UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Linha de Pesquisa: Educação Ambiental EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O USO DE AGROTÓXICOS FABIANA FASSIS Rio Claro - 2014 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Linha de Pesquisa: Educação Ambiental EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O USO DE AGROTÓXICOS FABIANA FASSIS Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador: Prof. Dr. Luiz Marcelo de Carvalho Agosto - 2014 Fassis, Fabiana Educação ambiental e o uso de agrotóxicos / Fabiana Fassis. - Rio Claro, 2014 213 f. : il., figs., quadros, mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Luiz Marcelo de Carvalho 1. Educação ambiental. 2. Educadores. 3. Emancipação. I. Título. 372.357 F249e Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Fabiana Fassis EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O USO DE AGROTÓXICOS Comissão Examinadora Prof. Dr. Luiz Marcelo de Carvalho Universidade Estadual Paulista Prof. Dr. Luciano Fernandes Silva Universidade Estadual Paulista Prof. Dr. Maurício Compiani Universidade Estadual de Campinas Rio Claro, SP 18 de agosto de 2014 Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................. .............................................................. 10 1. A TEMÁTICA AMBIENTAL E A QUESTÃO DO USO INTENSIVO DE AGROTÓXICOS ........................................................................................................... 29 1.1 Um breve histórico. .......................................................................................... 29 1. 2 Definição, Classificação e Descarte de Embalagens ....................................... 33 1.3 Toxicidade e Consequências ............................................................................ 36 1.4 A situação atual e as necessidades futuras ....................................................... 38 2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A DIMENSÃO POLÍTICA DO PROCESSO EDUCATIVO ................................................................................................................ 41 2.1 Participação ...................................................................................................... 46 2.2 A relação entre o conceito de cidadania e o processo educativo ...................... 48 3. ABORDAGEM METODOLÓGICA E PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ........ 53 3.1 Referencial histórico-cultural ........................................................................... 54 3.2 Justificativa de escolha da região e delimitação geográfica da pesquisa ......... 57 3.2.1 Histórico e localização do município ..................................................... 58 3.2.2 Características econômicas e educacionais do município....................... 60 3.2.3 Seleção dos sujeitos de pesquisa ............................................................ 61 3.3 A coleta de dados .............................................................................................. 64 3.4 Recorrência dos contatos com os sujeitos de pesquisa ..................................... 66 3.5 Análise dos dados ............................................................................................. 67 4. EDUCADORES DE GUAPIARA: O USO INTENSIVO DE AGROTÓXICOS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ........................................................................................ 70 4.1 Apresentação da primeira entrevista: Sujeito A ............................................... 70 4.2 Apresentação da primeira entrevista: Sujeito B ............................................... 76 4.3 Apresentação da primeira entrevista: Sujeito C ............................................... 82 4.4 Apresentação da primeira entrevista: Sujeito D ............................................... 87 4.5 A segunda entrevista com os sujeitos ............................................................... 93 4.6 Reflexões acerca das relações construídas e possíveis sentidos existentes .... 100 5. EDUCAÇÃO DO LUGAR E O MUNDO DO TRABALHO ................................ 109 5.1 Núcleos de significação construídos .............................................................. 110 5.1.1 Modelo de produção agrícola e o uso de agrotóxicos .......................... 110 5.1.2 Valorização marcada do conhecimento no processo educativo ........... 112 5.1.3 Ênfase nas perspectivas que apontam para ilusão ou otimismo pedagógico.....................................................................................................................116 5.1.4 Relação entre educação e o mundo do trabalho ................................... 121 5.2 Educação do lugar e o mundo do trabalho: confirmação das análises e os processos de recorrência .............................................................................................. 129 5.3 Relações entre o uso de agrotóxicos, educação ambiental e as possibilidades de formação política e construção da cidadania: possíveis sentidos construídos ............. 136 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 141 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 145 APÊNDICE A – Protocolo de Entrevista – Professores .............................................. 153 APÊNDICE B - Protocolo de Entrevista – Moradores ................................................ 154 APÊNDICE C – Questões de Recorrência .................................................................. 155 APÊNDICE D – Transcrição da primeira entrevista com o Sujeito A ........................ 156 APÊNDICE E – Transcrição da primeira entrevista com o Sujeito B ........................ 163 APÊNDICE F – Transcrição da primeira entrevista com o Sujeito C ......................... 175 APÊNDICE G – Transcrição da primeira entrevista com o Sujeito D ........................ 187 APÊNDICE H - Transcrição da segunda entrevista com o Sujeito A ......................... 198 APÊNDICE I - Transcrição da segunda entrevista com o Sujeito B ........................... 202 APÊNDICE J - Transcrição da segunda entrevista com o Sujeito C .......................... 206 APÊNDICE K - Transcrição da segunda entrevista com o Sujeito D ......................... 211 Aos meus pais e à minha irmã pelo amor e pelo apoio na realização de um sonho! AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, força divina que me permite o dom da vida, e sem o qual eu nada conseguiria realizar. Com amor, agradeço à minha família, pelo apoio em todo o processo de realização deste trabalho, e pela compreensão em minhas ausências para que esse sonho se concretizasse. À minha mãe, Teresa, pela força e pelas conversas que sempre me impulsionam quando tudo parece tão difícil. Ao meu pai, Luiz, por todo o carinho e cuidado que sempre me confortam. À minha irmã, Daniela, pelas risadas, pela constante companhia e pela alegria que traz ao meu caminho. Ao meu tio Airton agradeço por todo o incentivo para que essa dissertação se tornasse realidade, por estar sempre tão presente em nossas vidas, e pelas boas conversas. À minha avó, Maria, que nos ensina com sua vida que os sonhos e a esperança nos mantêm eternamente jovens. Aos meus avós, Mário, Maria e Antônio, eternas saudades. Ao querido tio Marinho (in memorian), grande entusiasta desse trabalho, com quem compartilhei inúmeras alegrias, meus sinceros agradecimentos e minha enorme saudade. Agradeço imensamente ao Professor Luiz Marcelo de Carvalho, pela confiança e pelo incentivo ao meu trabalho, compartilhando comigo todo seu conhecimento a respeito do que é fazer pesquisa. Agradeço ainda por toda compreensão, paciência e apoio nos momentos mais difíceis. Aos professores da linha de pesquisa em Educação Ambiental, Dalva, Luciano, Luiz Carlos e Rosa, e a todos os colegas do grupo de pesquisa “A temática ambiental e o processo educativo”, agradeço pelas contribuições em minha formação, e por serem um exemplo de que trabalho sério e alegria caminham juntos. Aos professores e funcionários do Departamento de Educação da UNESP de Rio Claro, por todo o auxílio oferecido. Meus sinceros agradecimentos ao Departamento de Ecologia da UNESP de Rio Claro, e em especial à professora Maria José de Oliveira Campos, ao Carlos e ao Sérgio, por toda a colaboração para a realização deste trabalho. Minha gratidão aos educadores participantes desta pesquisa, pela confiança, disponibilidade e valiosas contribuições, sem os quais este trabalho não se realizaria. Aos colegas da minha turma de mestrado, Deise, Kleiton, Lisiane, Maíra e Maria Fernanda, pelas conversas alegres, pelas angústias compartilhadas, pelas palavras que acalmaram e pelas risadas que tornaram tudo mais fácil. Minha gratidão ainda a todos os amigos e familiares que comigo compartilham seus dias. Agradeço pelo apoio, pelo companheirismo e pela torcida. Os sinceros amigos que nos cercam, fazem tudo valer mais a pena. RESUMO Neste trabalho, voltamos nosso olhar para sujeitos envolvidos com a ação educativa relacionada com a temática ambiental, em uma comunidade onde o uso de agrotóxicos está presente de maneira indiscriminada. Sendo assim, nossa busca se deu em direção à construção de possíveis sentidos a partir dos depoimentos de diferentes atores sociais desta comunidade sobre as relações entre uso intensivo de agrotóxicos, educação ambiental e as possibilidades de formação política e construção da cidadania. Procuramos discutir os modelos de relação sociedade – natureza hegemônicos na sociedade contemporânea e o papel da educação e, mais especificamente, da educação ambiental em processos de transformações desse modelo social. Partimos do pressuposto que a educação tem como prioridade a formação humana e, por isso, assume seu caráter político e emancipatório de construção da cidadania. A relação entre o processo educativo e o uso intensivo dos agrotóxicos é escolhida como questão de estudo e, sendo assim, procuramos explorar os aspectos principais que têm sido considerados pelo debate ambientalista sobre esta questão. A abordagem histórico cultural orientou os processos de coleta, sistematização e análise dos dados. O processo analítico nos permitiu a construção de 4 núcleos de significação, a saber: 1) Modelo de produção agrícola e o uso de agrotóxicos; 2) Ênfase e valorização da dimensão do conhecimento no processo educativo; 3) Ênfase nas perspectivas que apontam para ilusão ou otimismo pedagógico; 4) Ênfase na relação entre educação e o mundo do trabalho. A partir do diálogo com a literatura e com outras pesquisas do campo da educação ambiental os temas latentes relacionados com esses núcleos de sentido foram discutidos e aprofundados quanto aos seus significados para os processos educativos relacionados com a formação da cidadania. Palavras-chave: Educação. Educação Ambiental. Educadores. Agrotóxicos. Emancipação. ABSTRACT In this work, we turn our attention to subjects involved in educational activities related to environmental issues in a community where the use of pesticides is present indiscriminately. Thus, our search has taken place towards the construction of possible senses based on the statements of different social characters in this community about the relation between intensive use of pesticides, environmental education and opportunities for political education and empowerment. We seek to discuss examples of society relation - hegemonic nature in contemporary society and the role of education and, more specifically, environmental education processes of the social examples transformations. We assume that education has given priority to human development and therefore assumes its political and emancipatory character building citizenship. The relationship between the educational process and the intensive use of pesticides is chosen as a matter of study and, therefore, we look to explore the main aspects that have been considered by the environmental debate on this issue. The cultural historical approach guided the processes of collection, systematization and analysis of data. The analytical process allowed us to build four cores of meaning, namely: 1) Model of agricultural production and the use of pesticides; 2) Emphasis and appreciation of the knowledge dimension in the educational process; 3) Emphasis on perspectives that point to pedagogical optimism or illusion; 4) Emphasis on the relationship between education and the world of work. From the dialogue between the literature and other researches in the field of environmental education, latent themes related to these core meanings were discussed and investigated as to their meaning for educational processes related to the formation of citizenship. Keywords: Education. Environmental Education. Educators. Pesticides. Emancipation. 