Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Programa de Pós-Graduação em Música – Doutorado Junturas de palavras no português brasileiro cantado: estratégias para a execução e suas relações com a interpretação da canção Juliana de Carvalho Starling São Paulo 2018 2 Juliana de Carvalho Starling Junturas de palavras no português brasileiro cantado: estratégias para a execução e suas relações com a interpretação da canção Tese apresentada ao Departamento de Pós-Graduação em Música da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Unesp, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Música. Área de concentração: Relações Interdisciplinares Linha de Pesquisa: Teoria e Práxis do Processo Criativo Orientador: Prof. Dr. Luiz Ricardo Basso Ballestero Co-orientador: Prof. Dr. Wladimir F. Cortesini de Matos São Paulo 2018 3 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP S795j Starling, Juliana de Carvalho, Junturas de palavras no português brasileiro cantado: estratégias para a execução e suas relações com a interpretação da canção/ Juliana de Carvalho Starling. - São Paulo, 2018. 195 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Luiz Ricardo Basso Ballestero Tese (Doutorado em Música) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Interpretação oral. 2. Música - Execução. 3. Música de câmara - Brasil. 4. Lingua portuguesa - Estilo. I. Ballestero, Luiz Ricardo Basso. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 781.46 (Laura Mariane de Andrade - CRB 8/8666) 4 Juliana de Carvalho Starling Junturas de palavras no português brasileiro cantado: estratégias para a execução e suas relações com a interpretação da canção Tese defendida aos 16 de outubro de 2018, junto ao Departamento de Pós-Graduação em Música da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Unesp, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Música. Área de concentração: Relações Interdisciplinares Linha de Pesquisa: Teoria e Práxis do Processo Criativo Orientador: Prof. Dr. Luiz Ricardo Basso Ballestero Co-orientador: Prof. Dr. Wladimir F. Cortesini de Matos Banca examinadora: ______________________________ Prof. Dr. Luiz Ricardo B. Ballestero ______________________________ Profa. Dra. Adriana Giarola Kayama ______________________________ Profa. Dra. Joana Mariz de Sousa ______________________________ Profa. Dra. Mônica Pedrosa de Pádua ______________________________ Profa. Dra. Sandra Madureira São Paulo 2018 5 Agradecimentos Agradeço à minha família! Às minhas filhas Giulia e Isadora; à minha mãe, Maria Eugênia; e à minha irmã, Ana Starling, que me apoiaram e me motivaram ao estudo. Aos amigos e parceiros de vida e de música: Nancy Bueno, pelo carinho e pelas contribuições constantes; Sandro Bodilon, Elaine Martorano, Guilherme de Almeida, Lucas Albuquerque, Gibalin Gilberto, Monique Rodrigues, Soledad Yaya e Said Tuma. De forma muito especial às queridas Neumar Starling e Hermínia Russo que me inciaram e impulsionaram o canto na minha vida! À memorável e querida Martha Herr, que me recebeu no início desta etapa e que me doou tantos aprendizados. Ao professor e orientador Ricardo Ballestero que me acolheu, e durante todo o trabalho me conduziu para as muitas perguntas e respostas. E aos professores Wladimir Mattos, Adriana Giarola Kayama, Sandra Madureira, Mônica Pedrosa e Joana Mariz, que contribuíram imensamente para a intensificação das questões colocadas pela pesquisa. 6 É do buscar, e não do achar, que nasce o que eu não conhecia. Clarice Lispector 7 Resumo A interpretação da canção de câmara brasileira exige refletir sobre elementos musicais e verbais, notados e não notados na partitura, que se relacionam diretamente com a emissão da voz cantada. O conhecimento sobre junturas de palavras é, assim, particularmente importante, pois se desdobra em diversas possibilidades de performance. Em uma perspectiva interdisciplinar, tópicos de fonética, fonologia e semântica, bem como os aspectos estilísticos, históricos e expressivos da performance vocal foram considerados para fornecer subsídios para a criação de estratégias de análise de junturas de palavras em peças vocais. A metodologia da pesquisa incluiu a análise de registros sonoros, realizada a partir do modelo da Teoria Fundamentada nos Dados. Demonstramos que a ideia da sílaba complexa transitória (SCT), formada pelos limites de vocábulos, pode contribuir para a identificação de fenômenos fonéticos e prosódicos que envolvem o texto e a música. Uma vez conhecidos as categorias e os fenômenos que se relacionam aos processos articulatórios, constatamos que a execução das junturas pode ser alterada, caso haja modificação em algum parâmetro envolvido: a respiração e a pausa, os ajustes do trato vocal (articulação), a intensidade, a altura, a duração e o timbre. Palavras-chave: junturas de palavras; PB cantado; interpretação; música brasileira. 8 Abstract The interpretation of a Brazilian Art Song requires us to speculate about musical and verbal elements, either notated on the score or not, which are directly related to the vocal production. The knowledge about the connection of words (junction, linkages) is thus particularly important because it unfolds into various performance possibilities. In an interdisciplinary perspective, topics on phonetics, phonology, and semantics and stylistic, historical and expressive aspects of vocal performance were considered in order to provide subsidies to create strategies to analyze the connection of words in vocal music. The methodology included the analysis of recordings, realized according to the Grounded Theory. We evidenced that the transient complex syllable (SCT), formed by the vocabulary limits, can contribute to the identification of phonetic and prosodic contents, involving text and music. Once differentiated as categories and processes related to articulatory processes, the results showed that the performance of the words linkages/junction can be changed, in case there is a modification in musical and vocal parameters, such as breath planning, musical rests, adjustments in the vocal tract (articulation), intensity, pitch, duration and timbre. Keywords: linking words; PB sung; interpretation; Brazilian music. 9 Lista de Figuras Figura 1. Ilustração esquemática do sistema fonador Figura 2. Vogais orais do PB Cantado, 2007 Figura 3. Vogais nasais na tabela do PB Cantado, 2007 Figura 4. Escala prosódica Figura 5. Organização rítmico-prosódica no âmbito da sílaba “mar” Figura 6. Acoplamentos da sílaba melódica Figura 7. Apogiatura breve em ditongos crescentes advindos de ligação de palavras Figura 8. Ditongo advindo de ligação de palavras (divisão por metade) Figura 9. Trovas n.1, A. Nepomuceno (trecho) Figura 10. Lundu, Três Trovas, n.1, M. Nobre (trecho) Figura 11. Canção, A. Nepomuceno (trecho) Figura 12. Trovador do Sertão, F. Braga (trecho) Figura 13. Do que sofro sem queixar-me, Cantigas Praianas, n.1, S. M. Oliveira (trecho) Figura 14. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 15. Modinha, Serestas n.5, H. Villa-Lobos (trecho) Figura 16. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 17. Modinha, Serestas n.5, H. Villa-Lobos (trecho) Figura 18. Cantigas, A. Nepomuceno (trecho) Figura 19. Lua branca, Forrobodó, F. Gonzaga (trecho) Figura 20. Cantigas, A. Nepomuceno (trecho) Figura 21. Ora dize-me a verdade, A. Nepomuceno (trecho) Figura 22. Modinha, Serestas n.5, H. Villa-Lobos (trecho) Figura 23. Uma nota, uma mão só, O. Lacerda (trecho) Figura 24. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 25. Bela ninfa de minh’alma, C. Gomes (trecho) Figura 26. Cantigas, A. Nepomuceno (trecho) Figura 27. Morta, A. Nepomuceno (trecho) Figura 28. Locus da juntura Figura 29. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 30. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 31. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 32. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 33. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 34. Alma adorada, F. Mignone (trecho) Figura 35. Trovas, A. Nepomuceno (trecho) Figura 36. Trovas, A. Nepomuceno (trecho) Figura 37. Modinha, Serestas n.5, H. Villa-Lobos (trecho) Figura 38. Modinha, Serestas n.5, H. Villa-Lobos (trecho) Figura 39. Modinha, Serestas n.5, H. Villa-Lobos (trecho) Figura 40. Toada p’ra você, L. Fernandez (trecho) Figura 41. Confidência, H. Villa-Lobos (trecho) 10 Lista de Quadros QUADRO 1 - Símbolos fonéticos consonantais, com exemplos posicionais QUADRO 2 - Categorias de Junturas de Palavras QUADRO 3 - Categorias e Fenômenos Fonoarticulatórios de Junturas de Palavras QUADRO 4 - Comparação da realização de junturas, segundo as normas de 1938 e 2007 QUADRO 5 - Estratégias instrumentais para a escolha de junturas no PB cantado QUADRO 6 - Esquema poético de Alma adorada, F. Mignone QUADRO 7 - Alma adorada, degeminação QUADRO 8 - Alma adorada, alongamento QUADRO 9 - Alma adorada, alongamento QUADRO 10 - Alma adorada, segmentação QUADRO 11 - Minha esperança, elisão QUADRO 12 - Minha esperança, ditongação QUADRO 13 - Minha esperança, simples contínuo QUADRO 14 - Minha esperança, simples contínuo QUADRO 15 - És o ideal, labialização e vozeamento QUADRO 16 - És o ideal, labialização, vozeamento e ditongação QUADRO 17 - Esquema poético de Trovas, n.2, op. 29, A. Nepomuceno QUADRO 18 - Querendo chorar, eu canto, anteriorização QUADRO 19 - Querendo chorar, eu canto, segmentação QUADRO 20 - Minha alma não sendo tua, degeminação QUADRO 21 - Minha alma não sendo tua, alongamento QUADRO 22 - Minha alma não sendo tua, segmentação QUADRO 23 - Esquema poético de Modinha, Serestas n.5, H. Villa-Lobos QUADRO 24 - Chegue a longe e triste voz do trovador, vozeamento QUADRO 25 - Chegue a longe e triste voz do trovador, segmentação QUADRO 26 - A meiga e triste confissão, simples contínuo QUADRO 27 - A meiga e triste confissão, segmentação QUADRO 28 - A meiga e triste confissão, elisão e anteriorização QUADRO 29 - Esquema poético de Toada p’ra você, L. Fernandez QUADRO 30 - Pois então eu imaginei, posteriorização, labialização e adição QUADRO 31 - Pois então eu imaginei, segmentação 11 S u m á r i o Introdução, 14 Capítulo 1 – Aspectos das línguas no canto, 19 1.1 Sobre a fonética, 21 1.1.1 A fonética articulatória: o sistema fonador, 21 1.1.2 Tipologia dos sons linguísticos no PB cantado, 22 1.1.3 Sistema vocálico e consonantal do PB cantado, 25 1.2 Sobre a fonologia, 27 1.3 A dicção no canto, 33 1.3.1 Relações históricas e estilísticas, 33 1.3.2 Por que junturas de palavras?, 37 Capítulo 2 - As junturas de palavras na história do PB cantado, 40 2.1 As junturas em 1938, 40 2.2 As junturas em 1958, 45 2.3 As junturas em 2007, 48 Capítulo 3 - A metodologia da pesquisa, 51 3.1 Sobre o modelo adotado, 51 3.2 Método de seleção de trechos e de registros sonoros, codificação, escolha de software e parametrização de dados para a análise, 52 Capítulo 4 - Aspectos envolvidos nas junturas: categorias e fenômenos, 56 4.1 A coarticulação em junturas de palavras, 56 4.2 As três categorias de junturas de palavras, 56 4.2.1 Juntura por supressão de uma das unidades fonológicas, 57 4.2.2 Juntura com manutenção de ambas as unidades fonológicas, 57 4.2.3 Juntura com modificação de uma ou ambas as unidades fonológicas, 58 4.2.3.1 Adição, 58 4.2.3.2 Alteração, 58 4.3 Fenômenos envolvidos nas junturas de palavras, 58 4.3.1 Elisão, 60 4.3.2 Degeminação, 60 4.3.3 Monotongação, 61 4.3.4 Ectlipse, 61 4.3.5 Simples contínuo, 62 4.3.6 Alongamento, 62 4.3.7 Segmentação, 63 4.3.8 Adição, 64 4.3.9 Ditongação, 65 4.3.10 Posteriorização, 65 4.3.11 Anteriorização, 66 12 4.3.12 Labialização, 66 4.3.13 Nasalização, 67 4.3.14 Vozeamento, 67 4.4 Aspectos relacionados aos fenômenos semânticos e prosódicos, 69 4.5 Desafios da língua brasileira