UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "Júlio de Mesquita Filho" Campus Experimental de Ourinhos – Geografia João Luiz Cuani Junior A PROPOSTA DE PIERRE MONBEIG, AROLDO DE AZEVEDO E MARIA CONCEIÇÃO VICENTE DE CARVALHO PARA O CURRÍCULO DE GEOGRAFIA DA ESCOLA SECUNDÁRIA (1935) Ourinhos-SP 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "Júlio de Mesquita Filho" Campus Experimental de Ourinhos – Geografia JOÃO LUIZ CUANI JUNIOR PROPOSTA DE PIERRE MONBEIG, AROLDO DE AZEVEDO E MARIA CONCEIÇÃO VICENTE DE CARVALHO PARA O CURRÍCULO DE GEOGRAFIA DA ESCOLA SECUNDÁRIA (1935) Orientadora: Professora Márcia Cristina de Oliveira Mello OURINHOS SP 2020 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca examinadora para obtenção do título de Bacharel em Geografia pela Unesp – Campus Experimental de Ourinhos. BANCA EXAMINADORA Profa. Márcia Cristina de Oliveira Mello (Orientadora) (Universidade Estadual Paulista) ______________________________ Profa. Dra. Maria Adailza Martins de Albuquerque (Universidade Federal da Paraíba) ______________________________ Prof.Marcelo Dornelis Carvalhal (Universidade Estadual Paulista) ______________________________ OURINHOS- SP Dedicatória: Dedico esse trabalho ao meu pai que já se foi, mas continua sendo minha maior força e inspiração na vida. Agradecimentos Agradeço primeiramente aos meus pais, minha mãe Cleverci Elizabeth de Lima Cuani que ao longo de minha vida tem sido a minha principal base de fortalecimento, e que nos momentos mais difíceis que enfrentamos juntos, foi aquela que me manteve em pé. Ao meu pai João Luiz Cuani (in memoriam) que sempre foi um exemplo de pessoa em sua vida, mas infelizmente nos deixou muito cedo, saiba que onde estiver você sempre será o meu herói e minha inspiração. Agradeço também a todos os familiares que em suas inúmeras formas de demonstração, que me acolheram com carinho em toda a minha trajetória acadêmica. Agradeço a todos meus amigos que me ajudaram e ajudam a ser uma pessoa melhor a cada dia, evitei colocar os nomes para não correr o risco de esquecer alguém. Agradeço a todos os professores que ajudaram na minha formação pessoal e intelectual ao longo desses cinco anos, em especial, à professora Márcia que desde o primeiro ano me acolheu como seu orientando e me ajudou a ser quem sou hoje, meu muito obrigado professora, devo muito a você. Agradeço por fim à FAPESP, que me ajudou com auxílios à pesquisa ao longo de boa parte da minha graduação. Resumo: Para compreender aspectos da trajetória da Geografia escolar no Brasil buscamos nos aproximar do currículo proposto para a escola secundária dos anos de 1930. Destacamos a influência de Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo e Maria Conceição Vicente de Carvalho que elaboraram um projeto de programa para o ensino de Geografia à época. A pesquisa documental e bibliográfica foi desenvolvida por meio de localização e análise de fontes documentais, dentre elas o texto "O ensino secundário da Geografia", publicado no ano de 1935, na revista Geografia. Buscamos destacar o contexto em que a proposta foi produzida, assim como a contribuição dos autores para a organização do currículo de Geografia da época. Tal currículo organizou a forma como a Geografia deveria ser ensinada nas escolas, assim como representou o papel que a disciplina assumiu em relação a reafirmação do status quo. Palavras-chave: ensino de Geografia; currículo de Geografia; Didática da Geografia. Abstract: To understand the aspects of the schooling geography’s trajectory in Brazil, we intended to approximate of the proposed curriculum for the middle school in 1930. We highlighted the influence of Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo e Maria Conceição Vicente de Carvalho, who developed a programme for the Geography teaching at the time. This academic paper was developed through searching and analysis of documentary sources, among them the text “O ensino secundário da Geografia”, published in 1935, in a magazine named Geografia. We seek to highlight the context in which the proposal was produced, and also the authors’ contribution for the organization of the Geography curriculum of the time. This curriculum organized the way Geography should be taught in schools, as well as the playing role that the subject took on reaffirming the status quo. Key words: Geography teaching; Geography curriculum; Didactics of Geography. Resumen: Para comprender los aspectos de la trayectoria de la geografía escolar en Brasil, teníamos la intención de aproximar el plan de estudios propuesto para la escuela intermedia en 1930. Destacamos la influencia de Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo y Maria Conceição Vicente de Carvalho, quienes desarrollaron un programa para La enseñanza de la geografía en el momento. Este artículo académico se desarrolló mediante la búsqueda y el análisis de fuentes documentales, entre ellas el texto "La Escuela Secundaria de Geografía", publicado en 1935, en una revista llamada Geografía. Buscamos resaltar el contexto en el que se produjo la propuesta, y también la contribución de los autores a la organización del plan de estudios de Geografía de la época. Este plan de estudios organizó la forma en que se debe enseñar Geografía en las escuelas, así como el juego de roles que la asignatura asumió para reafirmar el status quo. Palabras-clave: enseñanza de Geografía; curriculum geografía; didáctica de la Geografía ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1 - Disciplinas do ensino secundário, a partir da Lei Francisco Campos............................................................................................................p.51 Quadro 2 - Programa de Geografia para o ensino secundário, de acordo com o Decreto n. 19.890, de 1931- Primeira série..................................................................................................................p.55 Quadro 3 - Programa de Geografia para o ensino secundário, de acordo com o Decreto n. 19.890, de 1931- Segunda série..................................................................................................................p.55 Quadro 4 - Programa de Geografia para o ensino secundário, de acordo com o Decreto n. 19.890, de 1931- Terceira série..................................................................................................................p.55 Quadro 5 - Programa de Geografia para o ensino secundário, de acordo com o Decreto n. 19.890, de 1931- Quarta série..................................................................................................................p.56 Quadro 6 - Programa de Geografia para o ensino secundário, de acordo com o Decreto n. 19.890, de 1931- Quinta série..................................................................................................................p.56 Quadro 7 -Proposta de conteúdos para o ensino de Geografia para a primeira série do ensino secundário.........................................................................................................p.91 Quadro 8 -Proposta de conteúdos para o ensino de Geografia para a segunda série do ensino secundário.........................................................................................................p.91 Quadro 9 - Proposta de conteúdos para o ensino de Geografia para a terceira série do ensino secundário...............................................................................;............................98 Quadro 10 - Proposta de conteúdos para o ensino de Geografia para a quarta série do ensino secundário.......................................................................................................p.103 09 Quadro 11 - Proposta de conteúdos para o ensino de Geografia para a quinta série do ensino secundário.......................................................................................................p.106 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 10 OBJETIVOS .............................................................................................................................. 12 Objetivo Geral: ...................................................................................................................... 12 Objetivos específicos: ............................................................................................................ 12 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 12 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................. 14 Discussões gerais sobre currículo escolar ............................................................................... 14 Antecedentes da história curricular da Geografia escolar brasileira ....................................... 18 Objetivos do ensino da Geografia à época, segundo Pierre Monbeig ..................................... 37 Características do contexto escolar e político nas primeiras décadas do século XX ................. 40 A reforma Francisco Campos e as diretrizes para o ensino de Geografia na década de 1930 .. 45 Reforma Francisco Campos e o ensino secundário ............................................................. 47 Ao que se refere ao programa de Geografia ....................................................................... 52 Biografia dos autores ............................................................................................................. 59 Pierre Monbeig .................................................................................................................. 59 Aroldo de Azevedo ............................................................................................................ 69 Maria Conceição Vicente de Carvalho ................................................................................ 78 Orientações para o currículo de Geografia na escola secundária de 1935 .............................. 80 Aroldo de Azevedo e os livro didáticos ................................................................................... 86 PRIMEIRA SÉRIE ..................................................................................................................... 90 SEGUNDA SÉRIE ..................................................................................................................... 91 TERCEIRA SÉRIE ..................................................................................................................... 97 QUARTA SÉRIE ..................................................................................................................... 102 QUINTA SÉRIE ...................................................................................................................... 105 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 113 10 INTRODUÇÃO A temática de estudo está relacionada ao currículo de Geografia para a escola secundária proposta pelos primeiros professores de Geografia [e História] da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, a partir de 1934. Esse currículo é considerado por nós um marco no ensino da escola secundário da época, pois estava vinculada com a primeira faculdade de filosofia e letras do Brasil destinado principalmente a formação de professores para atuarem nas escolas básicas. O ideário educacional dos anos de 1930, do século XX, passou por um momento revolucionário com o fim da primeira república, onde o poder estava sob o domínio dos coronéis do leite em Minas Gerais e os barões do café em São Paulo. Submissas a uma lógica de desenvolvimento e de intensa urbanização, as cidades começaram a abrigar e receber um intenso fluxo de pessoas, ultrapassando o número de um milhão de habitantes. Concomitante a lógica urbana também as relações de trabalho se ampliaram, visto que a partir da década de 1930 surgiu a necessidade do investimento em educação e a criação de escolas. O então presidente da República Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, o primeiro ministro foi Francisco Luís da Silva Campos que decretou algumas leis tais como o decreto n.19.851 (11/4/1931), que instituiu o regime universitário. A partir desse decreto o ensino superior deveria ser ministrado na universidade com a criação de uma Faculdade de Educação Ciências e Letras onde a principal função seria a formação dos professores secundários. Entretanto, a Faculdade de Educação Ciências e Letras idealizada por Francisco Campos não chegou a ser instaurada. A instituição que teria a função de preparar professores para o ensino secundário no Brasil foi denominada Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Com essas medidas e educação tentava acompanhar a nova lógica da cidade urbano-industrial, com traços de modernidade (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2015). 