UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ANA MARTA DE OLIVEIRA ALVARES CONSELHOS MUNICIPAIS: ESPAÇOS DE DISPUTA POLÍTICA, TRINCHEIRAS DOS CONFLITOS SOCIAIS FRANCA 2024 2 ANA MARTA DE OLIVEIRA ALVARES CONSELHOS MUNICIPAIS: ESPAÇOS DE DISPUTA POLÍTICA, TRINCHEIRAS DOS CONFLITOS SOCIAIS Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, como pré-requisito para obtenção do título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. Área de Concentração: Desenvolvimento Social. Linha de Pesquisa: Instituições, cidadania e políticas sociais. Orientador: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa. FRANCA 2024 A473c Alvares, Ana Marta de Oliveira Conselhos Municipais: : espaços de disputa política, trincheiras dos conflitos sociais / Ana Marta de Oliveira Alvares. -- Franca, 2024 421 p. : il., tabs., fotos, mapas Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientador: Agnaldo de Sousa Barbosa 1. controle democrático. 2. mobilização social. 3. participação social. 4. conselhos municipais. 5. análise de política. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. 4 ANA MARTA DE OLIVEIRA ALVARES CONSELHOS MUNICIPAIS: ESPAÇOS DE DISPUTA POLÍTICA, TRINCHEIRAS DOS CONFLITOS SOCIAIS Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, como pré-requisito para obtenção do Título de Mestre em Planejamento e Análise de Políticas Públicas. Área de concentração: Desenvolvimento Social Linha de Pesquisa: Instituições, cidadania e políticas sociais. BANCA EXAMINADORA: __________________________________________________________________ Orientador: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Campus de Franca – SP __________________________________________________________________ Membro Titular: Profª. Dr.ª Andreia Aparecida Reis de Carvalho Liporoni Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Campus de Franca – SP __________________________________________________________________ Membro Titular: Profª Dr.ª Abigail Silvestre Torres Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP Núcleo de estudo e pesquisa em Seguridade Social e Assistência Social (NEPSAS) Franca, 10 de junho de 2024. 5 À Mariah Alvares Guerra, minha filha. E a todos que amo, sem a necessidade de nomes ou vocativos, pois com certeza o sabem. À Diléa Zanotto Manfio, em memória, referência de luta por meio dos Conselhos Municipais de Saúde, Segurança e Comunidade, grandiosa professora pós-doutora, filósofa e pesquisadora, incentivadora da leitura, que me presenteou com meu primeiro livro, Sagarana. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu orientador Professor Doutor Agnaldo de Sousa Barbosa, aos docentes e discentes do Programa de Análise de Políticas Públicas - 2022/2024, aos meus familiares, amigas e amigos, colegas de trabalho e profissão, a SEBES, a chapa ECUSS - Ética, Compromisso, União e Serviço Social do CRESS/SP, Conselhos, conselheiros municipais e militantes de Bauru/SP, não podendo deixar de nomear Cícero Júnior que me emprestou um computador para escrever esta dissertação, minhas referências profissionais: Márcia Cunha, Renata Garcia, Telma Carvalho, Rosana Maia e Jade Colpani, e minha querida avó, Wyldes Chiampi Alvares, professora primária, responsável por toda poesia da minha infância. 7 RESUMO A presente pesquisa objetiva discutir como tem se organizado o controle social das políticas públicas nos Conselhos Municipais do município de Bauru, São Paulo, através de análise conjuntural da participação popular e das expressões democráticas deste território, em comparação com o contexto nacional, após o governo do presidente Jair Messias Bolsonaro (2019-2022) e o histórico atravessamento de período pandêmico no país. Para isso, busca analisar documentos com estes dois recortes, federal e local, estudos e legislações para conhecer a estrutura das instituições participativas relacionadas ao planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas, como os Conselhos de Direitos e os Movimentos Conferenciais. Como produto, prioriza mapear estratégias de superação e entraves dos grupos políticos e movimentos sociais, quanto à inserção dos usuários e trabalhadores na conformação da agenda pública e a garantia de uma estrutura que permita efetiva mobilização e participação popular nas decisões das prioridades governamentais. Em seu aspecto teórico-metodológico, compreende-se como um Estudo de Caso Ampliado, de caráter exploratório, qualitativo, valendo-se ainda de revisão bibliográfica e da abordagem de análise de política. A reflexão se alicerça na perspectiva crítica quanto ao sistema de controle social brasileiro, trazendo à luz a problematização de que, em um contexto político neoliberal, a efetiva participação das classes subalternizadas na gestão das políticas públicas constitui um grande desafio, devido a desresponsabilização do Poder Executivo local perante os Conselhos Municipais, o que precariza seu funcionamento, estrutura e composição, como demonstra a análise apresentada pela pesquisa empírica. Palavras-Chave: controle democrático; mobilização social; participação social; conselhos municipais; análise de política. 8 ABSTRACT This research aims to discuss how the social control of public policies has been organized in the Municipal Councils of the municipality of Bauru, São Paulo, through a conjunctural analysis of popular participation and democratic expressions in this territory, compared with the national context, after the government of President Jair Messias Bolsonaro (2019-2022) and the historical period of pandemic in the country. Therefore, this study seeks to analyze documents with these two sections, federal and local, studies and legislation to learn about the structure of participatory institutions related to the planning, implementation, and evaluation of public policies, such as Rights Councils and Conference Movements. As a product, it prioritizes mapping out strategies for overcoming the obstacles faced by political groups and social movements in terms of including users and workers in shaping the public agenda and guaranteeing a structure that allows for effective mobilization and popular participation in decisions on government priorities. In its theoretical-methodological aspect, it is understood as an Expanded Case Study, of an exploratory, qualitative nature, also using a bibliographical review and the policy analysis approach. This reflection is based on the critical perspective of the Brazilian social control system, bringing to light the problem that, in a neoliberal political context, the effective participation of the subaltern classes in the management of public policies is a major challenge due to the lack of accountability of the local Executive Branch toward the Municipal Councils, which makes their functioning, structure, and composition precarious, as demonstrated by the analysis presented by empirical research. Keywords: democratic control; social mobilization; social participation; municipal councils; policy analysis. 9 IMPACTO ESPERADO Este trabalho tem como impacto social e científico esperado a sistematização de conhecimentos cruciais à efetividade do controle social democrático, com destaque para priorização de investimentos em consonância com interesses coletivos, contribuindo para a promoção da paz, justiça e instituições eficazes, saúde e bem estar, educação de qualidade, igualdade de gênero e redução de outras formas de desigualdade. EXPECTED IMPACT This work’s expected social and scientific impact is the systematization of knowledge, which is crucial to the effectiveness of democratic social control, with emphasis on prioritizing investments in line with collective interests, contributing to the promotion of peace, justice, effective institutions, health and well-being, quality education, gender equality, and reduction of other forms of inequality. 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 - A lacuna entre os princípios e as práticas da ciência (segunda parte) ……….…34 Quadro 2 - Relação dos Conselhos Municipais vinculados à Casa dos Conselhos ………...98 Figura 1 - Divulgação do evento “Minha Cor é o Brasil” ………………………………………. 39 Figura 2 - 39 Conselhos Municipais de Bauru ………………………………………………..… 76 Figura 3 - Página da Casa dos Conselhos no site da Prefeitura Municipal de Bauru ………96 Figura 4 - Linha do tempo dos Conselhos Municipais de Bauru ………………………………98 Figura 5 - Reprodução das mídias sociais da Prefeita Municipal de Bauru ………………...107 Figura 6 - Banheiros Multigêneros do Mc Donald´s Bauru ……………………………………116 Figura 7 - Divisão estadual do território das DRADS ……………………………………….…212 Figura 8 - Municípios que compõem a DRADS Bauru ……………………………………..…212 Figura 9 - DRADS Bauru e a divisão territorial de seus 39 municípios …………………...…213 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - IDConselho do CMAS Bauru, segundo o Censo SUAS de 2019 a 2022……..…214 Tabela 2 - Comparação do IDConselho entre os municípios da DRADS Bauru de 2019 a 2022………………………………………………………………………………………………….215 Tabela 3 - Ranking entre as dimensões avaliadas pelo IDConselho em 2019, 2020, 2021 e 2022………………………………………………………………………………………………….217 Tabela 4 - Dados gerais dos questionários enviados…………………………………………..249 Tabela 5 - Pergunta 1: Condição de participação………………………………………………251 Tabela 6 - Pergunta 2: Idade……………………………………………………………………..251 Tabela 7 - Pergunta 3: Identidade de gênero……………………………………………………252 Tabela 8 - Pergunta 4 - Expressão de gênero…………………………………………………..253 Tabela 9 - Pergunta 5: Orientação afetiva-sexual………………………………………………254 Tabela 10 - Pergunta 6: Quesito Raça/cor………………………………………………………254 Tabela 11 - Pergunta 9: Escolaridade……………………………………………………………255 Tabela 12 - Pergunta 13: Vínculo empregatício atual………………………………………….257 Tabela 13 - Pergunta 15: Escolaridade paterna………………………………………………...258 Tabela 14 - Pergunta 17: Escolaridade materna………………………………………………..258 Tabela 15 - Pergunta 19: Representação no Conselho………………………………………..259 Tabela 16 - Pergunta 21: Participação em Comissão………………………………………….260 Tabela 17 - Pergunta 22: Frequência de participação nas reuniões e atividades…………..261 Tabela 18 - Pergunta 23: Capacidade deliberativa……………………………………………..262 Tabela 19 - Pergunta 24: Conhecimento sobre o regimento interno…………………………263 Tabela 20 - Pergunta 25: Abertura ao debate…………………………………………………..264 Tabela 21 - Pergunta 26: Participação em organização ou movimento social………………264 Tabela 22 - Pergunta 28: Participação em Audiências Públicas, Conferências e Semanas…... ……………………………………….……………………………………………………………….266 Tabela 23 - Pergunta 29: Envolvimento político partidário……….……………………………266 Tabela 24 - Pergunta 30: Cumprimento das deliberações conferenciais/estaduais/federais…. ……………………………………….……………………………………………………………….267 Tabela 25 - Pergunta 31: Acompanhamento das organizações, serviços, programas e projetos………………………………………………………………………………………………268 Tabela 26 - Pergunta 32: Ações de mobilização, reuniões descentralizadas e/ou ampliadas………………………………………………………………………..