nas junturas de palavras e a interpretação, 74 Capítulo 5 - Uma abordagem prática em peças em PB, 76 5.1 A performance do silêncio nas junturas: respiração e pausas, 76 5.2 Juntura, dicção e prosódia: interrelações, 77 5.3 Implicações musicais na performance das junturas, 79 5.3.1 A duração , 79 5.3.2 A intensidade, 80 5.3.3 A altura, 81 5.4 Resultados da pesquisa, 82 5.4.1 Análise das gravações, 82 5.4.2 Estratégias instrumentais para a execução de junturas no PB, 96 5.4.3 Aplicação prática nas peças selecionadas, 98 5.4.3.1 Peça 1 - Alma adorada, de Francisco Mignone, 98 5.4.3.1.1 Trecho 1: “alma adorada”, 99 5.4.3.1.1.1 Juntura por supressão (degeminação) 5.4.3.1.1.2 Juntura por manutenção (alongamento) 5.4.3.1.1.3 Juntura por manutenção (alongamento) 5.4.3.1.1.4 Juntura por manutenção (segmentação) 5.4.3.1.2 Trecho 2 – “minha esperança”, 103 5.4.3.1.2.1 Juntura por supressão (elisão) 5.4.3.1.2.2 Juntura por modificação (ditongação) 5.4.3.1.2.3 Juntura por manutenção (simples contínuo) 5.4.3.1.2.4 Juntura por manutenção (simples contínuo) 5.4.3.1.3 Trecho 3 – “és o ideal”, 106 5.4.3.1.3.1 Juntura por modificação (labialização e vozeamento) 5.4.3.1.3.2 Juntura por modificação (labialização, vozeamento e ditongação) 5.4.3.2 Peça 2: Trovas, n°1, Op. 29, de Alberto Nepomuceno, 108 5.4.3.2.1 Trecho 1 – “querendo chorar, eu canto”, 109 5.4.3.2.1.1 Juntura por modificação (anteriorização) 5.4.3.2.1.2 Juntura por manutenção (segmentação) 5.4.3.2.2 Trecho 2 – “minha alma não sendo tua”, 111 5.4.3.2.1.1 Juntura por supressão (degeminação) 5.4.3.2.1.2 Juntura por manutenção (alongamento) 5.4.3.2.1.3 Juntura por manutenção (segmentação) 5.4.3.3 Peça 3: Modinha, Seresta n. 5, de Heitor Villa-Lobos, 113 5.4.3.3.1 Trecho 1 – “chegue a longe e triste voz do trovador”, 114 5.4.3.3.1.1 Juntura por modificação (vozeamento) 5.4.3.3.1.2 Juntura por manutenção (segmentação) 13 5.4.3.3.2 Trecho 2 – “a meiga e triste confissão”, 116 5.4.3.3.2.1 Juntura por manutenção (simples contínuo) 5.4.3.3.2.2 Juntura por manutenção (segmentação) 5.4.3.3.2.3 Juntura por supressão (elisão) e modificação (anteriorização) 5.4.3.4 Peça 4: Toada p’ra você, de O. Lorenzo Fernandez, 118 5.4.3.4.1 Trecho 1 – “pois então eu imaginei”, 119 5.4.3.4.1.1 Juntura por modificação (posteriorização, labialização e adição) 5.4.3.4.1.2 Juntura por manutenção (segmentação) Considerações finais, 122 Bibliografia, 126 Referências musicais, 134 Referências fonográficas, 135 Anexos Anexo 1: Tabela Fonética de 2007, 138 Anexo 2: Partituras completas, 148 Anexo 3: Espectrogramas, 165 Anexo 4: Coarticulações fonéticas em limites de palavras no PB, 188 14 Introdução Esta pesquisa surge da ideia da valorização e da compreensão dos processos envolvidos na performance vocal da música brasileira, que partem do estudo da partitura mas não se limitam a ela. Como defende John Rink (2002), a “partitura não é ‘a música’, ‘a música’ não está confinada à partitura”1 (RINK, 2002, p. 39. Tradução nossa). Conforme seus argumentos, as análises podem estar implícitas ou explícitas nas escolhas de um artista, porém não devem estar acima das suas performances ou servirem como um meio para dominá-las. Nicholas Cook (2000) complementa ponderando que “toda arte da performance reside nos interstícios da notação, naquelas partes da música em que a partitura não consegue alcançar”2 (COOK, 2000, p.62. Tradução nossa). Desta forma, embora os diversos constituintes de uma obra vocal estejam expressos como índices para a sua execução na partitura, e se também o seu leitor proceder a um estudo aprofundado dos elementos extra-musicais, como os estudos históricos e estilísticos, ainda assim a performance pode variar conforme o tempo e o espaço. Eric Clarke (2002) também elabora sobre a atividade dos intérpretes, manifestando que: Em um nível, a resposta a esta questão é óbvia: eles [os intérpretes] produzem realizações físicas de ideias musicais se essas “ideias” foram registradas em uma notação escrita, transmitidas de forma auditiva (como em uma cultura não letrada) ou compostas no impulso do momento (como na livre improvisação)3. (CLARKE, 2002, p.59. Tradução nossa) Assim sendo, observar os entremeios de uma obra musical vocal constitui atentar aos elementos musicais e verbais notados e não notados (na partitura), que participam na emissão sonora cantada em uma determinada língua. Presumimos, então, que essa atitude reflexiva sobre os fazeres técnico e artístico tende a consentir ao intérprete a adoção de um comportamento que contribui para a aquisição de outras concepções de execução conjunta dos sistemas4 musical e verbal, possibilitando-lhe obter o benefício da escolha na ocasião de sua interpretação. Diversas áreas do conhecimento se envolvem neste trabalho, circunscritas pelos sistemas musical e verbal, tais como a música, a linguística, a fisiologia, a história e a 1The score is not ‘the music’; ‘the music’ is not confined to the score (RINK, 2002, p. 39). 2The whole art of performance lies in the interstices of notation, in those parts of the music that the score cannot reach (COOK, 2000, p.62). 3At one level the answer to this question is obvious: they produce physical realisations of musical ideas whether these ideas have been recorded in a written notation, passed on aurally (as in a non-literature culture) or invented on the spur of the momento (as in free improvisation) (CLARKE, 2002, p. 59). 4 Tratado aqui como “reunião dos elementos que, concretos ou abstratos, se interligam de modo a formar um todo organizado” (HOUAISS, 2001). 15 psicologia, que se relacionam num transcurso interdisciplinar, fundamental para os domínios das ciências humanas. Allen F. Repko (2014) descreve que o estudo interdisciplinar: É um processo cognitivo pelo qual indivíduos ou grupos se baseiam em perspectivas disciplinares e integram suas ideias e modos de pensar para avançar a compreensão de um problema complexo, com o objetivo de aplicar o entendimento ao problema do mundo real5. (REPKO, 2014, p.28. Tradução nossa.) Os “insumos” interdisciplinares, para Repko (2014), incluem ou absorvem a multidisciplinaridade6 e a transcendem, por meio da integração das disciplinas. Nesta linha, a investigação dos aspectos da área da dicção que se relaciona com a linguística (nos âmbitos da fonética, da fonologia, da semântica e da cognição), com a fisiologia humana (no âmbito da produção sonora), com os aspectos estilísticos, históricos e expressivos (no âmbito da interpretação), encontra desafios quando da junção dos sistemas musical e verbal. A questão da limitação da escrita (aqui disposta na notação musical simultânea com a notação verbal), como foi citada, permeia o desenvolvimento das ideias e das propostas sugeridas. Assim, o tema que chamamos de junturas de palavras7, exposto no curso da tese, será tomado como um micro-universo de muitas possibilidades da expressão vocal elaborada numa composição musical. Nos últimos anos, a nossa comunidade acadêmica e artística tem se aplicado em produções intelectuais e práticas voltadas à música vocal brasileira. Alguns desses estudos oferecem importantes reflexões sobre os diversos temas ligados ao PB8 cantado, tal como a importância da sua sistematização, segundo o IPA, possibilitando a difusão, em especial no cenário internacional, da pronúncia da nossa língua brasileira cantada (PORTER, 2017; HANNUCH, 2011 e 2017; MATTOS, 2010 e 2014; SANTOS, 2011; PINHEIRO, 2010; STARLING, 2010; KAYAMA et al, 2007; HERR, 2004 e 2007; CARVALHO, 2006; KRIEGER, 2004; RUBIM, 2004; BRANDÃO, 1999; DUARTE, 1994). Embora haja profissionais interessados em aspectos que tangenciam a prática do PB no canto (MATTOS, 2010 e 2014; PINHEIRO, 2010; HANNUCH, 2017, e outros), o desafio 5 Is a cognitive process by which individuals or groups draw on disciplinary perspectives and integrate their insights and modes of thinking to advance their understanding of a complex problem with the goal of applying the understanding to real- world proble (REPKO, 2014, p.28). 6 “As pesquisas multidisciplinares podem ser caracterizadas como uma justaposição de disciplinas”. Multidisciplinary examinations may be characterized as a juxtapositioning of disciplines (REPKO, 2014, p.31. Tradução nossa). 7 Constitui o fenômeno de juntar sílabas em palavras ou juntar palavras em frases. “Muitas vezes a palavra juntura é usada significando juntura intervocabular, ficando especificada como juntura silábica só quando se referir às sílabas” (IMAGUIRE, p. 1, 2011). Trataremos neste trabalho das junturas intervocabulares. 8 Adotaremos a sigla PB (português brasileiro), ao longo do trabalho. 16 da notação, no tocante à dicção, que leve em consideração os aspectos extrafonéticos, especialmente num ambiente sonoro musical, faz-se ainda enorme. Vale, assim, relatar que o histórico da nossa pesquisa, notadamente sobre as junturas de palavras, se iniciou com o mestrado, concluído em 2010, quando dissertamos sobre as Normas para o PB Cantado emanadas do Primeiro Congresso Nacional da Língua Cantada, de 1938, em comparação com as normas para o PB cantado: normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito, de 2007. Dentre os diversos resultados, pudemos examinar o tratamento dado às junturas em cada uma delas. Abordada pela primeira vez nas normas expostas nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada9, publicadas em 1938, as junturas de palavras fizeram jus a um capítulo exclusivo denominado “Ligação de palavras e tritongos”. Naquele item o próprio documento relata sobre a laboriosa tarefa de se fixar normas para a juntura de palavras, uma vez que cada frase constitui um caso próprio, com seu ritmo e intenções particulares, dependendo, muitas vezes, “quase exclusivamente da inteligência e da expressividade tanto do compositor como do cantor” (ANAIS, 1938, p.86). Quase setenta anos depois, as Normas para a Pronúncia do Português Brasileiro no Canto Erudito, publicadas em 2007 na Revista Opus, periódico da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – ANPPOM, e, em 2008, no periódico da National Association of Teachers of Singing (NATS), o Journal of Singing, não abordaram as junturas de palavras de forma específica, particularizando poucas situações a partir da descrição dos fonemas no PB cantado. Partimos do princípio de que tanto a menção específica do tema nas Normas de 1938, quanto a reduzida participação deste nas atuais Normas, trazem à luz o fato de que as junturas de palavras no PB cantado necessita de permanente reflexão, podendo apresentar impasses tanto no nível fonético-fonológico, quanto no musical e interpretativo. A partir da dissertação, apresentei, junto à profa. Dra. Martha Herr, no ano de 2012, uma relação extensa das possibilidades de junturas de palavras no PB cantado dispostas em forma tabelar no artigo: “As junturas de palavras no PB cantado: estudos para uma aplicação”10, no Congresso Internacional “A Língua Portuguesa em Música”, organizado pelo 9 Realizado em São Paulo, em julho de 1937, o Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada “destinou-se especialmente a adotar uma língua-padrão a ser usada na pronúncia artística da língua nacional” (ANAIS, 1938, p.51). 10 Publicado pela Revista Música Hodie, da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia, sob o título: “As Junções de Palavras no Português Brasileiro Cantado: estudos para uma aplicação”, no mesmo ano de 2012. Disponível em:https://www.revistas.ufg.br/musica/article/view/22648/13698. 