UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Campus Araçatuba EDENILSON DONÁ FRIGERIO Alterações histopatológicas em hipófise de cães naturalmente infectados por Leishmania infantum – Imunomarcação de amastigotas e de linfócitos TCD3 Araçatuba 2023 EDENILSON DONÁ FRIGERIO Alterações histopatológicas em hipófise de cães naturalmente infectados por Leishmania infantum – Imunomarcação de amastigotas e linfócitos TCD3 Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Ciência Animal (Fisiopatologia Médica e Cirúrgica). Orientadora: Prof.ª Adjunto Gisele Fabrino Machado Araçatuba 2023 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus, pela vida que me proporcionou e colocou em meu caminho pessoas maravilhosas que sempre estiveram ao meu lado me apoiando nessa caminhada. Aos meus pais Edenilson e Tânia, a minha irmã Jéssica, aos meus avós e tios, que diretamente interferiram nessa jornada, nos momentos bons e nos ruins, dando conselhos e ajuda. Á todos meus amigos que conviveram ao meu lado nesses últimos anos, trocando conhecimento, apoio e amizade; a minha equipe e time de trabalho do Lapap e CPAV, em especial a Cecilia de Castro Guizelini, minha dupla, aluna e amiga que tive a honra de poder orientar. Á Profa. Gisele Fabrino Machado, por aceitar em ser minha orientadora em mais uma etapa da minha formação profissional, a qual tenho como exemplo de pessoal e profissional, e pela forma de acolhimento durante essa caminhada. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. “A percepção do desconhecido é a mais fascinante das experiências. O homem que não tem os olhos abertos para o misterioso passará a vida sem ver nada” (Albert Einstein) FRIGERIO, E. D. Alterações histopatológicas em hipófise de cães naturalmente infectados por Leishmania infantum – Imunomarcação de amastigotas e linfócitos TCD3. 2023. 91 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, 2023. RESUMO A hipófise, ou glândula pituitária, é composta pela neuro-hipófise e adeno-hipófise, envolvidas pelo círculo arterial cerebral, é classificada como um órgão endócrino responsável por controlar as funções fisiológicas metabólicas, reprodutoras e de crescimento, auxiliando na manutenção da homeostase. A Leishmaniose Visceral Canina (LVC) é causada pelo protozoário Leishmania infantum, normalmente observados no interior das células do sistema mononuclear fagocitário e disseminado no organismo do hospedeiro. Ocasionalmente são observados sinais clínicos neurológicos, lesões inflamatórias e complicações vasculares no sistema nervoso central (SNC) de cães infectados, cuja patogênese não é totalmente compreendida. Está revisão tem como objetivo descrever as características morfológicas e funções da hipófise, e os efeitos da leishmaniose visceral e de outras doenças sistêmicas que podem causar disfunção da glândula. Para isso foi realizada a análise e comparação de livros e artigos científicos sobre as infecções de Leishmania infantum (Chagasi), alterações hipofisárias e endócrinas, publicados nas bases de dados informatizadas PubMed, LILACS, SciELO, Google Scholar e no Portal de Periódicos da CAPES em língua inglesa no período de 1976 a 2022. A hipófise apresenta função chave para a homeostase do organismo, e alterações inflamatórias nesta glândula podem influenciar em sua atividade endócrina. Conclui-se que a presença de inflamação na hipófise pode levar a uma disfunção, acarretando em desordens fisiológicas, e que isso precisa ser melhor investigado em cães infectados por Leishmania spp., uma vez que já foram observadas mudança nas concentrações de hormônios e suas interferências no organismo, em paciente humano e em hamster como modelo experimental. Palavras-chave: Glândula pituitária. Leishmaniose Visceral. Histopatologia. Inflamação. Imuno-histoquímica. FRIGERIO, E. D. Histopathological changes in pituitary glands of dogs naturally infected by Leishmania infantum - Immunolabeling of amastigotes and TCD3 lymphocytes. 2023. 91 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, 2023. ABSTRACT The hypophysis, or pituitary gland, is composed of the neurohypophysis and the adenohypophysis, surrounded by the cerebral arterial circle, and is classified as an endocrine organ responsible for controlling the physiological metabolic, reproductive, and growth functions, helping to maintain homeostasis. Canine Visceral Leishmaniasis (CanL) is caused by the protozoan Leishmania infantum, normally observed within the cells of the mononuclear phagocytic system and disseminated in the host organism. Occasionally neurological clinical signs, inflammatory lesions, and vascular complications are observed in the central nervous system (CNS) of infected dogs, the pathogenesis of which is not totally understood. This review aims to describe the morphological characteristics and functions of the pituitary gland, and the effects of visceral leishmaniasis and other systemic diseases that can cause dysfunction of the gland. This was done by analyzing and comparing books and scientific articles about Leishmania infantum (Chagasi) infections, pituitary and endocrine changes, published in the computerized databases PubMed, LILACS, SciELO, Google Scholar, and the CAPES Periodical Portal in English from 1976 to 2022. The pituitary gland has a key function for the homeostasis of the organism, and inflammatory alterations in this gland may influence its endocrine activity. We conclude that the presence of inflammation in the pituitary gland may lead to dysfunction, resulting in physiological disorders, and that it needs to be better investigated in dogs infected by Leishmania spp., since changes in the concentrations of hormones and their interference in the body have already been observed in human patients and in hamsters as experimental models. Keywords: Pituitary gland. Visceral leishmaniasis. Histopathology. Inflammation. Immunohistochemistry. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACTH hormônio adrenocorticotrófico ADH hormônio antidiurético AP área postrema BHE barreira hematoencefálica CRH hormônio liberador de corticotrofina CVO órgão circunventricular CVOs órgãos circunventriculares EM eminência mediana FSH hormônio estimulador de folículos GFAP proteína ácida fibrilar glial GH hormônio do crescimento GnRH hormônio liberador de gonadotrofina GRF fator de liberação de somatotrofina HE hematoxilina e eosina HPF high-power field IFN-γ interferon gama IHQ imuno-histoquímica IL-10 interleucina 10 IL-12 interleucina 12 IL-2 interleucina 2 IL-6 interleucina 6 LCR líquido cefalorraquidiano LH hormônio luteinizante LV leishmaniose visceral LVC leishmaniose visceral canina MSH hormônio estimulador de melanócitos MSHRF fator de liberação de melanocortina NO óxido nítrico OVLT organum vasculosum da lâmina terminal PBA punção biopsia aspirativa PBS tampão fosfato-salino PIF fator de inibição de prolactina ROS espécies reativas de oxigênio SCO órgão subcomisural SFO órgão subfornical SNC sistema nervoso central SST somatostatina T3 triiodotironina T4 tiroxina TGF-β fator de crescimento transformador beta Th1 linfócitos T auxiliar (helper) tipo 1 Th2 linfócitos T auxiliar (helper) tipo 2 TNF-α fator de necrose tumoral alfa TRH hormônio liberador de tireotrofina TSH hormônio tireoestimulante SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO GERAL .......................................................................................... 13 1.1 Características hipofisárias gerais ....................................................................... 13 1.2 Estrutura histológica hipofisária ........................................................................... 16 1.3 Vascularização da hipófise ................................................................................. 17 1.4 Papel dos órgãos Circunventriculares (CVOs) ................................................... 20 1.5 Fisiologia hipofisária ........................................................................................... 22 1.5.1 Adeno-hipófise ................................................................................................. 22 1.5.2 Neuro-hipófise .................................................................................................. 23 1.6 Leishmaniose Visceral ........................................................................................ 24 1.6.1 Manifestações clínicas ..................................................................................... 26 1.6.2 Alterações no sistema nervoso central ............................................................. 27 1.6.3 Patogenia das lesões no encéfalo e permeabilidade das barreiras encefálicas ................................................................................................................ 28 1.7 Alterações na hipófise durante doenças sistêmicas ............................................ 29 1.7.1 Alterações na hipófise durante a leishmaniose ................................................ 31 1.8 Justificativa .......................................................................................................... 33 1.9 Objetivos ............................................................................................................. 33 2 CAPÍTULO 1- HIPOFISITE LINFOCÍTICA EM CÃES COM LEISHMANIOSE VISCERAL................................................................................................................. 34 2.1 Resumo ............................................................................................................... 34 2.2 Abstract ............................................................................................................... 35 3 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 36 3.1 Material e Métodos .............................................................................................. 38 3.1.1 Ética ................................................................................................................. 38 3.1.2 Animais ............................................................................................................. 38 3.1.3 Diagnóstico de Leishmaniose Visceral ............................................................. 39 3.1.4 Delineamento experimental .............................................................................. 39 3.1.5 Colheita do material.......................................................................................... 