UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Programa de Pós-Graduação em Ciências Cartográficas LETÍCIA ROSIM PORTO CARACTERIZAÇÃO ESPECTRAL DA FOLHA DE CITRUS CONTAMINADA POR HLB BASEADO EM ESPECTROMETRIA DE CAMPO PRESIDENTE PRUDENTE 2021 LETÍCIA ROSIM PORTO CARACTERIZAÇÃO ESPECTRAL DA FOLHA DE CITRUS CONTAMINADA POR HLB BASEADO EM ESPECTROMETRIA DE CAMPO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Cartográficas da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNESP, campus de Presidente Prudente, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Cartográficas. Orientador: Prof. Dr. Nilton Nobuhiro Imai Coorientadora: Dra. Érika Akemi Saito Moriya. PRESIDENTE PRUDENTE 2021 AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001 (Processo 88882.433943/2019-01). Gostaria de agradecer a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita de Mesquita Filho” UNESP (FCT/ UNESP) – Campus Presidente Prudente e ao Programa de Pós-graduação em Ciências Cartográficas (PPGCC) por todo suporte e infraestrutura para o desenvolvimento dessa pesquisa. Também gostaria de agradecer ao Centro de Citricultura Sylvio Moreira e a VetorGEO pelo auxílio na realização dos trabalhos de campo. Agradeço ao meu orientador, professor Dr. Nilton Nobuhiro Imai, e a minha coorientadora, Dra. Érika Akemi Saito Moriya, pela orientação e suporte durante o desenvolvimento desse trabalho. Estendo meus agradecimentos aos professores e professoras do PPGCC que, direta ou indiretamente, também contribuíram na realização desse trabalho. Agradeço também ao grupo de pesquisa SERTIE (Sensoriamento Remoto e Tecnologia de Informação Espacial para Monitoramento Ambiental) pela troca de experiências e conhecimento compartilhado. Por fim, agradeço imensamente aos amigos e amigas do PPGCC pelo companheirismo, pela troca de experiência, conselhos valiosos e suporte emocional ao longo de todo o mestrado. “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.” Rosa Luxemburgo RESUMO O Brasil, como maior produtor e exportador de suco de laranja do mundo, tem enfrentado dificuldades em combater a doença Huanglongbing (HLB) em seus pomares de citros. São mais de 197 milhões de pés de laranja na região que mais produz no país, o cinturão citrícola Paulista e do Triângulo/Sudoeste Mineiro. Atualmente, o combate à doença é realizado por meio de vistorias realizadas por técnicos e se mostra como um método oneroso, demorado e ineficiente. O uso de sensores remotos acoplados em drones pode agregar muito numa detecção precoce de árvores doentes, com um custo-benefício atrativo e de forma ágil, evitando que a doença se dissemine nos pomares. Entretanto, a dificuldade de definir comprimentos de onda eficazes na diferenciação entre HLB e outras doenças ou deficiências nutricionais comuns vem sendo um desafio para o setor. A espectrorradiometria de campo pode contribuir nesse aspecto, com um estudo de observação associado a medidas de reflectância de indivíduos infectados em diferentes níveis de comprometimento. Nesse sentido, o presente estudo visa identificar comprimentos de onda e/ou regiões do espectro eletromagnético que sejam eficientes em distinguir folhas de citros infectadas por HLB e folhas saudáveis ou com sintoma de deficiência nutricional, como zinco. Para isso, foram coletadas medidas de radiometria de diversas folhas em dois pomares de citros localizados no interior do estado de São Paulo. A partir dessas medidas, foram calculados espectros de reflectância para cada classe das amostras (assintomática, HLB, saudável, deficiência de zinco, Hamlin, Natal e Pera). Após aplicar métodos de tratamento e análise de dados espectrorradiométricos, verificou-se que a região do red- edge, próximo à 700 nm, é importante na diferenciação de folhas com HLB sintomáticas e folhas saudáveis, porém não é eficiente na diferenciação entre folhas com HLB assintomáticas e folhas saudáveis. Apesar da semelhança na condição de clorose, análises de espectrorradiometria demonstraram que folhas sintomáticas de HLB e folhas com deficiência de zinco diferem espectralmente. As análises também demonstraram que as folhas infectadas das variedades de laranja Hamlin, Natal e Pera são semelhantes espectralmente. Em resumo, o estudo indicou que um mesmo sensor multiespectral pode ser utilizado na detecção de citros com HLB para diferentes variedades, porém plantas que ainda são assintomáticas possivelmente não serão diferenciadas das não infectadas por HLB. Palavras-chave: Análise Espectral, Greening, Sensoriamento Remoto, Agricultura de Precisão, Dados Hiperespectrais, Huanglongbing (HLB). ABSTRACT Brazil, as the world's largest producer and exporter of orange juice, has faced difficulties in fighting the Huanglongbing disease (HLB) in its citrus groves. There are more than 197 million orange trees in the region that produces the most in the country, citrus farms in São Paulo and West-Southwest Minas Gerais. Currently, the fight against the disease is carried out through inspections carried out by technicians and is shown to be an expensive, time-consuming and inefficient method. The use of remote sensors coupled to drones can improve early detection of sick trees, with an attractive cost-benefit and in an agile way, preventing the disease from spreading in orchards. However, the difficulty of defining effective wavelengths to differentiate between HLB and other common diseases or nutritional deficiencies has been a challenge for the industry. Field spectroradiometric measurements can contribute in this respect, with an observational study associated with measures of reflectance of infected individuals at different levels of impairment. In this sense, the present study aims to identify wavelengths and/or regions of the electromagnetic spectrum that are efficient in distinguishing citrus leaves infected with HLB and healthy leaves or those with a symptom of nutritional deficiency, such as zinc. For this purpose, radiometric measurements were collected from several leaves in two citrus orchards located in the interior of the state of São Paulo. From these measurements, reflectance spectra were calculated for each class of samples (asymptomatic, HLB, healthy, zinc deficiency, Hamlin, Natal and Pera). After applying treatment methods and analysis of spectroradiometric data, it was found that the red- edge region, close to 700 nm, is important in differentiating symptomatic HLB leaves from healthy leaves, but it is not efficient in differentiating between HLB leaves asymptomatic and healthy leaves. In addition, despite the similarity in the chlorosis condition, spectroradiometric analyzes demonstrated that symptomatic HLB leaves and zinc- deficient leaves differ spectrally. The analyzes also showed that the infected leaves of the Hamlin, Natal and Pera orange varieties are spectrally similar. In summary, this study indicated that the same multispectral sensor can be used to detect citrus with HLB for different varieties, but plants that are still asymptomatic will possibly not be differentiated from those not infected with HLB. Keywords: Spectral Analysis, Greening, Remote Sensing, Precision Agriculture, Hyperspectral Data, Huanglongbing (HLB). LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Espectro de reflectância, absortância e transmitância de uma folha verde sadia ..................................................................................... 19 Figura 2 – Espectro de reflectância típico de uma folha verde sadia ................... 21 Figura 3 – Total de árvores de laranja no cinturão citrícola Paulista e do Triângulo/Sudoeste Mineiro por região no ano de 2020*..................... 23 Figura 4 – Percentual das árvores de laranja infectadas com greening com incidência de sintomas por setor e região no ano de 2020 ................. 25 Figura 5 – Material coletado em campo, da esquerda para a direita: duas folhas e um fruto com HLB, duas folhas com sintomas de ataque de larva minadora e cranco cítrico e uma folha com sintomas de deficiência de zinco .............................................................................................. 26 Figura 6 – Planta infectada com greening destaque na a) folha; b) ramo com folha e fruto; c) fruto cortado no sentido longitudinal .................................. 27 Figura 7 – Média das medidas de reflectância das folhas sadias (-) e contaminadas com HLB (+) com clorose (yellow) e sem clorose (green). a) superfície adaxial da folha (representada pela letra U) e b) superfície abaxial da folha (representada pela letra L) ....................... 32 Figura 8 – Parâmetros que podem ser extraídos da banda de absorção ............. 38 Figura 9 – a) feições de absorção e respectivas linhas do contínuo e b) feições com o contínuo removido ................................................................. 39 Figura 10 – a) Espectros de reflectância do milho b) e suas respectivas derivadas de primeira ordem ........................................................................... 41 Figura 11 – a) Análise de diferença e b) análise de sensibilidade entre folhas de cana-de-açúcar saudáveis, infectadas por patógenos e em estágio de senescência .................................................................................... 43 Figura 12 – Fluxograma dos procedimentos metodológicos ............................... 45 Figura 13 – Localização aproximada das áreas de estudo ................................. 46 Figura 14 – Espaçamento entre as árvores na a) área 1 e na b) área 2 .............. 47 Figura 15 – Tabela para registro do estado fitossanitário das árvores de citros onde foram coletadas folhas para amostragem ................................. 48 Figura 16 – a) Espectrorradiômetro FieldSpec® HandhelD e b) placa Spectralon® utilizados em campo ........................................................................ 49 Figura 17 – Registro fotográfico das folhas amostradas ..................................... 50 Figura 18 – Espectros de fator de reflectância da face adaxial das quatro classes de folhas de citros ........................................................................... 57 Figura 19 – Espectros de fator de reflectância da face adaxial das quatro classes de folhas de citros e seus respectivos desvios-padrão ...................... 57 Figura 20 – Espectros de fator de reflectância da face abaxial das quatro classes de folhas de citros ........................................................................... 57 Figura 21 - Espectros de fator de reflectância da face abaxial das quatro classes de folhas de citros e seus respectivos desvios-padrão ....................... 59 Figura 22 – Primeira derivada dos espectros de fator de reflectância da face adaxial das quatro classes de folhas de citros ................................... 60 Figura 23 – Primeira derivada dos espectros de fator de reflectância da face abaxial das quatro classes de folhas de citros ................................... 61 Figura 24 – Contínuo removido do intervalo 555 – 675 nm................................. 63 Figura 25 – Contínuo removido do intervalo 550 – 750 nm................................. 64 Figura 26 – Diferença entre os espectros de reflectância das folhas saudáveis e as demais condições fitossanitárias .................................................. 67 Figura 27 – Diferença entre os espectros de reflectância de folhas assintomáticas e folhas com sintomas de deficiência de zinco .................................. 69 Figura 28 – Análise de sensibilidade entre os espectros de reflectância das folhas saudáveis e as demais condições fitossanitárias ............................... 70 Figura 29 – Coeficiente de correlação entre folhas saudáveis e folhas com HLB sintomático ..................................................................................... 