UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESCOLAR CLARICE APARECIDA ALENCAR GARCIA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA MELHORIA DA PRÁTICA DOCENTE: Um estudo a partir do Método P.E.R.A. ARARAQUARA 2010 2 CLARICE APARECIDA ALENCAR GARCIA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA MELHORIA DA PRÁTICA DOCENTE: Um estudo a partir do Método P.E.R.A. Tese apresentada á Banca Examinadora do Programa de Pós- Graduação em Educação da UNESP- FCLAR, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Educação, sob orientação do Prof. Dr. Edson do Carmo Inforsato. ARARAQUARA 2010 4 Garcia, Clarice Aparecida Alencar Formação de professores na melhoria da prática docente: um estudo a partir do método P.E.R.A. / Clarice Aparecida Alencar Garcia – 2010 218 f. ; 30 cm Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Araraquara Orientador: Edson do Carmo Inforsato l. Educação. 2. Educação holística. 3. Inteireza. 4. Criatividade. 3 CLARICE APARECIDA ALENCAR GARCIA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA MELHORIA DA PRÁTICA DOCENTE: Um estudo a partir do Método P.E.R.A. Tese apresentada á Banca Examinadora do Programa de Pós- Graduação em Educação da UNESP- FCLAR, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Educação. Aprovada em 20 de janeiro de 2010 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. EDSON DO CARMO INFORSATTO Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara Profa. Dra. EUNICE FERREIRA VAZ UOSHIURA Centro Interuniversitário de Estudos da Criatividade Prof. Dr. MAURO CARLOS ROMANATO Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara Profa. Dra. FABIANA CRISTINA DE SOUZA Faculdade de Educação São Luis Profa. Dra. DENISE MARIA MARGONARI Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro ARARAQUARA 2010 5 Dedico este trabalho ao Paulo, companheiro que, sem a inestimável ajuda, seria impossível concluir este trabalho. E por saber que ele acredita nos preceitos aqui defendidos. 6 Agradeço: À Deus, primeiramente por ter me permitido chegar até aqui; Aos meus filhos, por compreenderem a minha ausência durante os anos que me dediquei ao doutorado; Ao Paulo, por me auxiliar tecnicamente durante todo o trabalho; À Maria Cleuza, por ter suprido a minha ausência no trabalho e por ter mostrado grande carinho, companheirismo e compreensão; À Ozires, por me incentivar cada vez que eu me desestimulava; À Fabiana, por me ouvir nos momentos de angústia, às vezes, até tarde horas da noite; Ao Chiquinho, por me ajudar a pensar nos momentos em que faltavam as idéias; À Professora Dra. Eunice Ferreira Vaz Yoshiura, por ser a pessoa inspiradora desse trabalho e por me orientar durante os primeiros anos de estudo; Ao Professor Dr. Elydio dos Santos Neto, primeiramente pela acolhida e por sua dedicação e presteza com que me auxiliou no desenvolvimento do trabalho; Ao Professor Dr. Edson do Carmo Inforsato, pelo respeito e profissionalismo com que me acolheu como sua orientanda. 7 RESUMO O presente trabalho é uma pesquisa-ação que estudou o potencial formativo do método aqui denominado de P.E.R.A. (percepção, expressão, reflexão, ação). Essa pesquisa tem por objetivos: verificar o impacto desta prática formativa na prática docente através da percepção da tarefa do educador, da relação professor-aluno, das estratégias de trabalho e apontar algumas pistas para um trabalho formativo preocupado com a constituição da inteireza dos educadores. Trata-se de um estudo pautado em práticas holísticas que, aos poucos, vem tentando ganhar espaço nas discussões acadêmicas. Esse método foi utilizado em formato de curso durante um semestre letivo na capacitação de professores na cidade de Lençóis Paulista, interior de São Paulo. O método é composto de quatro momentos diferentes, sendo o primeiro voltado à percepção, o seguinte para a expressão, outro para a reflexão e o último para a ação. O curso teve a duração de 30 horas e aconteceu uma vez por semana. Os dados da pesquisa foram levantados por meio de observações durante o curso e por questionários e entrevistas. Eles revelaram que as capacitações usuais oferecidas aos professores não haviam contemplado as necessidades de formação pessoal do professor, pelo fato de que elas estiveram sempre voltadas para metodologias e conteúdos, seguindo o paradigma vigente da racionalidade. Por outro lado, os dados também revelaram que a capacitação oferecida aos professores através do método P.E.R.A. trouxe uma nova possibilidade para a formação docente. Conforme o relato dos participantes da pesquisa após o curso, nota-se que sentiam-se melhor como pessoas e como profissionais, mais aptos as novas aprendizagens. Observamos, ainda, uma melhoria em seus relacionamentos bem como no processo de aprendizagem dos seus alunos. Nossa convicção é de que esta pesquisa pode colaborar no processo de aprendizagem, à medida que traz uma nova opção para a formação de professores. A proliferação desta prática indicará se essa nova maneira de conceber a formação humana de maneira integral dará resultados satisfatórios ou não. Palavras-chave: Criatividade. Inteireza. Prática docente. 8 ABSTRACT This study it is an action-research that studied the training potential of the method here denominated as PERA (perception, expression, reflexion, action). The goals of this research are: to verify the impact of this training practice in the faculty practice through the perception of the educator’s task, the relationship between professor and student, the strategies of work and to point some hints to a training job worried with the constitution of the entirety of the educators. This is a study guided in holistic practices that, little by little, are trying to get space in the academic discussions. This method was used as a lecture during one semester to qualify the professors of Lençóis Paulista city, countryside of São Paulo. The method is made of four different parts, the first one is focused to the perception, the second to the expression, the third to the reflexion and the last one to the action. The classes lasted 30 hours and were given once a week. The research’s data were collected through observations during the classes and through questionnaires and interviews. They have showed that the usual qualifications, offered to the professors, have not contemplated their needs of personal training because they were always focused to the methodologies and content, following the paradigm of rationality. On the other hand, the data also show that the offered qualification to the professors through the PERA method, brought a new possibility to the faculty training. According to the research’s participants report after the classes, it is clear that they felt better as people and professional, more prepared to learn new things. It is also clear, a better relationship with the learning process between the professors and students. It is fact that this study can cooperate with the learning process, bringing a new option to the professor training. The increase of this practice will indicate if this new method of conceiving the human training in a whole way, will show satisfactory results or not. Keywords: Creativity, Entirety, Faculty Practice 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 11 1.1 Proposição do problema .................................................................................................................... 17 CAPÍTULO I - A EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA HOLÍSTICA ....................................................... 22 1 Crise de paradigmas: buscando a compreensão do conceito de Thomas Kuhn ............................................ 23 2 As mudanças paradigmáticas em educação .................................................................................................. 30 CAPÍTULO II - FORMAÇÃO DOCENTE E AS NECESSIDADES EMERGENTES PARA ATUAÇÃO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA .......................................................................................................... 44 1 Formação de professores e seus desdobramentos ......................................................................................... 46 2 Um novo olhar para a formação do professor ............................................................................................... 50 CAPÍTULO III - UMA VISÃO JUNGUIANA DOS PROCESSOS EDUCATIVOS .................................... 57 1 Jung. Um pouco de história .......................................................................................................................... 58 2 Os Principais Conceitos ................................................................................................................................ 62 2.1 Consciência ................................................................................................................................................... 63 2.2 Individuação ................................................................................................................................................. 64 2.3 Inconsciente .................................................................................................................................................. 65 2.4 Arquétipos .................................................................................................................................................... 66 2.5 Conceito de Si Mesmo – Self ....................................................................................................................... 67 2.6 Persona ......................................................................................................................................................... 69 2.7 Animus e anima ............................................................................................................................................ 71 2.8 Sombra .......................................................................................................................................................... 72 2.9 Mestre-Aprendriz .......................................................................................................................................... 74 2.10 Energia Psíquica ........................................................................................................................................... 75 3 Jung e a Educação ......................................................................................................................................... 76 3.1 Formas de educação ...................................................................................................................................... 77 3.1.1 Educação por meio do exemplo .................................................................................................................... 77 3.1.2 Educação Coletiva ........................................................................................................................................ 78 3.1.3 Educação Individual ..................................................................................................................................... 78 3.2 Tipologia de Jung no processo de aprendizagem .......................................................................................... 80 3.2.1 Introvertidos .................................................................................................................................................. 81 3.2.2 Extrovertidos ................................................................................................................................................ 81 3.2.3 Sensação e Intuição....................................................................................................................................... 