39 3.1.6 Imuno-histoquímica .......................................................................................... 40 3.1.7 Analise histopatológica e imuno-histoquímica .................................................. 41 3.1.8 Análise estatística ............................................................................................ 42 3.2 Resultados .......................................................................................................... 43 3.2.1 Detecção imuno-histoquímica de L. infantum ................................................... 43 3.2.2 Estadiamento clínico ........................................................................................ 44 3.2.3 Caracterização histopatológica ........................................................................ 44 3.2.4 Imunomarcação para linfócitos TCD3+ ............................................................. 47 3.3 Discussão ............................................................................................................ 51 3.4 Conclusão ........................................................................................................... 54 3.5 Informações de Apoio.......................................................................................... 55 3.6 Referências ......................................................................................................... 55 APÊNDICE A - REFERÊNCIAS DA INTRODUÇÃO GERAL ..................................... 64 APÊNDICE B - FIGURAS E TABELA SUPLEMENTARES ....................................... 74 ANEXO A - COMISSÃO DE ÉTICA .......................................................................... 79 ANEXO B - NORMAS DE SUBMISSÃO ................................................................... 80 13 1 INTRODUÇÃO GERAL A leishmaniose visceral é uma doença crônica e multissistêmica com apresentações clínicas variadas, cuja evolução depende diretamente da resposta imune desenvolvida pelo hospedeiro e dos órgãos acometidos (BANETH et al., 2008). Em cães, o desenvolvimento de uma resposta imune celular Th1 é determinante para o controle e eliminação do parasita, enquanto que o desenvolvimento de resposta imune humoral Th2 é associado a suscetibilidade a infecção (HOSEIN et al., 2017). A etiopatogenia dos sinais clínicos está relacionada a formação e deposição de imunocomplexos, a presença do parasita associado à infiltrado inflamatório granulomatoso em diversos órgãos e ao desenvolvimento de autoanticorpos, o que explica a variabilidade de apresentações da doença (BANETH et al., 2008). A ativação do sistema imune inato e adaptativo em resposta à infecção promove a produção de uma série de citocinas inflamatórias que refletem não só no tipo de resposta imune a ser desenvolvida, mas também na modulação de circuitos neuroendócrinos, que são diretamente relacionados a resposta imunológica (BOTASSO; MORALES-MONTOR, 2009). A hipófise é um órgão neuroendócrino responsável pela interface na comunicação entre o hipotálamo e glândulas endócrinas periféricas, cuja regulação é essencial para a manutenção da homeostase dos organismos em situações fisiológicas e patológicas (PEREZ-CASTRO et al., 2012). Não existem estudos avaliando alterações na hipófise durante a leishmaniose visceral canina, no entanto, existem evidências de que a doença pode promover distúrbios hormonais relacionados a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, resultando em um aumento do cortisol sérico em animais infectados, que pode estar associado a uma progressão desfavorável da doença (BARROS-GONÇALVES et al., 2021). 1.1 Características hipofisárias gerais A hipófise ou glândula pituitária é um órgão neuroendócrino, responsável pela produção e secreção de hormônios que atuam regulando o funcionamento de outras glândulas endócrinas, fundamentais para a homeostase do organismo (POLLEDO et al., 2018). 14 Localiza-se no processo ventral do assoalho do diencéfalo, na face superior do osso basisfenóide, em uma região chamada de fossa pituitária ou sela túrcica, logo abaixo do quiasma óptico e adjacente ao corpo mamilar (DANIEL, 1976; HONG; PAYNE; JANE JR, 2016). O teto e a base da fossa pituitária são delimitados por duas camadas de dura-máter, uma interna e outra externa, que formam o diafragma da sela túrcica e se conectam ao periósteo e a cápsula da glândula (VAN DER VLUGT- MEIJER; VOORHOUT; MEIJ, 2002). Na porção ventrolateral ao diafragma, circundando a hipófise, estão localizadas as veias dos seios cavernosos e a rete mirabilis carotídea (AIYAN et al., 2019). O espaço subaracnóide recobre a parte dorsal da hipófise (VAN DER VLUGT-MEIJER; VOORHOUT; MEIJ, 2002). Em cães adultos, a glândula pituitária é redonda, bilobada e seu tamanho varia individualmente e de acordo com a raça, sexo e peso do animal (KIPPENES et al., 2001; VAN DER VLUGT-MEIJER; VOORHOUT; MEIJ, 2002). A hipófise possui origem embriológica dupla, sendo subdividida em adeno- hipófise, de origem ectodermal, e em neuro-hipófise, originada do neuroectoderma, cada qual possuindo características histológicas e fisiológicas próprias e distintas (AMAR; WEISS, 2003). A adeno-hipófise não tem conexão anatômica direta com o tecido nervoso e é subdividida em outras três porções: pars distalis, pars tuberalis e pars intermedia (HONG; PAYNE; JANE JR, 2016) (Figura 1). O lobo anterior da glândula hipófise é composto exclusivamente pela pars distalis, cuja origem embriológica remete ao tecido epitelial que compõe a orofaringe primitiva (Bolsa de Rathke). 15 Figura 1- Fotomicrografia da divisão histológica das regiões da hipófise. Bar= 200µm Fonte: Elaborado pelo autor. A neuro-hipófise é composta pela pars nervosa e se desenvolve a partir de um crescimento descendente da base do diencéfalo, mantendo continuidade com o sistema nervoso através de um pedículo chamado infundíbulo (DANIEL, 1976), o qual conecta a neuro-hipófise ao hipotálamo, permitindo a passagem de hormônios hipotalâmicos através do sistema porta-hipofisário e/ou do trato hipotálamo-hipofisário (VAN DER VLUGT-MEIJER; VOORHOUT; MEIJ, 2002). Junto a pars intermedia, região intermediária entre adeno-hipófise e a neuro-hipófise, separadas por uma fissura na bolsa de Rathke, compõem o lobo posterior da glândula (AMAR; WEISS, 2003). Durante o desenvolvimento embriológico, a bolsa epitelial oral avança circundando a evaginação neural, formando uma dupla camada que dá origem a hipófise (AMAR; WEISS, 2003). A haste hipofisária conecta os lobos anterior e posterior na região da eminência mediana do hipotálamo, sendo composta pelo infundíbulo e pars tuberalis da adeno- hipófise, que se localiza ao redor do mesmo (DANIEL, 1976). 16 1.2 Estrutura histológica hipofisária Histologicamente a hipófise é revestida por uma cápsula fibrosa de tecido conjuntivo e preenchida por uma rede de fibras reticulares que oferece suporte as células da glândula. Como todos os tecidos endócrinos, possuí estroma esparso e altamente vascularizado, visando sustentar a intensa atividade metabólica do parênquima (ALRAHMAN; SHEHAN; SAUD, 2022). A pars distalis da adeno-hipófise é constituída por cordões e ilhas de células epiteliais secretoras cuboidais que produzem hormônios que são armazenados em grânulos de secreção, para posteriormente serem liberados no interstício (ALRAHMAN; SHEHAN; SAUD, 2022). As células epiteliais glândulares são permeadas pelas células folículo-estelares, cuja função não é bem determinada (HIGASHI et al., 2021). As células folículo-estelares têm morfologia em forma de estrela e são conectadas umas às outras, formando uma rede que recobre a superfície luminal da fenda intraglandular. Podem ainda se aglomerar através de desmossomos, formando folículos que contém colóide em seu interior (HIGASHI et al., 2021). Acredita-se que as células folículo-estelares estejam envolvidas em diversos processos fisiológicos na hipófise, como na eliminação de resíduos, transporte de nutrientes, comunicação eletrofisiológica e suporte mecânico às células epiteliais secretoras (HIGASHI et al., 2021). Na coloração de hematoxilina-eosina, as células epiteliais secretoras podem ser classificadas em cromofóbas e cromófilas acidófilas ou basófilas, de acordo com sua afinidade com o corante (ALRAHMAN; SHEHAN; SAUD, 2022). As células acidófilas são as somatotrópicas e lactotrópicas, responsáveis por produzir o hormônio do crescimento (GH) e a prolactina, respectivamente. As células basófilas são as tireotróficas, corticotróficas e gonadotrópicas, responsáveis pela produção dos hormônios adrenocorticotrófico (ACTH), tireotrofina (TSH), hormônio estimulador de folículos (FSH) e hormônio luteinizante (LH) (AMAR; WEISS, 2003). A determinação do tipo celular específico e seu produto de secreção não é possível através das colorações histológicas de rotina, sendo necessário a utilização de técnicas como a imuno-histoquímica para sua avaliação. As células cromofóbas não possuem 17 afinidade com corantes e podem ser células que degranularam ou células que ainda vão se diferenciar (VALA et al., 2013). A pars intermedia é caracterizada histologicamente por apresentar células epiteliais secretoras basófilas menores que as da pars distalis, difusamente distribuídas (ALRAHMAN; SHEHAN; SAUD, 2022) e que produzem o hormônio estimulador de melanócitos (MSH) e lipotropinas (VALA et al., 2013). A pars tuberalis é composta por células cuboidais fracamente basofílicas arranjadas em cordões, cuja função não é bem determinada (VALA et al., 2013). A neuro-hipófise é formada por axônios não mielinizados associados a pituícitos, um tipo específico de célula da glia que apresenta múltiplos prolongamentos, responsáveis por oferecer suporte às fibras nervosas. Os corpos celulares dos axônios localizados na neuro-hipófise têm origem nos núcleos supraópticos e paraventriculares do hipotálamo (AMAR; WEISS, 2003). O hipotálamo possui neurônios secretores caracterizados por possuírem corpos de Nissl muito desenvolvidos, resultando em habilidade secretora (PEREZ-CASTRO, 2012). A ocitocina é sintetizada pelos corpos celulares neuronais do núcleo paraventricular do hipotálamo, enquanto o hormônio antidiurético (ADH) é sintetizado nos corpos celulares neuronais do núcleo supraóptico. Ambos os hormônios são conjugados com sua proteína carreadora derivada de pró-hormônios (neurofisina) e são transportados em vesículas de secreção através dos axônios, passando pelo infundíbulo e acumulando-se na extremidade terminal axônica na pars nervosa (AMAR; WEISS, 2003). Os acúmulos intracelulares de secreção podem formar depósitos distinguíveis na histologia, denominados corpúsculos de Hering. Por fim, os hormônios são liberados por exocitose para adentrar nos capilares sanguíneos fenestrados abundantes na região, chegando à circulação sistêmica (AMAR; WEISS, 2003). 