71 Figura 30 – Coeficiente de correlação entre folhas saudáveis e folhas com HLB assintomático ................................................................................. 72 Figura 31 – Espectros de fator de reflectância da face adaxial das três variedades de citros.......................................................................................... 73 Figura 32 – Espectros de fator de reflectância da face adaxial das três variedades de citros e seus respectivos desvios-padrão ..................................... 74 Figura 33 – Primeira derivada dos espectros de fator de reflectância das três variedades de citros ........................................................................ 75 Figura 34 – Comparação entre as três variedades com HLB e saudável ............. 77 Figura 35 – Diferença entre os espectros de reflectância de folhas da variedade Pera (área 1 – menos comprometida) e folhas de três variedades de citros (área 2 - mais comprometida).................................................. 78 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Pigmentos foliares e seus respectivos picos de absorção ................. 22 Tabela 2 – Escala de nível de severidade de HLB pela Fundecitrus ................... 29 Tabela 3 – Informações sobre as árvores de citros amostradas em campo ......... 48 Tabela 4 – Parâmetros da feição com o contínuo removido no intervalo 555 – 675 nm ........................................................................................... 63 Tabela 5 – Parâmetros da feição com o contínuo removido no intervalo 550 – 750 nm ........................................................................................... 65 Tabela 6 – Posição do red-edge (REP) nos espectros de fator de reflectância da face adaxial .................................................................................... 66 Tabela 7 – Posição do red-edge (REP) nos espectros de fator de reflectância da face adaxial considerando o desvio padrão ....................................... 66 Tabela 8 – Posição do red-edge (REP) nos espectros de fator de reflectância de três variedades de citros .................................................................. 76 Tabela 9 – Posição do red-edge (REP) nos espectros de fator de reflectância de três variedades de citros considerando o desvio padrão .................... 76 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................13 1.1 OBJETIVOS ...............................................................................................16 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................18 2.1 COMPORTAMENTO ESPECTRAL DA VEGETAÇÃO ...................................18 2.1.1 Relação da estrutura foliar e energia eletromagnética ...................................18 2.2 SETOR CITRÍCOLA BRASILEIRO E A AMEAÇA DO HLB ............................23 2.2.1 Citricultura no Brasil ....................................................................................23 2.2.2 Huanglongbing (HLB)..................................................................................24 2.3 SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO À DETECÇÃO DO HLB................29 2.4 TRATAMENTO DE DADOS ESPECTRORRADIOMÉTRICOS .......................33 2.4.1 Remoção do ruído a partir do filtro de média móvel.......................................34 2.4.2 Análise de agrupamento .............................................................................35 2.4.3 Remoção do contínuo .................................................................................36 2.4.4 Análise derivativa .......................................................................................39 2.4.5 Posição do red-edge ...................................................................................41 2.4.6 Análise de diferença e sensibilidade ............................................................42 2.4.7 Análise de Correlação .................................................................................44 3. MATERIAIS E MÉTODOS ...........................................................................45 3.1 AQUISIÇÃO DE DADOS ESPECTRAIS E FITOSSANITÁRIOS EM CAMPO...46 3.2 PROCESSAMENTO DOS DADOS E ANÁLISE DOS ESPECTROS DE REFLECTÂNCIA .........................................................................................50 3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DOS EXPERIMENTOS ..................52 3.3.1 Experimento 1 ............................................................................................52 3.3.2 Experimento 2 ............................................................................................53 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................55 4.1 EXPERIMENTO 1 .......................................................................................55 4.1.1 Análise dos espectros de reflectância ..........................................................55 4.1.2 Análise derivativa .......................................................................................60 4.1.3 Remoção do contínuo .................................................................................62 4.1.4 Posição do red-edge ...................................................................................65 4.1.5 Análises de diferença e sensibilidade ...........................................................66 4.1.6 Análise de correlação..................................................................................71 4.2 EXPERIMENTO 2 .......................................................................................73 4.2.1 Análise dos espectros de reflectância ..........................................................73 4.2.2 Análise derivativa .......................................................................................75 4.2.3 Posição do red-edge ...................................................................................75 4.2.4 Comparação entre os espectros de reflectância de variedades de citros contaminadas por HLB e de citros saudáveis ................................................76 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ..................................................................................................79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................82 13 1. INTRODUÇÃO De acordo com World Summit on Food Security, no ano de 2050 a população mundial deve aumentar para aproximadamente 10 bilhões de pessoas e, nesse contexto, é importante e desafiador garantir a segurança alimentar para a população mundial. Essa situação se agrava com o surgimento recorrente de epidemias, desastres naturais e mudanças climáticas, intensificando a desigualdade social e crises econômicas. Para suprir tal demanda, com o mínimo de impacto possível, a tendência é garantir o aumento da produção de alimentos sem expansão de área e com a menor degradação ambiental possível, incluindo a diminuição drástica no uso de agroquímicos (FAO, 2017). Para alcançar este cenário, é imprescindível um grande esforço humano e muito investimento na busca por soluções economicamente viáveis e eficazes. O Brasil, na atual conjuntura, desempenha um papel importante, uma vez que teve uma produção de alimentos estimada em 241,5 milhões de toneladas em 2019 e uma população de 209,5 milhões de habitantes (IBGE, 2020a; IBGE, 2020b). Sendo, no mercado mundial, um grande fornecedor de alimentos, o agronegócio é significativamente importante para a economia brasileira. Em 2019, a soma de bens e serviços gerados no setor chegou a 1,55 trilhão de reais, o equivalente a 21,4% do PIB brasileiro (CEPEA, 2020). No mesmo ano, 43% das exportações brasileiras foram de produtos do agronegócio. Além disso, o Brasil é o país que mais exporta açúcar, café, suco de laranja, soja em grãos e carnes bovina e de frango, sendo, também, o maior produtor de café e suco de laranja (USDA, 2020). Entretanto, o modelo de produção agrícola brasileiro ainda é demasiado conservacionista e tem um altíssimo consumo de agrotóxicos. Em 2013, o Brasil foi o país que, em números absolutos, mais consumiu agrotóxicos no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, 2020). Nota-se, facilmente, a relevância do setor para o país e a necessidade de novas práticas agrícolas serem adotadas, passando a utilizar tecnologias que viabilizem uma produção de alimentos mais sustentável para o meio ambiente, e justa no âmbito social e econômico. 14 A agricultura é uma atividade dinâmica e necessita de um monitoramento frequente. Considerando as atuais demandas do setor agrícola, o sensoriamento remoto consiste em uma importante ferramenta de monitoramento espacial e temporal de áreas de cultivo agrícola de maneira não destrutiva. O sensoriamento remoto tem sido aplicado com sucesso em diversas situações dentro desse setor, como no monitoramento de terras agrícolas para a previsão de uma determinada safra, na otimização da produção a curto prazo, no planejamento da irrigação e aplicação de insumos em uma determinada área, entre outras situações (Weiss et al., 2020). Apesar do agronegócio brasileiro ter destaque na produção de soja, milho, algodão, açúcar e carnes, por exemplo, há uma tendência de diversificação da produção no país, com destaque para a intensificação na produção de frutas. Hoje, o Brasil é o maior produtor de laranja no mundo, porém os citricultores têm enfrentado uma ameaça preocupante, o greening, cujo combate tem sido um desafio para as produções de citros e para a ciência (USDA, 2020). O greening, designado também como Huanglongbing (HLB), é uma doença associada as bactérias Candidatus Liberibacter asiaticus, Candidatus Liberibacter americanus e Candidatus Liberibacter africanus. No Brasil, atualmente, a principal bactéria associada ao greening é a Candidatus Liberibacter asiaticus. Atualmente está presente, na forma sintomática ou assintomática, em 20,87% das laranjeiras na região que mais produz no Brasil: o cinturão citrícola de São Paulo e o triângulo/sudoeste de Minas Gerais. Além disso, é considerada a doença mais destrutiva da citricultura mundial (FUNDECITRUS, 2020a). Uma vez que não há tratamento para plantas infectadas, os produtores realizam o manejo integrado de seus pomares na tentativa de combater o greening. As principais ações de manejo são: planejamento e escolha do local de plantio; plantio de mudas sadias e de qualidade (produzidas em viveiros certificados); aceleração do crescimento e da produtividade das plantas (na fase inicial a planta é mais suscetível); manejo intensificado na faixa da borda; inspeção de plantas; erradicação das plantas com sintomas; monitoramento do psilídeo vetor da doença; controle do psilídeo; manejo regional e alerta fitossanitário; e ações externas de 15 manejo. Essas ações são importantes na manutenção da produção de citros no país. A detecção do HLB em citros utilizando técnicas de sensoriamento remoto é um tema que vem sendo amplamente explorado, embora seja, ainda, uma questão desafiadora para pesquisadores e profissionais da área de sensoriamento remoto. Diferentes estudos tentam definir comprimentos de onda que possam caracterizar espectralmente os sintomas da doença e, assim, colaborar para a automatização da detecção do HLB, principalmente quando os sintomas não se manifestaram por completo ou quando ocorreram de forma sutil, atingindo poucas folhas da árvore (MISHRA et al., 2011; LI et al., 2012; SANKARAN et al., 2013; DADRASJAVAN et al., 2019; WANG et al., 2019). A dificuldade na detecção do HLB utilizando sensores remotos resultam do fato de que a reflectância da folha não é influenciada somente pela presença do HLB, mas também por condições de crescimento e de estrutura, além de seus elementos constituintes. Assim, é preciso levar em consideração variações nas características externas da folha, como cor, textura, e, em