UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS IMPACTOS DA POLÍTICA EXTERNA DE BOLSONARO SOBRE AS RELAÇÕES DO BRASIL COM ESTADOS UNIDOS E CHINA RAMINE TOMAZ NELO FRANCA-SP 2024 Ramine Tomaz Nelo IMPACTOS DA POLÍTICA EXTERNA DE BOLSONARO SOBRE AS RELAÇÕES DO BRASIL COM ESTADOS UNIDOS E CHINA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Augusto Zanetti BANCA EXAMINADORA Augusto Zanetti – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Eduardo Mei – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” FRANCA-SP 2024 N423i Nelo, Ramine Tomaz Impactos da política externa de Bolsonaro sobre as relações do brasil com Estados Unidos e China / Ramine Tomaz Nelo. -- Franca, 2024 47 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Relações Internacionais) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientador: Augusto Zanetti 1. Jair Bolsonaro. 2. Política Externa. 3. China. 4. Estados Unidos. 5. Alinhamento. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). RESUMO Nos últimos anos o mundo vem enfrentando uma crise global em consequência da disputa geopolítica entre EUA e China que gerou mudanças na balança de poder mundial, assim como uma crise do multilateralismo e a ascensão da extrema-direita que no Brasil teve seu expoente em Jair Bolsonaro. Com o objetivo de compreender quais foram os impactos da política externa de Bolsonaro sobre as relações com Estados Unidos e China, a presente pesquisa buscou compreender qual foi a posição adotada pelo país frente a rivalidade sino-americana, por meio da analise da agenda de política externa adotada. Através de uma pesquisa bibliográfica com base em artigos e na revisão da literatura pertinente ao tema. Pode-se concluir que a política externa de Bolsonaro adotou uma posição de alinhamento aos Estados Unidos de Trump, uma posição contraria a tradição pragmática. Palavras-chave: Jair Bolsonaro; política externa; Estados Unidos; China; alinhamento. ABSTRACT In recent years, the world has been facing a global crisis as a result of the geopolitical dispute between the US and China, which has led to changes in the global balance of power, as well as a crisis in multilateralism and the rise of the far- right, which in Brazil had its exponent in Jair Bolsonaro. With the aim of understanding the impacts of Bolsonaro’s foreign policy on relations with the United States and China, this research sought to understand the position adopted by the country in the face of the Sino-American rivalry, through the analysis of the foreign policy agenda adopted. Through a bibliographical research based on articles and a review of the literature relevant to the topic, it can be concluded that Bolsonaro’s foreign policy adopted a position of alignment with Trump’s United States, a position contrary to the pragmatic tradition. Keywords: Jair Bolsonaro; foreign policy; United States; China; alignment. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 - ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA .................................................. 5 CAPÍTULO 2 - EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES EXTERIORES COM EUA E CHINA .... 14 CAPÍTULO 3 - POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO BOLSONARO .................... 21 CAPÍTULO 4 - IMPACTOS DA POLÍTICA EXTERNA DE JAIR BOLSONARO ..... 30 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 38 1 INTRODUÇÃO O cenário contemporâneo do Sistema Internacional é marcado por um conjunto de fatores que implicam numa série de mudanças geopolíticas, econômicas e sociais que marcam as relações internacionais atuais, como a ascensão chinesa que através de um rápido e surpreendente desenvolvimento econômico e social passou de uma sociedade agrária para uma potência industrial num curto período. A partir das reformas dos anos 1979 que estabeleceram um modelo econômico fundamentado no desenvolvimento industrial, abertura econômica e criação de áreas de livre comércio, em que houve o estímulo a exportação de manufaturas, a importação de produtos primários, a criação de áreas de livre comércio e a captação de investimento externo aplicado na expansão da infraestrutura e na indústria pesada, seus objetivos eram o crescimento econômico e a elevação dos padrões de vida (educação, saúde, emprego, redução do nível de pobreza, etc.), que foram gradativamente conquistados nas décadas seguintes em que tornou-se a segunda maior economia do mundo (KROEBER, 2016; WHYTE, M., 2020). O crescimento de seu poder e influência elevaram seu status e envolvimento na política internacional, tornando-se rival econômica e militar dos Estados Unidos (EUA) dando emergência a uma disputa hegemônica (IKENBERRY, 2008). Sua expansão causou grandes mudanças geopolíticas e na balança econômica global, de acordo com Allison et al. (2022) tornou-se um dos pilares de sustentação da economia mundial junto de EUA e Europa gerando uma nova ordem econômica, hoje em dia é o maior parceiro comercial de diversos países. Seu avanço tem sido acompanhado de uma forte atuação diplomática em busca de acordos comerciais, novas alianças e mercados na qual eleva sua influência com forte atuação em regiões como Ásia, África, Europa e América do Sul sobre histórica influência americana e europeia, além disso vem utilizando seu crescente poder econômico para fortalecer seu poderio militar (WHYTE, A., 2013; FRIEDBERG, 2018; HIRATUKA, 2018). Em suma, a ascensão chinesa levou os EUA a passar por uma perda de poder relativos, especialmente o econômico. Recentemente esta competição entre China e 2 Estados Unidos passou por um acirramento, a chegada de Xi Jinping ao poder no país asiático promovendo uma mudança na política externa tendo uma participação mais ativa nos fóruns multilaterais e elevando a presença militar no Mar da China e a eleição de Donald Trump em 2016 que durante seu mandato deu inicio a uma guerra comercial com a China. O acirramento da disputa entre as duas potências também afeta o multilateralismo, visto que interfere no funcionamento das instituições internacionais, porém apesar de sofrer influencia da crise na ordem internacional a deterioração do multilateralismo de acordo com Lima e Albuquerque (2020) se dá devido: “a incapacidade das instituições e mecanismos multilaterais de oferecerem soluções para uma série de questões de paz e segurança, pandemias, desenvolvimento sustentável e mudança climática, direitos humanos e governança econômica, para citar as mais relevantes.” (LIMA; ALBUQUERQUE, 2020, p. 7) A incapacidade de atender as demandas das nações resultou em uma crise de legitimidade, que se traduziu na perda de confiança e credibilidade. Duas das principais criticas estão relacionadas a representatividade presentes nas demandas por reformas nas organizações multilaterais como na ampliação dos membros permanentes com poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e a inclusão da diversidade uma demanda dos país não-ocidentais. Paralelamente, a crise global e a crise do multilateralismo vem ocorrendo a crise das democracias. Os fatores que levaram a esta crise foram a descrença no sistema político e na estrutura social, ocasionada pelo fato das decisões políticas serem tomadas com base em acordos entre a elite política e econômica, sem levar em consideração as demandas socias do povo, portanto a política e as eleições apesar de seguirem o ritual democrático são vazias de representação. Desta forma, se instaura uma crise de legitimidade das instituições representativas, que gera uma descrença nos partidos políticos e nos políticos (MOREIRA, 2023). Além, dos problemas gerados pela globalização, como os movimentos migratórios, terrorismo, crise financeira e monetária e mudança climática, que exacerbaram o nacionalismo e o negacionismo nas sociedades. Um cenário fértil para a ascensão do populismo, que Müller (2017) define como uma visão particular e 3 moralista da política, já o populista seria o líder político que se auto define como o único representante legitimo do povo, caracterizado com um discurso antissistema e antipolítica, se aproveitando do ressentimento da população sobre as desigualdades produzidas pelo establishment. Para Urbinati (2019) esta ascensão esta relacionada as promessas não cumpridas pela democracia, que prometeu igualdade, segurança, qualidade de vida e “entregou” desigualdades sociais e o controle política das oligarquias. “Privados do direito de participar das decisões que as afetam e tendo que se submeter a condições de vida cada vez mais precárias, as pessoas tendem a apoiar os populistas, que retoricamente se apresentam como aqueles que estão travando “uma batalha titânica contra o establishment” ” (MOREIRA, 2023, p. 6-7 apud URBINATI, 2019, p. 15, tradução nossa). Neste cenário de ascensão do populismo ocorre o crescimento da extrema- direita globalmente, dentre os líderes que emergiram estão Viktor Orbán na Hungria, Donald Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. Por possuírem uma visão de mundo semelhante entre Trump e Bolsonaro houve uma aproximação entre os governos na forma de um alinhamento por parte do governo brasileiro. Mediante a uma conjuntura em que os dois maiores parceiros comercias do Brasil estão em meio à um conflito geopolítico, de crise do multilateralismo e o alinhamento político do governo Bolsonaro aos Estados Unidos de Donald Trump compreender o que esta política externa significou para as relações internacionais brasileiras e para a inserção internacional do país e sobretudo quais foram os impactos da política externa de Jair Bolsonaro sobre as relações do Brasil com China e Estados Unidos é de suma importância. Desta forma, será necessário compreender qual foi a posição adotada pelo Brasil frente a rivalidade sino-americana durante a gestão Bolsonaro, para tal será preciso analisar o histórico das relações do Brasil com chineses e americanos nos últimos 20 anos para termos um histórico das relações ao longo dos últimos anos e desta forma, explicar qual foi a agenda de política externa adotada pelo governo Bolsonaro. Verificou-se que até o mandato de Jair Bolsonaro na presidência as relações com chineses e americanos eram mantidas sobre um viés pragmático em que se 4 buscava os interesses do país de forma autônoma, mas a partir de seu governo a política externa adotou uma posição de alinhamento aos Estados Unidos de Trump, uma posição contraria ao pragmatismo de décadas do Ministério das Relações Exteriores e da presidência. Porém, apesar do alinhamento o pragmatismo se “impôs” através de múltiplos atores domésticos, dada a importância da China para a economia brasileira, havendo apenas o afastamento político com os chineses mantendo os laços comercias. Para atingir tais objetivos, será realizada uma revisão da literatura sobre o tema, abrangendo estudos teóricos e análises. E a coleta de dados foi realizada a partir de pesquisa bibliográfica e documental, através de uma abordagem qualitativa com a finalidade de relacionar os dados para interpretação. A pesquisa foi estrutura das seguinte forma, o capítulo inicial abordará uma explicação teórica sobre a Analise de Política Externa, para que seja construído um arcabouço teórico que dará embasamento aos capítulos seguintes. No segundo capítulo, será feita uma analise da evolução histórica da Política Externa Brasileira com China e Estados Unidos nos últimos 20 anos que cobrirá o período de 1998 à 2018. Já o terceiro capítulo apresentará a agenda de política externa do governo Jair Bolsonaro (2019-2022) e o capítulo final abordará quais foram os impactos dessa política externa sobre as relações do Brasil com Estados Unidos e China e o posicionamento sobre a rivalidade. 