11 Ainda na década de 1930 outro divisor de águas para a educação foi a publicação do chamado “Manifesto dos pioneiros da educação”, que ocorreu em 1932, coordenado por Fernando de Azevedo. Trata-se de documento que afirmava que dentre todos os problemas que o país enfrentava, nenhum deles tinha primazia se não o problema educacional, fomentando na sociedade o apoio para a ampliação do sistema educacional brasileiro, para tanto, a formação docente foi posta em evidência. Em 1934 foi fundada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL da USP), dentre os cursos nascentes estava o de Geografia e História, nas modalidades Bacharelado e Licenciatura. Os candidatos ao curso de Licenciatura deveriam cursar a formação pedagógica no Instituto de Educação, já que pelo Decreto estadual n. 5.884/33 o Instituto Caetano de Campos foi transformado em Instituto de Educação, passando oferecer a formação pedagógica aos candidatos ao magistério secundário. Em 1938 o Instituto de Educação foi incorporado à USP, e em 1938 transformado na seção de Pedagogia da FFCL, posteriormente se transformou em Departamento de Educação. O Instituto de Educação e sua “Escola de formação de professores” contribuíram para que surgissem as primeiras gerações de professores especializados, no estado de São Paulo, dentre eles os de Geografia [e História] (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2015). A formação pedagógica do professor secundário envolvia estudos relativos aos problemas psicológicos da aprendizagem na fase da adolescência e saberes relacionados ao currículo escolar. O referencial teórico do curso estava articulado à Didática da Escola Nova. Neste sentido, o ensino de Geografia passou a receber influência desta tendência pedagógica, representada especialmente pelo pensamento de Delgado de Carvalho. Até então, professor e diretor do Colégio D. Pedro II foi pioneiro na divulgação dos preceitos escolanovistas para o ensino de Geografia e publicou, no ano de 1925, um dos trabalhos mais importantes da época Metodologia do ensino geográfico, manual de ensino no qual propôs uma distribuição mais precisa e lógica dos conteúdos de ensino e metodologias mais adequadas ao interesse dos alunos (PONTUSCHKA, 1999). 12 OBJETIVOS Objetivo Geral: - Analisar o projeto de programa para o ensino de Geografia apresentado no texto "O ensino secundário da Geografia" (1935). Objetivos específicos: - Analisar o contexto em que foram produzidas as propostas de intervenções didáticas de Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo, Maria Conceição Vicente de Carvalho para o ensino de Geografia na escola secundária da década de 1930. - Apontar a contribuição dos autores para a organização do currículo de Geografia para escola secundária dos anos de 1930. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A investigação consistiu em pesquisa bibliográfica e documental. O estudo documental se deu por meio de identificação, localização e recuperação de fontes primárias e secundárias obtidas especialmente nos acervos da FFCL da USP, incluindo os periódicos da época e outras fontes documentais tais como relatórios da universidade. Foram consideradas também as bases de dados eletrônicas tais como: http://dedalus.usp.br/, http://cutter.unicamp.br/, e http://www.athena.biblioteca.unesp.br/. Após localização dos dados sobre a produção acadêmica dos autores que selecionadas, os dados foram organizados em forma de tabelas e/ou quadros que auxiliarão na análise da constituição da história do ensino de Geografia. A pesquisa bibliográfica foi articulada aos temas relacionados ao ensino de Geografia na primeira metade do século XX. Serão enfatizados os aspectos referentes aos conteúdos de ensino e a metodologia. Os dados coletados foram analisados à luz desta bibliografia especializada e os resultados serão sistematizados em formato de artigo acadêmico e/ou textos completos para apresentação em eventos científicos. O percurso metodológico envolveu a revisão de bibliografias especializadas em ensino e ensino de Geografia e as análises de fontes documentais. Por se tratar de uma pesquisa de abordagem histórica buscamos compreender os acontecimentos por meio da investigação de fontes primárias e secundárias para 13 construir um possível ensaio interpretativo sobre a proposta para o currículo do ensino de Geografia na década de 1930. Na primeira etapa para elucidar a importância da proposta realizada por Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo e Maria Conceição Vicente de Carvalho recorremos aos estudos sobre a História da Educação brasileira e a história da Geografia como disciplina escolar e científica. Buscamos algumas leituras bibliográficas disponíveis em formatos de artigos, dissertações e livros de pesquisadores que já tinham buscado entender o pensamento desses autores, além dos textos originais próprios dos autores, tais como suas teses, artigos e livros. Como analisamos aspectos do currículo escolar direcionado a educação brasileira a nível nacional foi necessário também entender o contexto social da época, envolvendo as questões políticas e econômicas, pois entendemos que a educação está ligada diretamente com a consolidação de um projeto de nação. As fontes ou documentos são requisitos fundamentais para a produção e sistematização do conhecimento histórico. O trabalho de levantamento, catalogação, identificação e interpretação das fontes são elementos constituintes da pesquisa histórica e representam o alicerce para a preservação da memória histórica. (CASTANHA, 2006, p.1). Assim, entendemos que a pesquisa de abordagem histórica envolve então a complexidade e o cuidado que se deve tomar ao se discutir alguns fatos históricos, a partir do presente. Entende-se que cada etapa de uma pesquisa histórica é imprescindível, e a atenção dada a cada momento permite propor uma narrativa condizente de determinado acontecimento do passado. A segunda etapa foi desenvolvida a partir de leituras das fontes documentais primárias. Nesta etapa demos atenção especial do texto “O ensino secundário da Geografia”, já que despertou uma inquietação entre os alunos do grupo de pesquisa em ensino de Geografia “articulação entre a universidade e a escola de Educação Básica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho” ao passo que esse era um documento desconhecido por nós havendo poucos estudos bibliográficos sobre o tema. Passamos então a fazer a análise textual da proposta. O período de análise do texto de publicação do texto coincidia com o mesmo período histórico do projeto “Orientações metodológicas destinado aos 14 professores de para o ensino secundário da escola paulista (1935-1964)” que é o projeto piloto desta e de outras pesquisas no grupo. Essa aproximação permitiu que o diálogo entre as pesquisas fosse constante, garantindo dessa forma uma contribuição mútua entre os pesquisadores. Esse documento teve grandes influências Ageberianas e também da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) o que nos motivou a estudar essas duas instituições, portanto, esta foi mais uma etapa da pesquisa. A necessidade de estudar tanto a AGB quando a FFCL se faz presente na medida em que buscamos interpretar os acontecimentos à luz da época, já que é importante entender o funcionamento e o objetivo dessas instituições, das quais os autores da nossa principal fonte documental também faziam parte, o que nos permitiu a aproximação das suas concepções. O historiador não cria personagens, nem fatos, mas os descobre em suas fontes, faz ressurgir do esquecimento grandes homens e seus feitos, muitas vezes representados por um sujeito que passaria despercebido, mas que adquire vulto em sua escrita. Nesse exercício de decifração do passado, o historiador também utiliza de liberdade em seu labor. Subjetividade na escolha do objeto, do recorte, na seleção das fontes, na forma como irá compor sua narrativa e dos recursos que serão utilizados. (NUNES, 2011, p.19). Desta forma, nos aproximando do objeto de estudo do historiador, que é o tempo, para contribuir com a história da Geografia como disciplina escolar, Nunes (2011) observa o papel fundamental da pesquisa histórica, sendo essa responsável por resgatar nomes importantes do passado, acontecimentos importantes que ainda não são conhecidos. Assim, a pesquisa se torna um dos pilares para se compreender o pensamento da Geografia brasileira na época, seja escolar ou acadêmica. Por fim, buscamos elaborar uma breve biografia de Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo e Maria Conceição Vicente de Carvalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO Discussões gerais sobre currículo escolar As discussões sobre currículo são necessárias no âmbito educacional, ao passo que este é um instrumento importante de organização das disciplinas 15 escolares, envolvendo a compreensão de suas lógicas, princípios e metodologias que se tornam indispensáveis para a sua composição. A estrutura da sociedade, bem como de suas classes são fatores expressivos que atuam como influenciadores na criação de um currículo, principalmente na esfera escolar, pois, é justamente na escola que estão se formando os novos cidadãos que futuramente irão representar, governar e definir os rumos do país. De fato, os interesses do Estado, e de seus aliados se expressam no quesito curricular, ao modo de que nele é visto, grandes oportunidades de controlar o conhecimento, bem como as metodologias e conteúdos que serão ensinadas aos alunos. O currículo como prescrições místicas importantes sobre estado, escolarização e sociedade. Mais especificamente, ele sustenta a mística de que a especialização e o controle são inerentes ao governo central, às burocracias educacionais e à comunidade universitária. (GOODSON, p. 14, 2007). Ivor Goodson comenta que é preciso compreendermos a hierarquia de poderes, que acabam propagando cada vez mais seus ideais e os seus interesses “pessoais” ou de grupos, e de que isso acarreta muitas vezes na distorção de temas abordados, com o intuito de cumprir e reforçar que o currículo está submisso a lógicas maiores de interesse. A crítica é consistente ao passo que muitas vezes a escola acaba sendo considerada apenas um objeto de propagação de ideais, que foram criados dentro de uma oficialidade, onde nem todos são permitidos a propor e colocar as suas considerações, como é o caso dos professores, “[...] o currículo foi basicamente inventado como um conceito para dirigir e controlar o credenciamento dos professores e sua potencial liberdade nas salas de aula.” (Idem, p.243). A partir dessa análise, é possível perceber que até mesmo a seleção das disciplinas escolares é minuciosa para atender o interesse do Estado, e de determinados grupos. Portanto, entendemos que quanto mais poder de influência social e econômica uma determinada classe exerce sobre a comunidade, maior vai ser o poder de influência que ela também exercerá na educação. Aliando-se ainda sobre a linha de pensamento de Goodson (2007), o currículo pode ser um fomentador das desigualdades sociais no âmbito escolar. Se trata, segundo seu ponto de vista, de uma disputa entre uma classe rica e 16 dominante ,que se interessa por manter os seus privilégios em conflito com uma classe mais pobre que busca uma ascensão social através da educação. Portanto, ao