UNESP Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá Origem dos satélites irregulares de Júpiter: Captura de asteroides binários primordiais Helton da Silva Gaspar Guaratinguetá 2013 HELTON DA SILVA GASPAR ORIGEM DOS SATÉLITES IRREGULARES DE JÚPITER: CAPTURA DE ASTEROIDES BINÁRIOS PRIMORDIAIS Tese apresentada à Faculdade de Enge- nharia do Campus de Guaratinguetá, da Universidade Estadual Paulista, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Física na área de Astronomia Dinâmica. Orientador: Prof. Dr. Ernesto Vieira Neto Co-Orientador: Prof. Dr. Othon Cabo Winter Guaratinguetá 2013 G249s Gaspar, Helton da Silva Origem dos satélites irregulares de Júpiter: Captura de as- teroides binários primordiais / Helton da Silva Gaspar – Gua- ratinguetá: [s.n], 2013 55 f. :il Bibliografia: f. 49 Tese (doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Facul- dade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, 2013 Orientador: Prof. Dr. Ernesto Vieira Neto Co-Orientador: Prof. Dr. Othon Cabo Winter 1. Satélites 2. Asteroides I. Título CDU 629.783 DADOS CURRICULARES HELTON DA SILVA GASPAR NASCIMENTO 20.1.1981 – SÃO PAULO / SP FILIAÇÃO Antonio Gaspar Sobrinho Helena da Silva Gaspar 1996 – 2000 Técnico em Eletrônica CEETEPS - E.T.E. Albert Einstein – São Paulo 2003 – 2007 Bacharel em Física UNESP – Guaratinguetá 2008 – 2009 Mestre em Física UNESP – Guaratinguetá 2009 – 2013 Doutor em Física UNESP – Guaratinguetá In memoriam de meus amados avôs, João Manoel da Silva & Paulo Gaspar AGRADECIMENTOS À minha esposa Ricely de Araujo Ramos Gaspar, sem ajuda da qual jamais finalizaria este texto. Aos meus pais Antonio Gaspar Sobrinho e Helena da Silva Gaspar pelo eterno apoio e carinho. Aos meus novos pais Rubem Ramos dos Santos e Ana Lúcia de Araujo Ramos, também pelo eterno apoio e carinho. Aos meus irmãos, Herik, Heitor, Rubinha & RaissaByAna, Joelma, Drika Japa por me propor- cionarem a nossa enorme família. A todos os meus amigos, por compreenderem a ausência que só um amigo doutorando pode proporcionar. À família Amoribunda, sem a qual Guaratinguetá não teria graça. Aos meus orientadores, e amigos, Ernesto Vieira Neto & Othon Cabo Winter pela eterna confi- ança, e por me inserirem nesse fantástico mundo onde “a gente ganha pouco mas se diverte!”. Ao meu coorientador, e amigo, David Nesvorný e sua família Tati, Gabo & Isa por nos acolhe- rem tão calorosamente naquela terra de gente mau-humorada, Nice, FR. Aos meus pais adotivos Emile & Joana LeBourlegat por todo carinho e apoio a nós dispensados no ano que passamos em Nice. À Alessandro Morbidelli, por tão bem me acolher no Observatório de Nice, e por todo apoio dispensado. À Yannick Ponty, pela compreensão super. Aos meus amigos de Nice, em especial Pryscilla Pires, Guillaume, Mamadou, Petr e toda a turma da banda rOCA’n roll, Korhan, Sibilla, Marco, Giulia e Karrelle, por ótimos momentos compartilhados. Ao professor Marcelo Hott, Regina, Cristina e Sidney, pelo apoio durante seis anos de minha pós-graduação Ao anônimo revisor de meu primeiro artigo, que nos ajudou compreender muita coisa, apesar de nos fazer esperar 2 anos pela minha primeira publicação. Ao Pedro Ivo e ao Norm (SwRI - Boulder), pelo inestimável apoio prestado durante os tes- tes de videoconferência. E, em particular, ao Pedro, pelas extensivas correções ortográfica e tipográficas. Lhe devo umas, meu caro amigo! À FDCT pela revisão de linguagem do segundo artigo. Apoio Financeiro Agradeço à Capes por me financiar meus estudos de doutorado no Brasil e na França. Bolsista Sanduíche processo BEX: 2476/11-8. Agradeço ao SwRI e David Nesvorný, por financiarem a apresentação de meu trabalho no DPS 2012. E Cristiano Fiorilo, organizador do CBDO 2012, por financiar a apresentação de meu trabalho no evento. “ ...A dúvida é o preço da pureza... ” (1939, JEAN-PAUL SARTRE) GASPAR, H. S., Origem dos satélites irregulares de Júpiter: Captura de asteroides bi- nários primordiais, 2013, 54 f., Tese (Doutorado em Física) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá. RESUMO Muitos estudos sobre os satélites irregulares dos planetas gigantes têm sido publicados, especi- almente motivados pelo exponencial aumento no número de objetos conhecidos proporcionado pela era observacional do CCD. Características peculiares, como órbitas altamente excêntricas e inclinadas, bem como distantes dos planetas, são incompatíveis com o modelo de formação local através de acreção de matéria do disco circumplanetário, de modo que apenas a captura gravitacional explica a existência de tal classe. No problema restrito de três corpos, capturas gravitacionais são de caráter temporário, de modo que faz-se necessário um mecanismo não tri- vial de captura compatível com a existência desses objetos. Muitas têm sido propostas, mas as origens dos satélites irregulares de Júpiter, o planeta com maior número de objetos da referida classe, ainda permanece indeterminada. Estudando o mecanismo de captura de asteroides biná- rios, sob o cenário do problema de 4 corpos, consideram Sol e Júpiter como objetos primários, obtivemos uma distribuição orbital de objetos capturados bastante semelhante à distribuição observada para os satélites irregular jovianos. O referido estudo também nos permitiu compre- ender as características intrínsecas mais relevantes do mecanismo. As evidencias nos permitem propor uma nova teoria consistente com as origens dos satélites irregulares, vinculada às ori- gens da família Hilda de asteroides dos cinturão principal. PALAVRAS-CHAVE: Satélites Irregulares – Asteróides binários – Família Hilda – Captura gravitacional GASPAR, H. S., Origins of Jovian Irregular Satellites: Capture of Primordial Binary As- teroids, 2013, 54 f., Thesis (Doctorade in Physics) – Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, Guaratinguetá. ABSTRACT Irregular satellites of the giant planets have been largely studied since the CCD observational era exponentially increased the number of known objects of such class. Peculiar features of these objects, such as highly inclined and eccentric orbits, and also their distance from the pla- net are strong signatures of non locally formed objects. Since gravitational captures under the three-body theories are temporary, a non trivial capture mechanism is necessary to explain their origin. Many theories about the origins of such objects have been proposed, but the origins of irregular satellites of Jupiter, in particular, still remain undetermined, and Jupiter is the planet with the larger population of such objects. Here we present efforts devoted to the comprehen- sion of binary-asteroid capture mechanism. We obtained a comparable orbital distribution of captured objects to the distribution of known objects. Furthermore, many relevant features of the mechanism were elucidated. The evidences lead us to propose a consistent theory for the origins of irregular Jovian satellites constrained to the origin of Hilda family’s of asteroid. KEYWORDS: Jovian Irregular Satellites – Binary Asteroids – Hilda’s family – Gravitational Capture – Close enconters. SUMÁRIO 1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 2 Satélites Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 2.1 Inventário dos satélite irregulares jovianos . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2.2 A origem dos satélites planetários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 2.2.1 Origem dos satélites irregulares . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2.2 Mecanismos de captura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 2.2.2.1 Captura com arrasto em meio gasoso . . . . . . . . 9 2.2.2.2 Modelo Pull Down . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2.2.2.3 Interações de troca . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.2.2.4 Captura durante encontros planetários . . . . . . . 12 2.2.3 “A menina dos olhos”, o modelo de captura de asteroides bi- nários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2.3.1 Marcos na história do estudo do mecanismo de cap- tura de asteroides binários . . . . . . . . . . . . . . 14 3 Planetas menores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 3.1 Asteróides binários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 3.2 O Cinturão Principal de asteroides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3.2.1 Os Hildas e a ressonância 3:2 . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 3.2.1.1 Digressão: A ressonância 3:2 . . . . . . . . . . . . 19 4 Estudo de captura de asteroides binários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4.1 O início: Caso coplanar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4.1.1 Estudo de Tempo de Captura . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 4.1.2 Simulações Numéricas de captura . . . . . . . . . . . . . . . 28 4.1.3 Resultados relevantes do estudo do caso coplanar . . . . . . 29 4.1.4 Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 4.2 Aumentando um grau de liberdade: Caso Tri-dimensional . . . . . . . 33 4.2.1 Condições Iniciais Propícias Tridimensionais . . . . . . . . . 33 4.2.2 Simulações Numéricas de captura . . . . . . . . . . . . . . . 35 4.2.3 Resultados do estudo do caso tridimensional . . . . . . . . . 36 5 Modelo de origem dos satélites irregulares de Júpiter . . . . . . . . . . . . . . 42 5.1 Satélites irregulares de Júpiter: Captura de asteroides binários do Sis- tema Solar Primordial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 6 Conclusões e considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 6.1 Compreensão do processo de captura de asteroides binários . . . . . . 46 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 A Mapas de Tempo de captura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 1 INTRODUÇÃO Compreender o universo que nos cerca é, sem dúvida, propriedade intrínseca de nossa natureza. Embora não nos atenhamos a determinados elementos de nosso universo, grande interesse nos é despertado por outros. Torna-se, então, evidente a divisão das três bases do conhecimento, isto é, as ciências Biológicas, Exatas & Humanas. Esta colocação introdutória tem como propósito salientar que o todo não pode ser compreendido senão pelo estudo de suas partes, e pelo conseguinte estudo de correlação das mesmas. Obedecendo a esta hierarquia, o presente trabalho insere-se no contexto do estudo das origens do Sistema Solar, no que tange a questão que trata das origens dos satélites irregulares dos planetas gigantes. Mais especifi- camente, a presente tese atém-se às origens dos satélites irregulares de Júpiter, uma vez que, no contexto atual de formação do Sistema Solar (Tsiganis et al., 2005; Morbidelli et al., 2005; Gomes et al., 2005), as origens dos satélites irregulares dos demais planetas está, a menos de poucas exceções, bem embasada pela teoria de captura gravitacional durante encontros plane- tários (Nesvorný et al., 2007). O atual modelo mais bem aceito de formação do Sistema Solar herda o nome da cidade, atualmente francesa, de Nice, na qual se localiza o Observatório da Costa Azul, local onde seus autores o elaboraram. Resumidamente, o modelo de Nice descreve um sistema em que os planetas gigantes formaram-se em uma configuração orbital quase circular, coplanar e mais compacta que a observada atualmente, sofreram migrações devido a interações com um disco heliocêntrico de planetesimais, fazendo Saturno alcançar uma órbita de período comensurável ao período da órbita de Júpiter. Nesta configuração, designada ressonância de movimento mé- dio, Júpiter e Saturno têm suas excentricidades excitadas, fato que acarreta significante aumento nas perturbações exercidas à Urano e Netuno, resultando consequente ganho de excentricidade destes (Tsiganis et al., 2005). Com o aumento das excentricidades, as órbitas dos planetas gigantes passam a se cruzar permitindo que planetas sofram encontros próximos entre si. O processo migratório é cessado no ponto em que o disco de planetesimais é suficientemente dis- solvido a ponto de não oferecer trocas significativas de momento angular com os planetas. As órbitas planetárias são, então, circularizadas alcançando a configuração atualmente observada. Neste cenário, Nesvorný et al. (2007) propuseram que os satélites irregulares dos plane- tas gigantes originaram-se de capturas gravitacionais