ocorrer. É indispensável “parar e estar presente, só isso”. Reflitam, se permitam e compartilhem a experiência de práticas de atenção plena. 41 5 DISCUSSÃO Com base no Interacionismo simbólico e nas ideias propostas pelos seus idealizadores, vale ressaltar o modo inseparável das relações sociais e do contexto social, no qual as interações não podem ser pensadas fora de situações e contextos, desse modo é necessário compreender as ações das dinâmicas interacionais.43 Em concordância com o referencial adotado e o objeto de estudo, os achados da pesquisa apontam que a experiência de profissionais de pronto atendimento diante da pandemia de COVID-19, apresentou-se como desafiadora. A pandemia do novo coronavírus ocasionou diversas incitações na saúde mundial, principalmente nos departamentos de urgência. E a escassez de evidência científica gerou medo e ansiedade, pela falta de conhecimento sobre a doença. Um levantamento realizado, destaca que, mesmo antes da pandemia, já existiam problemas com altas taxas de esgotamento no trabalho dos profissionais que atuam nos departamentos de urgência, e ressalta que essas questões foram exacerbadas no início da pandemia de COVID-19.10 Outro estudo confirma que a pandemia gerou muitas incertezas para os profissionais de saúde, pois existia o receio sobre a cura e o surgimento de vacinas num futuro próximo, o que acentuou as capacidades e fraquezas dos serviços de saúde e, consequentemente, a saúde mental dos profissionais.11 De maneira intimamente relacionada e, notando o despreparo institucional para a proteção do profissional de saúde, a literatura científica reforça o quanto essa incerteza impactou na atividade laboral dos profissionais que expressaram ter recebido informações contraditórias, divulgando insatisfação frequente com as mudanças nos protocolos, com o curso imprevisível e repentino da doença11. Nessa diretiva, outro autor revela a busca permanente em organizar fluxos e as atualizações diárias das informações pelas instituições e órgãos de saúde, na busca por controlar o vírus SARS-CoV-2.2 Compreende-se, portanto, que o fato despertou a inquietude e insegurança profissional. Porém, outro estudo revelou que protocolos de saúde que direcionam o cuidado, proporcionam segurança aos profissionais para desenvolverem suas habilidades3. Isso enfatiza a insegurança dos profissionais pelas mudanças frequentes que a pandemia trouxe no seu curso inicial. Mudanças diárias colaboram para a insegurança profissional. Aliado a isso, também se destaca que a falta de confiança nas medidas de controle das instituições leva a impactos significativos na prestação de cuidados aos pacientes em um ambiente de surto, podendo haver absenteísmo na equipe12. Esse dado corrobora com nosso estudo, em que os 42 participantes relataram que os colaboradores não queriam entrar em serviço, devido ao risco ocupacional, ao medo e insegurança inicial. Em relação a recursos materiais, desafios semelhantes ao exposto pelos participantes foram destacados nos estudos a seguir, nos quais os autores relataram que a exposição dos profissionais de saúde ao vírus é substancial, principalmente quando os suprimentos de EPI são limitados, destacando a importância de proteger os profissionais de saúde para um manejo exitoso5. Os trabalhadores estavam preocupados com a disponibilidade e temiam uma escassez iminente de EPIs.12 Nessa perspectiva, outros estudos também apontam que o colapso dos equipamentos de proteção individual intensificam a vulnerabilidade e as preocupações com a saúde pessoal, e contribuem para a sensação de perda de controle da situação, evidenciado por ansiedade, depressão e distúrbios do sono.7, 8Neste sentido, foram evidenciadas lacunas para a proteção de profissionais, e um alerta mundial para a necessidade de proteger os profissionais de saúde com EPIs de qualidade, evitando a disseminação do vírus e a geração de aerossóis.10 Outra conjuntura vivenciada pelos profissionais de saúde foi da pandemia no contexto das relações familiares e sociais. Os profissionais foram desafiados a conviver afastados de seu núcleo familiar, devido à angústia em propagar a doença aos familiares, principalmente os que convivem com comorbidades. Sendo assim, seu suporte emocional ficou abalado, tendo a preocupação e o medo sido constantes e ameaçadores. Um estudo realizado no Irã, com 97 participantes, revelou que o medo em transmitir a doença aos familiares foi a maior preocupação para todos os participantes do estudo, que também revelou a redução dos relacionamentos emocionais, a privação sensorial e a separação forçada da família11, fato também relatado amplamente em nosso estudo. Outro autor reforça que o estresse