17 Núcleo de Estudos da História da Música Luso-brasileira/Caravelas, ocorrido em Lisboa/Portugal,. No entanto, é importante ressaltar que não se intenta nesta tese propor regras fixas para as junturas de palavras, visto que o desfecho da pesquisa ratifica a asserção de que muitos casos não são subordináveis a uma única realização. O que se pretende é oferecer um conjunto de estratégias de análise de junturas de palavras em peças vocais com texto em português brasileiro, a fim de auxiliar o cantor, o professor de canto e/ou dicção, bem como regentes na escolha e/ou na solução de ligações de palavras em peças em português brasileiro. A metodologia da pesquisa, baseada na abordagem do modelo da Teoria Fundamentada nos Dados, advindo das pesquisas qualitativas, que ponderam aspectos de ordem analítica e interpretativa envolveu: 1) a revisão bibliográfica sobre o tema em língua nacional, envolvendo a fonética, a fonologia e os estudos em performance; 2) a análise de registros sonoros; 3) a categorização e teorização sobre possíveis fenômenos fonoarticulatários, semânticos e prosódicos ocorrentes em junturas de palavras em peças vocais selecionadas em PB; e 4) a disposição de estratégias para a escolha de junturas de palavras em peças em PB. Assim, no Capítulo 1, serão abordados aspectos da fonética (articulatória) e da fonologia (prosódica), bem como argumentações sobre a dicção no canto e a escolha do termo que dá nome ao título da pesquisa, qual seja, por que junturas de palavras? No Capítulo 2, será apresenta um relato histórico sobre as junturas de palavras no PB cantado. O Capítulo 3 será dedicado aos procedimentos metodológicos para a obtenção dos dados. Em relação à fase de análise de registros sonoros, o objetivo foi averiguar como se dava a prática dos cantores em relação às execuções de junturas de palavras ocorrentes no repertório vocal brasileiro11. Assim, foram selecionados 09 (nove) trechos de 04 (quatro) peças vocais brasileiras; também foram escolhidos 11 (onze) registros sonoros originais de 11 (onze) cantores brasileiros diferentes. Estes registros, que também são considerados resultados da pesquisa (observações de performance), foram codificados para a maior agilidade no manuseio dos dados. Posteriormente serguirá a parametrização dos dados 11 Vale apontar que constitui uma vertente bastante presente nas pesquisas relacionadas às práticas interpretativas a análise de performances como um meio de detecção de decisões tomadas pelos seus agentes, assim como para a aquisição de referências estilísticas, promovendo bases para a interpretação. Clarke (2002), diz: “Num momento em que o domínio da partitura na escrita da música é cada vez mais questionado, e performances e gravações tornam-se muito mais comuns como objetos de estudo, sabemos mais sobre o que pode ser medido nas performances e nas gravações, mas ainda muito pouco sobre o quê os ouvintes de todos os tipos realmente ouvem nelas”. At a time when the dominance of the score in writing about music is increasingly questioned, and performances and recordings are becoming much more common as the objects of study, we know more about what can be measured in performances and recordings, but still very little about listeners of all kinds actually hear in them (CLARKE, 2002, p. 194-195. Tradução nossa). 18 observados nos registros sonoros, por meio do software de análise acústica Sonic Visualiser 3.0.3/17. No Capítulo 4, e, posteriormente, discorreremos sobre as categorias e os fenômenos envolvidos nas junturas. Ao final desse capítulo dissertamos sobre os desafios da língua brasileira nas junturas de palavras em canções brasileiras e a interpretação. No Capítulo 5, serão considerados os aspectos centrais para a nossa proposição de estratégias para a análise e a realização de junturas em peças em PB, baseadas na teorização das categorias e fenômenos ocorrentes nas junturas, e na análise dos trechos dos registros fonográficos. 19 Capítulo 1 - Aspectos das línguas no canto As questões relativas à produção da voz e às suas propriedades como meio de comunicação vem sendo investigadas há muitos séculos. Antigas teorias científicas sobre a origem da linguagem admitem muitos caminhos originários como a advinda da tentativa de imitar os sons produzidos pelos animais e os sons da natureza. Outras consideravam a proposta onomatopaica das interjeições na comunicação, tais como as exclamações de dor, alegria, surpresa, as chamadas teorias naturalistas. As concepções mais elaboradas tiveram como base os processos de produção dos sons, como as que sugerem que a gênese da comunicação oral oriunda do grande esforço muscular envolvido em ações como a alimentação, as lutas, o parto, as ocasiões festivas, etc. envolvendo alternância de movimentos de segurar e soltar a respiração; ações intermitentes da glote, da língua, dos lábios e do palato mole (FRANCHETTO & LEITE, 2004, p.11-12). Dentre os muitos legados sobre a investigação e a sistematização da linguagem, povos como os gregos conceberam o alfabeto e a terminologia para se descrever as línguas. “Com sua necessidade insaciável de questionamento do mundo, eles formularam também questões básicas sobre a linguagem, as quais até hoje tentamos responder” (FRANCHETTO & LEITE, 2004, p. 15). Mas é na obra do ateniense Platão (427-347 a.C), Crátilo, que trata da origem da linguagem, “que a controvérsia das relações entre nomes e coisas é formulada de maneira explícita” (FRANCHETTO & LEITE, 2004, p. 15). A partir de Aristóteles (384-322 a.C.) a linguagem se destaca como um fato e uma criação primordialmente humana, sendo as palavras construções dos homens e não uma imitação do objeto nomeado. Ao longo da história da civilização ocidental outras teorias foram acumuladas sobre a linguagem e outro pensador importante do Iluminismo12 que a abordou foi Jean-Jeacques Rousseau (1712-1778) em sua obra Ensaio sobre a origem das línguas, publicado postumamente em 1781. Segundo seu argumento a motivação para a linguagem humana vem da necessidade de comunicação, uma vez que os homens vivem em sociedade. O homem se comunica pelo gesto (movimento corporal) e/ou pela palavra (vocalização); o primeiro nasce das necessidades físicas naturais, a segunda da paixão, do sentimento. E muito embora Rousseau pareça indicar que a arte de comunicar ideias não dependa necessariamente dos órgãos da fala, para ele a evolução da linguagem vocalizada está diretamente ligada ao desenvolvimento das formas de vida social. E assim, o filósofo caminha na sua defesa de que 12 Movimento intelectual e filosófico que dominou o mundo das ideias na Europa, no século XVIII, centrado na razão como a principal fonte de autoridade e legitimidade do pensamento. O século XVIII ficou conhecido como o século das “luzes”. 20 as paixões (tipos de sentimentos), o canto, a poesia e a palavra figurada precedem à linguagem simples, racional. (...) os primeiros discursos foram as primeiras canções: os retornos periódicos e compassados do ritmo, as inflexões melodiosas dos acentos, fizeram nascer, com a língua, a poesia e a música, ou melhor, tudo isso não era outra coisa senão a própria língua para essas felizes regiões e esses felizes tempos em que as únicas necessidades prementes que exigiam o concurso alheio eram aquelas que o coração fazia nascer” (ROUSSEAU, 2003, p. 147) O mesmo teria acontecido com a música. A princípio não houve outra música além da melodia, nem outra melodia além do som diversificado da palavra; os acentos formavam o canto, as quantidades formavam o compasso, e falava-se tanto através dos sons e do ritmo quanto através das articulações e das vogais. Dizer e cantar eram outrora a mesma coisa. (ROUSSEAU, 2003, p. 148) Mas foi no século XIX que a linguística – “constituída inicialmente por todas as manifestações da linguagem humana” (SAUSSURE, 1973, p.13) – apresentou-se como uma ciência autônoma pelo desenvolvimento de uma metodologia própria e rigorosa para explicar a diversidade entre línguas bastante diferenciadas (FRANCHETTO & LEITE, 2004, p.25). A língua como parte essencial da linguagem constitui um objeto unificado e suscetível de classificação, “é, ao mesmo tempo, produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (SAUSSURE, 1973, p.17). Para Saussure (1973), língua e fala estão intrinsecamente ligados. A língua é necessária para que a fala seja inteligível, mas a fala é essencial para que a língua se estabeleça. Segundo Petter (2005), dentro do conjunto linguagem e língua, a fala pertence a esse último conceito, é um ato individual e resulta das combinações feitas pelo sujeito falante utilizando o código13 da língua. Discutir sobre os aspectos da linguagem (gesto, expressão, codificações idiomáticas e materialidade) no canto requer a compreensão de que a sua manifestação ocorre em dois sistemas, verbal e musical, que se coadunam na propagação de ideias expressivas, que os extrapolam, atribuindo-lhes um sentido. Particularmente nesta pesquisa, o papel da investigação do nosso idioma brasileiro no canto é parte central desta proposta: descortinar as diversas possibilidades que os códigos verbais e musicais oferecem na exploração da interpretação e da expressividade em canções brasileiras. Serão compreendidos, assim, aspectos relacionados às modificações fisiológicas e acústicas além de envolver a própria linguagem musical. Nesse caminho, serão abordadas áreas da linguística e da música. 13 Na linguística é “considerado como o conjunto de todos os elementos linguísticos vigentes numa comunidade e postos à disposição dos indivíduos para servir-lhes de meios de comunicação”. (HOUAISS, 2001) 1.1 Sobre a fonética Segundo Ricardo Cav sons da linguagem humana do ponto de vista mate como eles são produzidos (posições e movimentos dos lábios, da língua e de outros órgãos relacionados, como as pregas vocais; dentre outros) e quais os seus efeitos acústicos. A Fonética se desdobra em pelo menos (2005, p. 23 e 24): a Fonética Articulatória maneira como são produzidos pelo aparelho fonador; a propriedades físicas dos sons p interlocutor; e a Fonética Auditiva pelo aparelho auditivo e interpretados pelo cérebro humano. Nesta pesquisa, abordaremos aspectos relativos à Fonética Articulatória materialidade14. A partir das delimitações expostas abordaremos sucintamente aspectos da fonética: elementos partícipes da produção da fala e do canto, sob o ponto de vista fisioló articulatório. 1.1.1 A fonética articulatória De forma sucinta, respiratório, as pregas vocais vocal, a cavidade nasal e outras da face Figura 1. Ilustração esquemática do siste 14 Alguns aspectos acústicos serão abordados, envolvendo as faculdades humanas de produzir e perceber os sons do canto no desenrolar dos resultados da pesquisa, influenciando o desempenho destas relações na 21 onética Cavaliere (2005, p.14-15), cabe à Fonética estudar e descrever os sons da linguagem humana do ponto de vista material ou físico descrevendo detalhadamente como eles são produzidos (posições e movimentos dos lábios, da língua e de outros órgãos pregas vocais; dentre outros) e quais os seus efeitos acústicos. A Fonética se desdobra em pelo menos três áreas bem delimitadas, segundo Cavaliere Fonética Articulatória – que descreve e classifica os sons da fala da maneira como são produzidos pelo aparelho fonador; a Fonética Acústica propriedades físicas dos sons produzidos e do percurso que as ondas trilham até chegar ao Fonética Auditiva – que se ocupa da forma como os sons da fala são captados pelo aparelho auditivo e interpretados pelo cérebro humano. Nesta pesquisa, abordaremos Fonética Articulatória, que se vincula à manifestação da língua em sua A partir das delimitações expostas abordaremos sucintamente aspectos da fonética: elementos partícipes da produção da fala e do canto, sob o ponto de vista fisioló fonética articulatória: o sistema fonador De forma sucinta, “o sistema fonador é composto por três partes: o sistema respiratório, as pregas vocais e as cavidades de ressonância, que incluem as cavidades do trato nasal e outras da face” (SUNDBERG, 2015, p.25). . Ilustração esquemática do sistema fonador (SUNDBERG, 2015, p. aspectos acústicos serão abordados, envolvendo as faculdades humanas de produzir e perceber os sons do canto no desenrolar dos resultados da pesquisa, influenciando o desempenho destas relações na performance onética estudar e descrever os rial ou físico descrevendo detalhadamente como eles são produzidos (posições e movimentos dos lábios, da língua e de outros órgãos pregas vocais; dentre outros) e quais os seus efeitos acústicos. três áreas bem delimitadas, segundo Cavaliere que descreve e classifica os sons da fala da Fonética Acústica – que estuda as roduzidos e do percurso que as ondas trilham até chegar ao que se ocupa da forma como os sons da fala são captados pelo aparelho auditivo e interpretados pelo cérebro humano. Nesta pesquisa, abordaremos , que se vincula à manifestação da língua em sua A partir das delimitações expostas abordaremos sucintamente aspectos da fonética: elementos partícipes da produção da fala e do canto, sob o ponto de vista fisiológico e o sistema fonador é composto por três partes: o sistema e as cavidades de ressonância, que incluem as cavidades do trato ma fonador (SUNDBERG, 2015, p.26) aspectos acústicos serão abordados, envolvendo as faculdades humanas de produzir e perceber os sons do canto no performance. 