UNIVERSIDADE ESTADUAL JÚLIO DE MESQUITA FILHO – UNESP – FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAS PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS CUT, SINDICATO ORGÂNICO E REFORMA DA ESTRUTURA SINDICAL Daniel Pestana Mota Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Júlio Mesquita Filho – UNESP como requisito à obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais Orientador: Prof. Dr. Giovanni Alves Marília 2006 2 Resumo O trabalho analisa o desenvolvimento do projeto cutista que visa instituir um modelo de sindicato orgânico, projeto que ganhou impulso na Proposta de Reforma Sindical enviada ao Congresso Nacional pelo Governo Lula após discussões que saíram do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), espaço tripartite criado para discutir alterações na estrutura sindical e legislação trabalhista brasileiras. Articulou-se com a hipótese de que, por meio do citado projeto, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) acabaria por aprofundar uma pratica sindical defensiva, eis que ao restringir sua atuação às questões afetas ao interior do processo de produção de mercadorias, evidenciaria seus limites e dificuldades na constituição de um sindicalismo classista, privilegiando um consenso cupulista em detrimento da conscientização dos trabalhadores pela base. Pretende-se demonstrar, seja analisando os debates travados durante seus Congressos, ou ainda os resultados obtidos durante o Fórum Nacional do Trabalho, que a CUT afastou-se das principais determinações colocadas pelo capital em face da classe trabalhadora; preferiu, propor alterações na estrutura sindical que distanciariam, ainda mais, o chão de fabrica do aparelho sindical, abrindo as portas para a flexibilização da legislação trabalhista e dificultando, por conseqüência, a participação da base no processo de intervenção política com vistas a sua própria emancipação. Palavras-chave: Sindicalismo – estrutura-sindical – sindicato orgânico – reforma sindical. Mota, Daniel Pestana (28.06.74) CUT, SINDICATO ORGANICO E REFORMA DA ESTRUTURA SINDICAL Marília – UNESP, 2006. Dissertação: Mestrado em Ciências Sociais. I. Universidade Julio Mesquita Filho – UNESP II. Sindicalismo – CUT – estrutura sindical – sindicato orgânico – reforma sindical. 3 Aos meus pais Carlos e Márcia, à Dona Maria e ao Sr. João Pestana (in memorian) pela difícil tarefa de educar. À Andreza, minha eterna companheira, pela paciência e compreensão próprias de sua doce natureza. Para Raul, o que de mais lindo aconteceu no decorrer deste trabalho... 4 I N D I C E ÍNDICE DE GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS 5 INTRODUÇÃO 6 Cap. I – Sindicalismo CUT, ontem e hoje 10 Trajetória cutista e perda da identidade de classe 11 Os governos neoliberais: as posições da CUT e as tentativas de alteração da estrutura sindical 25 Cap. II - A proposta da CUT - O Sindicato Orgânico 37 As discussões no conjunto do sindicalismo-CUT 38 Os antagonismos internos sobre estrutura sindical 46 Experiências cutistas com o modelo orgânico: o caso do setor metalúrgico 54 A estrutura sindical em alguns países europeus 59 Cap. III - Reforma Sindical e Estrutura Orgânica 70 Forum Nacional do Trabalho e a falsa construção do consenso 71 Proposições sobre a reforma da estrutura sindical no FNT 75 Obstáculos à reforma sindical 80 CONCLUSÃO 88 ANEXOS 91 BIBLIOGRAFIA E OUTROS DOCUMENTOS CONSULTADOS 134 5 ÍNDICE DE GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS Gráfico 1 – Número de greves setor urbano(1981-1989) 15 Gráfico 2 – Massa de sindicalizados urbanos segundo a PEA (1990-2001) 23 Gráfico 3 – Número de desempregados em relação a PEA (1994-2000) 34 Gráfico 4 – Número de trabalhadores setor bancário (1989-2001) 36 Gráfico 5 – Evolução sindicato de trabalhadores (1987-2001) 44 Gráfico 6 – Taxa de sindicalização na França (1975-1999) 67 Gráfico 7 – Dificuldades contratação e demissão – Brasil e América Latina (2004) 82 Quadro I – Descrição Projetos de Lei 821/91, 1231/91 e 1232/91 29 Quadro II – Principais diferenças das propostas de Reforma Sindical do FNT e FST 83 Tabela 1 – Número médio cláusulas acordadas por categoria (1979-1999) 22 Tabela 2 – Número de sindicatos com alteração da base territorial (1991-2001) 45 6 INTRODUÇÃO No Brasil há muito se estuda, no âmbito da sociologia do trabalho, os efeitos decorrentes da ação sindical dos trabalhadores e o funcionamento da estrutura sindical que lhes dá suporte. A vasta maioria de estudiosos ressalta a inércia das massas trabalhadoras e a particularidade de um sistema de legislação trabalhista e sindical quase todo outorgado pelo Estado, cuja origem estaria assentada na Carta Del Lavoro. Mas há, ainda que de forma incipiente, estudos que defendem a tese da maioridade da classe trabalhadora brasileira como sujeito de sua própria história. Um dos precursores desse viés analítico foi Evaristo de Moraes Filho, com sua obra “O Problema do sindicato único no Brasil”, que já em meados da década de 1950 trazia para o debate a questão do reconhecimento da maioridade da classe trabalhadora brasileira, reconhecendo sua capacidade de associar-se livremente a favor de seus interesses, negando, assim, as teses sobre o mito da outorga. A conhecida idéia do atraso e da incapacidade do brasileiro cedeu lugar para o reconhecimento da existência de um rol de lutas operárias que, ao descortinarem o conjunto de greves e movimentos da classe trabalhadora no início do século passado, evidenciou que a relação havida entre os grupos sociais antagônicos e os legisladores tinha o objetivo de mostrar que as lutas dos trabalhadores haviam precedido às leis, e, por conseguinte, que os trabalhadores tinham plena capacidade associativa e forte influência no advento das primeiras leis sindicais e trabalhistas. 7 Outros estudos importantes, como a tese de doutorado, pelo Instituto de Economia Aplicada da Unicamp, de Magda Barros Biavaschi, cujo eixo central seria a refutação da idéia de que a legislação trabalhista brasileira fora concedida pelo Estado como cópia da Carta Del Lavoro, do fascismo italiano, também demonstraram que, no decorrer de sua história, a classe operária brasileira exerceu um papel decisivo na ideologia estatal que culminou com um modelo sindical corporativista. O objetivo dessa modesta contribuição por nós apresentada caminha no mesmo sentido. Ao fazer um estudo sobre o projeto de instituição de um sindicato de tipo-orgânico no Brasil, e seu desenvolvimento no interior da Central Única dos Trabalhadores, nossa intenção foi a de fornecer elementos empíricos e teóricos que possam permitir a compreensão e a delimitação da estratégia desta importante parcela do movimento sindical brasileiro ao optar por um modelo de representação sindical que privilegie a cúpula em detrimento da base; um modelo de autonomia privada coletiva em detrimento da proteção estatal das normas trabalhistas; uma estratégia de co-participação em detrimento de outra, de cariz combativo e de resistência. Para tanto, optamos por dividir o trabalho em três capítulos. No primeiro capítulo pretende-se demonstrar a trajetória da Central Única dos Trabalhadores desde a sua fundação, no ano de 1.983, até o ano de 2.005, quando em meio a um Governo tendo a frente o ex-sindicalista Luis Inácio Lula da Silva, responsável por articular o maior espaço tripartite para a discussão de alterações nas relações do trabalho- o Fórum Nacional do Trabalho (FNT) - a 8 central vivenciou a mais ampla possibilidade de instituir seu modelo de sindicato orgânico. Nesse Capítulo problematizamos a questão da defesa da liberdade sindical nos moldes da Convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho, que trata da liberdade sindical ampla, cuja ênfase fora demonstrada de forma efusiva pelos chamados “novo sindicalistas”, grupo que mais tarde veio a fundar a CUT. Procuramos apresentar dados empíricos e teóricos capazes de contrapor a tese de que a defesa da citada convenção sempre foi a marca da CUT. Buscamos dados aptos a demonstrar que tal idéia foi sendo abandonada progressivamente, sugerindo uma assimetria entre o afastamento das práticas combativas e uma maior burocratização dos quadros cutistas, fenômeno que teria culminado na perda da identidade classista do sindicalismo cutista. Foram feitas observações sobre a práxis sindical e as tentativas de modificação da estrutura sindical brasileira patrocinadas pelos diversos governos que se seguiram à partir da década de 1990, de cariz tipicamente neoliberal. Realizamos um recorte abrangendo desde o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), até o ano de 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, onde a política de ofensividade contra o mundo do trabalho assumiu suas formas mais contundentes. No segundo capítulo optamos por tratar da proposta cutista – mais tarde agasalhada parcialmente pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT), espaço tripartite criado pelo governo de Luis Inácio Lula da Silva para a construção de um consenso que viesse a permitir as reformas sindical e trabalhista – de instituição de um sindicalismo de tipo orgânico. Foram problematizadas as 9 discussões no conjunto do sindicalismo-CUT e seus antagonismos no que pertine ao tema da estrutura sindical, o que foi feito através da exposição e análise de falas de dirigentes e documentos internos da própria central. Finalizando tal capítulo, foram apresentadas algumas experiências cutistas com o modelo orgânico, sendo abordado o caso específico do setor metalúrgico, além de trazermos alguns paradigmas da estrutura sindical praticada em alguns países europeus e que serviu de estímulo à proposta da CUT. No capítulo terceiro optou-se por fazer uma exposição sobre a criação e evolução do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) como lócus instituído pelo governo Lula para o desenvolvimento da reforma sindical e entendimento entre patrões e trabalhadores sob a mediação do Estado. De início foi problematizada a questão acerca da existência da figura do consenso como elemento central norteador das discussões envolvendo capital e trabalho no espaço do FNT, com enfoque nas proposições apresentadas e seus antagonismos mais imediatos. Em seguida cuidou-se de descrever as principais propostas surgidas do FNT, seguidas de posicionamentos críticos por parte do movimento sindical. Por fim, foram elencados alguns motivos que supostamente contribuíram, do ponto de vista do trabalho apresentado, à falta de condições para que se seguisse adiante na idéia da reforma sindical e da instituição de um sindicalismo de tipo orgânico. 10 C A P Í T U L O I SINDICALISMO CUTISTA ONTEM E HOJE 11 Trajetória cutista e perda da identidade de classe Todo o processo que culminou com a criação da Central Única dos Trabalhadores possui uma inegável riqueza historiográfica, política e sociológica. Por ora, nossa intenção é a de apresentar alguns dados empíricos que possibilitem a comprovação de que a CUT, no decorrer de sua prática sindical, acabou por distanciar-se de sua própria base, perdendo, por conseguinte, sua identidade de classe. Desde seu início a CUT foi pautada por uma atuação mais conflitiva na relação capital-trabalho. Seu discurso, que afirmava um sindicalismo classista, arraigado nas bases e livre da interferência do Estado, elegeria o socialismo como objetivo final da luta de classes.1 Seu processo de criação teve como marca a pluralidade de posições políticas. No entanto duas correntes se sobressairiam: as oposições sindicais, cujos militantes viriam da experiência da luta armada pós-1964 e/ou ligados à militância católica (pastorais da terra e comunidades eclesiais de base), e que tinham na crítica à estrutura sindical oficial2 sua principal plataforma, e os sindicalistas autênticos, corrente composta por dirigentes sindicais combativos que atuaram, nos anos da ditadura, na disputa pelas diretorias dos sindicatos oficiais.3 1 Segundo o art. 2º, de seus Estatutos Sociais, “A Central Única dos Trabalhadores é uma organização sindical de massas em nível máximo, de caráter classista, autônomo e democrático, cujos fundamentos são o compromisso com a defesa dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, a luta por melhores condições de vida e trabalho e o engajamento no processo de transformação da sociedade brasileira em direção à democracia e ao socialismo.” 