81 3.2.4 Pensamento e Sentimento ............................................................................................................................. 82 CAPÍTULO IV - CRIATIVIDADE NO PROCESSO EDUCACIONAL ....................................................... 84 1 A criatividade nas perspectivas psicanalítica e analítica............................................................................... 87 2 O Método P.E.R.A ........................................................................................................................................ 91 3 A importância da concentração do pensamento (relaxamento) no processo de individuação ...................... 97 CAPÍTULO V .................................................................................................................................................... 100 A pesquisa: métodos, sujeitos e levantamento de informações ...................................................................... 100 1 A estrutura da pesquisa-ação ...................................................................................................................... 101 1.1 A definição do problema ............................................................................................................................ 102 1.2 A aprendizagem conjunta ........................................................................................................................... 102 1.3 O plano de ação .......................................................................................................................................... 103 1.4 O percurso................................................................................................................................................... 105 1.5 O lugar da teoria ......................................................................................................................................... 106 1.6 A hipótese ................................................................................................................................................... 107 1.7 O Curso ....................................................................................................................................................... 107 1.8 A execução ................................................................................................................................................. 107 APRESENTAÇÃO, INTERPRETAÇÃO DE DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ................. 109 1 Descrição dos procedimentos ..................................................................................................................... 110 2 Seleção das unidades de significado e declarações da pesquisadora .......................................................... 110 10 3 Unidades de significado selecionadas referente ao movimento na direção do si-mesmo ........................... 112 4 Unidades de significado selecionadas referentes à prática docente ............................................................ 123 5 Unidades de significado selecionadas referente à contribuição do curso na inteireza dos professores participantes e em sua prática docente ................................................................................................................ 133 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................... 138 1 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................ 139 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................. 144 APÊNDICES ...................................................................................................................................................... 155 APÊNDICE 1 - QUESTÕES FEITAS À DIRETORIA DE EDUCAÇÃO SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES. .................................................................................................................................................... 156 APÊNDICE 2 - ROTEIRO DOS ENCONTROS ........................................................................................................ 158 APÊNDICE 3 - QUESTIONÁRIOS ......................................................................................................................... 181 APÊNDICE 4 – ENTREVISTAS ............................................................................................................................. 198 APÊNDICE 5 – TRABALHOS REALIZADOS PELAS PROFESSORAS DURANTE OS ENCONTROS ..................... 208 APÊNDICE 6 – FOTOS DOS ENCONTROS ........................................................................................................... 217 11 Introdução A situação da educação brasileira, em particular, e mundial revela um panorama preocupante: baixo índice de aprendizagem dos alunos, violência e agressão entre alunos e com professores, danos à rede física e ao patrimônio escolar, entre outros fatos. Qual o motivo de tanta dificuldade? Os valores em crise? A nossa estrutura familiar? A globalização? O caos ecológico? Podemos elencar muitos responsáveis pela crise vivida ou buscar alternativas para superá-la. O modelo tradicional de escola não vem correspondendo às necessidades apresentadas pelos alunos e nem pelos professores, sendo esses os principais atores do processo educacional. Acredito que os fundamentos e finalidades da educação precisam ser revistos. É necessário que a escola se transforme num espaço de educação para a “inteireza”, no qual o ser humano busque a totalidade de seu ser. Muitos autores, como Byington (2003), Espírito Santo (2002), Furlanetto (2007), Morin (1991), Santos Neto (1998), Saiani (2003), entre outros, têm desenvolvido pesquisas que revelam diferentes possibilidades de se fazer educação baseada na inteireza. Byington (2003) sugere: Uma pedagogia baseada na formação e no desenvolvimento da personalidade e que, por isso, inclui todas as dimensões da vida: corpo, natureza, sociedade, idéia, imagem, emoção, palavra, número e comportamento. Um método de ensino centrado na vivência e não na abstração, e que evoca diariamente a imaginação de alunos e educadores para reunir o objetivo e o subjetivo dentro da dimensão simbólica ativada pelas mais variadas técnicas expressivas para vivenciar o aprendizado. (BYINGTON, 2003, p. 15) Assim como em Byington (2003), encontramos na literatura muitas alternativas para transformar a realidade educacional atual. Para se compreender melhor meus objetivos nesta pesquisa, farei um breve histórico de meu percurso acadêmico e profissional. Há vinte anos exerço diferentes funções no magistério e algumas observações e questionamentos me trouxeram até o problema que me disponho a estudar agora. 12 Sou pedagoga de formação, lecionei durante 10 anos para turmas de 1ª. a 4ª. série, o que hoje se denomina 1º. ao 5º. Ano. Foi para mim uma experiência maravilhosa, fez-me crescer como profissional e como pessoa. O trabalho com crianças, apesar de ser cansativo, é muito recompensador. Durante este tempo me dediquei à formação destes pequenos cidadãos, mesmo não havendo na época (1988 a 1998) muita divulgação, na rede pública de ensino, dos trabalhos de Nóvoa (1991) e Shön (1983) sobre o professor pesquisador. No decorrer das minhas atividades, já exercia inconscientemente a postura de professora pesquisadora, pois aliava à minha prática muito estudo, que me levavam à reflexão do trabalho realizado. Após os primeiros anos lecionando, senti que necessitava de algo mais, considerava que podia fazer mais pelos alunos se meu trabalho fosse além da sala de aula. A partir daí segui carreira, primeiramente como coordenadora pedagógica e, logo após, como diretora de escola. Muitas coisas mudaram em minhas reflexões após essas novas funções. No trabalho como professora conhecia a minha própria prática, enquanto coordenadora e diretora passei a observar o trabalho de todos os professores das unidades escolares das quais eu era responsável. Nestas observações constatei diferentes práticas relacionadas ao processo educativo e pude ouvir muitas reclamações dos colegas de trabalho. Foram essas constatações e reclamações que me moveram ao trabalho de pesquisadora, sentia o desejo de buscar respostas para as perguntas daqueles que estavam sob minhas orientações e para os meus próprios questionamentos. Em 1996 ingressei no Curso de Especialização na UNESP em Bauru, localidade mais próxima de minha residência. Naquele momento, os maiores questionamentos eram sobre a política pública do Governo de São Paulo, a implantação de dois ciclos de ensino em toda a rede estadual, fato que gerou muita polêmica e descontentamento na época, como podemos observar em Garcia (1999). Realizei, então, pesquisa de campo com os professores das escolas públicas estaduais da cidade de Macatuba. A pesquisa durou um ano e meio e teve como objetivo coletar o parecer dos professores sobre o sistema de ciclos implantado pelo Governo e fazer uma paralelo com os documentos legais propostos pela Secretaria de Educação. O resultado desta pesquisa surpreendeu-me, pois, apesar de ter ouvido durante muito tempo o descontentamento dos professores sobre a nova forma de trabalho proposta pelo Governo, no momento em que se viam frente ao gravador, para responder às perguntas elaboradas para a pesquisa, os professores tinham sempre respostas vagas, e muitos não 13 respondiam algumas das perguntas, sentindo-se receosos, mesmo sendo avisados do caráter ético da pesquisa e do sigilo dos nomes dos entrevistados. Paulo Freire (1986), no livro “Medo e Ousadia”, explica a postura dos professores frente à pesquisa. Segundo o autor, grande parte dos profissionais se priva de expressar o que realmente sentem ou pensam, por medo de represálias ou até mesmo de perder o emprego. O resultado desta pesquisa foi inesperado, pois o objetivo era ter um documento que pudesse demonstrar a real insatisfação dos professores mediante imposições. Isso não foi possível, pois a análise das respostas não trouxe dados para uma conclusão neste sentido. Em 2000, já lecionando no Instituto Superior de Ensino, na cidade de São Manuel, a direção da instituição solicitou-me que fizesse o mestrado, uma exigência do MEC. Iniciei na PUC Campinas, no programa de Pós-Graduação em Psicologia. Cursei lá o 1º. Semestre no ano de 2000. Em 2001, ingressei no Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da UNESP Araraquara, mais uma vez com um tema polêmico para o momento, a inclusão de alunos com N.E.E. (Necessidades Educacionais Especiais) na rede regular de ensino. Neste período, era diretora de uma escola estadual na cidade de Lençóis Paulista, e enfrentava grandes problemas em relação ao assunto. O Governo federal e estadual estava implantando a obrigatoriedade e legalidade de matrículas destes alunos na rede. A mídia começava a divulgar o assunto e os pais passavam a exigir seus direitos. No entanto, eu como diretora, juntamente com os professores e a própria rede física da escola, não tínhamos condições de atender às necessidades dos alunos que chegavam para serem incluídos. Propus-me, então, a investigar as possibilidades de aplicação da lei, no intuito de auxiliar professores, alunos e a família a entender o novo momento e atender, da melhor forma possível, esses novos alunos que chegavam à rede. Assim prossegui e terminei a dissertação de mestrado em 2003, concluindo que o processo de inclusão na rede escolar de ensino era necessário, porém, ainda existiam muitas barreiras para sua realização. Minha pesquisa foi calcada na prática docente, segmento este que precisaria de muitas pesquisas para que se pudesse dar maior respaldo ao professor que está atuando com essas crianças especiais. Hoje, nove anos depois, muito já foi conseguido através das diversas pesquisas realizadas sobre o assunto, que não é recente, como podemos constatar no documento sobre a 14 Conferência de Educação Mundial