reconhecer que exista uma mínima possibilidade de elevação do conhecimento dessa classe mais pobre, por exemplo, através de determinados conteúdos ou conhecimentos existe uma forte pressão, ou até mesmo ataque à presença de tal conteúdo. É imprescindível considerar que o currículo é de fato um dos principais mecanismos escolares para que se possa desempenhar uma real função educacional, é portanto, através dele que a sistematização de conteúdos irá se consolidar. A este respeito, o currículo escolar deveria proporcionar ao estudante, como principal beneficiado, a possibilidade de se desenvolver como indivíduo dentro de uma sociedade democrática, e oferecer ao mesmo, diferentes formas de se enxergar o mundo em que vive, ao passo que tem como objetivo formar cidadãos que irão contribuir diretamente com o desenvolvimento de sua comunidade através das relações sociais existentes e que ainda vão acontecer. Partindo do pressuposto de que o currículo escolar é uma elemento que contribui na formação de indivíduos sociais que futuramente vão desempenhar papéis fundamentais para o pleno funcionamento da sociedade, o currículo deveria ser desenvolvido para atender as reais necessidades para um melhor desempenho da estrutura social. Para que isso aconteça é necessário um cuidado minucioso na escolha dos conteúdos e metodologias de ensino. Ainda Bumham (1993) identifica a complexidade de se trabalhar com o currículo escolar, dentre as principais características que denotam essa dificuldade, a heterogeneidade, a polissemia e as contradições são os principais aspectos que merecem uma maior atenção e investigação no processo curricular, em especial brasileiro. Seguindo a autora, temos grandes lacunas que envolvem as questões curriculares na escola que carecem de maiores discussões. As complexidades de um currículo escolar envolvem não somente a quantidade de conceitos que se trabalha nas mais diferentes ciências, a multiplicidade de linguagens técnicas, mas também entender que cada indivíduo, seja ele professor ou aluno, possui as suas perspectivas pessoais e cotidianas, ou seja, nem todas as pessoas estão expostas a uma mesma dinâmica social. Daí a importância do currículo considerar a multiculturalidade e a diversidade. 17 [...] a própria complexidade que é cada sujeito-aluno e cada sujeito- professor, que cotidianamente mantêm/constroem relações entre si, mediadas (ou, pelo menos, supostamente mediadas) por um processo de socialização/construção de conhecimento; que esses mesmos sujeitos convivem submetidos a formas de controle, possibilitadas não somente pelos mecanismos implícitos do currículo oculto, mas também por modos explicitamente autoritários de exercício de poder (quer nas relações administrativas instituídas pela burocracia escolar, quer na interação professor-aluno durante as atividades chamadas pedagógicas). (BUHMAM, 1993, p.6). A autora sustenta que a consolidação curricular, ainda é restringida por diversos motivos. Se um currículo é constituído por conteúdos que muitas vezes fogem da realidade do aluno, faz com que o mesmo se disperse na hora da aprendizagem ou que não se sinta interessado por determinado assunto. A questão de que o currículo é uma forma de controle social também é evidenciado pela autora, portanto, muitas vezes o currículo não atende às reais necessidades do aprendizado, dessa maneira ao se tratar de currículo escolar, e principalmente um currículo ideal, e que realmente cumpra a sua função escolar, acaba se tornando uma discussão muito complexa e extensa. Para se entender a dinâmica que envolve a construção de um currículo escolar, tem que se levar em conta tanto os aspectos escolares quanto os aspectos sociais. É necessário ter algumas concepções e ideologias bem consolidadas, tendo em vista que o currículo escolar é uma ferramenta para atingir os objetivos escolares. Então, este, se torna um instrumento para a formação nos alunos de identidades, cultura, senso crítico entre outros valores que serão adquiridos através da influência curricular. Assim, a dinâmica curricular não é limitada tendo em vista somente a escolha os conteúdos determinados para cada série do ensino escolar, é na verdade também um ciclo de atividades que envolvem todo o processo escolar, portanto, os pensamentos e ideologias serão grandes influenciadores do produto final do currículo, o cotidiano escolar, as atividades que podem ser realizadas, os recursos didáticos disponíveis etc. O currículo sendo considerado então como um conjunto de esforços pedagógicos, é de responsabilidade de toda a comunidade escolar, como a comunidade que de certa maneira tem um envolvimento com a escola, participar ativamente na sua construção, buscando em conjunto, traçar as metodologias e 18 recursos coniventes a realidade do aluno, a fim de atrair o estudante para um contato mais familiar entre a escola e o aluno. Se tratando de um ambiente escolar, a transmissão do conhecimento deve ser realizada com uma certa diferença dos outros ambientes de ensino aprendizagem. Para isso Moreira e Candau (2007) nos auxiliam na discussão sobre o conhecimento escolar. Para esses autores o conhecimento escolar é um conhecimento produzido pela escola, e não somente uma adaptação do conhecimento social. Dessa maneira o conhecimento escolar é originado a partir dos saberes socialmente produzidos, passando por um processo de seleção e preparação, para que possam ser desenvolvidos na escola. O currículo, nessa perspectiva, constitui um dispositivo em que se concentram as relações entre a sociedade e a escola, entre os saberes e as práticas socialmente construídos e os conhecimentos escolares. Podemos dizer que os primeiros constituem as origens dos segundos. Em outras palavras, os conhecimentos escolares provêm de saberes e conhecimentos socialmente produzidos nos chamados “âmbitos de referência dos currículos”. (MOREIRA; CANDAU, 2007 p. 6). De acordo com a análise dos autores, o conhecimento escolar, então, é responsável pela mediação entre os fatos sociais que deverão ser estudados e o aluno, ao modo que o desafio está exatamente nessa transposição, do diálogo entre esses dois “universos”. Antecedentes da história curricular da Geografia escolar brasileira A evolução do currículo, bem como a sua criação não se dá de maneira aleatória, é importante lembrar que apesar de ser um instrumento escolar, ele não é independente, ou seja, ele está ligado diretamente com as relações sociais, bem como o contexto político e econômico da época. Na tentativa de elucidar quais eram as lógicas e ideais que cercavam o currículo de Geografia no final do século XIX até meados da década de 1930, buscamos compreender quais eram as características curriculares que predominaram nessa ciência, bem como as suas inúmeras transformações e os debates que eram recorrentes entre defensores de uma Geografia clássica, e de uma Geografia moderna. 19 Cabe então relembrar que, no início da colonização portuguesa no Brasil, a educação ficou sob responsabilidade exclusiva dos jesuítas contando com o apoio da companhia de Jesus. A priori eles buscavam ensinar o ensino religioso principalmente para efetivar a religião católica nesse novo continente, a fim também de converter os povos originários que aqui habitavam. Companhia de Jesus foi fundada em pleno desenrolar do movimento de reação da Igreja Católica contra a reforma protestante, podendo ser considerada um dos principais instrumentos da Contra-Reforma nessa luta. Seu objetivo era tentar sustar o grande avanço protestante da época, e para isso utilizou-se de duas estratégias: por meio da educação dos homens e dos índios; e por intermédio da ação missionária, procurando converter à fé católica os povos das regiões que estavam sendo colonizadas. (SHIGUNOV NETO; MACIEL, 2008, p.172). A partir da análise dos autores, é possível entender que o papel da educação no período colonial ainda não era o de formar cidadãos, ou grandes intelectuais para que pudesse ali se desenvolver uma sociedade organizada e dinâmica, ou seja, não existia até então um plano para a formação de uma nação. O objetivo da educação na época, era o de expandir a colonização nos países que ainda não tinham sido colonizados, além também de propagar a fé católica, que estava em um grande conflito com a religião protestante. Fica evidente que a religião também era utilizada como um recurso para que se efetivasse a colonização, portanto, além da dominação ocorrer a partir de conflitos armados, da força ela também ocorria a partir da colonização cultural dos povos. Portanto, entende-se que a educação Jesuíta foi uma ferramenta do governo português para a dominação do Brasil, mas também ao possuir uma certa autonomia, os jesuítas tinham o objetivo de realizar uma transformação social principalmente nos indígenas que aqui habitavam, através de profundas mudanças na organização e valores sociais. Ainda sob a ótica de Neto e Maciel (2008) os jesuítas buscavam ensinar principalmente a escrita, a leitura e o ensino da doutrina Cristã. O método educacional que os jesuítas ensinavam era baseado no Radio Studiorum, na qual implicada em um manual de metodologias e conteúdos nas quais os jesuítas deveriam se apoiar para ensinar. Naquela época existiam dois níveis de ensino, o primeiro é o secundário que tinha como objetivo a formação literária humanística das pessoas, que em geral eram destinados aos colonizados, adaptando-os para viverem em 20 sociedade. O outro nível era destinado a elite colonial, na qual tinham a formação acrescentada de três anos com a ênfase em Filosofia e Ciências e buscando a formação principalmente de filósofos. Após alguns anos, mais precisamente em 1759 houve a expulsão da companhia de Jesus do Brasil. Através do decreto do Marquês de Pombal foi destituído todos as construções, escolas que pertenciam à ordem jesuíta, portanto, o Estado tomou para si todas as propriedades que pertenciam a essa ordem. Com a saída dos jesuítas, Pombal dá início a sua reforma educacional. Pelo mesmo Alvará Régio que continha a ordem de expulsão da Companhia de Jesus dos domínios portugueses, foi decretada a reforma dos estudos menores. Foi criada a Diretoria Geral de Estudos, responsável pela administração do ensino, cabendo-lhe dentre outras coisas, habilitar e controlar os professores e as atividades e conteúdos por eles desenvolvidos, bem como censurar os livros por eles utilizados, além de avaliar os relatórios periódicos de atividades. (ROCHA, 1994, p. 54). O encarregado da educação a partir desse momento passa a ser o Estado, surgindo dessa forma um ensino público sob responsabilidade estatal e não mais jesuíta. Apesar do decreto do Marques de Pombal e a tentativa da reforma no ensino, foram poucas as mudanças que efetivamente aconteceram. As dinâmicas sociais da então colônia portuguesa pouco se mudaram, as atividades agroexportadoras se mantiveram, a escravatura pendurou por muitas décadas e a educação era limitada tanto na sua qualidade como na sua quantidade. Frente às grandes transformações que o Brasil passou, principalmente no que se tange a ordem política, deixando em 1822 de ser uma colônia de Portugal e passando a ser uma nação autônoma que estava se consolidando, o Brasil necessitava de grandes reformas, dentre elas a educacional, haja visto que as aulas régias não cumpriam mais as demandas de ordem política, econômica e social que a nação precisava. Dentre as medidas para a consolidação de uma verdadeira nação, a unificação do sistema educacional era imprescindível, e para isso uma das medidas tomadas pelo Estado foi a de criar instituições escolares a fim de que as províncias usassem os seus modelos, garantindo assim que a educação nacional mantivesse uma certa linearidade. 