10 INTRODUÇÃO As questões envolvendo o meio ambiente e a relação sociedade-natureza ganharam nos últimos anos espaços em diferentes setores sociais, incluindo a mídia, partidos políticos, grupos religiosos, organizações específicas criadas pela sociedade civil, academia e instituições governamentais. A explosão da bomba atômica no ano de 1945, ao colocar em pauta a capacidade concreta de destruição do planeta pelo homem, tem sido invocada como uma marca nesse amplo processo (GRÜN, 1996), hoje conhecido como ecologização ou ambientalização das sociedades. Esse processo se amplifica, quando o meio ambiente deixa de ser assunto exclusivo dos amantes da natureza, passando então a ser assunto da sociedade civil mais ampla. Na tentativa de buscas para possíveis causas para o atual padrão de relação sociedade- natureza, que tem intensificado os processos de degradação ambiental, a ética antropocêntrica - na qual o ser humano se coloca no centro de todo o Universo - tem sido apontada como um das causas principais, juntamente à perspectiva cartesiana, em que “a natureza é objetificada [...] o sujeito é o cogito e o mundo, seu objeto” (GRÜN, 1996, p. 36, grifos do autor). Esse dualismo, em que o homem retira-se da natureza, faz com que o modelo explicativo cartesiano nos impeça de abordar a crise ecológica de modo complexo, como deveria ser, tornando esse discurso, reducionista. Não podemos deixar de considerar que a filosofia cartesiana trouxe grandes contribuições à ciência, porém, como nos aponta Guimarães (2007), As críticas ao paradigma cientificista-mecanicista resultam no entendimento de que tais referências constituintes do atual padrão societário geram uma dicotomia na visão de mundo que hierarquiza as relações dos seres humanos em sociedade, da mesma forma que separa sociedade de um lado e natureza do outro, centralizando nessa relação a figura do ser humano em uma postura antropocêntrica. (p. 47). Outro aspecto que tem sido enfatizado em relação a esse paradigma é a “simplificação da realidade” ao tentar explicar essa realidade de forma mecânica, com relações simplistas (GUIMARÃES, 2007); “O paradigma mecanicista é incapaz de dar conta da vida como processualidade” (GRUN, 1996, p. 29). Isso acontece porque o determinismo mecanicista caminha em direção a uma forma de conhecimento utilitário e funcional, não priorizando a compreensão profunda do real, mas a capacidade de dominação e transformação em que natureza e ser humano são totalmente 11 separados, sendo a natureza vista apenas como extensão e movimento, de forma passiva, eterna e reversível, devendo apenas ser reconhecida para domínio e controle (SANTOS 1987). A relação entre os seres humanos com a natureza fez com que nos sentíssemos cada vez menos pertencentes a ela, “na medida em que construíamos, por assim dizer, a nossa segunda natureza, social e cultural em uma oposição de sujeitos que dominam o seu objeto” (TREIN, 2012, p. 305). A questão ambiental surge assim como um problema, e traz à tona diversas contradições entre o modelo de desenvolvimento econômico e a realidade socioambiental. “Essas contradições, engendradas pelo desenvolvimento técnico-científico e pela exploração econômica, se revelaram na degradação dos ecossistemas e na qualidade de vida das populações levantando, inclusive, ameaças à continuidade da vida no longo prazo” (LIMA, 1999, p. 4). O esgotamento deste modelo de civilização é denunciado pela crise do meio ambiente, “e torna a ecologia um ponto por onde devem passar necessariamente a rearticulação ou a manutenção da ordem internacional.” (CARVALHO, 1989, p. 1). Com a necessidade então de uma reorientação social frente às crises que se apresentavam no contexto da década de 1960, tem início, uma série de manifestações sociais, como, por exemplo, o movimento negro, o movimento feminista, e também o movimento ecológico. Questionando o estilo de vida predominante e em busca de uma melhor qualidade de vida, o movimento ecológico lutou pelas mais variadas questões, tais como “extinção das espécies, desmatamento, uso indiscriminado de agrotóxicos, urbanização desenfreada, explosão demográfica, poluição do ar e da água, contaminação de alimentos, erosão dos solos, diminuição das terras agricultáveis pela construção de grandes barragens, ameaça nuclear, guerra bacteriológica, corrida armamentista, tecnologias que afirmam a concentração do poder, entre outras” (GONÇALVES, 1990, p. 12). Os diversos movimentos faziam críticas e reivindicações ao modo de produção e de vida da época (GONÇALVES, 1990) e apresentavam como traço distintivo a luta por autonomia e emancipação (CARVALHO, 2000). Embora a crise ambiental tenha alcançado um lugar de destaque em nosso país a partir da década de 80 do século passado, há algum tempo passou a ser motivo de preocupações e estudo em diferentes regiões do planeta. Em nível nacional, foi na década de 1970 que essas lutas começaram. O país encontrava-se em um contexto histórico ditatorial, o qual se abateu ferozmente sobre diversos movimentos que aqui surgiam. Em junho de 1971, um grupo liderado pelo engenheiro 12 agrônomo José Lutzenberger funda, em Porto Alegre, a Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (AGAPAN), caracterizando-se como a primeira associação ecologista a surgir no Brasil e na América Latina. Os principais pontos destacados pela Associação eram a defesa da fauna e da vegetação, o combate ao uso exacerbado dos meios mecânicos contra o solo, o combate à poluição pelas indústrias e veículos, o combate ao uso indiscriminado de inseticidas, fungicidas e herbicidas, em uma “luta pela salvação da humanidade da destruição, promovendo a ecologia como ciência da sobrevivência e difundindo uma nova moral ecológica” (VIOLA, 1987, p. 10). A partir de 1974, a atuação da AGAPAN torna-se visível na sociedade gaúcha. Também neste ano, começam a surgir algumas associações ecológicas em cidades do Sul- Sudeste, podendo-se destacar “Movimento Arte e Pensamento Ecológico” em São Paulo. O ano de 1974 pode ser caracterizado então como o marco do movimento ecológico brasileiro, que pode ser diferenciado em três períodos, sendo a primeira fase ambientalista (1974 a 1981), caracterizada por denúncias da degradação ambiental urbana e rural; uma segunda fase transitória (de 1982 a 1985), marcada pela expansão desses movimentos; uma terceira fase (iniciada em 1986), quando o movimento ecológico percebe-se político e passa a participar da arena parlamentar (VIOLA, 1987). Em relação à caracterização política do movimento ambientalista, Carvalho (2000, p. 89) acredita que “ao levar a problemática ambiental para a esfera pública, o ecologismo confere ao ideário ambiental uma dimensão política”. A autora ainda afirma que “na medida em que o que está sendo reivindicado é o caráter público do meio ambiente, trata-se de uma luta por cidadania” (CARVALHO, 2000, p. 60). Ainda segundo Carvalho (2000), quando se compreende a problemática do meio ambiente como um fenômeno socioambiental, as questões concernentes à natureza são lançadas na esfera política (esfera pública das decisões comuns). A autora afirma que: A entrada da “natureza” na esfera da política pode ser vista como uma ampliação da esfera pública, na medida em que os destinos da vida, enquanto bios, conquistam um espaço crescente como objeto de discussão política na sociedade (p. 61-62, grifos da autora). As causas referentes à abordagem da questão ambiental ganham sentido quando se atenta para o fato de que o comportamento humano, diferentemente dos fenômenos naturais, não pode ser descrito ou explicado com base em suas características externas e objetivas, já que um mesmo ato externo pode corresponder a sentidos de ação diversos (SANTOS, 1987); de acordo com Leff (2002, p. 192) a crise ambiental problematiza o pensamento metafísico e a racionalidade científica, abrindo novas vias de transformação do conhecimento por meio do 13 diálogo e da hibridização de saberes. A problemática ambiental na qual confluem processos naturais e sociais de diferentes ordens de materialidade não pode ser compreendida em sua complexidade nem resolvida com eficácia sem o concurso e integração de campos muito diversos do saber (LEFF, 2010, p. 62). A proposição de um novo paradigma representa a possibilidade de um conhecimento não dualista, capaz de superar os conceitos dicotômicos - natureza/cultura, natural/artificial, vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo, coletivo/individual, animal/pessoa, a partir do qual os fenômenos naturais passam a ser estudados como fenômenos sociais, e não ao contrário, como no paradigma até então dominante (SANTOS, 1987). Não seria exagerado afirmarmos que em nosso século existe uma “ideia-força” que destaca a grande necessidade de existência de uma nova e diferenciada relação entre o homem e o meio natural, “para reverter o controverso, mas provável quadro de degradação ambiental global, inclusive onde o próprio capitalismo encontra-se sob suspeita, apontado por muitos como um fator decisivo da degradação ambiental” (LAYRARGUES, 2006, p. 72). Dentre as possibilidades de enfrentamento da hoje conhecida “crise ambiental”, Carvalho (1989), destaca a educação como prática social que pode oferecer alternativas e criar caminhos que contribuam para transformar e alterar os padrões de relação de exploração sociedade-natureza. Já há algum tempo se tem pensado sobre processos educativos para aquisição de conhecimentos do ambiente natural e modos de preservação e tratamento de degradações ambientais promovidas pela atividade humana, mas, é na década de 1960, com o movimento mundial sobre a questão ambiental, que se faz uso pela primeira vez do termo “educação ambiental” e, assim, amplia a relação e os objetivos da educação com essas questões (CARVALHO, 1989). Para esse mesmo autor, (CARVALHO, 2006), A busca de modelos de ação e a definição de medidas, por parte de certos setores sociais, com o objetivo de minimizar, corrigir ou reverter situações de impacto ambiental ou a busca de possíveis transformações radicais dos padrões de relação ser humano-sociedade-natureza têm apontado caminhos bastante diversificados em termos de propostas de ação. No entanto, é interessante observarmos hoje, nos diferentes setores sociais, uma forte tendência em reconhecer o processo educativo como uma possibilidade de provocar mudanças e alterar o atual quadro de degradação do ambiente com o qual deparamos (p. 21). 