1.3 Vascularização da hipófise O suprimento vascular da glândula pituitária ocorre a partir da artéria carótida interna caudal e rostral, que formam um círculo arterial ao redor da hipófise, localizado no espaço subaracnoide (EVANS, 1993; FLETCHER, 1993). No cão, este círculo é suprido por meio da artéria basilar e do sistema arterial carotídeo, que é formado por uma série de artérias aferentes anastomosadas que acumulam sangue em uma rede 18 denominada rete mirabilis, considerada a principal fornecedora de sangue ao círculo de Willis (AIYAN et al., 2019; BAKER, 1979). A rete mirabilis é um sistema responsável pelo acúmulo e reserva de sangue, redução da pressão sanguínea encefálica nas artérias aferentes e redução da temperatura do sangue que atinge o encéfalo (BAKER, 1979; KIELTYKA-KURC; FRACKOWIAK; BRUDNICKI, 2015; ZGUIGAL, 1988). A partir da artéria carótida interna caudal, ramifica-se a artéria hipofisária superior, responsável por suprir o lobo anterior da hipófise e o pedúnculo hipofisário (Figura 2) (VAN DER VLUGT-MEIJER; VOORHOUT; MEIJ, 2002). Da porção medial da artéria hipofisária superior saem múltiplas pequenas artérias, que se anastomosam e formam um plexo primário de capilares fenestrados, localizado na eminência mediana e porção superior do pedúnculo hipofisário (AMAR; WEISS, 2003). Este plexo primário é fundamental, pois a eminência mediana recebe as terminações das células hipotalâmicas, que produzem fatores envolvidos no controle da função adeno- hipofisária (PEREZ-CASTRO, 2012). Assim, os capilares do plexo convergem em vênulas, formando as veias hipofisárias portais, que percorrem do pedúnculo para a pars distalis, onde se origina um segundo plexo de capilares sinusóides, responsável pela difusão dos fatores reguladores hipotalâmicos. Os capilares se reconstituem em veias hipofisárias laterais eferentes, que drenam para os seios cavernosos (AMAR; WEISS, 2003). O fluxo pode ser inverso, de forma que os hormônios liberados pela adeno-hipófise refluem para a eminência mediana. Este sistema é chamado sistema porta-hipofisário e garante a modulação hipotalâmica da produção de hormônios pelas células epiteliais hipofisárias, por meio de feedback (PEREZ-CASTRO, 2012). 19 Figura 2- Vascularização do eixo hipotálamo-hipofisário, e locais de produção, transporte, armazenamento e liberação dos hormônios Fonte: JUNQUEIRA; CARNEIRO; ABRAHAMSOHN, 2017 O lobo posterior é irrigado pela artéria hipofisária inferior, que se origina de um ramo cavernoso do tronco meningo-hipofisário, que é um ramo da artéria carótida interna rostral (AMAR; WEISS, 2003). A artéria hipofisária inferior se forma abaixo do diafragma da sela túrcica, fluindo para o sulco entre a pars distalis e pars nervosa, dividindo-se em ramos ascendentes e descendentes que suprem toda a pars nervosa, recebendo os hormônios liberados nos terminais axônicos. A drenagem venosa do lobo posterior também é feita para os seios cavernosos, culminando na veia jugular interna (PEREZ-CASTRO, 2012). 20 1.4 Papel dos órgãos Circunventriculares (CVOs) Existem quatro formas principais pelas quais a comunicação entre o sistema imune e o SNC é possibilitada: pelo transporte por meio da BHE, pela síntese e secreção de substâncias por células endoteliais vasculares, pelos nervos vagal e simpático, e pela estimulação dos órgãos circunventriculares (CVOs) (KELLEY; SHIMADA, 2020), os quais são compartimentos do SNC posicionados próximos ao terceiro e quarto ventrículos, cuja presença é essencial para que haja comunicação entre este sistema e a circulação sanguínea. Os CVOs são estruturas intensamente vascularizadas, com funções homeostáticas e neurossecretoras, desprovidas de BHE, uma vez que possuem endotélio sem zônulas de oclusão e por isso, a vasculatura é fenestrada, e apresentam núcleos secretores e integrativos no hipotálamo e no tronco encefálico envolvidos na regulação imunológica (BLACK; CANCELLIERE; FERGUSON, 2017; JOHNSON; GROSS, 1993). Devido à sua estrutura, os CVOs são suscetíveis à exposição de componentes presentes na circulação, tais como citocinas, endotoxinas e patógenos, representando um ponto de acesso que influencia diretamente o SNC, sendo capazes de atuar na iniciação e modulação da inflamação local, com possível elevada vigilância de células T para manter tais compartimentos livres de infecções (BENTIVOGLIO; KRISTENSSON; ROTTENBERG, 2018; BLACK; CANCELLIERE; FERGUSON, 2017; MASTORAKOS; MCGAVERN, 2019). Os CVOs possuem divisões e são classificados como sensoriais ou secretores (Figura 3). Os sensoriais compreendem o órgão subfornical (SFO), a área postrema (AP) e o organum vasculosum da lâmina terminal (OVLT), conhecidos por transmitirem informações sobre a circulação periférica ao SNC. Já os secretores compreendem a glândula pineal, o órgão subcomisural (SCO), a eminência mediana (EM) e a neuro-hipófise, os quais secretam substâncias diretamente na circulação (BLACK; CANCELLIERE; FERGUSON, 2017; MORITA et al., 2016). Os CVOs sensoriais são compostos estruturalmente por neurônios, células da glia, células ependimárias, astrócitos, micróglia, macrófagos e oligodendrócitos (DELLMAN, 1998). Dentre esses, destaca-se a atuação de astrócitos GFAP positivos presentes no SFO, que expressam aquaporina-4 e endotelina, ambas envolvidas no processo de inflamação e disfunção da BHE, respectivamente (LI et al., 2011; LO et al., 2005; PÓCSAI; KÁLMÁN, 2015). Além disso, já foram relatadas conexões para o SNC por 21 meio de inervações do SFO e por entradas multissinápticas entre OVLT e AP (KROUT et al., 2002). Figura 3 - Localização anatômicas dos órgãos circunventriculares sensoriais (sensory CVOs) e secretórios (secretory CVOs), representado em corte médio-sagital do cérebro de rato Legenda: Area prostema (área postrema), intermediate pituitary (pars intermedia), median eminence (eminencia mediana), OVLT (organum vasculosum da lâmina terminal), pinel gland (glândula pineal), posterior pituitary (neuro-hipófise) e subfornical organ (órgão subfornical) Fonte: BLACK; CANCELLIERE; FERGUSON, 2017 Todos os CVOs possuem micróglia e macrófagos no parênquima e nos espaços perivasculares, os quais são responsáveis pela expressão de MHC de classes I e II, sugerindo a capacidade destas células na apresentação de antígenos aos linfócitos T e servindo como primeira linha de defesa contra patógenos invasores (KAUR; LING, 2017). A EM é uma estrutura fundamental para a comunicação entre os sistemas neurais e endócrinos, localizada na base do hipotálamo, acima da haste hipofisária, e que através desta, faz conexão com a neuro-hipófise (KAUR; LING, 2017). A neuro-hipófise possui pericitos, fibroblastos e mastócitos nos espaços perivasculares (SEYAMA; PEARL; TAKEI, 1980), além de células semelhantes à glia chamadas pituícitos, as quais se localizam em contato íntimo com o espaço perivascular dos capilares e possui natureza astrocítica caracterizada pela expressão de marcadores específicos de astrócitos (GFAP) envolvidos no controle da secreção neuro-hipofisária (HATTON, 1988; REDECKER, 1987; WITTKOWSKI, 1998). Neste 22 CVO secretor também há micróglia e macrófagos próximos aos capilares, capazes de influenciar a vasculatura neuro-hipofisária (POW et al., 1989). Considerando que os CVOs não possuem barreiras efetivas e permitem o contato entre o sangue e o líquido cefalorraquidiano, facilitando a comunicação entre o sistema nervoso central, o sangue periférico e a resposta imune periférica, nossa hipótese é de que o acometimento destas regiões pode contribuir para os mecanismos desencadeantes das lesões observadas no encéfalo dos animais, quer pela ação direta do parasito ou pela produção local de mediadores inflamatórios. 1.5 Fisiologia hipofisária 1.5.1 Adeno-hipófise A secreção hormonal pela adeno-hipófise é um processo regulado por mecanismos dinâmicos, que envolvem fatores estimulantes e inibitórios hipotalâmicos e sinais de feedback derivados de órgãos-alvo periféricos. Esses fatores ainda interagem com a regulação parácrina e autócrina da glândula, induzindo assim a resposta transcricional, tradução e secreção de hormônios (PEREZ-CASTRO, 2012). Os hormônios produzidos pela adeno-hipófise são liberados para a circulação sistêmica e órgãos-alvo em “pulsos” a partir do estímulo hipotalâmico. A frequência dos pulsos associada a dificuldade da depuração metabólica determina a manutenção dos picos plasmáticos (AMAR; WEISS, 2003). Os fatores de regulação produzidos pelo hipotálamo chegam na adeno-hipófise através do sistema porta-hipofisário, controlando a produção de hormônios pelas células epiteliais secretoras especializadas (HONG; PAYNE; JANE JR, 2016). Entre os fatores de regulação hipotalâmicos, incluem-se: o hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH); hormônio liberador de tireotrofina (TRH); hormônio liberador de corticotrofina (CRH); fator de liberação de somatotrofina (GRF); somatostatina (SST); fator de inibição de prolactina (PIF); fator de liberação de melanocortina (MSHRF), entre muitos outros peptídeos (AMAR; WEISS, 2003; PEREZ-CASTRO, 2012). Em síntese, as células somatróficas constituem de 40% a 50% da população de células secretoras da adeno-hipófise, sendo responsáveis pela produção de GH, 23 hormônio relacionado principalmente ao estímulo do crescimento das epífises ósseas (VALA et al., 2003). Reguladores da síntese de GH incluem múltiplos fatores que interagem com a produção de GnRH, incluindo as concentrações de hormônios tireoidianos, glicocorticóides, grelina e insulina na circulação sistêmica (PEREZ- CASTRO, 2012). As células tireotróficas são responsáveis pela produção de TSH, uma glicoproteína cuja ligação em seu receptor nas células da tireoide promove a síntese de triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) (VALA et al., 2003). Mecanismos inibidores da produção de TSH incluem as somatostatinas e principalmente a relação de feedback com os hormônios tireoidianos (AMAR; WEISS, 2003). As células corticotróficas são responsáveis pela produção de corticotropina (ACTH), que age regulando a liberação de glicocorticóides e aldosterona pela glândula adrenal (AMAR; WEISS, 2003). Alterações fisiológicas como o estresse e injúria produzem impulsos aferentes que estimulam a produção de CRH e ACTH, enquanto o aumento de glicocorticóides na circulação promove o bloqueio da sua produção em nível hipotalâmico e hipofisário (PEREZ-CASTRO, 2012). As células lactotróficas são responsáveis pela produção de prolactina, hormônio relacionado principalmente ao desenvolvimento da glândula mamária e lactação. Sua regulação envolve múltiplos fatores, incluindo uma íntima relação com as células gonadotróficas, que produzem LH e FSH, visto que estas estão associadas a hormônios gonadais como estradiol, testosterona, progesterona e inibina (PEREZ- CASTRO, 2012). 