21 Com o Ato Adicional de 1834 as províncias adquirem o direito de legislar sobre a instrução pública primária e secundária, enquanto o ensino superior e a educação do Município Neutro ficaram a cargo do governo central. Isso significou um mecanismo de reforço ao sistema de formação de quadros, pois o governo central, agora oficialmente, cuidava do ensino superior e da via privilegiada para o acesso às faculdades, o Colégio D. Pedro II. (ZOTTI, 2005, p.34). A partir da visão da autora, é possível perceber a grande influência que o Colégio Pedro II exerceu em todas as relações educacionais da época. Criado no ano de 1837 e com influência Europeia, mais precisamente na França esse modelo veio para o Brasil a fim de solidificar o ensino secundário da época, sendo que foi através dele que se “padronizou” o ensino secundário de todo o país, sendo considerado o maior modelo a nível de escolarização secundária. O Colégio Pedro II ao importar as concepções francesas de educação e principalmente os seus modelos curriculares, deu também um avanço na educação brasileira, ao passo que foi possível trazer novas disciplinas escolares para serem estudadas, ou seja, houve um rompimento com o estudo de caráter colonial onde somente o estudo literário religioso era priorizado, em relação a essa análise, Zotti (2005) nos mostra uma parte da organização curricular e das novas disciplinas que passaram a compor o currículo do ensino secundário do Colégio D. Pedro II “Nesse regulamento, a Matemática passa a figurar em seis anos, a Física nos três últimos anos, além da Geografia e História natural, que indicando um rompimento com a tradição exclusivamente literária”. (idem, p.36) Considera-se que ao longo século XIX foi um período notoriamente marcado pela influência francesa em todo o território brasileiro, incluindo no setor educacional. De acordo com Bastos (2008), o governo brasileiro, no que se tange a educação, importou os modelos curriculares, bem como livros didáticos e materiais traduzidos para que pudessem ser trabalhados com os estudantes. Se faz necessário mencionar, que os professores que lecionavam no Colégio Pedro II, em sua maioria, foram estudantes de Liceus ou escolas francesas, ou seja, tivemos efetivamente um modelo de educação importado da França. Em relação às funções desempenhadas pelos professores no Colégio, estas não estavam vinculadas apenas às práticas em sala de aula. Eles participavam das bancas de seleção dos novos alunos e, em caso de aprovação, tinham que indicar em qual ano o aluno deveria ser matriculado. Faziam também as traduções dos compêndios estrangeiros que seriam usados em sala de aula, assim como podiam opinar acerca dos rumos da instituição. (MENDONÇA et al., 2013, p.995). 22 Com o intuito de entender melhor o contexto educacional em que a disciplina de Geografia estava inserida, Mendonça e colaboradores (2013) nos ajudam a compreender que o papel do professor da época transcendia os deveres em sala de aula. É imprescindível retomar que até o início do século XX com a criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) não existiam cursos superiores de formação de professores, logo, quem ministrava aula não necessariamente era formado na área da disciplina escolar, portanto, a seleção dos professores para atuares no Pedro II era realizada levando em conta o currículo do profissional e principalmente a europeização dos seus estudos. Devido ao fato de a seleção dos professores ser extremamente elitizada, temos que esses professores por terem tido um acesso amplo à educação tinham propriedade para desempenhar os mais diversos papéis educacionais. O ensino de Geografia no início do século XX transcendia os interesses escolares, foi visto nessa ciência a oportunidade de inserir uma doutrinação, para se reforçar o sentimento nacionalista, constituindo dessa forma uma nação cada vez mais integrada, unida e devota ao seu país. Portanto, o papel da Geografia era mediar as mais diferentes relações nacionais e internacionais que aconteciam. A proposta da constituição do Estado moderno traçava os rumos que a Geografia deveria seguir, a fim de proporcionar cada vez mais o fortalecimento da pátria brasileira. Para compreender os sentimentos nacionalistas e patriotas, que se manifestaram desde o século XIX, Vania Vlach (1988) aponta que os primeiros sentimentos nacionalistas eram propagados principalmente pela minoria proprietária de terra no Brasil, que se manifestavam em interesses anticolonialistas. Salienta também que a “independência” política do Brasil não teve participação popular, mas uma manipulação dos interesses da corte portuguesa. Ainda segundo Vlach (1988) nas quatro primeiras décadas do século XIX houveram fortes interesses na construção do Estado-Nação brasileiro, e esse feito ficou responsável principalmente pelo Instituto Histórico e Geográfico, que foi fundado em 1838 no Rio de Janeiro. Coube, então, a esse órgão ressaltar a importância que a História e a Geografia exerciam para o Estado-Nação em desenvolvimento. Destaca-se a importância que os documentos possivelmente 23 espalhados por toda a província do Império poderiam ser aproveitados como unificação dos interesses nacionais. A lógica patriota se alinhou à corrente determinista para cada vez mais fundamentar o seu apelo ao território nacional, da forma que o aprofundamento do estudo geográfico contribuiu com o de despertar um sentimento de amor à pátria. Um dos caminhos encontrados pelo Estado, para a disseminação dessa lógica nacionalista estava no aproveitamento do espaço geográfico. Eram ressaltadas as belezas e existências das mais diferentes formas naturais do território brasileiro, tais como a riqueza de suas florestas e minas, a grande biodiversidade, o clima propício para a manutenção das suas atividades, em especial a agrícola, e também da riqueza do solo. Portanto, a Geografia era compreendida como uma descrição dos elementos naturais e humanos. Dada essa variedade sua caracterização e importância, buscava-se valorizar cada vez mais o território nacional, fazendo com que as pessoas reconhecessem a potencialidade de desenvolvimento que essa nação tinha, para que dessa forma depositassem a sua confiança, e consequentemente a sua força de trabalho para o engrandecimento do país. O conhecimento geográfico também era estratégico do ponto de vista militar e econômico, visto que a partir de estudos, principalmente relacionados à Geografia física se tinha uma dimensão dos atrativos que o país tinha, por exemplo, era de extrema importância conhecer o relevo brasileiro, bem como as declividades, cursos de água, visto que a partir dele era possível traçar estratégias tanto militares, tanto econômica como descobrir terras mais férteis propensas a uma melhor agricultura. Entretanto, se faz necessário pontuar que o conhecimento de História e Geografia produzido durante o século XIX não era destinado a toda a população brasileira, pelo contrário, lembrando que o Brasil até 1888 a maioria das pessoas no país eram escravizadas fazendo com que esse conhecimento letrado, era principalmente destinado à elite da época. Desde os primeiros anos de colonização do Brasil a educação ficou sob responsabilidade dos jesuítas, os quais no começo ensinavam somente leituras, escritas e cálculos. Vlach (1988) comenta ainda que a Companhia de Jesus 24 somente se preocupava com a formação da elite colonial, que muitas vezes para concluir os seus cursos tinha que ir até a metrópole. A grande questão observada era exatamente o desinteresse de Portugal em incentivar a educação no Brasil, visto que a elite intelectual, que tinha o acesso à educação, era um número muito baixo. Devido ao fato de os jesuítas serem os únicos responsáveis pela educação durante a época colonial, foram pioneiros em criar uma unidade nacional e consequentemente indícios de uma pátria em formação através da educação. Os ensinamentos estavam relacionados a linguagem que é um dos principais meios de unificação, ao passo que se as pessoas falam a mesma língua, torna-se mais fácil a sua comunicação, bem como a construção de uma unidade política e territorial. Também ensinavam sobre a religião cristã e cultura portuguesa. Os ensinamentos de Geografia na época eram muito limitados e se restringia a interesses puramente estatais. Era ensinado uma Geografia marcada pelas nomenclaturas, de modo que as mais diferentes feições da superfície terrestre eram interpretadas e passadas de formas ainda muito confusas. Uma das principais áreas da Geografia, a que mais se via importância e apreço era a cartográfica. Isso ocorreu pois se tratava de um momento de delimitações, principalmente entre Portugal e Espanha que buscavam delimitar os seus respectivos territórios. Portanto, foi necessário a criação de mapas, como a da colônia brasileira. Devido a essa importância que a Geografia tinha, a elite até então existente no brasil, era bem interessada no desenvolvimento da cartografia. Com o passar do tempo, posteriormente à expulsão da companhia de Jesus da colônia, a educação ficou sob encargo do Estado brasileiro. Os professores passaram, então, a ter como objetivo principal ensinar os alunos a ler, escrever, fazer as quatro operações aritméticas, gramáticas e princípios morais da doutrina católica. A Geografia não era diretamente ensinada, inserida enquanto disciplina escolar, entretanto perpassava o currículo através das leituras da história do Brasil. Com o tempo foi gerado uma crise educacional no Brasil, visto que as propostas para o ensino não satisfaziam as reais necessidades de aprendizado. Mesmo visando formar uma pequena parcela da elite a fim de suprir os quadros 25 administrativos da então política, a educação recebida não era suficiente, sendo demonstrada ao longo do tempo que não capacitavam seus alunos nem para as necessidades do Estado. A pressão que o ensino sofria relacionado a sua qualidade de ensino fez com que o mesmo tivesse que se adequar, e consequentemente reestruturar o seu modelo educacional, ao passo que desse mais importância à educação, em todos os seus níveis. Até então a única escola de nível secundário era o Colégio Pedro, II fundado em 1837, tendo como característica uma ótima qualidade de ensino, e de grande importância no ensino e na formação de cultura geral. Eram ensinadas as mais diferentes disciplinas, tais como Geografia, História, Filosofia, Química, Física, Álgebra e entre outras. O modelo de escola secundária do colégio D. Pedro II foi tido como modelo para as outras instituições de ensino secundário que viriam surgir mais à frente no país. Na época o ensino secundário servia somente como uma etapa a ser vencida para poder ingressar no ensino superior. Disciplinas como Geografia e História faziam parte dos exames de admissão para a Faculdade de Direito, contribuindo para a inclusão no currículo do colégio D. Pedro II. Seguindo Vlach (1988), a virada do século XIX para o século XX foi muito conturbada, dentre os grandes problemas que se enfrentavam, a falta de acesso da população à educação era uma dessas grandes problemáticas. Essa questão ganhou cada vez mais força ao passo que grandes nomes políticos e intelectuais da época reconheceram que o ensino, principalmente primário, era um papel social do Estado. No início do século XIX ainda era muito nítido a enorme influência dos proprietários de terras, num sistema de exportação agrária, nas decisões e desenvolvimento do Brasil. Entretanto, com a intensa relação capitalista que o mundo estava passando, a pressão de se integrar nesse novo sistema e, consequentemente, se desligar da velha organização produtiva, era necessária para que a modernização do país fosse consolidada, e para isso ser efetivado a educação do povo era imprescindível. A década de 1920 do século XX foi também um período muito intenso relacionado à estruturação das ideias nacionalistas, e que se manifestaram 26 massivamente nos conteúdos escolares. A preocupação perante as questões nacionalista na segunda década do século XX têm fortes influências da primeira guerra mundial, bem como as colônias de imigrantes que se instalaram no Brasil. Com esses acontecimentos, foram criados planos de ação para organizar a questão patriota do país. Como pontua Jorge Nagle (2009) a campanha de Olavo Bilac representou a primeira organização nacional que deu início a Liga da Defesa