2 A estrutura sindical oficial, herdade da Era Vargas, fincava-se no controle pleno dos sindicatos pelo Estado, que autorizava o seu funcionamento por meio da concessão do registro sindical, sua sobrevivência através do imposto sindical obrigatório, e ainda moldava sua ação política, através do Poder Normativo da Justiça do Trabalho ao instituir normas de trabalho aplicáveis às categorias profissionais e econômicas correspondentes. 3 A oposição sindical surge após o golpe de 1964 e atuava como uma frente de trabalhadores, paralela ao sindicato oficial, que adquire um a certa organicidade nas eleições de 1967 para o 12 Tais correntes eram representadas, respectivamente, por quadros do grupo de oposição ao sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, que tinha à frente a figura de Joaquim dos Santos Andrade,4 e que lutavam “por fora” para modificar a estrutura sindical corporativa em vigor, e também por quadros da diretoria do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que optaria por lutar internamente ao aparelho sindical oficial para então buscar modificá-lo. Tais correntes acabariam por se unir posteriormente, sobretudo na crítica da estrutura sindical corporativa, e ao privilegiar o chão de fábrica como o local onde se enfrentariam capital e trabalho, constituindo o núcleo da crítica do sindicalismo corporativo, a CUT constituiria a identidade do que se convencionou chamar de “novo sindicalismo”.5 Seria oficialmente fundada em 1983, através da aglutinação dos autênticos, das oposições sindicais e ainda de grupos de sindicato dos metalúrgicos de São Paulo. Tinha como principais bandeiras a defesa da organização pela base dos trabalhadores nas unidades de produção, com a constituição de comissões de empresas, com forte influência por experiências européias, como as comissiones obreiras na Espanha e os conselhos de fábrica italianos. Já os sindicalistas autênticos tinham como núcleo duro o sindicato dos metalúrgicos do ABC. Lutando “por dentro” da estrutura sindical, já no início da década de 1970 os autênticos vão desenvolvendo o perfil de um sindicalismo de massas, empenhado na solução dos problemas trabalhistas no interior das empresas. A união destes grupos se consolida no 3º congresso dos metalúrgicos do ABC, em outubro de 1978, quando a oposição sindical é convidada a participar e envia três membros, sendo responsáveis pela formulação de um documento intitulado “Comissões de Fábrica”. Par maiores informações, ver: Rodrigues, Iram Jacome. Sindicalismo e Política - a trajetória da CUT, São Paulo, Scritta, 1997, pp. 54-86 4 Joaquinzão, como era conhecido no meio sindical, dirigiu o sindicato dos metalúrgicos de SP durante toda a ditadura militar. Foi adversário do PT e dirigente da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), que rivalizou com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), e que era considerada conservadora. Sua gestão à frente do sindicato deu origem ao que mais tarde convencionou-se chamar de “sindicalismo de resultados”, forma de ação sindical totalmente afastado do ideário socialista, tendo como principal expoente Luis Antonio de Medeiros, que em 1991 viria a fundar a Força Sindical. 5 Optamos por utilizar a concepção de Santana (1999), para quem o termo “novo sindicalismo” pode ser caracterizado por práticas que indicariam uma novidade na história sindical, cujas principais bandeiras seriam a luta pela autonomia em relação ao estado e aos partidos, a organização voltada à base e o ímpeto reivindicativo direcionado para os interesses dos trabalhadores. Outra característica seria a crítica do sindicalismo de cúpula praticado no pré-64, sem bases, de gabinete, marcado por interesses políticos e distante da classe trabalhadora. Ver: Santana. Marco Aurélio. Política e História em disputa: O novo sindicalismo e a idéia de ruptura com o passado. In Rodrigues. Iram Jácome (org). O novo sindicalismo vinte anos depois. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 134. 13 ativistas leninistas e trotskistas que advogavam a luta pelo socialismo através de práticas que agudizassem o conflito social.6 Pode se afirmar que para os novos sindicalistas da CUT não se tratava apenas de criticar a estrutura sindical anterior e sua vinculação com o Estado. Buscava-se um caminho distinto na história da classe trabalhadora brasileira, e o rompimento com o sindicalismo do pré-64 impeliria a crítica dos dispositivos que impediam o sindicato oficial de bem representar as suas bases. Dentre eles podem ser citados a contribuição sindical compulsória (que atrelava o sindicato ao governo e também ao patronato), a unicidade sindical irrestrita (que concedia ao sindicato uma espécie de “direito adquirido” para a representação da categoria), o Poder Normativo atribuído à Justiça do Trabalho (onde se destacava a cultura do dissídio coletivo), e o desinteresse pela sindicalização em massas e pela representação nos locais de trabalho. Havia, na verdade, um modelo de estrutura sindical corporativo em vigor no Brasil desde 1º de maio de 1943, data da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sob forma do Decreto Lei n° 5.452. Para SANTOS7 o modelo sindical corporativo de estrutura sindical8 teria por base o atrelamento do 6 Sória Silva, Sidharta. Reforma sindical, CUT e neocorporativismo. Dissertação de Mestrado, UNESP, FFCH, 2005, p. 78. 7 Santos, Sergio Tadeu Rodrigues dos. O “NOVO” NO NOVO SINDICALISMO? O (atual) debate sobre organização sindical no sindicalismo-CUT Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro, UERJ, 2002, pp. 21-22. 8 Há que se reconhecer – como fez Santos - que o conceito de corporativismo pode admitir vários significados. Considerou ele, no entanto, a definição de Maria Hermínia Tavarez de Almeida, para quem se trata de “um sistema de intermediação de interesses no qual as unidades constitutivas são organizadas em um número limitado de categorias singulares, de pertencimento compulsório, não competitivas, ordenadas hierarquicamente e diferenciadas funcionalmente e que são reconhecidas ou autorizadas (quando não criadas pelo Estado que lhes confere monopólio de representação de suas respectivas categorias) em troca da observância de algum controle na seleção das lideranças e na articulação de apoios e demandas.” In, Crise Econômica e Interesses Organizados, São Paulo: Edusp, 1996, pp.133 e 134 14 movimento sindical ao Estado e, grosso modo, possuiria, além das já citadas características acima, outras importantes, como: • uma estrutura rigidamente vertical, em que a cada setor da produção corresponde uma organização uniforme para patrões e trabalhadores, hierarquizada em três instâncias: sindicatos, federações e confederações; • a conciliação dos interesses de classes, assegurada através de inúmeros instrumentos e pela definição do sindicato como instituição mista de direito público e privado; • a existência e o funcionamento dos sindicatos sob dependência do reconhecimento e da autorização do Estado, que mantém forte controle através da autorização para seu reconhecimento e enquadramento prévios, além da exigência de um estatuto padrão para todos os sindicatos; • ingerência do Estado na vida administrativa e financeira do sindicato; possibilidade de intervenção do Poder Executivo no sindicato; • o assistencialismo9 como elemento fundamental da prática sindical. A crítica cutista reconheceria o lócus do embate entre capital e trabalho no próprio chão de fábrica. E foi justamente à partir da organização dos trabalhadores nos locais de trabalho que emergiram vários líderes do “novo sindicalismo”, muitos dos quais lideranças natas, que por não terem ligações mais 9 Aqui consideramos que a prática assistencialista esta diretamente ligada à concepção do sindicato como órgão de colaboração de classes cujo objetivo é a harmonia social que está presente na estrutura sindical corporativa, com esta finalidade. 15 estreitas com as organizações políticas de esquerda do período populistas (monitoradas pelo Ministério do Trabalho e pelos aparelhos repressivos), facilitaram a ascensão de uma nova prática sindical.10 Um dos dados que permite corroborar a tese da ascensão desse movimento sindical, tido como combativo no decorrer dos anos 80, seria o aumento do número de greves verificados entre 1981 e 1989, como demonstra o gráfico seguinte. Gráfico 1 – Número de greves (1981-1989) 1981 1983 1987 1989 150 393 927 2188 3943 1985 Fonte: Noronha (1994) Todavia, já no início de sua trajetória política, a CUT daria sinais de fissura entre o discurso adotado desde sua fundação e a prática levada a cabo no plano concreto.11 Ambiguidades marcantes seriam notadas no discurso cutista logo em seu início, como bem demonstra declaração de Jacó Bittar em 1984, à época Vice- 10 Francisco Weffort, ao levantar uma questão nova (até então) no estudo do movimento sindical brasileiro pós-64, à partir da análise das greves de Osasco e Contagem ressaltou a ausência do caráter cupulista de tais movimentos, os quais foram atribuídos a organização de base dos trabalhadores. Para maiores detalhes ver: Participação e conflito industrial: Contagem e Osaco 1968. São Paulo, Cebrap, 1962. 11 A fissura no interior da CUT decorreria, também, de uma disputa travada entre partidários do então recém fundado Partido dos Trabalhadores (PT) e de membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que até 1964 possuia a hegemonia – agora perdida - do movimento sindical brasileiro. Ver, nesse sentido, SANTANA, Marco Aurélio, Homens Partidos: comunistas e sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001, pp. 214 e 215 16 Presidente do Partido dos Trabalhadores, em comentário acerca da preservação de elementos da estrutura sindical oficial. Para ele, Há maneiras de preservar o sindicato único se assim for a vontade dos sindicalistas. É só debater a matéria, com o intuito de fornecer subsídios a uma nova legislação, que poderia prever, por exemplo, que o sindicato só teria validade legal – do ponto de vista jurídico – se tivesse o apoio, a filiação de 50% de sua categoria. (...) Também concordo que a extinção pura e simples do imposto sindical pode trazer problemas a alguns sindicatos. A questão é que não existe liberdade sindical com o controle econômico pelo Estado. O que se pode fazer agora é criar um dispositivo legal que torne a contribuição compulsória aos sindicatos, exclusivamente, retirando a parcela que hoje é enviada ao Estado.12 A preservação do sindicato único – e do modelo de unicidade sindical que perdurava desde o Governo de Getúlio Vargas - apareceria no discurso cutista em evidente contradição com as disposições estatutárias da central, principalmente por “desmontar” a idéia de defesa da liberdade sindical ampla e irrestrita, livre das amarras do Estado. A CUT passaria a aceitar até mesmo a manutenção da contribuição sindical obrigatória, o chamado imposto sindical, duramente combatido pelas principais lideranças que participaram de sua fundação. Para alguns pesquisadores, como Santana (1999), (...) no que diz respeito à contribuição sindical, (...) que deveria ser combatida sem tréguas, acabou [ela] por ser tratada de forma dúbia pelos “novos sindicalistas”, que, ao se tornarem “status quo” no meio sindical, passaram a 12 Declaração de Jacó Bittar ao jornal Folha de São Paulo, edição de 9 de dezembro de 1984. 