1.5.2 Neuro-hipófise A neuro-hipófise tem como principal função o armazenamento e secreção de ocitocina e hormônio antidiurético (ADH), que são sintetizados nos corpos celulares neuronais dos núcleos paraventricular e supraóptico do hipotálamo, respectivamente (AMAR; WEISS, 2003). Este sistema de integração neuroendócrino é denominado eixo hipotalâmico-hipofisário. A ocitocina e o ADH são liberados no hipotálamo como pró-hormônios, sendo dependentes de proteínas carreadoras co-secretadas denominadas neurofisinas. As 24 neurofisinas atuam no processamento pós-traducional dos hormônios e no seu transporte em vesículas através dos axônios (AMAR; WEISS, 2003). Os hormônios são liberados nos terminais axônicos através de exocitose, em resposta a potenciais de ação dependentes de cálcio que atingem suas terminações nervosas (AMAR; WEISS, 2003). Os terminais axônicos da neuro-hipófise estão intimamente relacionados a capilares sanguíneos fenestrados, facilitando a difusão dos mesmos para circulação sistêmica (HONG; PAYNE; JANE JR, 2016). A ocitocina é um hormônio cujos principais alvos de ação são a glândula mamária e o útero, nos quais promove estímulos contráteis nas células mioepiteliais e musculatura lisa uterina (PEREZ-CASTRO, 2012). A vasopressina ou hormônio antidiurético (ADH) atua em receptores acoplados à proteína G que promovem a formação de segundos mensageiros em resposta à ligação. Esses receptores estão localizados nas células dos ductos coletores renais, endotélio e musculatura lisa vascular, principalmente (HONG; PAYNE; JANE JR, 2016). Nos túbulos renais, o ADH atua aumentando a permeabilidade dos ductos, de forma a permitir que a água penetre no interstício hipertônico da pirâmide renal, diminuindo o volume final de urina e consequentemente aumentando sua concentração. Esse mecanismo é ativado e útil em uma série de situações relacionadas a diminuição do volume plasmático circulante e/ou aumento da pressão osmótica, afetando diretamente a pressão arterial sistêmica, na qual também atua através da promoção da vasoconstrição (AMAR; WEISS, 2003). A vasopressina também atua de forma parácrina em receptores específicos localizados na hipófise anterior, que promovem o aumento da produção de corticotropina (PEREZ-CASTRO, 2012). 1.6 Leishmaniose Visceral As leishmanioses são doenças de caráter zoonótico, amplamente distribuídas pelos continentes, cujos transmissores apresentam vasta disseminação em regiões tropicais e em zonas temperadas, afetando humanos e animais domésticos e silvestres (DESJEUX, 1992). Tem como agente etiológico os protozoários pertencentes à ordem Kinetoplastidae, família Trypanossomatidae e ao gênero Leishmania (LAINSON; SHAW, 1987), os quais são transmitidos por fêmeas de 25 dípteros do gênero Lutzomyia, popularmente conhecidos como “mosquito-palha” (DESJEUX, 1992; GRIMALDI; TESH; McMAHON-PRATT, 1989) que albergam a forma promastigota de Leishmania spp. em seu organismo. A transmissão das formas promastigotas no hospedeiro vertebrado ocorre durante o repasto sanguíneo do vetor infectado (LAINSON; SHAW, 1987). Conforme dados emitidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2020), em 2019 o Brasil se enquadrou como o país com a maior taxa de letalidade dentre os cinco países que apresentaram os maiores números de casos de leishmaniose em humanos, demonstrando o impacto desta doença na saúde pública. Por este aspecto, levando em consideração os reservatórios naturais da mesma, os cães têm a maior importância epidemiológica no âmbito doméstico, pois atuam como a fonte de infecção que apresenta maior proximidade com humanos (BRASIL, 2002). O agente causador da leishmaniose visceral canina (LVC) no Brasil, listada como uma das doenças tropicais mais letais e negligenciadas do mundo (OMS, 2010), é o protozoário Leishmania infantum¸ anteriormente denominado Leishmania chagasi (MAURÍCIO; STOTHARD; MILES, 2000). O acompanhamento da infecção causada por este protozoário nas populações canina e humana é dificultado devido subnotificação da doença e de casos subclínicos (SHIMOZAKO; WU; MASSAD, 2017), os quais podem chegar à margem de 40 a 60% dos cães infectados (BRASIL, 2014). Em um estudo realizado a partir de dados do município de Araçatuba, estado de São Paulo, foi demonstrado que a introdução e manutenção da LVC estão interligadas aos flebotomíneos presentes na região e aos cães latentes e clinicamente enfermos, com destaque para os primeiros, uma vez que por estarem aparentemente saudáveis, atuam como fonte de infecção contribuindo para o aumento de animais e humanos infectados (SHIMOZAKO; WU; MASSAD, 2017). Os flebotomíneos do gênero Lutzomya sp, ao picarem um hospedeiro vertebrado infectado por L. infantum, ingerem macrófagos parasitados pelo protozoário na forma amastigota, a qual é transformada em promastigota no tubo digestivo destes vetores, possibilitando a transmissão para outros hospedeiros suscetíveis (NOLI, 1999). As formas promastigotas são inoculadas na pele do hospedeiro vertebrado durante o repasto sanguíneo, sendo fagocitadas pelas células do sistema mononuclear fagocitário, onde perdem o flagelo e se transformam em amastigotas, que por sua vez iniciam um processo intenso de divisão binária com posterior ruptura dessas células e liberação dos protozoários na circulação, os quais 26 serão fagocitados novamente ou ingeridos pelo vetor (LAINSON; SHAW, 1987). Dessa forma, as amastigotas são capazes de infectar sistemicamente o organismo do hospedeiro, sendo encontrados nos macrófagos e em outras células do sistema mononuclear fagocitário, principalmente dos órgãos hemolinfáticos, como medula óssea, linfonodos e baço (TAYLOR; COOP; WALL, 2007). 1.6.1 Manifestações clínicas É reconhecida a diversidade de tropismo de L. infantum, o qual permite o desenvolvimento de diversas manifestações clínicas nos hospedeiros (DEDET; PRATLONG, 2009), uma vez que a gravidade de tais sinais está diretamente relacionada com a resposta imunológica do animal. Animais resistentes desencadeiam respostas imunes eficazes por células Th1 pró-inflamatórias, com produção de interleucina-12 (IL-12) e interferon-gama (IFN-γ), além de promover a ativação de óxido nítrico (NO) e espécies reativas de oxigênio (ROS) por meio dos macrófagos. Os cães suscetíveis, por sua vez, produzem resposta Th2, com alta produção de anticorpos e de IgG, associados à superprodução de interleucina-10 (IL- 10), em detrimento da produção de IFN-γ e da resposta de células T CD4+, o que leva à progressão da doença (BOGGIATTO et al., 2010; MÜLLER et al., 1989; TIZARD, 2014). A princípio, a infecção é inaparente; à medida que evolui, podem ser observados sinais clínicos que incluem febre, perda de peso, anemia, poliúria, polidipsia, vômito, hepatomegalia, atrofia muscular generalizada, dermatopatias, como ulceração nas pinas e no nariz, epistaxe e onicogrifose. Além disso, a proliferação celular de linfócitos B, citada anteriormente, resulta em linfadenomegalia, esplenomegalia e hiperglobulinemia, levando à formação e deposição de imunocomplexos nas paredes dos vasos sanguíneos, os quais podem acarretar em vasculite, poliartrite, uveíte, glomerulonefrite e no acometimento do sistema nervoso (BANETH, 2006). Ocasionalmente, manifestações clínicas neurológicas e lesões no sistema nervoso central (SNC) são observadas em cães com LVC. Em estudos, foram relatadas alterações que demonstraram envolvimento do SNC, como telencéfalo, tronco encefálico, cerebelo e nervos cranianos, em cães positivos para a doença, os 27 quais apresentaram sinais clínicos de alterações no movimento, como incoordenação motora, hipermetria, quedas, tremores de intenção, mioclonia, andar em círculos, episódios de perseguição à cauda, monoparesia, paraparesia, tetraparesia e tetraplegia, além de alterações oculares, incluindo cegueira, anisocoria, midríase bilateral, estrabismo e nistagmo, e outros, como convulsão, ptose facial, disfagia, cabeça inclinada lateralmente, vocalização, déficit proprioceptivo, depressão leve a severa, hipertonicidade dos músculos extensores e dor na região cervical (GIANNUZZI et al., 2017; IKEDA et al., 2007). 1.6.2 Alterações no sistema nervoso central Estudos sobre a patogênese das manifestações clínico-patológicas neurológicas causadas por L. infantum ainda são escassos. Os principais achados patológicos neurológicos são as lesões inflamatórias e complicações vasculares (GIANNUZZI et al., 2017). Em cães naturalmente infectados que apresentavam ou não sinais clínicos neurológicos, foram descritas alterações histológicas, como degeneração neuronal, neuronofagia, meningoencefalite, congestão vascular, infiltrado inflamatório linfoplasmocítico perivascular, focos de micro-hemorragia, radiculoneurite, mielite, plexo coroidite, depósitos amiloides e depósitos de imunocomplexos nos vasos sanguíneos do plexo coróide (GARCIA-ALONSO et al., 1996; IKEDA et al., 2007; MACAU et al., 2017; MÁRQUEZ et al., 2012). As alterações foram mais intensas e frequentes nos cães que manifestaram sinais clínicos neurológicos (IKEDA et al., 2007). Há poucos relatos da identificação de formas amastigotas de L. infantum no SNC, embora tenham sido detectadas no tronco encefálico (OLIVEIRA, 2016) e plexo coróide (GRANO et al, 2019). Tal identificação também ocorreram nos espaços extra e intracelular do parênquima da medula espinhal, no telencéfalo, tálamo, plexo coróide, vasos sanguíneos das leptomeninges e em nervos espinhais de um cão naturalmente infectado que recebia glicocorticóides, sugerindo ruptura da barreira sangue-líquido cefalorraquidiano (LCR) e da barreira hematoencefálica (BHE), devido à possível exacerbação da infecção pelo uso deste fármaco (MÁRQUEZ et al., 2012). Entretanto, em cães infectados sem histórico de uso de medicamentos corticosteróides ou anti-Leishmania também foram visualizadas formas viáveis do 28 parasito no citoplasma de macrófagos localizados no espaço perivascular da substância cinzenta do tronco encefálico, na substância branca da medula espinhal cervical e no LCR, corroborando o fato de que L. infantum é capaz de penetrar a BHE, disseminar por meio do LCR e infectar o encéfalo e a medula espinhal de cães (OLIVEIRA et al., 2017). Por outro lado, a presença de DNA do parasita no SNC e LCR usando qPCR é mais frequentemente reportada (CARDINOT et al., 2016; GRANO et al., 2014; MELO et al., 2015). 