características internas, como concentração de clorofila, umidade e composição do tecido vegetal (WANG et al., 2019). Além disso, um estudo de Imai et al. (2020) indica que há variações nos valores de reflectância de diferentes copas de citros infectados por HLB. Quando as folhas aparentam pouco comprometimento com a doença, os valores de reflectância na região do visível apresentam aumento, porém, não há alteração na região do infravermelho próximo, possivelmente porque ainda não ocorreu a perda de umidade na folha e/ou mudanças na estrutura celular. Outro fator importante na detecção de HLB em citros é que os sintomas da doença nas folhas podem ser confundidos com outros processos de estresse, como deficiência de nutrientes e outros tipos de doenças, o que torna o processo de identificação do greening complexo e desafiador no sistema de produção. Uma característica da doença que representa desafios no manejo do HLB é o fato de que a bactéria não se distribui de forma homogênea no sistema vascular da planta. Na maioria das vezes, há concentração da bactéria, e dos sintomas, no ramo infectado pelo psilídeo e nas raízes da árvore. Ou seja, apesar da planta já ser um foco de HLB dentro do pomar, ela é de difícil identificação, tanto em inspeções visuais 16 quanto por sensores remotos (BASSANEZI et al., 2010). Por isso, uma demanda importante do setor é a identificação de folhas assintomáticas, aquelas que estão em uma planta infectada, porém, não apresentam sintomas visíveis a olho humano. Desse modo, compreende-se que o espectro de reflectância pode ser associado com o estado fitossanitário das folhas infectadas por HLB tanto em folhas sintomáticas quanto assintomáticas. Os espectrorradiômetros medem a reflectância do alvo a poucos metros de distância, ou seja, com pouquíssima interferência da atmosfera, e restringem a área medida ao alvo de interesse, no caso, às folhas de citros. Assim, espera-se que com esse procedimento seja possível estabelecer uma relação entre as variações dos espectros de reflectância e o estado de comprometimento da planta com HLB e, então, determinar os comprimentos de onda adequados para identificar a doença nos pomares de citros comerciais do Brasil. A identificação desses comprimentos de onda é uma etapa fundamental na configuração de sensores específicos para discriminação e detecção do HLB. 1.1 OBJETIVOS Tendo em vista o contexto apresentado, este estudo tem como objetivo estabelecer uma relação entre as variações do grau de comprometimento de laranjeiras com HLB e as variações nos espectros. Entende-se que isso permitirá, assim, determinar comprimentos de onda adequados para a detecção da doença em campo em situação avançada e, também, precocemente com folhas contaminadas, porém assintomáticas. Para tanto, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: • Criar uma biblioteca espectral de folhas de citros de diferentes espécies contaminadas com HLB em níveis de comprometimento distintos; • Relacionar características dos espectros de fator de reflectância de amostras de folhas de citros sintomáticas e assintomáticas às condições fitossanitárias observadas em campo; • Diferenciar espectralmente folhas sintomáticas com HLB e folhas com sintoma de deficiência de zinco, uma vez que ambas apresentam sintomas de clorose; 17 • Verificar se há variações nos espectros de diferentes variedades de citros contaminadas por HLB. 18 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 COMPORTAMENTO ESPECTRAL DA VEGETAÇÃO A vegetação é um dos objetos de estudo do sensoriamento remoto. Desde a década de 1970, com o início dos programas de imageamento por satélite, há interesse em avaliar os recursos florestais e de agricultura no mundo todo. O estudo do comportamento espectral da vegetação visa a compreensão e a representação das propriedades e características de reflectância, de absortância e de transmitância da radiação eletromagnética (REM) por folhas, por plantas individuais e por conjunto de plantas (PONZONI et al., 2015). Para que se possa melhor compreender o comportamento espectral dos pomares de citros infectados por HLB, é necessário, primeiramente, compreender o comportamento de uma única folha verde sadia. 2.1.1 Relação da estrutura foliar e energia eletromagnética A radiação solar é a fonte primária de energia de muitos processos biológicos que ocorrem nas plantas, sendo que a interação entre a REM do sol e as plantas podem ser dividida em categorias. A primeira se refere aos efeitos termais, já que 70% da radiação solar recebida é convertida em calor e usada para manter a temperatura da planta e para a sua transpiração. Enquanto isso, cerca de 28% da energia é absorvida, a qual é chamada de radiação fotossinteticamente ativa e usada no processo de fotossíntese e na conversão de compostos orgânicos (KUMAR et al., 2001). A radiação solar que atinge a superfície de uma folha sadia é refletida, absorvida ou transmitida. O quanto e como esses processos ocorrem dependem de algumas variáveis, como o comprimento de onda da radiação, o ângulo de incidência e a diferença nas propriedades ópticas e bioquímicas contidas nas folhas, as quais, por sua vez, são influenciadas pela concentração de clorofila, quantidade de água e estrutura foliar (KUMAR et al., 2001). 19 A Figura 1 mostra, como essas interações ocorrem em uma folha verde sadia. Observa-se a alta absortância na região do visível, principalmente no azul e vermelho devido a absorção da radiação solar por pigmentos fotossintetizantes da planta, e pouca reflectância e transmitância em toda região do visível. Além disso, há um pico de reflectância na região do verde e um brusco aumento da reflectância na região do infravermelho próximo e fortes absorções na região do infravermelho de ondas curtas. Figura 1 – Espectro de reflectância, absortância e transmitância de uma folha verde sadia Fonte: Adaptado de Sano et al. (2019). As folhas possuem numerosas estruturas em seu interior, e os elementos básicos costumam ser os mesmos. Por conseguinte, a variabilidade das propriedades ópticas resultam do arranjo entre as estruturas foliares, dependendo da espécie e das condições ambientais. Uma folha, basicamente, possui três tecidos: epiderme, mesófilo fotossintético e tecido vascular. A epiderme superior costuma refletir pouca REM, pois é revestida por um material translúcido que permite a penetração da REM em direção ao interior da folha (KUMAR et al., 2001; VERDEBOUT; JACQUEMOUD; SCHUMUCK, 1994; SANO et al., 2019). Abaixo da epiderme, encontra-se o mesófilo fotossintético, que geralmente é dividido em uma ou mais camadas formadas por células paliçádicas, integrantes do tecido vegetal parênquima, onde ficam contidos os cloroplastos. Estes, por sua vez, alojam filamentos longos e finos contendo a clorofila. Na maioria das espécies, a face superior (adaxial) da folha, voltada para o sol, tem a cor verde mais escura 20 justamente por conter um maior número de cloroplastos. Entre tais células do mesófilo, tem-se um ambiente cheio de gases provindos da respiração e da transpiração da folha, os quais se conectam com o meio externo por intermédio dos estômatos (SANO et al.,2019). Já os tecidos do sistema vascular representam a via por onde os produtos da fotossíntese passam para as demais partes da planta, além de suprir a folha com água e nutrientes advindos do solo (SANO et al., 2019). Como a REM percorre essas camadas formadoras da folha também é algo a ser discutido. Em 1918, Willstatter e Stoll (apud SANO et al., 2019, p. 195) desenvolveram uma teoria baseada na estrutura interna da folha e na reflectância potencial de suas superfícies. Os autores alegaram que a variação no índice de refração dos diversos meios presentes na folha (água, oxigênio, membranas celulares e espaços vazios intercelulares) causa uma mudança na trajetória do raio de luz, ou seja, ocorre uma reflexão múltipla e essencialmente aleatória dentro da folha. Assim sendo, um importante parâmetro determinante no nível de reflectância da folha é o número total da área de contato entre os espaços vazios e interfaces de paredes celulares, e não apenas o volume de espaços vazios (KNIPLING, 1970; BUSCHMANN; NAGEL, 1993). Mais tarde, Gates et al. (1965) afirmaram que a reflectância na região do NIR (infravermelho próximo) ocorria em função do tamanho e da forma das células e da quantidade de espaços intercelulares. Segundo os autores, as folhas jovens possuem mais espaços vazios no mesófilo, favorecendo a reflexão interna, e, com o amadurecimento, esses espaços seriam reduzidos, diminuindo a reflectância da folha. Porém, vale ressaltar que essas características podem variar dependendo da espécie. Segundo Verdebout et al. (1994), espécies monocotiledôneas e dicotiledôneas não se comportam da mesma maneira na região do NIR. Os autores explicam que as monocotiledôneas possuem um mesófilo mais compacto e, por esse motivo, em comparação com as dicotiledôneas, apresentam menor reflectância na região do NIR. Não obstante, estudos práticos com medidas espectrorradiométricas de campo e laboratório mostram que o comportamento espectral de uma folha é função de sua morfologia, composição e estrutura interna. Ademais, apesar de diferenças entre grupos distintos de vegetação, não haveria mudanças relevantes no padrão 21 de reflectância de uma folha verde (SANO et al., 2019). Assim, a partir da Figura 2, será apresentada uma breve análise do comportamento espectral de uma folha verde sadia nos intervalos espectrais que vão da região do visível até o infravermelho de ondas curtas (SWIR), passando pela borda vermelha (red-edge) e pelo infravermelho próximo. Figura 2 – Espectro de reflectância típico de uma folha verde sadia Fonte: Sano et al. (2019). A região do visível (400 nm a 700 nm) é caracterizada pela baixa reflectância e transmitância devido à forte absorção da REM pelos pigmentos encontrados nos cloroplastos, principalmente nos comprimentos de onda do azul e vermelho, evidenciando, assim, a cor verde da vegetação. Os mais comuns são a clorofila (clorofila a e clorofila b), as xantofilas e os carotenos. A Tabela 1 apresenta os principais pigmentos encontrados e suas máximas absorções (KUMAR et al., 2001; PONZONI et al., 2015; SANO et al., 2019). A região de transição entre a região do visível e do NIR é chamada de borda vermelha ou red-edge. É um intervalo estreito, situado entre 690 nm a 760 nm, aproximadamente, e caracteriza-se por um rápido aumento da reflectância entre os comprimentos de onda do vermelho e NIR. É muito importante para análise da vegetação em processo de estresse, pois costuma ser sensível a pequenas variações que ocorram no tecido vegetal (PONZONI et al., 2015). 