17 indicar as dificuldades para sua extinção imediata.13 No plano da estrutura sindical propriamente dita após a Constituição de 1988 tal questão passaria por forte debate no seio da CUT. Havia um evidente antagonismo entre as disposições contidas na Convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho14 – defendida pela CUT desde a sua fundação - e as regras que revogaram apenas parte das disposições anteriores, agora trazidas pela Constituição Federal e que mantinham a maior parte da estrutura sindical corporativa em vigor.15 No entanto, a CUT aumentaria o pragmatismo de seu discurso em relação à negação das regras – e da estrutura sindical - então vigentes. Tal contradição, na verdade, se evidenciaria desde os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, quando a CUT e outras entidades populares elaboraram uma proposta de emenda popular relativa à liberdade e autonomia sindical. A proposta, cujos eixos eram autonomia perante o Estado, direito amplo de greve, livre organização nos locais de trabalho e direito à negociação coletiva, acabou sendo derrotada devido ao pouco empenho de seus ativistas.16 Aliás, no dia em que fora 13 Santana, Marco Aurélio. Op. Cit., p. 150. 14 Que institui o modelo de pluralismo e liberdade sindical amplos. 15 O que a Constituição de 1988 fez foi somente garantir a autonomia dos sindicatos frente ao Estado no que tange à organização e gestão sindical, e ainda assim mantendo-se a necessidade de Registro Sindical pela autoridade do Ministério do Trabalho, documento indispensável para que o sindicato obtenha sua investidura, legitimando-se como o representante “oficial” da categoria. Portanto, a Constituição foi antagônica ao garantir a liberdade de associação, e ao mesmo tempo restringir a criação de sindicatos, subsumindo a primeira ao princípio da unicidade, ou seja, um único sindicato em cada base territorial, cujo limite mínimo seria um município. 16 Santos, Sergio Tadeu Rodrigues dos. O “NOVO” NO NOVO SINDICALISMO? O (atual) debate sobre organização sindical no sindicalismo-CUT, Dissertação de Mestrado, UERJ, Rio de Janeiro, 2002, p. 24. 18 votada e aprovada a unicidade sindical, não se achavam presentes no plenário mais do que quinze sindicalistas da CUT.17 Se de início a CUT tenha resolvido se organizar por dentro da estrutura oficial para depois alterá-la, após a Constituição de 1988 desaparece a pretensão de modificar, significativamente, o núcleo essencial das regras anteriores,18 seja no que se refere a adoção da liberdade sindical ampla, nos moldes da já citada Convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho, seja, também, em relação à manutenção do imposto sindical obrigatório. À partir de então a CUT adaptaria sua própria estrutura àquela contida na Constituição Federal de 1988, e passaria a denunciar componentes da estrutura corporativista apenas parcialmente, como na proposta de contratação coletiva sem submissão da tutela da Justiça do Trabalho, quando seria denunciado o Poder Normativo desta última.19 É o que se extrai do texto aprovado no 4º CONCUT, em 1991, onde pode ser lido que a luta pela implantação do contrato coletivo deve ser concomitante a uma campanha pela revogação dos obstáculos legislativos, inclusive de ordem constitucional (como a da atual competência da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos entre o capital e o trabalho), que bloqueiam a plena liberdade sindical. 17 Ver Boito Jr, Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise crítica da estrutura sindical. Campinas, Hucitec, 1991, p. 154. 18 A mudança não apenas do discurso, mas também da prática sindical cutista se daria à partir do seu 3º Congresso (III CONCUT), quando se iniciou o processo de burocratização e verticalização da Central. Por conseqüência de tais mudanças a crítica do “novo sindicalismo” em relação à estrutura sindical foi sendo relativizada. Ver: RODRIGUES, Iram Jácome. Sindicalismo e política: a trajetória da CUT. São Paulo: Scritta, 1997, p. 118. 19 Por Poder Normativo entende-se a atribuição constitucional conferida à Justiça do Trabalho para, sempre que empregados e patrões não cheguem a um consenso na negociação coletiva, possa ela estabelecer direitos normativos aplicáveis no âmbito de representação de cada categoria. 19 A CUT, muito embora advogasse a retirada do Estado das negociações coletivas, deixaria clara sua opção pela ideologia da legalidade sindica20 ao permanecer cega frente ao componente essencial desta estrutura, base de integração do sindicato ao Estado, ou seja, o poder outorgado de representação.21 A central dava os primeiros sinais claros de que teria abandonado a bandeira da autonomia sindical plena frente ao Estado, e o início da década de 1990 iria demonstrar que outras bandeiras igualmente históricas também seriam deixadas de lado. Para Alves (2000), ao sofrer o impacto da opção por uma prática menos conflitiva na relação capital-trabalho, desvinculando-se do processo de contestação da lógica do capital no campo da produção, a CUT perderia sua dimensão antagônica, única forma capaz de impulsionar o desenvolvimento da consciência de classe.22 Foi o que se viu entre a fundação da CUT, em 1983, e o início da década dos anos 90, quando ocorreu uma significativa alteração no que toca a ação sindical propriamente dita, e por consequência no plano das alterações da estrutura sindical vigente. O sindicalismo combativo, classista, perderia espaço para um modelo mais defensivo. O discurso de Jair Menegueli, então presidente da CUT, bem evidencia 20 Foi Armando Boito Jr, aliás, quem cunhou o termo ideologia da legalidade sindical. Para ele ela se caracteriza pela submissão voluntária ao conjunto de normas jurídicas que regulamentam a organização e as formas de ação sindical no Brasil. (...) É a submissão voluntária e estrita à norma jurídica segundo a qual cabe ao Estado estabelecer qual organização pode representar sindicalmente os trabalhadores, isto é, o apego ao estatuto do monopólio legal da representação sindical que cabe ao sindicato oficial Op. Cit., p. 65. 21 Boito Jr, Armando. Op. Cit., p. 155. Na verdade significaria a ingerência do Estado na livre organização sindical através da concessão, por este, do registro sindical. 22 Alves. Giovanni. O novo e precário mundo do trabalho – Reestruturação produtiva e crise do sindicalismo, São Paulo, Boitempo, 2000, p. 13. 20 a importância conferida pela Central ao defender uma estratégia que combinasse a prática defensiva/reivindicativa com uma política propositiva no âmbito das relações capital/trabalho e entre Estado e sociedade. Dizia ele: a formulação [das estratégias] passa, por sua vez, pela valorização da democracia, que deve se concretizar na modernização das relações de trabalho e na redefinição das relações políticas entre os vários agentes sociais. Ao contrário de significar a negação das desigualdades, a aposta na democracia implica reconhecer e explicitar, pela via da negociação ou do confronto propositivo, a existência das contradições sociais.23 A defesa da prática propositiva pela central se amparava na necessidade de se moldar as relações políticas entre as classes antagônicas que compõem a sociedade não mais no campo da luta de classes propriamente dita, mas sim através da colaboração entre elas. Desprezaria-se o elemento segundo o qual visões reformistas, ainda hegemônicas no sindicalismo mundial, irão mostrar-se sempre impotentes diante das configurações que o capital, sobretudo em épocas de crise, pode apresentar. Não é nossa intenção, com isso, dizer que para a CUT a luta de classes tenha chegado ao fim. Houve, sim, uma nova configuração do sistema onde se enfrentariam capital e trabalho, e exatamente ao deixar de fazer a crítica da estrutura sindical oficial, preferindo aceitá-la ainda que defendendo uma prática sindical pragmática, temos certo que a CUT acabou por aceitar as regras do jogo impostas pelo sistema (re)produtor de mercadorias. 23 In, O futuro do sindicalismo – CUT, Força Sindical, CGT. Velloso, João Paulo dos Reis et al (org).São Paulo, Nobel 1992, p. 71. 21 Há que se lembrar, aliás, que nem mesmo o mais nefasto dos efeitos que a crise contemporânea do mundo do trabalho logrou reproduzir – o desemprego em massa, fruto da diminuição cada vez maior do trabalho vivo em detrimento do incremento desmedido do trabalho morto - que pôs em xeque o movimento sindical e as suas principais lideranças, foi capaz de avalizar o tão propalado “fim da luta de classes”. Se por um lado não se consumou a previsão, vinda do campo do capital, de que sindicatos tenderiam a desaparecer, por outro lado eles próprios mostraram seus limites no plano da práxis sindical. Foi o que se viu – e ainda hoje se vê - com a realização de greves cada vez mais confinadas aos limites institucionais da ordem burguesa e à aceitação do “tripartismo” ou “conciliação de classes” como saída para uma recuperação de forças.24 No Brasil, vários foram os fatores que contribuíram para essa guinada: as inovações tecnológicas, responsáveis pela substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto,25 constituindo-se num dos principais fatores responsáveis pelo aumento direto das taxas de desemprego; inovações técnico-organizacionais na produção, com o aumento da terceirização e a fragmentação da classe trabalhadora, dificultando sua organização e sua unidade como classe; a reestruturação produtiva levada a cabo pelo capital após as crises de lucratividade, etc. 24 Ver, a respeito: Santos, Ariovaldo. Trabalho e Globalização: A crise do sindicalismo propositivo. Projeto Editorial Práxis, São Paulo: 2001, p. 9. 25 Esta diminuição encerra um outro fenômeno: o da precarização do trabalho. Para Antunes (2002) “Como o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de [produão] de mercadorias, sejam elas materiais ou imateriais, ele deve, além de incrementar sem limites o trabalho morto corporificado no maquinário técnico-científico, aumentar a produtividade do trabalho de modo a intensificar as formas de extração do sobretrabalho em tempo cada vez mais reduzido.” In, Antunes, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Editora Cortez, São Paulo, 2002, p. 160. 22 A limitação desta estratégia sindical é dada também pelo decréscimo do número de trabalhadores sindicalizados, que segundo dados do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (CESIT), no Brasil, caiu de 32% na década de 1980 para 21% na década de 1990.26 Outro indicador da ação defensiva do sindicalismo estaria na análise do número e do conteúdo das negociações coletivas. Pochmann (1996)27 observou que os anos 80 e parte dos anos 90 foram caracterizados pelo alto número de negociações coletivas, como demonstra a tabela adiante: As mesmas conclusões foram oferecidas pela Pesquisa Sindical realizada pelo IBGE. A pesquisa mostra que, em 2001, do total de sindicatos de trabalhadores e empregadores, 51% realizaram negociações coletivas. Em 1991, esse percentual foi de 53%. No setor urbano, 72% dos sindicatos de empregados e 68% dos sindicatos de empregadores realizaram negociações coletivas, enquanto no setor rural, em 26 idem. 27 Pochmann, Marcio. Mudança e continuidade na organização sindical brasileira. In, Crise e Trabalho no Brasil – Modernidade ou volta ao passado? Matoso, J.E. e Oliveira, C. A B. (orgs), São Paulo, Scritta, 1996, pp. 269-297. 