sobre Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca1 já publicada em 1994. Em 2006 ingressei no curso de doutorado na Pós-Graduação em Educação na UNESP em Araraquara e apresentei um projeto que propunha averiguar, através de um curso, se um método diferenciado, alicerçado nos princípios da educação holística, poderia auxiliar o professor na sua formação pessoal e profissional. No 2º. Semestre daquele ano, na disciplina “Produção da Pesquisa”, o maior questionamento das professoras se direcionava para o fato de eu não haver continuado com o mesmo tema do mestrado, uma vez que seria mais apropriado. No entanto, meu tema é e sempre foi a formação de professores, agora a partir de um método novo (P.E.R.A. – Percepção, Expressão, Reflexão e Ação). Portanto, acredito não ter abandonado minha linha de conduta na pesquisa. Os assuntos podem ser diferenciados, mas a proposta sempre foi a mesma. Creio que a função do pesquisador em educação - quero especificar assim, pois essa é minha área - é a de levar informações, esclarecimentos e possibilidades àqueles que estão dentro das escolas para que possam melhorar seu trabalho, aliviar seu estresse e, com isso, oferecer melhor qualidade de ensino aos alunos. Por estar ao mesmo tempo dentro das instituições exercendo meu trabalho, já fui criticada por alguns membros da academia, por impregnar minhas pesquisas de prática. No entanto, considero ser função da academia produzir seus trabalhos para auxiliar a prática do professor e dos demais membros da escola. Produzir pesquisa para estantes de bibliotecas é, para mim, desperdício de tempo e uma injustiça com a classe. Desta forma, desde 2006, venho levantando dados sobre o trabalho que agora apresento, trabalho este que, na verdade, teve sua semente plantada durante o mestrado por uma pessoa que considero muito especial, Professora Dra. Eunice Ferreira Vaz Yoshiura, à época docente-pesquisadora da UNESP/Araraquara, pois foi ela que, através da disciplina “O processo criativo: a abordagem do fenômeno e suas implicações”, suscitou-me a possibilidade de auxiliar os professores na busca de sua inteireza. Durante a disciplina, percebi que as necessidades da rede de ensino iam além da proposta oferecida pela Secretaria de Educação ou da legislação vigente. Como diretora de escola e como professora universitária no curso de Pedagogia do Instituto Municipal de 1 A Declaração de Salamanca é um dos principais documentos norteadores do processo de inclusão. É muito utilizada por todos aqueles que se interessam pelo assunto, como referência para estudos na área. 15 Ensino Superior de São Manuel (IMES) desde 1995, posso observar cotidianamente o comportamento dos futuros professores e dos professores que já atuam. Desta forma, posso realizar observações de suas práticas e, por muitas vezes, acabo sendo ponto de referência para ouvir suas queixas, que, em sua maioria, dizem respeito ao comportamento dos alunos, ao descaso das famílias e às exigências dos órgãos mantenedores. Minhas reflexões passaram a girar em torno desta temática, ou seja, os problemas hodiernos que afligem o professor. A professora Dra. Eunice pode me auxiliar nas reflexões. Suas aulas, durante a disciplina, despertaram-me o interesse pelo tema “criatividade”. Até então, não conhecia o termo inteireza, que passou a fazer parte do título deste trabalho a partir do momento em que conheci o professor Dr. Elydio Santos Neto, do qual falarei posteriormente. Após o término da disciplina com professora Dra. Eunice, comecei a ministrar cursos de capacitação para professores sobre abordagens metodológicas baseadas no processo criativo. Esses cursos foram oferecidos em parceria com Secretarias Municipais de Educação e com a faculdade na qual leciono; possuíam carga horária de trinta horas, com uma parte inicial teórica e outra com atividades vivenciais. Os professores que participavam do curso podiam realizar as atividades com seus alunos e, posteriormente, discutir os resultados nos encontros que se seguiam. Os cursos aconteciam aos sábados; o intervalo de uma semana favorecia a aplicação das atividades com os alunos em sala de aula. A partir deste momento, esse tema começou a me interessar muito. Passei, então, a me dedicar ao seu estudo; fiz algumas alterações nas técnicas contidas no método, segundo às necessidades da realidade em que trabalhava, e utilizei em minha prática de formação, vivenciando o que tinha aprendido no curso (durante 6 meses), com os professores e alunos da escola onde sou diretora. O resultado observado pelos professores foi positivo, pois constataram uma melhora na disciplina da classe e na participação dos alunos nas atividades rotineiras. Esses resultados me motivaram a elaborar os cursos que agora ofereço aos professores das redes municipais. Tendo em vista a situação de quase permanente estresse vivida pelos professores e, também, a necessidade crucial de constituir uma dinâmica formativa que considere tanto os aspectos objetivos como subjetivos do ser humano, desenvolvi uma prática atenta a estes aspectos. Portanto, os cursos são realizados em forma de oficinas vivenciais. Sempre iniciamos as oficinas com relaxamento, utilizando músicas apropriadas, para a focalização da atenção e da percepção de cada participante sobre seu corpo. Após o relaxamento, utilizamos 16 alguns exercícios, como, por exemplo: pintura, colagem, dobraduras, observação de pinturas, escuta de sons, entre outros. Os alunos do curso sempre partilham, ao final de cada dia, as sensações vivenciadas durante as atividades; algumas delas proporcionam a elaboração de textos. Por meio dos relatos das professoras sobre as vivências e sobre os resultados que elas obtêm com seus alunos, percebi que a minha hipótese sobre a influência das atividades relacionadas ao processo criativo e a forma como elas eram desenvolvidas estavam realmente gerando mudanças, mas não tinha dados de pesquisa, de caráter científico, para comprovar minhas hipóteses. Decidi desenvolver minha pesquisa sobre a orientação da professora Dra. Eunice, porém, no desenvolver da disciplina “Produção de Pesquisa”, já citada anteriormente, fui alvo de muitas críticas. Alguns consideravam que meu tema não tinha características científicas, por se tratar de um tema muito subjetivo e relacionado com questões pouco aceitas pela academia. Após a seção de críticas, uma colega da turma me passou o e-mail do professor Dr. Elydio e disse que ele poderia ajudar. Para minha felicidade e enriquecimento desta pesquisa, o professor Dr. Elydio, não só acolheu o meu pedido, como também passou a me auxiliar e foi por meio de sua tese de doutorado e de suas orientações que pude conhecer o termo inteireza que até então não fazia parte do meu vocabulário. No entanto, quando apropriei-me de seu significado, ele passou a ser muito importante para meu trabalho. Segundo o professor Elydio, o termo apareceu em seus trabalhos para substituir o termo totalidade, por considerá-lo mais completo. Desta forma, Santos Neto (1998) considera a expressão inteireza como utilizada por Crema (1993), como sendo melhor que a expressão totalidade, por indicar um movimento permanente em direção à consideração dos múltiplos e diferentes aspectos que constituem a complexidade da condição humana. Daí, porque Santos Neto (1998) fala da necessidade de considerar, minimamente, aos menos corpo, razão, emoção, espírito, natureza e cultura, quando falamos do ser humano; outros autores também utilizam o termo inteireza para falar da completude do ser humano, como é o caso de Espírito Santo (2002) e Cardoso (1995). Com esse conhecimento, passei a dedicar-me ao estudo das obras de Jung para poder entender melhor o ser humano e, então, auxiliá-lo na busca de sua inteireza utilizando o Método P.E.R.A., desenvolvido pela professora Dra. Eunice e ainda não utilizado em pesquisa com professores. Porém, durante o decorrer do curso de doutorado, algumas mudanças aconteceram, por motivos técnicos, a professora Dra. Eunice precisou se afastar do programa 17 de pós-graduação em Educação Escolar da Unesp-Araraquara, ao qual era vinculada como minha orientadora. A partir de então, passou a ser meu orientador o professor Dr. Edson do Carmo Inforsato, carinhosamente chamado por todos de professor Tamoyo. O professor Dr. Edson vem orientando-me e mostrando-me os caminhos que devo trilhar. Para que pudesse defender minha tese, tive que traçar um caminho pela da história da educação para que pudéssemos entender o porquê do conflito dos professores. Vivemos o momento de questionar os paradigmas educacionais, pois os que prevalecem até o momento não respondem mais às nossas necessidades. Vivemos um momento planetário singular, e o professor merece ser auxiliado na busca de suas respostas. Destarte, minha proposta para a pesquisa no doutorado é verificar o impacto do Método P.E.R.A. na prática docente, e construir, a partir da pesquisa realizada, algumas pistas para o trabalho formativo preocupado com a constituição da inteireza dos educadores. Para isso formulei os objetivos que se seguem abaixo: 1- estudar o potencial formativo da prática P.E.R.A para a formação pessoal/profissional para os professores que a vivenciaram; 2- verificar o impacto desta prática formativa na prática docente desses professores com relação à percepção da tarefa do educador, à relação professor-aluno e às estratégias de trabalho. 3- construir, a partir da pesquisa realizada, algumas pistas para um trabalho formativo preocupado com a constituição da inteireza dos educadores. 1.1 Proposição do problema Como já relatado anteriormente, a crise educacional, em seus múltiplos aspectos, e a necessidade de buscar alternativas que satisfaçam as necessidades educacionais do homem e de nosso tempo, moveu-me à pesquisa. O referencial teórico escolhido para o desenvolvimento deste trabalho são as obras de Carl Gustav Jung (1939, 1978, 1980, 1981, 1991, 2001, 2006) e de teóricos que desenvolveram suas pesquisas pautadas em seu pensamento, como Saiani (2003), Silveira (2007), Furlanetto (2007) e outros. Jung é considerado um dos autores mais férteis por sua diversidade de estudos e pela profundidade com que aborda os temas do desenvolvimento pessoal. 