UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" CAMPUS DE GUARATINGUETÁ KELVIN DOS SANTOS ALVES ESTABILIDADE TERMODINÂMICA DE BURACOS NEGROS Guaratinguetá 2024 KELVIN DOS SANTOS ALVES ESTABILIDADE TERMODINÂMICA DE BURACOS NEGROS Dissertação apresentada ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Física e Astronomia da Fa- culdade de Engenharia do Campus de Guaratin- guetá, Universidade Estatual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Mestre em Física e Astronomia . Orientador: Profº Dr. Rogério Teixeira Cavalcanti Guaratinguetá 2024 A474e Alves, Kelvin dos Santos Estabilidade termodinâmica de buracos negros / Kelvin dos Santos Alves – Guaratinguetá, 2024. 106 : il. Bibliografia: f. 96-99 Dissertação (Mestrado em Física e Astronomia) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia e Ciências de Guaratinguetá, 2024. Orientador: Prof. Dr. Rogério Teixeira Cavalcanti 1. Buracos negros (Astronomia). 2. Entropia. 3. Mecânica estatística. 4. Termodinâmica. I. Título. CDU 52(043) Luciana Máximo Bibliotecária CRB-8/3595 DADOS CURRICULARES KELVIN DOS SANTOS ALVES NASCIMENTO 14 de Abril de 2000 - Sorocaba / SP FILIAÇÃO Gilberto Alves Pereira Raimunda de Jesus dos Santos Alves 2018 / 2022 Bacharelado em Física Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Engenharia e Ciências 2022 / 2024 Mestrado em Física e Astronomia Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Engenharia e Ciências Em memória do meu avô, Nelson Lucas. AGRADECIMENTOS Os agradecimentos são sempre um risco, pois há sempre uma possibilidade de ser injusto com pessoas que fizeram parte do percurso e acabaram deixadas ao esquecimento. Àquelas pessoas que assim se sintam, peço desculpas antecipadas. No mais, gostaria de deixar minha gratidão para algumas pessoas que no momento me vêm a memória e foram importantes na minha trajetória até aqui. Aos meus pais, pelo incentivo, suporte e apoio incondicional. Principalmente, por proporcionarem condições para que pudesse me desenvolver e estudar. À minha irmã, pelo carinho, conversas e risadas. Um refúgio para os momentos difíceis. Aos meus companheiros e companheiras da sala 25, conhecida como Wignestão, João Miguel, Lucas, Bárbara e Duda. Amizades inigualáveis com quem tive conversas que me tiraram muitas risadas, conselhos e reflexões. À Rosi, uma amizade preciosa que fiz durante esse percurso e com quem compartilhei muito das frustrações, anseios e momentos bons. Sou grato pelos ensinamentos que ela compartilhou comigo e que com certeza fizeram e fazem grandes diferenças na minha trajetória pessoal e profissional. Ao Nicolas pelos ótimos momentos, pelos ensinamentos sobre a vida e pela paciência comigo. Ao Ronaldo pela amizade e pelos conselhos enriquecedores sobre o presente trabalho. Ao professor Júlio pelas frutíferas contribuições tanto ao presente trabalho, quanto a outras que transcedem o escopo dessa dissertação. Ao meu orientador, Rogério, pela paciência, por confiar no meu trabalho, pelos conselhos profissi- onais e por ser um profissional inspirador. À CAPES pelo apoio financeiro. Este trabalho contou com o apoio da seguinte entidade: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior Não adentre a boa noite apenas com ternura, A velhice queima e clama ao cair do dia, Fúria, fúria contra a luz que já não fulgura. Embora os sábios, no fim da vida, saibam que é a treva que perdura, Pois suas palavras não mais captura a centelha tardia, Não adentre a boa noite apenas com ternura. (Dylan Thomas) Se admitirmos uma Primeira Causa, a mente ainda anseia por saber de onde ela veio e como surgiu. (Dan Brown) RESUMO O objetivo central do presente trabalho é investigar a estabilidade termodinâmica de buracos negros por meio de ferramentais, além da abordagem clássica, que parte da entropia de Bekenstein-Hawking. Inicia-se com um estudo de ferramentas necessárias de mecânica estatística, como a entropia de Boltzmann-Gibbs e Tsallis, além de suas propriedades. As introduções dos funcionais entrópicos de Rényi, Delta e de Bekenstein-Hawking também são feitas. Com isso, propõe-se a investigar a estabilidade termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild e de buracos negros com cabelo diante de outras entropias além da entropia de Bekenstein-Hawking, como a de Rényi e a de Tsallis, valendo- se também do método de Poincaré. Por fim, propõe-se utilizar da geometria termodinâmica para investigar a estabilidade termodinâmica do buraco negro de Kerr. PALAVRAS-CHAVE: Buracos Negros. Estabilidade Termodinâmica. Entropia. ABSTRACT The central objective of this work is investigate the thermodynamic stability of black holes using tools, in addition to the approach classical, which starts from Bekenstein-Hawking entropy. It begins with a study of necessary statistical mechanics tools, such as Boltzmann-Gibbs and Tsallis entropy, in addition to their properties. The introduction of Rényi, Delta and Bekenstein-Hawking entropic functionals are also carried out. With this, it is proposed to investigate the thermodynamic stability of the Schwarzschild black hole and black holes with hair in the face of entropies other than the Bekenstein-Hawking entropy, such as Rényi and Tsallis, also using the Poincaré method. Finally, it is proposed to use thermodynamic geometry to investigate the thermodynamic stability of the Kerr black hole. KEYWORDS: Black Holes. Thermodynamic Stability. Entropy. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Diagrama denotando o experimento com as três possibilidade de resultados, cada um associado as probabilidades p1, p2 e p3. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Figura 2 Diagrama denotando o experimento. Inicialmente tem-se duas possibilidade de escolhas. A escolha com probabilidade p′1 = 1/2 leva ao resultado 1. Já a escolha p′2 = 1/2 se subdivide em duas outras escolhas possíveis com probabilidades p21 = 1/3 e p22 = 2/3, cada uma leva ao resultado 2 e 3, respectivamente. . . . 24 Figura 3 Diagrama denotando o experimento com as quatro possibilidade de resultados, cada um associado as probabilidades p1, p2, p3 e p4. . . . . . . . . . . . . . . . 33 Figura 4 Diagrama denotando o experimento. Inicialmente tem-se duas possibilidade de resultados. A escolha com probabilidade pL = 7/12 se subdivide em outras duas escolhas com probabilidades p1/pL = 4/7 e p2/pL = 3/7 que leva aos resultados 1 e 2. Já a escolha pM = 5/12 se subdivide em duas outras escolhas possíveis com probabilidades p3/pM = 2/5 e p4/pM = 3/5, cada uma leva aos resultados 3 e 4, respectivamente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Figura 5 Esquerda: Uma escolha com 9 possibilidade equiprováveis. Portanto a pro- babilidade de que uma das possibilidades seja escolhida é de 1/9. Nesse caso em particular, s = 3 e m = 2. Direita: Duas escolhas (m=2), com 3 (s=3) possibilidades equiprováveis cada. Portanto, na primeira escolha tem 3 possibili- dades, tem-se, então, a probabilidade de 1/3 de que uma das possibilidades seja escolhida. Na segunda escolha há 3 possibilidades de escolha, a probabilidade de que uma das possibilidades seja escolha é também de 1/3. No fim, após a duas escolhas serem realizadas, a probabilidade final de que um dos resultados seja atingido é de 1/9. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Figura 6 Buraco negro representado pela esfera denotada por B e o ambiente que ele está inserido U representa o universo. O buraco negro pode ser compreendido como um subsistema B do sistema U. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Figura 7 Curva da variável termodinamicamente conjugada β em função do parâmetro de controle µa. O ponto B indica o ponto de inflexão, ou seja, onde existe uma reta tangente vertical que denota a mudança de estabilidade. Os pontos A e C indicam, respectivamente, uma região de instabilidade e uma região mais estável. 48 Figura 8 Esquerda: entropia de Bekenstein-Hawking em linha tracejada vermelha e a entropia de Rényi para o buraco negro de Schwarzschild em linha sólida verde para λ = 0.2. Direita: temperatura Hawking em linha vermelha tracejada e em linha verde sólida temperatura de Rényi do buraco negro de Schwarzschild. Note que a entropia de Rényi apresenta uma mudança da concavidade, essa característica é refletida por meio do mínimo da temperatura e implicará, como será verificado mais abaixo, na mudança de sinal da capacidade térmica indicando possível mudança de estabilidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Figura 9 Esquerda: temperatura recíproca Hawking dada pela linha vermelha tracejada tem comportamento linear e temperatura recíproca de Rényi, que tem um máximo num determinado valor de massa e decresce de modo que tende à zero para valores de M muito grandes. Direita: curvas para −M(β) considerando o buraco negro de Schwarzschild circundado em um banho térmico infinito de radiação térmica, ou seja, como um ensemble canônico. Em vermelho tracejado associada à entropia de Bekenstein-Hawking e em azul sólido associada à entropia de Rényi. 