23 virtude da proporção relevante de pequenos proprietários, isso aconteceu em apenas 22% dos sindicatos de empregadores e 23% dos sindicatos de empregados.28 No entanto, se os anos 80 (e parte dos anos 90) marcaram avanços na trajetória das entidades sindicais como instituições relevantes no modo de regulação da economia, o mesmo já não ocorre nos anos 90, onde apesar de haver a ampliação da liberdade e da autonomia sindical pela Constituição de 1988, houve uma diminuição ou estagnação das cláusulas negociadas.29 Percebe-se, assim que os sindicatos estão cada vez mais distantes de suas respectivas bases, muito embora o cariz assumido pelas lideranças sindicais vise, em última instância, manter um nível de emprego e preservar a categoria profissional. É o que se percebe ao analisarmos os dados contidos no gráfico que segue adiante. Gráfico 2: Massa de sindicalizados urbanos segundo a PEA 22% 23% 23% 24% 24% 25% 25% 26% 1990 2001 Fonte:Pesquisa Sindical 2001 - IBGE Há que se considerar, também, o fato de que o movimento sindical passou a conceber a dinâmica do sistema capitalista como uma grande estrutura 28 Fonte: Pesquisa Sindical 2001 – IBGE. 29 Exemplo paradigmático é a categoria dos petroleiros, que voltou a ter, em 1994, um acordo coletivo de trabalho com menos cláusulas do que tinha em 1979. Outro exemplo emblemático pode ser dado pela dificuldade de se negociarem mecanismos que visem atenuar o desequilíbrio entre as partes nas relações trabalhistas, sendo praticamente ausentes cláusulas que se reportem à organização dos trabalhadores no local de trabalho e ao acesso dos sindicatos às informações das empresas. Para maiores informações ver: A situação do trabalho no Brasil. São Paulo: Dieese, 2001. 24 finalizada, algo como um ambiente distante do alcance e da intervenção política dos trabalhadores.30 O afastamento do movimento sindical desta dinâmica acabou por torná-lo refém das estratégias de “cooperação conflitiva”, subsumindo-o à mero parceiro na busca de soluções criativas e inovadoras no enfrentamento das questões postas pelo capital, principalmente quando ele se encontrar em crise. Foi o que, efetivamente, ocorreu no interior da Central Única dos Trabalhadores. A CUT, no campo da estrutura sindical, institui um projeto de médio e longo prazo, e de maneira aberta passa a defender a instituição de um modelo de sindicato orgânico, ou seja, sindicatos constituídos através de fusão e submetidos ao controle da cúpula das centrais sindicais, organizados segundo ramos de atividades econômicas previamente estabelecidos, e cuja delegação do poder negocial – exatamante às centrais sindicais, que seriam responsáveis por firmar contatos coletivos nacionais – visaria, no fundo, superar o modelo estatal de leis do trabalho em prol do entendimento direto entre capital e trabalho baseado na negociação coletiva. Com isso, deixou de apostar na tese da organização dos trabalhadores pela base, passando a centrar esforços num tipo novo de organização sindical, centralizado na (e pela) cúpula, aprofundando sua política de cooperação conflitiva e mais uma vez deixando a classe trabalhadora longe das grandes questões postas pelo capital e alheias à busca de sua emancipação. 30 A crítica é feita com veemência na pesquisa de Sidharta Soria e Silva, op. cit. p. 99. 25 É o que se dessume à partir da análise das discussões ocorridas no seio da Central no que toca à necessidade de se procederem alterações na estrutura sindical brasileira, como adiante se verá. Os governos neoliberais: as posições da CUT e as tentativas de alteração da estrutura sindical* É de nosso interesse fazer algumas observações sobre a práxis sindical e as tentativas de modificação da estrutura sindical brasileira patrocinadas pelos diversos governos que se seguiram à partir da década de 1990. Para tanto, optamos por fazer um recorte que abrangesse desde o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), até o último mandato de Fernando Henrique Cardoso como Presidente da República. O Governo de Fernando Collor de Melo De início pode ser dito que a reflexão sobre a reforma da estrutura sindical ganhou ímpeto no governo de Fernando Collor de Melo (1990-1992), cuja retórica modernizadora atingiu diretamente o movimento sindical e o colocou numa posição claramente defensiva.31 As principais diretrizes políticas foram dadas pelo chamado “Plano Collor I”, posto em prática em março de 1990, e seriam: a abertura da economia * Grande parte das citações aqui feitas tem como fonte estudo realizado por José Francisco Siqueira Neto e Marco Antonio de Oliveira. Ver: Contrato coletivo de trabalho: possibilidades e obstáculos à democratização das relações de trabalho no Brasil, in Crise e trabalho no Brasil – Modernidade ou volta ao passado, Oliveira, Carlos Alonso, Mattoso, Jorge Eduardo Levi (orgs), São Paulo, Scritta, 1996, pp. 303-323. 31 Para Boito Jr, a eleição de Fernando Collor e de um projeto liberal conservador pode ser entendida como um marco na atuação política da CUT. Para maiores informações , ver Boito Jr, Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo, Xamã, 1999. 26 brasileira com a redução das alíquotas de importações; a redução do quadro de funcionários públicos com a imediata colocação de cerca de 40.000 funcionários em disponibilidade; a privatização de empresas estatais, instituindo mais tarde, através da lei n. 8.031 de 12 e abril de 1990, o Programa Nacional de Desestatização; a desindexação da economia; o congelamento de preços e salários e o confisco de ativos financeiros. A desindexação econômica – que mais diretamente atingiu os preços e salários - foi tomada como um progresso no campo das negociações salariais sob o pretexto de que patrões e empregados estariam livres das barreiras impostas pelo Estado brasileiro.32 O conjunto dessas medidas conferiu o caráter neoliberal à política governamental do Governo Collor, e no campo sindical representou um dos maiores ataques aos interesses dos trabalhadores, especialmente do funcionalismo público, que representava o principal setor nas estatísticas de greves.33 A CUT denunciaria os efeitos da intenção modernizadora levada a cabo pelo Governo Collor sobretudo durante seu 4º Congresso. O texto aprovado no 4º Concut assinalava o seguinte: A Central Única dos Trabalhadores convoca o movimento sindical e conclama os movimentos populares e o povo em geral para uma campanha nacional de luta contra as medidas econômicas recessivas e de arrocho salarial autoritariamente impostas pelo governo Collor. 32 Para maiores detalhes ver: Alves, Giovanni. Trabalho e sindicalismo no Brasil: Um balanço crítico da “década neoliberal” (1990-2000), Revista de Sociologia Política, Curitiba, nov-2002, p. 73. 33 Durante os anos 80, se o número de greves foi maior no setor privado, o volume de jornadas não trabalhadas mostra que as paralisações dos servidores públicos foram mais “longas e abrangentes” nesse período. Conforme Noronha, para o setor público suas ‘poucas’ greves foram responsáveis por mais de 70% das jornadas não trabalhadas. Ver NORONHA, Eduardo Garuti. Greves na transição brasileira. Campinas, Dissertação de Mestrado em Ciência Política, Unicamp, 1992, p. 53. 27 Avançando na política de privatização e desmonte do Estado, mais de 200 mil servidores públicos foram demitidos ou colocados em disponibilidade, cortes violentos foram realizados nas verbas destinadas a setores essenciais, acarretando a degradação dos já precários serviços de saúde, educação, energia, transporte, comunicações, abastecimento e saneamento. No entanto, mesmo com um forte discurso de oposição, a vitória de Collor nas eleições de 90 marcaria uma reciclagem das tradicionais práticas da CUT, no sentido de partir para uma intervenção mais qualitativa em suas relações com o Estado, o patronato e a sociedade civil brasileira.34 Foi o que se viu pelo plano de ação apresentado à Plenária Nacional da CUT em agosto de 1990 pela Articulação Sindical, advogando uma prática participativa. No referido documento pode ser lido que [a CUT] deve criar um novo patamar de ação sindical que permita enfrentar um novo período da luta de classes no país, combinando a resistência à política neoliberal com a construção de alternativas a esse projeto que sejam hegemônicas no campo popular e que criem condições para uma disputa global com os setores conservadores, no plano da ação direta e da ação institucional; a CUT deve (...) buscar a articulação de vários setores da sociedade civil para a construção de um projeto alternativo de desenvolvimento, baseado na distribuição da renda e na justiça social, procurando responder às questões relativas a: papel do Estado - organização, estruturação e relacionamento com a sociedade; política de desenvolvimento econômico (industrial, agrícola, financeira, 34 A derrota de Lula nas eleições de 1989 seria considerada como o marco das alterações nas estratégias política e sindical, inaugurando um modelo propositvo que à partir daí iria caracterizar o sindicalismo cutista. 28 tecnológica políticas sociais (salário, emprego, habitação, saúde, transporte, abastecimento); gestão democrática da sociedade." Isto significou que a crítica da Central não impediu uma maior participação nas discussões a nível de governo, com a presença ativa em pactos sociais. Nesse sentido a necessidade de buscar a articulação de setores da sociedade civil tinha como mote, nos moldes propostos, a criação de um lócus para que fossem discutidos temas diversos que diziam respeito aos trabalhadores, sem, contudo, partir de qualquer pressuposto que pudesse orientar a discussão sobre os limites que a estratégia do participionismo pudesse evidenciar.35 Autores como Boito Jr chegaram a asseverar que algumas das idéias da CUT aproximavam-se perigosamente das teorias liberalizantes, como na proposta do contrato coletivo de trabalho, a qual elegia a primazia do livre contrato sobre os direitos sociais.36 Por certo que a mudança da orientação cutista não se daria sem uma forte crítica dos próprios quadros internos da Central, e tal práxis seria duramente criticada em texto assinado por Renato Simões e Durval de Carvalho, à época assessor e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, buscando tentar reverter o processo em curso. Diziam eles: reverter este processo, tarefa central do 4º Concut, coloca no centro do debate político- sindical a questão da democracia no interior da CUT, do combate aos vícios da estrutura sindical oficial reproduzidos na central, da criação de mecanismos de participação das 35 Para maiores informações ver: Pacto Social, de Collor a Itamar. Edição do Centro de Pesquisa Vergueiro, São Paulo, 1995. 36 Op. Cit. p. 58. O autor embasa sua assertiva no fato de que num modelo de negociação livre apenas os sindicatos mais organizados teriam espaço e força política a fim de lograrem êxito em suas reivindicações, ao passo que a grande maioria dos sindicatos, geralmente com pouco força política, seriam seriamente prejudicados. 