18 Através de suas obras, pude aprofundar nossos conhecimentos a respeito de vários conceitos relevantes para a constituição do indivíduo, tais como: si-mesmo, individuação, inconsciente, consciente, arquétipos, entre outros. Todos eles necessários para o aprofundamento dos estudos, pois parti do pressuposto que a formação profissional competente depende da formação pessoal de cada ser e que há um caminho por meio do autoconhecimento que leva a isto. Portanto, a questão norteadora de nossa pesquisa é: � Qual a contribuição do Método P.E.R.A., fundado no desenvolvimento da criatividade, sobre o processo de constituição de Si-mesmo como professor na escola hoje? Esta questão é relevante e considero importante seu estudo em função da crise profissional e pessoal que o professor enfrenta nos dias atuais como nos relata Codo (2006), ao dizer que 48% dos professores está sofrendo com alguma característica da Síndrome de Burnout, considerada a síndrome da desistência de quem ainda está na prática, isto é, já desistiu, mas permanece no trabalho. Esses professores vivem na escola por uma obrigação, seu desejo e prazer de trabalhar já se esvaiu há muito tempo. Muitos são os fatos que levam o professor a adquirir a Síndrome de Burnout. Na pesquisa realizada por Codo (1999) e seus auxiliares, constatou-se que a carga excessiva de aulas do professor, o número elevado de alunos na sala de aula, o baixo salário, a violência na escola e a pouca colaboração dos familiares, são fatores que contribuem para que o professor entre em choque com seus objetivos de trabalho e de vida. O trabalho do professor é um trabalho que exige dele dedicação e comprometimento constante. Ele retoma o passado, refaz os vínculos com o presente e reorganiza o futuro, juntamente com seus alunos. Desta forma, pode-se dizer que o trabalho do educador é imediatamente histórico. E, muitas vezes, a frustração chega quando o professor não consegue ver o produto de seu trabalho. Com o professor nem sempre isso é possível, pois o produto de seu trabalho é diferente: No que diz respeito ao produto do trabalho do professor, existem inúmeras especificidades. Em primeiro lugar, como já se viu, não se trata de um objeto 19 sobre o qual ele plasma sua subjetividade, mas de um outro ser humano. A parte de seu ser que foi realmente objetivada no produto-aluno será sempre alguma coisa difusa para ele e para os outros. O produto/aluno será, no entanto, tão alheio como é alheio para um trabalhador qualquer produto por ele produzido. Embora, dificilmente, o produto do trabalho será sentido como algo estranho, que se opõe a ele. Em uma palavra, para o educador, o produto é o outro, os meios de trabalho são ele mesmo, o processo de trabalho se inicia e se completa em uma relação estritamente social, permeada e carregada da História. Uma relação direta e imediata com o outro é necessariamente permeada por afeto. (CODO, 1999, p. 47) Quando o educador não alcança o produto desejado vem o desespero, a frustração, a sensação de impotência e, porque não dizer, muitas vezes, de incapacidade, que se transforma na Síndrome de Burnout. Para Codo (1999, p.238) a síndrome é entendida como um conceito multidimensional que envolve três componentes: 1) Exaustão emocional – situação em que os trabalhadores sentem que não podem dar mais de si mesmos a nível afetivo. Percebem esgotada a energia e os recursos emocionais próprios, devido ao contato diário com os problemas. 2) Despersonalização – desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas e de cinismo às pessoas destinatárias do trabalho (usuários/clientes) – endurecimento afetivo, ‘coisificação’ da relação. 3) Falta de envolvimento pessoal no trabalho – tendência de uma “evolução negativa” no trabalho, afetando a habilidade para a realização do trabalho, bem como a organização. (CODO, 1999, p. 238) Muitas vezes, quando o educador apresenta esses sintomas em seu ambiente de trabalho é estigmatizado e mal compreendido. Muitos o consideram descompromissado ou omisso, desconsiderando que o mesmo possa estar doente. Este é um ponto importante que deve ser pensado na profissão do educador, bem como na sua formação continuada. Outros fatores que me leva a refletir sobre a importância de um novo método de trabalho na área educacional são os estudos que mostram o quanto a educação holística pode trazer benefícios para uma sociedade que se encontra em crise de valores. Não defendemos aqui que a educação holística virá para salvar a educação ou eliminar todos os problemas existentes, acreditamos, sim, que ela é uma alternativa. 20 A perspectiva holística traz um novo olhar para o ser humano, no qual todos os aspectos de sua completude e inteireza são contemplados. Não queremos ignorar a racionalidade, mas, sim, juntar as novas possibilidades de tratar o ser humano. É com esse pensamento que acredito se fazer necessário a construção de uma nova prática docente, na qual professor e aluno se relacionam, possam se inteirar como seres complexos que são, respeitando mais suas individualidades e temporalidades, soltos das amarras de um pensamento meramente racional. Neste sentido, nossa pesquisa traz essa perspectiva de um trabalho diferente. Sabemos ser esta uma prática nada consensual. No entanto, acreditamos que ela possa gerar mudanças e autores como Espírito Santo (2002), Cardoso (2000), Moraes (2003), Santos Neto (1998), têm nos dado respaldo para defender esta idéia. Além desses aspectos gerais de toda a sociedade, temos a situação específica da cidade na qual a pesquisa foi realizada. Atuando no município de Lençóis Paulista há nove anos como diretora de escola, notei a necessidade de um trabalho de formação de professores diferenciado, pois, como já mencionado anteriormente, presenciava as reclamações constantes dos professores quanto a suas necessidades de formação para enfrentar os dilemas educacionais vividos por eles. Após pesquisa com a coordenadora do ensino fundamental da Diretoria Municipal de Educação, conforme anexo 1, foi possível observar que a Diretoria não possuía um plano específico de formação de professores e que o aspecto da inteireza, que é foco deste trabalho, nunca tinha sido abordado nas formações oferecidas. Sabendo-se que o relacionamento professor aluno é um dos aspectos mais importantes para a aprendizagem e que os problemas enfrentados pelos professores acarretam- lhes uma sobrecarga de trabalho e um nível de estresse muito alto, como é possível observar nas teses e dissertações das faculdades de psicologia e educação, considero relevante o curso proposto nesta pesquisa para que o professor possa encontrar sua inteireza e rever o seu si- mesmo, buscando, dessa forma, um maior equilíbrio pessoal e profissional, beneficiando, assim, seus alunos e trazendo melhores resultados para o processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, presumi que a prática desenvolvida pelo Método P.E.R.A. poderá oferecer aos educadores um conhecimento de si mesmo e uma auto reflexão que lhes permitam aperfeiçoar sua prática docente. Com essas condições e aplicando este método, realizei este estudo cuja estruturação será descrita a seguir. 21 No Primeiro Capítulo são abordados os aspectos atuais das mudanças na área educacional, proporcionadas pelos conceitos de educação holística e de complexidade defendido por Edgar Morin (2003). Neste capítulo também é discutido o conceito de paradigma e justificada minha escolha pelo paradigma da complexidade. No Segundo Capítulo é discutida a formação docente frente às necessidades da sociedade contemporânea e as dificuldades encontradas pelo professor. Ainda nele são apresentadas possibilidades de práticas pedagógicas mais reflexivas para atender a essas necessidades. No Terceiro Capítulo, intitulado Uma visão junguiana dos processos educativos, é apresentado um breve histórico da vida de Jung, os principais conceitos de sua teoria e a influência desta teoria na prática pedagógica. No Quarto Capítulo, Criatividade no processo educacional, é discutida a questão da criatividade por diferentes autores e esboçada minha proposta de trabalho relacionada ao Método P.E.R.A., por ser este um método embasado no processo criativo. No Quinto Capítulo é discutida a metodologia de trabalho e apresenta a coleta de dados realizada durante o curso que foi oferecido às professoras. Para finalizar, são feitas as conclusões do trabalho. 22 CAPÍTULO I - A EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA HOLÍSTICA 23 1 Crise de paradigmas: buscando a compreensão do conceito de Thomas Kuhn O estudo de Thomas Kuhn “A Estrutura das Revoluções Científicas” constituiu um marco epistemológico, popularizando os termos paradigma e mudança de paradigma. Nessa obra, ele afirma que a comunidade científica se forma e se mantém por meio da aceitação de paradigmas, os quais são passíveis de serem substituídos por outros. “Quando a comunidade científica repudia um antigo paradigma, renuncia simultaneamente à maioria dos livros e artigos que o corporificam, deixando de considerá-los como objeto adequado ao escrutínio científico.” (KUHN, 1962, p. 209). Kuhn (1978) enfoca questões conceituais ligadas aos tipos de idéias aceitáveis; aos tipos de estratégias e alternativas intelectivas disponíveis em determinado período histórico, afirmando que modelos de pensamento atuais não devem ser impostos a autores históricos, e que a evolução da teoria científica não decorre simplesmente da acumulação de "feitos", mas de um conjunto de ocorrências e possibilidades intelectuais que estão sujeitas à mudança. “Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.” (KUHN, 1978, p. 13) Para ele “as regras derivam de paradigmas, mas os paradigmas podem dirigir a pesquisa mesmo na ausência de regras”. Kuhn (1978) explana suas idéias empregando exemplos tirados da história da ciência. Para Morin (1991), paradigma é uma espécie de relação lógica (inclusão, conjunção, disjunção, exclusão) entre determinado número de noções ou categorias-mestra. Um paradigma privilegia certas relações coerentes em detrimento de outras, e é por isso que um paradigma controla a lógica do discurso. As teorias são produtos dos seres humanos e estes, por serem sempre dinâmicos, em interação com as condições e circunstâncias cotidianas, também históricas, têm suas lógicas enredadas com outras lógicas remanescentes. Na vivência, na confrontação das teorias com as práticas, aquelas se transformam; se interpenetram; se diferenciam ou se configuram em outras teorias. As teorias têm na sua essência a completude e também o seu contrário: a incompletude. A completude se defasa na dinâmica da história (ou se re-constitui) e, por meio da sua outra essência, a incompletude, cria a possibilidade de renovação. 24 Estas operações, que utilizam a lógica, são de fato comandadas por princípios ‘supra lógicos’ de organização do pensamento ou paradigmas, princípios ocultos que governam a nossa visão das coisas e do mundo sem que disso tenhamos consciência. (MORIN, 1991, p.15) Para Morin (1998), um paradigma é invisível e invulnerável, e não pode ser atacado, contestado ou arruinado diretamente. É necessário o surgimento de fendas, corrosões nas concepções e teorias; averiguações e ratificações das novas teses; um balanço crítico entre dados, observações e experimentos, para que possa ocorrer a derrocada das anteriores concepções e teorias, que levam, com elas, o paradigma. As transformações criam ansiedade e demandam novas atitudes e adequações. Quando se fala em mudança na educação, é preciso reunir vários elementos que a caracterizem como necessária e benéfica para seu meio social, uma vez que a mudança pode ser tanto para melhor como para pior. A idéia de mudança na educação implica aspectos históricos, culturais, sócio- econômicos, tecnológicos, biológicos; enfim, implica uma série de setores. Por isso é difícil caracterizar a mudança como algo instantâneo, já que ela só acontece como processo e atrelada a vários elementos. A necessidade e vontade de mudança estão relacionadas à constatação das lacunas ocasionadas entre o que a sociedade está pedindo da formação dos indivíduos e o que o espaço escolar está oferecendo para dar conta disso, ou seja, ao perceber-se ineficaz, despreparada e desatualizada, a escola deve entender esse vão e buscar recuperar-se e criar novos meios de interagir e aprender, para, então, desempenhar sua função social. Daqui a algumas centenas de anos, quando a história do nosso tempo estiver sendo escrita com a perspectiva de um distanciamento maior, muito provavelmente o mais importante evento que os historiadores verão não será a tecnologia, nem a Internet, nem o comércio eletrônico. Será a mudança sem precedentes ocorrida na condição humana. (DRUCKER, 2008, p.2). 