14 Santana (2005), ao justificar a educação ambiental como prática social necessária, explicita a relação existente entre novas realidades que se impõem e a educação, e consequentemente, [...] neste reconhecimento do mundo que habitamos a educação ambiental se impõe como necessária em nossa época. A realidade de degradação do ambiente e a consequente crise ambiental que nos assola justificam a Educação Ambiental e a tornam cada vez mais uma prática social necessária (SANTANA, 2005, p. 10). “O qualificador ambiental surge [...] ganhando legitimidade dentro deste processo histórico como sinalizador da exigência de respostas educativas a este desafio contemporâneo de repensar as relações entre sociedade e natureza” (CARVALHO, 2001, p. 45). Para a autora, Uma vez identificada a entrada da EA como parte dos processos de transição ambiental e suas inúmeras interfaces com diferentes campos de ação da extensão rural, cabe abrir um debate sobre as modalidades desta prática educativa, suas orientações pedagógicas e suas consequências como mediação apropriada para o projeto de mudança social e ambiental na qual esta vem sendo acionada. Em primeiro lugar, caberia perguntar: existe uma educação ambiental ou várias? Será que todos os que estão fazendo educação ambiental comungam de princípios pedagógicos e de um ideário ambiental comuns? A observação destas práticas facilmente mostrará um universo extremamente heterogêneo no qual, para além de um primeiro consenso em torno da valorização da natureza como um bem, há uma grande variação das intencionalidades socioeducativas, metodologias pedagógicas e compreensões acerca do que seja a mudança ambiental desejada (p. 44). Segundo Lima (2005), a Educação Ambiental cresceu, diversificou-se e institucionalizou-se como novo campo de atividade social e de saber. “Essa interseção entre o ambiental e o educativo, no caso da EA, parece se dar mais como um movimento da sociedade para a educação, repercutindo no campo educativo parte dos efeitos conquistados pela legitimidade da temática ambiental na sociedade” (CARVALHO, 2000, p. 189). Ainda sobre as reflexões em relação a EA, para GRUN (1996), A educação ambiental surge hoje como uma necessidade quase inquestionável pelo simples fato de que não existe ambiente na educação moderna. Tudo se passa como se fôssemos educados e educássemos fora de um ambiente [...] A adição do predicado ambiental que a educação se vê agora forçada a fazer explicita uma crise da cultura ocidental (p. 21, grifos do autor). Em um mundo que possui características de ensino “disciplinado”, a Educação Ambiental necessita da interdisciplinaridade, para realizar-se da melhor maneira. Segundo Compiani (2007, p. 31), “é um olhar para o ambiente, que entrou em pauta para todas as 15 ciências a partir da crise socioambiental, antiga na história da humanidade, mas inescapável de ser enfrentada neste novo milênio”. Faz-se necessário a formação de cidadãos participativos, que através de uma visão interdisciplinar, sejam capazes de focar de modo disciplinar na resolução de determinados problemas e situações, realizando assim um diálogo do disciplinar com o interdisciplinar; “um pensar local/globalmente e saber atuar local e globalmente (máxima dos movimentos ambientalistas com fortes implicações na educação ambiental). Mais ainda: cidadãos que saibam fazer mediações entre culturas, saberes acadêmicos e cotidianos, valores, interesses e imagens do futuro” (COMPIANI, 2007, p. 32). A educação ambiental, antes de tudo, é Educação (SANTANA, 2005). Sendo assim, “enquanto Educação, para atingir a mudança ambiental, possui relações não apenas com a mudança cultural, mas também com a mudança social, sobretudo em sociedades acentuadamente desiguais” (LAYRARGUES, 2006, p. 79). Layrargues (2006) afirma ainda que, sendo educação, a EA é um instrumento ideológico de reprodução social e um veículo por onde também se atravessa a disputa pela conservação ou transformação das condições sociais existentes. Na cultura ocidental, o processo de educação sempre esteve atrelado ao processo de formação humana, significando a própria humanização do homem, já que este é um ser que não nasce pronto e precisa cuidar de si mesmo, buscando uma melhoria e perfeição em seu modo de ser (SEVERINO, 2006). Dentre vários autores que procuraram fundamentar os posicionamentos que relacionam a prática educacional com ações formadoras e transformadoras, chama a nossa atenção, entre outros, os trabalhos de Theodor W. Adorno (1903-1969), filósofo e sociólogo alemão que teve sua obra marcada pela defesa de uma formação humanística que capacitasse uma consciência crítica da realidade. Adorno (1995) considera que o capitalismo aliena a vida humana através da construção da heteronomia, em que o indivíduo sujeita-se à vontade de terceiros, deixando de exercer assim os desejos de sua individualidade e passa a pensar e agir igual ao coletivo. Porém, o autor ainda acredita que o espírito que não se detém apenas aos fatos e tem em si o impulso subjetivo de que necessita (condição daquele que escolheu uma profissão intelectual), entrega-se a este impulso, não se conformando com a situação, sua gravidade e suas dificuldades, reagindo frente a ela e refletindo sobre ela. Para isto, ele vê na educação um modo de resistência, capaz de ajudar na formação de uma consciência crítica e libertadora das contradições da coletividade, onde tem por objetivo emancipar as pessoas e evitar a barbárie. 16 Para o autor, esta se constitui no impulso de destruição humano, gerando uma agressividade, a qual podemos perceber em nosso cotidiano das mais diversas maneiras, de formas mais brandas e quase imperceptíveis até situações extremas, como o nazismo, muito destacado em sua obra. Sobre barbárie e educação, o autor destaca que [...] a barbárie, terrível sombra sobre a nossa existência, é justamente o contrário da formação cultural, então a desbarbarização das pessoas individualmente é muito importante. A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e suas possibilidades. E para isto ela precisa libertar-se dos tabus, sob cuja pressão se reproduz a barbárie (ADORNO, 1995, p.117). Assim, se pensarmos na degradação ambiental como uma possível expressão da barbárie, a crise pela qual estamos passando faz com que a Educação Ambiental se justifique e se torne cada vez mais necessária. Podemos identificá-la como uma prática política capaz de evitar, de forma intencional, a barbárie, além de ser uma atividade humana que seja capaz de contribuir na constituição da humanidade em nós (SANTANA, 2005). A formação humana, ao transformar o ser biológico em um ser de cultura, resulta do ato intencional denominado Educação, ou seja, algo exterior imposto sobre alguém, na intenção de formação desta pessoa como ser humano, realizado por seus antecessores na vida social. Não sendo o processo educativo apenas uma formação externa, educar compreende também desenvolver as capacidades intelectuais de cada educando, capacitando-o física, intelectual e moralmente para que o indivíduo conduza a continuidade de sua formação, tornando-se livre e independente de seus precursores (RODRIGUES, 2001). Apesar das possibilidades de transformação das estruturas sociais abertas pelo processo educativo, Carvalho (1989) alerta-nos para a necessidade de uma perspectiva crítica sobre a educação, evitando, assim, que criemos uma expectativa exageradamente otimista e ilusória sobre a educação como processo de transformação social. Quando se fala em Educação Ambiental, por exemplo, logo se imagina que esta é intrinsicamente transformadora, por ser uma inovação educativa recente que questiona o que é qualidade de vida [...] Contudo, isto não é uma “verdade automática” (LOUREIRO, 2003, p. 37). Apenas se pensar na reforma da relação entre os humanos e a Natureza, sem modificar as relações sociais, não parece uma perspectiva coerente para autores que fazem defesa por uma nova postura, trazendo a educação ambiental ao terreno político. Esse posicionamento é reforçado por (LIMA, 1999, p. 136) quando afirma que “não entendemos a educação como uma panaceia capaz de solucionar todos os problemas sociais, 17 mas também consideramos não ser possível pensar e exercitar a mudança social sem integrar a dimensão educacional”. Para Saviani (2009), A educação se relaciona dialeticamente com a sociedade. Nesse sentido, ainda que elemento determinado, não deixa de influenciar o elemento determinante. Ainda que secundário, nem por isso deixa de ser instrumento importante e por vezes decisivo no processo de transformação da sociedade (p. 59). O ato de formar um ser humano se dá em dois planos, sendo um de fora para dentro e outro, de dentro para fora. Ao ser educado de fora para dentro, ele tem que ser educado por uma ação externa a ele, “de modo similar à ação dos escultores que tomam uma matéria informe qualquer, uma madeira, uma pedra, ou um pedaço de mármore, e criam a partir dela um outro ser” (RODRIGUES, 2001, p. 240). A possibilidade de a Educação Ambiental consolidar-se no cenário do ensino torna-se concreta através de uma fundamentação epistemológica que a sustente e de práticas pedagógicas coerentes com tal sustentação (SANTANA, 2005, p. 12). Nessa direção, parece-nos então, fundamental que “se procure explicitar as dimensões que se pretende imprimir aos programas propostos, procurando balizar mais coerentemente possível o nível da intenção com o nível da ação” (CARVALHO, 2006, p. 22). Para tal, Carvalho (2006) propõe um modelo em que a educação ambiental encontra, como um dos pontos centrais de sua base, a dimensão política, já que uma formação transformadora e uma nova relação sociedade-natureza torna-se para alguns um objetivo desta proposta. Neste modelo, em que a dimensão política é considerada como central na caracterização do processo educativo em geral e nos processos de educação ambiental em particular, são identificadas ainda outras duas dimensões vistas como recíprocas na concretização do caráter político da educação ambiental: a de conhecimentos e a de valores éticos e estéticos (CARVALHO, 2006). Em relação à dimensão dos conhecimentos, segundo Carvalho (2006), ela não deve ser entendida como algo limitado às expressões de conhecimento somente como produto da ciência nem deve ser enfatizado o conhecimento em sua forma escolarizada. Deve, no entanto, ser entendida como conhecimentos que se relacionam com mundo natural e ao mundo da cultura, considerando-se o próprio processo de produção do conhecimento científico como produto da prática humana. Não podem deixar de ser considerados ainda aspectos que possuam relação com a natureza do conhecimento científico e com influências de fatores econômicos, políticos e sociais no processo de produção desse conhecimento. “As 18 possibilidades de explorar a natureza do conhecimento científico e a instigante relação entre produção científica e produção artística são aspectos que merecem a atenção de nossos projetos em educação ambiental” (CARVALHO, 2006, p. 33). Com essas implicações, Carvalho (1989) alerta para o fato de que, ao ser compreendido e trabalhado, o conhecimento científico deve ser abordado de forma a interpretar a realidade, o que caminha em direção ao que Santos (1987) acredita: todo o conhecimento científico natural é um conhecimento científico-social, e com isso afirma que “a distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e utilidade” (p. 13). A crítica ao modelo relacional entre ciência, tecnologia e sociedade (CARVALHO, 1989) nos permitiu verificar que o desenvolvimento tecnológico pouco ordenado nos separou da natureza, trazendo o desconforto da separação sujeito/objeto também às ciências naturais. Desconforto esse que até então havia sido notado apenas nas ciências sociais. Tal fato nos permite afirmar hoje que o “objeto é a continuação do sujeito por outros meios, e por isso, todo o conhecimento científico é auto-conhecimento” (SANTOS, 1987, p. 19, grifos meus). Outro ponto destacado pelo autor, ainda em relação ao conhecimento, é que no paradigma, ao qual ele chama “paradigma emergente”, o conhecimento é local e total, e deve constituir-se em redor de temas, como, por exemplo, projetos de vida locais, reconstituição da história de um lugar, erradicação de uma doença, entre outros, deixando de ser um conhecimento com fragmentação disciplinar. Com a nova visão de ciência, que entende o conhecimento como racional somente pela sua relação com o todo, a tentativa de diálogo com outras formas de conhecimento passa a