Nacional, na qual estudantes de direito soltaram uma nota relatando todas as problemáticas que envolvem as questões morais do Brasileiro tais como “O Brasil padece e sofre da falta de crença e esperança” “falta de solidariedade”, em geral critica também a falta da tomada de medidas relacionada a constituição da nacionalidade brasileira. A liga da defesa nacional foi fundada em 7 de setembro de 1916, graças a iniciativa de Olavo Billac, Pedro Lessa e Miguel Calmon. De acordo com os seus estatutos, a Liga “independente de qualquer credo político, religioso, ou filosófico, está destinada, dentro das leis vigentes do País, a congregar os sentimentos patrióticos dos brasileiros de todas as classes”. (NAGLE, 2009, p.58). Ainda segundo o autor, além desses objetivos gerais existiam também os mais particulares que estavam relacionadas, por exemplo, difundir a instrução militar nas instituições visto que se passava por um período de guerra, e o Brasil poderia ser vítima das cobiças externas. Os objetivos principais propostos era o de manter a ideia de coesão e integridade nacional, desenvolver o civismo, o culto do heroísmo, desenvolver a língua nacional nas escolas estrangeiras e principalmente avivar o estudo da história do Brasil e combater o analfabetismo. Uma derivação da Liga de Defesa Nacional foram as Ligas Nacionalistas Estaduais, que também buscaram fortalecer os mesmos princípios morais. Propondo-se lutar pela federação e pela unidade nacional, tiveram como princípios a luta pela efetividade do voto, pelo desenvolvimento da educação cívica, da educação primária, secundária e profissional. Em relação as escolas, e principalmente as estrangeiras buscou-se “infiltrar” conteúdos nacionalistas, tais como o ensinamento da língua, da História e Geografia do Brasil, Educação Física, e o preparo militar. Uma questão muito importante, e tratada como tal, é a questão da representatividade da população brasileira, principalmente nas atividades 27 políticas. Se viveu uma época em que o voto não era direito da população, portanto, as decisões políticas que moviam pais ficaram sob a responsabilidade de não mais que 35% da população. Por essa situação se fez de extrema importância combater o analfabetismo, para que os rumos do país não ficassem nas mãos deu uma aristocracia que não representava a maioria da população. Ainda relacionado aos interesses das organizações de difundirem o nacionalismo, Nagle (2009) comenta que as orientações nacionalistas ressaltavam os seguintes pontos, são eles: manter a religião católica; liberar o meio intelectual dos meios de ficção portugueses; nacionalizar o comércio e a empresa lusitana; e valorizar o mestiço. Após a união da Liga Nacionalista de São Paulo com a Liga de Defesa Nacional, os representantes dessa unificação ousaram cada vez mais nos programas nacionalistas disseminando as suas convicções que acabaram sendo considerados instruções para o povo brasileiro. Para a maior propagação dessas ideias, foi criada a propaganda nativista, a qual buscava garantir os valores nacionais em primeiro plano, para isso o programa poder ser caracterizado por difundir ideais tais como priorizar os brasileiros em relação aos estrangeiros, principalmente os portugueses. Para que isso acontecesse algumas medidas deveriam ser tomadas, o programa defendia o desenvolvimento das ideias republicanas e democráticas, a maior participação de brasileiros empregados no comércio, limitando o poder de aquisições de imóveis por estrangeiros, e a incorporação da mulher no movimento. Essa nova corrente nacionalista, como a Brazílea e a propaganda nativista dava um novo caráter para o movimento, que logo depois estimulou de certa forma a criação de um órgão oficial para a disseminação dos pensamentos nacionalistas no ano de 1920 denominado Ação Social Nacionalista. Uma das fortes teorias que esse grupo propunha, era da forte aliança com a religião católica, portanto, acreditavam que a formação de uma nação brasileira não teria sucesso sem o catolicismo presente, ao passo que a moral cívica que estava sendo construída acaba por receber grandes influências religiosas. A nacionalidade proposta também se caracterizava por se manifestar contra a presença de estrangeiros no Brasil. Se tinha a visão de que os estrangeiros não estavam preocupados com o desenvolvimento, ou até mesmo o 28 bem-estar da nação brasileira, pelo contrário, eram pessoas que só pensavam em satisfazer os seus próprios egos. A principal pregação era contra os lusitanos, pois ali buscavam fomentar as coisas que realmente são brasileiras, e não as de Portugal, como se fosse uma verdadeira emancipação. Buscou-se também valorizar a mestiçagem de raças do país, combatendo fortes ideais de caráter racista, a qual marginalizaram essa variedade que é característica do Brasil. Indicavam que o Brasil estava criando uma nova raça, misturando povos da América, Europa e África. Proença (1928) destaca que o Brasil passava por uma constante e intensa onda migratória. O Brasil sendo um país de imigração recebia influência cultural de todas as nacionalidades, idiomas e políticas. Diante disto surge uma preocupação com os ideais nacionalistas, já que poderia existir um grande conflito entre os povos na tentativo de impor uma cultura sobre as outras, inclusive a brasileira. Neste contexto, era importante que os povos imigrantes conservassem a sua cultura, mas era necessário que os brasileiros reconhecessem a sua nacionalidade e não deixassem que adotassem formas de civilização contrárias às suas. É simplesmente o desejo de especular e de saber que leva o homem a percorrer mentalmente o mundo. Quando, porém, as suas vistas se voltam para o cantinho que tem um nome que é seu e onde tudo lhe pertence, o interesse especulativo cede lugar ao sentimento de patriotismo. (PROENÇA, 1928, p.21). Em vista dessa dinâmica imigratória, que marcava o início do século XX, a Geografia tinha como um dos fins educativos o ensino da “cultura do sentimento patriótico”. A Geografia da pátria era estudada mais com o coração do que com a mente. Tinha como restrição estudar propriamente a sua pátria, ou seja, não fazendo comparações, limitando-se ao seu país. Assim, era necessário que a voz do professor que ecoasse e que ele fosse dotado do sentimento nacionalista e inspirado por um patriotismo, só assim despertaria o “sentimento bom no aluno”. O Brasil, por ser um país com uma extensão enorme de seu território, poderia ter dificuldades para isto. Buscava-se, então, uma unificação do sentimento nacional pelo conhecimento do território e de todo povo brasileiro pelos povos brasileiros. A Geografia deveria contribuir para isto. 29 Já na década de 1920 a evolução dos meios de comunicação era algo relevante para a vida das pessoas, ou seja, os acontecimentos ocorridos em outros países de ordem física, política ou social já eram assuntos discutidos pela população do outro lado do continente. Portanto, para dar conta de acompanhar as eventualidades do mundo era necessário ter conhecimentos relativos dos outros países. Para a época o valor que a Geografia tinha era indispensável do agricultor ao bancário, do médico ao engenheiro, porque para todas as profissões era necessário estar em contato com os fatos que ocorriam no resto do mundo. Daí outra função da Geografia na época. Dentre as finalidades do ensino da Geografia durante essa época, foi remetido também o seu papel no desenvolvimento mental do aluno. Por muito tempo a Geografia se restringia a memorização de palavras e de símbolo, mas o seu papel poderia assumir um exercício muito mais completo à época. Acreditava-se que o aluno aprenderia, a partir de exercícios envolvendo o raciocínio, a percepção, a intuição entre outros noções individuais, a partir da compreensão de fatos concretos para depois estabelecer relações existentes em algum lugar no espaço, em as outras noções. Se inicialmente era reconhecido que a Geografia era o estudo de fatos e não de coisas, Proença (1928) questionou a função do ensino de Geografia nas escolas, sobretudo, a partir da ideia de que por mais que o aluno soubesse o nome de todos afluentes de um rio, ou mesmo de todas as ilhas de um cabo ou de um país, qual seria o valor desse saber para a Geografia? Dessa forma, tanto no ensino primário quanto no ensino secundário, embora fossem importantes os estudos dos fatores físicos e astronômicos, o estudo deveria se concentrar no fator humano. O professor era a principal figura educacional, visto que ele era o responsável em transmitir o conhecimento aos seus alunos, e para isso era necessário que isso fosse feito de uma forma majestosa conseguindo, portanto, instigar cada vez mais em seus alunos o reconhecimento da educação e principalmente do amor a sua pátria. A imagem do professor era vista como um ser sagrado, quem estava ali não era apenas mais um sujeito que compunha a sociedade, era visto como um ser que estava acima da sociedade, um fiel representante da pátria, que tinha como objetivos elucidar os seus alunos. 30 O sujeito ao se transformar na figura do professor deixa de ser dono de si mesmo, e passa a ser um fiel representante do Estado, os seus ideais pessoais, sonhos, crenças, religiosidades deveriam ser deixados de lado para que nada interfira de forma negativa nos princípios do Estado. Atentando-se aos recursos didáticos buscava-se os estudos da Geografia Política que se entendia como todos os feitos realizados pelo homem, como leis, governos município, já a Geografia Física descrevia a Terra, ao passo que todos os fenômenos naturais como rios, montanhas, relevos entre outros, além de estudarem nos anos iniciais a Geografia astronômica que considerava a Terra como um corpo celeste, estudando também os outros corpos celestes e suas ligações movimentos da Terra. A princípio as regiões do Brasil foram divididas com base nas divisões de zonas geográficas. Como é mostrado por Vlach (1988), uma das propostas pioneiras da divisão regional brasileira nos livros didáticos foi iniciada por Manuel Said Ali. Ele dividiu o Brasil com base nas relações econômicas dos Estados e tentou conciliar o máximo com as condições geográficas, portanto, dividiu em cinco regiões, sendo essas Brasil central ou Ocidental, Brasil setentrional, Brasil de nordeste, Brasil Oriental e Brasil meridional. A partir dessa divisão buscou-se confrontar a divisão meramente administrativa do território brasileiro, que até então dividia o Brasil em Estados marítimos e Estados interiores, porém, também foi um marco inicial no que se refere ao início das discussões teóricos para realizar a divisão regional brasileira, que não foi tão popular, sendo valorizada mais a frente por Delgado de Carvalho. Delgado de Carvalho era membro do Instituto de História e Geografia e também foi professor do Colégio Pedro II. Como um admirador da divisão regional realizada por Manuel Said Ali, buscou também contribuir com a classificação geográfica referente às regiões do Brasil. Com o objetivo de permitir que o avanço da Geografia científica tivesse espaço no contexto educacional do início do século XX, Delgado de Carvalho foi um grande crítico da Geografia administrativa, que a enxergava como um obstáculo, visto que essa priorizava exclusivamente as nomenclaturas e tinha caráter mnemotécnico. Dedicou uma grande parte de suas pesquisas para a discussão sobre as regiões naturais brasileiras, e tinha como entendimento que estudar os fatos 31 geográficos se limitando em dividir os Estados era um grande problema de ordem didática enfrentado pela Geografia, visto que para ele a divisão deveria se basear sobre os fenômenos causados pela natureza e não somente pela história, tradições e direito como propunha a classificação antiga. “Delgado de Carvalho entendia, por conseguinte, as regiões naturais como decorrência do movimento harmônico da natureza[...]” (VLACH, 1988 p. 166). Este pensamento orientou o currículo de Geografia nas primeiras décadas do século XX. Apesar de confrontar a Geografia ensinada antigamente, Delgado de Carvalho também tinha princípios