25 No último século, a humanidade passou por mudanças drásticas, nunca antes imaginadas, alterou conceitos e mudou seu cotidiano mais do que em toda a sua existência pregressa. Na educação convencional, o que está em evidência é o fator cognitivo; na visão holística relativa à educação, consideram-se outros aspectos com a mesma relevância: a relação entre a mente e o corpo; a inteligência emocional, que abarca o autoconhecimento e a aceitação do outro; a relação com o meio ambiente e a criatividade (CARDOSO, 2000). Esses aspectos até então foram desprezados, trazendo grandes prejuízos para a humanidade, pois são visíveis as mazelas geradas pelo enfoque mercantilista e pragmático, predominantemente ocidental. O homem que perscruta o cosmo com enorme destreza é o mesmo que ignora ou agride brutalmente seu semelhante; assola a natureza, da qual também depende. Nas palavras de Capra: Temos taxas elevadas de inflação e desemprego, temos uma crise energética, uma crise na assistência à saúde, poluição e outros desastres ambientais, uma onda crescente de violência e assim por diante [...] tudo isso são facetas diferentes de uma só crise de percepção: a percepção distorcida do paradigma atual da ciência adotado pela humanidade. (CAPRA, 1986, p.170) Para ele, o objetivo do cientista agora é o de “extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos” (CAPRA, 1986, p. 170). Esta forma de se fazer ciência, como nos relata Capra (1986), tem cobrado da humanidade um alto custo e isto reflete também na educação. Nos parece que quanto mais o homem avança cientificamente e tecnologicamente, mais retrocede em suas relações. Nas escolas a qualidade de ensino, apesar de ser muito exigida pelas mantenedoras (índices de IDEB, SAEB, Prova Brasil, entre outros), ainda está longe de chegar ao desejado. Em se falando da relação professor-aluno e aluno-aluno, a mídia e as pesquisas têm mostrado diariamente que se deterioram. É necessário que os líderes educacionais, através dos resultados desses índices não cobrem somente dos educadores a elevação dos mesmos, mas que percebam que há algo de muito errado e que isto está ligado a uma mudança de consciência e de foco. Enquanto o foco educacional estiver apenas na racionalidade, as relações humanas vão continuar se deteriorando, e, sem elas, dificilmente qualquer objetivo será alcançado. 26 Estudos recentes na área de educação vêm demonstrando o surgimento de novos paradigmas. Santos Neto (1998), em sua tese de doutorado, tece comentários sobre os novos paradigmas e traz reflexões sobre a necessidade da implantação de uma forma de educar que preze pela inteireza dos educandos e educadores em relação com uma harmonia planetária. Segundo GROF estamos num desses momentos de mudança paradigmática. O paradigma dominante, newtoniano-cartesiano, por sua visão de pessoa e realidade, bem como pelos limites estreitos, que demarcou a investigação científica, não consegue dar conta de explicar a pessoa e realidade, que vão surgindo de forma mais ampliada e complexa, em algumas áreas de ponta de mesma ciência, notadamente a física e a pesquisa de consciência. Com certeza não se trata, e GROF já o disse, de recusar totalmente o paradigma newtoniano-cartesiano, aliás ainda dominante. Trata-se de se extrair dele tudo aquilo que nos serve, em termos de método de investigação científica e de análise da realidade – e tudo isso ainda nos serve quando estamos somente no plano hilotrópico – mas, também de romper com seus limites estreitos e ousar novos princípios e formas de investigação, estabelecer pontes entres as áreas do saber e estabelecer novas formas de explicação para um homem e uma realidade que podem ser vistos hoje, pela ciência, de uma forma muito mais ampla do eram vistos até então. Nesta busca por um novo paradigma na investigação científica, ao menos três posturas são necessárias: 1) Não abrir mão do rigor na investigação científica: base empírica, lógica interna, coerência dos modelos explicativos; 2) Ao mesmo tempo possuir a coragem e a audácia para propor novos caminhos de investigação e ousar novas explicações mais coerentes que as vigentes; 3) Estabelecer pontes não só entre áreas da ciência, mas também entre as diferentes formas do saber, o que inclui aproximar da ciência a filosofia, a arte e o saber das religiões ou tradições espirituais, numa abordagem transdisciplinar. (SANTOS NETO, 1998, p.245) Segundo Santos Neto (1998), as colocações acima têm implicações diretas sobre a educação escolar, pois é nela que se faz a iniciação científica nos alunos, no entanto, essa nova postura exigirá várias mudanças no trabalho com os alunos, porque ainda prevalece a visão newtoniana-cartesiana dentro das escolas. Para Santos Neto (1998), é necessário que os professores façam uma revisão da sua própria formação, que a escola reveja sua função, não se dedicando somente à transmissão de informação, mas, também, auxiliando o aluno a despertar para seu potencial humano. Os currículos educacionais deverão ser reformulados para combinar na formação dos alunos, rigor, audácia, criatividade e abertura para pensar o novo, pois haverá necessidade de o aluno perceber a complexidade da realidade para aproximar-se dela cientificamente. Para 27 isso é necessário um trabalho coletivo de investigação; desse ponto de vista o aluno não pode ver a ciência como algo acabado, mas, sim, em permanente construção. Esta escola, necessária aos dias atuais, deverá contemplar as necessidades de seus alunos como seres humanos completos, não vislumbrando somente, como no passado, saberes acadêmicos. Os alunos deverão, ao lado do trabalho de auto-exploração, realizar um exercício efetivo de investigação científica – metodologia, pesquisa, apresentação dos resultados, tudo isso vinculado à exploração da realidade dos alunos em relação às questões humanas, ecológicas, políticas, sociais, históricas, tecnológicas, filosóficas, religiosas, éticas, artísticas e econômicas. Este trabalho questiona o paradigma newtoniano-cartesiano no que diz respeito á educação, mas, como foi dito anteriormente, não ignora a contribuição já dada por ele e traz um paradigma emergente, o da educação holística como sendo uma nova perspectiva para os problemas vividos na educação nos dias atuais. Para Kuhn (1962), a palavra paradigma pode apontar uma efetivação científica globalmente conhecida; também denota um mito, um modelo; é analogia; consideração transcendental; capacidade produtiva; enfoque epistemológico; um campo específico da realidade, entre outras coisas. “É a força da razão, o grande mito unificador do saber, da ética, da política.” Se fizermos uma relação entre Platão e Kuhn, à primeira vista, podemos crer que as idéias de Platão e Kuhn são antagônicas, porém, avaliando atenciosamente a noção de paradigma para esses dois grandes pensadores, podemos identificar pontos em comum. Para ambos, o paradigma apresenta uma forma de conduta, ou seja, possui uma função normativa para a sociedade, independentemente do fato de ser encontrado em um mundo abstrato, como dizia Platão ou, como aponta Kuhn, o paradigma é aquilo que é partilhado pelos membros de uma comunidade. Ainda citando Kuhn (1962), para compreendermos a crise dos paradigmas é necessário anteriormente decidir, definir o que exatamente ele é. Se aceitarmos consensualmente a noção de paradigma como um modelo, torna-se mais fácil compreender a crise pela qual ele passa, ou seja, estamos vivendo uma mudança conceitual sobre paradigma, termo esse que vem se desgastando no decorrer do tempo. Kuhn (1962) apresenta uma visão científica sobre a questão e nos aponta duas causas, as internas e as externas. As causas internas são decorrentes do desgaste dos modelos tradicionais que a própria teoria oferece, e as externas são resultado da mudança da própria sociedade, de acordo 28 com diferentes épocas, que trazem em seu bojo diferentes culturas. Dessa forma, Kuhn (1962) justifica essa crise como uma oposição à ciência normal. A ciência normal se caracteriza por um período de estabilidade, quando se aceita um modelo teórico explicativo. Sabemos que, com freqüência, no decorrer da história, essa ciência normal se impôs por exigência de uma classe dominante. Na história societária é possível identificar alguns períodos de estabilidade. No entanto, torna-se difícil analisar esses períodos, porquanto, muitas vezes, é impossível reconhecer que uma mudança está ocorrendo, algumas características dos momentos atuais passam despercebidas pela sociedade, e somente após muito tempo, quando a mudança foi consolidada, com o devido distanciamento, é que a sociedade consegue estudar o fenômeno; no entanto, vivemos uma crise de paradigmas, o que nos remete à idéia de que a mudança está por vir. Importa apontar que as diferenças paradigmáticas não se apresentam apenas no âmbito cronológico, mas também no espacial, ou seja, diferentes paradigmas coexistem; separados apenas pela cultura de cada grupo social. O que torna mais importante ainda os novos olhares sobre a educação, pois, com eles, tornam-se cada vez menores as diferenças, e se diminui o preconceito, vigendo os conceitos mais coerentes e hodiernos. Claro que não se trata de defender a uniformização cultural, isso seria corroborar o ideal de dominação pregado por extremistas, que julgam ter o direito de impor seus padrões a todos. Mas são inegáveis as transformações ocorridas nas ultimas décadas no sentido de melhoria de vida das comunidades, e que são frutos do enorme potencial atual de se levar o que há de mais atualizado na educação para todas as partes. Isso gera a quebra de barreiras que limitam o ser humano. Há, ainda hoje, culturas que se fecham para o mundo, preservando seus preconceitos, que consideram sagrados; isso, muitas vezes, é incentivado por governantes, que vêem na ignorância um modo de manter seu domínio sobre a população. O preço desse isolamento é alto. Alguns fatos ocorridos nos últimos anos nos revelam este preço, podemos citar: � Atentado de 11 de setembro; � As guerras no continente africano; � As catástrofes naturais oriundas do efeito estufa; � As guerras das etnias da Europa. 29 Esses fatos catastróficos trouxeram muitas desgraças para a humanidade, muitos comentários, muita notícia, porém, notou-se pouca reflexão e criticidade. As ações após essas catástrofes giram em torno dos prejuízos materiais, mas, na realidade, as reflexões sobre a conduta humana a respeito de tais fatos são aligeiradas e superficiais, gerando pouco ou nenhum benefício para a humanidade. Como esses fatos foram e são discutidos no ambiente escolar? Este é um aspecto que dentro de uma pedagogia tradicional não é muito abordado, pois fogem dos conteúdos e currículos. Porém, a proposta de uma nova pedagogia dentro de uma visão holística e de totalidade vem vislumbrar uma nova forma de trabalho dentro da escola que privilegia a razão emancipatória e não a razão instrumental. Como nos diz Aranha (2002): A razão instrumental é produtivista e, em decorrência do sucesso alcançado, acaba por fetichizar os meios. Estes, que deveriam ser caminhos para o fim propriamente humano a que se destinam, passam a ser alvo principal de uma sociedade em que coisas e máquinas se tornam mais amadas do que pessoas e em que as escolhas sentimentais e afetivas submetem-se ao crivo dos valores econômicos e do poder. Em outras palavras, precisamos recuperar a razão emancipatória voltada para os objetivos propriamente humanos, para busca do ‘bem viver’, da felicidade e não da eficácia, da dominação e da posse. (ARANHA, 2002, p. 5) De acordo com o relato da autora, podemos perceber que a sociedade moderna vem subjugando valores, como sentimento e emoção, trocando-os por valores materiais. A escola, inserida neste contexto, não poderia estar fazendo diferente. No entanto, percebe-se que é o momento de uma mudança, o aluno tem o direito de se formar cidadão desenvolvendo todas as suas potencialidades. Ensinar a pensar é dar condições para autonomia e a emancipação do educando porque a sociedade propriamente moral e democrática necessita de pessoas capazes de autocrítica constante. O processo de ensinar a pensar começa, então, pela negação do que é percebido na superfície das coisas, pela recusa do império dos clichês, da prevalência dos meios sobre os fins, por tudo que reifica nossa consciência e que a torna passiva, manipulável, conformista e resignada com o intolerável. (ARANHA, 2002, p. 6) 30 Aranha (2002) ainda nos pergunta: será possível realizar esse projeto? Acreditamos que sim, mas, para isso, é necessário investir na formação pedagógica do educador, pois a atividade de ensinar supera os níveis de senso comum, tornando-se uma atividade sistematizável, desde formar o professor deve ter uma formação ética e política, já que vai educar a partir de valores e tendo em vista um mundo melhor. 