5 CAPÍTULO 1 Para dar início a esta pesquisa o presente capítulo tem como objetivo introduzir o campo de estudo da Análise de Política Externa (APE) e os conceitos e abordagens teóricas que irão dar base a esta pesquisa, para isso será guiado por duas perguntas, o que é política externa e como explicar o comportamento externo dos Estados. E por fim, analisar como ocorre o processo decisório em política externa no Brasil. ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA O campo de estudos das Relações Internacionais (RI) tem como objeto de estudos toda interação internacional, ou seja, todos os contatos entre agentes de países diferentes em todos os campos político, social e econômico. Onde busca explicar o que é o Sistema Internacional através do desenvolvimento das teorias das relações internacionais, sendo o Estado o ator de maior relevância e aquele que é mais estudado pelos estudiosos das RI. Já a Análise de Política externa é uma subdisciplina das RI cujo estudo está voltado a análise e compreensão do comportamento externo dos Estados, o foco está no seu interior, na sua relação com o ambiente externo através da análise da política externa. Porém, para prosseguirmos com esta pesquisa é necessário esclarecer o que é a política externa. Sobre uma perspectiva histórica para dar fim à guerra dos Trinta Anos e estabelecer novamente a paz no continente Europeu foi assinado o Tratado de Westfalia (1648) que para além de reestabelecer a paz entre as nações europeias deu início a soberania do Estado, ou seja, estabeleceu que nenhuma nação pode interferir na política interna de outra nação e os limites das fronteiras nacionais devem ser respeitados. Pois, vivemos em um Sistema Internacional anárquico em que não existe nenhuma instituição acima do Estado e desta forma todo contato externo entre estados é chamado de política externa, ou seja, toda ação no plano internacional que demonstra seus objetivos externos e estratégicos. De acordo com a visão tradicionalista das relações internacionais o Estado é um ator unitário no Sistema Internacional e suas decisões de política externa estão centralizadas no poder executivo, cujo chefe de Estado é aquele que detém a 6 capacidade de interpretar qual é o interesse nacional e desta forma refleti-lo nas decisões de política externa, pois desconsidera os agentes domésticos como participantes no processo de tomada de decisão. Segundo Kissinger “na concepção tradicional, a estrutura doméstica é tida como adquirida; a política externa começa onde a política interna acaba” (MENDES, 2017, p. 16 apud KISSINGER, 1969, p. 261), portanto, a política exterior é vista como independente da política interna. Conforme a abordagem tradicional baseada nas teorias realistas a política externa reflete a luta de poder, pois é entendida como distinta da política interna e voltada para a segurança e a sobrevivência. É guiada por dois pressupostos, o primeiro de que os estados são unitários e monolíticos e o segundo de que existe uma dicotomia entre política exterior e política doméstica, devido a corroborar com a teoria realista das RI defende que a política externa é uma política de segurança e defesa do exterior frente há um sistema internacional anárquico em que não existe um centro de poder que regule os estados, desta forma a política externa é definida pela sociedade com base no interesse nacional (FERREIRA, 2020). O comportamento do estado é explicado a partir dos imperativos contextuais, ou seja, a partir das condições geográficas, históricas, econômicas e políticas que caracterizam o ambiente externo. Ademais com base na ideia de que a tarefa do estado é a luta de poder pela sobrevivência, as análises são concentradas nos elementos de poder do estado em que suas ações são determinadas pelos fatores externos (MENDES, 2007). Contrapondo esta visão estadocêntrica para os pluralistas o Estado não é o único ator das relações internacionais, mas apenas um dos múltiplos agentes e o interesse nacional a soma dos interesses particulares. Em virtude das transformações que ocorreram após a Guerra Fria em que houve a internacionalização da economia, a intensificação dos processos transnacionais de liberalização do mercado (abertura comercial), a expansão das transações comerciais e a mudança das agendas diplomáticas dos países, que incorporaram novos temas: meio ambiente, direitos humanos, pobreza, desarmamento (FIGUEIRA, 2011). Sendo assim, a política externa passou a gerar novos efeitos distributivos para a economia e sociedade, uma vez que as interações se intensificaram e os atores passaram a tratar de novos temas. Consequentemente novos atores surgem e começam a participar no processo de tomada de decisão em política externa. 7 Em crítica aos tradicionalistas Snyder, Bruck e Sapin (SBS) consideram que o Estado existe, a partir, de seus habitantes e suas preferências que determinam sua existência e ações e não o sentimento nacional ou o equilíbrio de poder. A contribuição teórica dos autores pode ser resumida através de quatro pressupostos: Em primeiro lugar, a assunção de que a política externa consiste em decisões tomadas por decisores políticos identificáveis e que, portanto, é esta atividade comportamental que requer explicação. Em segundo lugar, a importância da percepção dos decisores relativamente à definição da situação. Em terceiro lugar, a ênfase dada às origens domésticas e societárias da política externa. Em quarto e último lugar, a assunção de que o próprio processo de decisão pode ser uma fonte importante e independente de decisões (MENDES, 2007, p. 132-33). Tais pressupostos dão origem à um novo olhar para o estudo da política externa, uma nova abordagem, em que o foco de pesquisa deixa de estar nas abstrações como o Estado e se transfere para as fontes internas e o processo de decisão, assim o objeto de estudo passa a ser o comportamento dos agentes políticos que são aqueles que formam o Estado. Em contraste com os tradicionalistas os fatores externos deixam de ser primordiais para explicar o comportamento externo do Estado, isto é, deixam de ser os únicos fatores que condicionam uma situação específica que é definida pela percepção dos decisores políticos. O processo decisório funciona como um filtro entre os fatores internos e externos e as decisões tomadas tornando possível sua explicação. Pois, para a compreensão do sentido de uma decisão são necessários o esclarecimento e a análise das relações entre as decisões e o processo pelo qual elas surgem. Visto que, a formulação de decisões é dinâmica pois se trata de um processo em que os decisores sofrem influência dos ambientes interno e externo, assim como do ambiente institucional. Dessa forma, o modelo de análise de SBS possui três variáveis-chave, os fatores internos, os fatores externos e o processo de decisão. Como explicitado nos parágrafos anteriores os fatores internos e externos são igualmente importantes para a compreensão do comportamento externo dos estados, porém tal qual posto pelo modelo de análise de SBS uma das variáveis-chave é o processo de decisão, no qual Graham Allison através de seu livro “Essence of Decision: explaining the Cuban Missile Crisis” de 1971 faz um estudo. A obra aborda a decisão nas relações internacionais, tendo surgido, a partir, da análise da Crise dos Mísseis de Cuba (1962) através de três modelos de análise. Antes da publicação deste 8 estudo o desenvolvimento teórico das RI era baseado principalmente na explicação das decisões estatais sob uma perspectiva estadocêntrica, fundamentado no modelo de ator racional clássico, o Estado Nação (o realismo). O Modelo I trata-se de uma análise baseada no balanço de poder entre os atores do sistema internacional - olhar do realismo clássico -, o Modelo II tem foco nas rotinas organizacionais dos órgãos estatais que são as fontes do comportamento exterior do Estado e o Modelo III analisa a política externa, a partir, do jogo político da burocracia estatal (FERREIRA, 2020). No Modelo I: [...] a opção é considerada como um resultado de atos mais ou menos intencionais de governos monolíticos baseados em meios lógicos para alcançar objetivos determinados. O modelo representa um esforço por relacionar a ação com um cálculo racional. Assume-se que o decisor procura atuar racionalmente, ou seja, realizar a solução ótima em situações perfeitamente delimitadas e limpidamente definidas, assim como hierarquizar e maximizar as opções escolhendo a alternativa mais positiva. Ela supõe distinguir claramente os objetivos e as opções possíveis e as consequências de cada opção antes de tomar a decisão. A decisão de bloquear Cuba no conflito dos mísseis seria o resultado de tais cálculos (FERREIRA, 2020, p. 77 apud ARENAL, 1990, p. 256). O Modelo II ou Modelo do Processo