existir, sendo a mais importante de todas, o conhecimento do senso comum, com o qual, no cotidiano, orientamos nossas ações e damos sentido à nossa existência (SANTOS, 1987), e, concordando com isso, Carvalho (1989) acredita que: O entendimento dessa questão, sob essa perspectiva, exigirá [...] uma postura que considere os conhecimentos produzidos pelo senso comum; que não supervalorize o conhecimento científico, diante das demais possibilidades de buscar um significado para a vida e para o mundo. Assumir tal postura, por sua vez, não significa buscar apenas no senso comum as respostas às constantes indagações que o homem se coloca, alimentando uma completa desconfiança pelas interpretações científicas (CARVALHO, 1989, p. 226). Dialogando com essa mesma ideia, Santos (1987), ao considerar o senso comum, entende que a ciência não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas acredita que da mesma forma que o conhecimento deve ser traduzido em auto-conhecimento, o conhecimento tecnológico deve exprimir-se em sabedoria de vida. 19 Tratando da dimensão de valores, Carvalho (2006) atenta para a necessidade de compreendermos nosso compromisso ético com as futuras gerações e de criarmos uma nova cultura de relação sociedade-natureza, considerando também as possibilidades de trabalhos relacionados com a dimensão estética da realidade, explorando, por exemplo, a beleza da natureza. Por fim, a dimensão política “se concretiza pela práxis humana, por meio da participação coletiva dos indivíduos na construção do ideal de cidadania e de uma sociedade democrática” (CARVALHO, 2006, p. 37). Estas dimensões, vistas como dimensões complementares e recíprocas à dimensão política, “sustentam a possibilidade de intencionalizarmos as nossas ações, visando à formação de seres humanos” (CARVALHO, 2006, p. 27). A estreita associação entre a dimensão política e as possibilidades de construção da cidadania, considerada por vários autores, assume posição central em várias propostas e projetos de educação ambiental. Para Rodrigues (2001), o conceito de cidadania só pode ser compreendido realmente na relação com a vida social e é legitimado na ação educativa. A educação cumpre esse papel ao capacitar os educandos para a “organização e distribuição de conhecimentos e habilidades disponíveis num certo momento histórico, preparação para o trabalho, acesso ao desenvolvimento tecnológico, participação crítica na vida política” (p. 236). Para que a dimensão política da educação possa se concretizar, é necessário que as práticas educativas tenham como ponto de partida, ou considerem, a realidade dos educandos e as suas experiências concretas de existência. Assim, nas práticas de educação ambiental torna-se uma exigência que, dentre outras, as diferentes experiências de impactos e degradações ambientais sejam tomadas como situações-problema que mobilizem e envolvam os estudantes no seu próprio processo formativo. Quando tentamos explicitar situações concretas de impactos ambientais, dentre os diversos problemas listados está o uso abusivo e indiscriminado de agrotóxicos utilizados para o combate às pragas na produção agrícola, que pode gerar contaminação dos solos, das águas, ameaças à saúde humana e da fauna em geral – tais consequências têm sido bastante enfatizadas. Pretendemos focar o presente trabalho nesse problema, além de discutir as possibilidades e limites do processo educativo cujo tema é o meio ambiente. O argumento utilizado para justificar a continuidade do modelo de produção agrícola hoje amplamente difundido está relacionado à demanda necessária de alimento, devido ao aumento da população mundial. As pragas agrícolas são apontadas como um dos principais 20 fatores limitantes da produção em larga escala. Assim, o uso de agrotóxicos se justifica como medida para atender a tal demanda (ALVES; OLIVEIRA-SILVA, 2003). Os autores fazem menção ainda à política de interesse de capital nacional e internacional, à modernização nos modos de produção rural e de uma atuação do Estado que se posiciona de modo pouco preocupado com a preservação ambiental e a saúde da população em geral, tratando o ambiente como fonte de recursos inesgotáveis, que possui “capacidade ilimitada para suportar os despejos químicos e as modificações topográficas derivadas da produção agrícola” (ALVES; OLIVEIRA-SILVA, 2003, p.137). Sobre esta tendência, concluem que: Dentro deste modelo de desenvolvimento que se preocupou muito pouco com o aspecto socioambiental, era de se esperar um total despreparo diante destas tecnologias, através de um aumento da utilização do maquinário e, principalmente, dos insumos agrícolas. Estes geraram, como efeito colateral da modernização, não só uma degradação ambiental significativa, mas também o aumento assustador dos incidentes de contaminação humana. (ALVES, OLIVEIRA-SILVA, 2003, p. 138). Tendo consciência dos problemas que o uso abusivo de agrotóxicos causa não somente à saúde humana, mas à saúde da natureza como um todo, Almeida (2009) ressalta-nos que: Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA o uso intenso de agrotóxicos levou à degradação dos recursos naturais – solo, água, flora e fauna, em alguns casos de forma irreversível, causando desequilíbrios biológicos e ecológicos. Além de agredir o ambiente, a saúde também pode ser afetada pelo excesso dessas substâncias. Este é um assunto que exige uma educação alicerçada nos princípios da formação para o exercício da cidadania (ALMEIDA, 2009, p. 1). Para Trapé (2003), somos um país com grande produção agrícola e pouca estrutura social que possa amenizar essa situação do uso abusivo de agrotóxicos em nossas lavouras. Esse autor apresenta-nos alguns dados que relatam a realidade brasileira no que diz respeito à contaminação da população rural e urbana por esses produtos, ao apontar-nos que, Segundo as estatísticas oficiais do Ministério da Saúde pelo Sinitox (Sistema Nacional de Informações Tóxicofarmacológicas), para o ano de 1998, 5914 casos de intoxicação por agrotóxicos no país. Destes casos notificados, que sabe-se haver um imenso sub-registro, metade deles ocorreram na zona urbana, indicando que esta problemática não se atém ao setor agropecuário e tampouco ao trabalhador rural isoladamente mas é sim uma questão de saúde pública (TRAPÉ, 2003, p. 1). “O conhecimento e a tomada de consciência pela sociedade sobre os efeitos dos agrotóxicos ocorrem, principalmente, a partir do lançamento do livro “Primavera Silenciosa” (Silent Spring) de Rachel Carson, no ano de 1962” (ALMEIDA, 2003, p. 8). Esta obra apresenta-se como sendo pioneira em mostrar detalhes dos efeitos maléficos advindos do uso 21 de pesticidas sintéticos, gerando o “debate acerca das implicações da atividade humana sobre o ambiente e o custo ambiental dessa contaminação, para a sociedade humana” (ALMEIDA, 2003, p. 8). Entre as denúncias da autora, fica explícito que, “O mais alarmante de todos os ataques do ser humano ao meio ambiente é a contaminação do ar, do solo, dos rios e dos mares com materiais perigosos e até mesmo letais. Essa poluição é, na maior parte, irrecuperável; a cadeia de males que ela desencadeia, não apenas no mundo que deve sustentar a vida, mas nos tecidos vivos, é, na maior parte, irreversível [...] os produtos químicos espalhados pelas terras de cultivo, florestas ou jardins permanecem por longo tempo no solo, penetrando nos organismos vivos, transmitindo-se de um a outro em uma cadeia de envenenamento e morte” (CARSON, 2010, p. 22-23). O processo de pulverização parece estar ligado a uma espiral infinita. Com o início da produção do DDT (dicloro-difenil-tricloroetano), o uso de produtos tóxicos faz-se cada vez mais necessário. A população de insetos que permanece viva se reproduz, gerando organismos genotipicamente mais resistentes, o que faz com que a cada dia produtos mais fortes sejam utilizados numa guerra química sem fim. Nosso estilo moderno de viver desencadeia essa série de desastres (CARSON, 2010). Como já mencionado, no Brasil, a questão ambiental começa a ser levantada como problema por José Lutzenberger, agrônomo e ambientalista brasileiro que participou ativamente na luta pela preservação ambiental. Sua liderança do movimento no Brasil consolidou-se em 1976, quando lançou o livro “Manifesto Ecológico Brasileiro: O Fim do Futuro?”, sua obra mais conhecida. Nesta obra, o autor explicita de maneira enfática e denunciante os problemas gerados pelo uso abusivo desses produtos químicos: “Por sua própria essência, e ainda mais da maneira como vêm sendo praticados entre nós, os métodos agrícolas modernos são métodos imediatistas que significam produtividade momentânea às custas da produtividade futura [...] Além de destruirmos os últimos equilíbrios naturais gratuitos, para substituí-los por retroações artificiais, cada vez mais caras e mais perniciosas, contaminamos toda a alimentação humana e animal. As intoxicações agudas e as espetaculares mortandades de gado e de fauna terrestre ou aquática, ultimamente tão badaladas nos meios de comunicação, são apenas a ponta visível do iceberg. Os estragos sanitários e ecológicos, devidos aos efeitos crônicos do envenenamento geral da Ecosfera, acabarão por liquidar-nos” (LUTZENBERGER, 1980, p. 23-24). Para o autor, entre as pessoas que buscam informações, ninguém mais tem dúvidas sobre a gravidade da crise que nos cerca (LUTZENBERGER, 1980). 22 Infelizmente, frente a práticas capazes de minimizar impactos ambientais através de expressiva diminuição na contaminação de solos, da água, do homem e de animais em geral, contrapostos político-econômicos à sua realização fazem disso uma problemática conflituosa e controversa. No presente trabalho, pretendemos olhar para sujeitos envolvidos com a ação educativa relacionada à temática ambiental em comunidades nas quais está presente o uso intensivo de agrotóxicos, na tentativa de compreender os significados atribuídos por esses sujeitos ao uso de agrotóxicos nas lavouras, e as possibilidades do processo educativo frente a esta realidade, considerando sua trajetória pessoal e profissional, assim como também seu envolvimento político e social com o local. Neste sentido, relacionando a crise ambiental e o problema específico que trazemos em relação aos malefícios causados à saúde humana e ao meio ambiente como um todo pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas atividades agrícolas, tivemos a oportunidade de contatos com Guapiara, uma cidade situada no interior do estado de São Paulo, a 260 km da capital paulista. Nesse local, grande parte da comunidade possui relações de parentesco ou amizade com os agricultores do município, e a produção de alimentos é praticada de forma pouco controlada, seja em relação à quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras, seja também pela forma de aplicação sem as mínimas condições de proteção à saúde dos habitantes e do meio em que se inserem. Delimitar essa área para investigação parece-nos ter uma grande contribuição com as questões que envolvem esta pesquisa, principalmente no que se refere aos problemas ambientais presentes nesta região e a possibilidade da educação como um caminho de transformação dessa realidade. A região escolhida para coleta e para o desenvolvimento deste trabalho será melhor apresentada no capítulo 3 desta dissertação, que tratará sobre a abordagem metodológica e os procedimentos de pesquisa. No que diz respeito aos problemas ambientais gerados por más práticas agrícolas, especificamente relacionadas ao uso abusivo de agrotóxicos, podemos perceber o quanto esses problemas estão presentes em diferentes contextos, e o quanto o processo de intervenção pela educação se faz necessário (LUND et al. 2010). Esses autores desenvolveram a pesquisa na cidade de Cotonou, Benin – país da região ocidental da África - e registraram o aumento no uso de pesticidas sintéticos em Cotonou, na medida em que certas pragas agrícolas