de planetesimais do disco heliocêntrico durante as ocorrências de encontros planetários. Em meio a um encontro planetário, um pla- netesimal do referido disco heliocêntrico ao orbitar as vizinhanças dos planetas envolvidos no encontro, tem sua órbita desviada em direção à um dos planetas, tornando-se, dessa forma, per- manentemente capturado pelo mesmo, ao mesmo tempo em que, após o encontro, os planetas passam a se afastar. Se por um lado este modelo consiste em uma explicação plausível para as origens dos satélites irregulares de Saturno, Urano e Netuno com perfeita concordância com o Modelo de Nice, por outro, ele é incompatível com as origens dos satélites irregulares Jo- 1 vianos. No cenário do modelo de Nice, Júpiter i) não tem encontros próximos com os outros planetas e ii) tem uma migração líquida decadente, isto é, em direção ao Sol. Como será tratado mais adiante na Seção 2.2.2.2, migrações no sentido de afastamento do Sol tendem a favore- cer à captura permanente uma vez que a perturbações exercidas pelo Sol tende a decrescer em função do afastamento. Em contrapartida, a migração de Júpiter em direção ao planeta desfavo- rece a ocorrência de capturas permanentes uma vez que as perturbações Solares tornam-se mais intensas. O contexto até aqui exposto constituiu o cenário da época em que o presente trabalho foi iniciado. Não obstante, apesar dos modelos citados terem passado por reformulações (Morbi- delli et al., 2009; Brasser et al., 2009; Morbidelli et al., 2010), e novas hipóteses terem sido propostas, como por exemplo o modelo Jumping Jupiter (Morbidelli et al., 2010), as origens dos satélites irregulares Jovianos é um problema que permanece em aberto. Justifica-se, então, a evidente importância do presente trabalho no contexto atual. Acerca das teorias sobre as origens dos satélites irregulares, o Capítulo 2 contempla uma extensa abordagem. Peças chave para a compreensão da teoria aqui tratada, os planetas me- nores serão abordados no Capítulo 3 com merecido destaque à família dos Hildas do Cinturão Principal na Seção 3.2.1, e a especial classe de asteroides binários na Seção 3.1. Os estudos de captura de asteroides binários realizados ao longo doutorado estão resumidos no Capítulo 4. O Capítulo 5 contém nossa proposta teórica para explicar as origens dos satélites irregulares Jovianos. As conclusões e considerações finais estão sintetizadas no Capítulo 6. 2 2 SATÉLITES NATURAIS Satélites naturais, ou luas, são corpos celestes de terceira ordem em um sistema planetário, isto é, hierarquicamente as estrelas são os elementos primários; planetas, asteroides e cometas orbitam as estrelas e são, portanto, elementos secundários. Os satélites naturais, por orbitarem planetas e asteroides, são elementos terciários dentro da referida hierarquia. Atualmente, mais de 430 satélites naturais são conhecidos no Sistema Solar (Johnston, 2011; solarsystem.nasa.gov, 2013; www.minorplanetcenter.net, 2013). Resgatando a ideia de que o todo deve ser estudado por partes, a parte da presente tese que cabe à estes elementos também é sub-repartida, e neste capítulo abordaremos apenas a classe dos satélites planetá- rios, isto é, os que orbitam os planetas. No Sistema Solar, apenas Mercúrio e Vênus não pos- suem satélites conhecidos, ao passo que os outros seis planetas somam um total de 169 luas (www.minorplanetcenter.net, 2013). Os satélites planetários são classificados como regulares ou irregulares de acordo com a órbita ao redor do planeta. Em documento de 1 758, Charles Walmesley apontou irregularidades no movimento de satélites oriundas da oblaticidade do planeta: O documento, escrito em sua maior parte em Latim, apresenta cálculos da variação de alguns elementos, como distância (di ∫ tantiarum), inclinação (inclinationis), nodo (nodi) e apses (ap ∫ idum). Embora o referido texto não trate do que hoje denominamos satélites irregulares, mas sim de variação dos elementos osculadores devido ao achatamento do corpo central, ele pode ser considerado uma primeira tentativa de se identificar tal classe. A primeira clara colocação da possível existência de duas classes de satélites foi publicada em Janeiro de 1949, por Gerard Kuiper. Nesse artigo, Kuiper chama a atenção para a existência de duas classes de satélites análogas às classes de planetas “maiores” e “menores”, bem como para a ausência de “gaps” verdadeiros tanto no sistema planetário como no sistema de satélites. Naquela época, planetas eram classificados como maiores, ou menores, de acordo com a razão de massa 10−7 < µ < 10−3 e µ < 10−9, respectivamente. Quanto à ausência de gaps, Kuiper se referia ao fato das distâncias não obedecerem à Lei de separação de Titius-Bode: d = 0, 4 + 0, 3 (2n), em que n = −∞, 0, 1, 2, 4, 5. (1) Kuiper viria, de fato, empregar o termo satélite irregular em seu artigo de 1951 intitulado: “ON THE ORIGIN OF THE IRREGULAR SATELLITES”. Neste artigo, Kuiper afirma existirem 3 classes de satélites: regulares, irregulares e a Lua. Em suma: 3 • Satélites regulares eram assim classificados por terem configuração orbital, com respeito ao planeta, análoga à distribuição orbital dos planetas relativa à estrela. Caracterizavam- se, portanto, por terem órbitas quase circulares, quase equatoriais e orientadas no mesmo sentido da órbita planetária. Além disso, analogamente à distribuição dos planetas ao re- dor do Sol, o espaçamento observado entre os satélites regulares também obedecia apro- ximadamente uma progressão geométrica (Equação (1)). • Satélites irregulares, portanto, caracterizavam-se por apresentarem irregularidades orbi- tais. Eram objetos bastantes distantes do planeta, com altas excentricidades e altas incli- nações relativas ao equador do mesmo. Tritão, a maior lua de Netuno, intrigava por ter uma órbita extremamente baixa, circular, entretanto, altamente inclinada. Grande atenção também era dispensada à Nereida, por apresentar um órbita extremamente excêntrica. • A Lua, como atualmente, era apontada por Kuiper como um objeto excepcional, por possuir uma enorme massa relativa à massa terrestre, isto é, m$ = m⊕/81. Todos os outros satélites, bem como os planetas com respeito ao Sol, possuem razões de massa inferiores a 10−3. Somando isso, às evidências de composição lunar, Kuiper propôs que a Lua formara-se como um planeta gêmeo com a Terra. Há de se ressaltar, que em 1951 apenas 10 entre 29 satélites1 conhecidos eram irregulares, ao passo que atualmente os irregulares são a população majoritária de satélites planetários. A Figura(1) mostra a distribuição de satélites planetários conhecidos, em 1951 e atualmente, no Sistema Solar. A Lua, assim como em 1951, é ainda considerada um satélite de classe única. O cenário atual, no que tange a questão da definição de satélite irregular, não difere muito daquele vivido por Kuiper, isto é, embora astrônomos saibam distinguir satélites regulares e irregulares, não existe uma definição formal para tal. A definição mais formal que se pode encontrar na literatura é dada em função de um semi-eixo maior crítico acrit estabelecido por Goldreich (1966): acrit RP ≃ [ 4J2 3 MP M⊙ ]1/5( a RP )3/5 , (2) em que RP, J2 e a são o raio equatorial, o coeficiente de achatamento e o semi-eixo maior do planeta. MP e M⊙ são as massas do planeta e do Sol, respectivamente. Em suma, acrit corres- ponde à distância planetocêntrica em que os torques, sobre o satélite, exercidos pelo Sol e pelo achatamento do planeta se igualam. Satélites com semi-eixo maior a ≫ acrit sofrem conside- ráveis variações na inclinação relativa ao equador do planeta, apesar da inclinação relativa ao plano orbital heliocêntrico do planeta manter-se aproximadamente constante. A Figura(2) mostra as projeções tridimensionais das órbitas planetocêntricas dos satéli- tes regulares de Júpiter, em (a), e de todos os atualmente conhecidos em (b). As trajetórias 1Note o capricho de se empregar do termo “satélites” não procedido do termo “planetários”. Isto porque, na época não eram conhecidos asteroides com satélites, ou seja, todos os satélites eram planetários. 4 0 10 20 30 40 50 60 0 5 10 15 20 25 30 10 0 10 1 10 2 10 3 10 4 10 5 N ú m er o d e sa té li te s N ú m er o d e p la n et es im ai s Distância do Sol (UA) em 1951 atualmente T er ra T er ra T er ra M ar te M ar te M ar te Ju p it er Ju p it er Ju p it er S at u rn o U ra n o N et u n o Figura 1: Distribuição de pequenos corpos no Sistema Solar. Relativamente ao eixo vertical esquerdo, a extremidade circular das barras vermelhas indicam o montante de satélites atual- mente conhecidos para os respectivos planetas, ao passo que as extremidade inferiores indicam o total de satélites irregulares. Analogamente, os símbolos em magenta indicam os montantes conhecidos em 1951. As barras horizontais azuis, representam o diâmetro da esfera de Hill (Equação (3)) de cada planeta. Relacionado ao eixo vertical direito, a curva cinza representa um histograma dos asteroides do sistema solar em função do semi-eixo maior. estão coloridas de forma a possibilitar a aferição de seu sentido de evolução, isto é, os satéli- tes evoluem no mesmo sentido em que a coloração também o faz do preto para o amarelo, a partir dos pericentros de suas órbitas. Portanto, a descontinuidade do gradiente de cores, do amarelo para o preto, indica a passagem pelo pericentro. O plano de referência adotado é o Laplaciano2, que para o caso dos satélites internos aproxima-se do plano equatorial do planeta. Portanto, a Figura(2a) ilustra as órbitas baixas, circulares e equatoriais dos satélites regulares. A Figura(2b), por sua vez, não nos permite distinguir com muita clareza as órbitas projetadas, mas explicita o contraste entre as órbitas regulares e irregulares. Note que, os limites das órbi- tas regulares estão indicados no painel (b) por pares de linhas verdes. Portanto, ficam evidentes as característica peculiares dos satélites irregulares: orbitas altas, excêntricas e oblíquas, tanto mutuamente como quanto em relação ao equador do planeta. Apesar de não estar evidente na Figura(2b), outra característica extremamente peculiar dos satélites irregulares, é a existência de grupos dinâmicos e/ou espectrais. Grupos dinâmicos, são satélites com órbitas semelhantes, muito provavelmente, resultantes de uma colisão. Dada a dispersão orbital, é possível estimar o δv⃗ que a teria gerado. Sendo δv⃗ a “deflexão” dos fragmen- tos resultantes de uma colisão, ou diferença entre a velocidade de ejeção e a velocidade orbital inicial, classifica-se portanto como grupo dinâmico, um conjunto de satélites cuja dispersão or- bital tem um δv⃗ coerente com o de uma colisão, isto é, ∥δv⃗∥ da ordem de 5 a 50m/s; (Nesvorný et al., 2004). Analogamente, também existem os grupos espectrais, cuja coloração semelhante sugere uma origem comum para todos os componentes do conjunto (Nesvorný et al., 2003). 2O Plano de Laplace é normal ao eixo de precessão dos nodos da órbita planetocêntrica de um satélite (Seidel- mann, 1992) 5 4 2 0 2 4 4 2 0 2 4 (×10 −2 RH) ~2×10 5 km (a) 6 4 2 0 2 4 6 8 8 6 4 2 0 2 4 6 (×10 −1 RH) ~4×10 6 km (b) Figura 2: Projeção tridimensional das órbitas dos satélites de Júpiter. Somente os regulares em (a), e todos em (b). A coloração das trajetórias associam a anomalia verdadeira f , com preto para f = 0 o e amarelo para f ≈ 360 o, o que permite aferir a direção, prógrada ou retrógrada, das órbitas. A escala está representada em função do Raio de Hill de Júpiter RH (Equação (3)). 