Organizacional (Organizational Process Model), compreende o comportamento do governo sob um olhar distinto do Modelo I, a política externa é considerada uma consequência do funcionamento das organizações do Estado, ou seja, como resultante ou um "output" das decisões dos órgãos governamentais que participam do processo decisório contrário ao modelo realista em que a política exterior é tida como uma opção racional pré-estabelecida, sendo assim a unidade de análise deste modelo é a ação governamental (FERREIRA, 2020, p. 78). Por fim, o Modelo III ou Modelo de Política Governamental (Burocrática) (Governamental -Bureaucratic- Politics Model) em que o governo é considerado um "núcleo com vários jogadores centrais em um jogo competitivo. O nome do jogo é política: a barganha ao longo de circuitos regularizados entre jogadores posicionados hierarquicamente dentro do governo” (FERREIRA, 2020, p. 82 apud ALLISON e ZELIKOW,1999, p. 144). Neste modelo o comportamento do Estado é entendido através dos "outputs" organizacionais, tal qual o Modelo II, assim como dos resultados da barganha entre os atores políticos, aqueles que tomam decisões em nome do Estado e competem entre si por poder: 9 [...] o Modelo governamental (burocrático) político vê não um ator unitário, mas ao invés disso muitos atores como jogadores – jogadores que se focam não em uma temática estratégica simplesmente, mas em diversos problemas intranacionais; jogadores que agem em termos de nenhuma consistência nos objetivos estratégicos, mas ao invés disso de acordo com várias concepções de nacional, organizacional, e objetivos pessoais; jogadores que aplicam decisões governamentais não como uma escolha simples, racional, mas pelo ‘toma lá, dá cá’ que é a política (FERREIRA, 2020, p.83 apud ALLISON e ZELIKOW, 1999, p. 255). Portanto, ao realizar uma análise do comportamento do Estado sobre um tema devem ser identificados os principais atores políticos e a barganha envolvida, sendo assim pressupõe-se que os líderes governamentais possuem interesses divergentes e competitivos entre si, deste modo a tomada de decisão se trata de um processo que envolve conflito e construção de consenso. Neste modelo a unidade de análise é a ação governamental que resulta da burocracia estatal, visto que: As decisões e ações políticas do governo são resultantes intranacionais: resultantes no sentido que acontece não como uma solução escolhida para um problema, mas ao invés disso como resultado do compromisso, conflito, e confusão entre oficiais com distintos interesses e influência desigual; política no sentido que a atividade pelas quais as decisões e ações emergem é melhor caracterizada como a barganha ao longo dos canais regularizados entre os indivíduos membros do governo (FERREIRA, 2020, p. 84 apud ALLISON, 1971, p. 162). Graham Allison não considera os três modelos excludentes entre si, mas complementares apresentando diferentes aspectos do processo decisório. Já que o Estado sempre está em busca de maximizar seus interesses (Modelo I), e esta busca se situa dentro de um ambiente organizacional (Modelo II) no qual existe um jogo de poder entre os atores políticos dessas organizações. Dada a necessidade de analisar a política burocrática para compreender a tomada de decisões, Margareth Hermann (2001 apud FERREIRA, 2020) através de sua sistematização teórica trás maior clareza sobre a definição e o papel das unidades de decisão, a partir, dos estudos de Allison faz uma reavaliação de como examiná-las. Para a autora, as tomadas de decisão são respostas a problemas de política externa, quando surge um problema automaticamente emerge uma ocasião para decisão. “Nessa conjuntura, as decisões seriam tomadas por três instâncias de autoridade que 10 definem os fatores chave que colocam o processo em ação. Finalmente, ligam-se os processos de decisão alternativos a resultados particulares” (FERREIRA, 2020, p. 91). Hermann sugere 3 tipos de unidades de decisão, o líder predominante, um indivíduo que tem a capacidade de determinar a ação da política exterior, o grupo simples, um conjunto de indivíduos que coletivamente podem determinar um caminho de atuação externa e pôr fim a coalizão de atores autônomos, que seriam grupos compostos por indivíduos e representantes de diversas instituições que sozinhos não possuem a capacidade de decidir. Aprofundando o entendimento sobre a atuação dos atores domésticos na formação de preferências em política exterior. Em “Changing Course: When Government Choose to Redirect Foreign Policy” (1990) , Charles Hermann afirma que a mudança de preferência ocorre de quatro formas, através de um líder dominante, de um ambiente burocrático, da reestruturação doméstica ou do choque externo. Chamados de agentes de mudança primárias que constituem processos decisórios que são a base para que ocorram níveis de mudança em política externa. O autor contribui para a literatura em APE ao demonstrar quais seriam os condutores na elaboração da política exterior e como pensar as mudanças que ocorrem na política externa de um Estado. Os graus de mudança em política externa primeiramente têm início através dos agentes primários, ou seja, nos atores ou processos que dão início ao processo de mudança na política exterior. O primeiro agente primário o líder dominante nada mais é do que um indivíduo que possui grande influência no Estado, com capacidade de influenciar as preferencias e estratégias do país, assim como definir a agenda de atuação. Já o ambiente doméstico (burocrático) tem a capacidade de mudar as preferências e estratégias de duas formas, primeiro através da prevalência da força de um indivíduo ou agência dentro do ambiente burocrático e segundo através do fortalecimento de um órgão em detrimento do outro, como resultado seriam gerados diferentes outputs na política externa (FERREIRA, 2020). O terceiro agente primário a reestruturação doméstica ocorre quando os procedimentos operacionais e as funções organizacionais mudam e isto se reflete no comportamento externo do Estado (FERREIRA, 2020, p. 59). Por fim, o choque externo refere-se a mudanças nas preferencias causadas por fatores ambientais que impactam o mundo, como as duas guerras mundiais. Dessa forma, os agentes 11 primários provocam a necessidade de mudança dentro da estrutura do governo, no processo decisório. Quatro tipos de resultado são possíveis de acordo com Hermann, em primeiro as mudanças de ajuste ou ajustamento que ocorre quando há aumento ou diminuição nos esforços sobre um determinado tema, o segundo resultado possível é a mudança ou alteração no programa, ou seja, alterações nos métodos ou nos meios que se enfrenta um problema. O terceiro as mudanças nos objetivos quando um objetivo de política externa é substituído ou abandonado, e, por fim, mudança na orientação internacional, uma reorientação mais radical que implica o redirecionamento frente o mundo (FERREIRA, 2020). Deste modo, a política externa trata-se de uma política pública voltada para a projeção do Estado no cenário internacional. Os países possuem sua política doméstica mas em algumas situações estas demandas ou necessidades internas são projetadas para fora, pois de acordo com Celso Lafer a política externa seria o permanente esforço de um país de compatibilizar suas necessidades internas com suas possibilidades externas (LAFER, 1989, p. 26), isto é, quando um Estado tem a necessidade de atingir algum objetivo político, como por exemplo, desenvolver sua economia, volta sua atenção para a comunidade internacional em busca de identificar quais são as oportunidades existentes e como alcança-las, sejam, elas através de negociações com outras nações ou organizações internacionais. Duas características da política externa são em primeiro lugar o fato de que ela não pode existir sem a política interna, pois não pode estar desconectada dela em virtude de que é a partir das demandas internas que são definidas as necessidades ou objetivos que irão ser perseguidos pela política exterior, logo toda projeção externa de um país é pensada a partir do interno. Sendo assim, trata-se de um comportamento adaptativo, uma vez que as decisões dos governos visam preservar os aspectos positivos e alterar os negativos do ambiente internacional (MENDES, 2017). De acordo com Rosenau a política externa está no (ROSENAU, 1980, p. 50 apud MENDES, 2017, p. 12) “esforço de uma sociedade nacional para controlar o seu ambiente externo pela preservação das situações favoráveis e a modificação das situações desfavoráveis”. A segunda característica são as possibilidades externas, pois as agendas de política externa devem ser planejadas de acordo com a capacidades do país, ou seja, suas demandas devem ser compatíveis com seu poder 12 para que possam ser atingidas, almejar algo que não se tem poder e influência suficientes geram efeitos negativos ou não permitem o alcance dos objetivos. Em suma, a Análise de Política Externa (APE) é uma subdisciplina das RI cuja pesquisa está voltada para a análise e compreensão do comportamento dos Estados, de sua atuação e práticas no sistema internacional que resultam da interação dinâmica entre os ambientes doméstico e internacional. Para tal se debruça sobre como se dá o processo de tomada de decisão de política externa dos estados. (FIGUEIRA, 2011). POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA No debate sobre o processo decisório em política externa no Brasil é constatado um desequilíbrio entre os poderes a favor do Executivo. Existe uma ausência do Congresso brasileiro nas decisões sobre temas internacionais, o órgão possui instrumentos institucionais de influência decisória escassos e sua participação ocorre apenas no final do processo de negociação com a aprovação ou o veto, já o Ministério das Relações Exteriores (MRE) possui autonomia para definir as metas e objetivos da diplomacia, bem como o controle sobre o processo de negociação, uma posição apartada e insulada tanto dos demais órgãos governamentais, quanto da sociedade civil (FIGUEIRA, 2011). Aprofundando a análise sobre a atuação do Congresso Lima e Fabiano dos Santos argumentam que o órgão abriu mão de seu poder decisório em prol do Executivo. No artigo “O Congresso e a política de comércio exterior” (2001) cujo