22 Tabela 1 – Pigmentos foliares e seus respectivos picos de absorção Pigmento Pico de absorção característico (nm) Clorofila a 420, 490, 660 Clorofila b 435,643 β-Caroteno 425,450,480 α-Caroteno 420,440,470 Xantofila 425, 450, 475 Fonte: Adaptado de Kumar et al. (2001). Logo, na região espectral do NIR (760 nm a 1.300 nm), as plantas costumam ter alta reflectância e transmitância devido ao fato de as paredes celulares direcionarem uma alta porcentagem da REM para a superfície da folha. Nesse intervalo espectral, a reflectância se mantém em cerca de 40 a 60%, e é um processo controlado pela estrutura interna e morfologia das folhas, impedindo o aumento da temperatura e evitando danos a proteínas e açúcares. Há, também, influência do conteúdo de água na folha, em torno de 980 e 1.200 nm, com pequenas absorções na curva espectral (Kumar et al., 2001; SANO et al., 2019). O intervalo entre 1.300 e 2.500 nm é conhecido como SWIR e é a região onde o comportamento espectral é mais influenciado pela água líquida presente nas folhas. Nesse intervalo, há menor reflectância quando comparado ao NIR, bem como duas fortes bandas de absorção nos comprimentos de 1.440 nm a 1.453 nm e de 1.925 nm a 1.935 nm (Kumar et al., 2001; SANO et al., 2019). Essa reflectância espectral apresentada pode ter alterações caso a vegetação esteja sofrendo algum tipo de estresse. Diversos fatores podem causar estresse em diferentes tipos de vegetações, principalmente ataque de insetos, problemas fisiológicos, doenças, deficiências nutricionais e condições ambientais adversas (longos períodos de seca, por exemplo). Sano et al. (2019) ressaltam algumas dessas alterações, como no conteúdo de pigmentos fotossintetizantes, por exemplo, com influência na reflectância no intervalo do visível, sendo as regiões espectrais mais sensíveis no intervalo de 535 nm a 640 nm e de 685 nm a 700 nm, enquanto necroses e alterações do equilíbrio hídrico foliar afetam a reflectância na região do NIR. 23 2.2 SETOR CITRÍCOLA BRASILEIRO E A AMEAÇA DO HLB 2.2.1 Citricultura no Brasil Atualmente, o Brasil é o maior produtor de laranja do mundo. No ano 2017, foram produzidas, aproximadamente, 17 toneladas. Dessa quantia, mais de 13 toneladas dizem respeito ao estado de São Paulo, aquele que mais produz no país (IBGE, 2017). A safra de laranja 2019/20 do cinturão citrícola Paulista e do Triângulo/Sudoeste Mineiro foi estimada em 287,76 milhões de caixas de 40,8 kg, contando com cerca de 197,72 milhões de árvores de laranja, de acordo com atualização publicada, em maio de 2020, pelo Fundo de Defesa da Citricultura. Na Figura 3, pode-se observar como essas laranjeiras estão distribuídas entre as regiões do cinturão citrícola Paulista e do Triângulo/Sudoeste Mineiro. As variedades de laranja inventariadas nessas regiões foram as seguintes: Hamlin, Westin, Rubi, Valência Americana, Seleta, Pineapple, Pera Rio, João Nunes, Valência, Valência Folha Murcha e Natal (FUNDECITRUS, 2020b). Segundo a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), a laranja para indústria é o terceiro principal produto do setor agropecuário produzido pelo estado de São Paulo, tendo representado, em 2019, um fluxo 5 bilhões de reais (APTA, 2020). Uma das maiores preocupações do setor de citricultura é o greening, doença que, a partir da Região Central de São Paulo, alastrou-se para outras regiões, provocando um aumento considerável no consumo de inseticidas nas culturas desse tipo (NEVES, 2010). 24 Figura 3 – Total de árvores de laranja no cinturão citrícola Paulista e do Triângulo/Sudoeste Mineiro por região no ano de 2020* * VOT = Votuporanga; BRO = Brotas; TMG = Triângulo mineiro; MAT = Matão; AVA = Avaré; BEB = Bebedouro; LIM = Limeira; ALT = Altinópolis; SJO = São José do Rio Preto; DUA = Duartina; PFE = Porto Ferreira; ITG = Itapetininga. Fonte: Adaptado de Fundecitrus (2020a). 2.2.2 Huanglongbing (HLB) O greening, ou Huanglongbing (HLB), que, como já exposto, é uma doença associada principalmente à bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus, foi encontrado pela primeira vez na Ásia, há mais de cem anos. No Brasil, foi identificado em 2004, no estado de São Paulo, e, atualmente, a doença está presente também em Minas Gerais e no Paraná, lugares que têm apresentado relativa expansão no número de plantas infectadas e na distribuição geográfica. Além disso, verifica-se, também, a presença da doença em outros países, como Argentina, Paraguai, México, Estados Unidos e na maioria dos países da América Central e no Caribe (MIRANDA, 2018; SULZBACH et al., 2017). A Figura 4 apresenta o percentual das laranjeiras infectadas e sintomáticas por setor e região do cinturão citrícola Paulista e do Triângulo/Sudoeste Mineiro, segundo levantamento realizado pela Fundecitrus em 2020. 25 Figura 4 – Percentual das árvores de laranja infectadas com greening com incidência de sintomas por setor e região no ano de 2020 Fonte: Adaptado de Fundecitrus, 2020a. A bactéria é transmitida pelo psilídeo Diaphorina citri, inseto que tem entre 2 a 3 mm e possui asas transparentes com manchas escuras. O psilídeo forma maior população no verão e na primavera, embora esteja presente o ano todo nos pomares, podendo haver, em anos chuvosos, picos populacionais no inverno e no outono. A transmissão da patologia se dá quando o inseto se alimenta de plantas doentes, adquirindo a bactéria e contaminando, posteriormente, plantas saudáveis (MIRANDA, 2018). Em 2020, a Fundecitrus monitorou a flutuação populacional do inseto, por meio de mais de 30 mil armadilhas espalhadas pelas regiões produtoras de citros, e verificou crescimento de 204% em julho e de 337% em agosto em comparação com os mesmos meses do ano anterior. Esses foram os índices mais altos verificados desde 2014, onde se deu início a série histórica (FUNDECITRUS, 2020c). Segundo Bové (2006), não é uma tarefa simples identificar sintomas específicos do HLB em plantas de citros. Alguns sintomas, como brotos amarelados, manchas nas folhas e frutos com inversão de cor e sementes abortadas, são bem característicos, mas nem sempre ocorrem juntos na mesma árvore. Além disso, os 26 sinais podem ser confundidos ou mascarados por sintomas de outras doenças e deficiências nutricionais. Na Figura 5, é possível observar como os sintomas do HLB podem ser confundidos com outras situações encontradas em pomares, devido ao processo de clorose desencadeado pelo estresse. Da esquerda para a direita, temos duas folhas com sintomas muito iniciais e um fruto infectado pelo HLB levemente amarelado, duas folhas com sintomas de ataque de larva minadora e cranco cítrico também amareladas e, por último, uma folha com clorose intensa, sintoma característico de deficiência de zinco. Figura 5 – Material coletado em campo, da esquerda para a direita: duas folhas e um fruto com HLB, duas folhas com sintomas de ataque de larva minadora e cranco cítrico e uma folha com sintomas de deficiência de zinco Outros sintomas do HLB podem ser visualizados na Figura 6. Os sintomas iniciais costumam ser o acúmulo de amido nas folhas devido ao provável entupimento dos floemas. Em alguns casos, as folhas apresentam engrossamento e amarelamento nas nervuras (Figura 6-a e Figura 6-b) (SARKAR et al., 2016). Nos frutos, pode haver assimetria no formato e retardamento no amadurecimento, de modo que permaneçam com uma coloração verde tingida de manchas amareladas (Figura 6-b). No interior, a parte branca da casca pode apresentar uma espessura maior que a de frutos de plantas saudáveis (Figura 6-c). 27 Figura 6 – Planta infectada com greening destaque na a) folha; b) ramo com folha e fruto; c) fruto cortado no sentido longitudinal Fonte: adaptado de Fundecitrus (2009). Killiny e Nehela (2017), em um experimento utilizando cromatografia líquida de alta performance, realizou uma investigação sobre o conteúdo de clorofila e carotenoides em folhas de laranja doce Valência sadias e em folhas da mesma variedade, mas contaminadas por HLB, especificamente pela bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus. O estudo revelou a presença de 15 pigmentos nas amostras, sendo 3 tipos de carotenos, 8 tipos de xantofilas e 4 clorofilas. As folhas infectadas não apresentaram alteração na concentração de carotenos, em comparação com as amostras de controles (não contaminadas por HBL). Porém, observou-se aumento significativo na quantidade de amido e de ácido abscísico. Sendo que, o ácido abscísico é um hormônio vegetal associado ao comportamento de estresse da planta e atua no seu desenvolvimento, incluindo no controle do tamanho e fechamento dos estômatos. Outro ponto interessante no trabalho de Killiny e Nehela (2017) é a detecção da clorofilida, substância derivada da clorofila, porém sem a cadeia fitol, também responde na região espectral do verde, solúvel em água e com as mesmas propriedades espectrais da clorofila. Essa substância apresentou aumento de b a b c 28 concentração em folhas que passaram pelo ataque do psilídeo Diaphorina citri, pois, segundo os autores, esse aumento seria uma resposta da função anti-herbivoria da planta. Segundo Bassanezi et al. (2010), outro aspecto da doença é a distribuição não homogênea da bactéria pelo sistema vascular da planta infectada. No geral, ela se concentra no ramo em que o psilídeo infectou o indivíduo e na sua raiz, motivando, na maioria dos casos, sintomas iniciais em apenas um setor (ou região) da árvore, na forma de clorose ao longo das nervuras das folhas, progredindo para amarelecimento do ramo. Ou seja, é possível que amostras de folhas de uma planta infectada não apresentem resultado do teste PCR (polymerase chain reaction) positivo para HLB se análise for realizada em amostras de folhas com pouca ou nenhuma presença da bactéria, dificultando ainda mais a identificação da doença no pomar. Também pode ocorrer brotação das folhas com tamanho reduzido apresentando clorose assimétrica, muito semelhante a um sintoma de deficiência de zinco ou ferro, porém nesses casos a clorose é simétrica. A detecção precoce da doença representa ganhos de eficiência e impacto econômico para as propriedades produtoras de citros, uma vez que a alta produtividade é dependente de muitas práticas de manejo, que incluem mão de obra treinada, utilização simultânea de maquinários agrícolas, inúmeros defensivos agrícolas, entre outros. Conforme estimativas de Ayres et al. (2018), o controle do HLB representa cerca de 5 a 15% do custo total da produção, variando de região para região. Levando isso em consideração, um rápido e eficaz diagnóstico da doença pode propiciar uma significativa economia para o produtor. A eliminação das plantas contaminadas é uma das determinações da Instrução Normativa n.º 53, publicada, no Diário Oficial da União, em 17 de outubro de 2008, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2008). Como ação de combate e de prevenção ao HLB, o Fundecitrus recomenda a inspeção de 100% dos indivíduos do pomar. As inspeções normalmente são realizadas por técnicos treinados que vistoriam as árvores a pé ou sobre plataforma. A inspeção feita a pé tem um rendimento de 800 a 1.000 plantas/inspetor/dia em pomares de um a quatro anos. Na realizada em plataforma, por sua vez, com a 29 presença de dois a quatro inspetores, o rendimento pode chegar a 4.000 plantas por dia (BELASQUE JR. et al., 2010). Considerando que o recomendado é de, no mínimo, quatro inspeções por ano, percebe-se que é um método demorado, trabalhoso e impreciso, e que exige muita mão de obra, o que o torna custoso. Além disso, só no cinturão citrícola de São Paulo e o triângulo/sudoeste de Minas Gerais, o Fundecitrus estima um total de 197,72 milhões de árvores. Irey et al. (2006), ao compararem a detecção visual com a detecção por PCR de indivíduos infectados, observaram que apenas 57,6% das plantas com HLB foram identificadas visualmente, existindo, ainda, cerca de 42,4% de plantas infectadas, porém assintomáticas. Ademais, o Fundecitrus calcula que as inspeções visuais levam a um erro de 30 a 60%, aproximadamente, devido a falhas na detecção dos sintomas (JORGE e INAMASU, 2014). Uma vez inspecionada, as plantas podem ser classificadas quanto a severidade da doença. Essa classificação tem relação ao percentual da copa da árvore com folhas e/ou frutos sintomáticos. A escala de nível de severidade de HLB vai de 1 a 4 e é apresentada na Tabela 2 (FUNDECITRUS, 2017). Tabela 2 – Escala de nível de severidade de HLB pela Fundecitrus Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Percentual de comprometimento da copa até 25% 26 a 50% 51 a 75% 76 a 100% 2.3 SENSORIAMENTO REMOTO APLICADO À DETECÇÃO DO HLB O termo “sensoriamento remoto” foi definido por diversos autores nas últimas décadas, e, de maneira geral, pode ser descrito como a aquisição e armazenamento de informações oriundas do espectro eletromagnético de um objeto ou alvo sem contato físico com tais elementos. Essas informações são advindas de diversos tipos de sensores acoplados em diferentes plataformas, orbitais ou sub-orbitais, que, posteriormente, passam