2.1 INVENTÁRIO DOS SATÉLITE IRREGULARES JOVIANOS A Tabela (1) apresenta a distribuição de inclinações dos satélites irregulares de Júpiter com binagem de 5◦. Observa-se que os satélites prógrados estão concentrados na faixa de incli- nações de [25◦:30◦]. Temisto e Carpo, portanto, destacam-se em função da inclinação orbital. Carpo também se destaca por ser o mais distante e excêntrico entre o grupo dos prógrados. A distribuição dos satélites irregulares de Júpiter no espaço a×e×I encontra-se nos gráficos da Seção 4.2.3. A tabela também mostra que os satélites retrógrados têm distribuição de inclina- ções aproximadamente uniforme entre 145◦ e 170◦, com evidente depleções nas inclinações 6 próximas de ∼ 160◦, e inferiores à 145◦. [25◦ : 30◦] [40◦ : 45◦] [50◦ : 55◦] [140◦ : 145◦] VIHimalia XVIIIThemisto XLVICarpo S/2003 J3 VIIElara – – S/2003 J4 XLysithea – – S/2003 J15 XIIILeda – – – S/2000 J11A – – – A S/2000 J11 não consta mais como satélite de Júpiter no catá- logo da NASA, apesar de ainda constar como tal no banco de da- dos da IAU. (FONTES: NASA http://ssd.jpl.nasa.gov/?sat_elem, IAU http://www.minorplanetcenter.net/iau/NatSats/NaturalSatellites.html) [145◦ : 150◦] [150◦ : 155◦] [155◦ : 160◦] [160◦ : 165◦] [165◦ : 170◦] XXXIVEuporie XXXHermippe IXSinope LHerse XLIIIArche XXXVOrthosie XLIIThelxinoe XXXIXHegemone XXVErinome XXXVIIIPasithee XXXIIIEuanthe XLVHelike XLIAoede XICarme XXIChaldene XXIXThyone XXXIIEurydome – S/2003 J9 XXXVIIKale XLMneme XXVIIIAutonoe – S/2003 J10 XXVIIsonoe XXIIHarpalyke XXXVISponde – S/2003 J19 XXXIAitne XXVIIPraxidike VIIIPasiphae – S/2010 J1 XXTaygete XXIVIocaste XIXMegaclite – S/2011 J1 XXIIIKalyke XIIAnanke S/2003 J2 – – XLVIIEukelade XVIICallirrhoe S/2010 J2 – – XLIVKallichore XLVIIICyllene S/2011 J2 – – S/2003 J5 XLIXKore – – – – S/2003 J12 – – – – S/2003 J16 – – – – S/2003 J18 – – – – S/2003 J23 – – – – Tabela 1: Inventário dos satélites irregulares de Júpiter, em função das faixas de inclinação. As linhas da tabela relacionam os satélites existentes para cada faixa de inclinação sem ordem particular. (FONTE: http://www.dtm.ciw.edu/users/sheppard/satellites/jupsatdata.html) 2.2 A ORIGEM DOS SATÉLITES PLANETÁRIOS O contraste entre as órbitas regulares e irregulares destacado na Figura(2), naturalmente sugere que as duas referidas classes de satélites não têm a mesma origem. As órbitas circulares, equatoriais e baixas dos satélites regulares, sugerem que estes formaram-se ao redor do planeta por processo de acreção de matéria do disco circumplanetário remanescente, analogamente ao 7 modo como os planetas se formaram ao redor do Sol via acreção de matéria do disco circun- solar (Kuiper, 1951b). De modo analogamente oposto, as características orbitais dos satélites irregulares são incompatíveis com o processo de formação in-situ via acreção de matéria do disco circumplanetário. 2.2.1 Origem dos satélites irregulares A primeira hipótese sobre a origem dos satélites irregulares foi proposta por Kuiper (1951a). A teoria pressupunha que os satélites mais distantes, formados localmente, escapavam da órbita planetocêntrica e eram posteriormente recapturados em uma nova órbita planetocên- trica irregular. Este processo dar-se ia pelo fato do proto-planeta ainda não haver terminado o processo de formação e, portanto, sofrer uma redução de massa. A redução de massa do proto-planeta acarretaria a contração da região de estabilidade ao redor do mesmo, e conse- quente desestabilização dos satélites mais distantes até a ocorrência de escape desses. Após o escape, esses satélites tornariam-se co-orbitais ao planeta podendo ser recapturados pelo mesmo durante um encontro. Para permanecer capturado, o satélite deveria sofrer redução de energia orbital, fato que dar-se ia por fricção com a matéria do disco ao redor do proto-planeta. No entanto, essa teoria foi refutada por não haver evidências de tal significativa perda de massa dos planetas. Atualmente, existe o consenso de que os satélites irregulares não se formaram in-situ, mas, ao invés, são oriundos de regiões remotas, e capturados pelo planeta, muito provavel- mente, durante o estágio final de seu processo de formação (Kuiper, 1956; Pollack et al., 1979; Vieira Neto et al., 2004). Entretanto, no contexto do Problema Restrito de 3 Corpos - PR3C, teoria largamente empregada no estudo de fenômenos dinâmicos do Sistema Solar (Murray & Dermott, 1999), a captura gravitacional é temporária. Isso ocorre porque a energia mecânica de 2 corpos Emec, grandeza que determina se a órbita mútua entre dois corpos é aberta ou fechada, não se conserva no PR3C. A energia de Jacobi CJ, por sua vez, é uma constante do movimento no PR3C da qual se pode interpretar existência de uma “barreira de potencial”. Essa barreira de potencial, é dada em função da energia de Jacobi do ponto de Equilíbrio Lagrangiano L1 do sistema CJ(L1). Para que uma partícula seja capturada pelo planeta, sua energia CJ deve ser suficiente para vencer essa barreira. Disso, acarreta que a energia é suficiente para vencer a bar- reira e permitir que a partícula escape da referida captura. Portanto, faz-se necessário considerar mecanismos auxiliares que tornem permanente uma captura inicialmente temporária. 2.2.2 Mecanismos de captura Diante do cenário exposto, e impondo a requisição de uma teoria concisa, restam poucas maneiras possíveis de tornar uma captura permanente. Algumas delas são: 8 • Causar a redução da energia CJ da partícula, após captura da mesma, de modo que não seja possível vencer a barreira de potencial no sentido de escape da partícula. Ou seja, por meio de processos dissipativos: a) Fricção. Causada, por exemplo, por arrasto gasoso b) Migração planetária no sentido de afastamento do Sol. c) Aumento da massa planetária d) Fissão da partícula temporariamente capturada. • Aumentar o número de corpos ocasionando a quebra do vínculo dCJ dt = 0 e) Considerar o PR4C com 2 partículas sem massa. As partículas interagem mutua- mente quando estão próximas quebrando, temporariamente, o referido vínculo, e, quando suficientemente distantes, o cenário se resume à dois PR3C. f) Considerar o Problema de N Corpos. Os próximos parágrafos contêm exemplos de modelos teóricos que exploram cada uma das ideias listadas acima. 2.2.2.1 Captura com arrasto em meio gasoso As teorias de formação do Sistema Solar assumem que proto-planetas se formam em meio a um disco circunsolar, por acreção de gases e partículas oriundas do mesmo. Ao atingir di- mensões planetárias, o proto-planeta passa a ter domínio gravitacional sob o movimento do gás e matéria nas vizinhanças de seu entorno. Neste estágio, o disco de gás e matéria remanescente ao redor do planeta é chamado circumplanetário. Teoria do tipo “a” dentre as descritas acima, a captura por arrasto em gás propõe que os satélites irregulares são objetos capturados no estágio final de formação do planeta, antes do envelope de gás ser dissipado. A captura é, portanto, assistida pela ação do gás do disco circumplanetário remanescente, que reduz a velocidade orbital da partícula ao redor do planeta (Pollack et al., 1979; Ćuk & Burns, 2004; Vieira Neto & Winter, 2009). A redução de velo- cidade pode ser interpretada como dissipação da componente cinética da energia de Jacobi. O mecanismo de captura por arrasto em gás, como aqui resumido, descreve um modelo aparen- temente conciso. Entretanto, o seguinte conjunto de parâmetros impõem severas restrições ao modelo: • Perfil de densidade do envelope de gás. É um parâmetro altamente sensível do meca- nismo. A dissipação de energia é maior, quanto maior for a densidade do gás. Uma densi- dade uniforme, por exemplo, resultaria uma dissipação constante, ao passo que uma den- sidade radialmente decrescente resultaria em uma maior dissipação quanto maior fosse a 9 aproximação da partícula. Portanto, o fato de tal perfil ser um fenômeno não observável agrega grandes incertezas ao modelo (Pollack et al., 1996); • Tempo de colapso do referido envelope. Analogamente à discussão sobre o perfil de densidade do envelope, o tempo de colapso do envelope também é um parâmetro sensível do mecanismo e não observável; • Dimensão vs Massa da partícula capturada. A força de arrasto é maior quanto maior for as dimensões do objeto imergente. Consequentemente, em primeira análise conjectura-se que quanto maior for o objeto, mais rápido ele ira espiralar em direção ao planeta. Em contrapartida, quanto mais massiva for a partícula, maior será sua inércia, atenuando o efeito pressuposto pela primeira análise. O parâmetro “Dimensão vs Massa”, portanto, é em última análise um filtro de tamanho dos objetos que podem ser capturados. Cabe salientar que a combinação deste parâmetro com os outros dois discutidos anteriormente, resulta em um filtro variável no tempo, e variável em função do “potencial de penetração” da partícula. 2.2.2.2 Modelo Pull Down Literalmente traduzido para Português como “puxão para baixo”, pode-se dizer que o termo não é bem empregado, dado que o mecanismo é melhor compreendido em função da expansão esfera de Hill RH (Equação (3)) do planeta. 2.2.2.2.1 Digressão: Esfera de influência de Hill O raio de Hill RH é um “parâmetro de escala” do PCR3C3 que define a região esférica dentro da qual o campo gravitacional de um corpo massivo é dominante sobre o movimento da partícula. Em suma, para partículas orbitando a esfera de Hill bem adentro, como é o caso dos satélites regulares de Júpiter, o movimento pode ser considerado Kepleriano (Murray & Dermott, 1999). O raio de Hill é dado por: RH = (µ 3 )1/3 a, (3) em que µ é a razão de massas do planeta e do Sol, e a é o semi-eixo maior heliocêntrico do planeta. Note que o termo mais preciso seria “esfera de influência de Hill”, em que esfera de influência é um termo mais geral. Também vale notar que o semi-eixo crítico acrit de Goldreich (1966), também determina uma esfera de influência. Apesar do raio de Hill ser derivado do PCR3C, seu emprego é bastante comum, mesmo no 3O PCR3C - Problema Circular Restrito de 3 Corpos - é o caso particular do PR3C em que os corpos massivos estão restritos ao movimento circular em relação ao baricentro do sistema. 10 caso não circular. Estudos de estabilidade de satélites em órbitas planetocêntricas, por exem- plo, revelam que satélites prógrados são estáveis dentro de um raio crítico rcrit pro ≈ 0.48RH (Domingos et al., 2006), enquanto que os retrógrados são estáveis à maiores distâncias, isto é, rcrit ret ≈ 0.69RH (Hamilton & Krivov, 1997; Nesvorný et al., 2003; Yokoyama et al., 2008). Uma partícula temporariamente capturada, tem órbita planetocêntrica instável. Portanto, na maior parte do tempo sua distância radial ao planeta é maior que a distância radial crítica. Como visto na digressão acima (2.2.2.2.1), a distância radial crítica, que define a região circum- planetária estável, é dada em função do raio de Hill, e pode, portanto, ser expandida se o for o raio de Hill. Deste modo, o aumento do raio de Hill poderia ser tal que a região estável en- globasse a órbita originalmente instável, da partícula temporariamente capturada. Isso tornaria permanente a captura originalmente temporária da partícula. O mecanismo Pull Down (Heppenheimer & Porco, 1977) consiste em tornar um asteroide temporariamente capturado em um satélite permanentemente capturado via expansão do raio de Hill. É uma teoria do tipo “b/c” dentre as descritas no início da seção 2.2.2, em que o raio de Hill se expande devido à um aumento da massa “c” e/ou do semi-eixo maior “b” heliocêntrico do planeta, ou, ainda mesmo, devido à uma redução da massa solar (Brunini, 1995). Pollack et al. (1996), mostraram que tais capturas ocorrem para uma variação da massa planetária de cerca de 40%, ao passo que os resultados de Vieira Neto et al. (2004, 2006) apontam que capturas podem ocorrer para variações da massa planetária da ordem de 10%. Beaugé et al. (2002), por sua vez, mostrou que uma a expansão do raio de Hill devido à migração de afastamento é pouco provável, pois a migração deveria ocorrer rapidamente, antes do escape da partícula temporariamente capturada. Um migração tão rápida, ocasionaria a desestabilização dos satélites já existentes. Este modelo tem a principal deficiência de não levar em conta o efeito do arrasto gasoso do disco de gás circumplanetário existente na época de crescimento do planeta, que seria mais importante que o próprio aumento da massa planetária. Vale salientar que o processo inverso, digamos um “Push Up”, também é um ponto fraco do modelo. Um decaimento de órbita e/ou redução de massa do planeta, ocasionaria uma con- tração da região de estabilidade podendo resultar na perda de satélites pré-existentes mais ex- ternos. 