52 Figura 10 Capacidade térmica do buraco negro de Schwarzschild analisada pela estatística de Bekenstein-Hawking, em linha tracejada vemelha e em linha sólida verde a analisada via estatística de Rényi. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Figura 11 Esquerda: entropia de Tsallis para o buraco negro de Schwarzschild com q < 1 em linha verde sólida, q > 1 em linha azul pontilhada e em vermelho para q = 1, que coincide com a entropia de Bekeinstein-Hawking.Direita: temperatura obtida via entropia de Tsallis para o buraco negro de Schwazschild com q < 1 em linha verde sólida, q > 1 em linha azul pontilhada e em vermelho tracejada q = 1 que coincide com a temperatura Hawking. . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 12 Esquerda: temperatura recíproca Hawking dada pela linha vermelha tracejada tem comportamento linear e é dada para q = 1. Temperatura recíproca de Tsallis tem um máximo num determinado valor de massa MT e decresce de modo que tende à zero para valores de M muito grandes é dada pela linha pontilhada azul para q > 1 e para q < 1 tem um comportamento linear análogo ao da temperatura recíproca Hawking, denotado pela linha sólida verde. Direita: curvas para −M(β) considerando o buraco negro de Schwarzschild circundado em um banho térmico infinito de radiação térmica, ou seja, como um ensemble canônico. Em vermelho tracejado para q = 1, em verde para q > 1 e em preto para q < 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Figura 13 Capacidade térmica calculada via entropia de Tsallis para o buraco negro de Schwarzschild. Em vermelho está a capacidade térmica para q = 1 que coincide com a capacidade térmica obtivida via entropia de Bekenstein-Hawking, em verde está a entropia obtida para q < 1, que possuí um comportamento análogo a entropia de Bekenstein-Hawking e em azul a capacidade térmica para q > 1, onde exibe uma possível mudança de estabilidade. . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Figura 14 Esquerda:: Linhas de contorno de f(r) em função de (r, α) para o caso extremo (ℓ = 2Me−2). Direita: raio do horizonte do buraco negro com cabelo rH em função de α para diferentes valores do parâmetro ℓ. A não linearidade da equação ((3.73)) tem uma pequena influência em rH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Figura 15 Esquerda: temperatura Hawking do buraco negro com cabelo em função do parâmetro de cabelo do horizonte ℓ para diferentes valores de raio do horizonte rH . Note a baixa temperatura para ℓ → 2Me−2. Direita: temperatura Hawking do buraco negro com cabelo em função do raio do horizonte rH para diferentes valores do parâmetro de cabelo do horizonte ℓ. Quando rH → 2M a temperatura TH → TShw para qualquer ℓ. Em ambos os casos o parâmetro de desacoplamento α foi eliminado usando a equação (3.73) e o raiorH = 2M correspponde ao caso extremo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Figura 16 Esquerda: temperatura recíproca β em função da massa do buraco negro com cabelo para diversos valores do raio do horizonte rH , para um buraco negro com cabelo isolado. Direita: −M em função da temperatura recíproca para diversos valores do raio do horizonte rH , para um buraco negro com cabelo em banho térmico infinito. Em ambos os casos não há retas tangentes verticais, o que indica pela analíse do metódo de Poincaré que não há mudanças de estabilidade. . . . 64 Figura 17 Esquerda: capacidade térmica do buraco negro com cabelo em função do raio do horizonte rH para diferentes valores de parâmetro de cabelo ℓ. Direita: capacidade térmica em função do parâmetro de cabelo ℓ para diferentes valores de raio do horizonterH . Em ambos os casos o parâmetro de desacoplamento α foi eliminado usando a equação (3.73) e o raio rH = 2M corresponde ao caso extremo. Note a descontinuidade para ℓ < 0.36 e rH < 5. . . . . . . . . . . . . 65 Figura 18 Esquerda: temperatura de Rényi para o buraco negro com cabelo para diversos valores do parâmetro ℓ/M para α = 0.6. Direita: capacidade térmica calculada a partir da entropia de Rényi para o buraco negro com cabelo para diversos parâmetros de ℓ/M , tomando α = 0.6. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Figura 19 Esquerda: temperatura recíproca de Rényi para o buraco negro com cabelo para diversos valores de ℓ/M e tomando α = 0.6. Direita: −M(βR) para o buraco negro com cabelo obtido via estatística de Rényi para diversos valores de ℓ/M e com α = 0.6. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Figura 20 Sistema AV0 com volume V0 que contém um subsistema AV com volume V muito menor que o do sistema ambiente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Figura 21 Esquerda:Temperatura Hawking do buraco negro de Kerr em função da massa, tomada a momento angular constante J0. Observa-se que a temperatura tem um máximo e depois decresce conforme a massa do buraco negro aumenta. Direita: Velocidade angular do buraco negro em função do momento angular, considerando-se massa uma massa constante M0. A velocidade angular cresce até um valor máximo que é atingido no caso extremo em que J/M2 0 = 1. Em ambas imagens, α é tomado como a unidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 Figura 22 Capacidade térmica do buraco negro de Kerr a momento angular constante e a velocidade angular constante. Note que a capacidade térmica a momento angular constante possui uma divergência em h = hc ≈ 0.3933. Para valores menores que hc ela é negativa, enquanto para valores maiores que hc ela é positiva. A capacidade térmica a velocidade angular constante é sempre negativa. . . . . . 87 Figura 23 Esquerda: Gráfico do componente gMM da métrica. Como pode-se observar, ele não é positivo no domínio de J/M2 e já por isso a condição dos primeiros menores principais não é satisfeita. Direita: Determinante da métrica termopdi- nâmica, observa-se que também não é positivo no domínio estudado. Em ambos os gráficos, a constante α e kB são assumidos como unidade. . . . . . . . . . . 88 Figura 24 Curvatura termodinâmica do buraco negro de Kerr. Note que para |a| = 1 a curvatura tende à R → −∞. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 Figura 25 Esquerda: temperatura de Rényi para o buraco negro de Kerr para diversos valores de λJ0. Note que o momento angular J0 é tomado como fixo. Pode-se observar que conforme o valor de λJ0 aumenta, a temperatura passa a crescer com o incremento de massa ao buraco negro. Comportamente oposto ao que acontece com a temperatura Hawking dada por λJ0 = 0. Direita: Em linha roxa pontilhada são os valores para os quais o denominador de CΩR se anular e a capacidade térmica a velocidade angular constante diverge. Em linha tracejada azul são os valores em que o denominador de CJR se anula e a cpacidade térmica a momento angular constante diverge. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 Figura 26 Esquerda: Curvas no espaço (k, h) para J = J0, onde J0 constante é uma constante. Direita: Curvas no espaço (k, h) para M = M0, onde M0 constante é uma constante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 Figura 27 Esquerda: Componente gRMM da métrica. Note que ela assume valores positivos para λM0 > 0.25, o que está em concordância com o diagrama da Figura 26. Direita: Determinante da métrica gRµν para diversos valores de λM2 0 . Note que, também, o determinante passa a assumir valores positivos para λM0 > 0.25. . . 92 Figura 28 Subsistemas A e B separados por uma parede. O subsistema A tem uma energia UA, volume VA e número de partículas NA. O subsistema B tem uma energia UB, volume VB e número de partículas NB. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 2 FUNDAMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.1 MECÂNICA ESTATÍSTICA DE BOLTZMANN-GIBBS . . . . . . . . . . . . . 19 2.1.1 ENTROPIA DE BOLTZMANN-GIBBS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.1.2 PROPRIEDADES DA ENTROPIA DE BOLTZMANN-GIBBS . . . . . . . . 21 2.2 MECÂNICA ESTATÍSTICA NÃO-EXTENSIVA . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2.2.1 A ENTROPIA Sq . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2.2.1.1 PROPRIEDADES DA ENTROPIA Sq . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.2.2 OUTRAS POSSIBILIDADES DE FUNCIONAIS ENTRÓPICOS . . . . . . . 39 2.3 EXTENSIVIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.4 BURACOS NEGROS E A ENTROPIA DE BEKENSTEIN-HAWKING . . . . . 42 3 ESTABILIDADE TERMODINÂMICA DE BURACOS NEGROS . . . . . . . 44 3.1 BURACOS NEGROS COMO SISTEMAS TERMODINÂMICOS . . . . . . . . 