22 Participam do sistema fonador, além da estrutura acima, os pulmões, a pleura, os alvéolos, os bronquíolos e a traquéia, que conecta a sua extremidade superior à laringe, onde se situam as pregas vocais. Conforme Sundberg (2015), cada parte deste sistema possui uma finalidade específica. A do sistema respiratório “é a de comprimir o ar nos pulmões, gerando uma corrente de ar que pressionará as pregas vocais e o espaço glótico, e por fim escoará pelo trato vocal” (Sundberg, 2015, p. 29). A finalidade das pregas vocais é a de produzir som (fonte glótica), por meio do fluxo de ar que atravessa a glote durante a fonação e que provoca a sua vibração, conduzindo este som pelo trato vocal; e o trato vocal, por sua vez, transforma as características acústicas da fonte glótica, enfatizando diferenças entre seus parciais. “Essa transformação é determinada pela configuração do trato vocal, e esta, por sua vez, pela articulação15” (SUNDBERG, 2015, p.29). Portanto, articular um som implica imprimir-lhe um conjunto de características que os distingue de outros sons, por meio de oclusões, alargamentos ou estreitamentos que modulam o som nas cavidades faríngea, nasal e bucal. Estes ajustes ocorrem tanto no âmbito da fala, quanto no do canto. 1.1.2 Tipologia dos sons linguísticos no PB cantado Tendo em vista as características articulatórias que participam de cada som, segue-se a definição da terminologia referente aos segmentos consonantais do PB cantado, de acordo com suas propriedades articulatórias: a) Em relação à atuação das pregas vocais • Não vozeado ou surdo: o estado da glote16 é não vozeado quando não houver vibração das pregas vocais na passagem da corrente de ar. • Vozeado ou sonoro: o estado da glote é vozeado quando houver vibração das pregas vocais durante a produção de um determinado som. b) Em relação à posição do véu palatino17 • Oral: constitui um segmento produzido com o véu palatino levantado, obstruindo a passagem do ar para a cavidade nasal. 15 “Articulação neste contexto significa, portanto, configuração do trato vocal, e é determinada pela atuação coordenada de várias estruturas fonoarticulatórias, ou articuladores: lábios, mandíbula, língua, palato mole, faringe e laringe” (SUNDBERG, 2015, p.29) 16 “É o espaço entre os músculos estriados que podem ou não obstruir a passagem do ar dos pulmões para a faringe” (SILVA, 2008, p.27). Vide Figura 1, pág. 17. 17 Ou palato mole, vide Figura 1, pág. 17. 23 • Nasal: constitui um segmento produzido com o abaixamento do véu palatino de maneira que há ressonância na cavidade nasal. c) Em relação ao modo de articulação c.1) Obstruintes: caracteriza-se por algum tipo de osbtrução. • Oclusivo: os articuladores produzem uma obstrução completa da corrente de ar através da boca, porém o véu palatino se eleva e a corrente de ar dirige-se apenas à cavidade oral. • Fricativo: os articuladores se aproximam, sem causar obstrução completa, produzindo fricção quando ocorre a passagem central da corrente de ar. • Africado: os articuladores produzem uma obstrução completa e o véu palatino encontra-se levantado, assim como nas oclusivas, na fase inicial do som; e na fase final, ocorre uma fricção, como nas fricativas, e o palato continua com a mesma posição. c.2) Ressoantes/ressonantes: caracteriza-se por uma subdivisão do trato vocal, na cavidade de ressonância. • Nasal: os articuladores produzem uma obstrução completa da corrente de ar através da boca, porém o véu palatino se abaixa e a corrente de ar dirige-se às cavidades oral e nasal. • Tepe: o articulador ativo18 (ponta da língua) toca rapidamente o articulador passivo19 (alvéolos) ocorrendo uma rápida obstrução da passagem da corrente de ar através da boca. • Vibrante: o articulador ativo (ponta da língua) toca algumas vezes o articulador passivo (alvéolos) causando vibração. • Lateral: o articulador ativo (ponta da língua) toca o articulador passivo (alvéolos) obstruindo a parte central do trato vocal e promovendo a passagem da corrente de ar pelas laterais do corpo da língua. d) Lugar de articulação • Bilabial: o articulador ativo é lábio inferior e o passivo, o lábio superior. • Labiodental: o articulador ativo é o lábio inferior e o passivo, os dentes incisivos superiores. 18 Segundo Silva (2008), são aqueles que possuem a propriedade de movimentar-se em direção ao articulador passivo. São eles: lábio inferior, língua, véu palatino e as cordas vocais. 19 Segundo Silva (2008), são eles: lábio superior, dentes superiores, alvéolos, palato duro, véu palatino e úvula. 24 • Dental: o articulador ativo é a ponta/lâmina20 da língua e o passivo, os dentes incisivos superiores. • Alveolar: o articulador ativo é a lâmina da língua e o passivo, os alvéolos. • Alveolopalatal: o articulador ativo é a parte anterior da língua e o passivo, a parte medial do palato duro. • Palatal: o articulador ativo é a parte medial da língua e o passivo, a parte posterior do palato duro. • Velar: o articulador ativo é a parte posterior da língua e o passivo, o véu palatino. Tendo em vista as articulações que participam de cada som, segue-se a caracterização dos segmentos vocálicos do PB cantado, de acordo com suas propriedades. Vale ressaltar que na produção das vogais, a passagem da corrente de ar não é interrompida, ou seja, não há obstrução ou fricção no trato vocal. • Altura da língua: representa a dimensão vertical ocupada pela língua dentro da cavidade oral. Níveis: alta, média-alta, média-baixa, baixa. • Anterioridade ou posterioridade da língua: representa a dimensão horizontal durante a articulação da vogal. Partes: anterior (parte da frente da cavidade oral), medial (parte do centro da cavidade oral), posterior (parte de trás da cavidade oral). • Distensão ou arredondamento dos lábios: os lábios podem estar estirados (distensos) ou arredondados. • Posição da mandíbula: fechada, meio-fechada, meio-aberta, aberta. • Nasalização: considerada como uma articulação “secundária” (SILVA, 2008, p.70) ocorre quando há constrição da glote21 e abaixamento do véu palatino, e parte do fluxo de ar penetra na cavidade nasal, sendo expelido pelas narinas. A nasalidade está também relacionada à altura da língua na articulação das vogais, na seguinte relação: quanto mais alta é a posição da língua, maior é a constrição do trato vocal e menor grau de abaixamento do véu palatino, e, 20 Localiza-se na parte mais frontal da língua. 21 “[...] o principal parâmetro que se modifica na nasalização das vogais é a constrição do trato vocal seguido do ângulo de abaixamento do véu palatino, o que vai contra a ideia de que o movimento do véu palatino seria o principal responsável pela nasalização de uma vogal” (HANNUCH, 2017, p.78). quanto mais baixa, abaixamento do véu 1.1.3 Sistema Figura 2. Vogais orais do PB Cantado, 2007 (adaptado de The International Phonetic Alphabet 22 Por exemplo, na fala, a configuração do trato vocal durante a produção das vogais “i” e “u” orais e nasais são bastante próximas: posição alta de língua e menor grau de abaixamento do véu palatino. Na vogal “a”, a língua s posição mais baixa, e um maior abaixamento do véu. No canto também sucede de forma semelhante, porém a elevação da parte posterior da língua é, normalmente, maior, em função de ajustes do trato vocal em relação às freqüências emitidas. 23 Não há indicação para as semivogais [j] e [w], ocorrentes em ditongos crescentes, nem para as vogais nasais ocorrentes no PB Cantado no IPA. Estas últimas estão resumidas na Figura 3. As vogais do PB cantado estão circuladas em verde (MATTOS, 2011, p. 61). 25 quanto mais baixa, menor é a constrição do trato vocal e abaixamento do véu22. Sistema vocálico e consonantal do PB cantado Símbolos fonéticos vocálicos Cantado, 200723 Figura 3. Vogais nasais na tabela do PB The International Phonetic Alphabet, 2015) (Fonte: autor) Por exemplo, na fala, a configuração do trato vocal durante a produção das vogais “i” e “u” orais e nasais são bastante próximas: posição alta de língua e menor grau de abaixamento do véu palatino. Na vogal “a”, a língua s posição mais baixa, e um maior abaixamento do véu. No canto também sucede de forma semelhante, porém a elevação da parte posterior da língua é, normalmente, maior, em função de ajustes do trato vocal em relação às freqüências emitidas. o há indicação para as semivogais [j] e [w], ocorrentes em ditongos crescentes, nem para as vogais nasais ocorrentes no PB Cantado no IPA. Estas últimas estão resumidas na Figura 3. As vogais do PB cantado estão circuladas em verde menor é a constrição do trato vocal e maior será o . Vogais nasais na tabela do PB Cantado, 2007 (Fonte: autor) Por exemplo, na fala, a configuração do trato vocal durante a produção das vogais “i” e “u” orais e nasais são bastante próximas: posição alta de língua e menor grau de abaixamento do véu palatino. Na vogal “a”, a língua se encontra numa posição mais baixa, e um maior abaixamento do véu. No canto também sucede de forma semelhante, porém a elevação da parte posterior da língua é, normalmente, maior, em função de ajustes do trato vocal em relação às freqüências emitidas. o há indicação para as semivogais [j] e [w], ocorrentes em ditongos crescentes, nem para as vogais nasais ocorrentes no PB Cantado no IPA. Estas últimas estão resumidas na Figura 3. As vogais do PB cantado estão circuladas em verde 26 QUADRO 1 Símbolos fonéticos consonantais, com exemplos posicionais (inicial, medial e final) Articulação Lugar Bilabial Labiodental Dental ou Alveolar Alveopalatal Palatal Velar Maneira Oclusiva não vozeado [p] (pata, sapo) [t] (tapa, ato) [k] (capa, quibe, kiwi) vozeado [b] (bala, aba) [d] (data, ida) [g] (gato, grito, guia) Africada não vozeado [ʧ] (tia, gente) vozeado [ʥ] (dia, mede) Fricativa não vozeado [f] (faca, ninfa) [s] (sapo, cedo, festa, próximo, paz, excedente, nascer) [ʃ] (chá, xuá, caixa) [x] (roupa, mar) vozeado [v] (vaca, avião, Volkswagen) [z] (zíper, asa, asno, exemplo) [ʒ] (já, haja, vagem) Nasal vozeado [m] (mar, amor) [n] (nada, Ana) [ɲ] (ninho) [ŋ] (bingo) Tepe vozeado [ɾ] (aro, prisão) Vibrante vozeado [r] (roupa, mar) Lateral vozeado [l] (lua, elo) [λ] (bolha) Observações: 1) em início de palavras a consoante h não é pronunciada – hoje ['o.