1.6.3 Patogenia das lesões no encéfalo e permeabilidade das barreiras encefálicas As alterações histopatológicas descritas no SNC na leishmaniose visceral podem ser decorrentes do efeito direto de L. infantum no mesmo, de lesões imunomediadas, de complicações vasculares induzidas por efeitos indiretos, da imunossupressão induzida pelo parasito ou do tratamento farmacológico (GIANNUZZI et al., 2017). Sabe-se que durante uma infecção ativa, células do sistema imunológico são mobilizadas por tecidos linfóides periféricos; para que estas adentrem o parênquima do SNC, são selecionadas e reguladas por barreiras existentes (MASTORAKOS; MCGAVERN, 2019), como a BHE, que protege o SNC de forma anatômica e fisiológica e é constituída por membrana basal, células endoteliais, pericitos, glia limitante e micróglia. Além disso, possui zônulas de oclusão (“tight junctions”) entre as células, que não possuem fenestrações (MARCHETTI; ENGELHARDT, 2020). Devido a estas características, a BHE foi por muito tempo considerada impermeável. No entanto, seu papel na comunicação entre o corpo e o encéfalo durante eventos fisiológicos ou patológicos demonstra que a BHE atua como unidade funcional neurovascular, uma vez que sua composição de células interage em consonância com os neurônios, sendo capazes de responder a estímulos inflamatórios e transmitir esses sinais entre a periferia e o SNC, atuando mais como “interface” entre os sistemas, do que como “barreira” (BANKS, 2016). As células TCD4+ e TCD8+ ativadas possuem passagem limitada através da BHE: entram no espaço perivascular, porém são incapazes de penetrar a membrana basal astrocítica e a glia limitans (ENGELHARDT; SOROKIN, 2009). Alguns fatores astrocíticos já são 29 conhecidos por promoverem permeabilidade da BHE, entre eles NO, IFN-γ e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) (CHEN et al., 2000; LAU; YU, 2001). Além disso, já foi demonstrado que a ação crônica do IFN-γ inibe a via que mantém a integridade estrutural dos pericitos, células envolvidas na formação e manutenção da BHE, o que acarreta em disfunção da mesma, sinalizando um possível mecanismo que correlaciona a inflamação crônica à disfunção da BHE (JANSSON et al., 2016). 1.7 Alterações na hipófise durante doenças sistêmicas A glândula pituitária tem um papel central na manutenção da homeostase corporal, respondendo a diversos sinais complexos derivados de sistemas centrais e periféricos. Dessa forma, alterações patológicas sistêmicas podem levar a sua desregulação e disfunções no sistema neuro-endócrino (PEREZ-CASTRO et al., 2012). As principais desordens pituitárias são de origem proliferativa (MILLER et al., 2018), porém alterações inflamatórias também são reportadas, sendo a hipofisite linfocítica a mais comum (BELLASTELA et al., 2003). A hipofisite é uma desordem inflamatória crônica que ocorre na glândula pituitária, de origem primária ou secundária. A hipofisite primária é um distúrbio autoimune de etiologia desconhecida, caracterizado por uma inflamação restrita a glândula pituitária, que não pode ser associada a outros distúrbios inflamatórios sistêmicos (BELLASTELA et al., 2003). Uma série de auto anticorpos contra células hipofisárias já foram descritos na literatura, no entanto, mais pesquisas são necessárias para compreensão dos mecanismos patogênicos na hipofisite primária (LANGLOIS; VARLAMOV; FLESERIU, 2022). A hipofisite secundária é relacionada a processos inflamatórios locais, induzidos por tumores ou cistos, ou sistêmicos, como outras endocrinopatias autoimunes, utilização de medicamentos, doenças infecciosas, entre outras condições (BELLASTELA et al., 2003; LANGLOIS; VARLAMOV; FLESERIU, 2022). A inflamação pode acometer todas as porções da hipófise e se estender ao hipotálamo, sendo que a adeno-hipófise é a porção mais frequentemente envolvida e/ou que concentra maior presença de células inflamatórias (LANGLOIS; VARLAMOV; FLESERIU, 2022). Quanto às manifestações clínicas, as hipofisites podem ser subclínicas ou causar disfunções neurológicas e/ou endócrinas, 30 envolvendo hipofunção ou hiperfunção das células acometidas, devido a compressão ou destruição do tecido adjacente ao infiltrado inflamatório (CATUREGLI et al., 2005; RAO et al., 2016). Dentre os padrões histopatológicos de hipofisite reconhecidos na literatura, incluem-se: a hipofisite linfocítica, a granulomatosa, a xantomatosa, a relacionada a IgG-4, a necrotizante e as formas mistas, que podem ocorrer tanto na hipofisite primária como secundária, embora o padrão linfocítico seja o mais relatado (LANGLOIS; VARLAMOV; FLESERIU, 2022). A hipofisite granulomatosa é caracterizada pela presença de granulomas necrosantes formados por histiócitos e plasmócitos que circundam áreas de necrose no parênquima da glândula pituitária (BELLASTELA et al., 2003). Na hipofisite xantomatosa, há infiltrado de histiócitos contendo lipídios em seu citoplasma, associados a moderada quantidade de linfócitos dispersos (BELLASTELA et al., 2003). A hipofisite linfocítica é caracterizada por um infiltrado predominante de linfócitos difusos no interstício da glândula pituitária e/ou multifocal na região dos ácinos da adeno-hipófise (RAO et al., 2016). Os linfócitos ainda podem se apresentar agregados em folículos linfóides com centros germinativos e estarem acompanhados de plasmócitos, macrófagos, eosinófilos e neutrófilos em discreta quantidade (GUBBI et al., 2019). Os linfócitos T CD3+ são o principal tipo celular envolvido (RAO et al., 2016) seguidos pelos linfócitos B CD20+ (GUBBI et al., 2019). Na hipofisite relacionada a IgG-4 há predomínio de linfócitos B, sendo considerada uma condição rara (BAPTISTA et al., 2017). Com a evolução da inflamação, todos os padrões histológicos podem promover a fibrose da glândula pituitária (GUBBI et al., 2019). Existem alguns relatos de hipofisite primária ou secundária promovendo ou não distúrbios endócrinos ou neurológicos em cães, no entanto, por ser considerado um quadro esporádico, há muitas limitações e divergências nos relatos (ADISSU; HAMEL- JOLETTE; FOSTER, 2010; BLOMQVIST et al., 2020; MEIJI et al., 2012; MILLER et al., 2018; POLLEDO et al., 2018; WOLFESBERGER et al., 2011). Em estudos avaliando alterações histopatológicas na glândula pituitária de cães, a prevalência de alterações inflamatórias foi baixa em detrimento de alterações proliferativas (MILLER et al., 2018; POLLEDO et al., 2018). São citadas hipofisites linfóciticas de provável origem autoimune primária (ADISSU; HAMEL-JOLETTE; FOSTER, 2010; MILLER et al., 2018; POLLEDO et al., 2018), bem como hipofisites secundárias a processos infecciosos que podem cursar com meningoencefalite, como 31 na infecção pelo vírus da cinomose (POLLEDO et al., 2018) e na blastomicose sistêmica (MILLER et al., 2018). A hipofisite em cães é descrita associada a quadros de hipo e hiperadrenocorticismo (ADISSU; HAMEL-JOLETTE; FOSTER, 2010; WOLFESBERGER et al., 2011), hipotireoidismo (ADISSU; HAMEL-JOLETTE; FOSTER, 2010) e diabetes insipidus (MEIJI et al., 2012), demonstrando que, assim como nos humanos, a infiltração linfocítica acentuada afeta a arquitetura hipofisária, podendo levar a sua insuficiência (MEIJI et al., 2012). O eixo hipófise-adrenal parece ser o mais sensível à infiltração inflamatória, estando relacionado a maioria das alterações clínicas observadas em cães (ADISSU; HAMEL-JOLETTE; FOSTER, 2010; BLOMQVIST et al., 2020; MEIJI et al., 2012; WOLFESBERGER et al., 2011). As hipofisites relacionadas a processos infecciosos bacterianos, fúngicos, virais ou por protozoários são pouco estudadas, mas há relatos em cães (MILLER et al., 2018; POLLEDO et al., 2018), humanos (BEN ABID et al., 2017) e outros animais (ANYOUGU; SHOYINKA; IHEDIOHA, 2022). Em humanos, há relatos de hipofisite granulomatosa associados a tuberculose, com ou sem envolvimento de outros órgãos e promovendo alterações endócrinas significativas, como diabetes insipidus e hiperprolactinemia (BEN ABID et al., 2017). A tuberculose na glândula pituitária é considerada uma condição extremamente rara e de difícil diagnóstico, que costuma ser identificada através do aumento da hipófise visualizado através de ressonância magnética (BEN ABID et al., 2017). Os protozoários Trypanosoma brucei e T. congolense também já foram detectados por análise molecular no cérebro e glândula pituitária de ovelhas durante infecção experimental, sendo associados a aumento de cortisol plasmático e hiperplasia da glândula adrenal (ANYOUGU; SHOYINKA; IHEDIOHA, 2022). 1.7.1 Alterações na hipófise durante a leishmaniose Até o momento, a literatura é inexistente a respeito alterações histopatológicas hipofisárias na leishmaniose, no entanto, a presença de distúrbios endócrinos de origem primária hipofisária já foi relatada em humanos (VERDE et al., 2011) e modelos experimentais (BARROS-GONÇALVES et al., 2021). É sabido que a resposta imune através da produção de diversas citocinas interage na ativação e inibição de eixos hipofisários (PEREZ-CASTRO et al., 2012; 32 VERDE et al., 2011). O aumento da produção de corticoides em resposta ao estresse crônico, por exemplo, ocorre a partir da ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal por citocinas pró-inflamatórias como interleucina-1 (IL-1), interleucina-2 (IL-2), interleucina-6 (IL-6) e TNF-α, que também são responsáveis pela inibição da liberação de tireotropina e gonadotrofinas nessas condições (HELMREICH et al., 2005). As infecções crônicas sistêmicas, portanto, como causas de estresse crônico, têm potencial para promover distúrbios na produção hormonal da hipófise e consequentemente de todos os seus órgãos-alvo. Estudos em pacientes humanos com leishmaniose crônica identificaram sinais de disfunção hipofisária relacionada à produção de ADH, ACTH, TSH e hormônios sexuais (VERDE et al., 2011). A secreção inapropriada de ADH foi relacionada à ocorrência de hiponatremia, considerado um distúrbio eletrolítico associado a mortalidade na leishmaniose humana (DAHER et al., 2017). Em estudo conduzido com hamsters infectados com Leishmania infantum, foi observado aumento significativo de cortisol sérico pós-infecção, que foi ainda correlacionado positivamente ao aumento da expressão gênica de transcritos pró- inflamatórios, como IL-10, fator de crescimento transformador beta (TGF- β) e IL-6 (BARROS-GONÇALVES et al., 2021). Considerando a suscetibilidade e exposição da hipófise à componentes presentes na circulação, tais como citocinas e agentes infecciosos, a investigação de alterações morfológicas e funcionais na glândula durante a leishmaniose é relevante, visto o tropismo do agente por diversos tecidos e sua capacidade de promover uma resposta imune órgão-específica. 