………………….268 Tabela 27 - Pergunta 33: Acessibilidade e divulgação…………………………………………269 Tabela 28 - Movimento Conferencial……………………………………………………………..274 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAFC Associação dos Aposentados da Fundação CESP AAPIB Associação dos Aposentados, Pensionistas, Idosos de Bauru e Região ABD Associação Bauru pela Diversidade ABMCJ-SP Associação de Mulheres de Carreira Jurídica ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental AEAPS Associação das Entidades Assistenciais e Promoção Social Ambulatório TT Ambulatório de Assistência à Saúde de Pacientes Travestis e Transexuais AMICOP Associação de Mulheres Indígenas do Centro Oeste Paulista APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais APAMAGIS Associação Paulista de Magistrados APEOESP Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo ATCCC Assessoria Técnica aos Conselhos, Comissões e Comitês ATIBA Associação Terceira Idade de Bauru BPC Benefício de Prestação Continuada BR Brasileiro CACS FUNDEB Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação CADEM Conselho Municipal de Apoio ao Desenvolvimento CADS Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual CAE Conselho Municipal de Alimentação Escolar CAFS Cooperativa de Agricultores Familiares Solidários CAISAN Câmara Municipal Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional CATI Coordenadoria de Assistência Técnica Integral CEAGESP Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo CEAPcD Conferência Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência CENTRO POP Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua CES Conselho Municipal de Esporte CESEC Centro de Estudos de Segurança e Cidadania CESP Companhia Energética de São Paulo CF 88 Constituição Federal de 1988 CIAM Centro Integrado de Atendimento à Mulher 13 CIAVI Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Violência CICA Comissão Inclusiva da Criança e Adolescente CIESP Centro das Indústrias do Estado de São Paulo CIMST Conselho Intersindical Municipal de Saúde do Trabalhador CLT Consolidação das Leis do Trabalho CMAS Conselho Municipal de Assistência Social CMB Conselho do Município de Bauru CMC Conselho Municipal de Política Cultural CMCN Conselho Municipal da Comunidade Negra CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CMDH Conselho Municipal dos Direitos Humanos CMDR Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural CME Conselho Municipal de Educação CMH Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social CMJ Conselho Municipal da Juventude CMM Conselho Municipal de Mobilidade CMPC Conselho Municipal de Política Cultural CMPCVD Comitê Municipal de Prevenção e Combate às Violências Domésticas CMPD Conselho Municipal da Pessoa Deficiente CMPID Conselho Municipal da Pessoa Idosa e Deficiente CMPM Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres CMS Conselho Municipal de Saúde CMTCS Conselho Municipal de Transparência e Controle Social CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CNCD/LGBT Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais CNDAS Conferência Nacional Democrática de Assistência Social CNDM Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNE Conselho Nacional de Educação CNSAN Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CODEPAC Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru COMAD Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e outras Drogas COMDEMA Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente COMDURB Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de Bauru COMETI Comissão Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil COMSEA Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável COMTI Conselho Municipal de Tecnologia E Inovação 14 COMTUR Conselho Municipal de Turismo COMUDE Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência COMUPDA Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais COMUPI Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa COMUSAE Conselho Municipal dos Usuários de Água e Esgoto COMUSP Conselho Municipal de Usuários dos Serviços Públicos CONAB Companhia Nacional de Abastecimento CONADE Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONGEMAS Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social CONJUVE Conselho Nacional da Juventude CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CONSEA/SP Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de São Paulo CONSEG Conselho Comunitário de Segurança CONTRAN Conselho Nacional de Trânsito CORDE Coordenadoria Nacional para a Pessoa Portadora de Deficiência COSALI Coordenadoria de Segurança Alimentar COVID Corona Virus Disease - Doença do Coronavírus CPA Comissão Permanente de Acessibilidade CPD Convergência pelos Direitos CPF Cadastro de Pessoa Física CPFL Companhia Paulista de Força e Luz CRADI Centro Regional de Atenção ao Deficiente e Idoso CRAS Centros de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRESS Conselho Regional de Serviço Social CRM Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência CRSANS Comissões Regionais de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável CSA Comunidade que Sustenta a Agricultura CTA Centro de Testagem e Aconselhamento CTBA Curitiba CTRE Conselho Municipal do Trabalho e Renda CUTPMB Conselho dos Usuários de Transportes de Passageiros do Município DAE Departamento de Água e Esgoto DDM Delegacia da Mulher DeMuS Direito e Mudança Social 15 DF Distrito Federal DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada DISE Delegacia de Investigações de Entorpecentes da Polícia Civil DIU Dispositivo Intrauterino DJ Disk Jockey - quem brinca com discos DRADS Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ECUSS Ética, Compromisso, União e Serviço Social EGPM Escola de Gestão Pública Municipal EPI Equipamento de Proteção Individual FACTI Fundo Municipal de Apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação de Bauru FDR Fundo de Desenvolvimento Rural FEI-SP Fundo Estadual do Idoso de São Paulo FMAS Fundo Municipal de Assistência Social FMDCA Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do adolescente FMDE Fundo Municipal de Desenvolvimento Esportivo FMDU Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano FMH Fundo Municipal de Habitação FMMA Fundo Municipal do Meio Ambiente FMM Fundo Municipal de Mobilidade de Bauru FMPA Fundo Municipal de Proteção Animal FMPM-BAURU Fundo Municipal de Políticas para Mulheres - Bauru FNTSUAS Fórum Nacional de Trabalhadores do SUAS FNU-SUAS Fórum Nacional dos Usuários do SUAS FONSEAS Fórum Nacional de Secretários(as) de Estado da Assistência Social FTE Fundo de Tratamento de Esgoto do DAE Bauru FUMPAD Fundo Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e Outras Drogas FUMPEDE Fundo Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência FUMPI Fundo Municipal da Pessoa Idosa FUNAI Fundação Nacional do Índio GLBT Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros GOV Governo GREB Grêmio Recreativo Energético de Bauru GRESP Grêmio Recreativo Energético do Estado de São Paulo HIV Human Immunodeficiency Virus - Vírus da Imunodeficiência Humana IAP Índice de Arquitetura Participativa IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis 16 IBB Instituto de Biociências de Botucatu IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa ID Jovem Programa Identidade Jovem IDConselho Índice de Desenvolvimento dos Conselhos Municipais de Assistência Social IEI Índice de Estrutura Institucional IEP Índice de Efetividade da Participação IEP-E Índice de Efetividade da Participação de caráter empírico IFMC Instituto Formando Mentes Coletivas IGD Índice de Gestão Descentralizada IGM Índice de Gestão Municipal ILPI Instituição de Longa Permanência para Idosos INCT Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPRESPA Instituto Profissional de Reabilitação Social 1º de Agosto ISTs Infecções Sexualmente Transmissíveis ITE Instituição Toledo de Ensino JC Jornal da Cidade JOMI Jogos da Melhor Idade LAI Lei de Acesso à Informação LBI Lei Brasileira de Inclusão LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros LGBTQIAPN+ Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Pôli, Não-binárias e mais LIESB Liga das escolas de samba e blocos de Bauru LOA Lei Orçamentária Anual LOAS Lei Orgânica de Assistência Social LUOS Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo MDB-RJ Movimento Democrático Brasileiro do Rio de Janeiro MDS Ministério de Desenvolvimento Social MEC Ministério da Educação MP Medida Provisória MROSC Marco Regulatório das Organizações Sociedade Civil MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NEPSAS Núcleo de Estudo e Pesquisa em Seguridade Social e Assistência Social OAB Ordem dos Advogados do Brasil OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico 17 ODS Objetivos do Desenvolvimento Sustentável OECD Organisation for Economic Cooperation and Development OEDH Observatório de Educação em Direitos Humanos OIJ Organização Ibero-Americana da Juventude ONG Organização não governamental ONU Organização das Nações Unidas OP Orçamento Participativo OSC Organização da Sociedade Civil PAA Programa de Aquisição de Alimentos PAPP Planejamento e Análise de Políticas Públicas PDT Partido Democrático Trabalhista PEC Proposta de Emenda à Constituição PEP Profilaxia Pós-Exposição ao HIV PFL Partido da Frente Liberal PMB Partido da Mulher Brasileira PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PNI Política Nacional do Idoso PNIPPD Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência PNPS Política Nacional de Participação Social POMPI Política Municipal da Pessoa Idosa POS Programa de Orientação da Rede de Proteção Social PPA Plano Plurianual PPB Partido do Povo Brasileiro PrEP Profilaxia Pré-Exposição ao HIV ProJovem Programa Nacional de Inclusão de Jovens PROMAI Programa Municipal de Atenção ao Idoso PSB Partido Socialista Brasileiro PSD Partido Social Democrático PSDB Partido Socialista Democrático Brasileiro PSL Partido Social Liberal PSOL Partido Socialismo e Liberdade PT Partido dos Trabalhadores PUC-SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RBDC Rede Brasileira de Conselhos REAB Feira de Reabilitação de Bauru 18 Rede PENSSAN Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional RENADI Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa REVIDA Rede de Enfrentamento da Violência RG Registro Geral RME Rede Mulher Empreendedora SAA Secretaria Nacional de Assistência Social SAC Sociedade Amigos da Cultura SAGI Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SAGRA Secretaria de Agricultura e Abastecimento SANS Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável SDG Secretário-Diretor Geral SDR Secretaria de Desenvolvimento Regional SEAR Secretaria Municipal de Administrações Regionais SEBES Secretaria Municipal do Bem-Estar Social SEDECON Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Renda SEDS-SP Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo SEMEL Secretaria de Esportes e Lazer SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio SEPLAN Secretaria Municipal de Planejamento SEPROCOM Secretaria de Projetos Comunitários SESC Serviço Social do Comércio SESI-Bauru Serviço Social da Indústria de Bauru SEST/SENAT Serviço Social do Transporte e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte SINAJUVE Sistema Nacional de Juventude SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional SNAS Secretaria Nacional de Assistência Social SNJ Secretaria Nacional da Juventude SNPS Sistema Nacional de Participação Social SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde SUV Sport Utility Vehicle - Veículo Utilitário Esportivo TAC Termo de Ajuste de Conduta TCU Tribunal de Contas da União TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo TSE Tribunal Superior Eleitoral 19 UDN União Democrática Nacional UNE União Nacional dos Estudantes UNESP Universidade Estadual Paulista UNIP Universidade Paulista UPA Unidade de Pronto Atendimento USC Universidade do Sagrado Coração USP Universidade de São Paulo 20 SUMÁRIO CONSELHOS MUNICIPAIS: ESPAÇOS DE DISPUTA POLÍTICA, TRINCHEIRAS DOS CONFLITOS SOCIAIS INTRODUÇÃO........................................................................................................... 21 1 A Observação Participante e o Estudo de Caso Ampliado...............................30 2 A Participação e o Controle Social no Brasil......................................................47 2.1 Disputas pelos espaços de controle social de 2013 a 2023...........................51 3 Conjuntura atual do controle social bauruense.................................................67 4 Breve histórico dos Conselhos Municipais vinculados à Assistência Social em Bauru.................................................................................................................105 4.1 COMAD e a Política de Redução de Danos....................................................105 4.2 CADS, a linguagem não binária, sua recomposição e a articulação nacional pela diversidade sexual e de gênero.................................................................... 