por análises de processamento digital de imagens e/ou análises de interpretação visual (JENSEN, 2009). O emprego de tecnologias de sensoriamento remoto, aliadas à fotogrametria e ao geoprocessamento, permite um tratamento diferenciado de culturas agrícolas 30 quando associado a parâmetros de caracterização da vegetação, como as propriedades do ambiente e a ação de parasitas. Tais tecnologias contribuem para a identificação de problemas fitossanitários na cultura e que devem ser representados em mapas que definem as zonas de manejo e a variabilidade no campo (YAO et al., 2012). A detecção de doenças em diferentes tipos de culturas a partir do uso de imagens hiperespectrais e multiespectrais de alta resolução espacial tem sido amplamente estudada. Moriya et al. (2017) mapearam o vírus mosaico em plantação de cana-de- açúcar usando imagens hiperespectrais adquiridas por meio veículo aéreo remotamente pilotado e obtiveram alto grau de acurácia. Foram realizadas medidas espectrais nas folhas de plantas sadias e infectadas com um espectroradiômetro, a fim de produzir uma biblioteca espectral e, com base nisso, apresentar uma metodologia para a aplicação de câmera hiperespectral em cultura agrícola. Já Herwitz et al. (2004) mapearam, no Havaí, 1.500 ha de cultivo de café utilizando um veículo aéreo remotamente pilotado e obtiveram imagens multiespectrais de alta resolução, as quais, segundo os autores, possibilitaram o mapeamento de ervas daninha e revelaram anomalias de irrigação e de fertilização. Nos últimos anos, pesquisadores do mundo todo buscam soluções eficientes para a detecção do greening em pomares de citros utilizando diferentes técnicas de sensoriamento remoto. Destaca-se o uso de câmeras multiespectrais e hiperespectrais terrestres ou acopladas em VARPs, em estudos de espectrometria de campo e de laboratório. Kumar et al. (2012) utilizaram imagens multiespectrais e hiperespectrais, das câmeras XMV-4021 Illumis LLC e AISA Eagle Spectral Imaging Ltda respectivamente, para detectar áreas infectadas por HLB na cultura de citros, aplicando, para isso, três diferentes métodos de classificação: misture tuned matched filter (MTMF), spectral angle mapping (SAM) e linear spectral unmixing (LSU). Nesse estudo, foi alcançada uma acurácia de 80% com o uso de MTMF em imagens hiperespectrais e 87% utilizando imagens multiespectrais e o classificador SAM. Li et al. (2012) empregaram dados de sensoriamento remoto terrestres e de aeronave para encontrar a diferença espectral entre copas de citros saudáveis e de 31 citros infectados por HLB. Diferentes métodos de classificação e de mapeamento espectral foram utilizados nas imagens multiespectrais e hiperespectrais. Foram tomados dados na área de estudo, incluindo medidas espectrais em campo e em laboratório, além das coordenadas GPS de indivíduos saudáveis e infectados. As medidas espectrais de campo mostraram que copas de indivíduos saudáveis têm maior reflectância na região visível do espectro e menor reflectância no infravermelho próximo, quando comparado a copas infectadas por HLB. Em se tratando dos resultados das classificações, o spectral feature fitting (SFF) mostrou melhor resultado em relação a outros métodos testados, porém, não houve consistência entre as imagens hiperespectrais de 2007 e de 2010. Na abordagem de Garcia-Ruiz et al. (2012), imagens multiespectrais (seis canais entre 530 e 900 nm) tomadas de um sensor acoplado em VARP foram comparadas com imagens tomadas de uma plataforma aérea. Apesar da diferença de resolução espacial, para os dois conjuntos de dados, o canal centrado em 710 nm e o índice de vegetação NIR – Red demonstraram ser importantes parâmetros para a diferenciação de árvores saudáveis das infectadas por HLB. Ademais, os dados adquiridos a partir da câmera acoplada em VARP foram classificadas pelos métodos de análise discriminante e support vector machine, e obtiveram uma acurácia entre 67 e 85%, e falsos positivos entre 7 e 32% quando comparados com dados de campo. Sankaran et al. (2013) demonstraram a aplicabilidade de imagens multiespectrais e o uso de sensores termais na detecção do HLB em árvores infectadas na Flórida, empregando imagens tomadas por uma plataforma terrestre adaptada com um mastro retrátil, o qual permitiu uma distância de 3 m entre os sensores e as copas das árvores. Os autores notaram que as bandas 560 nm, 710 nm e termal apresentaram máxima separabilidade de classes entre grupos saudáveis e infectados com HLB. Moriya et al. (2019) fizeram uso de imagens tomadas por uma câmera hiperespectral acoplada em avião e de medidas radiométricas tomadas em campo para produzir um mapa de plantas saudáveis e infectadas por HLB em uma fazenda no interior do estado de São Paulo. O classificador utilizado foi o SAM e as plantas infectadas foram detectadas com 61% de acurácia, sendo que a validação foi com 32 base em amostras analisadas em laboratórios, as quais confirmaram a contaminação pelo HLB. Wang et al. (2019) utilizaram dados hiperespectrais das superfícies adaxial e abaxial de folhas de pomares de laranja contaminados com HLB e pomares não contaminados. Foram coletadas folhas de coloração normal, ou seja, verdes e folhas com clorose, condição em que há insuficiência de clorofila, em ambos os pomares. Então, foram realizados testes PCR para confirmar a presença ou a ausência do HLB em cada folha. Na observação do espectro com a reflectância média das medidas (Figura 7), notou-se que as superfícies adaxial e abaxial das folhas contaminadas possuem, em média, maior reflectância na região do visível quando comparadas a folhas não contaminadas e, segundo os autores, isso revela que o tecido vegetal de folhas contaminadas por HLB possui uma resposta espectral distinta e um potencial na detecção de folhas assintomáticas. Figura 7 – Média das medidas de reflectância das folhas sadias (-) e contaminadas com HLB (+) com clorose (yellow) e sem clorose (green). a) superfície adaxial da folha (representada pela letra U) e b) superfície abaxial da folha (representada pela letra L) Fonte: Wang et al. (2019). Deng et al. (2019) conduziram um estudo para investigar um método de seleção de bandas características na detecção de HLB e comparar a performance de diferentes algoritmos de machine learning na classificação das folhas de citros. Para aquisição dos dados, foi utilizado um espectrorradiômetro ASD com capacidade de adquirir dados entre 325 e 1075 nm com 1 nm de resolução espectral e FOV de 25º. Foram adquiridas medidas de três classes de folhas de citros: saudáveis, infectadas com HLB e assintomáticas. 33 Para eliminar regiões de muito ruído, foram utilizadas apenas as medidas entre 400 e 1000 nm, ou seja, 601 comprimentos de onda distintos. Com o objetivo de reduzir a redundância e aumentar a eficiência na seleção de bandas foi aplicado o método de informação de entropia, onde 20 comprimentos de onda foram pré- selecionados e, em seguida foi realizada a otimização por seleção sequencial inversa (sequential backward selection), que resultou nas seguintes bandas: 544, 753, 760, 764, 718, 930, 936, 985, 998, 999, 943, 951 e 969. Para os autores, este resultado mostra o quanto não é eficiente utilizar poucas bandas na detecção do HLB, pois foram necessários 13 comprimentos de onda para representar a heterogeneidade da doença. Além disso, seis algoritmos de machine learning foram comparados: logistic regression, decision tree, support vector machine (SVM), k-nearest neighbor, linear discriminat analysis (LDA) e ensemble learning. Para comparar os resultados das classificações, os comprimentos de onda resultantes dos métodos de seleção de bandas foram comparados com os dados originais de reflectância (os 601 comprimentos de onda), com a análise de componentes principais (PCA) e com quatro índices de vegetação (NDVI, TVI, MTVI e MCARI). Os resultados apontaram que: - Índices de vegetação são úteis para distinguir entre folhas saudáveis e HLB sintomático, porém não são eficazes na distinção entre saudáveis e assintomáticas; - Para todos os tipos de atributos o classificador decision tree mostrou os piores resultados, enquanto o ensemble learning mostrou os melhores; - Para os conjuntos de atributos com os 13 comprimentos de onda selecionados os melhores classificadores foram logistic regression, SVM e LDA; - Classificações utilizando todas as bandas mostraram melhores resultados, porém, na prática, não é viável, uma vez que isso exige maior tempo de processamento e câmeras hiperespectrais e espectrorradiômetros, equipamentos muito caros quando comparados às câmaras multiespectrais. 2.4 TRATAMENTO DE DADOS ESPECTRORRADIOMÉTRICOS A partir de dados espectrais coletados em campo é possível adquirir espectros de diferentes grandezas, dependendo do objetivo do estudo e do alvo 34 estudado. Neste trabalho as medidas espectrais são representadas em fator de reflectância. Entretanto, e apesar de todo cuidado na hora da aquisição, é comum que os espectros apresentem ruídos aleatórios, principalmente associados ao equipamento e a pequenas variações de iluminação durante a tomada das medidas. Esses ruídos podem dificultar a análise dos dados e até mesmo mascarar informações importantes, por isso, é comum que técnicas matemáticas sejam aplicadas. Técnicas de tratamento de dados espectrorradiométricos também atuam na intenção de extrair informações específicas do objeto de interesse que podem estar camufladas por respostas de outros componentes presentes no alvo. A seguir, serão apresentados técnicas e procedimentos comumente adotados no tratamento de dados espectrais e que foram aplicados neste trabalho. 2.4.1 Remoção do ruído a partir do filtro de média móvel É comum que dados de espectrorradiometria apresentem ruídos no sinal registrado pelo sensor, resultando em espectros com feições que não consistem em informações da radiação refletida pelo alvo, e que podem interferir no resultado de análises e processamentos feitos sobre os espectros de reflectância. Assim, esse ruído deve ser eliminado para que a análise do espectro seja eficiente, para isso, pode-se aplicar técnicas de suavização, como o filtro de média móvel. Um filtro de média móvel simples assume o valor espectral médio de todos os pontos dentro de uma janela específica como sendo o novo valor do ponto central da janela, como mostra a Equação 1 (TSAI e PHILPOT, 1998). �̂�(𝜆𝑗) = ∑ 𝑠(𝜆𝑖) 𝑛 (1) Em que �̂�(𝜆𝑗 ) é o valor obtido para o ponto médio dentro da janela de filtragem; 𝑠(𝜆𝑖 ) é o sinal do espectro; 𝑛 é o tamanho do filtro (número de pontos de amostragem); e 𝑗 é índice do ponto médio do filtro. O tamanho 𝑛 do filtro pode variar de acordo com os dados originais e o resultado desejado. O critério de escolha deve 35 se basear na eficiência da remoção dos ruídos sem remover detalhes dos espectros do alvo. 2.4.2 Análise de agrupamento Ao trabalhar com fenômenos complexos que exigem informações de muitas variáveis, frequentemente, são necessários métodos estatísticos para descrever e analisar dados multivariados. O método estatístico é utilizado com a finalidade da análise exploratória dos dados, no qual os dados são examinados previamente à aplicação de qualquer outro tipo de análise estatística. Neste trabalho, a análise multivariada teve como objetivo reduzir a estrutura dos dados sem sacrificar informações relevantes acerca dos espectros de reflectância e, além disso, contribuir na construção de testes e hipóteses acerca dos experimentos. Para isso, então, foi escolhido o método de análise de agrupamento. As análises de agrupamento, ou análises de clusters, são procedimentos de estatística multivariada que objetivam agrupar objetos semelhantes em categorias de grupos relativamente homogêneos (clusters). Esses agrupamentos são meios informais de verificar a dimensionalidade do conjunto de dados, identificar outliers, e até mesmo sugerir hipóteses acerca das relações. Existem dois métodos hierárquicos de agrupamento, aglomerativos ou divisivos, e o resultado desses métodos pode ser apresentado em forma de um diagrama bidimensional conhecido como dendrograma. Os métodos aglomerativos começam com objetos individuais e o par de objetos mais similares é agrupado formando um grupo, em seguida, identifica-se o par mais semelhante, formando um novo grupo e assim ocorre sucessivamente. Já nos métodos divisivos, esse processo ocorre na direção oposta, onde um único grupo de objetos é dividido em 2 grupos, de maneira que os objetos em um grupo estão distantes dos objetos de outro grupo, e essas divisões ocorrem até que o número de subgrupos seja igual ao de objetos. Neste trabalho, foi utilizado um dos métodos aglomerativos de ligação, ou linkage, conhecido como método Ward ou “mínima variância”. Segundo Johnson e Wichern (2007), este é um método de agrupamento fundamentado na mudança de 36 variação entre as clusters e dentro dos clusters que estão sendo formadas a cada passo do agrupamento. Neste método, cada elemento é considerado como um único conglomerado e em cada passo calcula-se a soma de quadrados dentro de cada conglomerado, sendo que, essa soma é o quadrado da distância euclidiana de cada elemento amostral daquele conglomerado em relação ao correspondente vetor de médias. Holden e LeDrew (1998), aplicaram a análise de agrupamento em dados hiperespectrais de reflectância de corais saudáveis e corais branqueados e observaram que houve uma distinção nos espectros entre as classes baseada principalmente na magnitude da reflectância. Os autores atribuíram essa distinção devido à presença ou ausência de pigmentos contidos nas zooxantelas, algas que vivem em endossimbiose com os corais. 