2.2.2.3 Interações de troca Capturas do tipo “d/e” foram propostas por Colombo & Franklin (1971); Tsui (2000), sob cenários colisivos ou apenas de encontros próximos envolvendo interações tipo asteroide- asteroide ou asteroide-satélite. Colombo & Franklin (1971) propuseram que os sete satélites irregulares de Júpiter, conhecidos na época, tinham como origem comum a colisão de um as- teroide temporariamente capturado com um grande satélite primordial. Com resultado da coli- 11 são, os fragmentos produzidos teriam energia específica reduzida, bem como momento angular específico alterado devido à distribuição de velocidades. Assim, uma fração dos fragmentos permaneceria capturada por Júpiter como satélites irregulares. Uma teoria semelhante foi proposta por Tsui (2000), mas em um cenário sem colisão. Nesta teoria, um asteroide temporariamente capturado sofre um encontro próximo com um satélite grande, como por exemplo um dos Galileanos, que resulta nas trocas mútuas de energia e momento angular entre os dois corpos. Dado que o satélite é muito maior que o asteroide, sua órbita sofre uma perturbação negligenciável, ao passo que a órbita do asteroide sofre perdas de energia e momento angular suficiente para permanecer capturado. Ambas as teorias têm como ponto forte a independência de parâmetros não observáveis, bem como independência temporal, ou seja, capturas do tipo “d/e” podem ter ocorrido em qualquer instante da história de formação do Sistema Solar. Em contrapartida, a probabilidade de ocorrência de tais eventos é ínfima, o que agrega, portanto, uma deficiência no mecanismo. Embora Tsui (2000) não tenha dado devida ênfase em seu texto, ele afirma em uma breve sentença que seu modelo modelo também se aplicaria à um par de asteroide acoplados aden- trando a esfera de Hill. Muito provavelmente, Tsui não deu devida ênfase ao fato de seu modelo se aplicar à captura de asteroides binários porque, até então, menos de 15 objetos desta classe eram conhecidos no Sistema Solar (Figura(4)). Entretanto, podemos conjecturar que em 2002, quando a duplicação do número asteroides binários conhecidos apontava o início de um “era” de descobertas de tais objetos, Tsui (2002) percebeu a relevância da hipótese da origem dos satélites irregulares via reação de troca com asteroides binários. A Seção 2.2.3 é especialmente reservada à discussão do modelo. 2.2.2.4 Captura durante encontros planetários Concluindo a relação de possíveis teorias de modelos de captura listados no início da seção (2.2.2), o modelo mais representativo da teoria tipo “f” é, sem dúvidas o, já introduzido, modelo de captura de satélites irregulares durante encontros planetários (Nesvorný et al., 2007). O mecanismo consiste na captura de planetesimais de um disco, no qual dois planetas migrando sofrem um encontro de separação inferior à soma de seus respectivos Raios de Hill. Durante o encontro entre os planetas, uma grande fração dos planetesimais orbitando a região têm suas órbitas originais alteradas tornando-se ligados à um dos planetas. Com base no modelo de Nice (Tsiganis et al., 2005), inúmeros encontros ocorreram durante a fase de migração. Por- tanto, inúmeros encontros foram considerados, e a cada encontro os planetesimais capturados a partir do disco interagiam com planetesimais pré-capturados em encontros anteriores. Dentre várias simulações numéricas realizadas, os autores destacam uma em que 443 encontros ocor- reram. Note que ocorrem, portanto, interações de troca entre os planetesimais em processo de captura e os objetos pré-capturados. Tais interações de troca podem tanto resultar na remoção de objetos pré-capturados, como na captura de planetesimais em órbitas mais estáveis, de modo 12 análogo ao discutido previamente (2.2.2.3). Entretanto, o grande número de encontros aumenta substancialmente as probabilidades de captura. De fato, a eficiência de captura observada para Urano e Netuno, por Nesvorný et al. (2007) era uma ordem de grandeza superior às observadas para Júpiter e Saturno. Isso leva os autores à discutirem as 2 seguintes possibilidades: 1) A população de satélites irregulares de Júpiter e Saturno terem origem diferente da advo- gada por eles via encontros planetários, evidentemente válida para Urano e Netuno; 2) O modelo de Nice ter tido um evolução diferente da proposta por Tsiganis et al. (2005); Morbidelli et al. (2005) e Gomes et al. (2005), na qual Júpiter e Saturno sofreriam um número maior de encontros; Como já mencionado na Introdução (Capítulo 1), este é o modelo mais bem aceito para a origem dos satélites irregulares dos planetas gigantes. No entanto, no ano em que este modelo foi proposto não se aplicava ao caso de Júpiter. Entretanto, o modelo de Nice foi reformulado (Morbidelli et al., 2009, 2010), e o novo cenário, designado Jumping-Jupiter, estabelece que Júpiter sofrera encontros com outros planetas. Neste novo cenário, um dos gigantes de gelo, Urano ou Netuno, sofre encontros com Saturno e é lançado para dentro do Sistema Solar. Sub- sequentemente passa a ter encontros com Júpiter, que o lança, desta vez, para uma órbita muito mais alta que a original, anterior ao encontro com Saturno. Morbidelli et al. (2010) argumentam que, com isso, o modelo de captura de satélites irregulares via encontro planetário de Nesvorný et al. (2007) explicaria a origem dos satélites irregulares de Júpiter, fechando o problema da origem dos satélites irregulares no Sistema Solar. Contudo, valem as seguintes ressalvas: • Nesvorný et al. (2007) mostraram que a eficiência de seu modelo, é função do número de encontros registrados. Portanto, a alta eficiência de captura observada para os casos de Urano e Netuno se deve ao fato dos mesmos sofrerem inúmeros encontros mútuos em uma longa escala de tempo (∼ 5×106 anos, Tsiganis et al. (2005)). Em contrapartida, no modelo Jumping Jupiter as interações planetárias são mais bruscas, e a escala de tempo em que um gigante de gelo interage com Saturno e Júpiter é, ao menos, uma ordem de grandeza inferior (∼ 5× 105 anos, Morbidelli et al. (2010)). Portanto, conjectura-se que: – A eficiência de captura de Júpiter seria baixa, devido ao baixo número de encontros em curta escala de tempo. – Analogamente, a eficiência de captura de Saturno não se tornaria maior. – A eficiência de captura dos gigantes de gelo poderia ser comprometida pois o ter- ceiro planeta, Urano ou Netuno, seria ejetado à uma órbita mais próxima da ob- servada atualmente, o que acarretaria um número menor interações com o quarto planeta, Netuno ou Urano, respectivamente. • Outra possível inconsistência, talvez menos importante, é que a migração líquida de Jú- piter é decadente, o que acarreta uma retração de seu raio de Hill resultando um “Push Up”. Assim, satélites capturados em órbitas mais altas poderiam eventualmente escapar. 13 2.2.3 “A menina dos olhos”, o modelo de captura de asteroides binários Como já observado no final da Seção 2.2.2.3, embora Tsui (2002) seja o precursor da teoria de captura de asteroides binários, apenas em 2006, a teoria ganhou destaque, após a pu- blicação do artigo de Agnor & Hamilton (2006). Agnor e Hamilton, simplificaram a teoria embasada no Problema de 4 corpos de Tsui (2002), para uma teoria com 3 corpos sem a pre- sença do Sol. Particularmente, Agnor & Hamilton (2006) estudaram o caso de Netuno e Tritão, em que este último fora “removido” de seu par original. A teoria não foca a dissipação de ener- gia, mas sim, a interação de troca. Analisando o cenário em um sistema de coordenadas fixo em Tritão, em que um objeto de tamanho comparável o orbita originalmente, o processo se dá como se Netuno fosse gravitacionalmente capturado pro Tritão em detrimento, via ejeção, do objeto que originalmente o orbitava. O conceito é denominado reação de troca, e a energia do sistema se conserva. Os trabalhos de Tsui (2002); Agnor & Hamilton (2006) têm teor demasiadamente teórico, no sentido de que suas condições iniciais são hipoteticamente sintetizadas de modo a si- mular um encontro, do binário com o planeta, afim de se aferir a viabilidade do mecanismo. Os resultados de Agnor & Hamilton (2006) sumarizam capturas em órbitas extremamente excên- tricas, que demandam a assistência mecanismos auxiliares para reduzir e circularizar a órbita do Tritão capturado. Adicionando-se, a isso, o fato de que o Agnor e Hamilton não consideram os efeitos do Sol, a viabilidade do mecanismo é seriamente comprometida. Como já mencionado na Seção 2.2.2.2.1, órbitas retrógradas, com apocentro Q ≳ 0.69RH são instáveis (Hamilton & Krivov, 1997; Nesvorný et al., 2003; Yokoyama et al., 2008). 2.2.3.1 Marcos na história do estudo do mecanismo de captura de asteroides binários Note, na Figura(4), que enquanto o número de asteroides binários conhecidos mais que duplicara-se de ∼ 15, em 2000 (Tsui, 2000), para ≳ 30, em 2002 (Tsui, 2002), Agnor & Hamilton (2006) lançaram sua teoria em uma época em que mais de 100 objetos da classe haviam sido descobertos, e conhecidos em todas populações de asteroides do Sistema Solar. O crescente número de descobertas desses objetos considerados raros no Sistema Solar até o final da década que antecedeu a proposição da teoria em questão, motivava, portanto, o estudo do promissor modelo: • Vokrouhlický et al. (2008a) e Nogueira et al. (2011) inseriram mesma teoria, de 3 cor- pos, proposta por Agnor & Hamilton (2006) no cenário Nice de formação do sistema. A principal diferença desses novos estudos consiste em adotar como condição inicial do binário os encontros próximos ocorridos entre planetesimais e planetas nas simulações de evolução do modelo de Nice. Esses estudos agregaram maior respaldo ao estudo no que tange a questão das órbitas de encontro dos asteroides binários com os planetas serem mais próximas do que realmente deve ter ocorrido. Em contrapartida, o fato de se con- 14 tinuar negligenciando os efeitos do Sol na dinâmica, levou os autores a concluírem que (i) o mecanismo tinha baixa eficiência de captura (Vokrouhlický et al., 2008b), ao mesmo tempo que (ii) os objetos capturados deveriam sofrer efeitos seculares, afim de terem suas órbitas baixadas e circularizadas, e, assim, alcançarem as órbitas observadas atualmente (Nogueira et al., 2011). Ambos os trabalhos, apontam o mecanismo de captura de asteroi- des binários como provável a origem de Tritão. No entanto, Vokrouhlický et al. (2008b) concluem que Tritão deve ter sido capturado logo após a formação de Netuno, enquanto o disco de planetesimais ainda era dinamicamente frio, ao passo que Nogueira et al. (2011) aponta uma rara possibilidade de Tritão haver sido capturado em qualquer instante em uma órbita extremamente baixa (aTrit ≲ 50R[). Ainda no escopo do caso particular da origem de Tritão, cabe ressaltar o estudo analítico de captura de estrelas binárias ao redor de buracos negros de Kobayashi et al. (2012), que no entanto pôde ser “extrapolado” para análise do caso de Tritão. • Após Tsui (2002), a primeira publicação de um trabalho sobre captura de asteroides biná- rios considerando os efeitos do Sol foi a de Philpott et al. (2010). Assim como o trabalho descrito nesta tese, Philpott et al. (2010) também focaram-se no caso das capturas de asteroides binários por Júpiter. Eles concluíram que a troca de energia entre os asteroi- des binários era suficiente para que um dos componentes permanecesse capturado, mas, no entanto, as órbitas eram muito altas e excêntricas, demandando a assistência de um mecanismo auxiliar para redução e circularização dos objetos capturados. Assim, argu- mentaram que um disco de gás bastante tênue seria capaz cumprir tal feito. Em síntese, mesmo considerando o efeito do Sol, os resultados de Philpott et al. (2010) são similares aos de Vokrouhlický et al. (2008b). • Um modelo mais complexo, proposto por Quillen et al. (2012), considera o cenário de dois planetas migrando devido a interações com um disco de planetesimais exterior. Eles mostram que tal captura é estatisticamente improvável para os planetas gigantes internos, isto é, os gasosos. O trabalho também discute uma possível aplicação do modelo em exoplanetas. • Concluindo este capítulo, grande parte dos resultados obtidos durante os quatro anos de meu doutorado estão publicados em Gaspar et al. (2011) e Gaspar et al. (2013). Como discutido ao longo das páginas do Capítulo 4, um conjunto de condições iniciais bem propícias são a chave para se reproduzir órbitas semelhantes às dos satélites irregulares de Júpiter via captura de asteroides binários. 