111 4.3 Conselhos de Assistência Social: espaços de questionamento de um Estado de desigualdade social............................................................................. 122 4.4 O Conselho Tutelar e os desafios do CMDCA............................................... 133 4.5 COMSEA e CAISAN: uma política em desenvolvimento.............................. 140 4.6 CMPM, seu fundo municipal e a Casa da Mulher Brasileira.........................154 4.7 COMUDE e a Coordenadoria da pessoa com deficiência............................ 169 4.8 COMUPI e o lazer como um direito da pessoa idosa....................................178 4.9 CMJ Bauru: uma história de 19 anos até sua implementação.....................189 5 Perfil dos Conselhos Municipais vinculados à Assistência Social em Bauru....................................................................................................................... 204 5.1 Perfil do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e Outras Drogas..................................................................................................................... 204 5.2. Perfil do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual................207 5.3 Perfil do Conselho Municipal de Assistência Social.....................................211 5.4 Perfil do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.. 225 5.5 Perfil do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável............................................................................................................. 228 5.6 Perfil do Conselho Municipal de Políticas para as Mulheres......................231 5.7 Perfil do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência..... 235 5.8 Perfil do Conselho Municipal da Pessoa Idosa.............................................239 5.9 Perfil do Conselho Municipal da Juventude.................................................243 6 Análise geral dos questionários de perfil e avaliação....................................249 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................274 REFERÊNCIAS........................................................................................................283 ANEXO A - Respostas dos Formulários enviados pela ATCCC........................ 291 21 INTRODUÇÃO Por compreender a importância das estruturas de controle e participação social para o acesso da população a direitos essenciais à vida, o presente estudo adota os Conselhos de Políticas Públicas como objeto de pesquisa. Mesmo que estabelecidos em um contexto político contraditório, os Conselhos representam grande avanço na luta pela consolidação da democracia brasileira. Ressaltam-se as possibilidades de contínua mobilização e estruturação enquanto grandes potencialidades, dentre as demais estratégias de controle social. Segundo Raichelis (2011), ainda que essas práticas participativas tenham trazido muitos avanços, precisamos reconhecer os limites acerca da partilha de poder entre Estado e sociedade civil, “[...]efetivamente, se trata de um processo em curso, que movimenta um grande número de sujeitos e organizações, e que permanece ativo no Brasil [...]” (Raichelis, 2011, p. 25). A partir desta perspectiva, buscou-se analisar as estruturas de governo, as escolhas governamentais e as possíveis formas de articulação e mobilização social que contribuem para o exercício do controle democrático das políticas sociais e, consequentemente, para a conformação de uma agenda pública que atenda a interesses diversos, se efetive na disputa orçamentária e fomente a autonomia e emancipação dos sujeitos, pois algumas possibilidades e estratégias de mobilização social estão previstas dentro da própria organização da política e da estrutura governamental, de forma institucionalizada, mas isso não quer dizer que estejam garantidas, que elas ocorram efetivamente e que as mesmas se materializam no cotidiano das práticas. Muitos são os debates, atuais e de outrora, quanto a eficácia do aparato democrático de controle social estabelecido em nosso país. Esses espaços representam e lutam, de fato, pelos interesses das classes trabalhadoras? Tem-se realmente que reconhecer seus limites, principalmente considerando sua inserção nos moldes do capital, e problematizar sua implementação. Assim como analisar a realidade de forma consistente, questionando o investimento em tais aparatos neste momento histórico, e de que forma podemos definir estratégias de avanço e potencialização (Moreira, 2011). A esta análise de conjuntura é que este trabalho se propôs, ou seja, buscar entendimento sobre o estado da arte das articulações e participações de usuários de 22 políticas públicas e partícipes de movimentos sociais, nas atividades, discussões e decisões dos Conselhos Municipais de Bauru. Para que, a partir da reflexão quanto à realidade, possamos então desenvolver possíveis estratégias em direção ao alcance de justiça social como, por exemplo, formas de efetivar a descentralização da gestão das políticas públicas, a ampliação de sua diversidade, sua reconstrução coletiva, fortalecida quanto à participação dos usuários dos serviços, aumentando vozes e atores para alcance dos interesses da sociedade, de forma combativa à tradição autoritária brasileira, também nas diversas outras dimensões da vida social (Raichelis, 2011). Nas palavras de Iamamoto (2021): É na dinâmica tensa da vida social que se ancoram a esperança e a possibilidade de defender, efetivar e aprofundar os preceitos democráticos e os direitos de cidadania - preservando inclusive a cidadania social, cada vez mais desqualificada -, na construção de uma forma histórica de sociabilidade que se oriente no sentido de ultrapassar a esfera da necessidade para o universo presidido pela liberdade, possibilitando o desenvolvimento de todos e de cada um dos indivíduos sociais (Iamamoto, 2021, p. 202). Quanto à importância do controle social, Fonseca, Scalco e Castro (2018), ressaltam a importância da atenção aos microterritórios por meio de associações de bairro, lideranças locais e espaços populares menos institucionais e padronizados, mas não menos eficazes. Ainda que o enfoque seja dado a um programa de distribuição de alimentos, o estudo desses autores desperta o olhar para articulações que respeitem a heterogeneidade dos atores e dos territórios, como elemento crucial para que uma política atinja seus objetivos e alerta quanto ao necessário cuidado, linguagem e responsabilidade para que as políticas públicas brasileiras não reproduzam desigualdades. A atualidade da investigação conjuntural de Lüchmann (2020), em estudo sobre as interfaces socioestatais, como Ouvidorias, Conselhos Gestores e Facebooks governamentais, se assemelha aos objetivos deste trabalho, dando destaque aos Conselhos por sua natureza deliberativa e baixo grau de participação. Observa que na década de 2010 havia mais de 30 mil Conselhos Municipais no país e mais de 100 conferências nacionais, tendo ocorrido também a expansão de audiências e consultas públicas, ouvidorias e Facebooks governamentais. Incorpora termos como Democracia Digital, E-participação e Ciberdemocracia e menciona o decreto n. 8.243/2014 da presidenta Dilma Rousseff que instituiu a Política Nacional 23 de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS e o desmonte que o mesmo sofrera por Bolsonaro, para suscitar a necessidade de fortalecimento, conexão e ampliação do caráter relacional das estruturas participativas institucionais e populares, tendo em vista os baixos índices de participação por parte da sociedade civil e a falta de interlocução, comunicação e articulação, entre os diversos Conselhos. Outro estudo que alicerçou o processo de pesquisa deste tema foi o levantamento e a criação de banco de dados realizado por Carla Bezerra et al. (2022a), que demonstra graficamente quais os tipos e quais foram os danos causados aos Conselhos pelo decreto de Jair Messias Bolsonaro, nº 9.759 de 2019. Martelli, Tonella e Coelho (2021), argumentam que as instituições participativas como os Conselhos e as conferências são fundamentais, pois viabilizam o encontro dos atores denominados como invisíveis, ressaltando a importância da construção coletiva das agendas, da atenção aos arranjos técnico-administrativo e político-relacional, da participação institucionalizada e do potencial das articulações entre o Estado e a sociedade para o desenvolvimento de políticas realmente democráticas. Em artigo sobre a qualidade da participação em Conselhos Gestores da Assistência Social, de Costa e Botelho (2018), iniciam com uma reconstrução histórica que perpassa os Conselhos Comunitários de 1970, Conselhos Populares de 1980, até os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, a partir da Constituição de 1988, vinculados a termos como interlocução, representação, fortalecimento democrático, democracia participativa, cidadania, participação social ativa, acesso ao poder, inclusão e controle social na deliberação de políticas públicas. Tendo em vista que a importância da participação nos Conselhos se dá por sua qualidade e não apenas por sua existência pró-forma, e que é esta qualidade que determina a capacidade deliberativa do foro, o artigo em questão se preocupou para além do desenho institucional, em escutar conselheiros do município de Abaeté, de Minas Gerais, por meio de entrevistas em 2014, analisando documentos e interpretando os resultados das Conferências Municipais de Assistência Social em determinado município. O estudo de Costa e Botelho apontou para a fragilização dos Conselhos devido à baixa qualidade da participação, indicando a necessidade de preparação dos conselheiros representantes dos órgãos governamentais e das organizações da 24 sociedade civil, e a importância do monitoramento e da avaliação das políticas públicas. A pesquisa versa sobre desequilíbrio da paridade, falta de autonomia em função da influência da secretaria municipal e de suas interferências nas deliberações, baixo índice de frequência nas atividades, problemas entre a indicação de representantes e pessoas de fato com disposição e envolvimento em lutas sociais, falta de mobilização e divulgação para que a população compreenda a importância de participar. As entrevistas mostraram perspectivas antagônicas entre os representantes da sociedade civil e do governo, pois esses últimos relataram acreditar que a sociedade civil se encontrava em igualdade de condições e autonomia e que a secretaria não interferia nas pautas e decisões. Ressalto do referido artigo duas reflexões para diálogo com o objeto em estudo nesta dissertação. A primeira, quanto ao não rompimento do ideário de que para participar é necessário ser especialista, ou que as classes populares deveriam ser primeiramente educadas para assim poderem experienciar a política, mantendo assim o poder de controle da classe dominante. A segunda, quanto ao desenho institucional, a organização da sociedade civil e o envolvimento das representações não garantir democracia e efetivação de direitos na gestão de políticas públicas, ainda que ampliem o diálogo e a negociação (Botelho; Costa, 2018). Em consonância com a identidade científica atrelada aos referenciais de análise política, consideram-se os modelos organizados por Thomas R. Dye (2009), com a perspectiva de responder o problema e atingir o objetivo deste estudo por meio do reconhecimento dos padrões institucionais, das estruturas, dos grupos, da racionalidade dos sistemas e possíveis jogos e conflitos envolvidos no processo de gestão de políticas públicas, da formação das agendas ao acompanhamento da formulação, da implementação e da avaliação por meio dos Conselhos e Conferências Municipais, pois: Todos nós talvez prefiramos viver num sistema político em que cada um tenha voz igual na formulação de políticas; em que muitos interesses distintos proponham soluções para os problemas públicos; em que a discussão, o debate e a decisão sejam abertos e acessíveis a todos; em que as escolhas políticas sejam feitas de forma democrática; em que a implementação seja razoável, justa e compassiva. Mas só porque tenhamos preferência por um sistema político não significa que tal sistema necessariamente vá produzir políticas de defesa nacional, educação, bem-estar social, saúde ou justiça criminal, que sejam significativamente diferentes. As relações entre processo e conteúdo devem ainda ser pesquisadas (Dye, 2009, p. 106). 