45 3.2 MÉTODO DE POINCARÉ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.3 ESTABILIDADE TERMODINÂMICA DO BURACO NEGRO DE SCHWARZS- CHILD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 3.4 TERMODINÂMICA DE BURACOS NEGROS COM CABELO OBTIDO VIA DESACOPLAMENTO GRAVITACIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.4.1 INTRODUÇÃO AO MÉTODO DE DESACOPLAMENTO GRAVITACIONAL 56 3.4.2 ESTABILIDADE TERMODINÂMICA DE BURACOS NEGROS COM CA- BELO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 3.4.3 ESTABILIDADE DE BURACOS NEGROS COM CABELO VIA ESTATÍS- TICA DE RÉNYI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 3.5 SUMARIZANDO RESULTADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 4 GEOMETRIA TERMODINÂMICA, ESTABILIDADE E BURACOS NEGROS 69 4.1 FLUTUAÇÕES COM UMA VARIÁVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.1.1 PROBLEMA SOBRE A CONSISTÊNCIA E COVARIÂNCIA COM UMA VARIÁVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 4.2 FLUTUAÇÕES EM MAIS DE UMA VARIÁVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 4.3 GEOMETRIA DE WEINHOLD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 4.4 CURVATURA TERMODINÂMICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 4.4.1 EXEMPLOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4.4.1.1 GÁS IDEAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4.4.1.2 FLUIDO DE VAN DER WAAALS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 4.5 GEOMETRIA TERMODINÂMICA APLICADA A BURACOS NEGROS . . . . 84 4.5.1 BURACO NEGRO DE KERR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 4.5.2 BURACO NEGRO DE KERR VIA ESTATÍSTICA DE RÉNYI . . . . . . . . 89 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 APÊNDICE A – ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS DE TERMODINÂMICA CLÁSSICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 A.1 POSTULADOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 A.2 CONDIÇÕES DE EQUILÍBRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 16 1 INTRODUÇÃO Buracos negros são objetos intrigantes que há décadas desafiam os limites da física estabelecida. Eles estão associados a fenômenos altamente energéticos, como a fusão de buracos negros e con- sequente emissão de ondas gravitacionais, o colapso gravitacional e a emissão de jatos cósmicos relativísticos. Além disso, desempenham um papel central na pesquisa contemporânea de física de altas energias (CAVALCANTI; ALVES; SILVA, 2022). As recentes observações realizadas pela colaboração Event Horizon Telescope, a detecção de ondas gravitacionais, bem como a série de observações realizadas pelos grupos liderados por Reinhard Genzel e Andrea M. Ghez, laureados com o prêmio Nobel de física em 2020, conduziram a física de buracos negros a uma nova era, concretizando resultados teóricos e elevando seu interesse como objeto astrofísico. Do ponto de vista teórico, buracos negros desempenham um importante papel em aspectos funda- mentais da Relatividade Geral, sendo catalisadores do desenvolvimento de um ferramental matemático extremamente rico. Esses resultados foram intensamente desenvolvidos nas décadas de 1960 e 1970, quando propriedades de soluções exatas e estacionárias foram investigadas e colocadas em bases sólidas por Penrose, Geroch, Hawking, Carter e outros. Foi também durante a década de 1970, juntamente com os desenvolvimentos das leis associadas à mecânica de buracos negros, que se desenvolveu a denominada termodinâmica de buracos negros. O desenvolvimento dessa área deve-se, principalmente, às semelhanças das leis mecânicas associadas a esses objetos e as leis da termodinâmica clássica. No ano de 1972 Bekenstein em um trabalho referência (BEKENSTEIN, 1972) introduz a possibili- dade de associar uma entropia a um buraco negro e essa seria proporcional a área do seu horizonte de eventos. Esse resultado é hoje denominado entropia de Bekenstein-Hawking, devido ao fato desse último encontrar o valor da constante de proporcionalidade estimado heuristicamente por Bekenstein. Três anos depois, Hawking (HAWKING, 1975) mostrou que, na presença de campos quânticos, os buracos negros emitem radiação, por consequência possuem uma temperatura associada. Essa radiação foi posteriormente chamada de radiação Hawking. Entretanto, de uma perspectiva termodinâmica, a entropia de Bekenstein-Hawking é um assunto que tem causado certo espanto. Tsallis (TSALLIS, 2019) em uma publicação que discute a entropia de buracos negros afirma que existem dois motivos para tal espanto: o primeiro é porque buracos negros são sistemas tridimensionais, o que levaria a propor uma entropia proporcional ao seu volume e o segundo motivo seria o fato dessa entropia ser interpretada como a entropia de Boltzmann-Gibbs, o que faz com que a mesma não seja extensiva. Enquanto um conceito termodinâmico, a entropia foi introduzida inicialmente por Clausius no século XIX. No entanto, somente com os trabalhos de Boltzmann e Gibbs ela ocupa um papel central na física. A mecânica estatística centrada na entropia de Boltzmann-Gibbs, em conjunto com a Mecânica Clássica e Quântica, Eletromagnetismo e Relatividade, é um dos pilares centrais da física contemporânea e ainda assunto de intensa pesquisa. 17 A mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs está calcada no fato de que a função entropia é aditiva para junção de dois sistemas probabilisticamente independentes. E uma vez que não pode ser obtida a partir de primeiros princípios, não é derivada de uma dinâmica microscópica (TSALLIS et al., 2003). No que tange a sua formalização, foi com os trabalhos de Shannon (SHANNON, 1964) em 1948 e de Khinchin (KHINCHIN, 1957) em 1953 que foi proposto um conjunto de axiomas sobre a forma funcional da entropia, sendo a entropia de Bolztmann-Gibbs a única que satisfaz tal conjunto. Uma proposta de um novo funcional de entropia foi feita em 1988 por Tsallis (TSALLIS, 1988). A entropia de Tsallis é denotada normalmente por Sq na literatura da denominada mecânica estatística não-extensiva. Ela é uma generalização que possui a entropia de Boltzmann-Gibbs como um caso particular e parece descrever sistemas naturais e artificiais com bastante precisão. Esse novo funcional possibilita descrever uma classe de sistemas correlacionados não localmente, e o parâmetro q está relacionado com essa não localidade dos sistemas e teoricamente pode ser determinado pela dinâmica microscópica dos mesmos (TSALLIS et al., 2003). A propriedade escolhida para ser generalizada é a aditividade, uma vez que a entropia de Tsallis é não aditiva, por vezes chamada de pseudo-aditiva. Esse é um pequeno preço a se pagar para que a extensividade dos sistemas seja restaurada. A questão é que, a generalização desse funcional permite que a termodinâmica seja satisfeita, restaurando a extensividade de sistemas que são não-extensivos quando estudados da perspectiva da entropia de Boltzmann-Gibbs. Outras generalizações do funcional entropia foram propostas, como a entropia de Rényi, denotada por SR q . No entanto, o fato de não ser experimentalmente robusta e não côncava para q > 1 faz com que a única proposta que pareça adequada para as abordagens termodinâmicas seja Sq. Todavia, uma vez que a entropia de Rényi é aditiva, ela pode ser utilizada para fazer análise Hessiana de estabilidade sistemas termodinâmicos. Estudos recentes a têm colocado como uma alternativa para estudos de estabilidade de buracos negros (CZINNER; IGUCHI, 2016). Essa entropia é obtida via abordagem do logaritmo formal da entropia de Tsallis. Segundo Czinner, é sugerido interpretar a entropia de Bekenstein-Hawking como de Tsallis, e substituí-la diretamente no funcional de Rényi (BIRÓ; CZINNER, 2013) (CZINNER; IGUCHI, 2017). Essa perspectiva foi denominada por Abreu e Neto de entropia de Rényi modificada (ABREU; NETO, 2021). O estudo da estabilidade termodinâmica de buracos negros possibilita fornecer informações adici- onais sobre soluções da relatividade geral, e tem sido um problema discutido por meio de diversas abordagens. Dentre as questões versadas no arcabouço do estudo de estabilidade termodinâmica, está a transição de fase gravitacional, que constitui um dos vários problemas ainda em aberto de física teórica moderna (CZINNER; IGUCHI, 2017). Uma das técnicas utilizadas, para complementar o estudo de estabilidade de buracos negros é a análise de mudança de estabilidade de sistemas termodinâmicos via método de inflexão de Poincaré. Essa abordagem não diz se um sistema termodinâmico é estável ou instável, mas se esse passa de um estado de maior estabilidade para um estado menor estabilidade ou vice-versa. Esse método tem sido aplicado diretamente ao estudo de termodinâmica de buracos negros para análise desses em diferentes ensembles termodinâmico (KABURAKI; OKAMOTO; KATZ, 1993). Outro formalismo que vem sendo utilizado para o estudo da estabilidade termodinâmica de buracos 18 negros, além dos já supracitados, é a geometria termodinâmica proposta por Ruppeiner (RUPPEINER, 1979). A teoria se fundamenta em flutuações estatísticas de parâmetros termodinâmicos, como a energia interna, em torno de estados de equilíbrio para obter uma métrica riemanniana por meio da entropia, em uma variedade constituída por estados de equilíbrio termodinâmico. Diante disso, o presente trabalho tem como principal objetivo expor uma abordagem ampla sobre os diversos funcionais de entropias proposto na literatura, apresentando suas propriedades e fazendo uma discussão acerca do problema apresentados sobre a entropia proposta para buracos negros, denominada de entropia de Bekenstein-Hawking. Além disso, pretende-se analisar a estabilidade termodinâmica de uma solução de buracos negros com cabelo (OVALLE et al., 2021) e a possível existência de transição de fase, usando funcionais entrópicos além da entropia de Bekenstein-Hawking. Uma construção sobre a geometria termodinâmica também é realizada e a estabilidade do buraco negro de Kerr é discutida, via entropia de Bekenstein-Hawking e entropia de Rényi. A organização do trabalho esta colocada da seguinte forma: • No capítulo 2 é apresentado um delineado sobre mecânica estatística partindo da mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs e apresentando suas propriedades fundamentais. No que segue, é apresentado um desenvolvimento da mecânica estatística não-extensiva e estudada, centralmente, a entropia de Tsallis e suas propriedades. Também é introduzida a entropia de Rényi e de Bekenstein-Hawking. • No capítulo 3 é apresentado o método de Poincaré para realizar estudo de estabilidade por meio de gráficos de variáveis conjugadas em função de variáveis de controle. Com o ferramental introduzido é feito o estudo da estabilidade do buraco negro de Schwarzschild e de buracos negros com cabelos obtidos via desacoplamento gravitacional. • No capítulo 4 é realizada uma construção da geometria termodinâmica proposta por Ruppeiner e por meio dessa é analisada a estabilidade termodinâmica do buraco negro de Kerr diante de dois funcionais entrópicos. • Por fim, no capítulo 5 são apresentadas as considerações finais do presente trabalho. Muitas das construções realizadas no presente trabalho está em unidades de Planck, no caso, considera-se c = kB = G = ℏ = 1, onde c é a velocidade da luz, kB é a constante de Boltzmann, G a constante da gravitação universal e ℏ a constante de Planck h dividida por 2π. O leitor será introduzido de modo claro quando as mesmas forem utilizadas. 19 2 FUNDAMENTOS 2.1 MECÂNICA ESTATÍSTICA DE BOLTZMANN-GIBBS 2.1.1 ENTROPIA DE BOLTZMANN-GIBBS Com o surgimento e avanço da revolução industrial durante o século XIX, fez-se necessário a otimização dos processos industriais e o aumento da eficiência de máquinas térmica que estavam sendo desenvolvidas e funcionavam a vapor. Máquinas térmicas, como os trens, por exemplo, que são a vapor, nada mais são do que máquinas operando entre dois reservatórios térmicos, utilizando o calor de uma fonte quente para converter em trabalho e liberando uma parte desse calor no ambiente, denominado de fonte fria. Nesse contexto que nasce a Termodinâmica e se inserem os trabalhos do engenheiro Sadi Carnot, que propunha entender como aumentar o rendimento de uma máquina térmica, de modo que ela se tornasse o mais eficiente possível (NUSSENZVEIG, 2014). A gênese do conceito de entropia tem origem nesse período. O interesse acerca do desenvolvimento desses conceitos perpassava o desenvolvimento científico e tinha consigo também um viés político-econômico. Posteriormente aos trabalhos de Carnot, Clausius em 1850 e o William Thomson em 1851 elaboraram de modo distinto, mas equivalente, a segunda lei da termodinâmica baseando-se nas suas ideias. Os estudos de Clausius que culminaram na segunda lei da termodinâmica, focaram-se em analisar a reversibilidade e irreversibilidade de máquinas térmicas atuando entre dois reservatórios térmicos, um denominado de fonte quente e o outro denominado de fonte fria. Foi notado por ele que a variação total de uma determinada grandeza, denominada entropia, é nula para processos reversíveis e maior que zero se o sistema for termicamente isolado. Assim posto, a entropia surge inicialmente como uma medida da irreversibilidade de um sistema, no referêncial termodinâmico (NASCIMENTO; PRUDENTE, 2016). Entre o final do século XIX e início do século XX, Boltzmann introduz um interpretação estatística à termodinâmica utilizando como ponto de partida a ideia de que o calor é produzido pelo movimento das moléculas de um corpo e para isso utiliza-se como base a teoria cinética dos gases de Maxwell. Considere duas moedas idênticas, cada moeda possui duas possibilidades em um lançamento, cara ou coroa, juntas as moedas possuem quatro possibilidades em um lançamento, cada uma das possibilidades desse lançamento das moedas será denominado de um microestado, que pode ser entendido como as configurações possíveis que o sistema pode acessar. Toda construção de Boltzmann conduz ao seu importante teorema, que tem como resultado o fato de que quanto maior o número de microestados associados a um determinado estado, maior a probabilidade que esse estado ocorra (REIS; BASSI, 2012) e resulta na entropia de Boltzmann, dada por SB(W ) = kB lnW, (2.1) onde W é o número de microestados acessíveis ao sistema e kB é a constante de Boltzmann. A entropia introduzida por Boltzmann, assume o papel de medidas de possibilidades do sistema físico que passa a assumir um carácter probabilístico. 20 Mais adiante, Gibbs introduz o conceito de ensemble, como um conjunto de microestados acessíveis a um determinado sistema, para estudar termodinâmica estatística. Por meio desse formalismo, ele introduz a denominada entropia de Boltzmann-Gibbs SBG({pi}) = −k W∑ i=1 pi ln pi, (2.2) sendo W o conjunto de estados microscópicos discretos e pi a probabilidade do sistema acessar um determinado estado microscópico i. A probabilidade obedece a condição de normalização W∑ i=1 pi = 1, (2.3) e a constante k é arbitrária, uma vez que sua aplicabilidade não se restringe à termodinâmica. Na perspectiva termodinâmica, a constante k é retormada como a constante de Boltzmann kB. Por vezes, um novo sistema de unidades pode ser adotado, de modo que a constante k é assumida como sendo unitária, sem perda de generalidade(TSALLIS et al., 2003). Pode-se notar que para um conjunto de estado equiprováveis, ou seja, um conjunto em que todos os i−ésimos estados microscópicos são igualmente acessíveis, a probabilidade é dada por pi = 1/W e o funcional dado na equação (2.2) torna-se a entropia de Botzmann dada pela equação (2.1) Em meados da metade do século XX, o engenheiro e matemático Claude Shannon em seu trabalho The Mathematical Theory of Communication (SHANNON, 1964) utiliza da teoria de probabilidades em teoria da informação e comunicação, contexto totalmente desconexo da termodinâmica e física estatística, e obtém uma expressão para a medida da incerteza da taxa informação produzida em um processo. Em um diálogo com matemático John von Neumann, Shannon relata que estava indeciso como deveria chamar a expressão encontrada por ele e sugere denomina-lá de informação, mas justifica que a palavra já é bastante usada e então propõe chamá-la de incerteza. Em reposta, Neumann diz: “você deveria chama-lá de entropia por dois motivos. Em primeiro lugar é que sua função incerteza vem sendo usada em mecânica estatística por meio desse nome, logo ela já tem um nome. Em segundo lugar e mais importante, ninguém sabe o que a entropia realmente é, então no debate você sempre terá uma vantagem” (TRIBUS; MCIRVINE, 1971). O fato é que a entropia de Boltzmann-Gibbs, apesar de ser uma expressão fundamental, surge diferente contexto em física e em teoria da informação, portanto suscita ainda debates sobre o seu significado1 Para tentar compreender melhor o conceito de entropia, suponha que você e um amigo estão lançando um dado não viciado. Você propõe o desafio que consiste em seu amigo ficar de costas e tentar acertar qual face do dado caiu para cima quando lançado por você. A probabilidade que seu amigo de costas tem de acerta a face correta é de 1/6, considerando que todas as faces são igualmente prováveis. No entanto, para você que lançou o dado, a probabilidade de acertar a face correta é 1, dado que você consegue ver qual face resultou após o lançamento. Logo, utilizando um ponto de vista da 1 Uma discussão sobre a interpretação do conceito de entropia em teoria da informação e em mecânica estatística pode ser encontrado em (PINEDA, 2006), bem como, o diálogo conflituoso entre essas diferentes interpretações. 21 mecânica estatística, a entropia associado ao sistema para o seu amigo é SBG = kB ln 6. (2.4) Já para você, a entropia associada ao sistema é nula, uma vez que a probabilidade é 1 para a face que caiu e 0 para as outras faces restantes. Essa concepção possibilita compreender uma característica primordial da entropia, ela depende do observador e da informação que ele contém sobre o sistema. Dessa forma, a entropia pode ser compreendida como a ignorância sobre a informação de um determinado sistema físico. 