15 3 PLANETAS MENORES Dentre os objetos que ocupam a segunda ordem na hierarquia do Sistema Solar, encontram- se os planetas, os planetas menores e os cometas. Os planetas menores constituem a classe de objetos mais numerosa no Sistema Solar. “Planeta anão”, são planetas menores que atendem aos dois primeiros critérios da resolução 5A UAI - União Astronômica Internacional: Um “planeta” é um corpo celeste que: a) Orbita ao redor do Sol b) Tem massa suficiente para que sua auto-gravidade sobreponha forças de corpo rí- gido, tal que o mesmo assuma um equilíbrio hidrostático. Em suma, quase esférico. c) Tenha limpado toda a região ao redor de sua órbita. Historicamente, o termo asteroide tem sido empregado de maneira bem abrangente, bem como na presente tese com o uso do termo asteroide-binário. 3.1 ASTERÓIDES BINÁRIOS O termo “asteroide binário” é comummente empregado para se referir à pares de planetas menores que orbitam seu baricentro comum. O termo se aplica à pares de objetos de tamanhos comparáveis, bem como a objetos que possuem um pequeno satélite. No primeiro caso, em que a razão massas é próxima da unidade, também empregam-se os termos asteroides duplos ou dubletos (Noll, 2006). Noll (2006), descreve que a busca por eventuais asteroides biná- rios perdurou por 2 séculos até a descoberta de (243) Ida e Dactyl. Dois principais trabalhos resumem essa busca (Merline et al., 2002; Richardson & Walsh, 2006), que começou imediata- mente após a descoberta de (1) Ceres em 1801, a primeira evidência de existência de asteroides binários. Observadores procuraram sem sucesso por asteroides binários até que em 1993, atra- vés da sonda Galileu, foi possível detectar um satélite de (243) Ida batizado de Dactyl (Benner & Carlson, 1994). A Figura(3a) mostra a imagem do primeiro as asteroide binário conhe- cido (243) Ida/Dactyl, obtida pela sonda Galileu. A Figura(3b) mostra uma concepção artística do asteroide dubleto (90) Antíope (www.eso.org, 2007). As imagens (a) e (b) da Figura(3) destacam a diferença entre um dubleto e um asteroide com um satélite. Atualmente, asteroides- binários conhecidos no Sistema Solar são encontrados nas três principais populações de corpos menores: • 46 binários na população de objetos próximos à Terra; • 18 binários entre os objetos cruzadores da órbita de Marte; 16 (a) (b) Figura 3: Em (a), (243) Ida e Dactyl, imagem de 1994 feita pela sonda Galileu do primeiro aste- roide binário descoberto no Sistema Solar. FONTE: (NASA/JPL). Em (b), Concepção artística do asteroide dubleto (90) Antíope. Créditos: Copyright European Southern Observatory. • 88 binários entre os objetos do Cinturão Principal; • 4 binários entre os Troianos de Júpiter; • 77 binários trans-netunianos; A Figura(4) mostra a evolução do número de descobertas de asteroides binários ao longo dos anos. 0 50 100 150 200 250 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 C um ul at iv e nu m be r of b in ar ie s di sc ov er ie s Year Pluto-Charon Ida-Dactyl (2047) Smetana Figura 4: Histograma de asteroides-binários descobertos ao longo dos anos. (Fonte: Johnston 2013, http://www.johnstonsarchive.net; 26 de março de 2013.) 17 3.2 O CINTURÃO PRINCIPAL DE ASTEROIDES O Cinturão Principal de asteroides consiste em uma população da referida classe de ob- jetos localizada entre as órbitas de Marte (a♂ = 1, 52UA) e Júpiter (aX = 5.20UA). O termo “Principal” no nome remete ao fato do cinturão constituir a primeira população de ob- jetos classificados como asteroides. No início século XIX, Giuseppe Piazzi descobriu Ceres, o então “quinto planeta”, previsto pela Lei de Titius-Bode mas, até então, não observado. Após a descoberta de Palas, por Heinrich Olbers, orbitando na mesma “posição” que Ceres, a Lei de Titius-Bode é posta em cheque, dado que dois planetas não poderiam orbitar a mesma “po- sição”. Para acomodar os dois objetos à teoria, conjecturou-se que Ceres e Palas tratavam-se de fragmentos de um planeta maior. Contudo, ao dedicar seu estudo à natureza dos dois obje- tos, Willian Herschell propõe defini-los como uma nova classe de objetos, chamada asteroides. Surgia, portanto, o que futuramente se tornaria o Cinturão Principal de Asteroides. 3.2.1 Os Hildas e a ressonância 3:2 Dentre algumas peculiaridades do Cinturão Principal, destaca-se com maior relevância para construção da presente tese a família Hilda. A Figura(5) apresenta a distribuição orbital dos Hildas no espaço a×e×I . 0.00 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30 3.70 3.75 3.80 3.85 3.90 3.95 4.00 4.05 4.10 4.15 4.20 E x ce n tr ic id ad e Semi−eixo maior (UA) 3 :2 0 4 8 12 16 20 In cl in aç ão ( g ra u s) Figura 5: Distribuição orbital da família dos Hildas do Cinturão Principal. A linha cinza trace- jada denota a localização da ressonância de movimento médio de comensurabilidade 3:2. Localizada na borda exterior do Cinturão Principal, a família dos Hilda consiste de um grupo dinâmico de asteroides em ressonância de movimento médio de comensurabilidade 3:2 18 com Júpiter, isto é, os asteroides da família completam 3 períodos orbitais dentro de um inter- valo de tempo de cerca de 2 períodos orbitais de Júpiter. A comensurabilidade 3:2, é matemati- camente descrita em termos dos períodos orbitais como: 3TH = 2TX, (4) em que TH e TX são os períodos orbitais dos Hildas e Júpiter, respectivamente. Da Lei de Kepler, temos que: n2X a3X = 4 π2 T 2X a3X = G ( M☼ +MX) ≈ G ( M☼ +MH ) = n2 H a3H = 4 π2 T 2 H a3H (5) n2Xa3X = 4 π2 T 2X a3X ≈ 4π2 T 2 H a3H = n2 Ha 3 H, (6) em que G é a constante de gravitação universal, M☼, MX, MH, são as massas do Sol, de Júpiter e do asteroide, respectivamente, e nX e nH são respectivamente os movimentos médios de Júpiter, e do asteroide. A Equação (6), se resume a: aH ≈ ( TH TX )2/3 aX = ( nX nH )2/3 aX. (7) Por fim, usando a relação (4), chega-se a: aH ≈ ( 2 3 )2/3 5, 2UA = 3, 97UA (8) Portanto, nota-se que os Hildas concentram-se em torno do semi-eixo maior ressonante, como salientado pela linha tracejada na Figura(5). A existência dos Hildas se deve, de fato, à ressonância existente na região onde se encontram, pois encontram-se em fase estável. 3.2.1.1 Digressão: A ressonância 3:2 Ressonâncias são fenômenos comumente observados em sistemas dinâmicos de natureza periódica, e podem ser estáveis ou instáveis dependendo das diferenças de fase. Em dinâ- mica orbital, observam-se vários tipos de ressonâncias, como por exemplo a ressonância de movimento médio, largamente observada no Sistema Solar. Na Capítulo 1, mencionou-se que Júpiter e Saturno experimentaram interstício de ressonância de movimento médio de comen- surabilidade 2:1 durante a era de migração dos planetas recém-formados. Este, portanto, é um exemplo no qual a ressonância 2:1 assume um papel de suma importância na evolução do Sis- tema Solar. Para construção da presente tese, a ressonância 3:2 assume tal papel. Nesta seção, analisaremos em detalhes as ressonâncias 3:2 estável e instável. 19 Sol A, G, M A,E,I,M B,H B,F,J C,I C,G,KD,J D,H,L E,K F,L Jupiter ϖ = 0 Figura 6: Exemplo de órbita heliocêntrica em ressonância de movimento médio de comensura- bilidade 3:2. A órbita em azul tem (a, e) = (3, 9 , 0, 3), e Júpiter (a, e) = (5, 2 , 0, 05). Ambos os corpos “partem” dos respectivos pericentros de suas órbitas ( f (0) = f (0)X = 0◦ ) . Pericen- tros alinhados ( ϖ = ϖX) . As letras indicam a posição dos corpos na órbita de acordo com a evolução temporal. O efeito causado pela ressonância de movimento médio, se deve ao fato dos objetos res- sonantes visitarem determinadas configurações periodicamente, resultando em um efeito cu- mulativo. Se tais configurações forem favoráveis à estabilidade do sistema, o efeito cumulativo perpetuará a estabilidade do sistema. No exemplo da Figura(6), Júpiter e um asteroide em ressonância 3:2, encontram-se no pericentro de suas respectivas órbitas, os quais encontram-se alinhado (configuração A). O sistema evolui durante um intervalo de tempo correspondente à 1 4 do menor período até alcançar a configuração B, e em seguida por mais um intervalo de tempo de 1 4 do menor período até alcançar a configuração C, e assim por diante até completar o ciclo de três períodos orbitais menores até alcançarem a configuração M, por obséquio igual à A, ponto em que o ciclo volta a se repetir. A projeção orbital da Figura(6) não é a mais apropriada para se inferir determinadas configurações, como conjunções e elongações, por exemplo. Entretanto, proporciona uma in- terpretação da evolução orbital mais intuitiva. Verifica-se, durante o referido ciclo de 3 períodos orbitais menores, que ocorrem 4 conjunções: 1a Quando o sistema se encontra na configuração A=M, durante o instante de passagem pelo pericentro. Também é a configuração de máxima aproximação orbital. Contudo, é o estado de maior velocidade orbital de ambos os objetos, de modo que o tempo de interação é o mais breve possível; 2a Quando o sistema evolui de E para F. Neste caso o corpo interno se afasta do pericentro 20 Sol Júpiter A,M B,D E F G H I J,L K C ϖ = 0 Figura 7: Mesma órbita da Figura(6), porém projetada no sistema de coordenadas sinódico fixo em Júpiter. de sua órbita enquanto Júpiter se aproxima do pericentro de sua. Resultando um interação de curta duração, dado que ambos estão bem próximos do pericentro; 3a Quando o sistema se encontra na configuração G. Neste caso, o corpo interno se encon- tra no apocentro de sua órbita, estado de menor velocidade orbital. No entanto, o corpo interno encontra-se na configuração de maior distância tanto do Sol como de Júpiter, que por sua vez encontra-se no estado de maior velocidade orbital. Ainda que a “pior” confi- guração possível em termos de perturbação, esta não constitui um estado de considerável desestabilização do sistema; 4a Quando o sistema evolui de H para I. Simetricamente à primeira conjunção, o corpo interno se aproxima do pericentro de sua órbita enquanto Júpiter se afasta do pericentro da sua. Resultando, analogamente, uma interação de curta duração. A projeção orbital da Figura(7), é mais apropriada para se inferir as propriedades listadas acima, mas no entanto proporciona algumas dificuldades de interpretação da evolução orbital. Contudo, comparando-se as figuras 6 e 7, nota-se que: • O ciclo de 3 períodos orbitais assume a forma aproximada de um triângulo isósceles, com “lados” CG e GK iguais. • Os vértices do “triângulo” correspondem às passagens pelo apocentro da órbita; • Os pontos médios das arestas do “triângulo” correspondem às passagens pelo pericentro da órbita; 21 • Dado que os pontos demarcados na órbita são tautócronos, a distribuição temporal ao longo do ciclo é altamente concentrada nos vértices do “triângulo”. Cerca de 2 períodos orbitais nos vértices, e 1 período orbital transitando ao longo das arestas. Sol A, G, M A,E,I,M B,H B,F,J C,I C,G,K D,J D,H,L E,K F,L Jupiter ϖ = 0 Figura 8: Análogo à Figura(6), porém ambos os corpos partem dos respectivos apocentros de suas órbitas ( f (0) = f (0)X = 180◦ ) . Pericentros alinhados ( ϖ = ϖX) . Sol Júpiter A,M B C D E F G H I J K L ϖ = 0 Figura 9: Mesma órbita da Figura(8), porém projetada no sistema de coordenadas sinódico fixo em Júpiter. Opostamente ao que se observa para o caso de ressonância estável das figuras 6 e 7, a ressonância instável do exemplo apresentado nas figuras 8 e 9 revela que as 4 conjunções ocorridas durante o ciclo de 3 períodos orbitais menores desfavorecem à estabilidade orbital: 22 • Nota-se que as três conjunções ocorrem, na prática, de forma ininterrupta: A conjunção que ocorre na configuração A=M do sistema, é precedida pela inacabada conjunção ocorrida durante a evolução do sistema da configuração L para a M. De ma- neira análoga, ocorre, na sequência, a conjunção durante a evolução da configuração A para a configuração B. Essa “tripla conjunção contínua”, ocorre exatamente durante a passagem de ambos os objetos pelos seus respectivos apocentros, caracterizando uma condição extremamente desfavorável à estabilidade do sistema. • A quarta conjunção, que ocorre na configuração G do sistema, não consiste em uma configuração instável. Na configuração G, o corpo interno está passando pelo pericentro, onde se caracteriza seu estado de maior velocidade orbital. Portanto, o exemplo apresentado nas figuras 8 e 9, consistem em uma ressonância instável. O efeito da ressonância acarretará, portanto, o colapso da órbita. Note que, ambos os exemplos, das figuras 6 e 8, tratam-se da mesma órbita diferindo apenas em fase. Evidentemente, existem infinitas possibilidades de diferenças de fase, e os exemplos adotados retratam os dois casos extremos: estável e instável. Como já mencionado no início da seção, a família Hilda encontra-se em ressonância 3:2 com Júpiter. A Figura(10) apresenta a distribuição dos Hildas no sistema de coordenadas sinódico fixo em Júpiter. Sol Júpiter U A 2 U A 5 U A 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 In cl in aç ão ( g ra u s) Figura 10: Instantâneo da configuração dos Hildas no sistema de coordenadas sinódico fixo em Júpiter. 