2 As mudanças paradigmáticas em educação Falar em educação holística no ambiente acadêmico caracterizado, muitas vezes, por uma tradição racionalista e cartesiana, pode parecer um tanto anticientífico. Porém, alguns trabalhos publicados de autores já reconhecidos por várias universidades avaliam que há espaço para pesquisa e produção de trabalhos concernentes ao tema de investigação. Yus (2002), um desses autores, considera que não existe uma definição universalmente aceita sobre a educação holística, mas há uma diversidade de abordagens e de ênfases em aspectos determinantes. Fazendo um rastreamento a partir da etimologia da palavra holística, ele considera que: Podemos rastrear sua denominação a partir do seu significado etimológico. Tudo que está relacionado com o holismo vem do grego holos, que faz referência a um universo feito de conjuntos integrados que não pode ser reduzido a simples somas de suas partes. Mas dentro dessa concepção que se contrapõe a visão reducionista do mundo, existe uma acepção que ressalta a existência de uma dimensão espiritual nas coisas e outro mais materialista que admite a existência de um todo formado por partes que se inter- relacionam. (YUS, 2002, p.15). O termo “educação holística” foi proposto pelo norte-americano Miller (1997), para nomear “o trabalho de um conjunto heterogêneo de liberais, de humanistas e de românticos que têm em comum a convicção de que a personalidade global de cada criança deve ser considerada na educação” (MILLER, 1997, apud YUS, 2002, p.16). Ele, ao considerar a globalidade da personalidade do educando, enfatiza que todas as facetas da 31 experiência humana devem ser consideradas no processo de ensino e aprendizagem e não só o aspecto intelectual e racional, bem como não somente as responsabilidades de vocação e cidadania, mas também os aspectos físicos, emocionais, sociais, estéticos, criativos, intuitivos e espirituais inatos da natureza do ser humano. Para Faria (2007): Os objetivos da Educação Holística são: despertar e desenvolver tanto a razão quanto a sensação e o sentimento; demonstrar que cada situação constitui uma oportunidade de aprender; contrapor-se aos valores mecanicistas (consumo e competição agressiva) e desenvolver a cooperação e os valores humanos; possibilitar que o aluno participe ativamente e assuma a sua própria transformação; facilitar uma visão completa, ‘todo e partes’. (FARIA, 2007, p.2) Não é porque em determinados momentos da história um campo de estudos não foi considerado como científico que devemos abrir mão de seu valor para a humanidade. Não abrimos mão da astronomia, a despeito da inconsistência científica da astrologia; nem nos negamos a usufruir dos benefícios da química, por causa da alquimia. Nos primórdios da psiquiatria, seus defensores sofreram duras críticas, e foram estigmatizados pelos próprios colegas, por estudarem algo intangível e aparentemente etéreo, a mente humana. Hoje, a psiquiatria é ciência universalmente avalizada. Para defender esta idéia um importante documento, amplamente divulgado na imprensa e no meio acadêmico e denominado Declaração de Veneza2, nos aponta algumas 2 Essa declaração foi elaborada no final do colóquio "A Ciência diante das Fronteiras do Conhecimento", em Veneza, na Itália, em 7 de março de 1986. Os participantes desse colóquio, organizado pela UNESCO, com a colaboração da Fundação Giorgio Cini (Veneza, 3-7 de março de 1986). Foram signatários desta declaração os seguintes pensadores: Professor D.A. Akyeampong (Gana), físico-matemático, Universidade de Gana. Professor Ubiratan D’Ambrosio (Brasil), matemático, coordenador geral dos Institutos, Universidade Estadual de Campinas. Professor René Berger (Suiça), professor honorário, Universidade de Lausanne. Professor Nicolo Dallaporta (Itália), professor honorário da Escola Internacional dos Altos Estudos em Trieste. Professor Jean Dausset (França), Prêmio Nobel de Fisiologia e de Medicina (1980), Presidente do Movimento Universal da Responsabilidade Científica (MURS França). Senhora Maîtraye Devi (Índia), poeta-escritora. Professor Gilbert Durand (França), filósofo, fundador do Centro de pesquisa sobre o imaginário. Dr. Santiago Genovès (México), pesquisador no Instituto de pesquisa antropológica, Acadêmico titular da Academia nacional de medicina. Dr. Susantha Goonatilake (Sri Lanka), pesquisador, antropologia cultural. Prof. Avishai Margalit (Israel), filósofo, Universidade hebráica de Jerusalém. Prof. Yujiro Nakamura (Japão), filósofo-escritor, professor na Universidade de Meiji. Dr. Basarab Nicolescu (França), físico, C.N.R.S. Prof. David Ottoson (Suécia), Presidente do Comitê Nobel pela fisiologia ou medicina, Professor e Diretor, Departamento de Fisiologia, Instituto Karolinska. Sr. Michel Random (França), filósofo, escritor. Sr. Facques G. Richardson (França- Estados Unidos), escritor científico. Prof. Abdus Salam (Paquistão), Prêmio Nobel de Física (1979), Diretor do Centro internacional de física teórica, Trieste, Itália, representado pelo Dr. L.K. Shayo (Nigéria), professor de matemáticas. Dr. Rupert Sheldrake (Reino Unido), Ph.D. em bioquímica, Universidade de Cambridge. Prof. Henry Stapp (Estados Unidos 32 constatações sobre as novas necessidades na educação em um mundo com novos paradigmas. O texto desse documento, apresentado na íntegra a seguir, sinteticamente enfatiza que está ocorrendo uma revolução importante no campo da ciência em decorrência das transformações que ela traz à lógica, à epistemologia, bem como de suas aplicações tecnológicas: 1. Somos testemunhas de uma revolução muito importante no campo da ciência, provocada pela ciência fundamental (em particular a física e a biologia), devido a transformação que ela traz à lógica, à epistemologia e também, através das aplicações tecnológicas, à vida de todos os dias. Mas, constatamos, ao mesmo tempo, a existência de uma importante defasagem entre a nova visão do mundo que emerge do estudo dos sistemas naturais e os valores que ainda predominam na filosofia, nas ciências do homem e na vida da sociedade moderna. Pois estes valores baseiam-se em grande parte no determinismo mecanicista, no positivismo ou no niilismo. Sentimos esta defasagem como fortemente nociva e portadora de grandes ameaças de destruição de nossa espécie. 2. O conhecimento científico, devido a seu próprio movimento interno, chegou aos limites onde pode começar o diálogo com outras formas de conhecimento. Neste sentido, reconhecendo as diferenças fundamentais entre a ciência e a tradição, constatamos não sua oposição mas sua complementaridade. O encontro inesperado e enriquecedor entre a ciência e as diferentes tradições do mundo permite pensar no aparecimento de uma nova visão da humanidade, até mesmo num novo racionalismo, que poderia levar a uma nova perspectiva metafísica. 3. Recusando qualquer projeto globalizante, qualquer sistema fechado de pensamento, qualquer nova utopia, reconhecemos ao mesmo tempo a urgência de uma procura verdadeiramente transdisciplinar, de uma troca dinâmica entre as ciências "exatas", as ciências "humanas", a arte e a tradição. Pode-se dizer que este enfoque transdisciplinar está inscrito em nosso próprio cérebro, pela interação dinâmica entre seus dois hemisférios. O estudo conjunto da natureza e do imaginário, do universo e do homem, poderia assim nos aproximar mais do real e nos permitir enfrentar melhor os diferentes desafios de nossa época. 4. O ensino convencional da ciência, pôr uma apresentação linear dos conhecimentos, dissimula a ruptura entre a ciência contemporânea e as visões anteriores do mundo. Reconhecemos a urgência da busca de novos métodos de educação que levem em conta os avanços da ciência, que agora se harmonizam com as grandes tradições culturais, cuja preservação e estudo da América), físico, Laboratório Lawrence Berkeley, Universidade da Califórnia Berkeley. Dr. David Suzuki (Canadá), geneticista, Universidade de British Columbia. 33 aprofundado parecem fundamentais. A UNESCO seria a organização apropriada para promover tais idéias. 5. Os desafios de nossa época: o desafio da autodestruição de nossa espécie, o desafio da informática, o desafio da genética, etc., mostram de uma maneira nova a responsabilidade social dos cientistas no que diz respeito à iniciativa e à aplicação da pesquisa. Se os cientistas não podem decidir sobre a aplicação da pesquisa, se não podem decidir sobre a aplicação de suas próprias descobertas, eles não devem assistir passivamente à aplicação cega destas descobertas. Em nossa opinião, a amplidão dos desafios contemporâneos exige, por um lado, a informação rigorosa e permanente da opinião pública e, por outro lado, a criação de organismos de orientação e até de decisão de natureza pluri e transdisciplinar. 6. Expressamos a esperança que a UNESCO dê prosseguimento a esta iniciativa, estimulando uma reflexão dirigida para a universalidade e a transdisciplinaridade. Agradecemos a UNESCO que tomou a iniciativa de organizar este encontro, de acordo com sua vocação de universalidade. Agradecemos também a Fundação Giorgio Cini por ter oferecido este local privilegiado para a realização deste fórum. (DECLARAÇÃO DE VENEZA, 07 de março de 1986) É exagero afirmar que o conhecimento científico convencional chegou ao paroxismo; mas basta ligar a TV ou ler um jornal para percebermos que acréscimos tecnológicos, mesmo que admiráveis, não foram o suficiente para trazer paz ou minimizar as enormes diferenças sociais, nem dão sinais de que o serão em um futuro próximo. No último século, os avanços científicos foram extraordinários, mas o próprio homem, de forma geral, continua, sob certos aspectos, o mesmo do passado. [...] os seres humanos continuam a ser os mesmos bárbaros que eram inicialmente. Nós somos animais, na nossa origem. E como animais nós nos comportamos. É raríssimo encontrar um indivíduo que seja capaz de pôr de lado os seus interesses pessoais para facilitar a vida ao seu semelhante. (CARVALHO, 1996, p.16) É precisamente a respeito da transformação interior deste ser que versa a educação holística. Por conta disso, pode-se começar um diálogo com outros campos e formas de conhecimento, iniciando por reconhecer a urgência de uma procura verdadeiramente 34 transdisciplinar3, que provocará um intercâmbio entre as ciências "exatas", as "humanas", a arte e a tradição. Esse texto finaliza suas considerações observando que na atualidade há imensos desafios que precisam ser enfrentados – como a probabilidade cada vez mais real de autodestruição da nossa espécie, o avanço da informática, a aplicabilidade da genética–, os quais mostram uma nova responsabilidade social dos cientistas na aplicação dos novos conhecimentos. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que gera novos seres humanos através do domínio das complexas técnicas de fecundação assistida, agride diariamente o meio ambiente do qual depende a manutenção futura da espécie. O surgimento de novas doenças infectocontagiosas e de diversos tipos de câncer, assim como a destruição da camada de ozônio, a devastação de florestas e a persistência de velhos problemas relacionados com a saúde dos trabalhadores (como a silicose) são "invenções" deste mesmo "homem tecnológico", que oscila suas ações entre a criação de novos benefícios extraordinários e a insólita destruição de si mesmo e da natureza. (GARRAFA, 2008, internet). Conforme exposto, os cientistas não devem assistir passivamente à aplicação de suas pesquisas. Exige-se a sujeição à opinião pública quanto à melhor forma de empregá-las e a criação de organismos de orientação e até de decisão de natureza pluridisciplinar e transdisciplinar. A aceitação dos pressupostos da Declaração de Veneza no meio acadêmico e nas práticas pedagógicas em geral é algo subjetivo, pois ainda não vemos nas práticas docentes de forma clara e objetiva a execução desses pressupostos, mas inúmeros pesquisadores reconhecidos no Brasil, mesmo não defendendo essas idéias, não ignoram em seus trabalhos a existência desta nova corrente e modalidade na educação. No quadro a seguir, Libâneo (2004, p.26) faz um pequeno esboço compreensivo, a fim de contextualizar a educação holística no conjunto das correntes e modalidades da pedagogia. Nesse quadro síntese, a educação holística é classificada como uma corrente que compreende várias modalidades: 3 A transdisciplinaridade, como prefixo “trans” o indica, diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de toda disciplina. Sua finalidade é a compreensão do mundo atual, em um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento, (Síntese do Congresso de Locarno - in Sommerman 2006, p. 43) 35 QUADRO DAS CORRENTES PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS Correntes Modalidades 1. Racional-tecnológica Ensino de excelência Ensino tecnológico 2. Neocognivistas Construtivismo pós-piagetiano Ciências cognitivas 3. Sociocríticas Sociologia crítica do currículo Teoria histórico-cultural Teoria sociocultural Teoria sociocognitiva Teoria da ação comunicativa 4. “Holísticas” Holismo Teoria da Complexidade Teoria naturalista do conhecimento Eco-pedagogia Conhecimento em rede 5. “Pós-modernas” Pós-estruturalismo Neo-pragmatismo Quadro I – Correntes Pedagógicas Contemporâneas, In: Libâneo, 2004, p. 26 Após classificar a educação holística dentro das modalidades e correntes pedagógicas, Libâneo (2004), preocupado com o risco de imprecisão quanto a essa denominação, procura situar diferentes vertentes teóricas que têm em comum uma visão da realidade como uma “totalidade de integração entre o todo e as partes, mas compreendendo diferentemente a dinâmica e os processos dessa integração” (LIBÂNEO, 2004, p.31). Essa visão tem suas raízes na filosofia não cartesiana, não analítica e não entende a realidade humana dissociada da totalidade que se amplia na natureza, nos demais viventes e no universo cósmico; nessa visão, as partes integram o todo, formando uma unidade orgânica. A expressão “holística” vem do grego holos, que significa totalidade. O pesquisador em educação holística é aquele que tem uma visão do sentido de totalidade, de conjunto, de inteiro “em que o universo é considerado como uma totalidade formada por dimensões interpenetrantes: as pessoas, as comunidades, unidas no meio biofísico” (LIBÂNEO, 2004, p.31). Libâneo (2004) concorda com a idéia de que: “a pessoa une-se a todas as outras pessoas, a todas as consciências, a todas as outras ‘partículas’ do cosmos, para 36 constituir um ‘nós’, no sentido de simbiose” (BERTRAND e VALOIS, apud LIBÂNEO, 2004, p.31). Partindo desse pressuposto, a visão holística conclui que uma ação em comum, uma sinergia, em que as forças criativas de cada um e de todos convergem na ação. Na prática, o educador, tendo consciência de totalidade cósmica, forma seus educandos para o equilíbrio dinâmico entre o homem e o seu meio biofísico, a convivência entre as pessoas, a preservação ambiental e a denúncia de todas as formas de destruição da natureza, a compreensão das pessoas e da natureza como um todo. Essa postura requer um projeto educativo que ajude a perceber a realidade com uma visão ampla, ou seja, as pessoas não como indivíduos isolados, mas inseridas em um cosmo e o desenvolvimento humano não está dissociado da preservação da vida como um todo. Nas palavras de Bertrand e Valois (2004): A educação holística não rejeita o conhecimento racional e outras formas de conhecimento, mas insiste em considerar a vida como uma totalidade em que o todo se encontra na parte, cada parte é um todo, porque o todo está nela. Daí que a consciência da pessoa só pode ser comunitária, ecológica e cósmica. (BERTRAND E VALOIS, apud LIBÂNEO, 2004, p.31) Além de Libâneo (2004), Gadotti (2007), outro pesquisador de renome, faz menção da educação holística em seus trabalhos. Considera-a uma nova perspectiva educacional entre as novas teorias que surgiram na pós-modernidade e despertaram interesse dos educadores e, segundo ele, introduziram no debate acadêmico as palavras “complexidade e holismo”. Cita Edgar Morin como sendo o seu maior representante, o qual critica a razão produtivista e a racionalização moderna. Gadotti (2007), referindo-se ao paradigma holístico, sustenta que é necessário um princípio unificador do saber, do conhecimento, em torno do ser humano, valorizando o seu cotidiano, o seu vivido, o pessoal, a singularidade, o entorno, o acaso e outras categorias como: decisão, projeto, ruído, ambigüidade, finitude, escolha, vínculo e totalidade. Sobre isso diz: Essas seriam algumas das categorias dos paradigmas chamados holonômicos, esses novos paradigmas procuram centrar-se na totalidade. Mais do que a ideologia, seria a utopia que teria essa força para resgatar a totalidade do real, totalidade perdida. Para os defensores desses novos paradigmas, os paradigmas clássicos – identificados no positivismo e no marxismo – seriam marcados pela ideologia e lidariam com categorias redutoras da totalidade. Ao contrário, os paradigmas holonômicos pretendem restaurar a totalidade do sujeito, valorizando a sua iniciativa e a sua 37 criatividade, valorizando o micro, a complementaridade, a convergência e a complexidade. (GADOTTI, 2008, p.3) Também a Revista Pátio de fevereiro de 2007, intitulada “Novas Realidades”, traz texto de Gadotti (2008), no qual o referido autor fala sobre o que é educar, para superar as necessidades dos novos tempos. Educar para um outro mundo possível é educar para superar a lógica desumanizadora do capital que tem no individualismo e no lucro seus fundamentos; é educar para transformar radicalmente o modelo econômico e político atual. É educar para viver em rede, ser capaz de comunicar e agir em comum; é educar para produzir formas cooperativas de produção e reprodução da existência humana, educar para a autodeterminação. A diversidade é a característica fundamental da humanidade. Por isso, não pode haver um único modo de produzir e de reproduzir nossa existência no planeta. O que há de comum é a diversidade humana, a qual impõe a necessidade de construir a diversidade de mundos. A um pensamento único não devemos opor outro pensamento único. Educar para um outro mundo possível não é educar para um único mundo possível, mas educar para outros mundos possíveis. A educação tecnicista moderna perdeu a humanidade, perdeu a criança, a abertura para o outro. Educar para um outro mundo possível é educar para re-humanizar a própria educação. (GADOTTI, 2007, p.10) Libâneo (2004), ao classificar a corrente holística dentro do quadro atual das correntes pedagógicas, menciona as exigências da pedagogia em um mundo em mudança, porém, alerta que os que se ocupam da educação escolar devem fazer opções pedagógicas, bem como devem assumir um posicionamento sobre objetivos e modos de promover o desenvolvimento e a aprendizagem de sujeitos inseridos em contextos socioculturais e institucionais concretos. O autor observa que esses educadores que, segundo ele, se ocupam da pesquisa ou os envolvidos diretamente na docência, enfrentam uma realidade educativa perplexa, em crises, incertezas, pressões sociais e econômicas, relativismo moral, dissoluções de crenças e utopias. Também observa que, ao mesmo tempo em que há exigências advindas de um mundo em mudanças, há cada vez mais dissonâncias, divergências, numa variedade imensa de diagnósticos, posicionamentos e soluções, sobretudo a mais problemática está na sala de aula, onde é necessário tomar decisões e realizar ações para promover mudanças 38 qualitativas no desenvolvimento e na aprendizagem dos sujeitos. Alerta que o pesquisador e o educador prático não poderão evadir-se da pedagogia, pois educar pessoas é efetivar práticas pedagógicas que irão auxiliar a constituir sujeitos e identidades, que se constituem enquanto portadores das dimensões física, cognitiva, afetiva, social, ética, estética, situados em contextos socioculturais, históricos e institucionais. Para esse trabalho reflexivo/prático ele propõe que o educador busque saber como esses contextos de um mundo em mudanças atuam em processos de ensino e aprendizagem, de modo a formar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivíduos com base em necessidades sociais, pois esta é uma forte razão para o cotejamento entre o “clássico” e uma proposta calcada na educação holística. O autor ainda afirma que: Não haverá mudanças efetivas enquanto a elite intelectual do campo científico da educação e os educadores profissionais não se derem conta de algo muito simples: escola existe para formar sujeitos preparados para sobreviver nesta sociedade e, para isso, precisam da ciência, da cultura, da arte, precisam saber coisas, saber resolver dilemas, ter autonomia e responsabilidade, saber dos seus direitos e deveres, construir sua dignidade humana, ter uma auto-imagem positiva, desenvolver capacidades cognitivas para se apropriar criticamente dos benefícios da ciência e da tecnologia em favor do seu trabalho, da sua vida cotidiana, do seu crescimento pessoal. (LIBÂNEO, 2004, p. 17). Na continuidade enfoca a tarefa dos pesquisadores e dos educadores profissionais que é investigar constantemente o conteúdo do ato educativo, admitindo por princípio que ele é multifacetado, complexo, relacional. Nessa tarefa considera literalmente que: Sendo assim, educamos ao mesmo tempo para a subjetivação e a socialização, para a autonomia e para a integração social, para as necessidades sociais e necessidades individuais, para a reprodução e para a apropriação ativa de saberes, para o universal e para o particular, para a inserção nas normas sociais e culturais e para a crítica e produção de estratégias inovadoras. Isso requer portas abertas para análises e integração de conceitos, captados de várias fontes – culturais, psicológicas, econômicas, antropológicas, simbólicas, na ótica da complexidade e da contradição, sem perder de vista a dimensão humanizadora das práticas educativas. (LIBÂNEO, 2004, p.19) 39 Além das discussões filosóficas já mencionadas, retomamos Yus (2002), que ainda coloca a educação holística no foco de temas hoje largamente discutidos em pesquisas educacionais, como a “inclusão”. Sobre o aspecto inclusivo da educação, a holística enfatiza que: “A educação holística é inclusiva, no sentido de incluir um leque amplo de tipos de estudantes e uma diversidade de visões de aprendizagem, procurando atender as diversas necessidades do aprendizado.” (YUS, 2002, p. 16) Autores como Glat (1996), Heidrich (1998), Bianchetti (1995), Gatti (2000), Goffredo (1999), entre outros, discutem também o tema da inclusão, buscando alternativas educacionais para minimizar as discriminações vividas pelas pessoas que possuem N.E.E. (Necessidades Educativas Especiais). É nesse sentido que a educação holística pode auxiliar no processo inclusivo. Garcia (2002)4, em seu trabalho de mestrado sobre o tema, nos relata que este assunto, apesar de muito discutido na atualidade, ainda encontra muita resistência no meio educacional. A inclusão que é conseqüência desse modelo vem se consolidando, porém com simpatizantes e opositores. Existem aqueles que a defendem e elencam vários fatores positivos para que ele se efetive, em contrapartida aqueles que são contrários à sua instalação também têm argumentos para isto. Os mais sensatos acreditam que as mudanças devam ocorrer paulatinamente e seus efeitos positivos e negativos devam ser estudados. Schwartzman (1992), nos relata acreditar que para incluir precisamos saber quem incluir, onde, como e para que incluir, pois a proposta de uma inclusão generalizada, sem que as modificações de currículos, preparo de professores, e sem que toda a equipe e a escola regular seja instrumentalizada para receber os alunos com N.E.E. parece ser uma atitude irresponsável e catastrófica. Já vimos anteriormente com os autores, que a inclusão feita de forma irresponsável traz mais efeitos negativos que positivos. Os autores Lantier; Verillon; Aublé; Belmont; Waysan (1994), em suas pesquisas denominam isto de “Integração Selvagem”. Selvagem porque a criança ou jovem é colocado em um ambiente onde nem os colegas nem os professores estão preparados para recebê-lo, faltam técnicas, recursos e informações. Na maioria das vezes, fica em um canto da classe fazendo atividades soltas que pouco podem acrescer à sua aprendizagem. Nos relatos de pesquisa em que encontramos sucesso, esse geralmente se deve ao esforço particular do professor de uma determinada escola que se propôs a vencer este desafio. Quanto aos governantes, parece-nos estarem mais preocupados em fazer cumprir a lei e a realizar economia do que realmente efetivar ações que auxiliem neste processo. (GARCIA, 2002, p. 123 e 124) 4 Garcia (2002) – este trabalho se refere à minha dissertação de mestrado sobre o tema inclusão, na qual eu acompanho o desenvolvimento escolar de um aluno com paralisia cerebral e faço análise da prática docente. 