desenvolveram resistência a esses pesticidas. Este artigo avaliou o impacto de um programa de ensino e treinamento realizado com os agricultores do município, onde técnicas de MIP (Manejo Integrado de Pragas) foram 23 adotadas, e também uma abordagem sobre o modo mais adequado de aplicação de agrotóxicos e sensibilização para os riscos à saúde. Foram realizadas cinquenta e quatro entrevistas semi-estruturadas com os trabalhadores. Segundo os autores, o desenvolvimento do projeto permitiu que os participantes adquirissem conhecimentos sobre o MIP, o que consequentemente promoveu a capacidade para se tomar decisões de gestão com base na ocorrência da praga e um melhor conhecimento sobre a saúde de plantas. Ainda assim, eles notaram que os participantes não mudaram suas práticas de forma significativa em relação ao uso de pesticidas sintéticos, pois é necessário muitas vezes mais do que um bom entendimento para mudar as práticas habituais. Uma força motriz que eles destacaram em muitas das práticas dos produtores rurais é a rentabilidade. Entre outros fatores que impedem o uso de MIP e o uso de pesticidas sintéticos com mais segurança, estão ainda a falta de conhecimento ecológico, falta de acesso a informações do produto, pouca disponibilidade dos produtos certos e um custo relativamente elevado destes. Foi possível notar que muitos sujeitos de pesquisa desejavam produtos agrícolas de melhor qualidade, com uma utilização mais segura de pesticidas, porém o desejo de obter lucros mais elevados levou alguns agricultores a práticas inseguras, tais como não respeitar o intervalo de colheita e utilizar pesticidas sintéticos proibidos. Os resultados da pesquisa indicam uma relação conflituosa entre a saúde ambiental e humana e os fatores econômicos, sendo estes mais importantes. A consciência quanto aos perigos dos agrotóxicos e quanto à importância dos equipamentos de proteção adequada foi notada; muitos produtores, inclusive, já sentiram os efeitos negativos dos pesticidas em sua saúde. Ainda assim, a maioria deles não usa equipamentos de proteção devido às despesas que isso pode acarretar. Os autores do trabalho concluem que não só há a necessidade de considerarmos o processo educativo envolvendo agricultores – individuais ou em grupos – como também é necessário o envolvimento de extensionistas, pesquisadores, políticos e ONGs. Além do componente educativo, todos os outros fatores, tais como a extensão do conhecimento e os determinantes econômicos, desempenham um papel importante no estabelecimento de práticas agrícolas mais seguras. Trabalhos que abordam a mudança da prática agrícola convencional para a orgânica - essa última considerada menos agressiva ao ser humano e ao meio ambiente - também estão sendo realizados. Panneerselvam et al. (2011) realizaram um estudo na Índia, onde o número de agricultores que estão migrando para a agricultura orgânica tem crescido nos últimos anos, 24 apesar da falta de apoio do governo no fornecimento de conhecimentos e extensão para esses produtores. Este trabalho teve como objetivo investigar a relevância, os benefícios e as barreiras de uma conversão para a agricultura orgânica em três diferentes contextos indianos – nos estados de Tamil Nadu, Madhya Pradesh e Uttakahand. Em cada estado, 40 agricultores de ambos os sistemas – orgânicos e convencionais – foram entrevistados. Os resultados indicaram que os produtores convencionais identificaram barreiras de produção e de comercialização como as principais restrições para a adoção da agricultura orgânica. Falta de conhecimento e falta de apoio institucional também foram apontadas como outras barreiras à essa conversão. O estudo concluiu que a redução da produção e a questão do controle de pragas e doenças sem o uso de produtos químicos foram considerados um desafio para os agricultores orgânicos e uma barreira para os agricultores convencionais. Essa pesquisa revelou que agricultores indianos também apresentam um baixo nível de conhecimento técnico sobre os métodos de produção orgânica, necessitando de apoio por parte de ONGs e outras instituições. Assim, é importante que uma estratégia de suporte em longo prazo seja desenvolvida. Com isso, concluiu-se que organizações governamentais e não governamentais e instituições de pesquisa precisam colaborar no fornecimento de informações, aconselhamento, formação e apoio financeiro durante o período de conversão para pequenos agricultores, até que eles possam colher os benefícios da agricultura orgânica. No Brasil, estes estudos também estão presentes, relacionados muitas vezes ao espaço de educação formal, como no caso do estudo de Touso (2000), que objetivou identificar se a questão dos agrotóxicos é abordada nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas rurais da região de Franca. O trabalho procurou ainda verificar a existência de correlações entre a prática docente declarada pelas professoras em termos de Educação Ambiental, sua formação docente e condições de trabalho. A coleta de dados foi realizada através de questionários e entrevistas aplicadas junto à parcela da população de professoras das escolas envolvidas. Nas conclusões da pesquisa ficou constatado que, nas escolas rurais de Franca, a educação ambiental está presente, manifestada por diversos tópicos de conteúdo - entre eles os agrotóxicos - mas que não recebe especial destaque nesse contexto. Essa educação ambiental é praticada preferencialmente na modalidade instrumental. Foi possível estabelecer ainda correlações entre o tipo de educação ambiental que as professoras declaram praticar e as principais características de formação a ela relacionadas. 25 As professoras apresentaram um perfil de formação inicial bastante distante das bases de conhecimento em que se sustenta a educação ambiental, principalmente no que se refere às ciências físicas e naturais. Esse perfil se reflete nas suas práticas pedagógicas relacionadas à questão ambiental e parece explicar suas dificuldades no desenvolvimento de trabalhos relacionados a esta temática. Segundo a autora, o que ficou visível foi o esforço de superação das professoras em relação às suas deficiências de formação, no transcorrer do dia-a-dia escolar, porém, esses esforços esbarram em outros obstáculos (algumas das suas condições de trabalho e na forma como as autoridades responsáveis pelas mudanças educacionais encaram o papel do professor nesse processo). “São contrariadas, assim, as concepções modernas neste campo, que preconizam o professor como um investigador crítico-reflexivo de sua própria prática e capaz de atuar como um intelectual autônomo na reformulação dos rumos do seu ensino” (TOUSO, 2000, p. 95). Com os resultados alcançados, percebe-se que, sem a concretização de um ensino que aborde e efetive um trabalho com temas relacionados a problemas tão presentes no contexto de vida desses alunos de escola rural, como é o caso do tema dos agrotóxicos, a educação ambiental praticada fica longe de proporcionar novas visões de mundo e contribuir para a formação de cidadãos capazes de responder aos desafios da realidade e nela atuar com consciência e responsabilidade. Segundo Almeida (2009), com o agravamento dos problemas ambientais e diante de discussões sobre a natureza do conhecimento científico e seu papel na sociedade, no mundo todo, houve o crescimento de um movimento que passou a refletir criticamente as relações entre ciência, tecnologia e sociedade (CTS). Com isso, seu trabalho analisou o processo da aprendizagem em química a partir da abordagem CTS, utilizando o tema “agrotóxicos” como eixo norteador para caracterizar o ensino, juntamente com os processos e os resultados das vivências com a população do Assentamento Nathur de Assis e suas implicações na formação do Técnico Agrícola. A Escola Agrotécnica Federal de Santa Inês, localizada na cidade de Santa Inês/BA, foi o contexto escolhido para o trabalho, envolvendo trinta e oito alunos da terceira série do Curso Técnico Agrícola com Habilitação em Agropecuária e pequenos produtores assentados da região do Vale do Jequiriçá. Para o desenvolvimento do trabalho, utilizou-se três momentos pedagógicos: Problematização Inicial (PI), problematizando de forma dialógica o tema a ser tratado na atividade educativa; Organização do Conhecimento, ampliando o diálogo advindo do PI; e 26 Aplicação do Conhecimento (AC), trabalhando os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Os resultados obtidos a partir da mediação entre professor e alunos indicam que muitos assentados já tinham sofrido algum tipo de intoxicação, verificando-se a necessidade de uma formação para os produtores. O autor diz ainda que, após análise dos resultados, pode- se considerar que os conhecimentos adquiridos através do diálogo promovido dentro da disciplina puderam ser trabalhados de forma articulada com problemas sociais, promovendo uma aprendizagem mais significativa. Segundo Almeida (2009), a proposta possibilitou o envolvimento dos alunos através de uma participação ativa nas tarefas da sala de aula e no assentamento, contribuindo para uma formação mais comprometida com as questões sociais. Já no trabalho de Peres (2003), o autor começa destacando uma série de fatores que impõem valores e legitimam o uso de agrotóxicos, entre eles: o baixo nível de escolaridade, a falta de uma política e de um acompanhamento técnico mais eficiente, a pouca atenção ao descarte de rejeitos e embalagens, e as intensivas propagandas das empresas produtoras de agrotóxicos. O estudo realizado por ele objetivou o desenvolvimento de uma metodologia de diagnóstico rápido para a avaliação da percepção de riscos no trabalho rural – sobretudo aqueles relacionados ao uso de agrotóxicos – que possibilite integrar os conhecimentos, crenças e temores do homem do campo nas estratégias de avaliação e comunicação de riscos dirigidas a estes grupos populacionais. A pesquisa foi realizada em duas áreas agrícolas do município de Nova Friburgo/RJ, bastante distintas entre si, no que diz respeito aos seus processos produtivos, porém bastante semelhantes em relação à organização comunitária e à estrutura étnica. Uma nova abordagem para a avaliação da percepção de riscos, baseada em triangulação metodológica que inclui observações participantes, entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave e avaliação do processo de trabalho foram utilizados. A análise dos dados revelou uma série de questões relacionadas à percepção de riscos da população estudada, incluindo o desenvolvimento de estratégias de defesa frente aos perigos vivenciados no trabalho, as respostas subjetivas frente a situações de potencial dano à saúde e o papel da percepção individual e coletiva dos riscos na determinação da exposição a produtos químicos perigosos, sobretudo os agrotóxicos. Os resultados apontaram para a importância das análises de percepção de riscos no processo de construção de estratégias de intervenção no meio rural, sobretudo políticas e campanhas educativas e de comunicação de riscos. 