morais aliados ao que o Estado ambicionava, que era o de caráter patriota e nacionalista, e que também via na Geografia uma ciência com um grande potencial para aplicar esses ensinamentos. Tinha como entendimento que a Geografia administrativa não era uma metodologia que representava efetivamente o espírito geográfico, pois as características metodológicas aplicadas até então não desenvolvia e nem despertava nos jovens estudantes o agrado em estudar, portanto, considerava um desperdício enorme o modo a qual era ensinada. Era necessário então tornar essa metodologia atrativa e cativante. Acreditava que o estudo eficiente da Geografia, através do conhecimento do seu país, da sua natureza, conhecimentos econômicos e políticos, proporcionava muito mais um valor agregado a formação do sentimento patriota e nacionalista nos jovens, ao passo que não seria um nacionalismo cego e alienado, mas sim um sentimento verdadeiro. Indo contra estudar somente os Estados, que tinham muitas semelhanças entre si, buscou-se compreender as diferenças entre eles, e justamente crer que essas diferenças se complementam, formando assim um pensamento territorial unido. Carvalho pontuou também a importância de se estudar os fenômenos que eram aplicados no Brasil, ou seja, não ficar preso em assuntos geográficos que não eram consolidados no brasil, por exemplo, as geleiras, vulcões entre outros não deviriam ser aprofundados. Deveriam ser priorizados os estudos de fenômenos presentes no Brasil, tais como o clima tropical, zonas semi-áridas, zonas de formação litorânea etc. A partir dessa concepção é possível perceber que os debates em torno da região natural eram de extrema importância para a caracterização e consolidação da Geografia moderna no Brasil. É manifestado também que o estudo das divisões 32 políticas também mereciam atenção, e portanto, não deixaram de existir, mas a categorização a partir das regiões naturais é que ganharam mais atenção. Essas regiões naturais na verdade são regiões geográficas, pois existe uma intensa inter-relação entre o homem e a natureza, à medida que o homem ocupa aquele espaço, existe tanto a influência do meio no homem, como o homem no meio, e segundo Vlach (1988) para Delgado de Carvalho o homem constituía- se no centro da natureza reforçando ainda mais que se tratam de regiões geográficas. A Geografia, que, até então, era basicamente uma disciplina voltada para a descrição e a nomenclatura, toma um rumo mais analítico, pois passou a estabelecer relações entre os fenômenos, introduziu novos temas e adequou-se às mudanças pelas quais o país estava passando. (PIRES, 2006, p.26). É compreensível cada vez mais a partir desse ponto de vista, perceber que a Geografia puramente mnemotética, de nomenclaturas e memorização não davam conta de explicar os fenômenos Geográficos, ou seja, as relações diretas entre o meio e o homem. Mediante isso, se fomentava cada vez mais que a Geografia administrativa não tinha espaço para contemplar todas as potencialidades que a Geografia tinha. A partir das concepções de regiões naturais, se entendia o espaço sem a interferência do homem, das realidades que não eram construídas pelos homens, sem o intermédio de relações históricas e políticas. Os estudos buscavam compreender as particularidades dessas regiões, o que diferenciava um rio do outro, o relevo, o clima, a vegetação, pois em todos os lugares é possível encontrar esse conjunto de fenômenos naturais. Mediante a essas concepções e princípios, Delgado de Carvalho também buscou por meio da influência de livros didáticos, proporcionar um melhor caminho para os estudos da ciência geográfica. A exemplo de propostas pedagógicas, Carvalho trouxe a importância dos recursos didáticos para se ensinar alguns conteúdos, como a presença de fotografias, projeções, diagramas etc. Buscou-se então, cada vez mais dar novas características e abordagens para o ensino de Geografia, ao passo que aumentasse a admiração e o interesse dos alunos em relação a essa disciplina. Logo após as suas publicações e as suas iniciativas relacionadas a Geografia moderna, e principalmente ao ensino de Geografia, Delgado de 33 Carvalho foi ganhando adeptos de suas concepções, dentre eles Aroldo de Azevedo que reconheceu Delgado de Carvalho como um dos principais protagonista da Geografia moderna, principalmente seguindo os caminhos da escola secundária. Assim como Delgado de Carvalho, Aroldo de Azevedo também reconhecia na velha Geografia, até então aplicada pelo Estado, como uma Geografia inconsistente e que carecia de coisas novas, visto que as antigas publicações não apresentavam fenômenos novos, mas sim apenas mais nomenclaturas para serem memorizadas. Aroldo de Azevedo também foi um dos grandes defensores da implementação dos livros didáticos nas escolas, e acreditava que o Estado era encarregado de escolher os livros didáticos que através de suas qualidades mereciam ser assumidos pelos estabelecimentos oficiais de educação. Com o caráter teórico-metodológico utilizado por Delgado de Carvalho, ao se basear na então feita classificação regional de Said Ali, criou-se uma proposta da divisão regional do território brasileiro, baseando-se nos critérios físicos como vegetação, hidrografia, relevo, entre outros para realizar os agrupamentos. Para Carvalho era de extrema importância que os geógrafos estudassem todas as relações existentes entre aspectos físicos, culturais, econômicos e históricos, para que dessa forma compreendesse melhor as divisões e formações regionais. Apesar das divisões serem realizadas a partir das concepções naturais, o autor revelou que existe uma grande dificuldade de serem divindades, justamente por causa das complexidades de cada território. Buscava-se sempre uma unidade entre os Estados baseando se na geologia, clima, vegetação para que dessa forma pudessem ser agrupados pertencentes a uma mesma região. Entretanto, existia a necessidade de se respeitar os limites políticos de cada Estado, ou seja, mesmo que uma parte de um Estado tivesse uma característica natural mais próxima de um outro estado, por questões políticas de território ele não era inserido na região que mais se aproximava com as suas características naturais, portanto, se reconhece essa imprecisão relacionada a essa divisão. É possível reconhecer que, muitos intelectuais no início do século XX, se preocupavam com as questões relacionadas ao ensino de Geografia, visto que 34 infelizmente por muitos anos representou uma ciência marcada pela homogeneidade, pela simples descrição e memorização de nomenclaturas. O estudo mais complexo de temas da Geografia, tais como a formação do relevo, características do clima, classificação de rios e montanhas não era estudados e nem visto pelos alunos, pois os exames de admissão dos cursos superiores não cobravam tais conteúdos. A Geografia então era vista como uma das disciplinas mais fáceis do currículo escolar, de modo que se baseava somente na memorização. Era necessário também adotar novas metodologias para que pudessem alinhar o ensino de Geografia às novas necessidades da época. Foi adotada por Delgado de Carvalho (1925) e também mantidas pelos autores da proposta curricular que estudamos, no ano de 1935, quando discutiram formas de estudos dessa ciência, já que era importante começar a estudar os fenômenos que poderiam ser comprovados empiricamente, para que depois fossem sendo ampliados, ou seja, era recomendado para os professores que buscassem estudar os fenômenos que para os alunos fossem visíveis, partindo do cotidiano dos mesmos, algo que ele está sempre em contato, para mais para frente ao ter essas concepções entendidas em sua mente, ele pudesse partir para fenômenos mais distantes de sua realidade, muitas vezes abstrato para o estudante. Como já comentado, Delgado de Carvalho era um dos grandes defensores da Geografia científica, inclusive para o ensino escolar. Portanto, idealizando essa nova forma de se ensinar os conteúdos de Geografia, Carvalho esteve presente em diversos debates que traziam para discussão a importância e o conteúdo a ser ministrado pelos professores. Um grande marco para a Geografia nos programas curriculares, foi no ano de 1925 onde a partir da reforma Rocha Vaz, a Geografia ganha novas características tais como, estudar com mais ênfase fenômenos que estão mais próximos de suas vidas, buscando cada vez mais unir a Geografia pura com a Geografia econômica e principalmente essa ciência deveria perder o seu caráter mnemônico e inútil. A transição que estavam buscando de uma Geografia tradicional, para uma Geografia moderna foi muito conturbada, principalmente por alguns professores que ministravam essa ciência não perceber que essa Geografia tradicional já deveria ter sido mudada a anos. Delgado de Carvalho, como um dos 35 representantes e pioneiros da Geografia escolar moderna, buscou convencer o grupo de intelectuais de que já era necessária uma reforma na metodologia e conteúdo dessa ciência. [...] os professores que aprenderam esta disciplina à base da nomenclatura acabaram por acreditar que o que foi “bom” para eles nas suas épocas de estudantes serve perfeitamente para os alunos daquele momento. Lamentou ainda que as tentativas de modificação dos programas de ensino com tais características, fossem objeto de indignação dos pais de alunos que chegaram mesmo a intervir no sentido de manter o que já era tradição. Para ele, na atitude daqueles pais estava presente o principal motivo da manutenção do tipo de ensino que vinha caracterizando a geografia escolar. (ROCHA, 2000, p.5). Nas palavras de Rocha, nota-se que Delgado de Carvalho já tinha os seus ideais bem consolidados em relação aos caminhos que a Geografia deveria seguir, sua indignação com os pais dos alunos, bem como com os professores mais tradicionais explicitava, o quanto para ele o papel, da geografia estava fracassado, e ao reconhecer a potencialidade que essa ciência tinha, não só para os alunos, mas para a nação como um todo, buscava meios consolidar os novos caminhos da Geografia. Um outro grande avanço relacionado às concepções e interpretações que a Geografia se apropriou, está relacionada ao estudo do território brasileiro onde a partir dessa reforma, a classificação de Delgado de Carvalho começa a ser adotada, portanto dividindo o Brasil em regiões naturais. A divisão proposta por Delgado de Carvalho se dividia em cinco regiões, sendo elas: Brasil setentrional ou Amazônico Pará, Amazonas e território do Acre. Brasil Norte-Oriental Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas Brasil Oriental Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Distrito Federal Brasil Central Goiás e Mato Grosso Brasil Meridional São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Fonte: Carvalho (2005) 36 A partir dessa divisão encontramos a origem da divisão regional do Brasil, que está presente no currículo da escola secundária no ano de 1935, proposto por Maria Conceição Vicente de Carvalho, Pierre Monbeig e Aroldo de Azevedo. Os autores decidiram que essa seria a divisão mais consistente e que melhor representava o Brasil e principalmente a linha metodológica da Geografia na época. Reconhecendo aqui a grande influência que Delgado de Carvalho transmitiu para outras gerações de geógrafos. Através dessa divisão, como já foi discutido anteriormente, os aspectos naturais se sobressaem no que se tange a diferenciação entre os determinados lugares, e portanto, constituem a formação de uma determinada região. Esse grande avanço que é um dos pilares da Geografia moderna propôs também um estudo que une mais a população brasileira, ao passo que passam a estudar as diferentes regiões do seu país. Assim, a Geografia física exerceu o papel de grande destaque nos conteúdos ensinados à época, tais como os relevos brasileiros, clima, vegetação, entretanto a geografia humana também está presente, ao passo que são estudados os grupos de cada região, privilegiando cada vez mais as relações econômicas e produtivas de determinada região. Analisando o programa curricular do Colégio D. Pedro II após a reforma Rocha Alves, de 1925, percebe-se que certamente teve uma consideravél influência no currículo de Geografia proposto por Maria Conceição, Aroldo de Azevedo e Pierre Monbeig, no ano de 1935. Assim, observamos alguns conteúdos similares, por exemplo, nas propostas de conteúdos da Geografia do Brasil. Um dos conteúdos presentes, tanto no currículo do Colégio D. Pedro II, quanto no currículo de 1935, é o estudo das fronteiras terrestres, que ainda no século XX foi marcado por diversas relações geopolíticas na qual se tratavam de territórios ainda não delimitados, além de um assunto muito importante, principalmente por se tratar da formação de cidadãos que no futuro iriam de certa forma defender e representar os interesses de sua pátria. Estudos dos fenômenos e ambientes naturais também são aspectos que se coincidem como, relevo, hidrografia, costas, situação geográfica, a partir de relações de altitude e latitude. 