25 Nesta mesma perspectiva destacam-se as proposições de Tatagiba (2022): No plano teórico, a ascensão da extrema direita nos mostra que há ainda um caminho a percorrer na compreensão dos sentidos atribuídos à sociedade civil. Embora o campo de pesquisa tenha superado concepções despolitizadas da sociedade civil responsáveis por eclipsar suas relações com as instituições políticas, resquícios neo-tocquevillianos persistem na expectativa de que os movimentos sociais produzam necessariamente efeitos democráticos e de que uma sociedade civil “vibrante” é sinônimo de desenvolvimento de uma política e cultura democrática (Tatagiba et al, 2022, p.19). Especificamente, o principal objetivo da presente dissertação é discutir como tem se organizado o controle social das políticas públicas nos Conselhos Municipais do município de Bauru, do estado de São Paulo, por meio de análise conjuntural da participação popular e das expressões democráticas deste território, em comparação com o contexto nacional, após o governo Jair Bolsonaro (2019-2022) e o histórico atravessamento de período pandêmico no país. Quanto aos objetivos específicos, buscou analisar documentos e reportagens com estes dois recortes, federal e local, estudos e legislações para conhecer a estrutura das instituições participativas relacionadas ao planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas, como os Conselhos de Direitos e os Movimentos Conferenciais, assim como viabilizar levantamento de estratégias para a potencialização das possibilidades democráticas de participação popular na garantia de acesso a direitos sociais através das políticas públicas, dos Conselhos Municipais vinculados a Secretaria Municipal responsável pela Assistência Social. Justifica-se esta pesquisa, através do alcance de seus objetivos, pois estes possuem potencial de contribuir de forma relevante para o fortalecimento dos segmentos sub-representados da sociedade, estruturalmente excluídos dos processos decisórios, a partir da construção de mapeamento e espaços de reflexão quanto a importância de estratégias de mobilização social para acesso a direitos, como a própria participação social, no cotidiano das práticas diárias de assessoria e trabalho nos Conselhos Municipais. De acordo com Schwartz e Batista (2022): Uma maior participação da sociedade poderia repercutir em posturas mais ativas, tendo em vista as oportunidades de refletir sobre si mesmos e sobre o meio em que estão inseridos, comprometidos com desafios e problemas próprios de seus contextos sócio-históricos, atentos às demandas que surgem da coletividade e da pluralidade de ideias. [...] Rompe-se assim com os modelos pré determinados, passando a considerar os sujeitos, suas 26 experiências pessoais e sociais, ampliando-se as percepções sobre qualquer que seja o objeto investigado, permitindo o constante reposicionamento perante as demandas e as transformações que emergem de seus contextos de pesquisa (Schwartz e Batista, 2022, p. 271). Ainda enquanto justificativa, ressalta-se a relação do tema com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - ODS, organizados pela ONU - Organização das Nações Unidas, para atenção à Agenda 2030 no Brasil, tendo em vista a importância mundial destes acordos, como nos itens 10.2 e 10.3, do objetivo 10: “Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles”, que versam: 10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra 10.3 Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito (ONU, 2015). Por sua vez, o Objetivo 16: “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”, também expressa a relevância da participação em seu item 16.7: “Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis”. Por fim, o Objetivo 17: “Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”, também dialoga em seus subitens sobre a sustentabilidade da coerência entre as políticas, a implementação de políticas de erradicação da pobreza, em prol do desenvolvimento sustentável, portanto, democrático, e especificamente no ponto 17.17, quanto ao incentivo e promoção de “parcerias públicas, público-privadas e com a sociedade civil eficazes, a partir da experiência das estratégias de mobilização de recursos dessas parcerias”. Em alternativa às escolhas metodológicas que procuram afastar o pesquisador do objeto pesquisado, estando a temática alinhada com minhas atividades laborais, para a realização deste trabalho, elegeu-se o Estudo de Caso Ampliado, por seu compromisso com a racionalidade da teoria, defendida por Michael Burawoy, ao aplicar o modelo reflexivo da ciência à Etnografia e escolher o comprometimento como caminho para o conhecimento sociológico (Burawoy, 2014). 27 Desempenhar a função de assessoria técnica aos Conselhos estudados, proporcionou a aplicação do método da Observação Participante, que pôde ser praticada na interlocução com tais instâncias participativas, por meio de diálogo cotidiano com os conselheiros, ao acompanhar da construção de suas pautas até a avaliação de suas intervenções. Como fruto desta parceria, o estudo em questão cooperou na construção coletiva de instrumental de pesquisa junto aos 9 Conselhos vinculados à Política Pública de Assistência Social, para levantamento dos perfis e de avaliação da própria Assessoria Técnica aos Conselhos, Comissões e Comitês da SEBES, resultando em questionário composto por 35 perguntas, que contemplam preocupações dos próprios Conselhos, como a diversidade etária, social, profissional, racial, sexual e de gênero. Assim, a autorização concedida pela SEBES, viabilizou pesquisa documental e a composição do histórico destes Conselhos, já que tais atividades são inviáveis durante o expediente da equipe. A partir da Teoria Crítica, buscou-se analisar o controle democrático em Bauru, interior do estado de São Paulo, através dos Conselhos Municipais, em contexto pós-pandêmico e conservador, conforme as declarações da atual prefeita municipal, “negra, evangélica e conservadora”, reflexo da conjuntura nacional neoliberal1, que serve de apoio à política oligárquica local. Justifica-se assim a narrativa deste estudo, que relaciona o contexto político do Brasil e de Bauru. Segundo Burawoy: O estudo de caso ampliado aplica a ciência reflexiva à etnografia, com o objetivo de extrair o universal do particular, mover-se do “micro” ao “macro”, conectar o presente ao passado e antecipar o futuro - tudo isso construído sobre uma teoria preexistente (Burawoy, 2014, p.42). Não há neutralidade em se fazer ciência, muito menos em analisar políticas públicas, sendo assim, a partir desta escolha participativa, aposta-se que a credibilidade do estudo parte da transparência de suas bases teóricas e político-ideológicas, demonstrando responsabilidade e abertura para que cada leitor e analista construa sua própria perspectiva do fato ao problematizar os elementos em estudo. Conforme observam Castro et al.: 1 Fenômeno oligárquico global de dominação classista, econômico, mercadológico, social, político e jurídico, mascarado pela poética libertária individual e empreendedora, que ocasiona a centralização da riqueza e sucateamento dos investimentos sociais (Menchise; Ferreira; Álvarez, 2023). 28 Ampliar o conhecimento sobre como os governos formulam e implementam suas políticas públicas, principalmente que opções são escolhidas, por que foram selecionadas e quais os caminhos trilhados no processo de sua implementação, além da percepção de quais as consequências imediatas e o legado para o futuro é, sem dúvida, uma agenda central para a gestão pública, para a pesquisa acadêmica e aplicada, bem como para o controle social (Castro; Ribeiro; Campos; Matijascic, 2009, p.55). Esta dissertação é composta por 6 capítulos e seus subitens. O primeiro capítulo dedica-se especificamente à apresentação da relação metodológica com o objeto de pesquisa. O segundo, intitulado como: “A Participação e o Controle Social no Brasil”, cuida de descrever o processo de criação e desenvolvimento das principais instâncias participativas na estrutura governamental, iniciando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas com foco na Constituição Federal de 1988. O subitem: “Disputas pelos espaços de controle social de 2013 a 2023”, adota o período de 10 anos para destacar as principais mudanças federais em relação à estrutura de participação e controle social, partindo da esfera nacional brasileira, tendo em vista os impactos que reverberam nas instituições municipais correspondentes. Cuidando de atrelar atores políticos e sociais enquanto protagonistas, apresentando também redes, manifestações e estratégias de luta de movimentos sociais. O capítulo: “Conjuntura atual do controle social bauruense”, é dedicado a apresentar o cenário do município de Bauru em relação a seu governo corrente, com transcrição de Audiência Pública local, apresentação das principais informações sobre os Conselhos locais e casos como a instituição do COMUSP. O quarto capítulo contextualiza exemplos considerados emblemáticos, relacionados aos 9 Conselhos de direitos e políticas públicas vinculados administrativamente à Secretaria Municipal do Bem-Estar Social - SEBES, através da narração de casos, como do Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e outras Drogas - COMAD e a Política de Redução de Danos, o CADS e a tentativa de proibição da linguagem neutra e o histórico do CMAS Bauru, antecedido por breve retrospectiva quanto aos principais movimentos relacionados à política de Assistência Social no Brasil, com foco nos mais de trinta anos dos Conselhos Municipais de Assistência Social, para os quais se dedica o subitem que os descrevem como: espaços de questionamento de um Estado de desigualdade social. O quinto capítulo se organiza da mesma forma e ordem que o quarto, entretanto, trata exclusivamente da observação dos resultados apresentados 29 individualmente por cada um dos Conselhos Municipais vinculados à SEBES, apresentando os dados levantados pelo questionário encaminhado pela Assessoria Técnica aos Conselhos, Comissões e Comitês - ATCCC, para avaliação e reconhecimento do perfil das Instâncias Participativas em estudo. Quanto ao sexto capítulo: “Análise geral dos questionários de perfil e avaliação”, este se preocupa com a escuta dos conselheiros municipais, tendo em vista a parceria para elaboração das perguntas e análise dos dados relativos às 305 respostas obtidas no anteriormente referido questionário, que celebram a primeira experiência de compreensão dos perfis dos Conselhos e de seus conselheiros para planejamento e avaliação das ações da própria ATCCC. Observa-se que os Conselhos de Políticas Públicas são arenas de constantes embates sociais, políticos e ideológicos. Sua existência, permanência e estrutura nos municípios, é termômetro tanto da esfera federal como do poder executivo eleito localmente. Há certa preferência da direita brasileira à democracia representativa, enquanto a esquerda propõe, ou ao menos aparenta, fomentar a democracia direta participativa. Jair Bolsonaro já deixou a cadeira de Chefe do Executivo, mas o movimento que o concedeu este poder permanece vivo e sua vertente mais conservadora e radical, popularmente chamada de “bolsonarismo”, exemplificada a seguir nas movimentações de 8 de janeiro de 2023, influi na realidade local, como expresso no caso do município de Bauru. Por fim, se fortalecidos, estimulados em sua diversidade e em conexão com o processo de reconhecimento de problemas e elaboração das políticas públicas, os Conselhos e Conferências podem de fato traduzir suas atividades e discussões na garantia de serviços públicos de qualidade, através de exercícios de cidadania e mobilização, dos quais se destacam práticas decoloniais de educomunicação e resistência política, potencializando suas intervenções com o método de análise política. Para que assim, a partir de uma reflexão coletiva, diversa, plural, possam ser coletivamente planejadas intervenções na realidade sócio-histórica que nos constitui, a qual também constituímos (Schwartz e Batista, 2022). 