ʒɪ], exceto em palavras de origem estrangeira; 2) a consoante l em final de sílaba ou de palavra é reduzida em vogal [ʊ] – sal ['sa:ʊ]); 3) a consoante w ocorrente em palavras de origem estrangeira, é pronunciada como a semivogal [w] – kiwi [ki'wi]; 4) a letra “x” pode assumir a forma dupla fonêmica [ks] – táxi ['ta.ksi]); 5) a consoante y ocorrente em palavras de origem estrangeira é pronunciada como a vogal [i] ou a semivogal [j] – ypióca [i.pi'ɔ.kɐ] e Yolanda [jo'lɐ̃.dɐ] e 6) as letras “m” e “n” finais de sílabas e/ou palavras nasalisam a vogal que a antecede – canto ['kɐ.̃tʊ], amém [a'mẽ:ɪ]. Fonte: IPA 2015, Tabela Fonética do PB Cantado 2007 e autor. 27 1.2 Sobre a fonologia De outro lado, ainda segundo Cavaliere (2005, p.14-15), à Fonologia, também denominada fonêmica24, cabe o estudo dos fonemas25, assim entendidos como unidades fonológicas distintivas e abstratas; ou seja, cuida do papel que tais sons desempenham no sistema de uma língua particular: se podem ocorrer em qualquer posição silábica ou se estão restritos a uma dada vizinhança fonêmica, dentre outros aspectos. A Fonologia, ou Fonêmica, segundo Leda Bisol (2006), teve a sua gênese no “século IV a.C., na ‘Gramática do Sânscrito’, escrita por Panini com base na linguagem coloquial de seu tempo” (BISOL, 2006, p.6). Este antigo documento que versa sobre a organização de uma gramática, envolvendo sintaxe, morfologia verbal e nominal e descrição de sons, descreveu regras de juntura interna e externa pela primeira vez, sob o nome de sândi26, nome que passou a ser incorporado na Teoria Fonológica. Além de Ferdinand Saussure (1857-1913), importante linguista e filósofo, a Fonologia marcou sua história nas obras Language27 (1933), do norte-americano Leonard Bloomfield, e Princípios de Fonologia (1939), do russo Nikolai S. Trubetzkoy28. As ideias desses autores nortearam o chamado estruturalismo29 que defende, dentre outras premissas, a de que “os sons tendem a ser modificados pelo ambiente em que se encontram”30 (SILVA, 2008, p.119). Considerando que a fala (assim como o canto) possui como uma de suas características a continuidade, é possível observar que os fenômenos de modificações sonoras ocorrem com frequência. 24 Denominação da corrente de estudos norte-americanos. 25 Constitui a menor unidade sonora do sistema fonológico de uma língua, “que têm valor distintivo (servem para distinguir palavras). Sons que estejam em oposição – por exemplo [f] e [v] em “faca” e “vaca” – são caracterizados como unidades fonêmicas distintas e são denominados fonemas” (SILVA, 2008, p.126. Grifo original). 26 “São denominados fenômenos de sândi as modificações que resultam da justaposição de palavras (sândi externo) ou de morfemas (sândi interno). O ponto de partida do sândi externo é um processo de desestruturação silábica que “apaga” uma sílaba ou segmento e deixa elementos flutuantes. Todos os fenômenos de sândi lidam com a ressilabação, ou seja, com elementos que tinham status silábico e por algum motivo o perderam” (LEITE e COSTA, 2011, p. 19). De acordo com Cagliari (2002), o sândi que ocorre nas fronteiras da palavra (juntura vocabular) “consiste na transformação de estruturas silábicas nesse contexto, causada, em geral, pela queda de vogais ou pela transformação de ditongos ou mesmo pela ocorrência peculiar de certos sons” (CAGLIARI, 2002, p.105). O sândi vocálico externo compreende 03 (três) fenômenos: elisão (um dos fonemas é apagado), ditongação (forma ditongos) e degeminação (fusão de duas vogais idênticas). 27 Obra referência para a linguística americana. 28 Ambos tratam o fonema como elemento central de suas obras, procurando diferenciar os termos fonologia e fonética, sendo o primeiro termo o estudo dos sons que portam significado e o segundo o estudo da manifestação pura do som. 29 Para aprofundar ver Kenneth Pike (1947), Edward Sapir (1921), nos Estados Unidos, e Roman Jackobson (1960), na Europa. 30 Silva (2008), no livro “Fonética e Fonologia do Português”, apresenta quatro premissas básicas da fonêmica, e indica a leitura do livro “Phonemics: a techinique to reduce languages to writing”, de Pike (1947), onde o autor detalha o modelo fonêmico e apresenta as premissas básicas e secundárias (subpremissas). 28 Segundo Thaís Cristófaro Silva (2008), sobre o estruturalismo, o ambiente ou contexto é o que precede ou segue um determinado segmento consonantal ou vocálico. Os ambientes ou contextos que mais frequentemente causam alteração na cadeia sonora são: 1) Ambientes ou contextos propícios à modificação de segmentos a) Sons vizinhos (precedentes ou vizinhos) b) Fronteiras de sílabas, morfemas, palavras e sentenças c) A posição do som em relação ao acento 2) Nasalidade. (SILVA, 2008, p. 119-122) O que sucedeu ao estruturalismo31, em especial ao exaustivo estudo de Roman Jakobson (1960) relativo aos traços fonológicos, em seus Ensaios de Linguística Geral, foi o modelo gerativista de Noam Chomsky e Morris Halle (1968), em The Sound Pattern of English, que “abandona o conceito de fonema para pôr em foco uma teoria exclusiva de traços distintivos32 e redundantes, os quais oferecem os elementos para a elaboração de regras que, a partir de estruturas subjacentes, geram estruturas de superfície33” (BISOL, 2006, p.5). A busca de descrições explicativas para as regras fonológicas, entre elas as que levavam em consideração os tipos de fronteiras existentes entre as palavras, via observação de dados, deu margem ao surgimento de diferentes teorias denominadas não-lineares34, tais como a Fonologia Prosódica. As obras de Elisabeth Selkirk (1984) e Marina Nespor e Irene Vogel (1986) fundamentaram esta corrente, cuja ideia principal é a de que a fala é construída hierarquicamente em constituintes prosódicos35, vistos como domínios para a aplicação de regras fonológicas específicas. 31 Contraditoriamente, os pontos críticos apontados pelos modelos posteriores ao estruturalismo foram: a falta de um mecanismo que expressasse generalizações dos sistemas fonológicos, por considerar cada fonema como unidade distinta que se relaciona a seus respectivos fonemas em contextos específicos, e a assunção do fonema como unidade mínima de análise. 32 Traços distintivos são as propriedades mínimas referentes aos processos articulatório e acústico envolvidos na produção de um som. Desta forma, a representação segmental de um som seria o equivalente a um conjunto de feixes de traços distintivos referentes a esse som. No modelo de Chomsky e Halle (1968), os traços são distintivos, ou seja, são suficientes para provar contrastes fonológicos, e são binários, podendo ser ausentes ou presentes. 33 Constitui a “organização superficial de unidades que determina a interpretação fonética e se relaciona com a forma física da expressão oral real, sua forma percebida ou intencional” (Chomsky, 1972, p. 45). 34 A “estrutura de representação do modelo tradicional da fonologia gerativa representa os componentes fonológicos de enunciado verbal sob um formato linear – caracterizada por um conjunto de segmentos organizados sequencialmente em uma única linha – a fonologia prosódica estabelece o seu modelo de representação sob um formato não-linear” (MATTOS, 2010, p.84), como será apresentado na Figura 4. 35 “Uma determinada cadeia de elementos pode ser considerada como um constituinte gramatical prosódico quando apresenta as seguintes características: existência de regra gramatical cuja formulação se refira a ocorrência deste constituinte; existência de regras que tenha especificamente este constituinte como seu domínio de aplicação; existência de restrições fonotáticas, ou seja, quanto à distribuição e agrupamento de elementos componentes deste constituinte; existência de relações de proeminência relativa entre elementos componentes deste constituinte” (NESPOR & VOGEL (1986) apud MATTOS, 2010, p. 85-86). 29 Nespor e Vogel (1986) definem, assim, um conjunto de domínios para compor a aplicação das regras fonológicas, num modelo hierárquico, como mostra a figura abaixo. U enunciado I (I) frase entoacional φ (φ) frase fonológica C (C) grupo clítico ω (ω) palavra fonológica Σ (Σ) pé σ (σ) sílaba Figura 4. Escala prosódica (BISOL, 2004, p.60) Esse modelo ficou conhecido como hierarquia prosódica ou escala prosódica. Em linhas gerais, a hierarquia se estabelece de forma que cada constituinte prosódico é a unidade composta de uma ou mais unidades da categoria imediatamente inferior. Conforme Bisol (2004): Nessa perspectiva, a menor unidade é a sílaba, a qual combina dois ou mais segmentos em torno de um pico de sonoridade; sílabas agrupam-se para formar pés; o pé ou os pés métricos vão constituir a palavra fonológica que se combina com um clítico para formar o grupo clítico e assim sucessivamente até chegar à unidade máxima, o enunciado. Cada unidade prosódica, por sua vez, é um constituinte imediato que, por definição, expressa uma relação de dominância em termos de forte/fraco. Na sílaba, o forte é o membro de maior sonoridade, a rima, e o fraco é o ataque; no pé, apenas uma sílaba é forte; na palavra, o forte é a sílaba com acento projetado pelo pé métrico e o fraco são as sílabas não acentuadas. (BISOL, 2004, p. 61. Grifo nosso) A sílaba (σ), portanto, no modelo de representação fonológica não-linear, corresponde ao menor ou menos extenso constituinte prosódico, que corresponde à camada mais inferior da hierarquia e pode ser organizada formalmente com base na organização hierárquica similar à dos níveis que são superiores a ela, na estrutura prosódica do enunciado verbal. Desta maneira: 30 M A R Figura 5. Organização rítmico-prosódica no âmbito da sílaba “mar”36 Conforme NESPOR e VOGEL (1986), esta formalização contribui para a observação da estrutura silábica, bem como os fenômenos acentuais prosódicos, em especial os relativos à altura, intensidade e duração. Em consonância, Cavaliere (2005, p.109-110) expõe que a sílaba no PB possui, da mesma forma que no modelo geral, um elemento essencial, em que ocorre o ápice silábico, o núcleo, no qual se situa a vogal. Esse elemento (silábico) é representado por V (vogal), e todos os elementos periféricos (assilábicos), sejam consoantes ou semivogais, que não se situam no ápice da sílaba, são representados como C37. Assim, os padrões estruturais básicos do PB são: • Sílaba simples – V (ex.: a) • Sílaba complexa crescente, com um elemento assilábico – CV (ex.: ma-) • Sílaba complexa crescente, com mais de um elemento assilábico – CCV (ex.: blu-) e CCVC (ex.: cris-) • Sílaba complexa decrescente, com um elemento assilábico – VC (ex.: ar-) • Sílaba complexa decrescente, com mais de um elemento assilábico – VCC (ex.: aus-) e CVCC (ex.: pers-) • Sílaba complexa equilibrada – CVC (ex.: por) • Sílaba complexa com arquifonema nasal – CCVCC (ex.: trans-) Sob a égide desses princípios da Fonologia Prosódica, levaremos em conta o modelo estabelecido por Wladimir F. C. Mattos (2014), denominado de abordagem 36 Termos: ataque (onset/O), rima (rhyme/R), núcleo (N), coda (Cd), consoante (C) e vogal (V). A sequência deste exemplo (“mar”) é uma das possíveis do PB (sequência CVC), como veremos a seguir. 37 Esta estrutura é regida pelo Princípio de Sequenciamento de Sonoridade (PSS), que “relaciona a sonoridade relativa de um segmento com a posição que ele ocupa na sílaba, de forma que o elemento [+ sonoro] ocupará o núcleo silábico, enquanto os elementos [- sonoro] ocuparão o onset e a coda. Quando ocorrem sequências de segmentos dentro do onset ou da coda, estas apresentarão sonoridade crescente em direção ao núcleo silábico” (PAULA, 2004, p.63, apud HANNUCH, 2017, p.39). 