27 Os resultados das pesquisas apresentadas nos trazem alguns indicativos de que a proposta de explicitar em nosso trabalho possíveis sentidos construídos a partir dos depoimentos de diferentes atores sociais de uma comunidade sobre as relações entre o uso intensivo de agrotóxicos, a educação ambiental e as possibilidades de formação política e construção da cidadania pode ser relevante. Essa tentativa de construção visa contribuir para um possível entendimento dessa problemática e também de como a educação, mais especificamente, a educação ambiental pode ajudar nessa situação. Considerando as questões até agora apresentadas e alguns pressupostos que orientam esta investigação, elegemos as seguintes questões como norteadoras desse projeto de pesquisa: • Quais os significados atribuídos por professores e moradores de uma comunidade agrícola sobre a questão do uso de agrotóxicos nas lavouras? Que justificativas e argumentos sustentam os seus depoimentos e suas considerações sobre tais práticas? • A Educação Ambiental é em alguma passagem dos depoimentos desses atores sociais mencionada como uma prática social que pode, de alguma forma, estar relacionada com esta questão? Que relações entre educação ambiental e uso indiscriminado de agrotóxicos são por eles explicitadas? • Até que ponto as práticas de educação ambiental são significadas pelos diferentes agentes sociais como caminhos possíveis de formação política e de construção da cidadania? • Que sentidos podemos construir a partir de depoimentos desses atores sociais sobre o uso dos agrotóxicos nas atividades agrícolas desenvolvidas em suas comunidades e sobre o papel e o significado de práticas de educação ambiental a elas relacionadas? Tendo como orientação para o desenvolvimento desta pesquisa as questões anteriormente explicitadas, propõe-se como objetivos para esta dissertação: • Sistematizar possíveis unidades de significados a partir dos depoimentos em entrevistas com professores e moradores de uma comunidade agrícola que faz uso intensivo de agrotóxicos nas suas práticas agrícolas; • Explicitar possíveis sentidos construídos a partir dos depoimentos de diferentes atores sociais desta comunidade sobre as relações entre uso intensivo de agrotóxicos, educação ambiental e as possibilidades de formação política e construção da cidadania. • Oferecer subsídios para possíveis programas de Educação Ambiental em regiões nas quais se faz uso intensivo de agrotóxicos em práticas agrícolas. Neste percurso, no primeiro capítulo abordaremos, de forma mais específica, os agrotóxicos, tentando explorar brevemente alguns aspectos que nos parecem significativos 28 para a compreensão da problemática em estudo e que estão relacionadas com a indústria agroquímica e os efeitos causados pela utilização de seus produtos. No segundo capítulo, procuramos discutir questões hoje postas sobre a relação entre a Educação Ambiental e os aspectos da dimensão política do processo educativo, com intenções de transformação social. O terceiro capítulo tratará da abordagem metodológica utilizada nesta pesquisa, assim como o desenvolvimento da mesma, com justificativa e descrição do local escolhido, a importância dessa região para trabalhos como este, a seleção dos sujeitos de pesquisa e a coleta de dados para investigação. O quarto capítulo apresentará os dados que pudemos construir a partir das entrevistas realizadas com os sujeitos de pesquisa e também do recorrente diálogo que pudemos estabelecer entre a pesquisadora e os sujeitos participantes da pesquisa. No quinto capítulo, procuramos sistematizar as análises dos dados coletados, segundo os referenciais teórico-metodológicos apresentados, e por fim, apresentaremos as considerações sobre os resultados das análises e algumas discussões serão apresentadas. 29 1. A TEMÁTICA AMBIENTAL E A QUESTÃO DO USO INTENSIVO DE AGROTÓXICOS Procuramos neste primeiro capítulo sistematizar alguns elementos que envolvem o debate sobre o uso intensivo de agrotóxicos, tentando explorar brevemente alguns aspectos relacionados com a indústria agroquímica e os efeitos que a utilização de seus produtos têm acarretado. Buscamos, através de uma revisão bibliográfica, alguns dados históricos sobre a produção e uso intensivo - em nível mundial e nacional - dos pesticidas sintéticos, trazendo posteriormente uma discussão sobre o processo de definição do termo, assim como suas classificações, aspectos relacionados ao descarte de embalagens, toxicidade e consequências. 1.1 Um breve histórico Entre as ocupações de maior risco para a saúde humana nos dias de hoje, podemos identificar aquelas relacionadas ao trabalho agrícola. Vários são os riscos ocupacionais relacionados a esse trabalho, porém as intoxicações agudas e doenças crônicas causadas por produtos químicos têm ganhado destaque, assim como os problemas ambientais devido ao intenso uso de agrotóxicos (FARIA et al., 2007). O impacto ocasionado sobre a saúde humana vem sendo tratado como uma das prioridades da comunidade científica em todo o planeta, principalmente nos países em desenvolvimento, onde tais produtos são ainda mais utilizados na produção agrícola (PERES et al., 2005). A tecnologia de síntese de compostos orgânicos desenvolvida durante a Segunda Guerra Mundial e a consolidação tecnológica da chamada agricultura moderna foram fundamentais para o desenvolvimento da indústria mundial de agrotóxicos. O padrão agrícola que foi estabelecido no pós-guerra resulta da estreita relação entre a agricultura moderna intensiva e a utilização desses produtos (SPADOTTO et al., 2004). As propriedades inseticidas do DDT (dicloro-difenil-tricloroetano), um marco de transição nas técnicas de controle fitossanitário, foram descobertas em 1939. As primeiras amostras desse produto chegaram ao Brasil no ano de 1943 (SPADOTTO et al., 2004). Quando, em 1962, Rachel Carson lança o livro “Primavera Silenciosa”, sua mensagem era diretamente dirigida para o uso sem discriminação desse organoclorado, que surgiu como pesticida universal, tornando-se o mais amplamente utilizado dos novos pesticidas sintéticos, sem que seus efeitos ambientais tivessem sido estudados. Com a publicação dessa obra, teve 30 continuidade através dos anos 60, o debate público sobre agrotóxicos, sendo proibidas ou alteradas algumas das substâncias listadas pela autora (ALMEIDA, 2009). Desde o início da chamada “revolução verde”, na década de 1950, foram observadas grandes mudanças no processo do trabalho agrícola (MOREIRA et al., 2002), e após 1975, as principais empresas fabricantes de agrotóxicos começaram a instalar-se em nosso país, apresentando assim o mercado brasileiro de agrotóxicos, um crescimento significativo, fazendo com que o Brasil estivesse desde meados dos anos 1970 entre os maiores consumidores de agrotóxicos do mundo (TERRA; PELAEZ, 2009). Novas tecnologias, baseadas principalmente no uso extensivo de agentes químicos surgiram para o controle de doenças, aumento da produção de alimentos e proteção contra pragas e insetos. Infelizmente, tais facilidades não vieram acompanhadas de programas de qualificação da força de trabalho – com destaque aqui para os países em desenvolvimento – causando às comunidades rurais um conjunto de riscos até então desconhecidos (MOREIRA et al., 2002). A política de modernização da agricultura, com o estímulo à indústria dos chamados defensivos agrícolas no país, deixou de lado a capacitação e treinamento do agricultor, que se viu diante de novos pacotes tecnológicos de difícil execução. Com isso, a utilização inadequada desses produtos trouxe prejuízos que vão muito além do campo econômico e alcança a dimensão social (SOARES et al., 2005). Segundo Peres et al. (2007), diversos fatores são determinantes para o aumento do impacto que o uso indiscriminado de agrotóxico causa, sendo eles: a) o baixo nível de escolaridade; b) a falta de uma política de acompanhamento/aconselhamento técnico mais eficiente; c) as práticas exploratórias de propaganda e venda, por parte das indústrias produtoras e centros distribuidores de agrotóxicos; d) o desconhecimento de técnicas alternativas e eficientes de cultivo; e) a pouca atenção dada ao descarte de rejeitos e embalagens; f) a utilização/exposição continuada dos agrotóxicos; g) o teor eminentemente técnico do material informativo disponível às populações rurais; h) as dificuldades de comunicação entre técnicos e agricultores; i) ausência de iniciativas governamentais eficientes para prover assistência técnica continuada aos trabalhadores rurais; e j) a falta de estratégias governamentais eficientes para o controle da venda de agrotóxicos (PERES, et al., 2007, p. 4). Com a pouca atenção dedicada pelos governos a esses problemas, já que seus esforços normalmente concentram-se na resolução de problemas políticos e/ou econômicos, cada vez mais os agricultores - a maioria sem preparo e assistência – tornam-se responsáveis por uma elevada produção agrícola que faz uso crescente de agrotóxicos e fertilizantes. 31 Esse uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil, e em outros países da América Latina, nos traz como dados níveis severos de poluição ambiental e intoxicação humana, geradas principalmente pelo desconhecimento, por parte dos agricultores, dos riscos a que são expostos, fazendo com que negligenciem normas básicas de saúde e segurança (PERES et al., 2007). Cerca de 20% do mercado mundial de agrotóxicos está relacionado às vendas aos países emergentes. Entre eles, o Brasil aparece em destaque como o maior mercado individual – 35% do montante – equivalente a um mercado de 1,1 bilhão de dólares (PERES et al., 2001). Dados da Associação Nacional de Defensivos Agrícolas (ANDEF) indicam ainda que o país é o quinto maior consumidor mundial de pesticidas e maior produtor e consumidor de agrotóxicos do terceiro mundo. Com o aumento no consumo de agrotóxicos no país, foi na década de 1970 que a legislação envolvendo o uso desses produtos foi atualizada, através de diversas portarias, entre elas as que tratam de questões como: registro de empresas prestadoras de serviços fitossanitários (Portaria n° 429, de 14/10/1974), rotulagem dos produtos (Portaria n° 220, de 14/03/1979) e implantação do receituário agronômico (Portaria n° 007, de 13/01/1981). Posteriormente entra em vigor a Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802, de 11 de julho de 1989) e sua regulamentação (Decreto n° 98.816, 11 janeiro de 1990) (SOARES et al., 2005). De acordo com essa lei, os agrotóxicos são: os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos (Art. 2; § 1, item a). Segundo Andrade (1995), essa lei dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, o destino final das embalagens e dos resíduos, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências (ANDRADE, 1995, p. 39). Porém, apesar da abrangência da legislação brasileira, a intoxicação em trabalhadores rurais é bastante frequente em nosso país (SOARES, et al., 2005). Estudos que se dedicaram a avaliar a exposição ocupacional e ambiental a agrotóxicos no Brasil mostraram índices de intoxicação entre 3% e 23% das populações estudadas (PERES et 32 al., 2007). No ano de 1997, foram notificados no país 7.506 casos de intoxicação por agrotóxicos, equivalendo a aproximadamente 10% de todos os casos de intoxicação registrados. Estimativas do Ministério da Saúde ainda indicam que, para cada registro de intoxicação por agrotóxicos notificado, há outros 50 não notificados, o que aumentaria esse número para 365.300 casos/ano (PERES et al., 2001). Diversos fatores podem explicar o elevado número de casos de subnotificação das intoxicações por agrotóxicos, principalmente as ocorridas em áreas rurais brasileiras. Entre eles, a falta de hospitais, centros e postos de saúde na área rural, obriga os trabalhadores rurais a percorrerem longas distâncias para conseguirem assistência médica, dificultando assim o pronto-atendimento dos casos de intoxicação nas comunidades agrícolas (OLIVEIRA- SILVA; MEYER, 2003). De acordo com Peres et al. (2009), podem ser apontados diversos complicadores, “de ordem metodológica, analítica e estrutural, que contribuem para a imprecisão dos dados disponíveis sobre intoxicações em todo o mundo, acarretando na consolidação de verdadeiras barreiras às iniciativas de intervenção e ao processo de formulação e implementação de políticas públicas específicas” (p. 2). Com exceção de grandes exportadores, a agricultura próxima aos grandes centros possui características de atividade familiar de pequeno porte, em que adultos e crianças realizam o trabalho. Com isso, crianças e jovens também estão sujeitos às contaminações, o que torna esse problema ainda mais preocupante, pois pouco se sabe ainda dos verdadeiros riscos de exposição continuada a esses compostos, alguns até mesmo suspeitos de apresentarem atividade carcinogênica ou hormonal (MOREIRA et al., 2002). Para Faria et al. (2007), apesar do crescimento da pesquisa brasileira sobre o impacto do uso de agrotóxicos sobre a saúde humana nos últimos anos, os dados ainda não são suficientes para conhecermos “a extensão da carga química de exposição ocupacional e a dimensão dos danos à saúde, decorrentes do uso intensivo de agrotóxicos” (p. 26). Considera-se assim, a importância da abordagem desse tema, uma vez que é considerada a dimensão e a diversidade dos grupos expostos, tais como trabalhadores da agropecuária, saúde pública, empresas desinsetizadoras, indústrias de pesticidas e do transporte e comércio de produtos agropecuários. 