30 1 A Observação Participante e o Estudo de Caso Ampliado Declaradamente inspirada no método de estudo de caso ampliado, proposto por Michael Burawoy no livro “Marxismo Sociológico”, de 2014, este capítulo busca apresentar aos leitores o contexto de desenvolvimento desta pesquisa e os fatores cotidianos que atravessaram, e continuam atravessando, as interações necessárias ao alcance dos objetivos de estudo e o processo de desenvolvimento deste trabalho até a composição desta dissertação. Como o processo de pesquisa também constrói seu próprio objeto, esse capítulo permaneceu em constante reconstrução durante o estudo, registrando o processo da observação participante. Ao iniciar o percurso enquanto discente do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Análise de Políticas Públicas - PAPP da UNESP Franca, em março de 2022, o problema de pesquisa que me inquietava o bastante para que quinzenalmente, eu, pesquisadora iniciante, dirigisse os 300 quilômetros entre a minha residência e a universidade, oferecendo caronas para arcar com o custo; se relacionava, especificamente, com a análise da política de Assistência Social, pois atuava como assistente social, servidora pública municipal, nos CRAS - Centros de Referência de Assistência Social. O principal questionamento era compreender como tem se organizado a mobilização social e o controle democrático nos 39 Conselhos Municipais de Assistência Social do território da DRADS - Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social de Bauru, durante o período pandêmico. Pleitear uma vaga de mestrado só foi possível, dez anos após minha graduação, por meio de um processo coletivo de estudos, reflexões e apoio entre mulheres militantes, que juntas discutem direitos humanos e sociais e as políticas públicas, na ausência local de movimentos extra sindicais organizados de trabalhadores. E por isso a escolha de um programa de mestrado profissional, para aplicação prática dos conteúdos nos serviços prestados à população. Em meio ao processo de pesquisa passei a atuar em outro espaço laboral, em programa para acesso ao mundo do trabalho e no monitoramento dos serviços socioassistenciais da rede de Proteção Social Básica, mais próxima da gestão da pasta e fisicamente dentro do espaço da Secretaria Municipal do Bem Estar Social 31 de Bauru - SEBES. Concomitantemente, ao compor o grupo de estudos e pesquisa DeMuS - Direito e Mudança Social e concluir as disciplinas do primeiro ano do Programa de Pós-Graduação, encontrei-me permeada por diversas outras pautas e questionamentos, inclusive pela ausência de suporte teórico e técnico para as ações necessárias ao cotidiano, a implementação das políticas públicas, que visassem o controle democrático por meio do aprimoramento e do aprofundamento das práticas, na busca da otimização dos recursos e da atenção aos interesses públicos, de acordo com a própria população usuária. Como eu já adentrava o segundo biênio enquanto conselheira municipal de Assistência Social, iniciou-se assim um processo de aproximação ao setor da SEBES denominado ATCCC - Assessoria Técnica aos Conselhos, Comissões e Comitês. Na época, ainda em 2022, tendo em vista a prévia autorização da responsável da pasta, as duas servidoras que assessoravam os Conselhos tiveram um papel essencial ao fomentar a adoção desta temática de estudo, inclusive por serem fonte de diversas outras dúvidas e questionamentos. Em janeiro de 2023 fui surpreendida com o convite da secretária municipal, após a aposentadoria de uma das servidoras em questão, para compor a equipe da assessoria, ficando assim recomposta por duas assistentes sociais e uma agente administrativo para assessoria de 9 Conselhos municipais, 2 comissões, 1 comitê e 1 câmara intersetorial, ligadas à secretaria responsável pela política de Assistência Social, sendo eles: o CMAS - Conselho Municipal de Assistência Social, o CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o COMAD - Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Álcool e outras Drogas, o COMSEA - Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, o CADS - Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual, o COMUDE - Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o COMUPI - Conselho Municipal da Pessoa Idosa, o CMPM - Conselho Municipal de Políticas Públicas para Mulheres e o CMJ - Conselho Municipal da Juventude; a Comissão Colegiada da Casa dos Conselhos; a COMETI - Comissão Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil; o CMPCVD - Comitê Municipal de Prevenção e Combate à Violência Doméstica; e a CAISAN - Câmara Municipal Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional. Após o atravessamento do período pandêmico e três contaminações pelo vírus COVID-19, enquanto trabalhadora da linha de frente da Assistência Social, em meio ao contexto político e social nacional e local, ao perceber a relevância e a 32 urgência da discussão da mobilização e do controle democrático nos demais Conselhos assessorados, o próprio setor iniciou processo de reflexão e reorganização, se tornando este, um novo caminho para minha experiência de pós-graduação no PAPP. Desta forma, os capítulos que seguem possuem claras intenções de contribuir na organização democrática desses Conselhos e adotam o modelo da Ciência Reflexiva, “que abraça não o afastamento, mas sim o engajamento como via para o conhecimento sociológico” (Burawoy, 2014, p.42), por meio de aberta utilização da técnica da Observação Participante e aplicação do método de caso ampliado, debruçando-se sobre o momento presente a partir da compreensão conjuntural, ampliando-se no tempo e no espaço, em busca da superação de entraves à ampla participação e capilarização das discussões de maneira diversa. A adoção deste método de pesquisa ocorreu por meio do reconhecimento do cumprimento dos quatro princípios básicos apresentados em “Etnografia sem Fronteiras” (Burawoy; Burton & alii, 1991). Segundo Burawoy (2014, p.36): “O primeiro princípio é a ampliação do observador dentro da comunidade a ser estudada. O observador une-se aos participantes no ritmo de vida, no espaço e no tempo deles". Neste estudo, o primeiro princípio, foi cumprido por meio da participação em todas as reuniões, capacitações, conferências e articulações necessárias ao funcionamento dos Conselhos. Por sua vez, o segundo princípio, a atenção aos eventos significativos, lutas e contradições, acompanhado do terceiro princípio, a relação retroalimentativa entre os microprocessos e as macroforças; e, por fim, o quarto princípio, ampliar a teoria para compreender quais dessas forças e como estas atuam no contexto em estudo, foram contemplados durante o andamento desta pesquisa. Sendo assim, cumpre-se com o critério dialógico e de interação no fluxo cotidiano das práticas, esta última, guiada pela teoria, neste caso, a teoria crítica, versando com o estudo radical, das raízes das questões sociais, em consonância com a dialética marxista do Serviço Social. Como afirma Burawoy (2014, p.46): “O estudo de caso ampliado é capaz de ir a fundo nos binômios políticos de colonizador e colonizado, branco e negro, metrópole e periferia, capital e trabalho, para descobrir múltiplos processos, interesses e identidades”. 33 Desta forma, considerando a análise da implementação das políticas públicas, em questão nos Conselhos estudados, durante sua prática, e a participação dos atores pesquisados na modelagem de tais políticas, esta pesquisa adota, prioritariamente, uma perspectiva bottom-up, como apresenta Secchi (2012): Já um pesquisador usando a perspectiva bottom-up parte da organização empírica de como a política pública vem sendo aplicada na prática, as estratégias dos implementadores, das artimanhas dos policytakers, dos problemas e obstáculos práticos, para então verificar “como a política pública deveria ser”, entender os porquês das desconexões, e tentar compreender como o processo de elaboração da política pública chegou a imprecisões prescritivas (Secchi, 2012, p. 48 e 49). Quanto à divisão metodológica, a partir da participação no universo de estudo, as análises desta pesquisa se organizam em três diálogos, como expresso por Burawoy sobre a ciência reflexiva, a saber: A ciência reflexiva parte do diálogo (virtual ou real) entre o observador e os participantes e, então, encaixa tal diálogo dentro de um segundo diálogo, entre processos locais e forças extralocais que, por sua vez, pode ser entendido tão-somente através de um terceiro diálogo ampliado: da teoria consigo mesma (Burawoy, 2014, p.42). O primeiro diálogo é caracterizado pela interação entre pesquisadora e partícipes das atividades dos Conselhos Municipais, sejam eles conselheiros, presidentes ou assessores. O segundo diálogo prioriza a análise do contexto social e político em Bauru e no Brasil, culminando no terceiro momento, da teoria consigo mesma, ao relacionar a prática municipal expressa em seus registros documentais e normativos, com o arcabouço teórico escolhido. Por buscar compreender como são constituídos os Conselhos, não com o foco nos indivíduos ou nas instituições, mas na situação social, este estudo se utiliza do que Burawoy chama de “métodos positivos auxiliares”, ao analisar os dados coletados por questionário da própria ATCCC quanto à classe social, quesito raça/cor, gênero, representação de movimentos sociais, escolaridade pessoal e familiar dos conselheiros municipais das gestões em vigor, para reflexão quanto às “forças que pesam sobre o âmbito da pesquisa etnográfica” (Burawoy, 2014, p.65). Quanto à adoção de análise integradora do contexto nacional, estadual e municipal, ressalta-se a necessidade histórica de se relacionar o conhecimento situacional em um relato do processo social e de experimentação das forças sociais 34 mais amplas, como as questões que atravessam a participação social no cotidiano da população usuária de políticas públicas: ou seja, estruturas “coloniais” e racistas da sociedade, a necessidade de venda do tempo e da força de trabalho no capitalismo, o adoecimento da população, o período pandêmico, a mobilidade e a configuração espacial urbana, o gênero e a divisão das tarefas. Burawoy (2014, p.72) alerta que: “a situação social transforma-se em um processo social porque a ação social pressupõe e reproduz seu regime de poder”. Sendo assim, não há como não rejeitar teorias ou julgamentos do senso comum, que atribuem a baixa participação da população nos espaços de controle social ao desinteresse e até mesmo à incapacidade cognitiva, e como não buscar embasamento para facilitar o acesso ao controle social de forma democrática, socializando suas informações, ampliando o reconhecimento de suas possibilidades, articulando e capilarizando o debate nos territórios e equipamentos públicos, aproximando usuários e trabalhadores das políticas públicas dos processos de gestão, implementação e otimização de recursos. Essa perspectiva se justifica tendo em vista que, de acordo com Burawoy (2014, p. 80): “No modelo positivo, a ciência social mantém-se atrás e observa o mundo que estuda, ao passo que no modelo reflexivo, a teoria social intervém no mundo que ela procura entender, desestabilizando sua própria análise”. Desse modo, pesquisar, observar, interagir e intervir tornam-se processos diários e concomitantes, dentre os quais se destaca a busca pelo embasamento legal e a observância dos efeitos de poder em cada um dos princípios reflexivos e do método do estudo de caso ampliado, anteriormente citados. Para melhor compreensão, apresenta-se a sistematização defendida por Burawoy, no Quadro 1, específica a ciência reflexiva: Quadro 1 - A lacuna entre os princípios e as práticas da ciência (segunda parte) Ciência Reflexiva Princípios reflexivos Método de caso ampliado Efeitos de poder Intervenção Ampliação do observador ao participante Dominação Processo