2.1.2 PROPRIEDADES DA ENTROPIA DE BOLTZMANN-GIBBS Dada uma contextualização histórica sobre o surgimento do conceito da entropia de Boltmann- Gibbs e discutida sua interpretação, na subseção prévia. A presente subseção propõe-se a introduzir e demonstrar algumas propriedades matemáticas que fundamentam a entropia de Boltzmann-Gibbs. Dentre os principais resultados que serão apresentados está a aditividade, que é violada para o funcional entropia de Tsallis, como será elucidado na subseção seguinte, os teoremas de unicidades, dentre outras. ADITIVIDADE Sejam A e B subsistemas probabilisticamente independentes e O uma grandeza física associada aos subsistemas, tal que O(A) está associada à A e O(B) está associada à B. Diz-se que a grandeza O é aditiva se, e apenas se O(A+B) = O(A) + O(B). Se para os subsistemas A e B independentes, p(A) i e p (B) j representam a probabilidade de cada subsistema acessar um determinado microestado, respectivamente, então a probabilidade resultante da composição dos subsistemas é dada por p(A+B) ij = p (A) i p (B) j (∀(i, j)), de modo que a função entropia de Boltzmann-Gibbs é dada por 22 S(A+B) = SBG({p(A+B) ij }) = ∑ i,j p (A+B) ij ln p (A+B) ij = ∑ i,j p (A) i p (B) j ln ( p (A) i p (B) j ) = ∑ i ∑ j p (A) i p (B) j ln ( p (A) i ) + ∑ i ∑ j p (A) i p (B) j ln ( p (B) j ) = ∑ i p (A) i ln ( p (A) i )(∑ j p (B) j ) ︸ ︷︷ ︸ =1 + (∑ i p (A) i ) ︸ ︷︷ ︸ =1 ∑ j p (B) j ln ( p (B) j ) = ∑ i p (A) i ln ( p (A) i ) + ∑ j p (B) j ln ( p (B) j ) = SBG({p(A) i }) + SBG({p(B) i }) = S(A) + S(B) (2.5) e portanto é adivitiva. NÃO NEGATIVIDADE Se um determinado estado j0 do sistema é totalmente conhecido, então tem-se que que pj0 = 1 e pj = 0 (∀j ̸= j0), e portanto SBG = 0. No entanto, para qualquer outro caso, tem-se que 0 < pj < 1, para pelo menos dois valores de j e consequentemente 1/pj > 1, resultando portanto em SBG = −k W∑ i pi ln pi = k W∑ i pi ln 1 pi > 0, (2.6) o que mostra a não-negatividade a entropia de Boltzmann-Gibbs. EXPANSIBILIDADE Se estados possíveis forem adicionados à entropia SBG, de modo que a probabilidade de que eles aconteçam seja nula, então a entropia permanecerá invariante. Portanto SGB(p1, p2, ..., pW , 0) = SGB(p1, p2, ..., pW ). (2.7) 23 CONCAVIDADE Considere dois conjuntos de probabilidades {pi} e {p̃i} que estão associadas ao mesmo sistema, com W microestados. Pode-se definir uma probabilidade intermediária da seguinte maneira p′i = αpi + (1− α)p̃i (∀i; 0 < α < 1). (2.8) A entropia SBG é dita ser côncava se, e apenas se, SBG({p′i}) > αSBG({pi}) + (1− α)SBG({p̃i}). (2.9) Como a função −x lnx possui derivada segunda negativa, ela satisfaz a equação (2.9), e portanto tem-se que −p′i ln p ′ i > α(−pi ln pi) + (1− α)(−p̃i ln p̃i) (∀i; 0 < α < 1). (2.10) Realizando a soma sobre todos os estados ∑W i=1 na equação acima, a expressão (2.9) é imediatamente recuperada, concluindo-se que a entropia de Boltzmann-Gibbs é côncava. TEOREMAS DE UNICIDADE Foi com os trabalhos de Shannon (SHANNON, 1964) em 1948 e de Khinchin (KHINCHIN, 1957) em 1953 que foi proposto de um conjunto de axiomas sobre a forma funcional da entropia. Sob condições razoáveis, a única entropia que satisfaz tal conjunto é a de Bolztmann-Gibbs. Esses resultados serão introduzidos e discutido a seguir. TEOREMA DE SHANNON Shannon propõem seu teorema no contexto da teoria da informação, sem nenhuma conexão direta com a termodinâmica ou mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs. Ele tinha em mente definir uma quantidade que determinasse a taxa de informação produzida por um sistema. Essa proposta dialoga com a noção de entropia discutida na seção 2.1.1 que a interpreta como uma medida da ignorância de um determinado observador sobre o sistema. Suponha que p1, p2, ..., pW sejam as probabilidades associadas aos eventos possíveis de um experimento aleatório. Se existir uma medida S(p1, p2, ..., pW ), que informe quanta escolha está envolvida na seleção dos eventos ou quantidade incerteza sobre o resultado final desse experimento é razoável requerer certas propriedades sobre essa quantidade (SHANNON, 1964): 1. S(p1, p2, ..., pW ) é uma função contínua de {pi}; 2. Para o conjunto {pi} de probabilidades equiprováveis, com pi = 1 W , a função S(pi = 1/W,∀i) deve crescer monotonamente e ser contínua com respeito a W ; 3. Se uma escolha for quebrada em duas escolha sucessivas, a função S(pi) original deve ser a soma ponderada dos valores individuais de S; 24 Para entender melhor a condição 3, suponha que em um experimento você tenha três possibilidades de resultados e cada possibilidade com uma probabilidade diferente de um determinado resultado ocorrer, sendo dadas respectivamente por p1 = 1 2 , p2 = 1 3 e p3 = 1 6 como denotado na Figura 1. Nesse caso a entropia associada ao sistema será S ( 1 2 , 1 3 , 1 6 ) . Figura 1 – Diagrama denotando o experimento com as três possibilidade de resultados, cada um associado as probabilidades p1, p2 e p3. Fonte: Produção do próprio autor. Considere agora um segundo experimento que em uma primeira medida tenha duas possibilidades equiprováveis de obter um determinado resultado, cada uma com probabilidade p′1 = p′2 = 1 2 . No entanto, caso a segunda escolha seja feita p′2 = 1 2 , observa-se que outros dois resultados são possíveis, cada um com probabilidade de p21 = 2 3 e p22 = 1 3 que leva respectivamente aos resultados 2 e 3. A primeira escolha com p′1 = 1 2 leva ao resultado 1, ou seja, leva aos mesmo resultados do experimento da Figura 1. Esse segundo experimento pode ser esquematizado como dado na Figura 2. A entropia Figura 2 – Diagrama denotando o experimento. Inicialmente tem-se duas possibilidade de escolhas. A escolha com probabilidade p′1 = 1/2 leva ao resultado 1. Já a escolha p′2 = 1/2 se subdivide em duas outras escolhas possíveis com probabilidades p21 = 1/3 e p22 = 2/3, cada uma leva ao resultado 2 e 3, respectivamente. Fonte: Produção do próprio autor. associada ao sistema desse segundo experimento, sob a luz da condição 3 será dada por S ( 1 2 , 1 3 , 1 6 ) = S ( 1 2 , 1 2 ) + 1 2 S ( 2 3 , 1 3 ) . (2.11) Teorema 2.1 (Shannon). A única função S({pi}) que satisfaz as três condições acima é da forma S({pi}) = −k W∑ i=1 pi ln pi. (2.12) Demonstração. Considere que a função S(p1, p2, ..., pW ) possa ser escrita como S(p1, p2, ..., pW ) = W∑ i=1 f(pi), (2.13) 25 onde f(pi) é uma função contínua a ser determinada. Como ela é válida para todos os casos, inclusive para os equiprováveis, é suficiente determina-lá nesse caso em que pi = 1/W e S ( 1 W , 1 W , ..., 1 W ) = Wf ( 1 W ) . (2.14) Pela condição 2, tem-se que d dW [ Wf( 1 W ) ] ≥ 0 (2.15) Utilizando a condição 3 e considerando um experimento com m possibilidades iguais com que cada escolha possa ser decomposta em n escolhas de possibilidades iguais com W = nm, tem-se S ( 1 W , 1 W , ..., 1 W ) = S ( 1 m , 1 m , ..., 1 m ) + S ( 1 n , 1 n , ..., 1 n ) = S ( 1 nm , 1 nm , ..., 1 nm ) . (2.16) Escrevendo equação 2.16 por meio da equação 2.14, tem-se mf ( 1 m ) + nf ( 1 n ) = mnf ( 1 mn ) . (2.17) Adotando M = 1 m e N = 1 n , pode-se reescrever a equação 2.16 como 1 M f(M) + 1 N f(N) = 1 MN f(MN). (2.18) Definindo h(N) = 1 N f(N), h(M) = 1 M f(M) e h(MN) = 1 MN f(MN), obtém-se h(N) + h(M) = h(MN). (2.19) Diferenciando a equação 2.19 em relação a M e também em relação a N , tem-se h′(M) = Nh′(MN), (2.20) h′(N) = Mh′(MN). (2.21) Dessas relações obtém-se Mh′(M) = Nh′(N). (2.22) Como as variáveis M e N são independentes, tem-se Mh′(M) = A, (2.23) 26 onde A = constante. E portanto h(M) = A lnM + C (2.24) com C = constante. Restaurando as variáveis originais mf ( 1 m ) = A ln ( 1 m ) + C (2.25) f ( 1 m ) = A m ln ( 1 m ) + C m (2.26) Se a probabilidade de ober um determinado resultado em um experimento for 1, a incerteza sobre esse resultado deve ser nula, logo f(1) = 0, o que conduz à f(1) = C = 0, (2.27) portanto f ( 1 m ) = −A m ln (m) (2.28) Usando a condição 2 dada pela equação 2.15, tem-se d dm [ mf ( 1 m )] = −A m ≥ 0, (2.29) logo A deve ser negativa. Fazendo a suposição de que A = −k, com k > 0, restaurando p = 1/m f(p) = −kp ln p, (2.30) e usando a equação 2.13, encontra-se S(pi) = −k W∑ i=1 pi ln pi. (2.31) TEOREMA DE KHINCHIN Considere o caso em que dois sistemas A e B são probabilisticamente dependentes, ou seja, o que acontece com A depende com o que ocorre com B, ou vice-versa. Será denotado por qkℓ a probabilidade de um evento Bℓ acontecer em B, dado que o evento Ak com probabilidade pk já ocorreu em A. Para exemplificar, assuma um lançamento de dois dados. Qual a probabilidade, de após o lançamento, a soma das faces ser 8 e as faces serem dois número ímpares? Nesse exemplo, a 27 probabilidade da soma ser 8 está condicionada a face dos dados serem ímpares, logo, o evento A será denotado pelo fato da soma ser 8 e o evento B condicionado ao evento A é a probabilidade de serem faces ímpares. A probabilidade conjunta dos sistemas A e B é dada por πkℓ = pkqkℓ. (2.32) Dado esse sistema conjunto, A e B, pode-se calcular a entropia utilizando a probabilidade conjunta de A e B S(A+B) = − ∑ k ∑ ℓ pkqkℓ ln (pkqkℓ) , (2.33) = − ∑ k ∑ ℓ pkqkℓ [ln pk + ln qkℓ] . (2.34) Utilizando a condição de normalização ∑ ℓ qkℓ = 1 e definindo Sk ≡ − ∑ ℓ qkℓ ln qkℓ, tem-se S(A+B) = S(A) + ∑ k pkSk(B). (2.35) Definindo S(B|A) ≡ ∑ k pkSk(B), como entropia condicional do sistema B condicionado ao sistema A, reescreve-se S(A+B) = S(A) + S(B|A). (2.36) No caso em que A e B são sistemas probabilisticamente independentes, a equação acima se reduz à S(A+B) = S(A) + S(B). (2.37) Para estabelecer o teorema de unicidade de Khinchin, considere a existência de um funcional entrópico S({pi}) que satisfaz as seguintes propriedades (KHINCHIN, 1957): 1. Para um dado W e para ∑W i=1 pi, a função S(p1, p2, ..., pW ) toma seu maior valor para pi = 1 W (i = 1, 2, ...,W ); 2. S(A + B) = S(A) + S(B|A); 3. S(p1, p2, ..., pW , 0) = S(p1, p2, ..., pW ); Teorema 2.2 (Khinchin). Seja S(p1, p2, ..., pW ) uma função definida para qualquer inteiro W e para todos os valores p1, p2, ..., pW tal que pi ≥ 0 (i = 1, 2, ...,W ), ∑W i=1 pi = 1. Se para qualquer W essa função for contínua com respeito a todos os seus argumentos e se ela tem as propriedades 1, 2 e 3, então S(p1, p2, ..., pW ) = −k W∑ i=1 pi ln pi (k > 0). (2.38) A demonstração do teorema enunciado acima pode ser encontrada em (KHINCHIN, 1957). 