33 1.2 Definição, Classificação e Descarte de Embalagens No Brasil, várias controvérsias têm marcado a adoção dos termos “defensivos agrícolas”, “produtos fitossanitários”, “pesticidas”, “biocidas” e “agrotóxicos”. Em nosso país, a utilização do termo “agrotóxico”, em vez de “defensivo agrícola” passou a denominar os venenos agrícolas após grande mobilização civil, evidenciando-se a toxicidade desses produtos ao meio ambiente e à saúde humana. O termo foi adotado e definido na Legislação Brasileira: Lei 7.802/89 e Decretos 98.816/90 e 4.074/2002 (ALMEIDA, 2009; SPADOTTO et al., 2004). Segundo Alves e Oliveira-Silva (2003), esses produtos podem ser classificados com base em seu efeito, tais como desfolhantes, repelentes, dissecantes, inseticidas, herbicidas (no organismo-alvo), ou em sua estrutura química, como piretróides, atrazinas, organofosforados, organoclorados, ou ainda em seu mecanismo de ação tóxica, como anticolinesterásicos, anticoagulantes etc. e na toxicidade. A classificação baseada na toxicidade é obtida a partir da DL50 (dose necessária para provocar a morte de 50% no número de animais submetidos ao protocolo experimental). Conforme DL50 por via oral ou dérmica, os agrotóxicos classificam-se em quatro classes, sendo: classe I (extremamente tóxico), classe II (muito tóxicos), classe III (moderadamente tóxicos) e classe IV (pouco tóxicos) (FARIA et al., 2007), conforme mostra o Quadro 1. Quadro 1 – Classificação toxicológica dos agrotóxicos Classe toxicológica Descrição Faixa indicativa de cor I Extremamente tóxicos Vermelho vivo II Muito tóxicos Amarelo intenso III Moderadamente tóxicos Azul intenso IV Pouco tóxicos Verde intenso Fonte: Adaptado de Embrapa (2003). Como é muito grande a diversidade de produtos – aproximadamente 300 mil princípios ativos em 2 mil formulações comerciais diferentes no Brasil – é importante que se conheça sua classificação quanto à sua ação e ao grupo químico a que pertencem, sendo isso ainda muito útil para diagnóstico e tratamentos específico das intoxicações (ALMEIDA, 2009). Segundo o autor, podem ser assim classificados: a) Inseticidas: possuem ação de combate a insetos, larvas e formigas. Os inseticidas pertencem a quatro grupos químicos distintos: 34 • Organofosforados • Carbamatos • Organoclorados b) Fungicidas: ação de combate a fungos. Existem muitos no mercado. Os principais grupos químicos são: •Etileno-bis-ditiocarbamatos • Trifenilestânico • Captan • Hexaclorobenzeno c) Herbicidas: combatem ervas daninhas. Nos últimos vinte anos, é um grupo com crescente utilização na agricultura, tendo como principais representantes: • Paraquat • Glifosato • Pentaclorofenol • Derivados do ácido fenoxiacético • Dinitrofenóis d) Outros grupos importantes: • Raticidas: combate de roedores • Acaricidas: combate a ácaros diversos • Nematicidas: combate a nematoides • Molusquicidas: combate a moluscos, basicamente contra o caramujo da esquistossomose • Fumigantes: combate a insetos, bactérias. O consumo desses agentes no meio rural costuma obedecer a seguinte ordem: herbicidas > inseticidas > fungicidas. Apesar do maior uso dos herbicidas, a toxicidade destas 35 substâncias para humanos é, normalmente, inferior quando comparada à dos inseticidas, que são os compostos pertencentes à categoria dos organofosforados e dos carbamatos responsáveis pelo maior número de intoxicações no meio rural (OLIVEIRA-SILVA et al., 2001). Quando pensamos na utilização desses produtos, e os prejuízos que seu uso pode acarretar à saúde humana e do ambiente, devemos pensar não apenas nas intoxicações e degradações causadas diretamente no momento de aplicação desses compostos químicos, ou indiretamente, por meio do consumo dos alimentos. Outro fator a ser considerado, diz respeito ao descarte de embalagens, o qual, se praticado de forma incorreta, pode apresentar-se como outro fator determinante e preocupante nos casos de poluição e saúde pública. Quanto a esse descarte, Almeida (2009) afirma que, conforme decreto n° 3.550, de 27 de julho de 2000: - Somente a empresa produtora, ou estabelecimento credenciado e autorizado por órgãos competentes, poderá realizar o fracionamento e reembalagem de agrotóxicos e afins; - A devolução das embalagens deve ser realizada no prazo de até um ano, contado da data de sua compra, porém, se ao término do prazo ainda houver produto na embalagem no prazo de validade, o usuário poderá realizar sua devolução após o final deste prazo; - Os comprovantes de devolução de embalagens vazias deverão estar à disposição dos órgãos fiscalizadores pelo prazo mínimo de um ano; - Embalagens rígidas, com formulações miscíveis ou dispersáveis em água, deverão ser submetidas à tríplice lavagem, conforme orientação em seus rótulos e bulas; - Os estabelecimentos farão constar da nota fiscal de venda dos produtos o endereço para devolução da embalagem vazia, ficando ainda obrigados a disponibilizar serviço de fiscalização da quantidade e dos tipos de embalagens adquiridas. Segundo Calixto (2012), após a utilização do agrotóxico, o agricultor tem a obrigação de descartar as embalagens em uma das unidades existentes para recolhimento. Com 425 unidades que recebem o produto, o país conta hoje com esse serviço em praticamente todos os Estados, sendo que apenas o Amapá não possui ainda uma unidade. Nessas unidades, cerca de 92% das embalagens que chegam, passam por um processo de limpeza e depois são recicladas. O restante das embalagens é incinerado. 36 1.3 Toxicidade e Consequências Conforme já explicitado neste trabalho, o uso de agrotóxicos traz consequências ao meio ambiente e à saúde humana, porém, muitos desses impactos gerados pelo uso prolongado desses produtos não são ainda conhecidos. Na saúde humana, dois tipos de contaminação podem ser observados, um mais imediato, pelo manuseio direto dos produtos (que podem levar à intoxicação do trabalhador rural), e outro indireto, pelo consumo de alimento tratado com agrotóxicos (atingindo a saúde do consumidor do produto) (SOARES; PORTO, 2007), podendo ser observados três tipos de intoxicação: aguda, subaguda e crônica. Na intoxicação aguda, os sintomas surgem rapidamente (horas após exposição excessiva a produtos muito tóxicos) e podem ocorrer de forma leve, moderada ou grave, com sintomas aparentes dependendo da quantidade de veneno absorvido pelo organismo (ALMEIDA, 2009). Uma exposição moderada a produtos altamente ou medianamente tóxicos é a causa da chamada intoxicação subaguda, a qual aparece mais lentamente, causando, entre outras coisas, dor de cabeça, fraqueza, sonolência e dores no estômago. Os processos de intoxicação crônica surgem tardiamente (meses ou anos depois) e é causada por pequena ou moderada exposição a produtos tóxicos por tempo prolongado; seus danos costumam ser irreversíveis, normalmente caracterizados por paralisias ou neoplasias (ALMEIDA, 2009). As intoxicações por agrotóxicos dependem muito do contato e exposição a um ou diversos tipos de produtos. Intoxicações agudas, causadas por meio do contato/exposição a apenas um produto, apresentam sinais e sintomas fáceis de serem identificados, tornando o diagnóstico rápido e o tratamento definido. Ao contrário disso, as intoxicações crônicas, ao apresentarem um quadro clínico indefinido, faz com que se torne mais difícil o estabelecimento de um diagnóstico correto. O uso de múltiplos agrotóxicos, durante um longo período de tempo, é capaz de gerar um quadro de sintomas combinados, confundindo-se muitas vezes com outras doenças, o que gera tratamentos por vezes equivocados (ALMEIDA, 2009). Alguns estudos já correlacionam o uso de agrotóxicos com a diminuição da fecundidade e a doenças como câncer (SOARES; PORTO, 2007). O quadro abaixo (quadro 2) mostra alguns dos efeitos que a exposição prolongada de produtos agrotóxicos causa ao organismo humano. 37 Quadro 2 – Efeitos da exposição prolongada a produtos agrotóxicos. Órgão/sistema Efeito Sistema nervoso Síndrome asteno-vegetativa, polineurite, radiculite, encefalopatia, distonia vascular, esclerose cerebral, neurite retrobulbar, angiopatia da retina Sistema respiratório Traqueíte crônica, pneumofibrose, enfisema pulmonar, asma brônquica Sistema cardiovascular Miocardite tóxica crônica, insuficiência coronária crônica, hipertensão, hipotensão Fígado Hepatite crônica, colecistite, insuficiência hepática Rins Albuminúria, nictúria, alteração do clearance da uréia, nitrogênio e creatinina Trato gastrointestinal Gastrite crônica, duodenite, úlcera, colite crônica (hemorrágica, espástica, formações polipoides), hipersecreção e hiperacidez gástrica, prejuízo da motricidade Sistema hematopoético Leucopenia, eosinopenia, monocitose, alterações na hemoglobina Pele Dermatites, eczemas Olhos Conjuntivite, blefarite Fonte: extraído de Almeida (2009). Em relação ao meio ambiente, os efeitos dos agrotóxicos podem ser variados: contaminação da água e dos solos; mortalidade de organismos não alvo, muitos deles importantes no controle populacional de organismos praga, constituindo-se em seus inimigos naturais - predadores, parasitas e competidores -; rompimento das redes de interações entre espécies; extinções locais, e ainda dois aspectos importantes a serem considerados: alguns produtos químicos usados no controle de pragas podem se acumular na cadeia trófica atingindo organismos de níveis tróficos superiores ou selecionar linhagens resistentes de organismos alvo, levando à necessidade de intensificação do uso de agrotóxicos (SOARES; PORTO, 2007). Para Alves e Oliveira-Silva (2003), a permanência dos agrotóxicos na água, ar e solo depende das variáveis dos compostos – ou da mistura deles – como estrutura, tamanho, forma molecular e grupos funcionais presentes ou ausentes, o que torna necessário o conhecimento das informações sobre as propriedades físico-químicas dos contaminantes utilizados para que se possa compreender o que acontece no meio ambiente. De acordo com Spadotto et al. (2004): Os efeitos ambientais de um agrotóxico dependem intrinsicamente da sua ecotoxicidade a organismos terrestres e aquáticos e, em um sentido mais amplo, também da sua toxicidade ao ser humano. Além disso, dependem diretamente das concentrações atingidas nos diferentes compartimentos ambientais (solo, água, planta e atmosfera que, por sua vez, dependem do 38 modo e das condições de aplicação, da quantidade ou dose usada e do comportamento e destino do agrotóxico no meio ambiente (p. 13). A perda da qualidade de águas subterrâneas e superficiais tem sido a principal preocupação quando se fala a respeito do impacto da agricultura no ambiente. Esse tipo de contaminação tem um elevado potencial poluente (SOARES; PORTO, 2007). Nos rios, a capacidade de transporte de uma substância depende da estabilidade, do estado físico do composto e da velocidade de fluxo do rio. Quando o rio Reno foi contaminado com o inseticida endosulfan em 1969, evidenciou-se que o lançamento inicial se deu próximo a Frankfurt, porém o composto foi descoberto por cientistas alemães que trabalhavam a 500 km de distância (ALVES e OLIVEIRA-SILVA, 2003). Soares e Porto (2007) afirmam que, se a aplicação do agrotóxico acontecer próximo a um manancial hídrico que abasteça uma cidade e se houver contaminação, perde-se, consequentemente, a qualidade dessa água captada. Já com respeito à contaminação no solo, o acúmulo desses produtos é capaz de fragilizar e desencadear um processo de absorção de elementos minerais, o que pode reduzir o grau de fertilidade deste solo (SOARES; PORTO, 2007). Quando a veiculação se dá pelo ar, com a aplicação de agrotóxicos em spray ou pó, as gotículas de aerossol são potentes fontes contaminadoras do ar, tornando-se assim, um problema em larga escala. A extensão da contaminação atmosférica pode se dar pela influência de fatores climáticos, como, por exemplo, a ocorrência de fortes ventos que movem os agrotóxicos das áreas onde foram aplicados e aumentam a possibilidade de contaminação de regiões vizinhas à plantação (ALVES e OLIVEIRA-SILVA, 2003). As principais fontes oficiais de informação sobre intoxicação por agrotóxicos são o SINITOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas), o SIH/SUS (Sistema de Informações Hospitalares – Morbidade Hospitalar do SUS), o CAT (Comunicação de Acidentes de Trabalho), o SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) e o SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade). 