Ampliação das observações no tempo e espaço Silenciamento Estruturação Ampliação do processo às Objetivação 35 Ciência Reflexiva forças Reconstrução Ampliação da teoria Normalização Fonte: Burawoy, 2014, p. 87. Ao dissertar quanto a relação entre os fatores elencados no Quadro 1, Burawoy sustenta que: Enquanto no modelo positivo o hiato resulta dos efeitos de contexto, no reflexivo resulta dos efeitos de poder. Intervenção, processo, estruturação e reconstrução são ameaçados por dominação, silenciamento, objetivação e normalização. Entretanto, as autolimitações dos princípios reflexivos resultantes da ubiquidade do poder não são motivos para o abandono do estudo de caso ampliado, assim como os efeitos de contexto não são motivos para o abandono da pesquisa quantitativa. O objetivo é examinar essas limitações para levá-las em conta e, talvez, reduzi-las (Burawoy, 2014, p.80). Ao escolher vivenciar este processo de pesquisa por meio do método de caso ampliado, cada um dos efeitos fora relacionado com o contexto estudado, compondo assim a análise, o aprendizado e a atenção para as contenções necessárias aos possíveis vieses. Outro fator que motivou a aproximação do capítulo à rotina e linguagem da ATCCC é o ideal de qualificar a interação pesquisa e pesquisados, partícipes e observadora participante, por meio da aproximação sociolinguística, tendo em vista a complexidade do texto de Michael Burawoy aqui apresentado, junto ao esforço de não reduzi-lo ou simplificá-lo de forma vã que desmereça tão importante teoria. Assim, busca-se estabelecer a possibilidade de melhor compreensão do texto, durante ou mesmo após o término do estudo, ao proporcionar o retorno aos pesquisados, por meio de diálogos inteligíveis e de uma relação coerente com a preferência pela “[...] técnica da observação participante, isto é, o estudo dos outros em seu tempo e espaço” em detrimento à “técnica da entrevista, ou seja, o estudo dos outros no tempo e espaço do entrevistador [...]” Burawoy (2014, p. 87). Desta forma, além do tempo e do espaço, também há a preferência pela linguagem dos participantes, em detrimento da linguagem dos teóricos ou acadêmicos. Quanto à dominação, além de reconhecer minha branquitude, como também o faz Michael Burawoy, ressalto a relação de poder advinda do conhecimento e dos cargos políticos. Por vezes interpelada pela pouca idade, trinta e três anos, e pela 36 experiência de apenas cinco anos no serviço público municipal, em meio a conselheiros mais velhos, presidentes de Conselhos e assessores em sua maioria próximos à aposentadoria, aptos ou já aposentados, destaca-se ainda o fato de que, no Brasil, apenas 0,8% da população possui título de mestrado, de acordo com relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE (OECD, 2022). Desta forma, enquanto participante, o contato com o meio acadêmico, ou sua ausência, pode por vezes influenciar nas relações, por meio de estigmas, expectativas ou pela hierarquização de conhecimentos e informações. Assim como as demais relações de dominação presentes, como pressões e atribuições dos cargos políticos e de chefia, considerando que a ATCCC é ligada diretamente ao gabinete, portanto, hierarquicamente à secretária municipal da pasta. Enquanto observadora, por mais relevante que seja o objetivo deste estudo, qual seja inovar, ampliar e aprimorar as práticas de democratização dos espaços municipais de controle social e, que exista consenso quanto a necessidade de seu alcance por parte dos atores envolvidos, sempre haverá divergência e impossibilidades, previsíveis e imprevisíveis, que exigirão diálogo, negociação, convencimento ou desistência. Já o silenciamento, explícito no comportamento e na ausência de usuários nas reuniões, é frequentemente alvo de discussão quanto às possibilidades de superação. São constantemente pontuadas a viabilidade de reuniões descentralizadas nos territórios de CRAS, Associações de Moradores e nas Organizações da Sociedade Civil, assim como a não reprodução de linguagem rebuscada, do estranhamento em caso de debates e do funcionamento cartorário dos Conselhos, em apenas aprovar deliberações discutidas previamente por um grupo fechado e específico. Emulando uma velha máxima do pensamento marxista, Burawoy (2014, p.82) afirma: “A ideologia dominante apresenta os interesses da classe dominante como sendo os interesses gerais". Sendo assim, na ausência dos usuários, como estão sendo resguardados seus interesses? Há nos Conselhos Municipais diversidade de participantes e de participações necessárias para debates que divergem dos interesses hegemônicos? 37 O silenciamento também pode ocorrer pela pressão contextual, ainda mais em tempos de polarização política como instaurada no município2 e no país a partir das eleições de 2018 e 2020 e pelo receio da perda de recursos públicos advindos de convênios e bancos de projetos, como forma de punição a possíveis posicionamentos contrários. Em espaços diferentes, os mesmos atores podem se expressar de formas diferentes, conforme os sentimentos e sensações que o ambiente e as situações provocam. Sendo importante a convivência em locais e circunstâncias diferentes, oportunizadas nas conferências, capacitações, intervalos, coffee breaks, confraternizações, manifestações, eventos de luta e defesa de pautas políticas, pois, como observa Burawoy: Uma vez que o silenciamento é inescapável, nós precisamos ficar atentos às vozes novas ou reprimidas, para desalojarmos ou desafiarmos nossas configurações artificialmente congeladas e estarmos prontos para remodelar nossas teorias para incluírem essas novas vozes, isso sem dissolvê-las num burburinho (Burawoy, 2014, p. 83). A partir de janeiro de 2023, diversas foram essas oportunidades de convivência, captação e amplificação de vozes: Semana Municipal sobre o Autismo promovido pelo COMUDE, evento na OAB no Dia do Orgulho promovido pelo CADS, Capacitação dos Conselheiros do CMAS, Capacitação dos Conselheiros do COMSEA, Capacitação sobre os Bancos de Projetos, Pré-Conferências Territoriais e Reuniões Preparatórias das Conferências Municipais de Assistência Social, Juventude e de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, reuniões diagnósticas e mobilizadoras de coletivos para os pleitos da sociedade civil do CMJ, CADS, COMUPI e COMAD, o fluxo cotidiano da Casa dos Conselhos e as Reuniões Interconselhos, Audiências Públicas e manifestações de rua e virtuais que serão citadas nos próximos capítulos. Outra oportunidade de convivência e manifestação dos Conselhos são suas premiações. A exemplo, em julho de 2023, momento presente da redação deste capítulo, o Conselho Municipal da Comunidade Negra3, ainda que não contemplado 3 Página no Instagram: https://www.instagram.com/p/CvCRit7OGpE/?igsh=MWJxNnI3YWlvOXFjZg== 2 Suéllen Rosim, 32 anos, primeira mulher a ocupar o cargo de chefe do Poder Executivo em Bauru, eleita em 2020 com 55,98% dos votos, pelo partido Patriota, coligação PSL, PP e MDB. Em fevereiro de 2021, o então governador de São Paulo, João Dória (PSDB), acusou Suéllen em coletiva de ter deixado de proteger a população do Covid-19 para ser vassala de Bolsonaro. Em setembro de 2021, Suéllen e Bolsonaro foram autuados por não utilizarem máscaras em manifestação na Avenida Paulista, durante a pandemia. Em 2023, Suéllen assumiu cargo no PSD, seus familiares estão à frente do PP e do PSC. 38 neste estudo por vincular-se à outra política pública, a da Cultura, ao fazer parte do contexto pesquisado e protagonizar um caso emblemático para as análises aqui desenvolvidas, provocou diversas reações nos Conselhos assessorados pela política de Assistência Social. Em consonância com o Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha, coletivos e movimentos sociais negros promovem, em diversos municípios brasileiros, medalhas e premiações para homenagear mulheres pelo relevante trabalho em relação à pauta antirracista, nomeando tais iniciativas como, por exemplo, com o nome de Tereza de Benguela4. A Prefeitura Municipal de Bauru, após divulgar a “2ª Edição do Prêmio Tereza de Benguela”, que aconteceria no dia 25 de julho de 2023, em continuidade a 1ª edição realizada em 22 de julho de 20225, excluiu tais publicações, tendo em vista que o Conselho Municipal da Comunidade Negra de Bauru alterou o nome do evento para “Homenagem às Estrelas Negras de Bauru”, em nova publicação no site da prefeitura em 24 de julho de 20236, e acrescentou uma homenageada entre as escolhidas pelos conselheiros, a prefeita municipal. No dia em questão, durante a entrega do prêmio à prefeita, ouviram-se vaias e protestos. Dentre os manifestantes havia mais de um conselheiro do próprio Conselho que entregava o troféu, que alegavam não haver acordo quanto a indicação da Chefe do Poder Executivo, tendo sido este o motivo para a alteração do nome do evento, pois os movimentos sociais que propuseram o “Prêmio Tereza de Benguela” desde sua primeira edição, não concordavam com a indicação, pois Suéllen Rosim, atual prefeita, possui recente e documentada presença em evento denominado “A minha cor é o Brasil7”, divulgado por meio do seguinte cartaz, apresentado pela Figura 1: 7 Página do Instagram: https://www.instagram.com/minhacoreobrasil?igsh=djRsdzRveXc4M3Vl 6 Notícia da Homenagem: https://www2.bauru.sp.gov.br/materia.aspx?n=43317 5 Notícia da 1ª Edição do Prêmio: https://www2.bauru.sp.gov.br/materia.aspx?n=41127 4 Tereza de Benguela: liderança quilombola brasileira nascida em 1700. 39 Figura 1 - Divulgação do evento “Minha Cor é o Brasil” Fonte: Minha Cor é o Brasil, 2022. Como se pode observar, o evento lista em seu cartaz suas temáticas e defesas: “A importância da família real na abolição da escravatura”; “A meritocracia não tem cor”; “O sucesso não tem cor”, “A cultura e o racismo não tem cor”; “Vitimização e Racismo Negro”; “O Brasil não é um país racista!”, afirmações e teorias que divergem das prerrogativas do próprio Conselho Municipal da Comunidade Negra, como descrito na Nota de Repúdio da 2ª Edição do Prêmio Tereza de Benguela, do Instituto Formando Mentes Coletivas8. 8 Nota de Repúdio - 2ª Edição do Prêmio Tereza de Benguela https://www.instagram.com/p/CvQTdrzOi_d/?igsh=MTdqbGVhOTB4Z2IxdA== 40 Ainda assim, a liderança do Conselho, mesmo sem unanimidade, decidiu por manter a troca da homenagem à Tereza de Benguela pela homenagem à prefeita9, que, ao ser vaiada, proferiu a seguinte frase, registrada por vídeos10 divulgados nas mídias sociais dos populares presentes: “eu não costumo falar com a minoria”. A presidência do Conselho justificou a indicação pelo apoio que têm recebido da Chefe do Executivo, assim como pela necessidade de articulação para acesso à verba pública. Os manifestantes foram escoltados por policiais armados e por seguranças particulares. Estar atento às vozes discordantes, principalmente àquelas não comumente incluídas nos processos participativos, como a população negra e periférica, e registrá-las, é caminhar em direção à reconstrução teórica, social e histórica. Por sua vez, Burawoy (2014, p.83) ao tratar do terceiro efeito de poder, explicita que: “A objetivação, ou seja, o problema de hipostasiar as forças sociais como coisas externas e naturais, é um perigo inerente a essa abordagem.” Sendo assim, questiona-se: quais são as forças também reproduzidas internamente em tais instituições participativas? Reconhecer que a estrutura afeta o cotidiano, mas, que a rotina também constrói e altera a estrutura social local, revela a importância de se conhecer os processos territoriais contraditórios e de resistência, assim como a diversidade na composição dos Conselhos por meio do perfil de seus membros. Como exemplo, o caso do COMAD em episódio relacionado à Política de Redução de Danos, que será aprofundado adiante, mas que, de antemão, protagonizado por um sistema político municipal com forte tendência conservadora, serviu, entre outras coisas, para expor a ideologia do poder público municipal quanto à autonomia dos Conselhos; nesse caso, expressa pela ideia de subordinação de suas ações, manifestações e deliberações à administração pública, gerando diversos questionamentos. Fato que, ao alcançar grandes proporções midiáticas, faz coro com a afirmação de que: “Enquanto abraçamos a objetivação, devemos sempre estar preparados para os processos subterrâneos que irrompem e despedaçam o campo de forças” (Burawoy, 2014, p.84). 