23 Note a semelhança entre distribuição dos Hildas na Figura(10) e a órbita “triangular” do exemplo da Figura(7). Ressalvando que o exemplo da Figura(7) corresponde à um caso extremo da família Hilda (e = 0, 3), toda a argumentação realizada acerca da mesma aplica-se aos objetos da família Hilda: • No sistema de coordenadas heliocêntrico sinódico fixo em Júpiter, os Hildas distribuem- se em uma região triangular. • Permanecem na região dos vértices por cerca de 2 períodos orbitais ∼ 16 anos, e cerca de 1 período orbital ∼ 8 anos transitando pelas arestas do triângulo. • Do item anterior, percebe-se que a qualquer instante em que se observa a configuração instantânea dos Hildas, a população concentrada nos vértices do triângulo é aproximada- mente o dobro da população distribuída ao longo das arestas. • Devido à fase de seus objetos relativa à Júpiter, os Hildas estão protegidos pela ressonân- cia 3:2. 24 4 ESTUDO DE CAPTURA DE ASTEROIDES BINÁRIOS Ao longo do curso de doutorado, o principal estudo desenvolvido foi sobre o mecanismo de captura de asteroides binários. Como já visto na Seção 2.2.3, vários artigos relacionados a este assunto foram publicados ao longo da última década, dentre os quais constam dois artigos de nossa autoria (Gaspar et al., 2011; Gaspar et al., 2013). Neste capítulo, serão abordados com detalhes todo estudo realizado. 4.1 O INÍCIO: CASO COPLANAR Como “manda” o método ortodoxo, o estudo foi iniciado considerando-se o caso mais simples, mas, evidentemente, um passo a frente dos estudos já existentes (Tsui, 2002; Agnor & Hamilton, 2006). A proposta inicial, portanto, restringia-se ao estudo do mecanismo de captura de asteroides binários sob o cenário do PC4C - Problema Circular de Quatro Corpos - com Sol, Júpiter e um asteroide binário, coplanares. Ainda que restrito ao caso coplanar, o fato de incluir o Sol ao estudo, acarreta o desafio de se encontrar condições iniciais que resultem em encontros do asteroide binário, inicialmente em órbita heliocêntrica, com Júpiter. Note que, no problema de três corpos, considerando-se apenas um planeta e o par de asteroides, o campo gravitacional no baricentro do asteroide binário é um campo central, de modo que, para este, a condição inicial é facilmente obtida através do parâmetro de impacto (Goldstein, 1980). Portanto, para obter as condições iniciais, tiramos vantagem do conhecimento adquirido através do Estudo de Tempo de Captura (Vieira Neto & Winter, 2001). A próxima seção 4.1.1, contém a abordagem detalhada da Estudo de Tempo de Caputra. Neste ponto do texto cabe a breve digressão: Desde o início de nossos estudos, às condi- ções iniciais que integradas numericamente resultam em encontro próximo do asteroide binário com Júpiter, designamos o termo Condições Iniciais Propícias. Foram assim designadas, por serem propícias à gerar o encontro esperado do asteroide binário com Júpiter. Com efeito, as Condições Iniciais Propícias revelaram-se como peça chave no estudo do mecanismo. Es- sencialmente, constituem o fator que distingue nosso trabalho dos demais já citados, e, como veremos mais adiante, é um ponto crucial desta tese. 4.1.1 Estudo de Tempo de Captura Como já discutido na Seção 2.2.1, no PR3C as capturas gravitacionais são temporárias. O estudo de Tempo de Captura (Vieira Neto & Winter, 2001) consiste em mapear a estabili- dade das órbitas planetocêntricas em função do tempo de colapso orbital. Para tanto, defini-se uma grade de condições iniciais planetocêntricas a×e de partículas teste. As partículas são 25 numericamente integradas com passo de tempo negativo, e as condições iniciais da mesma são rotuladas de acordo com o destino da partícula. Para partículas que permanecem em órbita ao redor do planeta durante todo o tempo de integração, as respectivas condições iniciais são classificadas como estáveis na escala de tempo considerada. Partículas que evoluem para um órbita planetocêntrica aberta, são, portanto, mapeadas de acordo com o tempo de escape desde o início da integração. Também mapeiam-se partículas que colidem com o planeta, cujas res- pectivas condições iniciais são mapeadas como órbitas de colisão. Dada a reversibilidade das equações do movimento, as órbitas de escape na integração temporal reversa são órbitas de cap- tura temporária ao se considerar o problema no sentido temporal direto, e o tempo de escape corresponde à um tempo mínimo de captura temporária. Para obter condições iniciais propícias à ocorrência de captura de asteroides binários, lan- çamos mão do estudo de Tempo de Captura descrito. No estudo do caso coplanar, mapeamos o espaço de condições iniciais Jovianas 0RH ⩽ a ⩽ 1, 0RH e 0 ⩽ e ⩽ 1.0, com resolução ∆a = 0.005RH e ∆e = 0.005, em que RH representa o raio de Hill de Júpiter, como definido pela Equação (3). As partículas foram configuradas com inclinação orbital nula, com ângulos de fase idem, isto é, I = ϖ = ω = f = 0◦. Estas condições iniciais serão doravante denomi- nadas Condições Iniciais Primárias. A Figura(11) apresenta o mapa de tempos de captura e a distribuição da s condições primárias adotadas. Na Figura(11b), são distintas as condições ini- ciais primárias com tempos de captura superiores e inferiores à 103 anos, e são respectivamente denominadas condições iniciais de Tempo-Longo e Tempo-curto. 0.2 0.4 0.6 0.8 1 Semi-eixo maior (rH) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 E x ce n tr ic id ad e 10 0 10 1 10 2 10 3 10 4 T em p o d e ca p tu ra ( an o s) (a) 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 E x c e n tr ic id a d e Semi-eixo maior (rH) (b) Figura 11: Em (a), mapeamento da estabilidade orbital em função do tempo de captura dado pela escala de cor. Cruzes verdes representam órbitas de colisão. Em (b), condições iniciais primárias adotadas no estudo de captura de asteroides binários. Cruzes verdes e pretas indicam condições iniciais primárias com tempo de captura inferior e superior à 103 anos, respectiva- mente. Figura 2 do artigo Gaspar et al. (2011). 26 0.00 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30 0.35 4.0 5.0 6.0 7.0 8.0 E x ce n tr ic id ad e Semi-eixo maior (UA) Jupiter Figura 12: Distribuição das Condições iniciais propícias no espaço a×e heliocêntrico. Cores verde e preta indicam casos de condições provenientes de condições primárias de tempo de captura inferiores e superiores à 103 anos, respectivamente. Como já mencionado, o tempo de escape da partícula teste observado na integração re- versa, corresponde ao tempo de captura quando a mesma trajetória é considerada no sentido temporal direto. Pois bem, como Condição Inicial Propícia, adotamos o estado do sistema pos- terior ao escape da partícula na integração reversa, afinal, tal estado deverá evoluir para uma captura quando integrado no sentido temporal direto. O instante de tempo, posterior ao es- cape, do estado adotado como condição inicial propícia é inferior à 1 ano. A distribuição das órbitas heliocêntricas correspondentes estão apresentadas na Figura(12). Note que as condi- ções iniciais de Tempo-Longo são órbitas interiores à órbita de Júpiter. À este fato, atribui-se a interpretação das órbitas de longo tempo de captura possuírem um valor de energia de Ja- cobi comparável à energia de Jacobi do ponto de Equilíbrio lagrangiano L1. Isso acarreta uma única e estreita abertura localizada exatamente sobre o mesmo, caracterizando i) uma pequena janela de escape/captura unicamente para a região interior, e ii) de longo tempo dada a restrita configuração r⃗ × v⃗ que possibilita tal passagem. À cada condição inicial propícia apresentada na Figura(12), um série de 2 400 asteroides binários foi gerada incluindo-se um segundo asteroide secundário em órbita da partícula teste, agora promovida à asteroide primário. As massas adotadas para os asteroides primário m1 e secundário m2 foram 1020 kg e 1019 kg, respectivamente. As órbitas do asteroide secundário ao redor do primário foram distribuídas em distância radial e fase obedecendo a seguinte grade: 0, 005 rH ⩽ aB ⩽ 1, 0 rH, 0◦ ⩽ fB ⩽ 330◦, com resolução ∆aB = 0, 005 rH e ∆fB = 30◦, inicialmente circular eB = 0, e inclinação e ângulos de fases nulos, isto é, IB = ϖB = ωB = 0◦. Note que o sub-índice “B”, remete à Binário, e denotará doravante os elementos do asteroide secundário com relação ao primário. Além disso, rH, é o raio de Hill do asteroide primário no instante de configuração do binário, e está denotado com “r” minúsculo para ser diferenciado do raio de Hill de Júpiter escrito com “R” maiúsculo. 27 4.1.2 Simulações Numéricas de captura Bem como nas simulações numéricas do estudo de tempo de captura, utilizamos um in- tegrado numérico de espaçamento Gauss-Radau (Everhart, 1985). Para o estudo de captura de asteroides binários, foram realizadas simulações numéricas de 104 anos das condições iniciais descritas na seção anterior. Foi implementado, junto ao integrador, um algoritmo de análise de trajetórias de captura baseado na análise de energia do problema de 2-corpos. A energia de 2-corpos, é um parâmetro que define se uma órbita é fechada ou aberta. • Inicialmente, o asteroide binário deve estar mutuamente ligado, e em órbita heliocêntrica, mas em órbita aberta com relação à Júpiter. • A integração é iniciada, e o algoritmo infere a cada passo de integração se: – O binário se mantém mutuamente ligado. Caso contrário, uma ruptura prematura é constatada a integração é interrompida. – O binário torna-se capturado, temporariamente, por Júpiter. O instante de tempo em que tal captura é identificada é rotulado como T1, e o tempo de captura passa a ser computado. Observe os triângulos azuis nos painéis (a) e (b) da Figura(13). • Após o instante T1, o algoritmo passa a verificar se: – O binário escapa da captura temporária. Neste caso, identifica-se um escape prema- turo, e a integração é interrompida. – O binário se rompe. O instante de tempo em que se constata a ruptura é rotulado como T2. Observe os quadrados verdes nos três painéis da Figura(13). • Após o instante T2, o algoritmo analisa cada asteroide individualmente, e verifica se, um dos asteroides escapa enquanto o outro permanece capturado. Neste caso o instante é rotulado T3. Identificado na Figura(13) por triângulos roxos, com um vértice para baixo. • Após o instante T3, o algoritmo infere se a energia de Jacobi do asteroide remanescente permanece superior à energia de Jacobi do ponto Lagrangiano L1. Isso corresponde à uma curva de velocidade zero fechada ao redor do planeta, ou, em outras palavras, uma barreira de potencial que impede o escape da partícula, de modo que: – Se tal estado for verificado por um intervalo de tempo de 100 anos, defini-se que o objeto está permanentemente capturado. – Se por alternar para um valor inferior ao mencionado, a simulação é interrompida e computada como um escape sucessivo. No entanto, tal ocorrência é um resultado inesperado dado que após a ruptura do asteroide binário, a interação mútua entre os asteroides é negligenciável, especialmente após o instante T3, em que um dos 28 asteroides deixa de orbitar as vizinhanças de Júpiter. A Figura(13c) destaca as constantes de Jacobi, após a ruptura. A Figura(13), portanto, apresenta um exemplo clássico de trajetória de captura de aste- roide binário. O foco do estudo publicado no artigo (Gaspar et al., 2011), foi voltado à análise das configurações do sistema correlacionadas com a captura permanente de um dos componen- tes do asteroide binário. Em outras palavras, buscou-se identificar as configurações favoráveis à captura. Os resultados revelaram diversas evidências de características do mecanismo favo- ráveis à captura. Entretanto, neste texto, reservaremo-nos a apresentação dos resultados mais relevantes à construção da presente tese, como consta na seção que segue. 