37 Já o papel que a Geografia Humana assume nos respectivos currículos está relacionado ao estudo das populações, bem como as suas origens e conflitos históricos, aspectos econômicos tais como as atividades da agricultura como a produção de grãos como o café, milho etc. e pecuária, com o estudo relacionadas a criação de gado. Foi reconhecido também, em ambos os programas, o estudo das relações comerciais desde as relações internas até as grandes exportações. Para se compreender as dinâmicas comerciais, precisava também entender os meios de transporte que conectavam o país e principalmente as regiões produtoras com os portos. Como reforçado nesse texto, o fim dos estudos do Brasil através das regiões administrativas, se pautavam os estudos agora em ambos os currículos, se classificavam por divisões naturais do Estado Brasileiro sendo elas: Brasil septentrional, Brasil Norte-Oriental, Brasil Oriental, Brasil meridional e Brasil central. Os estudos de cada região contemplavam aspectos da posição, aspectos físicos, também os recursos naturais, principais cidades e também eram contemplados alguns assuntos especiais, que eram fenômenos que se destacavam em cada região. Objetivos do ensino da Geografia à época, segundo Pierre Monbeig O significado do papel da Geografia foi um debate longo trazido e revivido por diversos autores, que dentro de seus objetivos tentaram contribuir com o que é a Geografia hoje. Essa discussão também chamou a atenção de Pierre Monbeig, que buscou ofertar a sua contribuição ao ensino e a essência da Geografia no artigo “Papel e valor do ensino de Geografia e de sua pesquisa” (1956). Ao longo do artigo são apontados diversos tópicos subsidiando os diferentes modos de se pensar essa ciência e principalmente transpassar o conhecimento à toda sociedade, em especial aos estudantes, de uma forma atrativa se atentando aos conteúdos relevantes, que contribuiriam não só com o desenvolvimento intelectual, mas como a formação cidadã dessas pessoas. Monbeig apontava que a Geografia era tida por alguns como uma “irmã intelectual do turismo”, pois era vista como uma simples narrativa de viajantes. Para outros as lembranças da Geografia na época escolar eram amarguradas, 38 porque se lembravam das inúmeras nomenclaturas as quais se deveriam memorizar, dados numéricos e nomes de lugares. A realidade de um geógrafo e de um estudante da escola secundária na disciplina de Geografia eram muito distantes. A Geografia ensinada por muito tempo por professores que nunca conseguiram achar fielmente a essência rica dessa disciplina, foi um fator para desestimular os estudantes, que ficaram impossibilitados de compreender as diferentes perspectivas que a Geografia proporcionava. Vista como uma ciência inútil, sem identidade, e sem motivo para aprender, pelos estudantes, foi colocada de canto. Portanto, estimulado pelo incômodo de ver sua a sua Ciência não ser reconhecida por uma parcela considerável da população como uma disciplina essencial para a formação dos estudantes e até mesmo o reconhecimento do seu valor nas interpretações da realidade ou de fatos históricos da humanidade os professores Pierre Monbeig, Aroldo de Azevedo, Maria Conceição Vicente de Carvalho, Delgado de Carvalho e Antônio Firmino de Proença buscaram em seus textos reforçar a utilidade da Geografia, apontando meios, métodos e caminhos em geral para que a Geografia despertasse nos alunos o interesse da busca do conhecimento, e que através dele seria possível entender o mundo e as suas diferentes particularidades sob uma perspectiva crítica e atuante dentro da realidade que cada um vive. A partir da discussão de Monbeig, o professor assume um papel imprescindível na interpretação do que realmente representava a Geografia à época. Para Monbeig, por muitos a Geografia foi confundida como uma ciência de memorização, entretanto, a sua natureza não estaria sustentada simplesmente pelo caráter mnemônico, certamente se recorre a algumas nomenclaturas que o estudante deve lembrar, não se diferenciando de outras disciplinas que também exigem a memorização como a aplicação das fórmulas na matemática. Porém, as nomenclaturas devem ser atribuídas as preocupações utilitárias, as quais realmente fazem sentido o aluno lembrar. Por consequência, um bom ensino de Geografia, como qualquer outro ensino, não pode deixar de recorrer à memória. É necessário reduzir sem mêdo a massa de nomes insípidos e de pormenores sem valor; é necessário sobretudo, reduzi-la a proporções mais justas. Impõe se uma 39 escolha ao professor, a quem cabe a difícil tarefa de exercitar a memoria com inteligência]. (MONBEIG, 1956, p.7). Por essa razão o professor acabava se tornando o protagonista nessa transposição entre o conteúdo e o aluno, devendo sempre se preocupar com a utilidade das nomenclaturas, para que dessa forma não transforme a Geografia em uma ciência somente de memorização. Outra direção equivocada que os educadores de Geografia insistiam em ter como o rumo apontada por Monbeig era a de direcionar a Geografia como um fato isolado, quando na verdade ela é um conjunto de fatores que estão ligados momentaneamente e historicamente. Um determinado objeto de estudo da Geografia só é possível de ser interpretado à medida que se compreende toda a dinâmica que envolve o seu acontecimento. Os fenômenos ainda deveriam ser percebidos sob uma perspectiva da integração da Geografia física e da Geografia humana, sendo que os fatos geográficos não conseguem se desintegrar dessas duas vertentes. O exemplo que nos é mostrado pelo autor é de uma mineradora que implicam em diversas redes de serviços, atraindo indústrias, serviços terciários, empregos, mas que também implicam na hidrografia de um determinado local, do uso e ocupação do solo etc. Na tentativa de salientar o retrocesso de se enxergar a Geografia física separada da Geografia humana necessita transitar brevemente pela história do pensamento geográfico. Ainda sob a visão de Monbeig, no século XX mais do que nunca se compreendeu que estudar a relação sociedade natureza não era e nunca foi uma tarefa simples de ser compreendida. O incentivo de valorizar primeiramente a Geografia física se deu devido a compreensão de mundo principalmente do pensamento científico do século XIX. A dominação da natureza deu aos intelectuais da época, inclusive os geógrafos, uma sucinta e errada concepção de que o conhecimento da natureza dava à população um progresso pautado no controle das coisas e consequentemente na felicidade dos povos. Entretanto, ao passo que avançavam os conhecimentos científicos, concomitante a eles avançavam-se também os problemas sociais - reflexos desse desenvolvimento - tais como a fome, desemprego e as guerras. Os apontamentos feitos por Monbeig auxiliaram nas composições das diretrizes curriculares e os objetivos do ensino da Geografia, no que se tange ao 40 seu método. Portanto, um dos papéis que a Geografia deve assumir é auxiliar o desenvolvimento intelectual do estudante, principalmente no ensino secundário. Aquilo que, no ensino, não permitisse desenvolver essas faculdades mereceria ser abolido dos programas sem o menor escrúpulo. Vamos tentar demonstrar como a geografia responde as exigências dum ensino que mais procura formar a mente do que entulhar os cérebros. (MONBEIG, 1956, p.16). Era necessário para que ocorresse o total aproveitamento por parte dos estudantes nas aulas de Geografia, assim o professor deveria ter a consciência dos níveis de maturidade dos educandos. Nas primeiras séries os conteúdos não deveriam focar nos complexos conceitos geográficos, mas exercitar atividades de interpretação de figuras, manuais geográficos, projeções fotográficas e cartográficas. O exercício de observação dos estudantes era de grande importância porque também permitiam o desenvolvimento do espírito crítico, ao modo que na interpretação dessas atividades teria que escolher entre o principal e o secundário a ser compreendido. Podendo ainda desenvolver as aptidões de se compreender o relevo, solo, correntes marítimas entre outras. Outro aspecto destacado pelo autor foi na formação cívica e moral dos estudantes, visto que ainda eram jovens e estavam prestes a se tornarem cidadãos, eleitores que influenciariam nos caminhos que o país trilharia. Claramente ajudar os estudantes na sua formação cidadã não competia somente ao professor de Geografia, mas sim todo o corpo docente onde cada um com a sua especificidade tenderia a agregar na evolução do mesmo. Contudo, competia a Geografia contemplar as discussões, por exemplo, das secas do nordeste, esgotamento do solo, imigração, colonização, interpretar as relações econômicas numa complexidade visando explicar as realidades e tendências dos principais países. Características do contexto escolar e político nas primeiras décadas do século XX Durante muitos séculos a educação no Brasil ficou restrita a uma parcela da elite rural brasileira, isso se deu principalmente pelo fato do Brasil ter adotado 41 o sistema econômico agroexportador escravocrata, então, tendo que até 1888 grande parte dos habitantes do brasil eram escravizados, a educação visava somente a formação da elite colonial e imperial. A mão de obra para a realização das atividades produtivas não necessitava de letramento, o que, por muito tempo não exigia para o sistema econômico brasileiro, que os trabalhadores tivessem um maior acesso à educação, ao contrário da elite, que desde muito jovem era “moldada” para assumir os cargos administrativos do país. Com o passar dos anos e as mudanças sociais e econômicas a qual o Brasil passava na década de 1930 as relações educacionais também se moldavam para atender as necessidades de uma ascendente economia industrial. A burguesia emergente, bem como as classes mais pobres careciam de uma formação educacional, ora para garantir um status social, ora para se encaixar no novo sistema produtivo brasileiro. A década de 1930 foi marcada por diversas disputas ideológicas, dentre elas como aponta Romanelli (2010) uma divergência ideológica entre defensores do movimento renovador da educação e de religiosos. O grupo renovador defendia como principal pauta a educação gratuita, considerando que a educação não deveria ser um privilégio restrito a elite, a qual pagava por ela, e sim um direito para toda a população. Esse discurso incomodou a comunidade católica, a qual se sentiu ameaçada, pois o movimento renovador pregava também que por ser essa uma obrigatoriedade do Estado, ela deveria ser laica, não um instrumento de doutrinação religiosa. O incômodo não se restringiu somente ao fator religioso, como assinala a autora, o desagrado também foi evidente nas questões sociais e políticas ao passo que se temia o esvaziamento das escolas privadas, e principalmente o acesso à educação de todas as camadas sociais. Para compreender a base teórica dos renovadores da educação foi necessário buscar os estudos de John Dewey, que foi o principal idealizador dos novos encaminhamentos pedagógicos, reconhecida como Escola Nova. Dewey era Norte Americano e um grande crítico do sistema educacional tradicional que vigorava nos Estados Unidos. 