2.4.3 Remoção do contínuo A técnica de remoção do contínuo desenvolvida por Clark e Roush (1984) permite acentuar feições, reduzir efeitos externos e identificar elementos, e, assim, remover a componente do sinal causada por substâncias que estão presentes na amostra e que não estão sendo estudadas. O contínuo representa essa absorção devido a diferentes processos em um material específico, ou o efeito conjunto da absorção de diferentes materiais presentes em uma determinada amostra. A remoção do contínuo é uma formulação matemática utilizada para análise de uma determinada feição de absorção do espectro (Equação 2). 𝜌𝐶𝑅𝜆 = 𝜌𝑜𝑟𝑖𝑔𝑖𝑛𝑎𝑙 𝜆 𝜌𝑐𝑜𝑛𝑡í𝑛𝑢𝑜 𝜆 (2) Em que 𝜌𝐶𝑅𝜆 é o fator de remoção do contínuo, 𝜌𝑜𝑟𝑖𝑔𝑖𝑛𝑎𝑙 𝜆 é a reflectância original e 𝜌𝑐𝑜𝑛𝑡í𝑛𝑢𝑜 𝜆 é o espectro do contínuo que pode ser obtido pela formulação matemática da equação de uma reta, como mostra a Equação 3. 𝜌𝑐𝑜𝑛𝑡í𝑛𝑢𝑜 = 𝑘𝜆 + 𝑤 (3) 37 Em que 𝜌𝑐𝑜𝑛𝑡í𝑛𝑢𝑜 é o espectro contínuo para um dado comprimento de onda 𝜆, 𝑘 é o coeficiente angular dado pela Equação (4 e 𝑤 é o coeficiente linear dado pela Equação (5. 𝑘 = 𝜌2 − 𝜌1 𝜆2 − 𝜆1 (4) 𝑤 = [𝜌1 (𝜆2 − 𝜆1)] + [−𝜆1 (𝜌2 − 𝜌1 )] 𝜆2 − 𝜆1 (5) Em que 𝜌2 e 𝜌1 representam a reflectância observada no limite superior e inferior, respectivamente, da feição de absorção; 𝜆1 e 𝜆2 representam os comprimentos de onda superior e inferior, respectivamente, da feição de absorção. Então, a partir do contínuo removido, é possível obter medidas para a caracterização da feição de absorção estudada, como profundidade da banda, área da feição de absorção e assimetria. A Figura 8 ilustra uma feição de absorção e aponta os parâmetros que se pode extrair dela. A (6 descreve como obter a profundidade da banda de absorção, ou Depth Band (𝐷𝐵). Já a (7 expõe como obter a área da feição de absorção (𝐴𝐵), conseguida pela aproximação numérica da área de um trapézio. 𝐷𝐵 = (1 − 𝜌𝐶𝑅𝜆 ) (6) 𝐴𝐵 = ∑ (𝐷𝐵𝑖 + 𝐷𝐵𝑖−1) 2 𝑀 𝑖=𝑚 (𝜆𝑖 − 𝜆𝑖−1) (7) Em que 𝑖 representa o intervalo de cálculo do limite inferior 𝑚 ao limite superior 𝑀 da banda. 38 Figura 8 – Parâmetros que podem ser extraídos da banda de absorção Fonte: Adaptado de Schowengerdt (2007). Ademais, a assimetria da feição de absorção pode ser obtida a partir da razão entre a soma dos valores de reflectância para a banda da feição de absorção à direita do comprimento de onda de referência e a soma dos valores de reflectância para as bandas de feição de absorção à esquerda do mesmo comprimento de onda de referência. Segundo Kruse et al. (1993), feições simétricas possuem valores de simetria iguais a zero, ou seja, a área à esquerda e à direita do comprimento de onda de referência são iguais. Já feições assimétricas em relação aos comprimentos de onda menores que o de referência possuem valores negativos, enquanto feições assimétricas em relação aos comprimentos de onda maiores que o de referência possuem valores positivos. Exemplificando o que foi exposto, no trabalho de Kokaly (2001), a técnica de remoção do contínuo foi aplicada para explorar a relação entre o espectro de reflectância nos comprimentos de onda do infravermelho próximo e a concentração de nitrogênio em folhas secas. Os espectros selecionados foram examinados com o objetivo de definir mudanças nas características das feições de absorção associadas ao aumento da concentração de nitrogênio. A Figura 9 mostra o efeito da remoção do contínuo para as maiores feições de absorção em uma amostra de folhas secas. Na Figura 9-a observa-se essas feições e a suas respectivas linhas 39 do contínuo, na Figura 9-b, as feições espectrais já com o contínuo removido centradas em um comprimento de onda. Já no trabalho de Huang et al. (2004), a metodologia foi testada em um alvo um pouco mais complexo, com dados hiperespectrais de dosséis de árvores de eucalipto adquiridos por aeronaves para a estimativa de nitrogênio nas folhas. Figura 9 – a) feições de absorção e respectivas linhas do contínuo e b) feições com o contínuo removido. Fonte: Kokaly (2001). 2.4.4 Análise derivativa A derivada de um espectro é uma técnica que foi desenvolvida em espectroscopia e mostra-se promissora para uso em dados hiperespectrais, trata- se da taxa de mudança em relação ao comprimento de onda. Esse método aborda muitos problemas de análise quantitativa de uma forma mais eficaz do que razões e diferenças entre bandas (DEMETRIADES-SHAH, 1990). A aproximação finita pode ser usada para estimar derivadas por esquemas de diferença, de acordo com a resolução da banda finita adotada. Segundo Tsai e Philpot (1998), a primeira derivativa da curva de reflectância pode ser estimada de acordo com a (8. 𝑑𝑠 𝑑𝜆 | 𝑖 ≈ 𝑠 (𝜆𝑖 ) − 𝑠 (𝜆𝑗 ) Δ𝜆 (8) 40 Em que Δ𝜆 = 𝜆𝑗 − 𝜆𝑖 representa os comprimentos de onda adjacentes e 𝜆𝑗 > 𝜆𝑖 , 𝑠 (𝜆𝑖 ) e 𝑠 (𝜆𝑗 ) são os valores do espectro nos comprimentos de onda 𝑖 e 𝑗, respectivamente. A derivada segunda pode ser estimada a partir da primeira derivada, como mostra a (9 (TSAI e PHILPOT, 1998). 𝑑2𝑠 𝑑𝜆2 | 𝑗 ≈ 𝑠 (𝜆𝑖 ) − 2𝑠 (𝜆𝑗 ) + 𝑠 (𝜆𝑘) (Δ𝜆)2 (9) Em que Δ𝜆 = 𝜆𝑘 − 𝜆𝑗 = 𝜆𝑗 − 𝜆𝑖 e 𝜆𝑘 > 𝜆𝑗 > 𝜆𝑖 . Em sensoriamento remoto, é possível utilizar a análise derivativa do espectro de reflectância para estimar diferentes pigmentos em dosséis de vegetação. Essas medidas são importantes na detecção de estresse da planta. Horler et al. (1983) mostram que a primeira derivada da reflectância espectral de uma folha também pode ser útil para identificar o comprimento de onda em que o red-edge se encontra. A Figura 10 mostra o espectro de reflectância de folhas de milho e sua derivada de primeira ordem, a linha sólida representa as medidas da planta controle sem tratamento com metal, enquanto a linha tracejada representa as plantas tratadas com uma solução nutritiva com cobre. Na Figura 10-b, a partir das feições de absorção, são apontados os comprimentos de onda do red-edge para cada curva. 41 Figura 10 – a) Espectros de reflectância do milho b) e suas respectivas derivadas de primeira ordem Fonte: Horler et al. (1983). 2.4.5 Posição do red-edge A região de transição entre o vermelho e o infravermelho próximo, ou red- edge, representa a mudança abrupta de reflectância entre 690 e 760 nm, aproximadamente, causada pela combinação de fortes efeitos da absorção de clorofila nos comprimentos de onda do vermelho e alta reflectância nos comprimentos de onda do NIR devido a estrutura interna da folha. A posição do ponto de inflexão no red-edge é denominada posição do red-edge (red-edge position – REP). Deslocamentos nessa posição para comprimentos de onda maiores ou menores tem sido usado como um meio para estimar mudanças na concentração de clorofila e como indicador de estresse na vegetação (HORLER et al., 1983; LICHTENTHALER et al., 1996). A determinação da posição do red-edge de maneira acurada exige medidas espectrais de bandas muito estreitas nessa região. Com o desenvolvimento de a b 42 equipamentos de espectrometria, que tomam medidas com altíssima resolução espectral, de até 1 nanômetro, isso é possível. Existem algumas técnicas para determinar a REP, uma delas, utilizada neste trabalho, é a técnica de interpolação linear. Nesse método, assume-se que a reflectância espectral no red-edge pode ser simplificada por uma linha reta centrada no ponto médio entre a reflectância no NIR em 780 nm e a reflectância mínima na feição de absorção da clorofila em 670 nm (GUYOT e BARET, 1988). De acordo com Guyot e Baret (1988), são necessários quatro comprimentos de onda (670, 700, 740 e 780 nm), e a posição do red-edge é determinada em duas etapas, de maneira simples. No primeiro momento, é calculado a reflectância no ponto de inflexão (𝑅𝑟𝑒), como mostra a (10. 𝜌𝑟𝑒 = (𝜌670 + 𝜌780 ) 2 (10) Em que, 𝜌 é a reflectância no comprimento de onda indicado. E em um segundo passo a posição do red-edge é calculada conforme (11. 𝑅𝐸𝑃 = 700 + 40 ( 𝜌𝑟𝑒 − 𝜌700 𝜌740 − 𝜌700 ) (11) 2.4.6 Análise de diferença e sensibilidade Carter (1991) propôs um método de análise da reflectância espectral para folhas de árvores com os objetivos de identificar as regiões espectrais mais afetadas pelo conteúdo de água contido nela e determinar a importância relativa dos efeitos primário e secundário do conteúdo de água na reflectância. O método consiste em duas análises de reflectância: de diferença e de sensibilidade dos espectros. A análise de diferença compreende na subtração do espectro com conteúdo de água reduzido pelo espectro da folha original túrgida em água, resultando em um novo espectro. Já a análise de sensibilidade consiste na divisão do espectro resultante da análise de diferença pelo espectro de reflectância da folha original túrgida. Carter (1993) também utilizou esses dois métodos para determinar 43 comprimentos de onda em que a reflectância da folha é mais responsiva ao estresse provocado por agentes físico-químicos. Moriya (2015a) aplicou as análises de diferença e sensibilidade para encontrar comprimentos de onda que diferenciam espectralmente folhas de cana- de-açúcar sadias de folhas com senescência e de folhas infectadas por agentes patogênicos causadores das doenças da ferrugem alaranjada, estria vermelha e mosaico. Para a análise de diferença, observou-se que a maior diferença entres os espectros ocorreu na região do visível, principalmente na região da luz verde (Figura 11-a). Na análise de sensibilidade, os maiores valores variaram de acordo com a classe (Figura 11-b). Na amostra de folha infectada com mosaico ocorreu em 347 nm, na amostra de folha infectada com ferrugem em 537 nm, na amostra de folha infectada com estria vermelha ocorreu em 531 e na folha em estágio de senescência em 472 nm. Figura 11 – a) Análise de diferença e b) análise de sensibilidade entre folhas de cana-de- açúcar saudáveis, infectadas por patógenos e em estágio de senescência Fonte: Adaptado de Moriya (2015). a b 44 2.4.7 Análise de Correlação A análise de correlação é realizada a partir do cálculo do coeficiente de correlação de Pearson em cada comprimento de onda do espectro. O coeficiente é calculado entre as folhas sadias e folhas que sofrem algum estresse ocasionado por doenças ou outras deficiências, por exemplo (MALTHUS e MADEIRA, 1993). Prabhakar et al. (2011) utilizou a análise de correlação para definir comprimentos de onda que diferenciassem espectralmente folhas de algodão saudáveis das atacadas pela cigarrinha (Hemiptera: Cicadellidae). Os comprimentos de onda com altos valores de coeficiente de correlação absoluto em diferentes picos ao longo do espectro foram consideradas como bandas sensíveis para relacionar os espectros de refletância com a infestação da cigarrinha, enquanto aqueles com pequenos coeficientes de correlação absoluta são considerados não relacionados ao dano ocasionado pela praga. Moriya (2015b) utilizou a análise de correlação em dados hiperespectrais de folhas de cana-de-açúcar para determinar comprimentos de onda sensíveis na diferenciação espectral entre plantas sadias de plantas infectadas por agentes patógenos e plantas em estágio de senescência. No trabalho de Moriya (2015b), foram avaliadas folhas sadias, folhas contaminadas por ferrugem alaranjada, folhas contaminadas por estria vermelha e folhas em estágio de senescência apresentando necroses. A análise de correlação dos espectros permitiu que os autores identificassem comprimentos de onda tanto na região do visível como no infravermelho próximo com potencial de diferenciar as folhas de cana-de-açúcar saudável das folhas infectadas por patógenos e folhas em estágio de senescência. 