relacionado a uma doença infecciosa envolvendo o profissional e seus entes queridos, ou seja, o temor pela infecção, atemoriza os profissionais, que teme pela infecção das pessoas que ama. A distância do apoio familiar durante a pandemia foi um fator estressor para os profissionais.7 A literatura aponta que o medo e a ansiedade dos profissionais de saúde tendem a ser mais elevados, devido ao risco de infecção. E, também, pela preocupação de que esta se espalhe para seus familiares e filhos, ou seja, o estresse relacionado ao trabalho, incluem fatores de risco psicossocial novos e emergentes, como a insegurança, a intensificação do trabalho, alta carga emocional, esgotamento, que trouxeram um desequilíbrio tanto no trabalho quanto para a vida pessoal.13 Ademais a saúde dos profissionais da linha de frente foi significativamente exposta, em razão das condições de 43 trabalho precárias, com equipamentos de proteção insuficientes e inapropriados, externando a preocupação dos profissionais com sua saúde e de seus familiares. É necessário reforçar que, diante de uma pandemia que despontou rapidamente, altamente contagiosa, e que as únicas estratégias de mitigação do vírus eram a utilização de medidas de isolamento e distanciamento social para conter sua propagação, os profissionais de saúde foram obrigados a deixar seus familiares em casa e partir para uma guerra contra um inimigo invisível, onde se sabia muito pouco e/ou praticamente nada a respeito. Aliado a isso, EPIs insuficientes e inadequados, com protocolos diários e muita informação desencontrada mesmo entre a comunidade científica. Nessa diretiva, a construção e busca por conhecimento, tornou-se um fator de proteção e encorajamento para lidar com a pandemia. Para atuar frente a frente com o vírus, um estudo revelou que os profissionais de saúde iniciaram uma busca por conhecimento, a fim de encontrar estratégias de ensino e aprendizagem para o enfrentamento à pandemia.3 Frente a desafios semelhantes, a literatura revelou que 40% dos profissionais não estavam preparados para atender pacientes com suspeita de COVID-19 e não se sentiam confortáveis e seguros para realizar o atendimento. É importante salientar que treinamentos e simulados remetem confiança à equipe para lidar com situações novas e desconhecidas, garantindo a confiança da equipe.9 Outro estudo relatou que as instituições podem não perceber que suas equipes carecem de conhecimento, como já observado em outros surtos de doenças. Ou seja, às vezes, mesmo com testes e EPIs disponíveis, os profissionais de saúde podem não compreender como utilizá-los corretamente, necessitando de treinamentos frequentes. Os gestores precisam passar segurança aos seus colaboradores.10 A literatura também reafirma a importância do treinamento da equipe, e revela que os profissionais relataram que aceitariam mais facilmente as recomendações e protocolos instituídos se estivessem mais confiantes em seu conhecimento12. Portanto, se a equipe se sentir apoiada no planejamento abrangente da pandemia, a fase de recuperação tende a ser menos traumática, e em período menor de tempo, sendo necessária para manter o bem-estar da equipe da linha de frente.6 Pensando nisso, foi demonstrada uma capacidade do profissional da saúde em se reinventar na pandemia. O mesmo foi observado em um estudo em que os profissionais foram ganhando experiência e se adaptando às novas rotinas no decorrer da pandemia, sendo possível observar uma recuperação da confiança desses profissionais, superando a crise inicial e o medo.11 Sobre a importância de elaboração do podcast, propomos criar uma ferramenta de comunicação com práticas meditativas de Atenção Plena, amplamente conhecida como mindfulness, na versão de um podcast. A proposta de intervenção não se finda com a 44 pandemia, e pode amenizar os efeitos do estresse no trabalho, principalmente os que laboram nos serviços de emergência, melhorando a percepção do momento presente. A experiência dos profissionais dos serviços de urgência, com a instalação da pandemia de COVID-19, mostrou-se extremamente difícil, desgastante e só foi se amenizando com o passar do tempo. Houve uma busca pelo conhecimento científico, como um fortalecedor para seu psicológico, ajudando a se sentir encorajado com os avanços da ciência, e no desenvolvimento da vacina contra a COVID-19. Um estudo revelou que algumas estratégias podem ser potencialmente úteis no enfrentamento da pandemia, e para auxiliar a combater os sentimentos de isolamento, solidão e angústia, podendo ainda incluir: inquietação, falta de motivação, tristeza, desesperança, dificuldades do sono e concentração. Realizar atividades criativas, como: passar tempo ao ar