28 2.2 MECÂNICA ESTATÍSTICA NÃO-EXTENSIVA A mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs, apesar de central na física, está calcada no fato de que a função entropia é aditiva para a junção de dois sistemas probabilisticamente independentes, além de não ser universal. Na verdade, o funcional entropia é um conceito “delicado e poderoso construído cuidadosamente para uma classe de sistemas” (TSALLIS, 2009a). Nesse sentido, existe uma classe de sistemas físicos em que a entropia de Boltzmann-Gibbs pode ser adequada para propostas termodinâmicas, como o gás de Van der Waals, mas outros em que ela não é, como o átomo de hidrogênio (LUCENA; SILVA; TSALLIS, 1995). Abordagens alternativas de entropias têm sido investigadas na literatura. Dentre elas está a efetuada por Tsallis em seu trabalho profícuo de 1988 (TSALLIS, 1988). Em sua proposta, Tsallis sugere uma generalização da entropia de Boltzmann-Gibbs, violando a aditividade e parametrizando-a por q. Esse parâmetro denota a não-extensividade do sistema e depende em última instância da sua dinâmica microscópica do sistema. Outras abordagens, utilizando diversas propostas de entropias também têm sido adotadas. Dentre elas está a entropia de Rényi (RÉNYI, 1970) e de Tsallis-Cirto (TSALLIS; CIRTO, 2013), que surge como uma proposta de tornar a entropia de Bekenstein-Hawking extensiva. A presente seção tem como objetivo apresentar essas generalizações de entropia e discutir de modo mais detalhado as propriedades da entropia de Tsallis. 2.2.1 A ENTROPIA Sq A entropia de Boltzmann-Gibbs dada pela equação (2.2) não é advinda de uma dinâmica microscó- pica do sistema e portanto assume uma condição de postulado da teoria. No entanto, uma vez conhecida a dinâmica microscópica do sistema, todas as grandezas estatísticas podem ser obtidas. Dado isso, qualquer tentativa de generalização também não deve ser derivada de uma dinâmica microscópica. Na tentativa de obtê-la, pode-se utilizar uma metáfora como feito em (TSALLIS et al., 2003)(TSALLIS, 2019). A equação diferencial mais simples que pode-se pensar é dy dx = 0, (2.39) sendo y = constante. Outra simples equação que pode ser pensada é dy dx = 1, (2.40) cuja solução é dada por y = x+ constante, onde a condição inicial sempre pode ser ajustada para que a constante seja nula (y(0) = 0). Na tentativa de tornar menos restritas as equações acima, pode-se propor a seguinte equação diferencial dy dx = y, (2.41) 29 onde a solução com a condição inicial x(1) = 0, é dada por x = ln y, (2.42) e a inversa é y = ex. A solução dada pela equação (2.42) tem a mesma estrutura do funcional de Boltzmann-Gibbs dada na equação (2.1) e portanto satisfaz a aditividade. ln(xAxB) = ln xA + lnxB. (2.43) Uma generalização das equações diferenciais discutidas acima, de tal forma que inclua os resultados já expostos, pode ser apresentada como dy dx = yq (q ∈ R), (2.44) onde a solução é dada pelo q-logaritmo x = y1−q − 1 1− q ≡ lnq y (2.45) e a inversa é dada pela q − exponencial, definida por y = [1 + (1− q)x] 1 1−q ≡ exq . (2.46) Os resultados das equações diferenciais (2.39), (2.40) e (2.41) podem ser retomados para q → −∞, q = 0 e q = 1, respectivamente. A solução satisfaz a pseudo-aditividade lnq(xAxB) = lnq xA + lnq xB + (1− q) lnq xA lnq xB. (2.47) A abordagem supracitada fornece uma ferramenta natural para genelizar a entropia (2.2) para a denominada q-entropia, também conhecida como entropia de Tsallis, utilizando o q-logaritmo como Sq({pi}) ≡ k W∑ i=1 pi lnq pi = k 1− ∑W i=1 p q i q − 1 ( W∑ i pi = 1 ) . (2.48) Reescrevendo a definição da entropia de Tsallis dada pela equação (2.48) como Sq({pi}) = k 1− ∑ i pip q−1 i q − 1 (2.49) = k 1− ∑ i pi exp[(q − 1) ln pi] q − 1 , (2.50) sendo k uma constante arbitrária. Pode-se expandir a exponencial da equação 2.50 em série de Taylor 30 em torno de q = 1 Sq({pi}) = k 1− ∑ i pi[1 + (q − 1) ln pi] q − 1 (2.51) = k 1− ∑ i pi − (q − 1) ∑ i pi ln pi q − 1 (2.52) = −k ∑ i pi ln pi = SBG({pi}) (2.53) Mostrando-se então, que a entropia de Boltzmann-Gibbs (2.2) é retomada em uma vizinhança em que q → 1. Logo, a entropia de Tsallis é uma generalização, que contém a entropia de Boltzmann-Gibbs como um caso particular. Para estados equiprováveis, onde pi = 1/W , onde W é o número de configurações possíveis, a entropia de Tsallis (2.48) torna-se Sq(W ) = k W 1−q − 1 1− q = k lnq W, (2.54) analogamente como dada pela equação para estados equiprováveis para Boltzmann-Gibbs (2.1). Posto que a entropia de Tsallis contém a entropia de Botzmann-Gibbs em um determinado limite, sua interpretação, portanto, nada difere da discutida na subseção 2.1.1. Pode-se interpreta-lá como uma medida da ignorância sobre um determinado sistema físico. A proposta de uma generalização da entropia de Boltzmann-Gibbs tem como objetivo principal englobar situações físicas que ela não abrange2. 2.2.1.1 PROPRIEDADES DA ENTROPIA Sq PSEUDO-ADITIVIDADE Dado que a entropia de Tsallis é uma generalização baseada no q-logaritmo, é natural que não seja aditiva, assim como expresso na equação (2.47). De fato, a entropia de Tsallis satifaz a pseudo- aditividade. Dados dois sistemas probabilisticamente independentes A e B, tal que a probabilidade conjunta desses dois sistemas seja dada por p(A+B) ij = p (A) i p (B) j , a soma da entropia desses sistemas conjuntos é fornecida por ∑ i,j [ p (A+B) ij ]q = ∑ i [ p (A) i ]q∑ j [ p (B) j ]q , (2.55) tomando o logaritmo da equação (2.55), obtém-se ln {∑ i,j [ p (A+B) ij ]q} = ln {∑ i [ p (A) i ]q} + ln {∑ j [ p (B) j ]q} . (2.56) 2 Em (TSALLIS, 2009a) pode-se encontrar algumas aplicações físicas da entropia de Tsallis. 31 Escrevendo cada termo da equação acima em termos da entropia de Tsallis (2.48), tem-se ln [ 1 + (1− q) Sq(A+B) k ] = ln [ 1 + (1− q) Sq(A) k ] + ln [ 1 + (1− q) Sq(B) k ] , (2.57) onde Sq(A) = Sq({p(A) i }), Sq(B) = Sq({p(B) i }) e Sq(A + B) = Sq({p(A+B) ij }). Reescrevendo a equação 2.57 como 1 + (1− q) Sq(A+B) k = [ 1 + (1− q) Sq(A) k ] [ 1 + (1− q) Sq(B) k ] , (2.58) ela se reduzirá à Sq(A+B) k = Sq(A) k + Sq(B) k + (1− q) Sq(A) k Sq(B) k , (2.59) Tem-se os seguintes casos correspondentes para valores do parâmetro q: q < 1 =⇒ Sq é superextensiva, q = 1 =⇒ Sq é extensiva, q > 1 =⇒ Sq é subextensiva. (2.60) NÃO NEGATIVIDADE Se um determinado estado j0 do sistema é totalmente conhecido, então tem-se que que pj0 = 1 e pj = 0 (∀j ̸= j0), e portanto Sq = 0 (∀q). Entretanto, para qualquer outro caso tem-se que pj < 1, para pelo menos dois valores de j e conse- quentemente 1/pj > 1. Dado que lnq 1 pi > 0,∀i, tem-se portanto que Sq = −k W∑ i pi lnq pi = k W∑ i pi lnq 1 pi > 0 (∀q), (2.61) o que mostra a não-negatividade a entropia de Tsallis. EXPANSIBILIDADE Se estados possíveis forem adicionados à entropia Sq, de modo que a probabilidade de que eles aconteçam seja nula, então a entropia permanecerá invariante. Portanto Sq(p1, p2, ..., pW , 0) = Sq(p1, p2, ..., pW ). (2.62) Se adicionados N estados possíveis à entropia Sq, tais que a probabilidade com que eles ocorram 32 seja nula, tem-se para q > 0 por meio da definição (2.48) Sq(p1, p2, ..., pW , 0) = k 1− ∑W+N i=1 pqi q − 1 = k 1− ∑W i=1 p q i + ∑N i=W+1 0 q q − 1 = k 1− ∑W i=1 p q i q − 1 = Sq(p1, p2, ..., pW ). (2.63) Entretanto para q < 0, deve-se levar em conta o fato de que a soma na entropia Sq ocorre apenas em estados com probabilidades positivas (TSALLIS, 2009a). Logo, se há W +N estados possíveis, porém somente W estados sejam possíveis ocorrer e os N estados restantes tenham probabilidade nula de ocorrência, então Sq(p1, p2, ..., pW , 0) = k 1− ∑W i=1 p q i q − 1 = Sq(p1, p2, ..., pW ). (2.64) CONVEXIDADE E CONCAVIDADE Considere dois conjuntos de probabilidades {pi} e {p̃i} que estão associadas ao mesmo sistema, com W microestados. E a probabilidade intermediária definida na equação (2.8). Como a função x(1 − xq−1)/(q − 1) possui derivada segunda contínua, positiva para q < 0 e negativa para q > 0, tem-se para q < 0, segunda a equação (2.9) p′i(1− p′q−1 i ) q − 1 < α pi(1− pq−1 i ) q − 1 + (1− α) p̃i(1− p̃q−1 i ) q − 1 . (2.65) Perfazendo a soma ∑W i=1 em ambos os lados da desigualdade, obtém-se Sq({p′i}) < αSq({pi}) + (1− α)Sq({p̃i}) (q < 0), (2.66) o que demonstra imediatamente a convexidade da entropia Sq para q < 0. Para obter a concavidade de Sq para q > 0 basta tomar as desigualdades contrárias (TSALLIS, 2009a). TEOREMAS DE UNICIDADE Assim como existem os teoremas de Shannon e de Khinchin para a mecânica estatística de Boltzmann-Gibbs, seus respectivos equivalentes