33 1.8 Justificativa O desenvolvimento de doença clínica progressiva na Leishmaniose Visceral (LV), por acometer vários tecidos, acarreta em desordem da homeostasia local ou sistêmica. A hipófise é uma glândula responsável pela produção e liberação dos principais hormônios que controlam as demais glândulas do sistema endócrino, e semelhante a outros tecidos pode ser acometida. Portanto, a ausência de literatura sobre alterações hipofisárias durante a LV em cães, reforçam a importância deste estudo. 1.9 Objetivos Investigar a presença de amastigotas de Leishmania spp. e caracterizar alterações inflamatórias destacando o envolvimento de linfócitos T CD3+ em diferentes regiões da hipófise de cães. 34 2 CAPÍTULO 1- HIPOFISITE LINFOCÍTICA EM CÃES COM LEISHMANIOSE VISCERAL 2.1 Resumo O comprometimento morfológico de glândulas endócrinas, como a hipófise, é pouco investigado em cães acometidos pela leishmaniose visceral canina (LVC). Formas amastigotas foram identificadas por meio de imuno-histoquímica na hipófise de dois cães (9,52%). A avaliação histopatológica em cortes corados por Hematoxilina e Eosina demonstrou a presença de inflamação em 76,19% das regiões hipofisárias analisadas das amostras dos cães infectados (G1). A maior frequência de inflamação foi observada na região de pars distalis e pars intermedia de cães do G1. Houve correlação entre a intensidade de inflamação e a quantidade de linfócitos TCD3+ imunomarcados nas regiões hipofisárias analisadas, caracterizando a ocorrência de hipofisite linfocítica. Esses dados indicam que a presença de inflamação e/ou do parasito na região hipofisária pode resultar em disfunção da glândula, acarretando no agravamento do estado clínico do paciente, comprometendo a eficiência do tratamento e do prognóstico. Palavras-chave: Glândula pituitária. Inflamação. Linfócito T. Leishmania infantum. 35 2.2 Abstract The morphological involvement of endocrine glands, such as the pituitary gland, is poorly investigated in dogs affected by canine visceral leishmaniasis (CanL). Amastigote forms were identified by immunohistochemistry in the pituitary glands of two dogs (9.52%). Histopathological evaluation in sections stained by Hematoxylin and Eosin showed the presence of inflammation in 76.19% of the analyzed pituitary regions of the samples from infected dogs (G1). The highest frequency of inflammation was observed in the pars distalis and pars intermedia region of G1 dogs. There was a correlation between the intensity of inflammation and the amount of immunolabeled TCD3+ lymphocytes in the analyzed pituitary regions, characterizing the occurrence of lymphocytic hypophysitis. These data indicate that the presence of inflammation and/or the parasite in the pituitary region can result in dysfunction of the gland, worsening the clinical condition of the patient, compromising the efficiency of treatment and prognosis. Keywords: Pituitary gland. Inflammation. T lymphocyte. Leishmania infantum. 36 3 INTRODUÇÃO1 As leishmanioses são doenças de caráter zoonótico, amplamente distribuídas pelos continentes, acometendo os animais domésticos e silvestres (Desjeux, 1992). O agente etiológico da leishmaniose visceral canina (LVC), listada como uma das doenças tropicais mais letais e negligenciadas do mundo (World Health Organization, 2010), é o protozoário Leishmania infantum (Maurício et al., 2000). As formas amastigotas infectam sistemicamente o hospedeiro, ocasionando a estimulação crônica do sistema mononuclear fagocitário, e conferindo um caráter imunomediado à patogênese das lesões (Taylor et al., 2007), o qual está diretamente relacionado às manifestações clínicas (Baneth, 2006; Tizard, 2014). Os cães infectados podem apresentar a doença na forma subclínica ou sistêmica, e os sinais clínicos incluem frequentemente a anorexia, hepatoesplenomegalia, linfadenomegalia e lesões cutâneas (Baneth, 2006). Outros órgãos e tecidos podem ser acometidos como a glândula tireoide (Cortese et al., 1999), o coração (Rosa et al., 2014), o fígado (Madeira et al., 2016), os rins (Baneth et al., 2008) entre outros, incluindo o sistema nervoso central (SNC) (Giannuzzi et al., 2017). Alterações na hipófise de cães, por diferentes etiologias, apresentam relatos limitados e com divergências sobre as terminologias e classificações (Polledo et al., 2018). Normalmente espera-se que linfócitos não sejam observados na histologia normal da glândula pituitária (Blomqvist et al., 2020). Tal glândula integra os circuitos formados pela interação do eixo hipotalâmico-hipofisário com as glândulas endócrinas secundárias, as quais são funcionalmente inter-relacionadas, auxiliando na função 1 Normas da Revista Veterinary Parasitology (Anexo B). 37 dos órgãos-alvo e manutenção da homeostase, de modo que, a disfunção de uma glândula acarretará em alteração na secreção de outras (Eiler, 2007; Greco and Stabenfeldt, 2004; Guyton e Hall, 2011). As hipofisites pode ser de origem idiopática ou secundária às doenças sistêmicas, incluindo as infecciosas, autoimunes e imunomediadas (Basaria et al., 2000; Polledo et al., 2018; Prete e Salvatori, 2000; Schaefer et al., 2008). Os achados histopatológicos são caracterizados pela infiltração de linfócitos em diferentes regiões da glândula, alterando seu parênquima, o que acarreta nas alterações subclínicas e disfunções hormonais (Caturegli et al., 2005; Polledo et al., 2018). Em cães, as hipofisites primárias de origem imunomediada e secundária a doenças sistêmicas e infecciosas são relatadas em casos esporádicos com a presença de infiltrado inflamatório compostos por linfócitos T CD3+ (Adissu et al., 2010; Blomqvist et al., 2020; Miller et al., 2018; Polledo et al., 2018; Wolfesberger et al., 2011). Na LVC, a diversidade de tropismo por diferentes tecidos do protozoário ocasiona uma variabilidade na resposta imune (Dedet; Pratlong, 2009), sendo que os linfócitos T CD4+ são relacionados à resposta imune contra a infecção (Barbiére, 2006; Michalick; Genaro, 2007; Marcondes, 2008; Day, 2007; Tizard, 2014; Boggiatto et al., 2010). Os órgãos circunventriculares (CVOs) e o plexo coróide são estruturas que podem servir como rota de entrada para parasitos e outros patógenos ao tecido nervoso como demonstrado por infecções com o parasita Trypanosoma brucei (Bentivoglio et al., 2018). Essas estruturas são desprovidas da barreira hematoencefálica (BHE), mas possuem a barreira hemato-liquórica formada por junções ocludentes entre as células epiteliais do plexo coróide, e entre os tanicitos especializados que revestem as cavidades ventriculares que delineiam os CVOs (Duvernoy e Risold, 2007). A neuro-hipófise é classificada como um órgão 38 circunventricular (CVO) e desprovida de barreiras efetivas, uma vez que possuem vasos fenestrados, estão suscetíveis à exposição de componentes presentes na circulação, tais como citocinas, endotoxinas e patógenos, representando um ponto de acesso que influencia diretamente o SNC. Assim como outros CVO, a neuro-hipófise é capaz de atuar na iniciação e modulação da inflamação local (Bentivoglio et al., 2018; Kaur e Ling, 2017; Mastorakos e McGavern, 2019; Taylor et al., 2007). A literatura que aborda o comprometimento da hipófise na LVC é inexistente. Uma vez que a barreira hematoencefálica é permeável na região hipofisária e que existem relatos de acometimento do tecido nervoso em cães com LVC com descrição do envolvimento de linfócitos T CD3+ (Grano et al., 2019; Márquez et al., 2013; Melo et al., 2009; Oliveira, 2016), o objetivo deste estudo foi investigar a presença de amastigotas de Leishmania spp. e caracterizar alterações inflamatórias destacando o envolvimento de linfócitos T CD3+ em diferentes regiões da hipófise de cães com LVC. 3.1 Material e Métodos 3.1.1 Ética Todos os procedimentos e métodos utilizados no estudo foram submetidos à avaliação da Comissão de Ética no Uso de Animais – CEUA da FOA, UNESP, Araçatuba/SP, e aprovado sob nº0354-2021. 3.1.2 Animais Vinte e seis cães, quinze machos e onze fêmeas, com idade entre 1 e 7 anos, foram selecionados do Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária de Araçatuba-UNESP e do Centro de Controle de Zoonoses de Araçatuba, Estado de São Paulo, Brasil. 39 3.1.3 Diagnóstico de Leishmaniose Visceral O diagnóstico sorológico foi obtido por ensaio imunoenzimático (D.O > 0,270), de acordo com Lima et al. (2003), e/ou pesquisa citológica direta de aspirado de linfonodo poplíteo (punção biopsia aspirativa). 3.1.4 Delineamento experimental Vinte e um cães infectados naturalmente por Leishmania ssp., não vacinados ou tratados para LVC, foram incluídos no grupo infectado (G1). Estes animais foram eutanasiados seguindo o Manual de Vigilância e Controle de Leishmaniose Visceral Canina do Ministério da Saúde (Saúde, 2006) e a Resolução 1000/2012 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV, 2012) após o diagnóstico ser confirmado por exame parasitológico e/ou ensaio sorológico. Cinco cães não infectados, sem histórico de comprometimento neurológico, cuja eutanásia foi realizada "in extremis", foram incluídos no grupo controle (G2). 3.1.5 Colheita do material As necropsias foram realizadas em seguida à confirmação da morte do animal. Foram avaliadas no exame macroscópico, a ausência ou presença de alterações para determinar o estadiamento clínico da doença. Desta forma o G1 foi composto por cães assintomáticos, oligossintomáticos e sintomáticos, conforme proposto por Mancianti et al. (1988), e descrito por Reis et al. (2009) (Tabela S1). Conforme procedimento padrão, foram colhidas amostras de vários órgãos, incluindo a hipófise. Todas as amostras foram fixadas em formol tamponado a 10% e processadas rotineiramente para inclusão em parafina. Cortes histológicos com 5μm foram corados com hematoxilina e eosina (HE) e submetidos a reações de imuno-histoquímica (IHQ) (Carson e Hladik, 2009). 