livre, exercícios físicos e estratégias de atenção plena, colaboram no fortalecimento dos profissionais.5 Outro estudo mostrou que os profissionais utilizam de exercícios físicos e orações para se fortalecer no trabalho. E que técnicas de meditação, educação e esportes são menos prevalentes.10 É salutar buscar estratégias e criar mecanismos para superação do estresse. Os profissionais de saúde, mesmo que treinados emocionalmente, costumam apresentar maior prevalência de transtorno de estresse pós-traumático, pois durante a rotina exaustiva de trabalho esses profissionais atendem vítimas, testemunham tristezas e percebem ameaças rotineiramente.7 Nessa diretiva, um estudo demonstrou que as práticas meditativas de mindfulness diminuem a vulnerabilidade e desgaste emocional na pandemia, fortalecendo a resiliência em períodos de crise, ressaltando a necessidade de cuidar do cuidador que, na agitação diária, negligencia o autocuidado, gerando autossacrifício.35 O debate sobre o tema sempre será atual, relevante e necessário para promover e restaurar a saúde mental dos profissionais de saúde, ou seja, torna-se notório que profissionais de saúde estejam emocionalmente estáveis. É fundamental adotar medidas e ações preventivas acertadas com planos de enfrentamento e mecanismos de controle para saúde e fortalecimento mental desses profissionais.16 Vale destacar que as lacunas do conhecimento sobre o novo coronavírus impactaram negativamente sobre a atuação dos profissionais de saúde, principalmente os que atuam nos departamentos de emergência, uma realidade nova e jamais vivenciada na proporção da COVID-19. Mais estudos serão necessários para mensurar os efeitos que a COVID-19 deixará na lembrança dos profissionais; os traumas, que necessitarão de tempo para serem superados; e, sobremaneira, os ensinamentos que essa triste realidade 45 deixará na população mundial, com tantas vidas tendo sido ceifadas; e tantas famílias que jamais esquecerão esse período sombrio da COVID-19. 46 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo revelou a experiência interacional dos membros da equipe de saúde de uma Unidade de Pronto Atendimento do interior de São Paulo, durante a fase inicial da pandemia de Covid-19. Vale destacar o desconhecimento da comunidade científica, particularmente em relação aos riscos aos quais os profissionais de saúde foram submetidos, desencadeando grande insegurança, ansiedade e medo nas equipes. O mundo assistiu ao surgimento da nova doença de forma desenfreada e assustadora. O despreparo no combate ao vírus revelou as fragilidades dos serviços de saúde, mundialmente, e as dificuldades gerenciais, com a falta de equipamentos de proteção individual para resguardar os profissionais de saúde que precisavam trabalhar e combater o inimigo invisível. Atrelado ao medo, insegurança e diversos desafios laborais, as relações sociais foram restritas e os profissionais de saúde conviviam diariamente com o temor de ser um propagador da doença para todos do seu convívio familiar, gerando sofrimento e sentimento de impotência. Estudos que revelem situações vivenciadas pelos profissionais de saúde trarão benefícios para o enfrentamento de novas pandemias. Tratar da saúde emocional dos profissionais de saúde que não puderam optar por permanecer em casa é de extrema relevância. Os profissionais foram convocados para combater o vírus e, buscar conhecimento se tornou a ferramenta mais eficiente na estratégia de combate à pandemia, criando mecanismos de fortalecimento e encorajamento. Por outro lado, novo alento de esperança surgiu com técnicas de diagnóstico precoce e o advento da vacina contra o COVID-19, reconhecendo a importância da ciência. Ademais, planejar estratégias de prevenção, e propor intervenções para buscar ferramentas com o propósito de combater a ansiedade, o sofrimento emocional e reduzir seus efeitos no processo de trabalho dos profissionais de saúde dos serviços de urgência trarão benefícios para promover o bem-estar mental, capacitando-os em ajuda mental. A limitação desse estudo se deu na dificuldade de aplicar o produto elaborado na prática clínica. Mas, acreditamos que futuras pesquisas podem avaliar a eficácia do produto e ampliar a intervenção proposta para beneficiar a saúde mental dos profissionais de saúde que trabalham na linha de frente da assistência. Nesse sentido, deve ser considerada a experiência vivida por esses profissionais, para que outros estejam mais preparados no enfrentamento de novas pandemias, que certamente poderão ocorrer. 47 REFERÊNCIAS 1. Umanzor RP, Peñafiel FS, Ugarte NS, Valverde AV, Bravo AC, Pernas SS, et al. Infección respiratoria aguda por coronavirus Sars-CoV-2 en personal de salud: implementación de un programa de detección precoz y seguimiento de casos en un hospital universitário. Rev Med Chile. 