objetivo era analisar a atuação do Congresso Nacional nas decisões sobre política de comércio exterior os autores destacam que a partir de 1946 devido a convergência de interesses quanto as políticas de desenvolvimento econômico houve uma delegação de poderes do Legislativo para o Executivo, porém a partir de 1980 com o processo de abertura comercial e redemocratização temas internacionais passaram a ser politizados, pois a partir deste momento decisões sobre política de comércio exterior passavam a ter um impacto interno e externo, devido a interdependia entre os países (globalização). Desta forma os atores domésticos passam a ter maior interesse e participação nas negociações internacionais que o país está envolvido. Segundo os autores era esperado que o Congresso se envolvesse no processo decisório de uma forma mais 13 assertiva, porém não foi o que ocorreu o Legislativo saiu de uma delegação de poderes para uma abdicação a favor do Executivo (FIGUEIRA, 2011). A preponderância do Poder Executivo no processo de tomada de decisão é marcada pela utilização dos Acordos Executivos. Segundo Figueira (2011) tais instrumentos são acordos em forma simplificada que estabelecem compromissos sobre assuntos da atividade diplomática e possuem vigência imediata, isto é, não necessitam da aprovação dos congressistas, posto isto a atuação do Legislativo sobre tópicos internacionais é baixa. Desta forma, o insulamento burocrático e a predominância do Executivo trazem maior eficiência no processo devido a centralização e respostas rápidas a problemas, além da continuidade na agenda diplomática devido ao distanciamento dos interesses políticos em conflito no cenário doméstico. Na divisão de competências entre o Legislativo e o Executivo o Chefe de Estado ocupa um papel central no planejamento, na execução e tomada de decisão das ações externas do país. Segundo a constituição o Ministro das Relações Exteriores é o substituto do presidente da República na realização da política externa, ele auxilia o presidente em sua elaboração, porém na prática política brasileira é comum o presidente delegar tal responsabilidade ao ministro exterior. Segundo Danese (1999 apud FIGUEIRA, 2011) para analisar a atuação presidencial na política externa é preciso conhecer tanto suas competências protocolares quanto sua participação pessoal no processo (diplomacia ativa). O autor define três graus de atuação presidencial em política externa, o primeiro grau a chamada diplomacia reflexiva em que a participação do presidente se dá como uma reação a estímulos externos, ou seja, quando é chamado para resolver problemas, dúvidas e arbitrar diferenças entre as instâncias decisórias. Já o segundo grau seria a diplomacia presidencial ativa em que o chefe de Estado utiliza os instrumentos diplomáticos como uma ferramenta para o diálogo e transmitir ideais. Por fim, o terceiro grau a diplomacia afirmativa em que o presidente conduz pessoalmente a política exterior, para Cerqueira (2005) seria um conjunto de inciativas que o transformam no principal condutor da política externa, esta atuação teria como objetivo garantir uma inserção internacional mais positiva, atrair a atenção da opinião pública para a assuntos internacionais para aumentar o apoio e a legitimidade das decisões (CERQUEIRA, 2005 apud FIGUEIRA, 2011). 14 CAPÍTULO 2 O presente capítulo tem como objetivo apresentar o histórico das relações exteriores do Brasil com Estados Unidos e China, através de uma retrospectiva histórica da relação bilateral com ambas as nações com ênfase nos últimos 20 anos cobrindo o período de 1998 a 2018, correspondente aos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES EXTERIORES COM EUA E CHINA DE 1998-2018 Segundo Vigevani e Cepaluni (2011) o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi marcado por uma política externa pautada na ideia de autonomia pela participação. Um dos objetivos da gestão foi integrar o Brasil as mudanças ocasionadas pela globalização, numa agenda que substituiu uma politica externa reativa por uma atuação proativa internacional ao mesmo tempo em que buscava uma inserção autônoma, ou seja, uma maior participação na agenda global visando a adequação a normas e regimes internacionais e simultaneamente participar e influenciar no desenvolvimento de regras e princípios, pretendendo elevar a institucionalização do sistema internacional. Numa conjuntura internacional de unipolaridade, na qual os Estados Unidos era a grande potência buscava-se a aproximação, mas mantendo a autonomia, em vista da crescente interdependência econômica. Uma postura institucionalista seria favorável aos interesses do país, visto que, ao se adequar as regras do jogo internacional obteria mais segurança. Do ponto de vista regional uma relação de poder favorável ao Brasil impulsionaria sua inserção internacional como global player (VIGEVANI; CEPALUNI, 2011, p. 94). Desta forma, foi estabelecida uma política de abertura comercial visando minimizar riscos econômicos e elevar a competitividade, em que se buscava relações universais, sem alinhamentos preservando a autonomia. As relações com os Estados Unidos era um dos focos da agenda vista como essencial e cooperativa. Na qual se buscou a melhora nas relações bilaterais, neste período houve a adesão ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (RCTM) e 15 ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), objetivando trocas construtivas, a autonomia pela participação permitiu a aproximação entre os países, pois não limitava a atuação do país a um alinhamento ou a opções excludentes. O que permitia em situações de desacordo manter as relações, sem a perda de diálogo. Exemplificado nos desacordos comerciais em que foi utilizado o mecanismo de solução de controvérsias da OMC no painel contra a União Europeia e os EUA sobre o contencioso do açúcar e do algodão. O governo de George W. Bush (2001-2009) nos EUA com uma política internacional mais unilateralista, somado ao atentado do 11 de Setembro de 2001 que gerou desconfianças do governo americano e o endurecimento de sua política externa com a Guerra ao Terrorismo, resultou em maior dificuldade na manutenção das relações com os americanos. O que levou a aproximação com a China, Índia e África do Sul, uma estratégia que foi ampliada no governo seguinte. O governo Lula (2003-2011) chega ao poder com um discurso de mudança em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) através de uma política externa guiada pela ideia de autonomia pela diversificação. Que traduziu-se na adesão a princípios e normas internacionais através de alianças Sul-Sul e de alianças regionais, mediante acordos comerciais com parceiros não tradicionais, com o objetivo de diminuir as assimetrias nas relações com os países desenvolvidos e ao mesmo tempo manter boas relações com as nações em desenvolvimento, por meio da cooperação em organismos internacionais reduzindo o poder dos países centrais (VIGEVANI; CEPALUNI, 2011). Portanto, buscou-se autonomia em relação as potências e ampliação das relações com os países do Sul global através do bilateralismo e das instituições internacionais. A ênfase da política externa estava nas negociações comerciarias internacionais e no aprofundamento das relações com os países em desenvolvimento e emergentes, principalmente com Índia, China, Rússia e África do Sul, tal movimento havia tido inicio no governo anterior, mas teve maior destaque durante o mandato de Lula. As diretrizes da política externa do primeiro mantado (2003-2006) eram as seguintes, contribuição na busca de equilíbrio internacional contra o unilateralismo, fortalecimento das relações bilaterais e multilaterais visando elevar o peso ou 16 influência em negociações internacionais, aprofundar relações diplomáticas e evitar acordos que ameaçassem o desenvolvimento do país. E tiveram seus efeitos no segundo mandato (2007-2010) onde houve a intensificação das relações com China, Índia, Rússia e África do Sul, destaque em negociações internacionais como a Rodada Doha da OMC e a manutenção das relações com os países desenvolvidos, retomada das relações com a África e defesa da reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidads (VIGEVANI; CEPALUNI, 2011). Em seu segundo mandato Lula procurou manter boas relações políticas, comercias e econômicas com os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos e ao mesmo tempo privilegiar as relações com o Sul global. Houve o aprofundamento da estratégia de autonomia pela diversificação, o principal objetivo era a autonomia, mas a diversificação de parceiros era vista como um meio para conquistá-la. O crescimento da China -boom das commodities- nos anos 2000 somado a crise econômica de 2008 que teve inicio nos EUA e impactou fortemente a Europa demonstraram que o governo estava atento as mudanças estruturais na economia mundial, evidenciando a importância da aproximação com os países emergentes (China e Índia). Neste mesmo período houve o aumento das relações comerciais com a Ásia, Oriente Médio e África, mercados não tradicionais e a consequente diminuição do peso dos laços comerciais com mercados tradicionais como a União Europeia, Estados Unidos e Japão. Foi formalizada a cooperação com a Índia e a África do Sul através da criação do grupo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS), a ampliação do intercâmbio comercial, tecnológico e militar com China e Rússia, de modo que em 2009 a China se tornou a maior parceira comercial do Brasil e foi realizada a criação do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os mandatos do governo Lula convergiram com o período em que as atenções dos Estados Unidos estavam voltadas a “Guerra Global ao Terror”, numa política externa que tinha foco no Oriente Médio, de modo que a América Latina não era uma prioridade estratégica. Lula conseguiu manter um bom diálogo com o presidente Bush dos EUA, durante as conversações entre os países foram tratados temas relacionados ao acesso brasileiro ao mercado americano como no caso do etanol e também sobre 17 questões regionais especialmente sobre a Venezuela de Hugo Chávez, a intenção de Bush era conter as ações do presidente venezuelano, mas o governo brasileiro não