29 bases na direção dos sindicatos e da CUT, do enraizamento do movimento sindical nos locais de trabalho e do controle coletivo dos aparelhos de ação sindical pelos órgãos de direção democraticamente constituídos.37 No plano legislativo pode-se afirmar que o Governo Collor foi, sem dúvida alguma, um dos principais interessados na alteração da estrutura sindical brasileira. Por reiteradas vezes encaminhou ao Congresso Nacional projetos de lei com a nítida intenção de promover o controle dos sindicatos, pulverizar as negociações coletivas exclusivamente por locais de trabalho e, em conseqüência, as representações de trabalhadores, as organizações sindicais e, por fim, as próprias negociações coletivas. De início enviou o projeto de lei 821/91, que mais tarde seria desmembrado em outros dois, os projetos de lei 1.231/91 e 1.232/91. O quadro abaixo apresenta as principais proposições de tais PL´s: O Presidente Collor criaria, ainda durante seu mandato, a Comissão de Modernização da Legislação do Trabalho, que resgataria a feição desregulamentadora dos PL´s 1.231 e 1.232/91 ao concluir seus trabalhos, mesmo 37 O artigo conjunto, publicado no número 13, da Revista Teoria e Debate – jan/fev/mar/1991, tinha como título “Centralismo democrático – Com os pés no chão” e se constituía no áspera crítica em relação aos rumos da CUT durante o Governo Collor de Melo. Registro sindical Conferido ao Ministério do Nada disse a respeito. Trabalho. Custeio sindical Interferência patronal na Fixação pela assembléia e de - questões dos recolhimentos das terminação de desconto em folha contribuições devidas. Contrato Coletivo Sobreposição aos contratos Preponderância da lei e garantia individuais. de norma mais favorável em caso de concorrência entre instrumentos coletivos Quadro 1 - Descrição dos PL´s 821/91, 1231/91 e 1232/91 821/91 1231 e 1232/91 30 após o impeachment de Collor e já tendo a frente o novo Ministro do Trabalho, Walter Barelli. As conclusões, absorvidas pelos projetos de lei 3.747 e 3.748, de 1993, acabariam sendo esquecidas em razão de novas circunstâncias políticas, mas deixariam o campo aberto para novas formulações legislativas no governo seguinte. O governo Itamar Franco Com a saída de Collor assumiu seu vice, Itamar Franco. No governo Itamar, o então ministro do Trabalho Walter Barelli foi encarregado de aprofundas o debate iniciado junto à Comissão de Modernização da Legislação do Trabalho, criando o Fórum Nacional de Debates sobre o Contrato Coletivo e Relações de Trabalho.38 As reuniões do fórum foram realizadas entre setembro e dezembro de 1993, através de discussões públicas que eram transmitidas ao vivo para 55 auditórios espalhados pelo país e por antena parabólica, calculando-se um total de 3 mil pessoas envolvidas. A escolha dos seus integrantes se daria por uma divisão eqüânime entre trabalhadores, empregadores e governo, com 11 representantes de cada bancada, sendo que a do governo também abrigava representantes da sociedade civil. O resultado das discussões ficou editado num livro e suas propostas ficaram para ser implementadas na Conferência Nacional do Trabalho que seria realizada em março de 1994.39 38 Neto, José Francisco Siqueira, e Oliveira, Marco Antonio de. Contrato coletivo de trabalho: possibilidades e obstáculos à democratização das relações de trabalho no Brasil, in Crise e trabalho no Brasil – Modernidade ou volta ao passado, Oliveira, Carlos Alonso, Mattoso, Jorge Eduardo Levi (orgs), São Paulo, Scritta, 1996, pp. 303-323. 39 No entanto, na mesma data a CUT resolveu patrocinar uma greve geral contra o então instituído 31 A CUT participaria ativamente – aprofundando sua prática colaboracionista, das disucussões que se deram durante o fórum. A posição da CUT era a de defesa de uma “Reforma Global do Sistema de Relações do Trabalho”. Juntamente com a Força Sindical, o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e o Sindicato Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (SINFAVEA), a central defendeu: • o rompimento com o sistema corporativista ainda em vigor; • a adoção de um sistema democrático de relações do trabalho baseado num regime de liberdade e direitos coletivos; • uma legislação de incentivo e sustento à livre organização e à contratação coletiva; • a garantia de direitos trabalhistas básicos. Na verdade, a composição do fórum foi muito mais ampla, havendo uma divisão entre os que pretendiam uma “desregulamentação total do sistema de relações do trabalho” (aí incluídas a FIESP, a CNI e a FENABAN), os que pretendiam uma “reforma pontual” no mesmo (como a CONTAG, as duas CGT´s, a CNTI e a CNTC), além daqueles que, como a CUT, pretendiam uma “reforma global”. De qualquer forma, tanto a CUT como a Força Sindical, a ANFAVEA e o PNBE defendiam o fim da unicidade sindical, o contrato coletivo de trabalho permanente, com o fim do Poder Normativo da Justiça do Trabalho e a adoção de Plano Real, o que contribuiu para o pouco sucesso da aludida conferência. 32 fórmulas extra-judiciais de composição de conflitos individuais e coletivos de trabalho.40 No entanto algumas razões podem explicar a pouca efetividade do fórum de 1993: o caráter liberal do “contrato coletivo de trabalho”, que não batia com a base legalista e intervencionista da legislação brasileira; a prevalência do negociado sobre o legislado como essência do “contrato coletivo”, e o forte ataque que o contrato estava sofrendo em países como a Itália e os Estados Unidos por conta da alta informalidade, bem como na Alemanha, pela recusa do contrato nacional.41 Ainda assim, a disposição da CUT em fazer parte de pactos e negociações amplas se manteria firme, como evidenciaria mais uma vez a tese que norteou sua 6ª Plenária. Para a Central, (...) o agravamento da crise, proporcionado pelos altos índices inflacionários, e a pressão exercida pela CUT e por seus sindicatos sobre parlamentares fizeram com que a Câmara dos Deputados votasse favoravelmente ao projeto que reajustava os salários mensalmente em 100% da inflação verificada. O governo, obrigado a ceder, aceitou negociar com a CUT propostas que pudessem tirar o país da crise. Nessa ocasião a CUT apresentou propostas contundentes de como e onde poderia ser possível arrecadar fundos, reajustar salários e combater a sonegação. No entanto, o governo preferiu ficar do lado dos sonegadores, vetar o “mensal 100%” e desprezar as propostas da CUT, que em seguida ao veto do governo se retirou das negociações. Os delegados à Plenária, ao analisarem essas negociações, reafirmaram a luta pela retomada do desenvolvimento econômico com distribuição de renda, dizendo não às políticas econômicas do 40 Ibidem. 41 Idem. Um dos principais indicadores de que sequer os contratos coletivos gozariam de ampla segurança jurídica foi exatamente a intenção de romper com tais pactos demonstrada em vários países, como na Alemanha e na França. Ver, adiante, o capítulo III desta obra. 33 governo Itamar. O Governo Itamar Franco acabaria sem consolidar qualquer alteração significativa na estrutura sindical, o que não impediu que a estratégia participativa fosse a marca do sindicalismo-CUT., mantendo-se um processo de franco arraigamento de um modelo calcado na idéia do diálogo em detrimento do confronto direto com o patronato. O governo Fernando Henrique Cardoso Impulsionado pelo sucesso do Plano Real, o então Ministro da Fazenda de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, se candidata para concorrer à presidência e se elege em 1994, permanecendo à frente do governo até 2002, por dois mandatos consecutivos. Os oito anos de Governo Fernando Henrique Cardoso devem ser lembrados como uma etapa de destruição da economia nacional e do trabalho. FHC impôs ao movimento sindical árduas derrotas, como a repressão do Exército à greve dos Petroleiros em 1995, quando o Tribunal Superior do Trabalho considerou a paralisação ilegal e aplicou uma multa aos sindicatos que superou a cifra de um milhão de reais. 42 O Plano Real, ao pretender frear a inflação, foi o responsável pela estagnação econômica e pela queda na renda real dos trabalhadores, principalmente pela explosão do fenômeno do desemprego, que já não mais se 42 O sindicato recorreu a Organização Internacional do Trabalho, que acatou os fundamentos apresentados e reconheceu que tal decisão violou direitos sindicais previstos em tratados internacionais firmados pelo Governo Brasileiro, que sucumbiu na tentativa de quebrar financeiramente o movimento dos petroleiros. 34 concentraria nos trabalhadores de baixa qualificação e escolaridade, como se vê no gráfico seguinte, comparando três períodos distintos do Governo FHC. Gráfico III – Número de desempregados em relação à PEA (em milhões) 1994 1998 2000 4,5 7 11,5 Fonte: IBGE. No campo do trabalho o governo acenava com o Projeto de Lei que pretendia alterar o artigo 618, da CLT, sobrepondo aquilo que fosse negociado aos direitos trabalhistas previstos em lei. Tentou aprovar, ainda, a PEC (Proposta de Emenda a Constituição) 623/98, que visava instituir o sindicato por empresa, revogando o artigo 8º, da Constituição Federal e indo mais além do que a Convenção 87, da OIT. Os sindicatos se viram fortemente atacados, e a marca flexibilizadora do Governo FHC ficaria mais patente ainda nas seguintes iniciativas: edição da Portaria 865, do Ministério do Trabalho, que impediu a autuação das empresas por desrespeito às convenções e acordos trabalhistas; edição do Decreto 2100/96, denunciando a Convenção 158, da OIT, retirando do direito brasileiro a norma internacional que proibia as dispensas imotivadas; edição da MP 1539, posteriormente convertida na lei 10.101, que instituiu a participação nos lucros e resultados (PLR), um meio eficaz de flexibilização salarial, e ainda permitiu o trabalho dos comerciários aos domingos; aprovou a lei 9601/98, instituidora do 35 contrato por tempo determinado, além de criar a figura do Banco de Horas; editou a MP 1709, mais tarde renumerada para 1779 e 2168, instituindo o contrato a tempo parcial.43 O movimento sindical – e especialmente a CUT – mesmo denunciando o ataque à classe trabalhadora, não conseguiu estabelecer qualquer mecanismo que pudesse frear a onda flexibilizadora do período FHC. Diante de um precário mundo do trabalho, em parte agravado pela ação política de um governo nitidamente voltado aos interesses do capital, a consciência contingente dos trabalhadores acabaria por caracterizar-se pelo consentimento e pela acomodação.44 Na verdade, o aumento do desemprego e o incremento de um mercado de trabalho cada vez mais precarizado exigia do movimento sindical respostas enérgicas que não surgiram. Categorias de trabalhadores – como bancários e metalúrgicos – vanguardas da resistência sindical, tiveram perdas significativas de postos de trabalho durante o governo FHC. De 1989 a 1996, por exemplo, a categoria bancária foi reduzida em mais de 400 mil trabalhadores, como demonstra o gráfico seguinte: 43 Para maiores detalhes sobre o período do Governo FHC ver: Borges, Altamiro. Pochmann, Márcio. Era FHC - A regressão do trabalho.São Paulo, Anita Garibaldi, 2002. 44 Alves, Giovanni. Trabalho e sindicalismo no Brasil – Um balanço crítico da década neoliberal. In, Revista de Sociologia política, Curitiba, p. 82. 36 Gráfico 4 – Número de trabalhadores bancários 1989 81 10 00 2001 39 40 00 0 200000 400000 600000 800000 1000000 1 2 Fonte: ARAÚJO, CARTONI & JUSTO, 1999. Os sindicatos, de um modo geral, demonstraram suas dificuldades históricas de lidar com um mundo do trabalho cada vez mais precário, passando a apresentar tendências de um sindicalismo de novo tipo, permeado pela “síndrome do medo”, ou seja, o medo do desemprego que passaria a ser a principal preocupação para um amplo setor da mão-de-obra.45 O que se viu no período citado, portanto, foi uma drástica ofensiva do capital, capitaneada pelo implemento de sucessivas políticas de cunho neoliberal, ofensiva esta que permearia por toda a década de 1990 e que seria responsável pela manutenção e aprofundamento das estratégias de cooperação, de cariz defensivo, tomadas pelo movimento sindical, e particularmente pela Central Única dos Trabalhadores. Feitas essas breves considerações passamos agora a analisar a estratégia da CUT em propor, como forma de alterar a estrutura sindical vigente, a adoção do sindicalismo “orgânico”. 