31 articulatória38, que estabelece a “‘perspectiva da linha’39 e (a) ‘perspectiva do ponto’40, respectivamente relacionadas aos processos fonoarticulatórios da sílaba e da frase, em um contexto de justaposições de componentes verbais e musicais” (MATTOS, 2014, p. 75). Veremos a seguir que a sílaba, enquanto unidade referencial para a abordagem articulatória na prática do canto, ocupa um lugar de interface em relação às duas perspectivas mencionadas. Na perspectiva do ponto, que pode ser dimensionada no âmbito ‘da sílaba para dentro’, ela referencia a prática do canto no que diz respeito às escolhas e o controle dos parâmetros fonoarticulatórios relacionados ao ‘caráter paradigmático’ da dicção, incluindo-se as suas implicações verbais e musicais. Na perspectiva da linha, dimensionada no âmbito ‘da sílaba para fora’, ela referencia a prática do canto no que diz respeito às escolhas e o controle dos parâmetros fonoarticulatórios relacionados ao ‘caráter sintagmático’, frasal ou prosódico da dicção, incluindo-se as suas implicações verbais e musicais. Este lugar de interface corresponde ao espaço no qual o cantor, independentemente do modelo técnico e estético ao qual se aplique, relacione as dinâmicas articulatórias no entorno da sílaba para a realização da fascinante trama de pontos e linhas que caracteriza o canto. (MATTOS, 2014, p.75-76) A partir destas perspectivas Mattos (2014) procede na investigação da sílaba, estabelecendo um modelo “híbrido” (não linear) de representação para a referência para o estudo da abordagem articulatória aplicada à prática do canto. O modelo considera as correlações entre a “sílaba verbal” e a “nota musical”41, para a formação do que ele denomina “sílaba melódica”. Consideramos a sílaba melódica, cuja estrutura interna é formada essencialmente pelos processos de coarticulação entre os subcomponentes da ‘sílaba verbal’ e da ‘nota musical’, como o elemento que define o domínio do menor componente ou do componente de base no qual se estabelece a justaposição dos componentes verbais e musicais da melodia. Propomos que estes processos sejam compreendidos no contexto da delimitação e das dinâmicas de um ‘envelope silábico’ a ser considerado pelo cantor na realização dos processos articulatórios internos e/ou externos à sílaba melódica, processos estes que caracterizam simultaneamente a sua conformação pontual e a sua predisposição à linearidade no fluxo rítmico-prosódico da melodia. (MATTOS, 2014, p.77) Neste modelo geral da “sílaba melódica”, o contorno acústico de uma nota musical (ataque, sustentação e relaxamento)42 se assemelha ao das fases da produção dos segmentos fonêmicos de uma sílaba (ataque, núcleo e coda). Abaixo, segue a descrição da sílaba mais complexa do PB. 38 “A abordagem articulatória parte dos dados sobre as características dos fonemas, compreendidos enquanto elementos articulatórios mínimos de um dado contínuo melódico que podem estar relacionados simultaneamente a dois sistemas componentes deste contínuo: verbal e musical” (MATTOS, 2014, p.72). 39 O foco é a articulação das sílabas. 40 O foco é a articulação dos fonemas. 41 “(...) compreendida como o componente musical de caráter igualmente pontual que forma a estrutura linear da melodia” (MATTOS, 2014, p. 77) 42 Referenciado pelo modelo de representação do “envelope dinâmico” possui quatro estágios “mais relacionada a uma ideia bastante difundida desde o advento dos sintetizadores e geradores de envelope utilizados no contexto da música eletrônica e eletroacústica: o envelope ADSR (iniciais dos termos attack, decay, sustain e release)” (MATTOS, 2014, p.135) 32 Figura 6. Acoplamentos da sílaba melódica43 (MATTOS, 2014, p.137) Este acoplamento atribui à sílaba melódica uma representação ternária acústica musical que se ajusta perfeitamente ao modelo ternário da sílaba verbal. Embora utilizemos nesta pesquisa os princípios relativos à sílaba fonológica, ampara pelos conceitos demonstrados acima, vale distingui-la da sílaba fonética. Segundo SOUZA (1998), não há um único critério para se estabelecer a sílaba fonética, sendo esta o resultado de um dos fatores: “1. Inversão de catástase para metástase44; 2. Mudança brusca de qualquer tensão (dos músculos torácicos, das cordas vocais ou de qualquer órgão ativo)” (SOUZA, 1998, p.127). Por esta razão, as sílabas fonética e fonológica nem sempre coincidem. Enquanto a sílaba fonológica é constituída por uma vogal precedida e/ou sucedida por uma consoante (modelos: CV, CCV, VC, VCC, CVC, CVCC, CCVC e CCVCC), podendo esta consoante ser um ditongo; a sílaba fonética admite mais segmentos durante um único pulso de ar e um único pico de sonoridade. Assim, “uma sílaba fonética pode ser entendida como duas sílabas linguísticas numa determinada língua, assim como duas sílabas fonéticas podem ser uma única sílaba linguística” (SOUZA, 1998, p.128). Por exemplo: De acordo com a noção de sílaba articulatória de Saussure, no vocábulo inglês star /'star/ 'estrela' temos duas sílabas fonéticas e uma sílaba linguística, pois, temos uma abertura, /s/, seguidade um fechamento, /t/, lugar onde ocorre fronteira silábica. Do fechamento passamos a uma abertura, /a/, que é o ponto vocálico, seguida de um fechamento, /r/, margem de sílaba. Temos, portanto, duas sílabas fonéticas. Mas, do ponto de vista fonológico, existe uma única sílaba, sendo a vogal ou o núcleo, o vocóide /a/. (SOUZA, 1998, p.128) Apesar das distinções gerais sobre as concepções de sílabas (fonológica e fonética) ambas partilham da premissa da existência de um ponto culminante antecedido 43 Considera-se que os picos de energia dado a cada fase da sílaba (ataque, núcleo e coda) podem se alterar, assim como as notas musicais no contínuo sonoro de uma linha melódica. 44 O movimento de abertura da boca é denominado metátase e o de fechamento, catástase. 33 por um movimento ascendente e seguindo por um movimento descendente de sonoridade. Baseados na demonstração da estrutura da sílaba fonológica, mais especificamente a abordagem da sílaba melódica, conectando os sistemas musical e verbal, apresentaremos as análises de fenômenos ocorrentes nas junturas de palavras. 1.3 A dicção no canto 1.3.1 Relações históricas e estilísticas A dicção como modo de articular e pronunciar palavras de uma dada língua deve ser considerada no canto como um importante elemento técnico e interpretativo. Segundo Van A. Christy e John G. Paton (2005), a dicção constitui uma área da técnica vocal relacionada a produzir palavras e/ou sons inteligíveis45, e esta elaboração se relaciona à articulação eficiente, ao enunciar as vogais, as consoantes e as sílabas. A questão da pronúncia remonta ao passo da própria história da pedagogia vocal no canto, em que já se dava a devida importância técnica a este elemento. Segundo Pacheco (2006), Pier Tosi (1647-1732), em seu tratado de canto de 1723, aponta para a necessidade de se ter o domínio da emissão das vogais, além da articulação da mandíbula, para a dicção do texto e da própria emissão vocal. Assim, Tosi orienta a correção de erros de pronúncia como meio para alcançar a inteligibilidade de um texto, além da atenção do cantor em relação à articulação dos sons. Também, Pacheco (2006) estudou Giambattista Mancini (1714-1800) que relaciona aspectos técnicos vocais à articulação da língua, mandíbula e lábios como elementos que interferem na pronúncia das palavras. E, por fim, elenca Manuel Garcia (1805-1906) que trata da fisiologia articular (em especial da mandíbula e lábios) e da articulação fonética (em especial do mecanismo que produz as vogais e as consoantes). Interessante notar que Garcia indica a prosódia, a poética, a oratória e a dramatização do texto como elementos importantes nas soluções para as questões fisiológicas e da técnica vocal. Muitos estudos indicam que os desafios da dicção transcendem às articulações fisiológicas e fonéticas, podendo se associar às questões de entonação, acento e cadência. Estas reportam a circunstâncias específicas quando da junção texto-música em 45 A questão da intelibigilidade tem relação com a expectativa de identificação sonora (articulatória) dos fonemas numa dada língua, no padrão da fala, e também relação com reconhecimento dos constituintes básicos de uma mensagem verbal, desde a incidência de sintagmas nominais e verbais, incidência de conectivos, de operadores lógicos, de pronomes, e, em última instância de ambiguidades e do conteúdo das palavras. 34 uma determinada nota ou passagem melódica, particularmente nas situações em que as propriedades articulatórias do trato vocal vão se modificando ao longo da tessitura de um cantor. O compositor (na música tradicional) comprometeu-se a fornecer uma “posição” musical para uma sequência de sílabas e designou a elas alturas e durações específicas. É responsabilidade do performer (1) determinar corretamente a sequência precisa de sons fonéticos que formam cada sílaba; (2) avaliar esses sons quanto a sua ordem de importância e duração no ritmo normal da fala, e sua habilidade para sustentar altura, e (3) atribuir a cada fragmento fonético sucessivo um instante (ou duração) e uma intensidade de emissão precisos, proporcionais e adequados46 (BLOCKER, 2004, apud HAUCK-SILVA, 2017, p.23). Estabelecida em 1886, em Paris, a Associação Internacional de Fonética criou o modelo fonético denominado IPA (International Phonetic Alphabet)47, um modo específico de categorizar fenômenos segmentais e prosódicos, por meio de processos perceptivos relativos aos aspectos visuais, auditivos e à emissão sonora. Inicialmente, foi idealizado com o intuito de promover a compreensão e a pronúncia das línguas inglesa e francesa. Depois, o IPA foi ampliado, proporcionando um padrão de notação para a representação fonética de todas as línguas faladas, permitindo ao falante não nativo, nem estudioso de um idioma, pronunciá-lo. Porém a sua aplicabilidade não se restringiu à prática didática no ensino de línguas, mas também à produção de recursos didáticos para o desenvolvimento das habilidades fonéticas na fala, e às orientações específicas relacionadas aos aspectos acústicos e aqueles relacionados à percepção orgânica dos sons. Exercícios de discriminação e identificação de sons, exercícios de transcrição fonética visando ao desenvolvimento da acuidade perceptiva dos fatos segmentais e suprassegmentais, técnicas de controle de produção dos fatos fonéticos (descrições simplificadas da articulação dos sons, diagramas ilustrando a posição dos órgãos), exercícios de repetição e exercícios de leitura em voz alta para promover a autocorreção (CHAMPAGNE-MUZAR, 1993; apud HIRAKAWA, 2007). Richard Miller (1996), em seu livro On the art of singing, defende que os estudos relacionados à dicção vão além do desenvolvimento de habilidades com a pronúncia. O autor afirma que o IPA, além de ser uma ferramenta linguística, pode oferecer ao cantor um conjunto de orientações precisas quanto aos aspectos acústicos, 46 The composer (in traditional music) has undertaken to supply a musical “setting” for a sequence of syllabes, and has allotted to them specified pitches and specified durations. It is the performer’s responsability (1) to assay correctly the precise sequence of phonetic sounds wich form each syllable, (2) to evaluate those sounds as to their orders of importance and duration in normal speech rhythm, and their abilities to carry sustained pitch, and (3) to allot to each successive phonetic fragment a precise, proportionate and appropriate instant (or duration) and loudness of utterance (BLOCKER, 2004, p.100. Tradução Caiti Hauck-Silva). Vale apontar, que Robert Blocker (2004) trata de questões de performance mais vinculadas à música coral. 47 Alfabeto Fonético Internacional (AFI), em português. A última versão foi publicada em 2015. Vide: www.internationalphoneticassociation.org/content/full-ipa-chart. 