10 Registro audiovisual de Henrique Perazzi de Aquino, presente no episódio descrito: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid0g6B8jrEKRuW88DVe6dYg6rEnn3boVjuZPWcrRqb zid8wxtvW5EyRi9pRReW8ArB3l&id=100000600555767&sfnsn=wiwspwawes 9 Contextualização audiovisual publicado pelo Instituto Formando Mentes Coletivas: https://www.instagram.com/reel/CvKcrzGMzgO/?igsh=MjVtemg3ZHp4bTEx 41 Por fim, ao discorrer sobre o efeito da normalização, citando inclusive a aplicação da teoria pós-colonial de Frantz Fanon em sua análise, Burawoy destaca: Desafiar ou moderar a normalização demandaria o aprofundamento da análise em perspectivas de baixo para cima, levando mais a sério as categorias subalternas e, em poucas palavras, trabalhando mais de perto com aqueles cujos interesses o estudo supunha servir (Burawoy, 2014, p. 85). Sendo assim, este estudo busca problematizar as relações de poder, a colonização dos corpos, espaços e pensamentos, observar o contexto e as correlações de forças, sem maiores pretensões e elucubrações teóricas ou macroestruturais, mantendo o foco no objeto deste estudo, que por si só já é capaz de despertar inovações e intervenções sociais democráticas, conscientes de suas limitações; uma delas, por exemplo, diz respeito a como lançar luz e soluções para o que é popularmente conhecido no servidorismo público como síndrome de “Gabriela”, que descreve o jargão: “sempre fiz assim”, ao ofertar a possibilidade de discussão de formas diferentes de se praticar, por exemplo, a mobilização social e o controle, de forma democrática. Burawoy salienta: Uma ciência reflexiva autocrítica, por outro lado, toma o contexto como dado, porém, revela os efeitos de poder para que eles sejam melhor entendidos e controlados. Ao revelar os limites da liberdade humana, os limites da ciência reflexiva possibilitam as bases para uma teoria crítica da sociedade (Burawoy, 2014, p. 86). Uma das célebres reflexões quanto aos Conselhos baseia-se na complexidade de sua própria natureza: um instrumento de controle social (controle da sociedade sobre o poder público quanto à atenção aos interesses públicos) de iniciativa e responsabilidade do próprio ente público, mas que não se caracteriza como controle institucional interno ou externo. Ou seja, cabe à administração pública garantir as condições para seu próprio controle, sendo esta mais uma agenda na disputa pelo escasso recurso público: a ampliação da equipe da ATCCC e dos instrumentos necessários para a devida mobilização e publicização das atividades e informações pertinentes ao controle social democrático. Outra reflexão possível é que, mesmo sendo parte do serviço público, a assessoria aos Conselhos também lida com questões internas e externas à instituição, inerentes às relações humanas, como a hierarquização, a competição e 42 divergências políticas e ideológicas, tanto as próprias do ambiente laboral, como as expressas nos discursos e debates junto a sociedade civil nos Conselhos. Um trabalho que depende do voluntariado por parte dos conselheiros da sociedade civil, normalmente, em horário comercial. Desta forma, quem são seus conselheiros? Existe espaço para debate? Existe o registro das vozes discordantes? Como é realizado o direcionamento dos trabalhos em busca de construções coletivas? As reuniões apresentam quórum, informações e estímulo para tais construções? Quem consegue se fazer presente de forma assídua? Retomando a ideia do registro histórico, tal prática aparenta ser uma das lacunas em relação aos Conselhos. Pouco se tem documentado sobre as lutas e processos de cada uma dessas instâncias participativas. Grande parte das pastas de processos jurídicos dedica-se apenas ao registro do pleito eleitoral, das indicações do poder público e da sociedade civil e dos decretos de nomeação. Há também registros à parte das minutas, resoluções e procedimentos necessários às conferências municipais, entretanto, escapa ao texto dos documentos a descrição da mobilização, da articulação, os atores envolvidos, o diagnóstico, o acompanhamento das propostas, a descrição das moções, quando há o anexo do relatório conferencial final. Sendo assim, a seguir, será tecido breve histórico de cada Conselho estudado. As atas das reuniões ordinárias e extraordinárias são um bom exemplo de intervenção. Até janeiro de 2023, estas não eram publicadas no Diário Oficial do Município, e ainda não são feitas de maneira regular, normatizada e periódica, desta forma, o acesso era resguardado apenas aos conselheiros para sua aprovação na reunião seguinte. Anteriormente o acesso da população às atas só poderia ser feito via solicitação junto à ATCCC, que ainda não possui organização a contento, dificultando inclusive o acesso da própria secretaria ao material. A problemática se estabelece ao passo que, observado que as atas não constituem as pastas processuais dos Conselhos e restam arquivadas apenas nos computadores da assessoria, mudanças no efetivo e falhas tecnológicas podem facilmente apagar o registro de tais atividades, podendo comprometer seu compartilhamento futuro, ao ser solicitado, por exemplo, por meio da LAI - Lei de Acesso à Informação, restando a necessidade de obtê-las por complexas pesquisas no Diário Oficial, nos casos onde foi realizada a publicação. Em consonância, aplica-se o mesmo entendimento às pautas e informações prévias para o qualificado acesso às reuniões e conteúdos em discussão. Que, 43 quando é feito, são apenas publicados no Diário Oficial do Município com alguma antecedência, não determinada. O Diário Oficial é um instrumento acessível aos usuários e trabalhadores das políticas públicas em questão? Cumpre-se assim o papel de publicização? É eficaz e eficiente quanto a mobilização social? Com efeito, como primeira tarefa, realizou-se em 02 de março de 2023, a partir da autorização da secretária da pasta, a abertura de chamado ao setor de tecnologia da informação para construção de página específica aos Conselhos Municipais11, para divulgação das reuniões, publicação de calendários anuais com todas as reuniões ordinárias, pautas, atas, regimento interno, lei de instituição, composição da gestão, resoluções, normativas e os resultados deste estudo. Acrescenta-se que já haviam informações no site da Prefeitura Municipal12, entretanto, encontravam-se desatualizadas e distribuídas junto a cada uma das secretarias às quais os Conselhos deveriam possuir vínculos administrativos. Não sendo localizados responsáveis para a atualização desses dados em cada uma das pastas, sugeriu-se assim uma página unificada, alimentada por drive compartilhado, para que os próprios conselheiros e assessores possam conferir e atualizar, facilitando o acesso da população e aprimorando a divulgação dos Conselhos do município. Outras intervenções ocorreram durante o processo de pesquisa, como estudo do efetivo e do organograma necessário à ATCCC para o adequado desempenho das funções e cumprimento das normativas e legislações municipais. Outra prática de apagamento histórico é a referência de instituição dos Conselhos por sua legislação municipal mais recente, desconsiderando a verdadeira criação. Podemos citar o CMAS, que apresenta no cabeçalho de seus documentos apenas a última legislação, de 2001, sendo que este pode ser considerado um dos Conselhos pioneiros no país, criado em 1991, antes mesmo do Conselho Nacional instituído pela LOAS - Lei Orgânica de Assistência Social, em 1993. Ainda que aparentam ser alterações singelas, ao fazê-las de forma crítica, consciente e coletivamente, unindo teoria e prática, após a devida compreensão de seus efeitos, essas intervenções, por meio da produção e execução de conhecimentos, remetem à perspectiva defendida por Burawoy, quando este observa que: 12 https://www2.bauru.sp.gov.br/ 11 https://sites.bauru.sp.gov.br/casaconselhos/ 44 Aqui, nós temos uma forma artesanal de produção do conhecimento em que o produto governa o processo. O objetivo da pesquisa não é direcionado para o estabelecimento de uma "verdade" definitiva sobre o mundo externo, mas sim à contínua melhoria da teoria existente. Teoria e pesquisa são inseparáveis. O estudo de caso ampliado é, então, um modo artesanal de produção de conhecimento em que o criador da pesquisa é, simultaneamente, seu executor (Burawoy, 2012, p.92). Ressaltamos ainda a possibilidade de práticas como a organização de registro fotográfico, mídias sociais, regulamentação de Semana Municipal do Controle Social e de Fórum Permanente interconselhos, luta por espaço físico em região central e com condições prediais mais amplas e acessíveis, que serão descritas nos capítulos que seguem. Este estudo busca pela consolidação da equidade e da justiça social de forma mais ampla? Sim. Mas partindo e objetivando o aprofundamento na teoria crítica, e mais especificamente, na teoria democrática deliberativa, ainda mais participativa. Concluindo quanto às motivações para a aplicação deste método ao contexto dos Conselhos Municipais vinculados administrativamente a Assistência Social, ressalta-se que o método possibilita contribuições teóricas e práticas para o objeto em estudo, em consonância com os produtos finais de uma pesquisa científica de um programa de mestrado profissional, contribuindo com os partícipes por meio de intervenções espaciais e temporais, de novos elementos teóricos aos diagnósticos, existentes a partir da ciência reflexiva e da observação participante, de forma direta, espacial, temporal e aberta, também por meio da análise de política alicerçada na perspectiva crítica, suscitando a diversidade e a identidade local, como demonstra Burawoy: A ciência reflexiva realiza-se por meio da eliminação dos efeitos de poder e da emancipação do mundo da vida. Mesmo quando esse caráter utópico é frustrado ou mitigado, o estudo de caso ampliado mede a distância a ser percorrida até a utopia. Ao destacar os universos etnográficos do local, este método desafia a suposta onipresença do global - seja esse global representado pelo capital internacional, pelas políticas neoliberais, pelo espaço dos fluxos ou pela cultura de massas (Burawoy, 2012, p.96). Ainda que as propostas elencadas por este estudo não sejam sustentadas no tempo, estas encontram-se documentadas nos registros da ATCCC, nas articulações sociais e nos vínculos que, de forma inerente, ocasionaram. Não é secundária a intenção de que os atores sintam-se fortalecidos ao vivenciar processos de 45 intervenção por meio da reflexão crítica e teórico-metodológica, estimulando assim, o protagonismo necessário aos processos de mudança. Para tal, reforça-se a importância e as possibilidades da aplicação do método de análise de política, que assim como o método do estudo de caso ampliado minimamente viabiliza a medição da distância entre a situação problema e a meta almejada, pois, a análise de política também pressupõe discutir as possíveis alternativas à realidade, por meio de distintas formas de perceber o problema e da multiplicidade de vozes que compõem a experiência do ciclo das políticas públicas. Nas palavras de Serafim e Dias: A Análise de Política pode ser entendida como um conjunto de observações, de caráter descritivo, explicativo e normativo, acerca das políticas públicas, que corresponde, respectivamente, às perguntas a respeito de “o que/como é?”, “por que é assim?” e “como deveria ser?”