4.1.3 Resultados relevantes do estudo do caso coplanar O primeiro resultado relevante, e quiçá mais importante, para a construção da presente tese é a identificação das Condições Iniciais Propícias. O essencial a se saber sobre tais, foi abordado na Seção 4.1.1. Adicionalmente, os resultados das simulações de captura de asteroi- des binários, revelaram as condições iniciais propícias de Tempo-Longo como realmente favo- ráveis à ocorrência de capturas permanentes. Para estas, observou-se uma eficiência de captura de ∼ 11%. Inversamente, as condições iniciais propícias de Tempo-Curto destacaram-se pela baixíssima estatística de capturas permanentes ∼ 0, 5%, revelando-se, portanto, altamente des- favoráveis à ocorrência de tais. Outro resultado de relevância à presente discussão, é a discrepância das probabilidades de capturas do asteroide secundário em comparação ao primário. Para os casos de Tempo-Longo, apreciou-se uma probabilidade de captura permanente de ≳ 10, 5% do asteroide secundário contra ∼ 0, 5% do asteroide primário. Visto que a captura permanente deve ocorrer devido às trocas mútuas de energia entre os asteroides, compreende-se que o corpo de menor inércia sofra maiores perdas de energia, acarretando sua maior probabilidade de captura permanente. Note na Figuras (13b) e (13c), que a dissociação do par, acarreta uma partição de energia de aproximadamente 1 pra 10. Essa partição se deve ao fato da massa do asteroide secundário ser exatamente 1/10 da massa do asteroide primário. Um terceiro resultado de destaque, consiste em um característica intrínseca do asteroide binário. Notou-se que a separação inicial do asteroide binário, é fator determinante ao favore- cimento de captura. Na Figura(14), nota-se que a fração de binários dissociados cresce rapida- mente em função do aumento da separação inicial do binário, tendendo à 100%. Este perfil é intuitivamente esperado, visto que a energia de ligação do binário é menor quanto maior for sua separação, e, portanto, a dissociação deste ocorre mais facilmente quanto maior for sua separa- ção. O percentual de capturas permanentes, inicialmente cresce proporcionalmente à fração de rupturas, o que é esperado uma vez que a captura permanente só ocorre devido à dissociação do binário, como evidencia a Figura(13c). Contudo, para aB ⪆ 0.1 rH, o percentual de capturas 29 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0 1.5 -0.5 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 Y ( U A ) X (UA) Jupiter P1 P2 T1 T2 T3 -0.1 0.0 0.1 -0.3 -0.2 -0.1 0.0 Zoom (a) -2.0x10 -2 -1.5x10 -2 -1.0x10 -2 -5.0x10 -3 0.0x10 0 5.0x10 -3 1.0x10 -2 1.5x10 -2 2.0x10 -2 0 2 4 6 8 10 12 14 -9x10 -7 -6x10 -7 -3x10 -7 0x10 0 3x10 -7 6x10 -7 9x10 -7 E n er g ia d e 2 -c o rp o s d o a st er o id e re la ti v a a Ju p it er E n er g ia m u tu a d e 2 -c o rp o s d o b in ar io Tempo (anos) T1 T2 T3 P1 P2 Binario (b) -0.005 0.000 0.005 0.010 0.015 0.020 0.025 0 2 4 6 8 10 12 14 C J Tempo (anos) T1 T2 T2 T3 ligado desligado CJ(P2)-CJ(L1) CJ(P1)-CJ(L1) (c) Figura 13: Exemplo de uma trajetória de captura. Em (a), exemplo de trajetória planetocêntrica de captura de um asteroide binário. Sinais vermelhos e azuis identificam as órbitas do asteroide principal e secundário, respectivamente. Na janela ampliada, a flecha preta aponta a direção do Sol no instante T2, em que os asteroides se localizavam no “quadrado verde”. O painel (b) mostra a evolução das energias de 2-corpos mútua, representa pela curva lilás, e de ambos os asteroides com relação à Júpiter em vermelho e azul, de modo análogo ao painel (a). Analoga- mente, o painel (c) apresenta a evolução das energias de Jacobi. Figura 5 do artigo Gaspar et al. (2011). 30 10 -1 10 0 10 1 10 2 0.00 0.20 0.40 0.60 0.80 1.00 P o rc en ta g em d o s ca so s in ic ia is aB inicial (rH) Rutpuras Colisoes mutuas Capturas permanentes Figura 14: Histograma de resultados das integrações numéricas de capturas de asteroides biná- rios, em função da separação inicial do mesmo. A curva azul, representa o percentual de casos que resultaram em captura permanente de um dos componentes do asteroide binário. Analoga- mente, as curvas preta e violeta representam as frações percentuais de casos em que constatou-se ruptura do asteroide binário e colisões mútuas do mesmo, respectivamente. A escala de separa- ção é dada em função do raio de Hill do asteroide primário no início da integração. Figura 4 do artigo Gaspar et al. (2011). atinge o seu máximo e passa a decrescer em função do aumento da separação inicial. A inter- pretação atribuída a este comportamento, consiste no fato da energia inicial permutável, por sua vez proporcional ao potencial de ligação do binário, ser inversamente proporcional à separação inicial do binário. Portanto, o aumento da separação inicial do binário acarreta a diminuição de energia mútua permutável, e consequente decaimento da probabilidade de captura permanente. A Figura(15) apresenta a distribuição final no espaço a×e, de elementos osculadores. Todos objetos no gráfico são estáveis no cenário do PR3C dado que têm energia de Jacobi maior que a energia de Jacobi do ponto lagrangiano L1. Contudo, ao se considerar os efeitos de um cenário mais realista, a maioria dos objetos será removida, isto é, todos com a ≳ 0, 36RH. Não obstante, o grande resultado é elucidado pela fração de ∼ 0, 8% destacados dentro da caixa cinza, pois são objetos de formas orbitas comparáveis aos satélites irregulares prógrados reais. Note, entretanto, que tratam-se de objetos coplanares, ao passo que os objetos reais apresentam inclinações de até ∼ 43◦. 4.1.4 Conclusões Os três resultados destacados na seção anterior (4.1.3), recaem sobre uma única questão chave, a Troca de Energia: 31 0.00 0.20 0.40 0.60 0.80 1.00 0.00 0.20 0.40 0.60 e a (RH) ~0.8% encerrado Figura 15: Distribuição final a×e dos objetos permanentemente capturados. As cores azul e vermelha distinguem casos de captura dos asteroides secundário e primário, respectivamente. Os círculos pretos representam os satélites irregulares prógrados Júpiter. Figura (9 a) do artigo Gaspar et al. (2011). 1. Como discutido na Seção 4.1.1, as condições iniciais propícias de Tempo-longo, estão associadas à curvas de velocidade zero com pequena abertura sobre o ponto de equilíbrio lagrangiano L1. Pois bem, isso equivale afirmar que a troca de energia necessária para tornar a captura permanente é proporcional à variação da energia de Jacobi para tornar a curva de velocidade zero fechada em L1. Em outras palavras, a variação de energia impõe uma barreira de potencial ao objeto capturado. Em suma: As condições iniciais mais favoráveis são as que demandam menores trocas mútuas de energia 2. Como já mencionado na seção anterior, a maior probabilidade de captura do asteroide secundário, é o reflexo de uma maior variação de energia ser impressa sobre um corpo de menor inércia. Em suma: O corpo de menor inércia é mais favorável à captura por sofrer a maior variação de energia 3. Também explicitado na seção anterior, o perfil da curva de probabilidade de capturas per- manentes em função da separação inicial do binário, reflete o montante da energia mútua permutável do asteroide binário. Em suma: Menores separações iniciais do binário tor- nam a captura mais favorável por traduzirem um maior montante de energia mútua permutável 32 4.2 AUMENTANDO UM GRAU DE LIBERDADE: CASO TRI-DIMENSIONAL Os resultados do estudo coplanar inicial apresentaram-se promissores. Como visto na Figura(15), cerca de ∼ 0.1%4 dos casos simulados, resultaram em capturas de forma orbital (a×e) semelhantes às observadas dos satélites prógrados reais. Entretanto, por resultarem de um estudo restrito ao caso coplanar, as capturas obtidas não são francamente comparáveis aos satélites irregulares prógrados Jovianos, uma vez que estes têm inclinações distribuídas entre 25◦ e 55◦. Portanto, justificou-se estender o estudo para o caso tridimensional. Nesta seção, apresentaremos as principais características do estudo do caso tridimensio- nal, publicado em (Gaspar et al., 2013). O método empregado no estudo do caso tri-dimensional foi o mesmo descrito para o caso coplanar, com algumas diferenças como salientadas a seguir. A proposta central de estudar as configurações favoráveis foi mantida, sem o compromisso de correlacionar o cenário das condições iniciais com a realidade observável. Considerou-se, no- vamente, o PC4C com Sol, Júpiter e um par de asteroides, desta vez, em órbita oblíqua em relação ao plano orbital de Júpiter. 4.2.1 Condições Iniciais Propícias Tri-dimensionais: Estudos de Tempo de Captura Para obter as Condições Iniciais Propícias Tri-dimensionais, aplicamos o método do es- tudo de Tempo de Captura, como descrito na Seção 4.1.1, para as seguintes inclinações Jovianas iniciais: 0◦, 10◦, 20◦, 30◦, 40◦, 50◦, 60◦, 120◦, 130◦, 140◦, 150◦, 160◦, 170◦, 180◦. Note que a faixa de inclinações negligenciadas 70◦ a 110◦, corresponde à faixa de inclinações de Kozai- Lidov. É sabido que os efeitos da ressonância de Kozai–Lidov causam a remoção de objetos com inclinações da referida faixa (Carruba et al., 2002; Nesvorný et al., 2003; Yokoyama et al., 2003). Os mapas resultantes do estudo de mapeamento de tempos de captura, estão apresentados no APÊNDICE A. São análogos ao mapa da Figura(11a), com a diferença de não conterem a informação do tempo de captura codificado em cores, mas apenas a distinção das condições iniciais primárias estáveis na escala de tempo de 104 anos, as condições iniciais primárias de tempos Longo e Curto, e as órbitas “iniciais” de colisão. Além disso, os mapas também de- notam as condições iniciais primárias adotadas, analogamente às apresentadas na Figura(11b). As informações de todos os mapas estão compiladas na Figura(16). O histograma de condi- ções iniciais de Tempos-Longos aponta uma grande discrepância do número de tais tipos de órbitas para cada inclinação inicial primária. Comparando esse histograma com os mapas do APÊNDICE A, nota-se que os montantes de condições iniciais de Tempos-Longos é diretamente proporcional à extensão e à largura da borda de transição entre a região estável e a instável, isto é, a região de Tempos-Curtos. As barras azuis, sintetizam a distribuição dos casos de Tempos- 4Considerando-se que os ∼ 0, 8% encerrados na caixa cinza da Figura(15) são uma fração dos ∼ 11% dos casos de captura permanente, tem-se que 0, 008 · 11% ≈ 0, 1% 33 10 2 10 3 10 4 0 20 40 60 120 140 160 180 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 1.8 2.0 C .I . d e T em po -L on go q m in , a m in , < a> , a m ax , Q m ax ( R H ) Inclinacao joviana Primaria (graus) F ai x a d e K oz ai n eg li g en ci ad a [7 0 o :1 1 0 o ] Figura 16: Compilação dos resultados dos estudos de tempo de captura. As barras cinzas de- notam os montantes de condições iniciais de Tempo-Longo obtidas para cada inclinação inicial primária. As extremidades das linhas azuis finas, representam o menor perijove e o maior apo- jove primários. Analogamente, as extremidades das linhas espessas, representam o menor e maior valor de semi-eixo maior. O traço azul horizontal, representa o semi-eixo maior médio. Figura 5 do artigo Gaspar et al. (2013) Longos no espaço a×e, e também estão correlacionadas com a referida borda de transição. Note, que as linhas verticais espessas aumentam proporcionalmente à inclinação bem como se nota um aumento, em função do aumento da inclinação, da faixa de semi-eixos maiores ocupada pelas bordas de transição nos mapas do APÊNDICE A. Como será discutido mais adiante, essa distribuição acarretará implicações no número de capturas para cada inclinação orbital joviana. A discrepância dos montantes de condições iniciais de Tempos-Longos, nos impôs a ques- tão de como escolher as condições iniciais propícias. Afim de manter uma uniformidade rela- tiva ao número de condições adotadas para cada inclinação primária principal, optamos por adotar 400 casos para cada inclinação inicial primária, número máximo de condições iniciais de Tempos-Longos obtidas para a inclinação primária 10◦, com a única exceção para o caso de inclinação primária nula, cujo montante foi de 219 casos. Para todas as inclinações primárias com montante de condições iniciais de Tempo-Longo superior a 400, escolhemos os 400 casos com maiores tempo de captura. Em suma, 5 419 condições iniciais propícias foram adotadas no estudo do caso tridimensional. Note que no estudo do caso tridimensional, não foram adotadas condições iniciais de Tempo-Curto, dada sua baixa eficiência de captura previamente observada no estudo coplanar inicial. Os gráficos da Figura(17) resumem a distribuição das condições Iniciais Propícias Tri- dimensionais, no espaço a×e×I . As curvas de Tisserand com valores próximos de 3 que en- cerram as condições iniciais, indicam que estas são, de fato, órbitas de encontro com Júpiter. No painel (a), observa-se um aglomerado centrado em (a , e) ≈ (4AU , 0, 18), que apare- cem como picos de densidades nos histogramas de semi-eixo maior e excentricidade do painel (b). O histograma de inclinações mostra uma distribuição aproximadamente uniforme entre 1◦ 34 Tisserand: 3.04 2.93 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 Semi-major axis (AU) 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 E cc en tr ic it y 0 1 2 3 4 5 6 7 8 In cl in at io n ( d eg re es ) Jupiter (a) 10 -2 10 -1 10 0 10 1 4 6 8 10 12 Semi-major axis (AU) P er ce n ta g e o f su it ab le I .C . 