2020;148(6):724-33. doi: 10.4067/S0034-98872020000600724. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Plano de contingência nacional para infecção humana pelo novo coronavírus COVID-19. Brasília: Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública COVID-19; 2020. 26 p. 3. Bastos RS, Lopes AC. Pandemia de Covid-19: trabalhando juntos por um futuro melhor. Bauru: Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, 2021. 242 p. 4. Li Q, Guan X, Wu P, Wang X, Zhou L, Tong Y, et al. Early transmission dynamics in Wuhan, China, of novel coronavirus-infected pneumonia. N Engl J Med. 2020;382(13):1199- 207. doi: 10.1056/NEJMoa2001316. 5. Stawicki SP, Jeanmonod R, Miller AC, Paladino L, Gaieski DF, Yaffee AQ, et al. The 2019-2020 novel coronavirus (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) pandemic: a Joint American College of Academic International Medicine-World Academic Council of Emergency Medicine Multidisciplinary COVID-19 Working Group Consensus Paper. J Glob Infect Dis. 2020;12(2):47-93. doi: 10.4103/jgid.jgid_86_20. 6. Poonian J, Walsham N, Kilner T, Bradbury E, Brooks K, West E. Managing healthcare worker well-being in an Australian emergency department during the COVID-19 pandemic. Emerg Med Australas. 2020;32(4):700-2. doi: 10.1111/1742-6723.13547. 7. Pasin L, Sella N, Correale C, Boscolo A, Mormando G, Zordan M, et al. Pandemic COVID-19: the residents' resilience. Acta Biomed. 2020;91(4):e2020120. doi: 10.23750/abm.v91i4.10061. 8. Wańkowicz P, Szylińska A, Rotter I. Assessment of mental health factors among health professionals depending on their contact with COVID-19 patients. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(16):5849. doi: 10.3390/ijerph17165849. 9. Aljahany M, Alassaf W, Alibrahim AA, Kentab O, Alotaibi A, Alresseeni A, et al. Use of in situ simulation to improve emergency department readiness for the COVID-19 pandemic. Prehosp Disaster Med. 2021;36(1):6-13. doi: 10.1017/S1049023X2000134X. 10. Almubark R, Almaleh Y, BinDhim N, Almedaini M, Almutairi A, Alqahtani S. Monitoring burnout in the intensive care unit and emergency department during the Covid-19 pandemic: the Saudi Arabian experience. Middle East J Nurs. 2020;14(2):12-21. doi: 10.5742/MEJN.2020.93790. 11. Eftekhar Ardebili M, Naserbakht M, Bernstein C, Alazmani-Noodeh F, Hakimi H, Ranjbar H. Healthcare providers experience of working during the COVID-19 pandemic: a qualitative study. Am J Infect Control. 2021;49(5):547-54. doi: 10.1016/j.ajic.2020.10.001. 48 12. Piché-Renaud PP, Groves HE, Kitano T, Arnold C, Thomas A, Streitenberger L, et al. Healthcare worker perception of a global outbreak of novel coronavirus (COVID-19) and personal protective equipment: survey of a pediatric tertiary-care hospital. Infect Control Hosp Epidemiol. 2021;42(3):261-7. doi: 10.1017/ice.2020.415. 13. Zakeri MA, Hossini Rafsanjanipoor SM, Sedri N, Kahnooji M, Sanji Rafsanjani M, Zakeri M, et al. Psychosocial status during the prevalence of COVID-19 disease: the comparison between healthcare workers and general population. Curr Psychol. 2021;40(12):6324-6332. doi: 10.1007/s12144-021-01582-1. 14. Dal Pai D, Gemelli MP, Boufleuer E, Finckler PVPR, Miorin JD, Tavares JP, et al. Repercussions of the COVID-19 pandemic on the emergency pre-hospital care service and worker’s health. Esc Anna Nery [Internet]. 2021 [cited 2021 Mar 25];25(spe):e20210014. Available from: https://www.scielo.br/j/ean/a/4PjzmNXDhbVKXWpPyxY8LFt 15. Montezeli JH. O trabalho do enfermeiro no pronto-socorro: uma análise na perspectiva das competências gerenciais. Curitiba, 2009. 135f. 16. Almeida ES de. Estresse ocupacional e esgotamento entre profissionais de saúde: revisão integrativa. [2019?]. Especialização em Enfermagem do trabalho, Cruzeiro do Sul Virtual Educação à distância [S.l., 2019?]. 17. World Health Organization. Naming the coronavirus disease (COVID-2019) and the vírus that causes it [Internet]. Geneva: WHO; 2022 [cited 2022 Mar 22]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical- guidance/naming-the-coronavirus-disease-(covid-2019)-and-the-virus-that-causes-it 18. Brasil. Ministério da Saúde. Secretarias Estaduais de Saúde. Casos acumulados de COVID-19 por Semana Epidemiológica de notificação [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [cited 2022 Mar 22]. Available from: https://covid.saude.gov.br/ 19. Bauru. Secretaria de Saúde de Bauru. Informe Epidemiológico Coronavírus nº 47 [Internet]. Bauru. Secretaria de Saúde; 2022 [cited 2022 Mar 22]. Available from: https://www2.bauru.sp.gov.br 20. Holloway I