demonstrou interesse em confrontar o país vizinho, dada sua posição de defesa de soluções democráticas e constitucionais em situações de conflito. No golpe de Estado em Honduras (2009), discordou dos EUA e não reconheceu o novo governo e foi contra sua readmissão na OEA, outra situação na qual houve a desvinculação dos EUA foi em 2010 durante a mediação de um acordo nuclear com o Irã que promoveu junto a Turquia, que posteriormente não foi reconhecida e substituída pela resolução que impôs sanções ao Irã criada por EUA, China e Rússia, o Brasil discordou da decisão, pois não acreditava na imposição de sanções para solucionar conflitos mas no estabelecimento de acordos. A política externa brasileira (PEB) foi profundamente impactada pela crise econômica de 2007-2008 e pelas dificuldades da construção de consenso nas negociações da Rodada Doha. A crise econômica fortaleceu o G7 como espaço de negociação e reduziu o protagonismo do G20 e dos países em desenvolvimento. A falta de avanços nas negociações da OMC culminaram na propagação de acordos preferenciais de comércio bilaterais e intra-regionais, como o Trans-Pacific Partnership (TTP), tais eventos resultaram em mudanças no Regime Multilateral de Comércio e na perda de protagonismo do governo brasileiro. O governo de Dilma Rousseff (2011-2016) teve uma política externa que foi a continuação da agenda internacional do governo anterior de Lula com algumas mudanças e foco nos fóruns multilaterais. A visão do governo era de que o sistema internacional estava passando por uma redistribuição do poder no que resultaria em um mundo multipolar, desta forma continuou a defesa do multilateralismo e da OMC mesmo diante do esvaziamento da organização. A atuação internacional tinha como foco a integração regional da América do Sul através do Mercosul e da Unasul e a ampliação da presença brasileira no mundo por meio do aprofundamento das relações com o Oriente Médio, África e Ásia, em especial com os países emergentes (IBAS e BRICS) e a manutenção das relações com os países desenvolvidos. As relações com a China se inseriram dentro do contexto da cooperação Sul- Sul. Como no BRICS, havendo a manutenção e o aprofundamento das relações, em 2014 foram criadas duas instituições o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) cujo 18 objetivo é o financiamento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento e o Arranjo Contingente De Reservas (ACR) para promover auxilio em crises financeiras. Em relação aos Estados Unidos foi mantida a manutenção das relações, demandando respeito a autonomia do país e dando continuidade as disputas comerciais. A política comercial multilateral fez uso do sistema de solução de controvérsias da OMC, contra os EUA sobre as medidas desleais do mesmo contra a exportação de suco de laranja brasileiro, assim como deu continuidade à denuncia dos subsídios ao algodão dos americanos. Em 2014 numa tentativa de reaproximação nas relações bilaterais o vice presidente americano Joe Biden fez uma visita ao Brasil, porém, as denuncias de espionagem americana sobre o governo e empresas brasileiras gerou um afastamento, onde uma viagem presidencial de Dilma aos EUA foi cancelada. Após uma disputa acirrada em sua reeleição em 2014 houve uma deterioração da conjuntura doméstica que gerou um desgaste do governo. A crise econômica, a intensa disputa política e as denúncias de corrupção resultaram no impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e em seu lugar assumiu a presidência o vice-presidente Michel Temer cujo foco era a recuperação econômica. O governo Michel Temer (2016-2018) adotou uma política externa que promoveu na prática a desconstrução da política externa dos governos Lula e Dilma. Por meio da mudança no eixo estratégico de inserção internacional, através de um multilateralismo com foco em relações bilaterais, portanto a América do Sul deixou de ser uma região prioridade na atuação internacional. Regionalmente deu mais ênfase nas relações com México, Colômbia, Chile e Peru e nas relações com os parceiros tradicionais como Estados Unidos, Europa e Japão, pois havia o entendimento de que era necessário que o governo se aproximasse de países desenvolvidos, através do ingresso na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e deu inicio a candidatura do Brasil para a entrada na organização em 2017. Paralelamente, nos EUA o governo Donald Trump (2016-2020) adotou uma postura anti-multilateralismo em sua política externa paralisando as negociações de acordos que vinham de governos passados. Denunciou os acordos do TTP e deu início a "Guerra Comercial" com a China. Mediante a este cenário a PEB adotou a 19 estratégia de utilizar o Mercosul como meio para a negociação de acordos extrarregionais e retomou as negociações do acordo de livre comércio com a União Europeia e outros parceiros na Ásia, e se aproximou do bloco da Aliança do Pacífico (FERREIRA, 2023, p. 228). De acordo com Ferreira (2023) a PEB durante o governo Temer priorizava as negociações "extra-OMC", que ocorriam fora da organização, mudando a estratégia de utilizar as estruturas institucionais multilaterais como recurso de poder de negociação e a defesa da agenda dos países em desenvolvimento, aderindo aos acordos preferenciais de comércio e as agendas OMC-plus que aprofunda as regras multilaterais e OMC-extra que cria regras além da OMC, nas negociações de acordos bilaterais e inter-regionais. Segundo Guilherme Casarões (2021) o governo Temer procurou manter uma relação de equidistância com os EUA e a China. Para preservar os fluxos comerciais e conseguir estabelecer maiores vínculos bilaterais, após o estremecimento das relações com os americanos em razão do episódio da espionagem procurou estabelecer relações bilaterais em projetos de tecnologia, porém a eleição de Donald Trump trouxe dificuldades inicialmente as relações com o país, visto que, a política externa do republicano não tinha foco na América Latina, mas em 2018 através da visita do vice-presidente Mike Pompeu ao Brasil os americanos deixaram claro quais eram seus interesses no país: “[...] controlar o centro de lançamentos aéreos de Alcântara, no Maranhão (Adghirni); garantir a abertura dos leilões do pré-sal a empresas privadas (Alper e Stargardter); facilitar a fusão da gigante aeroespacial brasileira Embraer com a norte-americana Boeing (DW); e construir um plano de segurança regional, envolvendo Argentina, Brasil, Colômbia e Chile (Mitchell).” (CASARÕES, 2021, p. 451) As relações com a China foram mantidas de acordo com os governos anteriores, dada a relevância econômica do país asiático para a balança comercial brasileira. A primeira viagem internacional do presidente Temer foi a China, onde buscou aprofundar a Parceria Estratégica Global Brasil-China (2012) e através do BRICS e do G-20 financeiro tratar de temas de interesse de ambos os países como, mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável, reforma das instituições multilaterais e comércio. Segundo Casarões: 20 “A presença brasileira no Sul Global, outrora marcada por uma abordagem multidimensional que combinava expansão comercial, fortalecimento das relações diplomáticas e diversificação de projetos de cooperação técnica, perdeu força ao longo dos anos Dilma e acabou sendo reduzida à manutenção dos fluxos comerciais durante o governo Temer. Essa nova estratégia “sul-sul” mirava em duas regiões do mundo: África e Ásia. Além da parceria tradicional com Tóquio e Beijing, a estratégia asiática do Brasil buscou acercar-se do Sudeste Asiático e da Índia.” (CASARÕES, 2021, p. 451-2). 21 CAPÍTULO 3 O presente capítulo tem como objetivo apresentar a agenda de política externa do governo Bolsonaro (2019-2022), para isso o capítulo será dividido em três partes, a primeira abordará o aspecto ideológico da política internacional, a segunda parte a politica econômica e por fim a terceira a esfera de segurança e defesa. POLITICA EXTERNA DO GOVERNO BOLSONARO O contexto doméstico no qual o governo de Jair Bolsonaro teve como plano para atuar foi de transformação do sistema político brasileiro e no âmbito externo de mudança na ordem internacional estabelecida pós Guerra Fria, expresso no conflito geopolítico entre China e Estados Unidos da América (EUA) após a ascensão do país asiático e de crise do multilateralismo ocasionada pelo reaparecimento do nacionalismo que culminou no enfraquecimento das instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a União Europeia (UE). Durante a campanha presidencial Bolsonaro afirmou que iria romper com a política externa dos governos anteriores (Lula, Dilma, Temer), prometendo uma mudança drástica na condução das relações exteriores. Pois, a visão do governo sobre a atuação internacional do Brasil até aquele momento era de fraqueza e dependência, em que se perderam oportunidades e foram tomadas medidas equivocadas, uma situação criada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) (SPEKTOR, 2019). De acordo com Matias Spektor (2019): “O governo Bolsonaro promete fazer de sua política externa um instrumento explícito para avançar com a agenda doméstica de dar luz verde à repressão contra o narcotráfico, o crime organizado e a violência urbana, assim como autorizar a expansão da fronteira agrícola, em detrimento daqueles compromissos internacionais assinados pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris sobre mudança do clima. O presidente eleito escolheu com esse fim uma equipe dedicada a operar a mudança.” (SPEKTOR, 2019, p.329-30). 