0.1 0.3 0.5 Eccentricity 2 4 6 8 Inclination (degrees) (b) Figura 17: Distribuição das condições iniciais propícias no espaço a×e×I heliocêntrico, no painel (a). As curvas de Tisserand são relativas à inclinação mediana 4◦. Em (b), histograma em semi-eixo maior, excentricidade e inclinação heliocêntricas, das condições iniciais propícias. Figura 6 do artigo Gaspar et al. (2013) e 3◦, e após decai rapidamente com o aumento da inclinação. Portanto, as baixas inclinações heliocêntricas são também um fato notável das condições iniciais propícias tridimensionais. O referido aglomerado, desperta a atenção e evidentemente não se trata de acaso, mas sim de ob- jetos em ressonância de movimento médio de comensurabilidade 3:2 com Júpiter, cujo centro está em ∼ 3, 97AU. Nota-se, também, a existência de um segundo aglomerado, de menor den- sidade, centrado em (a , e) ≈ (7, 5AU , 0, 22), que, por sua vez, correspondem à objetos em ressonância 4:7 com Júpiter, cujo centro está em ∼ 7, 55. 4.2.2 Simulações Numéricas de captura O código utilizado nas simulações numéricas do caso tridimensional, foi muito seme- lhante ao descrito na Seção 4.1.2. A diferença no novo código consistiu em um novo critério de 35 captura, uma vez que i) os satélites irregulares retrógrados de Júpiter não têm energia de Jacobi superior à energia de Jacobi do ponto de equilíbrio lagrangiano L1, e ii) o critério de captura adotado no caso coplanar, resultou em uma grande quantidade de capturas em órbitas instáveis sob um cenário mais realista, isto é, objetos com a ≳ 0, 36RH na Figura(15). No novo critério de captura, consideramos como capturados os asteroides remanescentes no instante T3, que satisfizeram as condições da Equação (9) por um intervalo de tempo de 102 anos contados a partir do instante T3. I ⩽ 70◦ e < 1 Q ⩽ 0.48RH ou  I ⩾ 110◦ e < 1 Q ⩽ 0.69RH (9) As condições impostas pela Equação (9) consistem na exclusão da faixa de inclinações de Kozai-Lidov, de órbitas que mantêm-se fechadas ao redor do planeta, e confinadas à uma região de estabilidade bem determinada (Hamilton & Krivov, 1997; Nesvorný et al., 2003; Domingos et al., 2006). Para cada uma das 5 419 condições iniciais obtidas do estudo de tempos de captura, 160 novas condições iniciais de asteroides binários foram criadas. No total, foram geradas 35 040 condições iniciais relativas à inclinação primária Iprim = 0◦, e 64 000 para cada uma das outras inclinações iniciais primárias. Analogamente ao procedimento adotado no estudo coplanar, os asteroides binários foram configurados com excentricidade inicial nula, e semi-eixos maiores distribuído como 0.005 rH ⩽ aB ⩽ 0.800 rH com resolução ∆aB = 0.005 rH. A inclinação inicial foi sorteada aleatoriamente entre [0◦:180◦], bem como o nodo ascendente ΩB e anomalia verdadeira fB sorteadas aleatoriamente entre [0◦:360◦]. 4.2.3 Resultados relevantes do estudo do caso tridimensional Assim como os resultados obtidos no estudo coplanar inicial, o asteroide secundário confirmou-se probabilisticamente como mais favorável à captura permanente. Analogamente à Figura(14), a Figura(18) apresenta o perfil das distribuições de probabilidade de rupturas, capturas e colisões mútuas em função da separação inicial do binário. Apesar de um novo cri- tério de captura ter sido adotado no presente estudo, como definidos na Equação (9), a título de comparação computamos como pseudo-capturas as simulações que satisfizeram o antigo crité- rio de captura adotado no estudo coplanar inicial, isto é, curvas de velocidade zero fechadas. Comparando as figuras 18 e 14, nota-se uma queda da curva de pseudo-capturas muito mais suave que a observada para a curva capturas do caso coplanar, revelando uma maior efi- ciência de captura para maiores separações iniciais do binário. Uma vez que a energia inicial permutável é somente função da separação inicial do binário, esta maior eficiência indica que a energia de troca necessária para consumar o encerramento das curvas de velocidade zero é 36 10 -2 10 -1 10 0 10 1 10 2 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 P er ce n ta g e o f ca se s initial aB (rH) Disruption Pseudo-captures Mutual-collisions Captures Figura 18: Histograma de resultados das integrações numéricas de capturas de asteroides bi- nários, em função da separação inicial do mesmo. A curva verde, representa o percentual de casos que resultaram em captura de um dos componentes do asteroide binário, sem satisfazer os critérios definidos na Equação (9). A curva azul, representa as capturas segundo o critério da Equação (9). As curvas preta e vermelha representam as frações percentuais de casos em que constatou-se ruptura do asteroide binário e colisões mútuas do mesmo, respectivamente. Figura 8 do artigo Gaspar et al. (2013). menor no caso tridimensional. O novo grau de liberdade, dá origem à uma nova componente da aceleração do binário, que é perpendicular à seu plano orbital. Esta nova componente da aceleração acarreta novas variações na constante de Jacobi, que no caso coplanar eram nulas, favorecendo o mencionado encerramento. Contudo, nota-se que esse novo efeito dinâmico não é suficiente para que o novo critério de captura seja satisfeito, bastando para tanto observar o de- caimento da curva de capturas genuínas. Isso significa, que uma grande troca de energia ainda é necessária para consumar uma redução do semi-eixo maior orbital do asteroide capturado, afim de que o mesmo satisfaça o critério de captura imposto. A Figura(19) apresenta o histograma de inclinações dos objetos genuinamente captura- dos. Dado que, excepcionalmente para o caso Iprim = 0◦, o montante de condições iniciais foi igual para todas inclinações iniciais primárias, a não uniformidade da presente distribuição revela inclinações de captura mais favoráveis. Para o caso das inclinações prógradas, pode-se notar que faixa mais favorável ocorre para 20◦ ⩽ I ⩽ 40◦, o que coincide com a faixa de in- clinações na qual se encontram 5 dos 7 de satélites irregulares jovianos prógrados, como consta na Tabela (1). Contudo, a distribuição de capturas em órbitas retrógradas não concorda com a distribuição de inclinações observada entre os satélites retrógrados de Júpiter. O histograma mostra que os maiores montantes de captura ocorrem para a faixa de inclinações [120◦:130◦], na qual não existe nenhum satélite joviano conhecido. A distribuição de inclinações dos objetos capturados, é, na verdade, um reflexo das condições iniciais adotadas. Comparando-se a distri- buição de inclinações da Figura(19) com os mapas do APÊNDICE A, nota-se que os montantes de objetos capturados tendem a diminuir de acordo com o aumento das faixas de semi-eixos 37 maiores ocupadas pelas bordas de transição nos mapas das figuras A.1 e A.2. Isso se deve ao fato da ruptura do asteroide binário ocorrer em uma configuração semelhante à condição inicial primária relacionada, que por sua vez encontra-se em uma região instável do espaço a×e×I planetocêntrico. As condições iniciais primárias estão denotadas em laranja nas figuras A.1 e A.2. Neste contexto, a perda de energia sofrida por um dos componentes do asteroide biná- rio, é responsável por realizar sua transição da região instável para a região estável5. Portanto, quanto maior for a faixa de semi-eixos maiores ocupada pela borda de transição entre as regiões estável e instável, mais distantes da região de estabilidade ocorrerão as rupturas, demandando, consequentemente, maiores trocas de energia para que a referida transição seja consumada. Concluindo a análise da Figura(19), dado que cada binagem do histograma corresponde a cerca de 64 000 simulações de captura, tem-se que cada dezena dos montantes observados no mesmo corresponde a um percentual de captura de ∼ 0.01%, que está muito aquém dos ∼ 11% observados no caso coplanar. Observe, no entanto, que a comparação é imprópria dado as capturas do presente histograma, correspondem a um critério mais rigoroso. Portanto, seria mais justo comparar a presente eficiência de captura aos 0, 8% destacados na caixa cinza da Figura(15). Temos, portanto, que a presente eficiência de captura é apenas uma ordem de grandeza inferior à observada no caso coplanar. Por fim, as barra azuis na Figura(19), sintetizam a distribuição média dos objetos capturados. Como mostram as figuras 20 e 21, os objetos capturados têm boa concordância orbital com os satélites reais. A discussão do processo de captura e ruptura de asteroides binários abordada em função da separação inicial do asteroide binário aB, e de sua configuração no espaço a×e×I no ins- tante de ruptura, é bastante apropriado para o enredo deste texto, por ilustrar a importância das Condições Iniciais Propícias. No entanto, estas grandezas podem ser traduzidas em função das grandezas do espaço de fase r⃗ e p⃗, ou v⃗, isto é, posição e momento relativos, ou velocidade relativa. Portanto, de maneira análoga à discussão aqui abordada, podemos argumentar que o processo de efetivação de captura dependerá da distância relativa ao planeta | r⃗ |, em que a ruptura ocorre, e da variação da velocidade ∆v⃗ sofrida pelo asteroide capturado no instante em que se desliga de seu par. Agnor & Hamilton (2006) apresentam tal formulação em termos da distância de ruptura de maré: r⃗td = aB ( 3MP m1 +m2 )1/3 = RP ( aB R1 )[( 3ρP ρ1 )1/3 ( m1 m1 +m2 )1/3 ] , (10) em que, MP, RP e ρP são a massa, o raio e a densidade do planeta, respectivamente, e ρ1 é a densidade dos asteroides que compõem o binário. A Equação (10) define, portanto, o raio de maré rtd (tidal-radius), que estipula a distância mínima do planeta em que a ruptura deve ocorrer para que a captura seja efetivada. Além disso, a variação de velocidade, sofrida pelo 5A região estável consiste no espaço a×e×I determinado pelos critérios de captura da Equação (9). 38 menor componente, necessária para efetivação da captura é dada por (Agnor & Hamilton, 2006): ∆v2 ≈ ± m1 m1 +m2 ( G(m1 +m2) aB )1/2 . (11) Contudo, é importante notar que as equações (10) e (11) estabelecem parâmetros de efeti- vação de captura baseados nos requisitos necessários para que o encontro resulte em uma reação de troca no P3C, isto é, no referencial do asteroide capturado, o encontro resulta na ejeção de seu par original e consequente “captura” do planeta. No P3C (Planeta + asteroide-binário), mesmo órbitas de captura altamente excêntricas e distantes do planeta sobrevivem. Ao se considerar a perturbação do Sol, órbitas excêntricas e muito distantes do planeta são altamente desesta- bilizadas e colapsam, resultando na colisão ou escape consecutivo do asteroide capturado. De qualquer modo, mesmo considerando-se o P4C, com Sol, as equações (10) e (11) estabelecem importantes valores de escala. T o ta l o f ca p tu re s q m in , a m in , < a> , a m ax , Q m ax ( R H ) Inclination of captured objects (degrees) 10 0 10 1 10 2 0 10 20 30 40 50 60 70 120 130 140 150 160 170 180 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 K o z a i ra n g e v an is h ed [7 0 o :1 1 0 o ] Figura 19: Compilação dos resultados do estudo de captura de asteroides binários. Análogo à Figura(16), mas computado com binagem linear de 10◦ sobre os casos de captura permanente. Além disso, o histograma preenchido em cinza claro, representa as capturas permanentes com excentricidade orbital inferior a 0,5. Figura 7 do artigo Gaspar et al. (2013). A Figura(20), apresenta a distribuição orbital das capturas prógradas no espaço a×e×I , comparadas à distribuiçã