para a mecânica estatística não-extensiva foram propostos por Santos (SANTOS, 1997) e Abe (ABE, 2000) como apresentados a seguir. TEOREMA DE SANTOS Em seu trabalho, Santos (SANTOS, 1997) propõe, se baseando no teorema de Shannon, um análogo para a entropia de Tsallis. Suponha que exista um funcional entrópico Sq({pi}) que satisfaz as seguintes condições: 1. S(p1, ..., pW ) é uma função contínua com respeito a todos os seus argumentos; 33 2. Para um dado conjunto de W estados equiprováveis, ou seja, pi = 1/W , é uma função monoto- namente crescente de W ; 3. Para dois sistemas independentes A e B, a entropia do sistema composto A+B satisfaz a relação pseudo-aditividade3 Sq(A+B) = Sq(A) + Sq(B) + (1− q)Sq(A)Sq(B) (2.67) 4. Com W = WL +WM , sendo WL dado por L termos e WM dado por M termos, tem-se pL ≡ WL∑ i=1 pi, (2.68) pM ≡ WM∑ i=1 pi, (2.69) e pL + pM = 1, (2.70) portanto, a entropia pode ser escrita como Sq({pi}) = Sq(pL, pM) + pqLSq ({ pi pL }) + pqMSq ({ pi pM }) . (2.71) O enunciado da condição 4 de Santos, apesar de diferente do enunciado da condição 3 de Shannon em estrutura, quer dizer a mesma coisa. Para compreender seu significado, considere um experimento que consiste em uma caixa contendo 12 bolas de diferentes cores, 4 bolas vermelhas, 3 bolas azuis, 2 bolas verdes e 3 bolas amarelas. Em um sorteio, a probabilidade de retirar uma bola vermelha é de p1 = 1/3, de retirar uma bola azul é de p2 = 1/4, de retirar uma bola verde é de p3 = 1/6 e retirar uma bola amarela é de p4 = 1/4, como dado na Figura 3, onde os rótilos 1,2,3 e 4 se referem respectivamente as cores vermelho, azul, verde e amarelo. A entropia associada a esse sistema será Sq ( 1 3 , 1 4 , 1 6 , 1 4 ) . Figura 3 – Diagrama denotando o experimento com as quatro possibilidade de resultados, cada um associado as probabilidades p1, p2, p3 e p4. Fonte: Produção do próprio autor. 3 Por simplicidade está sendo tomado k = 1, a expressão com a constante pode ser encontrada na equação (2.59). 34 Considere agora um outro experimento com as mesmas 12 bolas do experimento anterior, sub- dividido em outros dois sub-experimentos consecutivos, como denotado na Figura 4. O primeiro sub-experimento consiste em separar as 12 bolas em dois conjuntos difentes, um composto por 7 bolas, sendo que dessas 7 bolas 4 são vermelhas e 3 são azuis e o outro conjunto é formado por 5 bolas, sendo dessas 5, 2 bolas verdes e 3 bolas amarelas. A probabilidade de selecionar 7 bolas das cores desejadas entre as 12 bolas será pL = 7/12 e as probabilidade de selecionar as 5 bolas das cores desejadas será de pM = 5/12. O segundo sub-experimento está condicionado à realização do primeiro sub-experimento. Os conjuntos de 7 e 5 bolas selecionadas são colocados separadamente em uma caixinha de sorteio. Do conjunto formado pelas 7 bolas, a probabildade de retirar uma bola vermelha é de p1/pL = 4/7 e a probabilidade de retirar uma bola azul é de p2/pL = 3/7. Já em relação ao conjunto formado por 5 bolas, a probabilidade de retirar uma bola verde é de p3/pM = 2/5 e de retirar uma bola amarela é de p4/pM = 3/5. As probabilidades p1/pL, p2/pL, p3/pM e p4/pM são denominadas probabilidades condicionais, pois estão condicionadas ao fato de que não primeiro sub-experimento foram selecionados conjuntos de 7 e 5 bolinhas, cada um com as cores desejadas, como já dito anteriormente. Nesse experimento formado por dois sub-experimentos, a probabilidade de se obter uma bola vermelha, chamada de resultado 1, é de p1 = 1/3, a probabilidade de obter uma bola azul, chamada de resultado 2, é de p2 = 1/4 , a probabilidade de se obter uma bola verde, chamada de resultado 3, é de p3 = 1/6 e, por fim, a probabilidade de se obter uma bola amarela, chamada de resultado 4, é de p4 = 1/4. Figura 4 – Diagrama denotando o experimento. Inicialmente tem-se duas possibilidade de resultados. A escolha com probabilidade pL = 7/12 se subdivide em outras duas escolhas com probabilidades p1/pL = 4/7 e p2/pL = 3/7 que leva aos resultados 1 e 2. Já a escolha pM = 5/12 se subdivide em duas outras escolhas possíveis com probabilidades p3/pM = 2/5 e p4/pM = 3/5, cada uma leva aos resultados 3 e 4, respectivamente. Fonte: Produção do próprio autor. Nesse caso, considerando-se as probabilidades dos sub-experimentos realizados,a entropia associ- ada ao sistema pode ser escrita como Sq ( 1 3 , 1 4 , 1 6 , 1 4 ) = Sq ( 7 12 , 5 12 ) + ( 7 12 )q Sq ( 4 7 , 3 7 ) + ( 5 12 )q Sq ( 2 5 , 3 5 ) . (2.72) Teorema 2.3. A única função que satisfaz simultaneamente todas as propriedades listadas acima é a entropia de Tsallis4 Sq = 1− ∑W 1 pqi 1− q . (2.73) 4 Por consistência da notação, está sendo tomado k=1. 35 Demonstração. Decompondo uma escolha de sm possibilidades equiprováveis em uma série de m escolhas com s possibilidades igualmente prováveis (ver Figura 5). Tem-se utilizando a condição (3) Figura 5 – Esquerda: Uma escolha com 9 possibilidade equiprováveis. Portanto a probabilidade de que uma das possibilidades seja escolhida é de 1/9. Nesse caso em particular, s = 3 e m = 2. Direita: Duas escolhas (m=2), com 3 (s=3) possibilidades equiprováveis cada. Portanto, na primeira escolha tem 3 possibilidades, tem-se, então, a probabilidade de 1/3 de que uma das possibilidades seja escolhida. Na segunda escolha há 3 possibilidades de escolha, a probabilidade de que uma das possibilidades seja escolha é também de 1/3. No fim, após a duas escolhas serem realizadas, a probabilidade final de que um dos resultados seja atingido é de 1/9. Fonte: Produção do próprio autor. • se m = 2 Sq(s 2) = 2Sq(s) + (1− q)S2 q (s) (2.74) = [2(1− q)Sq(s) + (1− q)S2 q (s) + 1]− 1 (1− q) (2.75) = [(1− q)Sq(s) + 1]2 − 1 (1− q) , (2.76) 36 • se m = 3 Sq(s 3) = Sq(s · s2) = Sq(s) + Sq(s 2) + (1− q)Sq(s)Sq(s 2) (2.77) = 3Sq(s) + (1− q)S2 q (s) + 2(1− q)S2 q (s) + (1− q)2S3 q (s) (2.78) = 1 + 3(1− q)Sq(s) + 3(1− q)2S2 q (s) + (1− q)3S3 q (s)− 1 1− q (2.79) = [1 + (1− q)Sq(s)] 3 − 1 1− q , (2.80) • supondo que m = n, ∀n inteiro Sq(s n) = [1 + (1− q)Sq(s)] n − 1 1− q . (2.81) tem-se que para m = n+ 1 S(sn+1) = Sq(s ns) = Sq(s n) + Sq(s) + (1− q)Sq(s n)Sq(s) = [1 + (1− q)Sq(s)] n − 1 1− q + Sq(s) + (1− q) [1 + (1− q)Sq(s)] n − 1 1− q S(s) = [1 + (1− q)Sq(s)] n − 1 1− q + Sq(s) + [1 + (1− q)Sq(s)] nSq(s)− Sq(s) = [1 + (1− q)Sq(s)] n − 1 1− q + [1 + (1− q)Sq(s)] nSq(s) = [1 + (1− q)Sq(s)] n − 1 1− q + (1− q) 1− q [1 + (1− q)Sq(s)] nSq(s) = [1 + (1− q)Sq(s)] n 1− q [1 + (1− q)Sq(s)]− 1 1− q = [1 + (1− q)Sq(s)] n+1 1− q − 1 1− q = [1 + (1− q)Sq(s)] n+1 − 1 1− q (2.82) No limite q → 1 a condição de Boltzmann-Gibbs é recuperada S1(s m) = lim q→1 [1 + (1− q)Sq(s)] m − 1 1− q = mS1(s). (2.83) Para um par (m, s) suficientemente grande é possível encontrar um para de números inteiros (t, n), tal que sm ≤ tn ≤ sm+1. (2.84) 37 Usando a condição (2), obtém-se para qualquer valor de q Sq(s m) ≤ Sq(t n) ≤ Sq(s m+1). (2.85) Utilizando a equação (2.85) para q < 1, tem-se [1 + (1− q)Sq(s)] m ≤ [1 + (1− q)Sq(t)] n ≤ [1 + (1− q)Sq(s)] m+1, (2.86) tomando o logaritmo da desigualdade acima m n ≤ ln[1 + (1− q)Sq(t)] ln[1 + (1− q)Sq(s)] ≤ m n + 1 n , (2.87) ou equivalentemente ∣∣∣∣mn − ln[1 + (1− q)Sq(t)] ln[1 + (1− q)Sq(s)] ∣∣∣∣ ≤ 1 n ≡ ε. (2.88) Da equação (2.84) m n ≤ ln t ln s ≤ m n + 1 n , (2.89) e, como antes ∣∣∣∣mn − ln t ln s ∣∣∣∣ ≤ 1 n ≡ ε. (2.90) Usando as equações (2.88) e (2.90) combinadas∣∣∣∣ ln tln s − ln[1 + (1− q)Sq(t)] ln[1 + (1− q)Sq(s)] ∣∣∣∣ ≤ 2ε (2.91) Tomando ε → 0, obtém-se ln[1 + (1− q)Sq(s)] ln s = ln[1 + (1− q)Sq(t)] ln t = p(q). (2.92) Logo, o funcional Sq(t) toma a forma de Sq(t) = tp(q)−1 1− q . (2.93) Considere uma escolha de W partições, cada uma com probabilidade pi = ni∑W i=1 n1 , (2.94) onde ni é o número de possibilidades na i−ésima partição, cada uma com probabilidade igual. 38 Usando a condição (4), tem-se Sq ({ 1∑W i ni }) = Sq(p1, p2, ..., pW ) + W∑ i=1 pqiSq ({ 1 ni }) (2.95) por meio da equação (2.93), pode-se escrever(∑W i=1 ni )p − 1 1− q = S(p1, p2, ..., pW ) + W∑ i=1 pq ( np i − 1 1− q ) . (2.96) Então Sq(p1, p2, ..., pW ) = 1 1− q {( W∑ i=1 ni )p − 1 + W∑ i=1 pqi − W∑ i=1 pqin p i } , (2.97) mas como np i = ppi ( W∑ i=1 ni )p , (2.98) logo Sq(p1, p2, ..., pW ) = 1 1− q {( W∑ i=1 ni )p − 1 + W∑ i=1 pqi − W∑ j=1 pqjp p j ( W∑ i=1 ni )p} . (2.99) Para satisfazer a condição (1), deve-se observar que p = 1− q. (2.100) Portanto Sq({pi}) = 1− ∑W i=1 p q i 1− q , (2.101) e para t escolhas equiprováveis Sq(t) = t1−q − 1 q − 1 . (2.102) TEOREMA DE ABE Uma vez generalizado o teorema de Shannon por Santos, é esperado, naturalmente, uma generali- zação do teorema de Khinchin e tal generalização foi feita por Abe (ABE, 2000). Suponha a existência de um funcional entrópico Sq({pi}), então se (TSALLIS, 2019): 39 1. Sq({pi}) é uma função contínua de {pi}; 2. Sq(pi = 1/W,∀i) cresce monotonamente com o número total de possibilidades; 3. Sq(p1, p2, ..., pW , 0) = Sq(p1, p2, ..., pW ); 4. Sq(A+B) k = Sq(A) k + Sq(B|A) k + (1− q)Sq(A) k Sq(B|A) k , onde Sq(A+B) ≡ Sq(πkℓ), Sq(A) ≡ Sq({pk}) ( pk ≡ ∑ ℓ πkℓ = ∑ ℓ pkqkℓ ) , e a entropia condicional Sq(B|A) ≡ ∑ k(pk) qSq (qkl)∑‘ k(pk) q (k > 0); então, apenas então Sq({pi}) = k 1− ∑W i=1 p q i q − 1 . (2.103) A demonstração do teorema de Abe pode ser encontrada em (ABE, 2000). 