40 3.1.6 Imuno-histoquímica As reações de imuno-histoquímica foram realizadas para detecção de linfócitos TCD3 e para pesquisa de formas amastigotas de Leishmania spp. utilizando os anticorpos primários, conforme descrito na Tabela 1. Foi utilizado soro hiperimune heterólogo de camundongo experimentalmente infectado com Leishmania (V.) shawi (cepa 15789) como anticorpo primário para detecção de Leishmania spp. (cedido gentilmente pela Professora Dra. Márcia Dalastra Laurenti, Laboratório de Patologia de Moléstias infecciosas da FM-USP), e o anticorpo anti-CD3 (A0452, Dako) para marcação de linfócitos T. Para controle positivo das reações, cortes histológicos de tecido linfoide (linfonodo poplíteo) de cão positivo para LVC (Fig. S1), e ainda tonsila humana para linfócito TCD3+ para controle da reação. Para o controle negativo das reações, foi adicionado o diluente de anticorpo sem o anticorpo primário. Para a desparafinização e hidratação, os cortes histológicos foram submetidos a banhos consecutivos, de 5 minutos em cada etapa, em xilol I, II e III, seguidos pela hidratação em álcool com concentrações decrescentes (100, 95, 70 e 50%) e água destilada. Em seguida, para pesquisa de formas amastigotas, foi realizada a recuperação antigênica (Tabela 1), seguida de lavagem por 3 vezes em PBS a 1% pH 7,4. O bloqueio da peroxidase endógena foi realizado com imersão dos cortes por 30 minutos em solução composta por peróxido de hidrogênio 30V diluído em metanol 50% (v/v) com PBS 1% pH 7,4. Para a detecção dos linfócitos TCD3+ foi realizado o bloqueio da peroxidase endógena, e em seguida recuperação antigênica. Após lavagem por 3 vezes em PBS a 1% pH 7,4, os cortes foram incubados em temperatura ambiente com um tampão de bloqueio contendo 3% (p/v) de leite em pó desnatado (Molico®) em PBS pH 7,4 por 30 min, para bloquear sítios de ligação inespecíficos. Os anticorpos primários foram utilizados diluídos em tampão de PBS pH 7,2 + soro 41 fetal bovino 1%. A diluição padronizada dos anticorpos primários foi descrita na Tabela 1. Tabela 1- Lista de anticorpos, concentração, método de recuperação antigênica e cromógeno utilizados nas reações de imuno-histoquímica. Célula/ Parasita Anticorpo Diluição Recuperação antigênica Substrato Cromógeno Linfócitos T CD3+ Anti-CD3, (A0452, Dako) 1:100 Tripsina, pH 7,8, 37ºC por 30 min em estufa 3,3’-diaminobezidine (K3468, Dako) Leishmania spp. Soro hiperimune de Camundongo 1:1000 Citrato pH 6,0, 100ºC por 30 min no vapor 3,3’-diaminobezidine (K3468, Dako) Fonte: Elaborado pelo autor. Os anticorpos primários foram incubados sobre os cortes histológicos durante a noite, por 12 a 14 horas, à 4 °C em câmara úmida. Para o controle negativo das reações, foi adicionado o diluente sem anticorpo primário. Em seguida, foram incubados com anticorpos secundários conjugados com peroxidase (EnVisionTM FLEX – HRP; Dako, K8010) por 40 minutos à temperatura ambiente. Após três lavagens com PBS pH 7,4 foi realizada a incubação com DAB (K3468, Dako). Após lavagem em água corrente e contra coloração com hematoxilina de Harris, os cortes foram desidratados, diafanizados e montados com resina transparente (Entelan®) e lamínulas de vidro. 3.1.7 Analise histopatológica e imuno-histoquímica Os cortes histológicos da hipófise corados com HE foram observados em microscopia de luz, para avaliar a presença de formas amastigotas de Leishmania spp. e de células inflamatórias nas regiões da pars nervosa, pars intermedia, e pars distalis. A quantificação de células inflamatórias foi feita por método semi quantitativo, 42 utilizando uma escala de quatro graus (grau 0-3) modificada de Grano et al. (2018), para representar a intensidade da inflamação em escore ausente (0), discreto (1), moderado (2) e acentuado (3) em cada região analisada. Os cortes histológicos foram avaliados por dois observadores, e os resultados quando divergentes, foram reavaliados por um terceiro observador. A avaliação imuno-histoquímica para linfócitos TCD3+ foi realizada com o auxílio de um microscópio Olympus BX 50 acoplado à câmera e ao computador. Foram capturadas imagens de cinco high-power field (HPF; hot spot) das regiões da pars intermedia, pars distalis e pars nervosa, com ampliação final de 400x. Para a contagem manual das células imunomarcadas, com morfologia consistente com linfócitos, foi utilizado o software Image J 1.52ª (Fig. S2). Marcação de células intravasculares foram excluídas da contagem. A pesquisa de amastigotas de Leishmania spp. imunomarcadas foi realizada em microscopia de luz, em objetiva de 40x e 100x com ampliação final de 400x e 1000x em todas as regiões acima citadas. 3.1.8 Análise estatística O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para avaliar a normalidade dos dados. As diferenças entre os grupos foram determinadas pelo teste de Mann Whitney, para dados não paramétricos. O Teste de correlação de Sperman foi utilizado para correlação do escore de inflamação com o estadiamento clínico, e a mediana da contagem de linfócitos TCD3+, por região. Valores de P <0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o software Prism (v8.0.1, GraphPad, La Jolla, CA, EUA). 43 3.2 Resultados 3.2.1 Detecção imuno-histoquímica de L. infantum A imunodetecção de Leishmania spp. nos cortes de hipófise demonstrou marcação positiva em 9,52% (2/21) dos casos. Formas amastigotas típicas foram localizadas no citoplasma de macrófagos e no interstício da pars intermedia dos cães infectados (Fig. 1). Fig. 1. Fotomicrografia de hipófise de cão infectado com Leishmania spp. Imuno- histoquímica para detecção de amastigotas (setas). Observar imunomarcação positiva e a presença de amastigotas livres e no citoplasma de macrófagos em pars intermedia (PI) da adeno-hipófise, na zona marginal com pars nervosa (PN). (Soro hiperimune de camundongo + 3,3’-diaminobezidine- DAKO; barra de escala = 20μm). Fonte: Elaborado pelo autor. 44 3.2.2 Estadiamento clínico Entre os cães do grupo infectado 52,38% foram classificados como sintomáticos, apresentando ao menos três lesões macroscópicas graves da doença, como alterações cutâneas difusas (alopecia, úlceras, dermatite furfurácea), oculares (blefarite, ceratoconjutivite), emagrecimento acentuado, e outros sinais clínicos característicos da LVC, como linfadenomegalia e onicogrifose (Fig. 2). Cães classificados como assintomáticos, que não apresentavam lesões evidentes, e oligossintomáticos com lesões cutâneas e emagrecimento discreto, linfadenomegalia, representaram 23,81% dos cães, respectivamente (Tabela S2). Fig. 2. Porcentagem (%) de cães infectados (G1) de acordo com o estadiamento clínico Fonte: Elaborado pelo autor. 3.2.3 Caracterização histopatológica O grupo de animais infectados (G1), apresentou infiltrado inflamatório composto por linfócitos, plasmócitos e raros macrófagos, nas regiões hipofisárias avaliadas (Fig. 3) (Tabela S3). Células mononucleares foram observadas na pars 45 intermedia em 11 animais (11/21), sendo a intensidade da inflamação classificada como discreta em 28,87% (6/21), moderada em 14,29% (3/21) e acentuada em 9,52% (2/21). Na pars distalis a presença de células inflamatórias foi evidenciada em 13 animais (13/21), sendo a intensidade discreta em 28,57% (6/21), moderada 23,80% (5/21) e acentuada em 9,52% (2/21). Na pars nervosa a inflamação foi evidenciada em 9 animais (9/21), sendo a intensidade discreta em 33,33% (7/21) e moderada em 9,52% (2/21) (Fig. 4). Não houve correlação entre o estadiamento clínico da leishmaniose e o escore de inflamação em nenhuma das regiões hipofisárias do grupo infectado (G1) (Fig. S3). O grupo de animais não infectados (G2) apresentou mínimas alterações, com a presença discreta de grupos de células mononucleares focais na pars distalis em 40% (2/5) dos animais, e 20% (1/5) na pars intermedia. A pars nervosa apresentou ausência de inflamação em 100% (5/5) dos animais do grupo controle. 46 Fig. 3. Fotomicrografia das regiões hipofisárias dos cães (G1), demonstrando a distribuição e intensidade da inflamação composta por células mononucleares (setas). (A) Observar células inflamatórias com distribuição focal e perivascular na pars nervosa, com intensidade moderada. (B) Observar células inflamatórias entremeadas às células cromófilas, acidófilas e basófilas com distribuição focal e intensidade discreta em pars distalis (PD), e ausência de inflamação em pars intermedia (PI) e pars nervosa (PN). (C) Observar inflamação com distribuição focal e moderada no parênquima em pars distalis. (Coloração HE, barra = 20µm). Fonte: Elaborado pelo autor. 47 Fig. 4. Porcentagem (%) de cães infectados (G1) de acordo com a intensidade de células inflamatórias mononucleares observadas na pars distalis, pars intermedia e pars nervosa. Fonte: Elaborado pelo autor. 3.2.4 Imunomarcação para linfócitos TCD3+ A identificação e quantificação de linfócitos TCD3+ imunomarcados foi realizada em todas as regiões analisadas da hipófise dos cães infectados (n=21) e controle (n=5). A diferença entre os grupos foi determinada por região, sendo que houve diferença entre os grupos G1 e G2 na pars nervosa (P = 0,0357) e não houve diferença entre G1 e G2 na pars intermedia (P = 0,4935) e pars distalis (P = 0,4000) (Fig. 5). Por se tratar de animais naturalmente infectados, é esperado observar variações na distribuição e quantidade dessas células dentre os indivíduos, considerando que o tempo decorrente da infecção é desconhecido. Ainda, visando homogeneizar as amostras em relação à quantidade de linfócitos T CD3+ encontrada nos animais controle, nós determinamos a mediana da quantidade de CD3+ nas respectivas regiões da hipófise dos cães controle, estabelecendo um “cut-off”. Dessa forma, selecionamos um subgrupo de 10 animais dentro dos animais infectados que continham uma quantidade de CD3+ acima da mediana dos animais controle, sendo 48 para a pars intermedia e pars distalis. Esta subpopulação de animais do grupo G1 quando comparados com G2, apresentou diferença significativa em relação a G2 na quantidade de linfócitos TCD3+ observada na pars intermedia (P = 0,0070) e na pars distalis (P = 0,0007). Na pars nervosa dos cães infectados, a diferença entre G1 e G2 se manteve (P = 0,0441), mesmo com a retirada de um único cão que apresentava o maior número de TCD3+ (n=20) (Fig. 6). Para avaliar se a intensidade da inflamação está associada com o aumento de linfócitos TCD3+, realizamos teste de correlação; sendo encontrada correlação entre esses parâmetros nas três regiões hipofisárias, sendo o valor de P na pars nervosa (P= 0,0033), pars intermedia (P= 0,0223) e na pars distalis (P= 0,0154) (Fig. 7). 