42 A ideia básica do pensamento do teórico sobre a educação está centrada no desenvolvimento da capacidade de raciocínio e espírito crítico do aluno. A filosofia deweyana remete a uma prática docente baseada na liberdade do aluno para elaborar as próprias certezas, os próprios conhecimentos, as próprias regras morais. Isso não significa reduzir a importância do currículo ou dos saberes do educador (PEREIRA et al. 2009, p.155). Nota-se então que novas estratégias educacionais estavam sendo consideradas como, por exemplo, valorizar mais o conhecimento do aluno, ou seja, o professor deveria considerar o aluno como um sujeito ativo, que tem potencial em desenvolver a sua própria aprendizagem, e também ter a liberdade de construir as suas próprias teorias, liberdades e visões de mundo. O conceito mais forte do pensamento de Dewey é o de experiência. Conforme esse autor, o conhecimento vai se produzindo na ação, com base na experiência que ocorre nos processos de adaptação entre o homem e o meio. A experiência é, pois, aquilo que o sujeito faz, alterando uma circunstância ou situação. (ZANATTA, 2012, p.110). A partir da análise da autora é possível identificar que Dewey ao propor uma nova concepção da prática de ensino leva em consideração a experiência do aluno, ao modo que essa experiência é praticada no ambiente social do mesmo. Portanto, ainda segundo a autora, Dewey concebeu a experiência como um processo de contínua reconstrução da experiência. É identificado também, e isso é uma das principais concepções que influenciarão os teóricos que adotaram as concepções escolanovistas, o aluno como o principal sujeito do método de ensino- aprendizagem, devendo partir sempre dele a vontade de buscar o conhecimento. As ideias pedagógicas de John Dewey influenciaram o pensamento escolar brasileiro. Anísio Teixeira foi um dos grandes nomes que representaram as ideias Deweyanas no Brasil, ele tinha sido aluno do John Dewey nos Estados Unidos e compactuou de seus pensamentos. Apesar do grande empenho que se teve de alguns intelectuais brasileiros de efetivarem o modelo escolanovista no Brasil, existiram muitas barreiras que impediam a sua concretização como, por exemplo, o custo para aplicar esse modelo era muito caro visto que necessitava de infraestruturas como laboratórios de ciências humanas e exatas (SOUZA; MARTINELI, 2009). Carvalho (2011) considera que existiram inúmeros intelectuais brasileiros que se apoiaram nas ideias de John Dewey e compactuaram com os ideais 43 escolanovistas, entretanto, são destacados as figuras de duas pessoas que notoriamente se espelharam nessa teoria. O primeiro foi Eduardo Lourenço Filho, também foi um dos assinantes do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, e em suas obras existem teorias diretas ligados ao pensamento de Dewey. O segundo pensador brasileiro foi Fernando de Azevedo, um dos fundadores da Associação Brasileira de Educação (ABE), além de promover diversos debates sobre a educação também ocupou cargos públicos como o de Diretor de Instrução pública do Distrito Federal, que buscou reformular a educação no Rio de Janeiro até meados de 1930. O grande marco educacional da época, influenciado pelos ideais da Escola Nova foi, o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Redigido em 1932 por Fernando de Azevedo e assinando por inúmeros outros educadores o documento denominado “Manifesto dos pioneiros da educação nova: ao povo e ao governo”. Ainda segundo Carvalho (2011) esse documento se tornou um dos pontos auges do movimento renovador e estava preocupado com as transformações econômicas, políticas e socias as quais o país estava passando, e acreditavam que a educação não iria dar conta. Seguindo uma breve análise sobre o conteúdo do Manifesto dos Pioneiros da educação nova, Lemme (2005) identifica algumas características do documentos tais como: o respeito a individualidade de cada um; a educação não deveria beneficiar somente a uma classe, mas aos indivíduos e a sociedade em geral; a educação sendo um direito de todos, cabe ao Estado então garantir a sua existência; a escola por ser considerada democrática deve ser obrigatória a um certo nível, laica e funcionar igual para os dois sexos. O Manifesto escrito por Fernando de Azevedo e assinado por mais 26 intelectuais, entre eles Delgado de Carvalho, teve influências significativas, principalmente no que se refere à Constituição de 1934. Dentre as vitórias conquistadas por esse documento está presente no artigo 148 que a educação é um direito de todos, cabendo ao poder público garantir esse feito. Dentre outras conquistas, cabe também a adoção do ensino gratuito, e planos para garantir recursos fixos destinados à educação. A luta pela renovação do ensino educacional não foi uma causa perdida, entretanto, após três anos com a instalação do Estado Novo, se tem uma nova constituição onde afastava do 44 Estado o dever de garantir um sistema educacional de qualidade (ROMANELLI, 2010). O final do século XIX e o início do século XX corresponderam ao período histórico denominado como república velha. Nos embasando na perspectiva de Fausto (1970) para entender as mudanças ocorridas naquele período, majoritariamente a sua economia dependente do sistema agro-exportador onde o principal produto comercializado era o café. O setor industrial ainda tinha baixa representatividade em relação ao sistema econômico do país, sendo predominante as indústrias ligadas ao setor têxtil e alimentar, quando São Paulo e o Distrito Federal eram os principais centros de importância dessa concentração industrial. Ainda na análise de Fausto é importante salientar que existia uma grande crítica às oligarquias cafeeiras, mas não necessariamente se pautavam na industrialização como a solução para os problemas econômicos do país. De fato existia uma disputa entre o setor agrário e o setor industrial, entretanto, um era dependente do outro, convergindo muitas vezes os seus interesses. No que se tange na revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder: É preciso considerar que as suas linhas mais significativas são dadas pelo fato de não importar em alteração das relações de produção na instância econômica, nem na substituição imediata de uma classe ou uma fração de classe na instância política. As relações de produção, com base na grande propriedade agrária, não são tocadas; o colapso da hegemonia da burguesia do café não conduz ao poder político outra classe ou fração de classe com exclusividade. (FAUSTO, 1969, p. 86). Entende-se, então, que a crise econômica instaurada no país devido a política oligárquica cafeeira, aliada a quebra da política de café com leite em que Minas Gerais se opõe a oligarquia paulista e se alia com o Estado do Rio Grande do Sul para a candidatura de Getúlio Vargas. Portanto, a revolução de 1930 tem como principal característica a desarticulação da hegemonia da burguesia cafeeira frente às tomadas de decisões políticas do Brasil. Dentre os diversos debates que a história político-econômica do Brasil na década de 1930, está o conflito de intelectuais que defenderam que a industrialização no Brasil não foi iniciada como um dos programas governamentais, já após a revolução de 1930, como é defendido por Furtado 45 (2007) sendo esse uma consequência futura, ligada às geopolíticas internacionais, e como um crítico a essa teoria Fonseca (2010) defende que: [..] se não se pode afirmar que, ao assumir em 1930, a nova equipe dirigente já encampava um projeto industrializante perfeitamente delineado (embora defendesse a diversificação produtiva e nas exportações), tudo leva a crer que este começou a ser gestado e a ganhar adeptos já nos primeiros anos da década de 1930, e não apenas na década de 1940, com a guerra. (FONSECA, 2010, p.11). A reforma Francisco Campos e as diretrizes para o ensino de Geografia na década de 1930 Francisco Luís da Silva Campos1 era de origem mineira, nascido no munícipio de Dores do Indaiá no dia 19 de novembro de 1891. No que se refere a sua formação intelectual, Campos estudou o ensino secundário nas cidades de Sabará e Ouro preto. Em 1910 ingressou na Faculdade Livre de Direito onde se destacou ao longo dos cinco anos de estudo, se formando no ano de 1914. Assim como colegas seus, em 1913 ele passou a colaborar com a Revista acadêmica do Centro acadêmico, onde se destacou como analista de problemas políticos locais, nacionais e internacionais. Em 1914, foi considerado o melhor aluno da sua turma, o que lhe valeu a medalha “Barão do Rio Branco”, instituída pela faculdade e que anto podia abrir espaço na política quanto assegurar oportunidade de uma carreira docente promissora. (OLIVEIRA, 2011, p.51). Em 1918 Francisco Campos foi aprovado no concurso da mesma faculdade onde havia se formado, sendo responsável posteriormente pela cadeira de Direito público constitucional. Por se destacar como um intelectual da época, foi convidado a adentrar na vida política, concorrendo e ganhando para o posto de deputado estadual pelo Partido Republicano Mineiro (PRM) no ano de 1919. No ano de 1921 Campos foi eleito como deputado federal pelo mesmo partido e garantiu a sua reeleição em 1924. Ao longo de sua carreira como deputado federal foi considerado um grande defensor do governo federal Epitácio Pessoa (1919-1922) e Artur Bernardes (1922-1926). Em 1926 Antônio Carlos assumiu o governo do Estado de Minas Gerais, e indicou Francisco Campo para a ocupar o cargo de secretário do interior, se tornando desta forma um grande influenciador na política do então governador. 1 A biografia completa de Francisco Campos pode ser encontrada em CPDOC/RJ (1968). 46 Dentre as atribuições designadas ao Francisco Campos, o setor educacional foi a sua principal responsabilidade. Sua mais notável atuação foi a criada a Universidade de Minas Gerais (Atualmente UFMG), e seu principal destaque foi relacionado à reformulação do ensino primário e normal no Estado de Minas. No que se refere ao plano de ação adotado por Francisco Campos, a reforma do ensino resultou na criação da Escola de Aperfeiçoamento, com o objetivo de formar e reciclar professores na linha da “escola nova”, ainda triplicou o número de escolas primárias, foram criadas mais 19 escolas normais além remodelar as que já existiam “[...] seu objetivo é imprimir uma nova conformação à escola mineira, fazendo dela uma eficiente colaboradora da família e da sociedade, na construção de uma nova ordem social no país” (PEIXOTO, 2003. p.82). Ainda é apontado por Peixoto (2003) que havia uma necessidade durante o governo de Antônio Carlos de se repensar a educação, visto que as novas demandas do sistema capitalista necessitavam de uma mão de obra mais qualificada, portanto, era essencial que se existisse uma moral social dos indivíduos para atender as demandas principalmente do mercado. Campos buscou adotar alguns pressupostos da “escola nova”, movimento este recém-chegado no Brasil, principalmente por meio de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Influenciado pelo escolanovismo, Francisco Campos reconheceu que a escola deveria ser um espaço de ensinar a pensar, de ideias e criações. O movimento da Escola Nova buscou criticar o ensino tradicional associado a sistemas fechados de conceitos estáticos, prontos e acabados. Por exemplo, aprender na escola tradicional era aprende a ler, a escrever e a calcular, tendo a memorização como procedimento didático elementar, que não levava à compreensão do conteúdo; além disso, o castigo físico era a ordem geral para disciplinar e organizar as classes e as salas de aula. Enquanto movimento escolanovista, a sugestão era que a escola tinha de desenvolver o espírito crítico e a atitude criadora do educando. Ideias como essas deram lastro conceitual e teórico aos raciocínios e argumentos de Campos [...]. (CARVALHO, 2012, p.189). O autor nos mostra o pensamento escolanovista que influenciava Francisco Campos na época. Tendo em vista o padrão pedagógico que direcionava o ensino nas escolas d