45 Alves, Giovanni. Op. Cit. pp. 71-94. 37 C A P Í T U L O II A PROPOSTA DA CUT: ESTRUTURA SINDICAL ORGÂNICA 38 As discussões sobre estrutura sindical no sindicalismo cutista Pode-se afirmar, sem receios, que a estratégia da CUT em relação às modificações da estrutura sindical brasileira se iniciou poucos anos após sua fundação, tendo atingido seu ápice à partir da eleição do Governo Lula, em 2002. A idéia de se constituir um modelo de sindicato orgânico, onde as entidades de base ficariam atreladas à Central sindical, e ainda delegariam sua prerrogativa de negociar acordos e convenções coletivas de trabalho em detrimento do contrato coletivo nacional, permeia toda a discussão cutista sobre as alterações na estrutura sindical. Uma primeira, e profunda modificação, seria a superação do conceito de “categoria profissional” como forma de enquadramento sindical. A idéia cutista, que de resto encontra particularidades em vários países europeus e mesmo nos EUA, seria a constituição de ramos de atividade econômica. Para a efetiva representação destes, de início deveriam ser criados departamentos correlatos (aos ramos de atividades econômicas previamente estabelecidos) e que funcionariam como verdadeiras instâncias da central sindical a que estivessem filiados, inclusive com total submissão estatutária.1 Tal pretensão, que pode ser atribuída à Central praticamente à partir da realização de seu 2º Congresso, em 1986, quando em meio a grande tumulto2, 1 Para maiores detalhes ver Santos, Sergio Tadeu Rodrigues dos. Ver. O “novo” no novo sindicalismo? O (atual) debate sobre organização sindical no sindicalismo-CUT, Dissertação de Mestrado, UERJ, Rio de Janeiro, 2002 2 À partir deste congresso a tendência majoritária – Articulação - começaria a imprimir à Central um estilo autoritário, hegemônico, provocando vários tensionamentos e polêmicas na CUT. Junto com isso passou a ser imprimido (sic) na Central um ritmo acelerado, no sentido da adoção de uma estrutura orgânica de forte influência européia. Ver: Santos, Sergio Tadeu Rodrigues dos. Op. Cit. p 93; GIANNOTTI, Vito e NETO, Sebastião Lopes. A CUT ontem e hoje. São Paulo: Vozes, 1991, p. 43. 39 seria aprovada a constituição da estrutura vertical cujas características principais teriam no ramo de atividade econômica a base da representação, através da criação de departamentos, nacional e estaduais, ganharia novo impulso à partir do 5º CONCUT. Realizado em 1994, foi aprovada neste Congresso uma emenda que propunha a abertura de um processo de discussão sobre a transformação ou não dos sindicatos filiados em sindicatos orgânicos à Central. 3 O texto base aprovado para a discussão no 6º Concut enumerava quais seriam as principais características do modelo de sindicato orgânico: a) um sindicato representativo de um dos ramos de atividade definidos pela CUT: b) um sindicato de massas, reunindo os trabalhadores do ramo em âmbito regional ou mesmo nacional, com uma forte estrutura local, de base, mas respeitando as tradições do sindicalismo; c) é um sindicato organizado como instância da Central, referenciado nas resoluções dos Congressos da CUT; d) é um sindicato com autonomia política; as assembléias de base ou instâncias representativas das bases são os órgãos de decisão do sindicato; e) são os trabalhadores sindicalizados que controlam o orçamento da entidade; f) o patrimônio próprio construído com recursos dos trabalhadores é de propriedade da categoria. Nesta estrutura orgânica, os sindicatos continuarão sendo a principal organização da categoria, nas suas lutas específicas e na implantação das políticas da Central, em sua base. No entanto, a CUT deve fazer o enfrentamento, defendendo os interesses de todas as categorias, contribuindo nos processos de negociação e ajudando a implementar o Contrato Coletivo de Trabalho. 4 3 Ver: CUT. IV Congresso Nacional da CUT (IV CONCUT). São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 1994. 4 Ver: CUT. VI Congresso Nacional da CUT (VI CONCUT). São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 1997. 40 Os termos utilizados no texto-base já evidenciariam contradições e ambigüidades marcantes, como a criação de sindicatos supra-regionais onde fossem preservadas as tradições sindicais locais, ou ainda quando se propõe autonomia política e ao mesmo tempo a submissão às decisões da própria Central, por meio de suas instâncias organizativas (departamentos). É possível notar que a opção pela organização vertical, que teria (como já dito antes) a superação do conceito de categoria profissional e a organização de sindicatos por ramos (que seriam "definidos" pela própria CUT) como uma das molas propulsoras, vinha fulcrada no campo do discurso cutista de se superar a fragmentação existente no plano sindical brasileiro. Assim, logo de início foram definidos 7 "ramos" para os quais foram criados departamentos: agropecuário, industrial, comércio e serviços, inativos, serviços públicos, autônomos urbanos e profissionais liberais. Os departamentos seriam então concebidos como "órgãos dentro da CUT e sob a direção da CUT" com a tarefa de organizar a atuação dos cutistas em cada ramo, sendo o enquadramento das categorias através dos vários ramos feito exclusivamente pela CUT, prevalecendo a atividade econômica principal no caso de empresas com trabalhadores de diversos ramos. Na base da visão de organização vertical por departamento a CUT expressava, assim, uma estratégia de construção que dava um tratamento diferenciado ao sindicato oficial de base - a ser conquistado e transformado - e às 41 federações e confederações da estrutura oficial - com a organização de uma estrutura própria da Central.5 A partir da 9ª Plenária, a CUT indica para as instâncias verticais a meta da constituição de sindicatos por ramos de atividade com base mínima estadual em todos os Estados.6 Novamente o discurso cutista enfatiza que a principal necessidade seria evitar a fragmentação das atuais entidades de abrangência estadual ou regional em sindicatos municipais ou por empresa. A 9ª Plenária adota o “Projeto de Reforma da Constituição e Transição da Estrutura Sindical da CUT” por meio do que se denominaria chamar de Sistema Democrático de Relações de Trabalho (SDRT).7 Na verdade, todavia, o discurso cutista, ao apresentar a fragmentação sindical – principalmente após a Constituição Federal de 1988 – como grande responsável pela necessidade de se alterar a estrutura sindical, acabava por esconder (propositalmente ou não) um outro componente, indissociável do processo de alienação dos trabalhadores em relação à intervenção política ampla e consciente junto às grandes questões nacionais e internacionais: a perda da identidade de classe e da necessidade de que esta, como sujeito da história, denuncie sua condição subsumida em face do capital. Ainda que naquela época referida estratégia de ação talvez não tivesse sido percebida pelos quadros cutistas, certamente hoje aparece de forma nítida após o apoio quase que 5 Essa divisão acabou sendo absorvida pela Projeto de Reforma Sindical enviado pelo Governo Lula ao Congresso. 6 Nesta plenária a formulação “sindicato orgânico” seria substituída por “sindicato unitário”, mantendo-se, todavia, a estrutura pertinente, o que iremos tratar mais adiante. 7 Oficialmente apresentado em 1992, se constituiria na síntese do conjunto de propostas que se articulavam numa estratégia sindical e política da Central, como o fim de Poder Normativo da Justiça do Trabalho, o direito amplo de greve, o contrato coletivo de trabalho, a organização no local de trabalho e a adoção da estrutura sindical orgânica. 42 incondicionado ao Projeto de Reforma Sindical do Governo Lula, como adiante se verá. Sob o manto da unidade sindical, a idéia de sindicato orgânico vai se aprimorando no interior da CUT. Até o ano de 2000 eram contabilizadas confederações e federações cutistas orgânicas constituídas em 12 ramos, com diferentes graus de estruturação e organização: financeiros (CNB), metalúrgicos (CNM), químicos (CNQ), seguridade social (CNTSS), transportes (CNTT), construção civil e madeira (CNTICM), vestuário (CNTV), alimentação (CONTAC), comércio e serviços (CONTRACS) e educação (DNTE), telemática (CNTTI) e urbanitários (FNU). A CUT investe numa política de reestruturação sindical baseada no fenômeno da unidade, unificando sindicatos e criando órgãos de representação superior. Novamente as bases para a adoção do projeto que instituiria o sindicato orgânico encontraria, na existência de elevado número de entidades sindicais, principalmente após a promulgação da Constituição de 88, sua principal justificativa. Tal pode ser notado pela a fala de Vicentinho enquanto presidiu CUT: "A proposta de Sindicato orgânico, que nós defendemos, passa por esses princípios. Uma estrutura sindical que visa também diminuir o número de Sindicatos em nosso país (...)Por isso entendemos que até mesmo em nossa Central, que hoje é a maior da América Latina, devemos nos preparar para a diminuição do número de Sindicatos, através de fusões, quebrando a unicidade sindical e unificando os Sindicatos nas regiões. Queremos Sindicatos cada vez maiores, das cidades para as regiões, das regiões para o Estado. Não é absurdo pensar em um único Sindicato de metalúrgicos no Estado, à 43 semelhança de professores (como já existe), absurdo é existirem centenas de Sindicatos de uma mesma categoria. O importante é que quando um Sindicato sentar à mesa de negociação, ele seja representativo.8 Na fala de Vicentinho surge clara a alteração dos rumos da CUT no que toca à estrutura sindical brasileira. De ferrenha defensora da Convenção 87, da OIT, que determina a adoção da liberdade sindical plena, a CUT passa a defender a fusão de sindicatos como forma de contrapor-se aos crescentes índices de dessindicalização. Não se nega, aqui, que a possibilidade de que as dissociações e desmembramentos teriam tido forte impacto na crescente fragmentação da representação profissional no Brasil. Assim, onde existem sindicatos representativos de várias categorias profissionais possibilita-se a cisão destes, constituindo-se novas entidades que representariam uma dada categoria específica. Outro processo desencadeado de forma exaustiva que igualmente não pode ser esquecido é o desmembramento de parcelas de trabalhadores que antes pertenciam a sindicatos intermunicipais. Na verdade, o modelo híbrido garantido pelo artigo 8º, da Constituição, ao preceituar que o limite mínimo a ser observado para a criação de sindicatos seria a área geográfica de um município acabou por incentivar uma onda de cisões nos sindicatos de base intermunicipal. Bastaria que trabalhadores de apenas um dos municípios constituissem sindicato próprio para se legitimar a cisão e propiciar a constituição de novas entidades. 8 Disponível em http://www.coonat.org.br/portalcut/documentos/a20209.htm, acesso 04.10.2005. 