45 3. MATERIAIS E MÉTODOS O procedimento metodológico teve início com o trabalho de campo em duas áreas com pomares de citros onde foram adquiridas medidas de reflectância espectral com o espectrorradiômetro e informações fitossanitárias de amostras de folhas provenientes de árvores infectadas por HLB e árvores não sintomáticas, denominadas como saudáveis. Em seguida, iniciou-se o trabalho de processamento dos dados e análises dos espectros de fator de reflectância pelos métodos de tratamento dos dados espectrorradiométricos. A Figura 12, em forma de fluxograma, traz as etapas da metodologia. Figura 12 - Fluxograma dos procedimentos metodológicos 46 3.1 AQUISIÇÃO DE DADOS ESPECTRAIS E FITOSSANITÁRIOS EM CAMPO Foram coletadas medidas de reflectância de folhas de citros em dois pomares localizados no interior de São Paulo, dentro do cinturão citrícola Paulista e do Triângulo/Sudoeste Mineiro, denominados como “área 1” e “área 2”. As atividades em campo ocorreram entre os dias 5 e 9 de outubro de 2020. É importante ressaltar que nesse período a região passava por período de seca e com altas temperaturas, portanto, os pomares apresentavam sintomas de estresse hídrico, até mesmo os irrigados artificialmente. A Figura 13 apresenta a localização aproximada das áreas de estudo, onde as áreas destacadas em vermelho são os pomares específicos de onde as folhas foram coletadas. Figura 13 – Localização aproximada das áreas de estudo A área 1 (Figura 14-a) trata-se de uma fazenda de grande porte, com pomares irrigados por gotejamento e que produz diversas variedades de citros de maneira comercial, ou seja, com rigoroso manejo de pragas e doenças. O manejo inclui a erradicação de plantas sintomáticas, portanto, os sintomas de HLB eram muito sutis nas plantas avaliadas, todas com nível 1 de severidade, ou seja, até 47 25% de comprometimento da copa. Já a área 2 (Figura 14-b), acessada graças à parceria com o Centro de Citricultura “Sylvio Moreira”, é um pomar voltado para estudos e pesquisas, sem irrigação artificial, onde as plantas estão distribuídas com maior espaçamento dentro do talhão e estão em um nível mais avançado de comprometimento com a doença, entre os níveis 2 (entre 26 e 50% de comprometimento) e 4 de severidade (entre 76 e 100% de comprometimento). Figura 14 – Espaçamento entre as árvores na a) área 1 e na b) área 2 Na área 1, as plantas identificadas com HLB foram previamente sinalizadas por inspetores da fazenda. Em seguida, foram coletadas 6 folhas de cada árvore, sendo 1 folha sem nenhum sintoma de clorose, denominada como assintomática, e outras 5 folhas com sintomas de HLB, geralmente clorose assimétrica com diferentes intensidades. Também foram coletadas folhas de plantas sem HLB, denominadas como saudáveis, e plantas com sintoma de deficiência de zinco (clorose simétrica). Todas as amostras são da variedade Pera com porta-enxerto Swingle (Tabela 3). Na área 2 a coleta ocorreu de maneira semelhante, porém, por se tratar de um pomar para fins de pesquisa, não havia indivíduos saudáveis. Portanto, foram coletadas amostras apenas de plantas infectadas com HLB, sendo 1 folha a b 48 assintomática e 5 folhas sintomáticas para cada árvore. Neste caso, foram coletadas informações de quatro variedades diferentes de citros, conforme apresentado na Tabela 3. Tabela 3 – Informações sobre as árvores de citros amostradas em campo Variedade Porta-enxerto Maturação Idade Área 1 Laranja Pera Swingle Meia-estação 6 anos Área 2 Laranja Hamlin Limão-cravo Precoce 5 anos Laranja Natal Limão-cravo Tardia 5 anos Laranja Pera Limão-cravo Meia-estação 5 anos Em ambas as áreas, as coletas contaram com o acompanhamento de uma agrônoma especializada em fitopatologia para garantir a avaliação fitossanitária de cada árvore e realizar a classificação do nível de comprometimento com HLB. Todas as informações observadas foram registradas em uma planilha elaborada para este trabalho, conforme Figura 15, onde L e C se referem a localização da planta no pomar (L = linha e C = coluna), cipó, deficiência nutricional, orelha de coelho e brotação são condições possíveis de serem observadas em campo. Além disso, foi registrada a posição do sintoma de HLB na copa e o nível de comprometimento com a doença conforme orientação da Fundecitrus. Figura 15 – Tabela para registro do estado fitossanitário das árvores de citros onde foram coletadas folhas para amostragem Logo em seguida, as folhas foram levadas até uma mesa coberta por uma placa de EVA na cor preta para a tomadas de medidas com o espectrorradiômetro. A placa de EVA na cor preta tem como objetivo minimizar a influência da radiação de superfícies vizinhas nas medidas de radiância espectral do alvo. É válido 49 ressaltar que as folhas de citros possuem boa durabilidade após a sua retirada do galho, mantendo suas propriedades inalteradas. Foi utilizado um equipamento FieldSpec® Handheld da Analytical Spectral Devices (ASD) (Figura 16-a), com intervalo espectral de 325-1075 nm, acoplado com um filtro, limitando o campo de visada (FOV) em 10° (ASD, 2003). As medidas foram tomadas entre 11:00 e 12:30 horas, no nadir, e a lente do espectrorradiômetro ficou cerca de 15 cm de distância da folha, resultando em um diâmetro de aproximadamente 2.6 cm para a área amostrada (IFOV). Cada folha foi medida individualmente e cada medida foi tomada dez vezes a fim de se obter uma média de cada folha. Todas as folhas da área 1 tiveram suas superfícies adaxial e abaxial medidas pelo espectrorradiômetro. Todo material coletado e medido espectralmente também foi fotografado para futuras consultas. A Figura 17 exemplifica a foto registrada para as amostras de cada árvore. Figura 16 – a) Espectrorradiômetro FieldSpec® HandhelD e b) placa Spectralon® utilizados em campo a b 50 Figura 17 – Registro fotográfico das folhas amostradas Antes da medição de cada conjunto de folhas de um indivíduo, foi tomada a medida de reflectância de uma placa Spectralon® (Figura 16-b), para, posteriormente, ser calculado o espectro de reflectância (𝜌𝐴), calculado pela razão entre o fluxo radiante refletido pelo alvo (𝐿𝐴) e o fluxo radiante refletido por uma superfície ideal e difusora (placa Spectralon®) (𝐿𝑟), nas mesmas condições de geometria e iluminação (JENSEN, 2014). Como a placa Spectralon® utilizada em campo é um pouco degradada em relação a sua capacidade de superfície ideal e difusora, foi necessário calcular um fator de calibração (𝑘) em relação a uma placa em perfeitas condições que se encontra em laboratório. 3.2 PROCESSAMENTO DOS DADOS E ANÁLISE DOS ESPECTROS DE REFLECTÂNCIA As medidas de radiância adquiridas em campo foram processadas no aplicativo ViewSpecProTM, pertencente a empresa ASD, que permite a visualização gráfica dos dados e a exportação em formato de tabelas, entre outras funcionalidades. Nesse software os arquivos originais .asd foram convertidos para o formato .txt, e as dez medidas tomadas de cada folha foram registradas em um único arquivo, facilitando a manipulação dos dados nas etapas seguintes. Com o objetivo de realizar as análises dos espectros com a média das dez medidas de radiância de cada folha, foi escrito um código na linguagem de 51 programação python para realizar o cálculo para vários arquivos de texto simultaneamente, retornando um único arquivo de texto com a média de radiância de todas as folhas de uma mesma área ou variedade de citros. Então, foi calculado o espectro de reflectância dos alvos (𝜌𝐴) a partir da Equação 12: 𝜌𝐴 = 𝑘 𝐿𝐴 𝐿𝑟 (12) Como exposto na seção anterior, 𝐿𝐴 é a magnitude de radiância refletida pelo alvo em um intervalo de comprimento de onda; 𝐿𝑟 é a magnitude de radiância refletida pela placa Spectralon® de campo no mesmo intervalo de comprimento de onda; e 𝑘 é o fator de calibração da placa Spectralon® dado pela (13. 𝑘 = 𝐿𝑝 𝐿𝑐 (13) Em que 𝐿𝑝 é a radiância da placa padrão medida em laboratório e 𝐿𝑐 é a radiância da placa de campo. Para suavizar os ruídos observados nos espectros de reflectância, foi aplicado o filtro de média móvel. Foi escolhido o filtro de tamanho 10, pois dentre os testes realizados, este tamanho de filtro atendeu a suavização necessária. A partir dos espectros devidamente filtrados, realizou-se análises de agrupamento por variáveis e pelo método de ligação Ward, que minimiza a variação intra-grupos e maximiza entre-grupos. A medida de distância utilizada foi o coeficiente de correlação. Essas análises foram realizadas no software Minitab e serviram para observar o quão semelhantes, ou não, as folhas se comportavam espectralmente. Nesta etapa foram realizados diversos testes e as comparações foram feitas entre folhas da mesma árvore e entre árvores. A partir dos agrupamentos observados, foram definidos dois experimentos, descritos no item a seguir. 52 3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DOS EXPERIMENTOS No Experimento 1, referente a área 1, o objetivo foi encontrar comprimentos de onda que diferenciem espectralmente plantas de citros saudáveis de plantas contaminadas por HLB, e ainda, diferenciar folhas sintomáticas e assintomáticas das folhas não contaminadas por HLB. Além disso, no mesmo experimento, as análises também foram aplicadas às folhas com sintoma de deficiência de zinco, pois elas são abundantes na área e facilmente confundidas com folhas sintomáticas de HLB por também apresentar a clorose como sintoma. No Experimento 2, as três variedades de citros da área 2 foram comparadas espectralmente, sendo elas Laranja Hamlin, Laranja Natal e Laranja Pera. O objetivo dessa análise foi investigar se há diferenças espectrais entre variedades de citros contaminadas por HLB. 3.3.1 Experimento 1 A partir da análise de agrupamento foram definidas quatro classes espectrais e calculada a média aritmética de cada uma delas. As classes definidas (e o respectivo número de amostras por classe) foram: saudável (n = 6), assintomática (n = 6), HLB (n = 5) e deficiência de zinco (n = 5). Sendo que, havia mais amostras para a classe HLB, porém, para manter uma coerência com as outras classes, cujas amostras eram limitadas, o número de indivíduos amostrais da classe HLB foi reduzido. A partir da média dos espectros de reflectância foram aplicados os métodos de análise espectral apresentados. As análises foram limitadas a região entre 400 e 900 nm, pois nas extremidades da curva, houve o registro de muito ruído, comum nesse tipo de equipamento, sendo uma prática usual descartar essas regiões espectrais em análises de comportamento espectral de alvos. A análise derivativa por aproximação finita (TSAI e PHILPOT, 1998) foi adotada tanto para a face adaxial quanto para a abaxial, com o objetivo de evidenciar regiões, ou comprimentos de onda, que diferenciem as classes com eficiência. Após testes, a primeira derivada foi calculada adotando um intervalo de 7 nanômetros. 