35 articulatórios e auditivos dos sons vocais, contribuindo para uma compreensão mais profunda desses pontos em relação aos demais parâmetros vocais. Miller (1996) ressalta que: [...] o principal valor para o cantor em relação a pensar foneticamente não está no aperfeiçoamento dos sons da linguagem [verbal], mas no reconhecimento de que as posições constantemente mutáveis do trato vocal para a definição das vogais, representadas pelos símbolos do IPA, contribuem diretamente com o timbre da voz e participa na produção do que os cantores chamam de voz “ressonante”. (MILLER, 1996, p. 53-54, apud Mattos (2010). Tradução Wladimir Mattos) De outro lado, bastante relevantes para este tema são as considerações do pianista e pesquisador Leslie De’Ath (2012), registradas na pesquisa de doutorado de Mattos (2014). O autor canadense referencia discussões sobre a dicção lírica com base na fonologia em seu artigo entitulado “Phonetic transcription – what it doesn’t tell us”, publicado no Journal of Singing, em 2012. Nele aborda a utilização de recursos de transcrição fonética, em especial do IPA, apresentando um estudo profundo das variações de descrição e representação do fonema /r/ e seus alofones nas línguas: inglesa (americana e britânica), alemã, francesa e italiana. Basicamente, o estudo revela as limitações do IPA como um índice de pronúncia, em função das restrições no seu uso. Uma dessas insuficiências se relaciona ao fato “de que o contínuo sonoro não é completamente divisível em segmentos tais como os fonemas uma vez que estes segmentos correspondem à expressão de um conjunto de traços distintivos” (MATTOS, 2010, p. 69-70). Podemos relacionar este ponto à nossa pesquisa, pois as coarticulações que sucedem entre vocábulos, isto é, as variações ocasionadas pela influência de características dos segmentos envolvidos, uns sobre os outros, anterior ou posterior48, em um contínuo, diversas vezes influenciadas por questões prosódico-musicais, não encontram símbolos descritivos no IPA. Por fim, vale apontar sobre os aspectos da dicção relacionados ao conceito de expressividade bastante investigado por autores ligados à performance musical, em especial após 1980. Um dos conceitos mais difundidos anterior a este período foi fundamentado na concepção de Carl Seashore (1967) de que a expressividade constitui um “desvio estético de uma regra”49 como aquelas explicitadas numa partitura. Porém, os diversos problemas apontados nessa definição, tais como a visão da partitura como 48 Por exemplo, a labialização do “r” na palavra rum, em função do traço relativo à vogal “u”. 49 “A expressão artística dos sentimentos na música consiste em desvios estéticos do regular – do som puro, da altura real, da dinâmica uniforme, do andamento metronômico, dos ritmos rígidos, etc.” (SEASHORE, 1967, apud HAUCK-SILVA, 2017, p.26). 36 um objeto desvinculado de “qualquer suposição cultural sobre como a notação deve ser entendida e intepretada” (CLARKE, 2004, p.84), assim como a possibilidade de existir uma execução absoluta (que seria a “regra”) de uma obra musical em termos de duração, altura e intensidades, acabaram por empreender outras conceituações mais amplas, como a de Daniel Leech-Wilkinson (2009). Este autor adota o termo gesto expressivo para traduzir esses movimentos decorrentes da dinâmica envolvida na transmissão de uma informação musical e/ou extra-musical. Um gesto expressivo pode ser definido como uma irregularidade em uma ou mais das principais dimensões acústicas (altura, amplitude, duração), introduzida para dar ênfase a uma nota ou acorde – usulamente no início de uma nota ou acorde50. (LEECH- WILKINSON, 2009, apud HAUCK-SILVA, 2017, p.26) Ainda, podemos avistar outra perspectiva em relação à questão da expressividade. Dispomos da concepção de estilo de Sirio Possenti (2007), que, por sua vez, explicita a ideia do filósofo Gilles-Gaston Granger (1968), em sua obra A filosofia do estilo. Segundo Possenti (2007), estilo constitui “a colocação em correspondência de uma forma e de um conteúdo, fórmula que pode perfeitamente ser parafraseada por ‘correspondência entre uma forma e um sentido’”(POSSENTI, 2007, p.20). Embora, para Possenti (2007), Granger tenha pensado especialmente no estilo das obras científicas, a sua concepção do trabalho científico é fundamentalmente histórica e leva em conta exatamente a prática. Neste sentido, considera-se a figura do sujeito não como totalmente assujeitado a um lugar discursivo, ou seja, o sujeito-posição. Desse modo, o sujeito é visto como habilitado a fazer escolhas a partir das práticas discursivas em que se insere. Assim, diante dele, colocam-se opções, que se encontram na confluência entre as possibilidades da língua e as possibilidades de suas vinculações discursivo-ideológicas. Não se limita a isso o que consideramos aqui: com relação a quem pode se expressar através de uma linguagem dotada de estilo compreende-se que todo e qualquer enunciado apresenta estilo, já que é o resultado das escolhas efetuadas pelo sujeito. Daí, pois, a ênfase na capacidade do sujeito em realizar escolhas, orientando-se por determinados fins que podem ser de distinta natureza discursivo-ideológica. Essa concepção amplifica as questões relativas à expressividade nas escolhas do intérprete no tocante à dicção uma vez que eleger quaisquer das alternativas de pronúncia implica em estilo, “na exata medida em que se trata de formas de produzir sentido, de relacionar forma e conteúdo” (POSSENTI, 2007, p.21), sem que haja, para isso, uma regra inicial a ser desviada ou descontinuada. Outros autores amparados pela premissa de limitação da escrita, a começar pela partitura, cuja “notação convencional de forma alguma capta toda a complexidade da 50 An expressive gesture can be defined as an irregularity in one or more of the principal acusitc dimensions (pitch, amplitude, duration), introduced in order to give emphasis to a note or chord – usually the start of a note chord (LEECH-WILKINSON, 2009, p.26. Grifos originais. Tradução Caiti Hauck-Silva, 2017). 37 música, como todo performer sabe” (RINK, 2002, p.53. Tradução nossa)51, admitem a expressividade como um fenômeno multidimensional, que envolve, além dos aspectos de ordem temporal (que ocorre no momento da performance) e espacial (que pode determinar alterações conforme o local da performance), os elementos relacionados à psicologia da performance, como as emoções (JUSLIN, 2003; LAUKKA, 2004, apud HAUCK-SILVA, 2017). Clarke (2002) a definiu como: A expressão pode ser entendida como a consequência inevitável e insuprimível da compreensão da estrutura musical, mas também é uma tentativa consciente e deliberada dos performers para tornarem suas interpretações perceptíveis52. (CLARKE, 2002, p.65. Tradução nossa) Segundo Rink (2002) e Clarke (2002), dentre outros, seria inimaginável para um ser humano produzir uma performance sem expressão, uma vez que toda ação humana está imbuída de alguma intenção e/ou emoção. Este trabalho caminha na mesma direção destas concepções, visto que a expressão se aplica, para além dos movimentos de configuração de parâmetros momentâneos de alturas, durações, dinâmicas, andamentos, também para a elaboração da dicção do texto numa obra musical, que pode se modificar em relação à articulação, fraseado, timbre, acentos, durações, dentre outros aspectos, a fim de uma intenção interpretativa. 1.3.2 Por que junturas de palavras? Juntura, (do latim jungere), junção por meio da qual uma coisa é unida. “Ligar as vigas”. Caes. “juntura dos joelhos”. Ovid. Figurativamente: “conectar palavras”. Quint. A conexão das palavras. “Se a palavra sábia se rendeu à nova junção”. Hor. Junção, união, o ato de se juntar. “O desastre da separação é segredo no divórcio, que antes foi a destruição mantida na união”. Cic. Agrupamento, (junto a), o ato de juntar uma coisa para outra, usado no sentido figurado. “Para a tribo dos homens das grandes coisas que são levados à boa vontade, benefício, esperança, junto ao ânimo ou a ação”. Cic. “Se as partes não possuem, não pode ser um homem da natureza, a adjunção do que é do homem, sem a qual a vida social é impossível”. Id. (DUMESNIL, 1809, p.389. Tradução nossa)53 51 Conventional notation by no means captures music’s full complexity, as every performer knows (RINK, 2002, p.53). 52 Expression can be understood as the inevitable and insuppressible consequence of understanding musical structure, yet it is also a conscious and deliberate attempt by performers to make their interpretations audible (CLARKE, 2002, p.65). 53 Junctura/Juncturae, (from jungere) a joint, that whereby a thing is joined. Tignorum junctura. Caes. Genuum junctura. Ovid. Figuratively: junctura verborum. Quint. The connexion of words. Si callida verbum reddiderit junctura novum. Hor.- junctio, junction, union, the act of joining. Est interitus quase discessus et secretio ac diremptus earum partium, quae ante interitum junctione aliqua tenebantur. Cic. – adjunctio, (jungere ad) the act of joining one thing to another, is only used in a figurative sense. Tribus rebus máxime homines ad benevolentiam ducuntur, beneficio, spe, adjunctione animi, aut voluntaris. Cic. Si hae non est, nulla potest esse homini ad hominem naturae adjunctio, qua sublata vitae societas tollitur. Id. (DUMESNIL, 1809, p.389). 38 Segundo o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), o verbete juntura significa: junta; articulação - as juntas dos dedos; união; ligação; junção; sinônimo: encaixe. Na medicina (SOBOTTA, 2018), as junturas ou articulações compõem o sistema articular, unindo as partes rígidas do esqueledo humano (ossos ou cartilagens), a fim de garantir a sua mobilidade. Como esta união não ocorre da mesma maneira entre todos os ossos e cartilagens, a maior ou menor possibilidade de movimento varia de acordo com o tipo de junção (fibrosa, cartilaginosa ou sinovial). Na linguística, o termo juntura se relaciona historiamente ao termo sândi, podendo ser interno (intravocabular) e externo (intervocabular). Este último, sândi externo, constitui um “fenômeno da fonética sintática em que um segmento inicial ou final de palavra é afetado pelo contexto em que ocorre, podendo apresentar diferentes realizações que dependem das características do som que antecede ou segue uma fronteira de palavra” (XAVIER & MATEUS, 1990, p.327-328). Também, sândi externo compreende as “mudanças resultantes de assimilações ou dissimilações de um vocábulo em contato com outro” (MATTOSO CÂMARA JR., 1973, p.341). Safa Abou C. Jubran (2004) definiu este locus entre os vocábulos onde se coarticulam dois ou mais elementos, que por ora se acoplam, ora se mesclam, e ora destituem outros, como: Junturas/fronteiras: o domínio no qual um dado processo fonológico se manifesta. As junturas demarcam a unidade gramatical: as chamadas terminais referem-se às fronteiras entre duas unidades. (JUBRAN, 2004, p.92) Nesse sentido, o termo juntura de palavras, que envolve clíticos54 fonológicos (AMARAL & MASSINI-CAGLIARI, 2010, p.126), é utilizado para designar o processo de disposição de sílabas intervocabulares constituintes de finais e inícios de palavras sucessivas. Ressaltamos um quesito na utilização do termo juntura, em vez de ligação de palavras. A ligação será considerada como um dos fenômenos ocorrentes nos limites de vocábulos, isto é, presumiremos que na ocorrência de palavras em junturas, estas poderão ou não estar ligadas, conforme a escolha do intérprete quando da execução musical em PB. 54 “Refere-se à palavra que, ao se ligar foneticamente com outra, forma um todo, uma unidade” (HOUAISS, 2001). 39 As junturas de palavras tratadas nesta pesquisa não deverão ser alvo de regras fixas, mas de reflexões sobre as diversas possibilidades de sua execução num contexto musical. 40 Capítulo 2 - As junturas de palavras na história do PB cantado Há, historicamente, três momentos marcantes em que foram propostas recomendações para a execução de junturas de palavras no português brasileiro cantado: em 1938, 1958 e 2007. 