22 De acordo com Saraiva e Silva (2019) existiam múltiplos atores autônomos com o interesse de influenciar a política externa dentro do governo. As diferenças entre estes atores se encontravam na defesa de um caminho ideológico ou pragmático para a política internacional, portanto duas alas formavam o governo a ideológica e a pragmática chamadas de atores da ruptura por Sepktor (2019), segundo o qual formavam três grupos de influência. O primeiro referia-se ao círculo íntimo do presidente, sendo eles o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Felipe Martins (assessor internacional) e Ernesto Araújo (chanceler) que detinham uma “convicção idealista segundo a qual a maior ameaça aos interesses brasileiros no mundo viria da derrocada do Ocidente diante da ascensão de potências iliberais, como Rússia e China” (SPEKTOR, 2019, p. 331) e de luta contra o “marxismo cultural”. Uma das teses do grupo era de que as instituições internacionais são um empecilho aos interesses nacionais, no Brasil estas ideias estão presentes no pensamento do escritor Olavo de Carvalho que exerceu forte influência sobre Felipe Martins e o diplomata Ernesto Araújo. No artigo “Donald Trump e o Ocidente” o diplomata defendeu uma postura internacional de defesa do Ocidente liderado pelos EUA, o valor da religiosidade uma crença que condiciona o pertencimento de um indivíduo a uma determinada sociedade a opção por uma determinada religião, de modo que a agenda internacional estaria atrelada a preceitos morais e toda ação externa do país deveria seguir valores cristãos, assim como das batalhas culturais para a política internacional (SPEKTOR, 2019; CASARÕES, 2021). O segundo grupo de atores eram os militares com cargos oficiais, como Hamilton Mourão (vice-presidente) e o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) responsáveis por parte da estratégia de campanha e da formação do governo. Durante o período eleitoral foram os porta-vozes de Bolsonaro sobre assuntos internacionais, porém após a eleição passaram a expressar suas opiniões sobre as decisões em política externa. A visão política desse grupo era de que o sistema internacional é competitivo e faltava poder militar ao Brasil. Devido a esta competitividade no sistema internacional a atuação externa deveria estar centrada na disputa por poder e influência, o objetivo 23 deveria ser a busca para adquirir mais recursos de poder que elevassem a capacidade de defesa do país principalmente para a defesa dos recursos naturais. O terceiro grupo era formado pelo Ministério da Economia, em especial na figura de Paulo Guedes, no âmbito doméstico os objetivos eram reduzir os gastos públicos para o controle fiscal e fazer reformas microeconômicas para melhorar o ambiente de negócios para atrair Investimento Externo Direto (IED), enquanto no ponto de vista externo a intenção era de promover privatizações e concessões, a reorientação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como instrumento de política externa e abertura comercial visando aumentar os fluxos de comércio internacional. Em suma se tratavam de três visões diferentes de como opera o sistema internacional e seus impactos para o Brasil, os pontos em comum entre os três grupos eram o rechaço a multipolaridade e a diplomacia do PT (SPEKTOR, 2019). Com base na ideia de que a política externa se trata de uma política pública, de acordo com Hirst e Maciel (2022) a política externa do governo Jair Bolsonaro foi sustentada com base em três pilares, o primeiro sendo o núcleo político e ideológico, que evidenciou a relação com a extrema direita internacional, o segundo pilar a política econômica liberal conservadora em que foi demonstrado a orientação externa da política econômica e o terceiro pilar a área de segurança e defesa, onde foi possível evidenciar a militarização do Brasil. Para os autores cada um dos pilares cumpriu uma função que articuladas entre si projetaram o país nacional, regional e internacionalmente. NÚCLEO POLÍTICO E IDEOLÓGICO Desde o início do governo Bolsonaro a política externa passou a ser direcionada por premissas ideológicas que se configuraram nas orientações que guiavam o posicionamento internacional do país. O que se traduziu no abandono dos princípios que tradicionalmente orientavam a ação diplomática brasileira, como a autonomia e o pragmatismo, assim como a utilização da política externa como um mecanismo para o desenvolvimento e inserção internacional do país. 24 A política externa se transformou em um aparato para repercutir os preceitos morais defendidos pelo governo, que estavam de acordo com os ideais defendidos pela extrema direita internacional. Segundo Hirst e Maciel (2022) a política externa substituiu as premissas universais que guiavam a atuação internacional do país por bandeiras ideológicas. A mudança nas práticas e nos princípios da PEB se sustentou sobre uma narrativa de extrema direita que teve sua legitimação na polarização política, esta postura envolveu a condenação de políticas socioeconômicas progressistas e a defesa da religião e de valores morais. O governo Bolsonaro tinha como objetivo promover a integração do Brasil ao grupo dos países governados por líderes de extrema direita. Devido à uma visão de mundo em comum de antagonismo ao multilateralismo e ao internacionalismo liberal, houve a aproximação com á Polônia e a Hungria que tinham projetos anticomunistas e anti-integração regional, assim como entrou na Aliança pela Liberdade Religiosa, cujo objetivo era fortalecer as relações entre os países governados por líderes de direita nacionalista. A relação com Donald Trump (2016-2020) foi privilegiada resultando num alinhamento incondicional aos Estados Unidos. Foi adotada uma agenda que se espelhava na política externa americana, que era pautada pela desconfiança do multilateralismo, distanciamento da China, aproximação a Israel e Taiwan e a condenação ao governo venezuelano. Num alinhamento acrítico aos EUA que se somava à uma ideologia anti-multilateralismo e de caráter conservador. Quanto a China apesar de sua relevância para a PEB a tradição do pragmatismo que prevalecia até então foi quebrada. Inicialmente foram feitas muitas críticas e comentários negativos gerando um mal-estar diplomático e a restrição a investimentos chineses no Brasil, como ponto principal a visita feita a Taiwan gerou um mal-estar quanto ao reconhecimento de somente uma China, num movimento de assimilação a política externa americana, além da visão da China como uma ameaça, fatores que deram a entender que o governo brasileiro estava desconfiando das intenções chinesas e pondo em risco a boa relação de décadas entre os dois países. Se tratando do entorno regional o objetivo do governo Bolsonaro era desconstruir as políticas para a América Latina estabelecidas nos governos anteriores. Desde o início dos anos 2000 a região vinha sendo uma prioridade na PEB, durante 25 os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Lula (2003-2010) se tornou um foco estratégico para a projeção internacional do país, porém a partir do governo Temer (2016-2018) tais políticas passaram a ser desconstruídas e a aproximação com os EUA gerou um afastamento nas relações com a região. A atuação do núcleo ideológico ficou evidente nas relações com a Venezuela em que houve o rompimento das relações. Na crise venezuelana adotou uma postura alinhada aos EUA, reconhecendo Juan Guaidó como presidente e apoio à uma eventual intervenção, porém, está posição gerou controvérsia com os pragmáticos como o general Hamilton Mourão e os demais militares que foram contrários apoiando a não-intervenção e o diálogo, enquanto o grupo mais ideológico defendia uma postura mais agressiva. O desinteresse pelo regionalismo ficou claro na atuação do país na América do Sul, onde houve o afastamento de governos com visões ideológicas diferentes ocasionando um distanciamento político e falta de liderança regional. No âmbito regional o governo não possuía um plano para a América Latina, apenas continuou o processo de desconstrução do governo Temer efetuando a retirada do país de projetos e iniciativas progressistas, dando prioridade a aproximação com governos conservadores na região, Macri na Argentina, Piñera no Chile e Duque na Colômbia, bem como buscou-se o fortalecimento dessas relações através do PROSUL – Fórum para o Progresso da América do Sul – um movimento de esvaziamento da UNASUL promovido por estes governos. Além de fazer parte do Grupo de Lima e atacar o governo cubano e a Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA). Sobre o Oriente Médio houve uma ruptura na política externa para o região, adotando um posicionamento crítico a causa palestina e promovendo a aproximação com Israel. Segundo Pires (2023) este estreitamento nas relações se deu pela convergência de fatores domésticos e internacionais, como a posição de representante dos grupos conservadores e pró-Israel brasileiros e alinhamento ao governo de Donald Trump, sugerindo que o país também promovesse a mudança de embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Apesar de algumas rupturas nas relações com o Oriente Médio a diplomacia brasileira com os países árabes continuou. Foram mantidas as relações com as monarquias árabes, foram feitas visitas aos Emirados Árabes Unidos, o Catar, a Arábia Saudita e o Bahrein. 26 A posição do país sobre o meio ambiente sofreu uma mudança brusca assumindo uma postura crítica e questionadora dos temas relacionados ao desmatamento e a proteção ambiental. Segundo o ex-chanceler Ernesto Araújo o país estaria sendo vitima de análises ideologizadas no que ele chamou de "climatismo" uma das consequências do "globalismo", somada a este posicionamento do chanceler a negligência do governo frente aos desastres ambientais, o rompimento da barragem em Brumadinho, o vazamento de óleo no litoral, o aumento dos focos de incêndio e a desqualificação de análises científicas geraram críticas, polêmicas frente a comunidade internacional. Durante o período da pandemia do COVID-19 o governo manteve o alinhamento a Trump com uma postura negacionista e crítica a China. O anti- globalismo gerava uma desconfiança de organismos internacionais em especial a Organização Mundial da Saúde e das informações divulgadas pelos chineses sobre o vírus, além de ser contra o isolamento social. No artigo “Chegou o comunavírus” (2020) Ernesto Araújo evidenciou sua preocupação com o vírus: “O vírus aparece, de fato, como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo. São instrumentos eficientes, mas a pandemia, colocando indivíduos e sociedades diante do pânico da morte iminente, representa a exponencialização de todos eles. A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agencia central de "solidariedade" encarregada de vigiar e punir.” (Araújo, Chegou o Comunavírus, Blog Pessoal, 2020 apud SILVA, 2022, p. 19- 20). Ainda neste período houveram incidentes diplomáticos com a