53 A posição do red-edge, ou REP, foi calculada pelo método de interpolação linear (GUYOT e BARET, 1988). Foram determinadas as posições das quatro classes, para as superfícies adaxiais. A remoção do contínuo foi adotada para a face adaxial das folhas e foi aplicada em dois intervalos dentro de uma grande região do espectro, em 555 – 675 nm e em 550 – 750 nm. Essa região foi escolhida por ser importante quando se trata da absorção da radiância devido a pigmentos presentes na folha e que, comumente, sofrem alterações devido a algum estresse causado na planta. A análise de diferença e sensibilidade, desenvolvida por Carter (1991), foi realizada para os dados de reflectância da face adaxial das folhas de citros. A diferença da reflectância foi calculada subtraindo o fator de reflectância da folha avaliada (HLB, assintomática e deficiência de zinco) pelo fator de reflectância da folha sadia. E a análise de sensibilidade foi calculada dividindo a diferença da reflectância da folha avaliada (HLB, assintomática e deficiência de zinco) pelo fator de reflectância da folha sadia. Em ambas os resultados foram multiplicados por 100, para representar resultados em porcentagem. Por fim, uma análise de correlação entre as curvas foi realizada, comparando a curva espectral da classe saudável com as classes HLB sintomático e assintomático. Para isso, foi calculado o coeficiente de correlação de Pearson em cada comprimento de onda, e o resultado foi plotado em um espectro de correlação (PRABHAKAR et al., 2011). 3.3.2 Experimento 2 Com base na análise de agrupamento, as amostras da área 2 foram divididas em quatro classes, de acordo com a variedade de citros. Após remover os outliers, também com base na análise de agrupamento, os espectros de reflectância da variedade Laranja Natal consistiram em medidas referentes a 45 folhas, da Laranja Hamlin 36 folhas e da Laranja Pera 44 folhas. Assim como no Experimento 1, a análise derivativa por aproximação finita foi adotada para os espectros de reflectância. Para a derivada de primeira ordem, após testes, foi escolhido o mesmo intervalo de 7 nm. Por fim, os espectros do Experimento 2 foram comparados com 54 os espectros das classes saudável e HLB do Experimento 1. Também foram analisados os espectros de diferença entre o espectro HLB e os espectros das variedades Natal, Hamlin e Pera. 55 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 EXPERIMENTO 1 4.1.1 Análise dos espectros de reflectância Na Figura 18, onde a média dos espectros de reflectância referentes a face adaxial das folhas de cada classe são representadas, observa-se que os espectros apresentam comportamento típico de vegetação, com as feições de absorção da clorofila na região de luz visível do espectro eletromagnético e com alto fator de reflectância no infravermelho próximo. Apesar das semelhanças, existem alguns comportamentos que diferenciam as classes, sendo: - O espectro referente a classe HLB possui maior reflectância na região da luz visível quando comparada com as demais classes; - Os espectros assintomática e deficiência de zinco possuem o mesmo comportamento na região da luz visível; - No infravermelho próximo, a classe HLB tem menor reflectância que as classes saudável e assintomática, e maior reflectância que a classe deficiência de zinco; - A classe deficiência de zinco tem a menor reflectância na região do infravermelho próximo, indicando uma estrutura interna mais homogênea; - Na região do red-edge, percebe-se que a inclinação e a posição das feições são distintas entre as quatro classes. Esses comportamentos podem ser atribuídos a diminuição da concentração de clorofila nas folhas sintomáticas de HLB, o que, consequentemente, acarreta um aumento da reflectância na região da luz visível do espectro eletromagnético. Enquanto alterações estruturais nas células das folhas, como a diminuição dos espaços vazios entre as estruturas internas, podem ser responsáveis pela maior absorção no infravermelho próximo. Nota-se que, possivelmente, folhas assintomáticas possuam alguma dessas alterações estruturais, por isso, seu fator de reflectância no NIR está entre a classe saudável e a classe HLB. Esses comportamentos são muito semelhantes aos resultados observados por Deng et al. (2019) que, ao realizar um estudo em um pomar de citros na China, 56 comparou espectros de reflectância dos grupos saudável (n = 90), HLB (n =108) e assintomática (n = 108) e constatou que a reflectância entre 500 e 670 nm foi menor na classe saudável do que no HLB, porém superior a classe assintomática. O oposto ocorreu entre 720 e 1000 nm, onde a reflectância do saudável foi maior do que ambos os grupos contaminados por HLB. Os resultados também podem ser comparados com os obtidos por Wang et al. (2019), que comparou espectros de reflectâncias de folhas de citros da espécie Citrus sinensis cv. Newhall, coletadas em um pomar com 13 anos de idade localizado na China. Entre 400 e 860 nm, aproximadamente, o grupo positivo para HLB com clorose nas folhas apresentou reflectância maior que o grupo de folhas negativo para HLB (equivalente ao saudável) também com clorose. O mesmo ocorreu para folhas sem clorose, ou seja, o grupo com HLB apresentou maior reflectância do que o grupo de folhas com exame PCR negativo para HLB. Já no infravermelho próximo, os grupos com clorose refletiram com a mesma intensidade, enquanto o grupo sem clorose positivo para HLB teve reflectância maior do que o grupo saudável sem clorose. A Figura 19 apresenta a mesma média apresentada na Figura 18, porém acrescentada de seus respectivos desvios padrões. É possível observar que, em quase todas as regiões do espectro, as classes se sobrepõem. Os maiores desvios padrões ocorreram nas classes saudável e assintomática, esse fato pode ser atribuído pela variedade das folhas. Apesar das árvores serem da mesma idade, as folhas coletadas podem ser de períodos de crescimento diferentes, ou seja, folhas mais jovens (brotadas a pouco tempo) ou folhas mais antigas. Os desvios padrões dos grupos HLB e deficiência de zinco podem ser atribuídos pela variedade no sintoma da doença e da deficiência nutricional, respectivamente, pois, em ambos os casos, pode haver variação na intensidade da clorose. Deng et al. (2019) observou maior desvio padrão nos grupos HLB e saudável, próximo a 0.12 na região do infravermelho próximo, enquanto a classe assintomática alcançou um desvio padrão máximo de 0.9, também no infravermelho próximo. 57 Figura 18 – Espectros de fator de reflectância da face adaxial das quatro classes de folhas de citros Figura 19 – Espectros de fator de reflectância da face adaxial das quatro classes de folhas de citros e seus respectivos desvios-padrão As médias da superfície abaxial de cada classe são apresentadas na Figura 20 e seus respectivos desvios padrões na Figura 21. Os espectros também apresentam características espectrais típicas de vegetação. No entanto, na região 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 F a to r d e r e fl e c tâ n c ia Comprimento de onda (nm) saudável assintomática HLB def zinco 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 F a to r d e r e fl e c tâ n c ia Comprimento de onda (nm) saudável assintomática HLB def zinco 58 da luz visível o fator de reflectância é maior do que as médias da superfície adaxial das folhas, isso pode ser atribuído ao arranjo dos cloroplastos na face abaxial, ou seja, elas absorvem menor quantidade de radiação solar do que a face adaxial (Figura 18). Ainda na região da luz visível, o grupo de folhas saudáveis foi o que teve maior fator de reflectância, e a classe deficiência de zinco, o menor. A classe assintomática teve comportamento semelhante a classe deficiência de zinco, enquanto HLB ficou entre a média das saudáveis e assintomáticas. Figura 20 – Espectros de fator de reflectância da face abaxial das quatro classes de folhas de citros Na região do infravermelho próximo, o grupo saudável apresentou os maiores valores de fator de reflectância, superiores a 0.50. As classes HLB e assintomática apresentaram valores semelhantes, próximos a 0.40. Já a classe deficiência de zinco apontou os menores valores, próximos a 0.30. O intervalo do red-edge demonstrou ser importante na diferenciação de folhas saudáveis e infectadas por HLB, pois a inclinação da feição no espectro saudável se diferencia consideravelmente dos espectros HLB e assintomática, e o espectro deficiência de zinco se diferencia das demais. Dessa forma, o intervalo do red-edge observado na análise espectral de reflectância apresentou um indicativo 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 F a to r d e r e fl e c tâ n c ia Comprimento de onda (nm) saudável abax assintomática abax HLB abax def zinco abax 59 de que seria importante determinar a posição do red-edge, cujos resultados serão apresentados na secção 1.1.4 do Experimento 1. Figura 21 – Espectros de fator de reflectância da face abaxial das quatro classes de folhas de citros e seus respectivos desvios-padrão Os espectros de ambas as superfícies das folhas de citros, adaxial e abaxial, mostram que folhas assintomáticas e sintomáticas possuem feições e intensidades semelhantes na região do NIR, mostrando o potencial dessa região do espectro para diferenciar indivíduos saudáveis de contaminados por HLB. Isso também pode ser uma evidência de que há semelhanças entre as classes, ou seja, apesar de não apresentar sintomas visíveis do greening, as folhas assintomáticas podem ter passado por alguma mudança estrutural em suas células. Wang et al., (2019) observaram que a reflectância no espectro médio de folhas com HLB foi maior do que as folhas saudáveis em ambas as superfícies, adaxial e abaxial, e para os autores isso significa que o tecido foliar infectado com HLB tem características distintas que o diferenciam espectralmente. 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 F a to r d e r e fl e c tâ n c ia Comprimento de onda (nm) saudável abax assintomática abax HLB abax def zinco abax 60 4.1.2 Análise derivativa A análise derivativa de primeira ordem da face adaxial das folhas de citros, exibida na Figura 22, mostra que a classe que mais se diferencia das demais é a deficiência de zinco, principalmente na região do red-edge (próximo a 700 nm) e no comprimento de onda 750 nm. Esse resultado indica que folhas com sintoma dessa deficiência nutricional possuem mudanças estruturais celulares diferentes que não ocorrem nas folhas com HLB, apesar dos sintomas visíveis ao olho nu resultantes da clorose serem semelhantes em muitos casos. Figura 22 – Primeira derivada dos espectros de fator de reflectância da face adaxial das quatro classes de folhas de citros As classes HLB e saudável se diferenciam com maior evidência no red-edge. A maior taxa de variação do fator de reflectância em relação ao comprimento de onda ocorre em 697 nm para o grupo com HLB e em 710 nm para o grupo de folhas de indivíduos saudáveis. O grupo de folhas assintomáticas possui comportamento semelhante ao grupo saudável, com o valor de mínimo da derivada em 711 nm. Esses vales negativos (valor de mínimo) nos espectros de derivadas de primeira ordem são comumente associados a posição do red-edge. Portanto, percebe-se que essa feição é importante na separabilidade das classes. Além disso, esse 710 711697 700 -0.012 -0.01 -0.008 -0.006 -0.004 -0.002 0 0.002 0.004 0.006 400 450 500 550 600 650 700 750 800 850 900 P ri m e ir a d e ri v a d a Comprimento de onda (nm) saudável assintomática HLB def zinco 61 deslocamento no valor de mínimo da classe HLB (697 nm) em comparação ao espect