2.1 As junturas em 1938 O primeiro momento foi descrito nas Normas para a Boa Pronúncia do Português Brasileiro Cantado, expostas nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada55, publicadas em 1938, num capítulo denominado “Ligação de palavras e tritongos”, na página 86, dos Anais. O documento partiu de um anteprojeto elaborado por Mário de Andrade e teve como norte obras de foneticistas como Antenor Nascentes, Sousa da Silveira e Renato Mendonça, além de um relatório apresentado ao Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, pela Comissão nomeada para estudar a pronúncia carioca – “Boletim de Educação Pública” ano I, n° 4. Listando diversas ocorrências entre vogais e consoantes, as normas relatam exemplos por meio da descrição ortográfica (sem a utilização de notações e/ou transcrições fonéticas), buscando propor regras e apontamentos para a execução das junturas. Vale lembrar que estas primeiras normas foram o resultado de um processo histórico, político e cultural com vistas a um modelo de expressão artística brasileira padronizada em relação à dicção do PB cantado e declamado. O Congresso da Língua Nacional Cantada será, neste contexto, (re)interpretado como um evento de cunho político que ao tratar da normatização da pronúncia, no canto e em outras manifestações artísticas, fez uso da coerção entendida não como violência física, mas como violência moral ou simbólica. [...] Dessa forma, o político se imiscui naquilo que alguns consideravam como linguagens neutras: a ciência, a técnica e as artes. (SERPA, 2001, p.73) No entanto, o próprio documento relata os desafios em se fixar normas para este tema, uma vez que já se considerava cada frase constituída de um caso próprio, com seu ritmo e psicologia particulares, dependendo, muitas vezes, do arbítrio e da expressividade do cantor/intérprete e do compositor. Mesmo assim, o documento, além de ser um registro essencial na história do PB cantado, estabeleceu, dentre outros itens, 55 Realizado em São Paulo, em julho de 1937, o Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada “destinou-se especialmente a adotar uma língua-padrão a ser usada na pronúncia artística da língua nacional” (ANAIS, 1938, p.51). 41 as bases para divisões rítmicas em junturas de palavras, que se sustentaram até as normas de 2007. É preciso salientar que embora tenha havido alterações na língua portuguesa brasileira escrita e falada, a questão fundamental perpassa pela definição de regras naquele momento histórico que objetivavam promover a unidade do PB cantado56. E, ainda, a lógica estrutural da construção das Normas de 1938 levou em consideração o universo dos vocábulos, em seu nível descritivo articulatório, na sua formação silábica e tonicidade, preocupando-se menos com indicações relativas a aspectos mais amplos, como a prosódia. Seguimos, portanto, aos 04 (quatro) casos de junturas de palavras entre vogais expostos nos Anais (1938)57. 1) Quando a primeira palavra termina com uma vogal reduzida58 – a, e, o – e a segunda palavra se inicia com vogal átona59, há supressão da vogal reduzida. Exemplos: • [ɐ] + [a] : Você faç'a mesma coisa... (faça + a) [vo'se 'fa.ssssa a a a 'mez.mɐ 'ko:ɪ.zɐ] • [ɐ] + [e] : Ganhei uma not'excelente... (nota + excelente) [gɐ̃'ɲe:ɪ 'u....mɐ 'nɔ.tetetete.se'lẽ.ʧɪ] • [ɪ] + [ɪ] : Pobre d'ispírito... (de + espírito) ['pɔ.bɾɪ ʤʤʤʤɪɪɪɪs'pi.ɾi.tʊʊʊʊ] • [ɪ] + [i] : Nobr'instinto... (nobre + instinto) ['nɔ.bɾɾɾɾĩĩĩĩssss'ʧĩ.tʊʊʊʊ] • [ɐ] + [o] : Na cas'oposta à minha... (casa + oposta) [nɐ 'ka.zozozozo'pɔs.tɐ a 'mĩ.ɲɐ] • [ʊ] + [o] : Corre camp'o boi Espacio... (campo + o) ['kɔ.xɪ 'kɐ.̃ppppoooo bo:ɪs'pa.si:ʊ] • [ʊ] + [u] : O sonh'utilizado... (sonho + utilizado) [ʊ 'so.ɲɲɲɲuuuu.ʧi.li'za.dʊ] 56 Na dissertação de mestrado (2010) são abordados aspectos históricos que contextualizaram a iniciativa do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, e por conseqüência a feitura das Normas para a boa pronúncia do PB cantado. 57 As transcrições têm como padrão referencial a representação fonética atual do IPA, em consonância com as normas atuais (2007). Assim, poderemos pronunciar os exemplos dados, de acordo com as regras estabelecidas em cada documento: as normas de 1938 e as de 1958, porém com o sistema de notação atual. Todos os exemplos dados foram retirados do documento em exposição. 58 Denominadas no documento de vogais surdas, são as vogais ‘e’ e ‘o’, em posição átona final de palavra, que assumem os sons de [ɪ] e [ʊ] respectivamente, como em leite [̍̍ˈle:ɪ.ʧɪ], camelo [̍̍kɐˈme.lʊ]; e a vogal ‘a’ em posição átona ou em finais de palavras, como em carvalho [karˈva.λʊ] e porta [ˈpɔr.tɐ]. 59 Vogal que não recebe acento tônico. Pode ser pretônica (quando ocorre antes da sílaba tônica) ou postônica (quando ocorre depois da sílaba tônica). 42 2) Quando a primeira palavra termina com vogal reduzida – a [ɐ], e [ɪ], o [ʊ] – e a segunda palavra se inicia com vogal tônica60, a vogal reduzida nunca é omitida. Exemplos: • [ɪ] + [ɛ] : Grande época61 ['gɾɐ.̃ʤɪɪɪɪ''''ԑԑԑԑ.po.kɐ] • [ɪ] + [e] : Teve êxito ['te.vɪɪɪɪ'e'e'e'e.zi.tʊ] • [ɪ] + [ɔ] : Carne ótima ['kar....nɪɪɪɪ''''ɔɔɔɔ.ʧi.mɐ] • [ɪ] + [u] : Sabre único ['sa.bɾɪɪɪɪ'u'u'u'u.ni.kʊ] • [ʊ] + [a] : Querendo água [ke'ɾẽ.dʊʊʊʊ''''aaaa.gwɐ] • [ʊ] + [e] : Quero êxito ['kԑ.ɾʊʊʊʊ'e'e'e'e.si.tʊ] • [ʊ] + [i] : Sonho íntimo ['so.ɲʊɲʊɲʊɲʊ''''ĩĩĩĩ.ʧi.mʊ] • [ʊ] + [o] : Pequeno ônibus [pɪ'ke....nʊʊʊʊ'o'o'o'o.ni.bus] • [ʊ] + [u] : Carro útil ['ka.xʊʊʊʊ'u'u'u'u.ʧi:ʊ] Exceções: as expressões feitas, como vinha-d'alhos e fios-d'ovos, herança dos portugueses. Porém, segundo os Anais (1938), nos outros casos em que a vogal é tônica, será a “coerência interna da frase”, e/ou o ritmo, e/ou o seu “movimento psicológico” que definirá a pronúncia. Exemplos: • [ɐ] + [a] : Não havi'alma viva. (havia + alma) [nɐ:̃ʊ ɐ'viiii'aaaa:ʊ.mɐ 'vi.vɐ] • [ɐ] + [a] : Quer que faça-alto? ['kԑr kɪ 'fa.ssssɐɐɐɐ'a:'a:'a:'a:ʊʊʊʊ.tʊ] Esta segunda frase constitui um dos casos em que há alteração de acento da frase. A recomendação para se manter ambas vogais ‘a’ se faz também em função do risco de se entender, com a omissão da primeira, “Quer que faç’alto?” 60 Vogal em que recai o acento tônico da palavra. 61 Segundo as normas de 2007, nestes casos podem ocorrer ditongos crescentes, assim: grande época [gɾɐ'̃ʤjjjjԑԑԑԑ.po.kɐ]. [Ꞌkɛr kɪ faꞋꞋꞋꞋsa:sa:sa:sa:ʊʊʊʊ.tʊ], ou “Quer que faz alto?” gramatical. • [ɐ] + [e] : Boi de fa [bo:ɪ • [ɐ] + [e] : Quem tiver ['kẽ:ɪ Também nesta segunda situação, há uma alteração de “acento psicológico” da frase. Além disso, a omissão do ‘a’ da palavra “tivera” pode “Quem tiver êxtase tamanho!”. Desta maneira, para a manutenção do sentido da frase, as normas indicam a pronúncia “tivera êxtase”. 3) Quando a primeira palavra terminar com vogal tônica e a segunda palavra com vogal átona ou tô vezes formando um hiato e mais raramente um ditongo. Exemplos: • [a] + [ʊ] : Quiç [ki' • [ɛ] + [a] : Com f [kõ No caso do ‘i’ tônico ser seguido por ‘e’ reduzido normas, um prolongament idoneidade mais discutível”. 4) Realiza-se como apogiatura breve as seguintes formações de ditongos crescentes como: com a [kwa (Trovador do sertão, F. Braga e Cascavel Figura 7. Apogiatura breve em ditongos crescentes advindos de ligação de palavras Assim, em quaisquer casos de ligação de palavras, quando esta ocorrer sob um só som da melodia, dependerá do cantor a divisão do mesmo as exigências do canto com as da expressão psicológica do texto” (ANAIS, 1938, p. 87). 43 ou “Quer que faz alto?” [Ꞌkɛr kɪ faꞋꞋꞋꞋza:za:za:za:ʊʊʊʊ.tʊ] o que incorreria num erro : Boi de fam'êh bumba! (fama + êh) ʤɪ 'fa.memememe bũ'ba] : Quem tivera-êxtase tamanho! ɪ ti'vԑ.ɾɐɐɐɐ'e'e'e'es.tɐ.zɪ tɐ'mɐ.̃ɲʊ] Também nesta segunda situação, há uma alteração de “acento psicológico” da frase. Além disso, a omissão do ‘a’ da palavra “tivera” pode transformar a frase em “Quem tiver êxtase tamanho!”. Desta maneira, para a manutenção do sentido da frase, as normas indicam a pronúncia “tivera êxtase”. Quando a primeira palavra terminar com vogal tônica e a segunda palavra com vogal átona ou tônica, geralmente ambas se conservam, na maioria das vezes formando um hiato e mais raramente um ditongo. : Quiçá o tempo mude. [ki'sa.a.a.a.ʊ 'tẽ.pʊ 'mu.ʤɪ] : Com fé as pessoas vivem. [kõ:ʊ 'fԑԑԑԑ....ɐɐɐɐs pe'so.ɐz 'vi.vẽ:ɪ] No caso do ‘i’ tônico ser seguido por ‘e’ reduzido [ɪ] ou ‘i’ [i], há, conforme as normas, um prolongamento do ‘i’, exemplos: “ali estavam três homens”, “nunca vi idoneidade mais discutível”. se como apogiatura breve as seguintes formações de ditongos [kwa], e as [jas], -o on [wõ] (Trovador do sertão, F. Braga e Cascavel, H. Villa-Lobos. ANAIS, 1938, p. 88) Apogiatura breve em ditongos crescentes advindos de ligação de palavras Assim, em quaisquer casos de ligação de palavras, quando esta ocorrer sob um só som da melodia, dependerá do cantor a divisão do mesmo, de maneira a “equilibrar as exigências do canto com as da expressão psicológica do texto” (ANAIS, 1938, p. 87). o que incorreria num erro Também nesta segunda situação, há uma alteração de “acento psicológico” da transformar a frase em “Quem tiver êxtase tamanho!”. Desta maneira, para a manutenção do sentido da frase, Quando a primeira palavra terminar com vogal tônica e a segunda nica, geralmente ambas se conservam, na maioria das ], há, conforme as o do ‘i’, exemplos: “ali estavam três homens”, “nunca vi se como apogiatura breve as seguintes formações de ditongos Lobos. ANAIS, 1938, p. 88) Apogiatura breve em ditongos crescentes advindos de ligação de palavras Assim, em quaisquer casos de ligação de palavras, quando esta ocorrer sob um , de maneira a “equilibrar as exigências do canto com as da expressão psicológica do texto” (ANAIS, 1938, p. 87). Por outro lado, a regra geral diz que quando nenhuma das vogais for omitida, o cantor deve adotar uma das vogais como real, e as outras como semiconsoantes, obedecendo assim às normas dadas para os ditongos. Tal como no exemplo da canção “Teu nome”, de Francisco Mignone: (Teu nome, F. Mignone. ANAIS, 1938, p. 88) Figura 8. Ditongo advindo de ligação de palavras (divisão por me Aqui o compositor dividiu pela metade o valor da nota, resultando em ['nũ.kkkkɐɐɐɐ....ʊ 'ʤi.sɪ.a 'nĩ.gẽ:ɪ]. Outro caso exposto nas Normas, de 1938, refere expressões feitas em que a preposição ‘de’ faz parte, pode que o compositor tenha dado um som apenas para a melodia. Exemplos: copo d’água; estrela d’alva; fios d’ovos, galinha d’Angola. Também constituem 04 (quatro) as regras relativas às consoantes: 1) Segundo os Anais (1938), sejam ‘l’, ‘m’, ‘n’, ‘r’, ‘s’ e ‘z’, usa rápidas, ou num som destacado, para não prejudicar a realidade rítmica. Exemplos: “sob meu pé” [so.bbbbɪɪɪɪ.me:ʊ Ꞌpɛ]; “sob o véu” Ꞌɾↄ.ʤʤʤʤjaaaa i.noꞋsẽ.sjɐ]. Por outro lado, omite consoantes cujo modo e ponto de articulação são os mesmos, por exemplo: “sob palmeiras dormindo” [sob oclusivas bilabiais. 62 “Suprime fonemas no fim dos vocábulos, ex.: faz por faze” (NASCENTES, 1933, p. 51). 63 “Aumenta fonemas no fim, ex.: ante fenômeno e o fenômeno fonético “epêntese”, que “aumenta fonemas no meio” (NASCENTES, 1933, p. 50), tal como na palavra advogado [a.dededede.vo 44 Por outro lado, a regra geral diz que quando nenhuma das vogais for omitida, o cantor deve adotar uma das vogais como real, e as outras como semiconsoantes, obedecendo assim às normas dadas para os ditongos. Tal como no exemplo da canção “Teu nome”, de Francisco Mignone: (Teu nome, F. Mignone. ANAIS, 1938, p. 88) Ditongo advindo de ligação de palavras (divisão por metade) Aqui o compositor dividiu pela metade o valor da nota, resultando em Outro caso exposto nas Normas, de 1938, refere-se aos fenômenos fonéticos nas expressões feitas em que a preposição ‘de’ faz parte, pode-se aceitar que o compositor tenha dado um som apenas para a melodia. Exemplos: copo d’água; estrela d’alva; fios d’ovos, galinha d’Angola. Também constituem 04 (quatro) as regras rela