1.4 A situação atual e as necessidades futuras Os usuários de agrotóxicos têm responsabilidade por sua própria segurança, e deveriam utilizar os produtos da maneira mais sensata possível, buscando seguir os padrões recomendados (BULL e HATHAWAY, 1986). 39 Infelizmente, frente à falta de informações, principalmente dos agricultores dos países em desenvolvimento, conseguir esse controle é uma meta ainda a ser alcançada. Sem conhecimento real sobre os benefícios de práticas agrícolas realizadas de forma correta, e com a dificuldade de encontrar meios de buscar esses conhecimentos, a cada dia que passa, vemos um aumento no número de trabalhadores rurais que fazem uso exacerbado do pacote agroquímico encontrado com facilidade no mercado. Após o decreto que obriga o descarte correto de embalagens, e de termos alcançado números expressivos quanto a isso – cerca de 95% das embalagens utilizadas são destinadas às unidades de recolhimento – ainda estamos longe de poder afirmar que nossas práticas caminham no sentido de melhores perspectivas no âmbito de saúde e segurança humana e ambiental. Frente a esse quadro, Bull e Hathaway (1986) consideram que a responsabilidade maior pela saúde e segurança dos trabalhadores rurais é de seus empregadores e dos governos, da mesma maneira que é de responsabilidade de cada país a proteção dos consumidores e do meio ambiente, através de uma política nacional para a agricultura. Os autores destacam ainda que não se deve esquecer da grande responsabilidade das empresas que comercializam os pesticidas. Para eles, os governos dos países aos quais eles chamam de “Terceiro Mundo”, devem: estabelecer rigorosos controles legislativos sobre a importação, formulação, distribuição, propaganda, promoção e uso dos pesticidas. Além disso, devem alocar recursos suficientes para o cumprimento efetivo dessa legislação. A legislação deve ser complementada por serviços de pesquisa agrícola, ensino e extensão suficientes e bem capacitados, elaborados especialmente para as necessidades dos agricultores pequenos e marginais e dos trabalhadores rurais. A fim de assegurar a total eficácia de todas essas medidas, serão necessárias outras, sociais e políticas, que melhorem as condições dos camponeses pobres através, por exemplo, de maiores investimentos no interior e a redistribuição das terras. Finalmente, é necessário um sistema básico de saúde estreitamente ligado aos serviços de extensão agrícola, que englobe especificamente a saúde ocupacional – especialmente para a prevenção, reconhecimento e tratamento de intoxicações por pesticidas (BULL e HATHAWAY, 1986, p. 131-132). Moreira et al. (2002) salientam a inexistência de uma política efetiva de fiscalização, controle e acompanhamento/aconselhamento técnico; a baixa escolaridade de grande parte dos trabalhadores que manipulam os agrotóxicos, impossibilitando o entendimento de informações técnicas; as práticas exploratórias de propaganda da empresas produtoras de veneno; a falta de conhecimento de técnicas de controle alternativas e a utilização dos 40 agrotóxicos e exposição contínua a esses produtos aparecem como principais fatores responsáveis pelos atuais níveis de contaminação ambiental e humana hoje encontrados. Esses autores afirmam que, enquanto esse quadro não for considerado como uma prioridade dos governos, as possibilidades de solução estarão cada vez mais distantes. Concordando com os autores, podemos afirmar que acreditamos que campanhas educativas que levem em consideração o nível educacional dos trabalhadores rurais devem ser realizadas, assim como também o desenvolvimento de atividades contínuas e específicas – principalmente com as crianças nas escolas locais. Essas medidas poderiam levar a mudanças no quadro de contaminação e de risco à saúde do trabalhador rural em médio e longo prazos. 41 2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A DIMENSÃO POLÍTICA DO PROCESSO EDUCATIVO Toda educação, ao carregar consigo as possibilidades de transformação social ou manutenção da ordem existente, é um ato político (LIMA, 2004). O caráter político da educação e, portanto, da educação ambiental ganha destaque diante da impossibilidade de neutralidade de tais práticas, visualizadas como uma atividade da prática social. Considerá-las assim não quer dizer, porém, que sejam “necessariamente críticas e transformadoras, podendo ser também, porque políticas, não críticas e reprodutoras” (TOZONI-REIS, 2007, p. 1). Para a autora, a educação crítica – a qual pretendemos tomar como base para este trabalho - corresponde à ação política da educação com intenção de transformação social. Freire (2001) aponta que como processo de conhecimento, formação política, manifestação ética e estética, capacitação científica e técnica, a prática educacional é indispensável aos seres humanos e específica em sua história enquanto movimento e luta. Essa prática educativa, ao reconhecer-se como prática política, não se deixa aprisionar na burocracia reducionista dos procedimentos escolares. Preocupada com o processo de conhecimento, o interesse da prática educativa está em possibilitar tanto o ensino de conteúdo quanto a conscientização. Segundo esse autor, não é possível a existência de uma prática educativa neutra, sem comprometimento político, pois o que faz com que a prática educativa persiga um sonho, uma utopia, é a sua politicidade e não neutralidade. Da mesma forma, entende-se ainda que “não basta dizer que a educação é um ato político assim como não basta dizer que o ato político é também educativo. É preciso assumir realmente a politicidade da educação” (FREIRE, 2001, p. 25). Saviani (1999, p. 94), ao relacionar a política ao campo educacional, nos diz que “educação e política, embora inseparáveis não são idênticas. Trata-se de práticas distintas, dotadas cada uma de especificidade própria”, porém, ele também considera que, apesar de serem atividades distintas, não são totalmente independentes e absolutamente autônomas. São inseparáveis e estão intimamente relacionadas. A importância política da educação reside, para este autor, na sua função de socialização do conhecimento. É, pois, realizando-se na especificidade que lhe é própria que a educação cumpre sua função política (SAVIANI, 1999, p. 98). 42 Loureiro (2002) justifica a dimensão política da educação ao dizer que “o conhecimento transmitido e assimilado e os aspectos técnicos desenvolvidos fazem parte de um contexto social e político definido” (LOUREIRO, 2002, p. 71). Para ele, o que é produzido em sociedade traz as marcas de suas exigências e contradições. Com isso, o domínio do conhecimento técnico-científico capacita o indivíduo de consciência sobre quem ele é e lhe permite intervir de maneira mais adequada no ambiente, o que faz desse saber técnico, parte do controle político e social. Podemos reconhecer a dimensão política da educação na medida em que as relações estabelecidas no meio ao qual estamos inseridos, seja na escola, na família, no trabalho, ou na comunidade, permitem que o indivíduo adquira uma percepção crítica sobre si mesmo e também sobre a sociedade, podendo ter um melhor entendimento sobre a posição social que ocupa e “construir a base de respeitabilidade para com o próximo” (LOUREIRO, 2002, p. 72). De acordo com Carvalho (2004), É possível denominar educação ambiental a práticas muito diferentes do ponto de vista de seu posicionamento político-pedagógico. Assim, torna-se necessário situar o ambiente conceitual e político onde a educação ambiental pode buscar sua fundamentação enquanto projeto educativo que pretende transformar a sociedade (CARVALHO, 2004, p. 18). A educação ambiental deveria ajustar-se na perspectiva de uma prática pedagógica que mantenha ou altere as relações sociais existentes, mesmo que essas relações sejam referentes ao convívio do ser humano com a natureza, e não necessariamente se refiram ao convívio social (LAYRARGUES, 2006). Assim, atividades de educação ambiental seguem modelos pedagógicos liberais ou progressistas que reproduzem as condições sociais, “mantendo ou transformando as relações sociais – como também se circunscreve dentro das distintas tendências filosóficas e políticas do espectro ideológico ambientalista que se traduz nas doutrinas ecocapitalistas, ecosocialistas, ecoanarquistas, ecoautoritárias...” (LAYRAGUES, 2006, p. 75). Para o autor, “a educação ambiental, assim como a Educação, é um instrumento ideológico de reprodução social. É um veículo por onde atravessa a disputa pela conservação ou transformação das condições sociais” (LAYRARGUES, 2006, p. 80). Sendo a Educação Ambiental uma resposta da educação a uma preocupação com a questão ambiental, ao contrário do que acontece com outras pedagogias que se originaram dentro da esfera específica de preocupações educativas, não pode ser compreendida fora dos movimentos ecológicos (CARVALHO, 2008). Estes movimentos, como já mencionados 43 anteriormente neste trabalho, criticaram o capitalismo industrial na tentativa de promoção de um ideal emancipatório, o que, segundo a autora, inaugurou a história política do campo. O campo ambiental é bastante heterogêneo, e pode incluir, além de movimentos sociais, políticas públicas e partidos políticos, hábitos de consumo, estilos de vida alternativos, entre outros (CARVALHO, 2000). “É dentro deste terreno movediço e altamente complexo que o(a) educador(a) ambiental vai inscrever o sentido de sua ação, posicionando- se como educador(a) e como cidadão(ã). Daí o caráter não estritamente pedagógico, mas político de sua intervenção” (CARVALHO, 2000, p. 59). Politicamente, a participação em algum projeto emancipatório parece ser a principal característica distintiva do educador ambiental. “A ideia de mudanças radicais abarca não apenas uma nova sociedade, mas também um sujeito que se vê como parte desta mudança societária [...] uma reconstrução do mundo incluindo o mundo interno e os estilos de vida pessoal” (CARVALHO, 2005, p. 11). Apesar de o educador ambiental representar uma liderança que contribui na superação dos problemas ambientais, a promoção de colóquios, palestras, exposições e campanhas meramente informativas, apresentam-se como insuficientes. O processo educativo precisa adquirir assim, algo além de um caráter simplesmente expositivo, mas um caráter com maior potencial de mobilização e transformação social (GUIMARÃES, 2004). Segundo Lima (1999), tanto a educação quanto a questão ambiental trazem a questão política como sua principal dimensão, comportando diferentes visões de mundo e interesses, que são, para Carvalho (2006), o caráter político, tanto do processo educativo quanto da temática ambiental, o que permite uma aproximação dessas duas realidades. Desde o início, a crítica ao e