49 Fig. 5. (A), (C) e (E) Fotomicrografia representativa das regiões pars nervosa (PN), pars intermedia (PI) e pars distalis de hipófise de cão infectado com Leishmania spp., de imuno-histoquímica para detecção de linfócitos T CD3+ revelado com DAB DAKO (barra de escala = 20μm). (B), (D) e (F) Gráficos de dispersão mostrando o número de linfócitos TCD3+ nas regiões hipofisárias de cães do grupo G1 (n= 21) e G2 (controle n=5). As linhas horizontais representam os valores da mediana e do intervalo interquartil. (B) O número de células TCD3+ foi maior na pars nervosa (*P=0,0357). (D) e (F) Não houve diferença na pars intermedia (P=0,4935) e pars distalis (P=0,4000). Fonte: Elaborado pelo autor. 50 Fig. 6. Gráficos de dispersão mostrando o número de linfócitos TCD3+ nas regiões hipofisárias de subpopulações do G1, as linhas horizontais representam os valores da mediana e do intervalo interquartil. (A) Na avaliação da pars nervosa foi retirado animal com maior número de células TCD3+, entre os cães infectados (G1; n=20), e quando comparado com o grupo controle (G2; n=5), a diferença estatística foi mantida (* P= 0,0441); (B) e (C) Na avaliação da pars intermedia e pars distalis, foi selecionada uma subpopulação de dez cães infectados (G1; n=10) com maior número de células TCD3+ em relação ao grupo controle (G2; n=5). Esta subpopulação de cães apresentou aumento significativo de células TCD3+, respectivamente (** P=0,0070) e (*** P=0,0007). Fonte: Elaborado pelo autor. Fig. 7. Gráficos de dispersão demonstrando correlação positiva entre o escore de inflamação e a mediana da contagem de Linfócitos TCD3+ por região hipofisária do grupo infectado (G1) pelo teste de Spearman. (A) Pars nervosa (r= 0,6110; **P= 0,0033). (B) Pars intermedia (r= 0,4957; *P= 0,0223). (C) Pars distalis (r= 0,5213; *P= 0,0154). Fonte: Elaborado pelo autor. 51 3.3 Discussão Embora a LVC seja reconhecida como uma doença grave e sistêmica, há poucos estudos descrevendo as lesões neurológicas e suas complicações, incluindo o envolvimento da hipófise. A avaliação imuno-histoquímica da hipófise de cães com LVC revelou a presença de formas amastigotas de Leishmania spp. em dois animais. Devido ao número reduzido de amastigotas no tecido hipofisário, a pesquisa do parasito não foi efetiva em cortes corados com HE. Entretanto, com a utilização da imuno- histoquímica, formas amastigotas imunomarcadas foram observadas dentro e fora do citoplasma de macrófagos na região da pars intermedia de dois cães. Este é o primeiro relato de amastigotas de Leishmania spp. na hipófise de cães e, semelhante ao encéfalo, existem poucos relatos da identificação por imuno-histoquímica das formas amastigotas de L. infantum, no plexo coróide e meninge, de cães naturalmente infectados (Font et al., 2004; Grano et al., 2019; Macau et al., 2017; Márquez et al., 2013; Oliveira, 2016). Também, semelhante ao observado em estudos realizados no encéfalo de cães com LVC, a presença de inflamação não foi relacionada com a presença de formas amastigotas no tecido (Ikeda et al., 2007; Melo et al., 2009; Revest et al., 2008; Santarém et al., 2007). No entanto, o tecido nervoso também é acometido em cães com LVC, com ativação das células da glia, que pode estar diretamente relacionada à modulação da resposta inflamatória local e alteração da permeabilidade das barreiras (Melo e Machado, 2011). Além de formas amastigotas do parasito, também observamos a presença de infiltrado inflamatório composto por células mononucleares (linfócitos, plasmócitos e macrófagos). Houve correlação entre a intensidade da inflamação e a quantidade de 52 linfócitos TCD3+ nas regiões hipofisárias analisadas, conforme demonstrado pela detecção imuno-histoquímica. O aumento da quantidade de linfócitos TCD3+ foi observado em todas as regiões hipofisárias do grupo infectado. A presença de linfócitos na hipófise foi descrita em cães que apresentavam doenças concomitantes, como linfoma multicêntrico, osteoartrite, hiperplasia nodular em pars distalis e adenoma hipofisário. A resposta celular composta com predomínio de células TCD3+ pode caracterizar hipofisite linfocítica subclínica (Blomqvist et al., 2020). Em seres humanos, a causa de hipofisite linfocítica permanece desconhecida, mas com base na natureza da inflamação, os linfócitos T são cruciais para o desenvolvimento da doença, e portanto, a hipótese é de que esta afecção seja de origem imunomediada (Bellastella et al., 2003; Caturegli et al., 2005; Falorni et al., 2014; Grau-Roma et al., 2017). Na hipófise dos cães deste estudo, a maior intensidade de inflamação foi observada em pars distalis e pars intermedia da adeno-hipofise. Em seres humanos com hipofisite linfocítica, a adeno-hipófise também foi a área mais afetada (Fehn et al., 1998). O processo autoimune ou imunomediado, possivelmente tem como alvo subtipos específicos de células hipofisárias, podendo causar danos em células secretoras de ACTH, FSH/LH ou TSH, localizadas na adeno-hipófise (Falorni et al., 2014; Fehn et al., 1998; Grau-Roma et al., 2017). Em seres humanos, são observados casos semelhantes de hipofisite linfocítica, destacando o fato de que a presença destas células inflamatórias na pars distalis e pars nervosa deve ser considerada patológica (Caturegli et al., 2005; Gubbi et al., 2019; Milligan et al., 1984). A hipofisite linfocítica foi associada ao hipopituitarismo e hipoadrenocorticismo secundário, além da deficiência na produção do hormônio corticotrófico (ACTH) e cortisol, em cães (Wolfesberger et al. 2011). Também foi 53 considerada a provável causa determinante de morte súbita do cão (Adissu et al., 2010; Blomqvist et al., 2020; Miller et al., 2018; Polledo et al., 2018). Plasmócitos também foram observados compondo a inflamação na hipófise dos cães. Este tipo celular foi observado na coloração HE das amostras de tecido hipofisário e, embora a presença de plasmócitos seja descrita em casos de hipofisite em humanos, em cães, aparentemente, este número é menor quando comparado ao de linfócitos TCD3+. Estas células não foram caracterizadas com auxílio da imuno- histoquímica em nosso estudo, mas é uma célula típica da resposta inflamatória durante a LVC (Baneth et al., 2008). Semelhante às avaliações realizadas nas hipofisites de seres humanos, mais estudos serão necessários para auxiliar no entendimento da função destas células nos casos de hipofisite linfocítica (Blomqvist et al., 2020; Fehn et al., 1998). Não foi observada relação entre os estadiamentos clínicos de LVC apresentados pelos cães, segundo Mancianti et al. (1988), e a intensidade da inflamação no tecido hipofisário. Esses dados indicam que a inflamação da hipófise não está relacionada ao estadiamento clínico da LVC. Nossos achados corroboram com outros estudos realizados que analisaram alterações no encéfalo em animais com LVC, os quais também não houve correlação entre o estadiamento clínico da doença e a intensidade de inflamação no tecido nervoso (Grano et al., 2018; Ikeda et al., 2007; Melo et al., 2009; Melo e Machado, 2009). Os cães avaliados foram naturalmente infectados e, portanto, um grupo heterogêneo em relação à fase da infecção, o que dificulta a compreensão da evolução das alterações inflamatórias da hipófise. A resposta imune anti-Leishmania inclui a produção de várias citocinas (Baneth et al., 2008), como o TNF-α, que pode regular o sistema endócrino, sendo capaz de 54 inibir a secreção de hormônios da hipófise, como o TSH (Pang et al., 1989) e hormônio gonadotrófico (Walton e Cronin, 1989). Um caso de hipotiroidismo primário associado a presença de formas amastigotas de Leishmania sp. foi relatado em um cão, associado com concentração alta de TNF-α, e possível influência na função do eixo hipotalâmico-hipofisário (Cortese et al., 1999). Em seres humanos com leishmaniose visceral, existem relatos de anormalidades endócrinas, como disfunção na secreção do hormônio antidiurético (ADH) e alterações no eixo hipotalâmico-hipofise-adrenal, hipófise-tireoide e hipófise- gonadas (Lima Verde et al., 2011), que ainda precisam ser melhor investigadas no cão. Podemos inferir que a ocorrência de hipofisite na LVC também pode resultar na produção de citocinas, como o TNF-α, que podem ter ação local ou sistêmica, podendo interferir direta ou indiretamente na produção de hormônios hipofisários e contribuir para a modulação positiva ou negativa da resposta do hospedeiro à infecção (Lima Verde et al., 2011; Melo et al., 2013; Pang et al., 1989; Walton e Cronin, 1989). Novos estudos são necessários para elucidar os mecanismos e a patogenia da LVC na hipófise e suas consequências para o quadro clínico do paciente. 3.4 Conclusão Este é o primeiro relato da presença de amastigotas de Leishmania spp. na hipófise e o primeiro relato de hipofisite linfocítica em cães com LVC com imunomarcação para linfócitos TCD3+. A presença de linfócitos TCD3+ e/ou do parasito na região hipofisária pode resultar em disfunção da glândula, e determinar o agravamento do estado clínico do paciente, comprometendo a eficiência do tratamento e do prognóstico. 55 3.5 Informações de Apoio Fig. S1. Fotomicrografia representativa do controle positivo das reações de imuno- histoquímica de cortes histológicos de tecido linfoide (linfonodo poplíteo) de cão positivo para LVC. Fig. S2. Demonstração da contagem de células TCD3+ imunomarcadas com revelador 3,3’-diaminobezidine (DAKO) no software ImageJ 1.52ª. Tabela S1. Classificação estabelecida de acordo com estadiamento clínico da LVC conforme Mancianti et al. (1988). Tabela S2. Estadiamento clinico dos cães infectados (G1), em assintomáticos oligossintomáticos e sintomáticos. Tabela S3. Porcentagem dos cães infectados (G1) e controle (G2) que apresentaram inflamação nas regiões hipofisárias, graduadas pela presença e intensidade. Tabela S4. Dados brutos do experimento. 3.6 Referências Adissu, H.A., Hamel-Jolette, A., Foster, R.A., 2010. Lymphocytic adenohypophysitis and adrenalitis in a dog with adrenal and thyroid atrophy. Vet. Pathol. 47, 1082– 1085. https://doi.org/10.1177/0300985810382520 Baneth, G., 2006. Leishmaniases, in: Greene, C.E. (Ed.), Infectious Diseases of the Dog and Cat. Saunders, pp. 686–698. Baneth, G., Koutinas, A.F., Solano-Gallego, L., Bourdeau, P., Ferrer, L., 2008. Canine leishmaniosis - new concepts and insights on an expanding zoonosis: part one. 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