44 Via de regra quem efetivamente iniciou tal estratégia foi a Força Sindical, principalmente por contar com apoio financeiro de patrões e governos.9 Sindicatos antes combativos foram perdendo parcelas de seu campo de representação, enfraquecendo a luta unitária e perdendo espaços para a organização de sindicalistas pelegos que agora aproveitando-se da possibilidade conferida pela Constituição lançariam a estratégia de tomar por dentro as entidades maiores e fazer dessa estratégia sua principal forma de crescimento.10 O resultado seria uma pulverização sindical expressiva após a Constituição de 1988, como se observa no gráfico seguinte: Gráfico 5 - Evolução do número de sindicatos de trabalhadores desde 1987 2001 1992 1991 1987 1988 1989 1990 5536 5669 6390 6729 7168 7612 11354 Fonte: IBGE - Pesquisa Sindical 2001. Por certo que esta “preocupação” cutista já podia ser notada desde 1986, quando seu então presidente, Jair Meneguelli, manifestaria-se no sentido de que 9 Para maiores detalhes sobre o processo de criação e sobre o desenvolvimento da Força Sindical ver: NOGUEIRA, Arnaldo José F. A modernização conservadora do sindicalismo brasileiro - A experiência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. São Paulo: Educ, 1997. 10 Um exemplo a ser dado está no ramo de derivados de petróleo no varejo. De início, haviam no Estado de São Paulo cerca de oito sindicatos ecléticos, que congregavam trabalhadores no comércio de derivados de petróleo. Após a Constituição Federal de 1988, foram criados, por desmembramento, sindicatos específicos de frentistas, que hoje já soma 15 entidades (sendo apenas uma delas – a dos frentistas de Bauru – filiada à CUT) e uma federação estadual. 45 a proliferação de sindicatos foi acompanhada de uma certa fragmentação com a criação de novos sindicatos de categoria a partir dos já existentes, o que pulveriza ainda mais o poder de ação dos sindicatos e reforça o corporativismo.11 A tabela abaixo demonstra o número de sindicatos que tiveram alteração em suas bases territoriais, permitindo concluir que os sindicatos de âmbito intermunicipal, tanto antes como depois da Constituição de 1988, foram os que mais sofreram alterações. De qualquer forma restava à CUT, ao menos no plano do discurso, combater o esvaziamento de seus sindicatos adotando a estratégia de, uma vez abandonada a idéia de ratificação da Convenção 87, da OIT, instituir um modelo de estrutura sindical diferenciado, centralizado na cúpula e não mais nas bases, completamente contrário aos princípios cutistas previstos em seus estatutos. 11 Meneguelli, Jair. Enfrentar a crise e retomar o desenvolvimento: o desafio dos anos 90. In: Velloso, João Paulo dos Reis., Rodrigues, Leôncio Martins. (org), O futuro do sindicalismo, São Paulo: Nobel, 1992, p. 66. Até 1991 Após 1991 Brasil 15 961 628 1 698 13 635 Nacional 103 6 10 87 Estadual 3 227 111 252 2 864 Municipal 8 505 96 319 8 090 Interestadual 117 15 22 80 Intermunicipal 4 009 400 1 095 2 514 Fonte: IBGE, Pesquisa Sindical 2001. Tabela 2 - Sindicatos, que tiveram ou não alteração da base territorial, desde o registro ou reconhecimento pelo MTb Grandes Regiões e abrangência da base territorial Sindicatos Total Tiveram alteração da base territorial Não t iveram alteração da base territorial 46 No entanto, é importante salientar que a tese da pulverização sindical, como motor responsável pela necessidade de se modificar substancialmente a estrutura sindical brasileira, escondeu um outro elemento de maior amplitude: a ausência de crítica dos valores capitalistas, que se dá pela negação da CUT em se lançar na difícil tarefa de denunciar à classe trabalhadora, sua posição no interior do processo de mercadorias, lutando pela sua própria emancipação. Não se quer dizer, com isso, que a CUT não apresente, no decorrer de sua existência, uma plataforma de luta política, ou que a luta meramente econômica seja a única estratégia da Central. Na verdade, se faz necessário ir além da luta meramente política, no sentido reformista; uma luta política que, em seu conteúdo, mantém-se – tal como a luta meramente econômica – vinculada à dimensão do trabalho assalariado e à reprodução da lógica do capital.12 De qualquer forma, a estratégia cutista de instituir um modelo orgânico, ao contrário do que muitos defendem, têm sofrido forte resistência interna, como adiante se analisará. Os antagonismos internos sobre estrutura sindical Em relação ao desenvolvimento do debate interno da CUT sobre a instituição do modelo orgânico de representação sindical identifica-se uma divisão marcante por parte das diversas correntes que compõem a Central, presente até os 12 Alves, Giovanni. Limites do sindicalismo – Marx, Engels e a crítica da economia política. Dissertação de mestrado, Unicamp, 1992, p. 206. 47 dias atuais, em que a Reforma Sindical vem sendo patrocinada pelo Governo Lula.13 Alguns pesquisadores sobre as questões inerentes ao sindicalismo formularam uma divisão cronológica – seriam três fases distintas - para tentar explicar o desenvolvimento das discussões, no interior da CUT, da proposta de sindicato orgânico.14 A primeira fase compreenderia o período entre o final da década de 1970 e a promulgação da Constituição de 1988, quando o discurso do combate radical à estrutura sindical corporativa mostraria-se fortemente presente.15 Tal crítica, aliás, se apresentaria coesa num discurso presente em todas as correntes internas da CUT. Um dos membros da corrente CUT pela Base assim se manifestaria: Embora nós tenhamos criado as CUT´s regionais, estaduais, CUT nacional, os próprios departamentos, na verdade a base sindical em que se molda a estrutura cutista ainda é a base corporativa, tradicional, fragmentada, que trabalha com conceitos de categoria determinados pelo Estado, no Ministério do Trabalho, pela antiga comissão de enquadramento e que ainda preserva conceitos como categoria diferenciada etc. Me parece que um limite enorme que ainda temos é de que toda essa estrutura do movimento sindical cutista, ainda é, na sua essência, determinada por essa 13 Na reunião da Executiva Nacional da CUT, realizada em fevereiro de 2005, pouco antes do envio ao Congresso Nacional da Proposta de Reforma Sindical, foram apresentados dois projetos de resolução sobre o tema: um deles, por parte da Articulação, defenderia o texto da Reforma com pequenas ressalvas; o outro, proposto pela Corrente Sindical Classista (CSC), consideraria a proposta elaborada pelo Ministério do Trabalho (em parte com base no debate do Fórum Nacional do Trabalho) um retrocesso que deveria ser repudiado e combatido. O resultado foi de 13 à 12, sendo aprovado o projeto de resolução proposto pela Articulação. 14 Entre outros destaca-se Sergio Tadeu Rodrigues dos Santos. Ver. O “novo” no novo sindicalismo? O (atual) debate sobre organização sindical no sindicalismo-CUT, Dissertação de Mestrado, UERJ, Rio de Janeiro, 2002 15 Op. Cit., p. 88. 48 estrutura, que fortalece, permanentemente, essa visão corporativa.16 A segunda fase inicia-se após a Constituição de 1988. Nesta fase a CUT opta por se organizar por dentro da estrutura sindical corporativa, dando ênfase a este processo por meio de resoluções que adaptariam a sua estrutura àquela da Constituição Federal. A fala de um dirigente da Central, também representante da corrente CUT pela Base, bem ilustra essa estratégia: Não sou a favor de destruir tudo o que existe no sindicato e construir tudo de novo. Eu era favorável há um tempo atrás, na época do atrelamento, até 1978, eu era inteiramente a favor, achava que era melhor começar tudo. Se tivéssemos esse poder de explodir, começar de novo...Hoje, eu acho que há um acúmulo de experiências, de conquistas a nível organizativo, não acho que tudo é lixo...tem o patrimônio. Tem o entulho do corporativismo, muita coisa, mas...17 Em 1994, com a realização do 5º Congresso da Central teria início uma terceira fase, na qual o debate ganharia fôlego devido à aprovação neste congresso de uma emenda que propunha a abertura de um processo de discussão sobre a transformação ou não dos sindicatos filiados em sindicatos orgânicos à Central.18 Justamente à partir do 5º Concut acirram-se as divergências sobre o projeto cutista, iniciadas no 4º Concut. Nesse Congresso (4º Concut), em 16 Entrevista dada à Iran Jácome Rodrigues durante o IV Concut. Ver: Sindicalismo e política. A trajetória da CUT. São Paulo, Scritta, 1997, p.123 17 Op. Cit., p. 135. 18 Ibidem. 49 decorrência da estratégia da corrente Articulação que acabaria por distanciar-se das correntes situadas mais à esquerda, verificou-se a criação de dois campos políticos, a esquerda contratualista e a esquerda socialista,19 que serão doravante utilizados como forma de expressar o antagonismo presente nas discussões sobre a alteração na estrutura sindical. Interessante salientarmos que justamente nesse congresso a CUT adota um mecanismo de representação que acabaria por desprivilegiar a massa trabalhadora presente no chão de fábrica, já que à partir de então o número de delegados participantes não mais seria proporcional à base sindical, mas sim ao número de associados “em dia” com as mensalidades sindicais. A idéia de empreendedorismo tomava corpo na Central, e com ela a resistência por parte das correntes mais a esquerda anunciava tempos difíceis e de improváveis alianças internas. A estratégia de mudança na composição dos delegados por certo tornaria distante a “voz” das bases, numa clara e inequívoca disposição de domínio por parte da chamada esquerda contratualista. Também no IV CONCUT foi aprovada a proposta, defendida pela ala contratualista da CUT, de filiar a central à uma central internacional, proposta 19 No 4° CONCUT, a esquerda contratualista era composta pela “tendência Articulação, em aliança com a Nova Esquerda, a Vertente Socialista e a Unidade Sindical”; já a esquerda socialista era composta por “todas as outras tendências, capitaneadas pela CUT pela Base, Corrente Sindical Classista, Convergência Socialista, Força Socialista e outros pequenos grupos que se estruturaram no que os sindicalistas denominavam de ‘Antártica’, significando Anti-Anticulação” Ver: Santos. Sergio Tadeu Rodrigues dos. Op. Cit. p. 96.Ver, ainda, Rodrigues, Iram Jacome., Op. cit. p. 182. 50 que acabou saindo vitoriosa com uma diferença de apenas 21 votos,20deixando evidente a fragilidade da unidade da central quanto ao tema em questão. As alterações estatutárias, o afastamento das bases nas decisões do rumo da Central e o opção de se filiar à CIOSL solidificavam, àquela altura, a guinada política e ideológica da CUT. Ao mesmo tempo o debate sobre a adoção do sindicato orgânico iria ganhar adeptos de ambos os lados. A fala de um militante da esquerda socialista evidencia as divergências sobre a adoção do sindicato orgânico nos moldes do sindicalismo praticado em alguns países da Europa. Para ele, A burocratização (...) que o movimento sindical europeu viveu no pós-guerra. Era um movimento muito poderoso, mas que se burocratizou, se acomodou (...) a partir dessa centralização pela cúpula, [que] é nociva, é nefasta, inclusive na Europa (...). Aqui no Brasil seria pior ainda porque aqui a condição do trabalhador participar da vida sindical é muito mais reduzida porque não existe proteção contra a demissão imotivada, o trabalhador hoje está sujeito a ser demitido se assinar à ficha de filiação ao sindicato. Então, ao não haver a proteção contra a demissão imotivada, ao não haver o direito de organização no local de trabalho, inviabiliza, dificulta muito a participação do trabalhador na vida sindical; se junto com isso você bota uma estrutura que é a cúpula que decide ai já não há nem razão para que o cara vá ao sindicato. [Este modelo] levaria a uma crise maior ainda do que já vive o movimento sindical brasileiro inclusive no movimento cutista.21 20 Em vista da polêmica que a questão encerrava e da forte oposição dos setores mais à esquerda da CUT, optou-se por trazer ao plenário uma votação meramente “indicativa”, sem se optar por esta ou aquela agremiação internacional. No entanto, no ano seguinte, a V Plenária viria a provar a filiação da CUT à norte americana CIOSL. 