. Essa última dimensão dos estudos de Análise de Política imprime aos estudos pertencentes ao campo um caráter bastante peculiar, no qual o “deve ser” assume uma importância fundamental. Essa característica constitui uma diferenciação ainda mais relevante em um contexto como o atual, em que às reflexões teóricas é imposta uma assepsia ideológica (Serafim; Dias, 2012, p.127). Sendo assim, ainda que este estudo também se utilize do modelo institucional de análise de políticas públicas, este é complementado pelo marxismo sociológico de Burawoy, observando não apenas a instituição Conselho, mas seus atores, os conselheiros e servidores, buscando compreender também suas complexidades. Quanto aos “padrões estruturados de comportamento de indivíduos e grupos”, Thomas Dye, ao discorrer sobre o modelo institucional de análise de política, destaca: Esses padrões estáveis de comportamento dos indivíduos e dos grupos podem afetar o teor das políticas públicas. As instituições podem ser configuradas para facilitarem certas consequências políticas e obstruírem outras. Podem favorecer certos interesses na sociedade e desfavorecer outros. Certos indivíduos ou grupos podem ter maior acesso ao poder governamental em um conjunto de características estruturais do que em outro (Dye, 2009, p.103). Após afirmar que “o impacto dos arranjos institucionais nas políticas públicas é um problema empírico que merece investigação”, Dye, conclui: Talvez descubramos que tanto a estrutura quanto as políticas são em grande parte determinadas por forças econômicas ou sociais, e os 46 diferentes arranjos institucionais terão pouco impacto independente sobre as políticas, se as forças subjacentes permanecem constantes (Dye, 2009, p.103). Reside aí a importância da escolha teórica adotada para o diálogo final entre as etapas de análise desta pesquisa, escolha esta que expressa o projeto de sociedade almejado e a ideologia política do autor do estudo. Nas palavras de Lascoumes e Le Galès (2012, p.136): “a pesquisa exige a tomada de partido para que as posições sejam colocadas à prova, por isso é indispensável se posicionar.” Quanto a “Mobilização no espaço concorrencial”, estes autores ressaltam: A mobilização dos atores a propósito dos desafios e dos problemas se dá de forma concorrencial. Construir socialmente um problema público significa, ao mesmo tempo, nomear para definir, qualificar para torná-lo tangível e suscitar uma mobilização de atores que se transformam em interlocutores da causa. Mas essas três dinâmicas interdependentes não se completam em um espaço social neutro, vazio de qualquer outro autor, notadamente de grupos de veto (Lascoumes; Le Galès, 2012, p.150). Em contexto neoliberal, o acesso a direitos sociais, civis e políticos pela parte mais vulnerável e periférica da população, por muitas vezes, parece utópico, assim como a justiça social pode parecer um termo genérico. Entretanto, se um Conselho Municipal legalmente constituído elenca vicissitudes da questão social como um problema público, com base jurídica e diagnóstica, as quais até o momento pudessem ser consideradas apenas como infortúnio, esse Conselho possui potencial para gestar força necessária à disputa da agenda e do recurso público, fomentando planos municipais que priorizem o alcance de garantias fundamentais e mobilizando o direito para efetivá-las enquanto políticas públicas. Ainda assim, como exposto, tem-se que considerar os Conselhos como espaços de heterogênea clivagem política, controvérsias e disputas e que, sem que um coletivo ou um ator social construa um problema enquanto um problema público, este permanece no campo privado, individual, portanto, quando atendido ou resoluto, acontece na seara assistencial, da benesse, ou da responsabilidade social empresarial, para abatimento tributário, por exemplo. Isto posto, parte-se para esta outra etapa de análise: a observação das forças atuantes no contexto brasileiro de participação e controle democrático, seus grupos, jogos e contrapesos. 47 2 A Participação e o Controle Social no Brasil A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu Artigo 21, defende em seu primeiro item que: “Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos” (ONU, 1948). Tal citação é considerada importante marco da validação da participação popular direta no Estado, para além do sufrágio da democracia representativa. Por sua vez, no Brasil, a intervenção direta da sociedade civil no governo, comumente denominada de Controle Social, continua até os dias atuais, em 2024, como terreno de incansáveis disputas políticas. Neste cenário, destaca-se o pioneirismo e a resistência de algumas das primeiras instituições participativas do país, como exemplo as atividades do Conselho Nacional de Saúde, desde 1937, e o relevante histórico dos Conselhos na área da educação junto à máquina pública, desde 1842. O Ministério da Educação, relaciona em seu portal virtual oficial, que as experiências brasileiras de controle social na educação iniciaram em 1842, inspiradas no modelo inglês, e que em 1846 foi criado o Conselho Geral de Instrução Pública, por iniciativa da Câmara dos Deputados. Em 1911 foi criado o Conselho Superior de Ensino (Decreto nº 8.659/1911) e: A ele seguiram-se o Conselho Nacional de Ensino (Decreto nº 16.782-A, de 13/01/1925), o Conselho Nacional de Educação (Decreto nº 19.850, de 11/04/1931), o Conselho Federal de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação (Lei nº 4.024, de 20/12/1961), os Conselhos Municipais de Educação (Lei nº 5692, de 11/08/1971) e, novamente, Conselho Nacional de Educação (MP nº 661, de 18/10/94, convertida na Lei nº 9.131/95). O atual Conselho Nacional de Educação-CNE, órgão colegiado integrante do Ministério da Educação, foi instituído pela Lei 9.131, de 25/11/95, com a finalidade de colaborar na formulação da Política Nacional de Educação e exercer atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro da Educação (MEC.GOV.BR). A formalização estrutural das instituições participativas surgiu no Brasil em contexto de luta pela redemocratização, após vinte e um anos de período ditatorial, de forte repressão política e social, e sustenta-se até hoje, atravessando a história por entre capítulos da luta de classes. 48 Destaca-se que a Constituição de 1988 absorveu reivindicações do movimento de “Participação Popular na Constituinte”, sendo reconhecida como “Cidadã” por ter incluído mecanismos de participação direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular e por materializar a democracia participativa por meio dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas, regulamentando a intervenção da sociedade nas decisões do Estado em todos os níveis, do local à União (municipal, estadual e federal) (Rocha, 2008). Rocha (2008, p.136) ressalta: “[...]que as gestões das políticas da Seguridade Social, da educação e da criança e do adolescente deveriam ter caráter democrático e descentralizado”. A autora pontua ainda que: A inscrição de espaços de participação da sociedade no arranjo constitucional das políticas sociais brasileiras apostou no potencial das novas institucionalidades em mudar a cultura política do país, introduzindo novos valores democráticos e maior transparência e controle social na atuação do Estado no tocante às políticas sociais (Rocha, 2008, p.136). Em seus Princípios Fundamentais, no artigo 1º, Parágrafo Único, a Carta Magna, ao afirmar o Estado Democrático de Direito, estabelece que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” De acordo com Silva; Jaccoud; Beghin (2005), a sétima Constituição Federal13 (1988), após longa e conflituosa mobilização social e política dos anos 70 e 80, instituiu o arcabouço jurídico que consolidou o regime democrático brasileiro, resguardou direitos sociais e ampliou o envolvimento dos atores sociais em processos descentralizados de decisão e implementação das políticas sociais. Estes autores ressaltam que: A partir da nova Carta constitucional, os conselhos se institucionalizaram em praticamente todo o conjunto de políticas sociais no país, representando uma nova forma de expressão de interesses e de representação de demandas e atores junto ao Estado. Ao mesmo tempo, proliferam outras formas de participação social na prestação de serviços e na própria gestão do social, impulsionando um movimento que havia adquirido novo vigor desde ao menos o início da década de 1980 (Silva; Jaccoud; Beghin, 2005, p.373). Após Emendas Constitucionais, como a nº 19 de 1998, a CF 88 passou ainda a mencionar o princípio de Transparência, acesso às informações e registros administrativos, atendimento às reclamações de usuários de serviços públicos e 13 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 49 avaliações periódicas internas e externas para garantia da qualidade dos serviços. O Artigo 37 prevê em seu parágrafo terceiro que “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta [...]”; valendo-se dessa perspectiva, este estudo parte da análise das legislações e decretos brasileiros quanto ao Controle Social, para construção de um panorama das relações Político-Sociais dos governos federais, na formulação, acompanhamento e avaliação das Políticas Públicas. Há que se considerar que a participação social passa de um status de proibição, no período da ditadura, a um status de obrigatoriedade, impulsionado por um arcabouço legal assegurado na Constituição de 1988, fruto de lutas sociais. Esta mudança ocorre em um contexto bastante diferente. Enquanto existia uma conjuntura de mobilização e efervescência política crescente nos anos de 1980, e que a sociedade civil era hegemonizada por forças progressistas, as décadas seguintes são marcadas por um progressivo refluxo dos movimentos sociais, no contexto de reestruturação capitalista, receituário neoliberal e de consequentes contrarreformas do estado (Bravo; Correia, 2012, p.132). Ainda que tênues, ressaltam-se lutas e vitórias dos movimentos sociais por intermédio do controle social no Brasil, como a própria concretização de uma Constituição como a Federal de 1988, que prevê direitos sociais. O texto constitucional de 1988 é um marco na democratização e no reconhecimento dos direitos sociais. Articulada com tais princípios, a Constituição alargou o projeto de democracia, compatibilizando princípios da democracia representativa e da democracia participativa, e reconhecendo a participação social como um dos elementos-chave na organização das políticas públicas. De fato, com a Constituição de 1988 a participação social passa a ser valorizada não apenas quanto ao controle do Estado, mas também no processo de decisão das políticas sociais e na sua implementação, em caráter complementar à ação estatal. Desde então, a participação social tem sido reafirmada no Brasil como um fundamento dos mecanismos institucionais que visam garantir a efetiva proteção social contra riscos e vulnerabilidades, assim como a vigência dos direitos sociais. Com maior ou menor sucesso, esta foi uma das importantes inovações institucionais ocorridas no Brasil pós-Constituinte (Silva; Jaccoud; Beghin, 2005, p.374). O artigo 10 prevê a participação de trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos, o artigo 14 respalda o sufrágio universal e dispositivos democráticos como o plebiscito, referendo e a iniciativa popular; o artigo 194 assegura a participação da comunidade e a gestão democrática e descentralizada da Seguridade Social, como responsabilidade do Estado; o artigo 198 indica a participação na política de Saúde, e por sua vez, o artigo 204, a 50 participação e o controle social na política de Assistência Social. Esses e outros artigos da Lei Maior, que rege o ordenamento jurídico no país, asseguram constitucionalmente tanto a participação direta como a representativa, através do voto ou da organização de segmentos populares da sociedade civil, incorporando-as como preceitos cidadãos e democráticos. A Constituição brasileira estabeleceu sistemas de gestão democrática em vários campos de atuação da Administração Pública, tais como: o planejamento participativo, mediante a cooperação das associações representativas no planejamento municipal, como preceito a ser observado pelos municípios (Art. 29, XII); a gestão democrática do ensino público na área da educação (Art. 206, VI); a gestão administrativa da Seguridade Social, com a participação quadripartite de governos, trabalhadores, empresários e aposentados (art.114, VI), e a proteção dos direitos da criança e do adolescente (Rocha, 2008, p.136). Da mesma forma,