40 Acreditamos que os recursos e as técnicas solicitados pela autora, podem ser encontrados se a proposta da escola ou do sistema educacional estiver pautado nos princípios da educação holística. Este tipo de educação valoriza em seu modelo de homem, não somente o físico e o cognitivo, aspectos do ser humano privilegiado até hoje pela escola, mas, também, os aspectos que contemplam a pessoa, como já discutimos anteriormente. Quando os educadores em sua maioria atentarem para estes aspectos perceberão que trabalhar com os alunos com N.E.E. (necessidades educativas especiais) é possível, desde que se respeitem seus limites e explorem outros aspectos até então renegados. Além dessas considerações e pensando no trabalho dos educadores, Yus (2002) diz que, a partir de uma visão de educação integral, a busca pelo aprendizado pode ser balizada tanto como algo internamente dirigido pela criança quanto como algo externamente dirigido pelo professor ou pelo currículo, pois, ao dar uma atenção especial para as motivações internas das crianças e para os estágios de crescimento críticos em relação ao momento, os educadores argumentam que são capazes de atender, efetivamente, as necessidades das crianças em várias fases de seu desenvolvimento. (YUS, 2002) Mais adiante enfatiza a complexidade das dimensões do ser humano, motivo pelo qual o educador holístico deve compreender a totalidade das dimensões da pessoa humana - física, cognitiva, afetiva, social, ética, estética e espiritual – pois são fatores importantíssimos a serem considerados: A pessoa não é apenas ‘mente’, mas também corpo e espírito, e estes são elementos que estão estreitamente relacionados com um todo. A educação holística está interessada no crescimento de todas as potencialidades humanas: intelectual, emocional, social, física, artística/estética, criativa/intuitiva e espiritual. Da mesma forma aceita a existência das inteligências múltiplas que precisam de processos educativos diferenciados. O aprendiz não aprende unicamente por intermédio de sua mente, mas também de seu corpo, de seus sentimentos, seus interesses e sua imaginação. (YUS, 2002, p.21) Esse mesmo autor difere-se de outros ao interpretar a educação não como uma preparação para a vida, mas algo que é parte da vida, pois para ele os alunos não são meros receptáculos passivos de reconhecimento, mas participam ativamente da construção do conhecimento, cabendo ao educador proporcionar um ambiente democrático para que ele 41 possa reconstruí-lo. Esta atitude educacional proporciona uma reviravolta5 na prática escolar. Essa prática, que tradicionalmente foi caracterizada por uma escola centrada em uma aula magistral, em horários rígidos e em espaços restritos, será totalmente modificada, exigindo dos educadores holísticos flexibilidade no conteúdo, no horário e nos espaços, os quais podem ir além do estabelecimento escolar, e usar o espaço fora da sala de aula, em espaços urbanos, industriais, rurais ou naturais. (YUS, 2002) Espírito Santo (2002) considera a educação integral como imprescindível no processo didático, enfatizando a importância de outros saberes como a gesticulação, a arte, a dramatização: “A didática como forma de ensinar, deve trazer distinta forma de expressão para o aluno, o desenho, a dramatização e outras possibilidades gestadas pelo educador.” (ESPÍRITO SANTO, 2002, p.37) Nesta mesma linha enfatiza o prazer e a beleza como essencial: “O prazer deve acompanhar permanentemente o ensino de qualquer matéria, daí a importância mencionada de a produção da beleza e, portanto, das artes se fazer presente ao cotidiano da escola.” (Idem, p.25) Moraes (2003), na mesma linha dos autores anteriores, faz ainda importantes considerações: Hoje, mais do que nunca, urge uma pedagogia voltada para a formação integral do aprendiz, para o desenvolvimento de sua inteligência, de seu pensamento, de sua consciência e de seu espírito. Isto porque acreditamos que a visão que temos do mundo decorre da maneira como conhecemos, da maneira como observamos, apreendemos e interpretamos aquilo que está ao nosso redor. Se acreditamos que nada é predeterminado de fora para dentro, que a participação é fundamental e que não existe a representação do mundo anterior a nossa percepção então valorizaremos mais a experiência, a reflexão, a autonomia, a construção coletiva, o diálogo, a sincronicidade dos processos, a abertura ao novo e ao criativo, a circunstâncias que surgem, e negaremos o monólogo, o condicionamento, a padronização, a prepotência e a dominação. (MORAES, 2003, p.18). Na continuidade de sua linha de pensamento considera a ampliação de um quadro epistêmico abordando as implicações da maneira como pensamos, sentimos e atuamos não apenas nos processos de construção do conhecimento, mas, também, em relação aos hábitos, 5 É bom lembrar aqui que esta reviravolta perseguida por Yus já foi iniciada por Paulo Freire, que buscava através de seu trabalho desalienar por meio de uma educação problematizadora. Para Freire (1997) educar para um outro mundo possível é educar para conscientizar, libertar, desfetichizar. 42 valores, atitudes e estilo de vida. Suas constatações são em função das novas descobertas científicas, uma vez que: [...] a realidade ao nosso redor é um reflexo de nossos pensamentos e de nossas ações, de nossas formas de viver/conviver em sociedade e do paradigma que norteia a ciência cujos reflexos podem ser observados em nossas ações educacionais e nossas atitudes pessoais. (MORAES, 2003, p.51). Consideramos também as posições de Santos Neto (1998), o qual, ao falar de educação transpessoal6, a coloca como alternativa para os educadores brasileiros em um contexto de crise paradigmática. Ele enfoca que, atualmente, no Brasil, quando se fala em cidadania, deve ser levado em conta além dos aspectos sócio-políticos que tradicionalmente são considerados, também outros aspectos, como o cultural (seus conflitos e sua avaliação dos valores a serem mantidos e os que precisam ser deixados ou transformados), o aspecto ecológico que põe em questão a nossa forma de relação com a Terra e procura identificar as implicações desta para a vida da coletividade humana, o aspecto pessoal do cidadão que vive mergulhado numa coletividade politicamente organizada. Esse aspecto pessoal do cidadão não faz com que ele deixe de ser pessoa individual que possui corpo, emoções, intelecto, espírito, necessidades, impulsos, tendências, limites, formas próprias de percepção e compreensão da realidade e que, por isso mesmo, precisa trabalhar seus problemas pessoais além dos coletivos, os quais estão sempre imbricados. Fazendo essa abordagem integral, o educando é levado a aprender a “com-viver” por meio do diálogo no sentido de aprender a superar os conflitos que surgem na convivência humana e no sentido de aprender a trabalhar e construir coletivamente soluções para os problemas humanos (SANTOS NETO, 1998). Assim, conclui que: [...]Hoje quando se fala em cidadania, além dos aspectos sócio-políticos que tradicionalmente são considerados, há que levar em conta também outros aspectos: o aspecto cultural e tudo o que ele traz de conflitos na perspectiva de detectar os valores culturais que precisam ser assumidos e mantidos e aqueles que precisam ser deixados ou transformados; o aspecto ecológico que põe em questão a nossa forma de relação com a Terra e procura identificar as implicações desta para a vida da coletividade humana; o 6 A educação transpessoal considera a pessoa na sua amplidão, na sua totalidade, na sua inteireza. Santos Neto (1998, p. 341) 43 aspecto pessoal do cidadão que, se vive mergulhado numa coletividade politicamente organizada, não deixa de ser pessoa individual com corpo, emoções, intelecto, espírito, necessidades, impulsos, tendências, limites, formas próprias de percepção e compreensão da realidade e que, por isso mesmo, precisa ter espaço para trabalhar os problemas pessoais e coletivos, que estão sempre imbricados; o aspecto do relacionamento interpessoal e tudo o que ele traz de exigências no sentido de aprender a con-viver através do diálogo, no sentido de aprender a superar os conflitos que surgem na convivência humana e no sentido de aprender a trabalhar e construir coletivamente soluções para os problemas humanos; o aspecto transpessoal e tudo o que ele traz de possibilidades para o conhecimento e as relações da pessoa consigo mesma, com o mundo da cultura, com o mundo da natureza, com o mundo da política, e com o mundo do espírito; o aspecto ético que auxilia a tomar decisões tendo como referência um projeto que dê direção e sentido para a pessoa e a coletividade humana, isto é, que organize seus valores de forma que estes ajudem a tomar as decisões mais corretas para aquilo que se entenda seja objetivo da vida humana, numa perspectiva inclusive de privilegiar valores universais sem deixar de considerar os valores culturais. (SANTOS NETO, 1998, p.41) E, finalmente, Santos Neto (1998) aborda um último fator de uma visão mais ampliada da cidadania, que é a necessidade de fazer a síntese da totalidade de todos os aspectos do ser humano - político, econômico, cultural, ecológico, pessoal, do relacionamento interpessoal, transpessoal e ético - pois eles não podem ser considerados de forma isolada. É preciso reconhecê-los e sintetizá-los para melhor se compreender e, assim, estabelecer uma relação de aprendizagem mais efetiva. (SANTOS NETO, 1998). 44 CAPÍTULO II - FORMAÇÃO DOCENTE E AS NECESSIDADES EMERGENTES PARA ATUAÇÃO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 45 No primeiro capítulo introduzimos o tema “educação holística”, apontando sua importância para uma nova prática docente diante de uma sociedade emergente que caracteriza-se por profundas mudanças de paradigmas. Essas novas necessidades não são mais supridas apenas pelo raciocínio pautado no cartesianismo. Segundo Espírito Santo (2002) vivemos o ocaso do reinado cartesiano, que teve seu apogeu no século XIX, quando o racionalismo e o cientificismo atingiram o auge de suas certezas. Esse autor constata também que somente no século XX, quando homens como Eisntein, Freud, Jung, Steiner, Chardin e mais recentemente Capra, Sheldrake, Grof, Paulo Freire, dentre outros, levaram a público suas idéias, é que o cartesianismo vai perdendo seu status de paradigma incontestável. A conseqüência mais negativa da soberania do cartesianismo foi, sem dúvida, a perda de identidade do ser humano. O paradigma cartesiano refletiu diretamente nas práticas escolares. Podemos observar no dia a dia das escolas, no qual a figura do especialista tem sido predominante e o conteudismo tem tomado conta das