21 Ibidem, p. 98. 51 A fala deste militante cutista revela a preocupação dos setores mais à esquerda da CUT com um maior esvaziamento dos sindicatos no modelo de estrutura orgânica, com o distanciamento dos trabalhadores e a diferenciação marcante entre a viabilidade de tal estratégia em países já desenvolvidos e as dificuldades de implementá-la no Brasil, principalmente porque não há, na legislação brasileira – ao lado das peculiaridades que impeliram um tipo próprio de desenvolvimento das forças produtivas -, a devida proteção contra as despedidas arbitrárias.22 Enquanto isso, a esquerda contratualista se manteria firme, em seu discurso, na defesa do modelo orgânico, como bem demonstra a fala de um de seus militantes, para quem (...) a organização sindical brasileira [tem] que copiar algumas coisas e adaptar à nossa realidade. Quando nós falamos em fazer um contrato coletivo de trabalho nós estamos falando de outras experiências (...) [que] deram resultados bastante positivos. Eu falo da Alemanha por exemplo, que [tem] 9 sindicatos em uma negociação nacional e [onde] a IG- Metal (...), [que] pode não ser a melhor mas é o maior poderio sindical do mundo; que tem contrato coletivo de 36 horas, que tem um dos melhores salários do mundo. Esse é o modelo que eu quero (...) adaptar no Brasil. Se não for possível, porque eu sei das realidades que tem o Brasil, (...) das nossas desigualdades de organização, mas estamos falando de uma coisa que nós queremos e pra querer você tem que buscar, você tem que propor. Então é isso que nós queremos. Um modelo tipo italiano que deu resultado positivo e que hoje tem divergências entre as 3 centrais, um modelo como a C.C.O.O., 22 Salienta-se que a Constituição Federal, sem eu artigo 7º, I, enumera como direito dos trabalhadores “relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa”, desde que editada lei complementar regulamentadora, o que no entanto, até hoje não ocorreu. Por outro lado, na maioria dos países de capitalismo avançado, sobretudo na europa, está em vigor a Convenção 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que proíbe demissões sem que haja motivo disciplinar ou econômico justificadores. 52 que tem uma referência fantástica nos trabalhadores espanhóis; esses são os modelos que nós estamos buscando, nós não estamos querendo inventar, nós estamos pegando modelos que deram resultados positivos para os trabalhadores e tentando adaptar a realidade brasileira (...), por isso eu não tenho receio. Nós sabemos como é o Brasil, nós não temos total liberdade e autonomia sindical, mas não vamos esperar que o governo nos dê, nós temos que buscar.23 Cabe ressaltar que tais divergências não impediram que a esquerda contratualista mantivesse sua hegemonia, utilizando-se de uma estratégia aprovada na 8ª Plenária, e que consistiria na elaboração, durante os Congressos, de um texto único a ser previamente aprovado pela Direção Nacional da CUT e que serviria de guia durante as discussões internas. Neste cenário o texto da Direção Nacional, cuja tese guia permearia as discussões do Congresso, resgatou as resoluções sobre o modelo orgânico desde o 5º Concut até a 8a Plenária Nacional, condenando o modelo de sindicato filiado, que permitiria o descompromisso com os princípios e as campanhas promovidas pela CUT. Como alternativa a esta situação, a esquerda contratualista defenderia o “modelo ‘orgânico’ regido pelos princípios cutistas (autonomia, independência, democracia, pela base, de massa, classista e de luta): a) sindicatos representando os ramos de atividade definidos pela CUT; b) sindicatos de massa, reunindo os trabalhadores do ramo em âmbito regional ou mesmo nacional, com uma forte estrutura no local de trabalho, de base, mas respeitando as tradições do sindicalismo; c) sindicatos organizados como instância da Central, cujas ações e prática sindical tenham como base às resoluções dos Congressos da 23 Ibidem, p. 107. 53 CUT; d) sindicatos com autonomia política; as assembléias de base ou instâncias representativas das bases são os órgãos de decisão do sindicato; e) sindicatos onde o controle orçamentário seja feito pelos trabalhadores sindicalizados e cujo patrimônio próprio construído com recursos dos trabalhadores seja de propriedade da categoria.24 O mesmo discurso da ala contratualista defenderia a tese de que os sindicatos continuariam sendo a principal organização da categoria, tanto nas lutas específicas como na implantação do projeto cutista nas bases, cabendo à Central o enfrentamento das questões mais gerais. Desnecessário salientar a ambigüidade de tal discurso, na medida em que seria improvável que numa estrutura cupulista, onde os poderes de negociação seriam concentrados, haver espaço para que os sindicatos de base formassem os pilares da estrutura sindical. Na verdade, o embate no interior da CUT avançou de tal maneira que algumas rupturas não demoraram a aparecer. Tal pôde ser verificado quando a esquerda contratualista iniciou, efetivamente, sua transição para o modelo orgânico, mesmo sem contar com a possibilidade de fazê-lo integralmente no interior da Central. A saída seria realizar uma série de experiências nos setores mais organizados, e também onde a esquerda contratualista tivesse maior representatividade, ou seja, no setor metalúrgico do ABC paulista. 24 Ibidem, p. 115. 54 Experiências cutistas com o modelo orgânico: o caso do setor metalúrgico O berço do sindicalismo cutista foi o setor metalúrgico, onde no ABC paulista as principais montadoras mantinham suas fábricas. Foi ali que se deram as principais greves que inauguraram, como já dito, a ascensão do que se convencionou chamar de “novo sindicalismo”. Natural que os metalúrgicos do ABC fossem os precursores da estrutura defendida pela esquerda contratualista – vanguarda nas discussões que se deram durante o 3º Concut acerca da estratégia propositiva, da noção de sindicalismo cidadão e da necessidade de alteração da estrutura sindical – fundando a primeira Confederação Cutista por ramo de atividade.25 Para a esquerda socialista estaria aí a contradição, que consistiria na afirmação do sindicato ter autonomia em um ponto da tese e no outro colocar que ele passaria a ser uma instância da Central, que irá definir suas resoluções em congressos nacionais.26 A crítica da esquerda socialista era a de que se estaria patrocinando, à revelia da totalidade dos dirigentes cutistas, uma divisão no seio do sindicalismo CUT, estratégia inadmissível e que contrariava as próprias disposições estatutárias. Passaria a esquerda socialista a defender, então, a proposta do sindicato unitário que, partindo da defesa da liberdade de organização sindical, visaria criar mecanismos para fazer do sindicato uma frente única de todos os 25 Cf. Santos. Sergio Tadeu Rodrigues dos. Op. Cit. p. 130, a Confederação Cutista (CNM), criada em 1992, consistia num organismo próprio à sua estrutura vertical interna, colocado em posição intermediária entre o 4sindicato de base e a direção nacional da Central e que não tem ligação com a estrutura sindical oficial. 7 26 Ibidem. 55 trabalhadores, com a democracia sindical vigorando desde as formas de organização no local de trabalho, até o nível nacional.27 Além do mais, a estratégia de se combater a pulverização sindical apostando-se nas fusões de sindicatos com vistas a constituir entidades mais fortes e representativas, sem, contudo, concentrar na cúpula da central sindical os poderes de gestão e encaminhamento, visava preservar o “chão de fábrica”, aqui representado pelo sindicato de base, como o lócus onde se enfrentariam capital e trabalho. A crítica da esquerda socialista ao modelo orgânico fundava-se, também, no fato de que os sindicatos deixariam de ser organizações autônomas, passando a ser uma representação da Central junto à base, como se a existência e a legitimidade da CUT pudesse ocorrer independente desta. A fala de uma liderança deste campo demonstra que, (...) na verdade se você for aprofundar esta discussão, você vai bater com a discussão clássica da questão do papel dos sindicatos porque neste modelo [orgânico], por trás dessa concepção, (...) bebida nos modelos do sindicalismo europeu, italiano basicamente e alemão, são estruturas extremamente verticalizadas e são sindicatos que não servem (pelo menos a última década mostra) como exemplo de luta pro sindicalismo no Brasil. A CUT estava a anos-luz na frente — com todo o respeito a história do movimento sindical europeu — mas anos-luz na frente dessas estruturas sindicais. Foi ‘paquerada’ por todas estas estruturas sindicais, justamente [pelo] que representava de radicalidade, de classismo, de movimento, de força e de enfrentamento político no Brasil. Então, esse modelo é copiado; e é copiado o pior dele, quer dizer, é copiado a 27 Ibidem, p. 118. 56 partir de uma concepção verticalizada (...) de fazer sindicatos no estreitamento da definição ideológica. Então, neste sentido, no estreitamento da definição ideológica a unidade vai pro chapéu, (...) a unidade da classe não precisa mais, o que vai haver nesse modelo, é o sindicato do PSTU, o sindicato do PT, o sindicato do PCdoB, o sindicato da Igreja... é essa concepção; e ai tem que ser orgânico mesmo, como é orgânica a filiação política- ideológica de qualquer partido. Então estreita, bate inclusiva na concepção clássica, da questão da unidade da classe, resvala lá.28 O embate cresceu ao ponto da esquerda socialista partir para o confronto direto. Utilizando uma nova estratégia, setores da esquerda cutista acabariam por fundar a Federação Nacional dos Metalúrgicos da CUT - Democrática e Combativa, buscando constituir uma experiência alternativa de ação sindical face à criação da estrutura metalúrgica criada à partir do ABC paulista.29 A fundação da Federação Nacional Democrática pretendia estabelecer um contra-ponto em relação a decisão que, colocando em prática a proposta de estrutura sindical orgânica, optaria por transformar a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM-CUT), fundada durante o 2º Congresso dos Metalúrgicos da CUT, realizado em 1992, num Sindicato Nacional dos Metalúrgicos. 28 Citado por Santos, Op, Cit., p. 119. 29 Houve, também, outras iniciativas nesse sentido, porém de menor abrangência, como a fundação, através da fusão de várias entidades, do sindicato dos químicos unificados de Campinas. Contrários a proposta do modelo orgânico, os trabalhadores do setor químico, plásticos, farmacêuticos, abrasivos e similares de Campinas, Osasco, Vinhedo e Região aprovaram, numa assembléia realizada em 1992 com um percentual de 92%, a criação de uma entidade abrangente. 57 A Federação Democrática romperia, assim, com o resultado das disputas travadas nos fóruns da Central, constituindo-se como uma alternativa que visaria aglutinar setores com posições divergentes da esquerda contratualista, e contrários, portanto, ao modelo de sindicato orgânico.30 Na verdade, o setor metalúrgico da CUT poderia ser considerado um laboratório apto a colocar em prática as propostas de alteração da estrutura sindical, o que efetivamente ocorreu.31 De qualquer forma esta iniciativa acabaria por radicalizar o debate no setor metalúrgico entre a esquerda contratualista e a esquerda socialista, como bem evidencia o fala de uma liderança metalúrgica durante o 5º Congresso da CNM-CUT: Outro grande tema que teremos nesse V Congresso será o debate e a reafirmação da proposta de reformulação do modelo de organiz