China, causados por Eduardo Bolsonaro e outros membros do governo que teceram críticas ao governo chinês, o que resultou em um afastamento nas relações políticas com o país asiático gerando dificuldades ao Brasil, dado a relevância dos chineses na produção de insumos médicos e na pauta comercial brasileira. Tais posicionamentos culminaram num isolamento político internacional e de afastamento de nações parceiras (SILVA, 2022). Não sendo capaz de influenciar nenhuma das iniciativas regionais ou globais de gerenciar a crise, seguindo a posição americana não apoiou a resolução da 27 Assembleia Geral da ONU que visava promover a cooperação internacional de combate a pandemia, assim como, não apoiou a proposta da África do Sul e da Índia sobre a quebra de patentes temporária de produtos relacionados a pandemia, o afastamento do BRICS gerou um isolamento na diplomacia das vacinas e na obtenção de insumos. PILAR ECONÔMICO Em meio a uma conjuntura externa na qual os EUA exerciam pressão para o estabelecimento de reformas no multilateralismo sobre o comércio ao mesmo tempo em que estava numa guerra comercial e tecnológica com a China. Domesticamente havia o objetivo de realizar reformas liberais e a abertura comercial com foco nas relações Norte-Sul, além da busca pela assinatura de acordos comerciais e o ingresso na OCDE. O governo Donald Trump pressionou a OMC por reformas, devido a insatisfação dos americanos com o processo de tomada de decisão e o sistema de solução de controvérsias, além disso fora feita uma proposta para que os critérios para um país ter um tratamento especial e diferenciado (TED) mais adequado a realidade atual. Assim, durante a visita aos EUA o Brasil para se alinhar aos norte-americanos, aceitou abrir mão do TED nas negociações dentro da OMC indo de acordo com a proposta dos americanos. Os acordos da OMC possuem disposições acerca dos países em desenvolvimento, que concedem flexibilidade e direitos especiais, bem como cooperação técnica e treinamento. De forma que nas negociações entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento as tratativas possam ser mais favoráveis a estes, sem que os interesses das economias mais avançadas se sobreponham aos das mais frágeis. A decisão unilateral de abrir mão do TED seguiu a lógica de que ao estreitar o alinhamento com os americanos, no futuro eles iriam apoiar a entrada do Brasil na OCDE, e desta forma, atrair o interesse de investidores externos. Portanto, esperava- se uma reciprocidade dos EUA, dada a reorientação da PEB atendendo a interesses das relações comerciais bilaterais americanas. 28 Enquanto internamente a Para os autores a política econômica tinha como objetivo promover uma sinalização externa. As reformas econômicas estavam vinculadas ao processo de desestatização da economia expresso no programa PPI (Programa de parceria de investimentos) uma orientação econômica anti-estatista. O país ficou no meio da disputa geopolítica entre EUA e China e sofreu pressão de ambos os lados. Tendo que equilibrar seus interesses domésticos e a pressão de americanos e chineses. A China se tornou uma compradora estratégica do agronegócio, bem como a ampliação dos seus investimentos na América Latina tinham o Brasil como um dos principais países de interesse. Apesar do desinteresse político na América Latina do ponto de vista econômico o governo visou preservar mercados (Mercosul) utilizando o bloco como um mecanismo para evitar problemas no acordo com a União Europeia, cujas negociações foram concluídas, porém não houve a ratificação do mesmo devido a desconfianças dos europeus, como a França e a Irlanda que se declararam contrárias ao acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, pelo questionamento da capacidade do país cumprir a clausula ambiental. A política econômica externa também foi orientada pelos interesses do agronegócio. Havendo a não participação em negociações multilaterais sobre questões ambientais, redução da equipe dedicada a temas ambientais no MRE e desistência de sediar a COP-25 em 2019. Tais mudanças significaram uma ruptura na posição internacional do Brasil quanto a temas sobre o meio ambiente e a utilização dos recursos naturais como um instrumento de poder. O PILAR DE SEGURANÇA E DEFESA A presença de militares no executivo durante o governo Bolsonaro ressaltou à relevância da segurança e defesa na política externa. Em âmbito regional houve o abandono da cooperação sul-americana em defesa, não participando do Conselho de Defesa da UNASUL, em vista do alinhamento aos interesses de segurança e defesa dos EUA na região. Assim como, o governo americano trabalhava para o Brasil se tornar um aliado extra OTAN, também houve o aumento da participação em programas de cooperação 29 militar entre os países. Em suma, a aproximação militar com os EUA, gerou um afastamento do Brasil na região e um alinhamento em segurança e defesa com os interesses e estratégias americanas regional e globalmente (CORREA; SILVA, 2023). 30 CAPÍTULO 4 O presente capítulo tem o objetivo de apresentar os impactos gerados pela política externa durante a presidência de Jair Bolsonaro para as relações exteriores do Brasil. Inicialmente serão apresentados os impactos gerais da política internacional e posteriormente nas relações com os Estados Unidos e a China os dois maiores parceiros comerciais do país. IMPACTOS GERAIS DA POLÍTICA EXTERNA DE JAIR BOLSONARO Segundo Saraiva e Albuquerque (2022) o processo de formulação de política externa durante o governo Bolsonaro sofreu alterações rompendo com a tradição diplomática brasileira e promovendo uma mudança radical na agenda internacional. Os padrões de inserção internacional do Brasil consolidados ao longo da história diplomática foram criticados, questionados e modificados em meio à uma conjuntura de disputa doméstica de interesses que foi refletida na política externa gerando uma fragmentação no processo decisório e a diminuição da importância do Itamaraty. De acordo com a visão do governo existia uma conspiração de esquerda no mundo, que se expressava através do globalismo. Uma estratégia na qual havia o domínio cultural da esquerda e a destruição da cultura ocidental. E para combater o globalismo era necessário desfazer os regimes criados por eles o que ocorreu por meio do esvaziamento das instituições regionais como a UNASUL e a dissolução das relações com países como a Venezuela e a criação do PROSUL. Sendo assim, “a busca de uma revolução na política externa e na diplomacia nos quatro anos do Governo Bolsonaro geraram ruídos com parceiros tradicionais e abandono de uma política regionalista” (CORREA; SILVA, 2023, p. 19). A retórica antiglobalista levou a percepção de que as normas e instituições internacionais eram uma ameaça a soberania nacional, período em que houve um distanciamento das organizações multilaterais. Como as Nações Unidas, ameaça de saída da OMC e do Acordo de Paris e negacionismo durante a pandemia de COVID- 19. Além da preferencia por relações bilaterais que gerou um afastamento dos BRICS grupo que defende o multilateralismo, assim como, do Mercosul em que também 31 perdeu a oportunidade de coordenar uma ação conjunta de combate a pandemia fortalecendo a cooperação regional. A falta de comprometimento com o meio ambiente e o negacionismo sobre as mudanças climáticas geraram críticas, polêmicas e revesses frente a comunidade internacional. A rica biodiversidade do país havia lhe permitido exercer um papel de liderança em esferas importantes da governança global. Porém o aumento do desmatamento e das queimadas (região Norte e Centro-Oeste) teve grande visibilidade externa e resultou na perda de autoridade e de recursos para o meio ambiente (suspensão de repasses para o fundo Amazônia da França, Alemanha, Noruega e Irlanda). Tais mudanças resultaram no "rompimento no posicionamento do Brasil de utilizar seus recursos ambientais como um instrumento de poder branco" (HIRST, MACIEL, 2022 p.14). Segundo Hirst e Maciel (2022) houve uma reversão no legado brasileiro no mundo, que passou de uma referência progressista defensora do multilateralismo, da mediação e do diálogo para uma posição isolacionista e contestadora do multilateralismo e de suas instituições. O nacionalismo, o isolacionismo e a rejeição as instituições multilaterais preferindo relações bilaterais culminou no abandono da tradição multilateralista e do papel ativo em organizações multilaterais presente nos governos anteriores como os de FHC e Lula. Todos estes fatores somados levaram ao isolamento internacional do Brasil o que afetou a capacidade do país de projetar seus interesses internacionalmente. IMPACTO NAS RELAÇÕES COM OS ESTADOS UNIDOS E A CHINA Os Estados Unidos ao longo da historia diplomática brasileira sempre foi um dos mais importantes ou principais parceiros do país, uma relação marcada por diversos momentos que se alternavam entre a aproximação e o afastamento. E durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) foi inaugurado um novo tipo de alinhamento nesta relação diferente de períodos anteriores, desta vez foi visto um alinhamento incondicional sem a presença da ideia de autonomia. Este alinhamento foi possível graças a ascensão da direita nacionalista ou extrema direita no mundo, movimento ao qual ambos os presidentes Bolsonaro e 32 Donald Trump (2017-2020) pertenciam. O principal fator que gerou a aproximação entre os dois governos foi a postura conservadora antiglobalista, anticomunista e religiosa. A defesa do alinhamento as posições internacionais do governo Trump, tornou o vínculo com os EUA central na política externa brasileira. Houve uma subordinação ao governo americano e a seus interesses abdicando a autonomia. Do ponto de vista da reciprocidade as relações com os Estados Unidos se mostrou pouco efetiva, foram feitas diversas concessões pelo governo brasileiro como ao tentar conquistar o apoio americano à entrada do Brasil na OCDE: “o governo Bolsonaro liberou a entrada de uma cota anual de 750 mil toneladas de trigo americano com tarifa zero, prorrogou por mais um ano a importação de etanol americano isenta de uma tarifa de 20% (assim como elevou a cota de isenção dos 600 milhões de litros para 750 milhões de litros) e abdicou do status de país em desenvolvimento nas negociações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) (BBC News, 2020).” (HIRST; MACIEL, 2022, p. 13) Tais concessões não receberam a contrapartida do lado americano, nem em redução de tarifas para produtos brasileiros ou na forma de apoio na adesão à OCDE. A eleição de Joe Biden (2021-2024) nos Estados Unidos gerou complicações nas relações com o Brasil. Diferente do governo Trump defendia os direitos humanos, a democracia e a volta ao Acordo de Paris, a defesa da imposição de sanções econômicas ao Brasil em razão da política ambiental do governo Bolsonaro. Uma postura oposta a do republicano, de modo que para o Brasil de Bolsonaro significou uma ruptura nas relações do ponto de vista das ideias. Em suma o alinhamento ao governo Trump não resultou em ganhos econômicos significativos para o país. Quanto a China apesar do discurso ser de mudança na política externa em especial sobre a relação comercial com o país, na prática tais mudanças não ocorreram. Durante a campanha eleitoral o discurso de Jair Bolsonaro foi marcado por um teor anti-China, o que causou apreensão sobre como seriam as relações com o país asiático após eleito. A nomeação de Ernesto Araújo para o cargo de Ministro do MRE impactaram as relações políticas com a China que passaram por um período de turbulência e 33 afastamento. O ministro teceu duras criticas aos chineses inclusive durante a pandemia do coronavírus propagou a ideia de que o vírus havia sido criado pelo governo chinês como parte de um plano para conquistar o mundo e o chamou de “comunavírus”. Tais atitudes geraram uma reação por parte dos chineses, assim como de atores domésticos. A diplomacia chinesa se pronunciou em diversos momentos repreendendo e criticando os comentários brasileiros e domesticamente membros da diplomacia brasileira e parlamentares desaprovaram tais atitudes tidas como uma ameaça à reputação internacional do Brasil e a vida da população brasileira, visto que, durante o período pandêmico a China era o principal fornecedor de insumos médicos e vacinas no mundo e exerceram pressão sobre o ministro que pediu demissão do cargo em 2021. Segundo Pedro Feliú (2022) mesmo diante de desentendimentos diplomáticos do ponto de vista comercial as relações sino-brasileiras se mantiveram estáveis e não foram afetadas. Para os chineses não seria benéfico cortar relações com o Brasil, pois o país é um importante fornecedor de commodities agrícolas e mineiras. Do lado brasileiro os discursos se mantiveram apenas na retórica, pois o país asiático é o principal parceiro comercial do país e portanto cortar relações com os chineses afetaria seriamente a economia brasileira, além das pressões de alguns grupos econômicos como o setor agrícola que seria duramente impactado e defendeu uma postura pragmática em relação a China, durante o período houve o aumento das exportações e dos investimentos chineses no Brasil. Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro ocorreu uma intensificação das relações comerciais e de investimentos com a China. Em 2022 os dados da balança comercial brasileira indicaram que 27% das exportações tinham como destino a China e atingiram US$ 89 bilhões enquanto os Estados Unidos representaram apenas 11% das exportações e US$ 37 bilhões (CHADE, UOL, 2022). Em 2021 o Brasil foi o principal destino do investimento externo chinês correspondendo a 13,6% do total. Entre os fatores que beneficiaram as trocas entre Brasil e China estão, a Guerra Comercial dos EUA com a China que permitiu ao país ter maior espaço par expansão do mercado agrícola com a China, o crescimento econômico chinês durante o período 34 da pandemia e principalmente a relação de interdependência entre Brasil e China, no ano de 2021 20% dos alimentos importados pela China tinham brasileira. Os principais produtos da pauta de exportações para a China são a soja, o minério de ferro, petróleo cru e a carne bovina. Em 2022 foram exportados US$ 31,8 bilhões em soja, correspondente a 36% do total das exportações, US$ 18 bilhões em minério de ferro e US$ 16,5 bilhões em petróleo cru (NASCIMENTO; PINTO, Poder 360, 2023), os três primeiros produtos com maior volume vendido ao país asiático. 35 CONCLUSÃO A presente pesquisa detinha o objetivo inicial de explicar o que é o campo de estudo da Análise de política externa, uma área de estudos complexa e marcada pela interdisciplinaridade que envolve diferentes campos da ciência que conversam entre si. Ela integra diversas áreas do conhecimento como as Relações Internacionais, a Ciência Política e até mesmo as Ciência Econômicas, que se complementam e integram seus conceitos e teorias para tentar explicar como os Estados atuam e interagem entre si no chamado Sistema Internacional. Todo e qualquer país possui seus desafios e necessidades internos cujo governo busca solucionar, através de um plano de governo ou de políticas públicas, que serão debatidas entre os diferentes atores domésticos e seus interesses particulares que irão disputar entre si na formação do interesse nacional, ou seja, a soma dos interesses particulares dos diferentes grupos de influência geram uma dinâmica pautada pela barganha política resulta na formação do interesse nacional, uma escolha ou um conjunto de escolhas políticas que expressam quais foram as prioridades definidas pelos governantes para a atuação exterior, através da via diplomática. Porém o Estado se encontra inserido num Sistema Internacional junto a diversas outras nações e agentes internacionais que passam pela mesma dinâmica, cujos atos internacionais também exercem influência sobre outros estados. Deste modo, este processo de tomada de decisão também sofre influência de acontecimentos externos que podem passar pela mesma dinâmica decisória. Esta dinâmica fica evidente ao longo da trajetória histórica da política externa brasileira, “marcada” por diferentes momentos e posicionamentos decorrentes dos processos internos que resultaram em diferentes posições ou interesses de acordo com o que se apresentava no âmbito doméstico e internacional de cada governo. Como foi possível de se identificar nas relações entre Estados Unidos e Brasil em seus mais de 200 anos de história diplomática, bem como com a República Popular da China em seus 40 anos, nos quais tiveram “diferentes” agendas estratégicas ao longo do tempo, que iam de uma política de alinhamento, a autonomia e até mesmo o pragmatismo. 36 Com os Estados Unidos um parceiro tradicional desde a fundação da República, passamos por momentos de alinhamento por proximidade ideológica e de interesses, mas sempre mantendo a autonomia até momentos de distanciamento por divergências de interesses, mas sem que os laços fossem encerrados. Tal qual com a China que também teve seus altos e baixos, tendo um início “tímido” focado em similaridades na agenda internacional e atuação multilateral conjunta até as últimas décadas com uma aproximação econômica e comercial profunda na qual se torna a principal parceira comercial do Brasil, retirando o “posto” de muitos anos dos americanos. Recentemente no governo Jair Bolsonaro (2019-2022) foi adotada uma agenda de política externa que manteve e deu continuidade a algumas posições tradicionais da PEB e ao mesmo tempo “inaugurou” algumas posições até então impensáveis e inéditas pelo Itamaraty. Como o alinhamento acrítico aos Estados Unidos de Trump, aderindo à sua política comercial e internacional, abandonado a tradicional autonomia e busca pelo desenvolvimento nacional da PEB, ao abdicar do tratamento especial e diferenciado na OMC, com consequências ainda imensuráveis, em troca de uma reciprocidade americana que não se concretizou, a adoção de uma posição crítica a China seu principal parceiro econômico e comercial colocando em risco interesses econômicos nacionais. A eleição de Biden “frustrou” os interesses brasileiros, pois este novo governo adotou uma política externa distinta da defendida por Donald Trump, e divergente dos interesses da PEB de Bolsonaro, que se viu pressionado por Biden em temas como o meio ambiente e direitos humanos, portanto, todas as promessas feitas durante o governo Trump estariam impossibilitadas de se concretizarem e o país teria de adotar uma nova estratégia com os EUA. Por outro lado, a China que foi alvo de diversos comentários negativos por parte de membros do governo e até mesmo pelo presidente Jair Bolsonaro pressionou o governo brasileiro quanto a suas ações e o quanto isto ameaçava as relações bilaterais. Dada a importância da China para a economia brasileira, somada as pressões chinesas de um lado e as pressões domésticas de diferentes agentes que seriam duramente afetados pelo mal-estar com os chineses, o governo teve de recuar no tom agressivo com o país asiático e voltar a manter uma relação equilibrada e pragmática, 37 em que os laços comerciais e de investimentos se mantiveram durante os quatro anos de governo. Pois, mediante Estados Unidos e China os dois principais parceiros comercias do Brasil e duas grandes potências mundiais que estão em meio a conflito comercial e tecnológico, escolher um dos lados não é benéfico, pois primeiramente teríamos grandes efeitos negativos em nossa economia e entraríamos em num possível conflito direto com um dos dois envolvidos. A estratégia que pode gerar maiores ganhos é a manutenção de boas relações com americanos e chineses, as quais mantemos por muitas décadas através de uma política externa pragmática e independente, em busca de estreitar os laços sobre os temas em comum criando possibilidades de atingir nossos interesses e novas áreas de cooperação. 38 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, P. R. de., BARBOSA, R. Antonio.,. Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências. Editora Saraiva, São Paulo, 2006. ALTEMANI, H., LESSA, A. C. Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas. Editora Saraiva, São Paulo, 2006. CASARÕES, G. O Brasil nas ruas e longe do mundo: como a crise políticoeconômica levou ao colapso da política externa brasileira. AISTHESIS 70: Revista chilena de investigaciones estéticas, n. 70, 2021, p. 439-473, dez. 2021. CASON, J. W., POWER, T. J. 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