2.2.2 OUTRAS POSSIBILIDADES DE FUNCIONAIS ENTRÓPICOS Propostas alternativas de funcionais entrópicos, além dos supracitados, foram feitas. Dentre elas está a entropia de Rényi (RÉNYI, 1970) definida como SR q ≡ k ln ∑W i=1 p q i 1− q = k ln [ 1 + (1− q)Sq k ] 1− q . (2.104) Na literatura, diz-se com frequência que a entropia de Rényi é obtida via abordagem do logaritmo formal da entropia de Tsallis Sq, como pode ser observado na equação (2.57) (CZINNER; IGUCHI, 2016). A entropia de Rényi tem a vantagem de ser aditiva, esse fato permite com que a lei zero da termodinâmica seja satisfeita, o que não acontece com a entropia de Tsallis. No entanto é côncava apenas para 0 < q ≤ 1 (BOON; TSALLIS, 2005), e viola para q ̸= 1 a robustez experimental, a produção de entropia por unidade de tempo e a própria côncavidade fora do intervalo já mencionado5. Entretanto, no limite em que q → 1, tem-se, utilizando a relação 5 Para entender o que é robustez experimental e produção de entropia por unidade de tempo, veja (TSALLIS et al., 2003) e (TSALLIS, 2009a). 40 ln(1 + x) ≈ x (2.105) na equação (2.104), obtém-se SR q=1 = (1− q)Sq=1 1− q = S1 = SBG. (2.106) Logo a entropia de Rényi, possui a entropia de Boltzmann-Gibbs (2.2) como caso paticular. Outra proposta de funcional entrópico foi feita por Tsallis (TSALLIS, 2009a) e discutida com mais afinco em seu trabalho com Cirto (TSALLIS; CIRTO, 2013). Essa entropia é dada por6 Sδ = k W∑ i=1 pi ( ln 1 pi )δ . (2.107) Nos caso em que δ = 1, a entropia de Boltzmann-Gibbs é recuperada. Sejam A e B dois sistemas probabilisticamente independentes, a probabilidade conjunta de ambos sistemas é dada por pA+B ij = pAi p B j e a entropia resultante não-aditiva é dada por Sδ(A+B) = {[ Sδ(A) k ]1/δ + [ Sδ(B) k ]1/δ}δ , δ > 0. (2.108) Para um sistema equiprobabilístico, considerando que pi = 1/W , onde W é o número de possibilidade do sistema, tem-se Sδ = k (lnW )δ . (2.109) A entropia de Tsallis-Cirto é côncava para 0 < δ < (1 + lnW ), não negativa e expansível. No entanto, suas propriedades e formalização para a termodinâmica carecem de uma abordagem mais robusta na literatura. 2.3 EXTENSIVIDADE A regra de composição da entropia para sistemas probabilisticamente independentes é uma propri- edade meramente matemática, não dependendo do sistema físico analisado. No caso da entropia de Boltzmann-Gibbs essa composição é aditiva e para a entropia de Tsallis é pseudo-aditiva. No entanto, a extensividade é uma propriedade que depende do sistema físico abordado. Uma entropia é extensiva para um dado sistema físico se é proporcional a quantidade de elementos que o compõe ou ao número de graus de liberdade desse sistema. Essa propriedade pode ser expressa 6 No presente trabalho, frequentemente esse funcional entrópico será chamado como entropia de Tsallis-Cirto ou entropia delta. 41 da seguinte forma 0 < lim N→∞ S(N) N < ∞, (2.110) ou analogamente S(N) ∝ N, (N → ∞). (2.111) Considere que W descreva o número total de possibilidades com probabilidades diferentes de zero para um determinado sistema equiprobabilístico. • Suponha que W (N) ∼ µN para µ > 1 descreva, por exemplo, as possibilidade de um sistema composto por N moedas em que µ = 2, ou N dados, caso em que µ = 6 (TSALLIS et al., 2003). A entropia de Boltzmann-Gibbs (2.1) será extensiva quando utilizada para descrever esse sistema, pois SBG = kB lnW (N) ∝ N. (2.112) • Considere agora W (N) ∼ Nρ (ρ > 0), que pode descrever, por exemplo, um sistema cujos elementos são correlacionados em todas as escalas (TSALLIS et al., 2003). Esse exemplo é dado por Tsallis em (TSALLIS, 2009b) para um sistema binário com N váriaveis aleatórias binárias iguais, mas somente (ρ + 1) elementos tem probabilidades não nulas. A entropia de Tsallis (2.54) é extensiva quando utilizada para descrever esse sistema para um valor específico de q, Sq(N) = kB lnq W (N) ∝ [W (N)]1−q ∝ Nρ(1−q), (2.113) se q = q∗ = 1− 1 ρ Sq∗(N) ∝ N. (2.114) • Por fim, assuma um sistema em que suas possibilidade sejam dadas por W (N) ∼ νNγ para ν > 1 e 0 < γ < 1. Sendo considerada a entropia de Tsallis-Cirto para esse sistema, ela será extensiva como mostrado abaixo Sδ(N) = k[lnW (N)]δ ∝ N δ, (2.115) Sδ=1/γ(N) ∝ N. (2.116) Portanto, como já supracitado, a extensividade da entropia é depende diretamente do sistema físico a ser estudado e, por vezes, violar a aditividade para recuperar a extensividade é necessário para que a termodinâmica seja satisfeita. 42 2.4 BURACOS NEGROS E A ENTROPIA DE BEKENSTEIN-HAWKING Buracos negros são objetos astrofísicos que desafiam os limites da física estabelecida devido às suas características físicas não usuais. Sua origem conceitual remonta aos predecessores da Relatividade Geral no século XVIII, que já falavam em estrelas escuras e discutiam sobre a possibilidade de existência de um objeto que poderia aprisionar a luz por meio da gravidade (ARANHA, 2023). O termo buraco negro é atribuído ao físico John Wheeler, que em 1969 o popularizou (ROBERTSON, 2023). Somente com o surgimento da Relatividade Geral em meados de 1915 a ideia de buracos negros começou a ganhar raízes. Do ponto de vista teórico, os trabalhos seminais publicados entre as décadas de 1960 e 1970, de cientistas como Penrose, Hawking, Geroch, Israel e Carter colocaram a física de buracos negros em bases matemáticas sólidas por meio de técnicas de geometria e topologia. Durante essas décadas de intensa pesquisa foram provados teoremas de unicidade resultantes da investigação de soluções exatas e estacionárias, as leis mecânicas de buracos negros e a possibilidade de associar termodinâmica a esses objetos. No entanto, a existência e relevância de buracos negros só se tornou unânime na comunidade científica em meados dos anos 2000 (CURIEL, 2019). De modo simples, os buracos negros podem ser definidos como uma região do espaço-tempo de que nem partículas massivas e nem partículas sem massa podem escapar (GOURGOULHON, 2018). Entretanto, a definição de buracos negros não é unânime na física, dado que cada área que aborda esse tema de estudo se apropria de uma definição diferente para se referir ao mesmo objeto. Curiel afirma que é a grande riqueza e frutífera ideia de buraco negro que conduz a uma multiplicidade de definições diferentes, cada uma em seu domínio (CURIEL, 2019). Os buracos negros são caracterizados pela existência de um horizonte de eventos que cobre seu interior. O horizonte de eventos é uma membrana unidirecional no sentido em que só pode ser atravessado em uma única direção, da região exterior à região interior do buraco negro, 2-dimensional7 e fechada. As leis mecânicas associadas a buracos negros foram introduzidas na década de 1970 e suas semelhanças com as leis da termodinâmica clássica foram evidenciadas em uma publicação de 1973 devido a Bardeen, Carter e Hawking (BARDEEN; CARTER; HAWKING, 1973) que observaram que a área do horizonte de eventos e a superfície gravitacional “têm fortes analogias com entropia e temperatura, respectivamente. Seguindo essa analogia, somos levados a formular quatro leis da mecânica dos buracos negros que são semelhantes, mas distintas, das quatro leis da termodinâmica”. Apesar dessa observação já em 1973, a natureza entre a termodinâmica e a gravidade ainda é desco- nhecida (FERNANDES, 2023), e ainda não se sabe muito bem o que significa atribuir propriedades termodinâmicas a buracos negros (CURIEL, 2019). A entropia associada a buracos negros foi introduzida por Bekenstein em 1972 (BEKENSTEIN, 1972) e posteriormente sua constante de proporcionalidade foi obtida por Hawking. Ela é dada por SBH = kBA 4ℓ2P , (2.117) 7 No presente trabalho consideraremos apenas espaços-tempo quadridimensionais. 43 onde A é a área do horizonte de eventos, kB a constante de Boltzmann e ℓP = √ Gℏ/c3 o comprimento de Planck. Em um trabalho de 1976, Hawking afirma que o logaritmo do número de configura- ções internas inobserváveis de um buraco negro pode ser considerada a entropia do buraco negro (HAWKING, 1976), o que evidencia que a entropia de Bekenstein-Hawking é interpretada como de Boltzmann-Gibbs. Entretanto, a entropia de Bekenstein-Hawking causa uma determinada estranheza, uma vez que como um buraco negro é um objeto tridimensional, espera-se que a entropia seja proporcional ao seu volume e não a sua área. Das e Shankaranarayanan (DAS; SHANKARANARAYANAN, 2006) afirmam em sua publicação que a área (em oposição ao volume) proporcional a entropia do buraco negro tem sido uma questão intrigante há décadas. O fato é que, a entropia de Bekenstein-Hawking não é extensiva, portanto, as gradezas termodinâmicas dela derivada não deveriam ser fisicamente consistentes. Isso foi observado por Hawking quando afirma em seu trabalho que o ensemble canô- nico estatístico padrão não pode ser aplicado quando interações gravitacionais são importantes (HAWKING, 1976). Uma proposta para restaurar a extensividade da entropia dada pela equação (2.117) foi feita por Tsallis-Cirto (TSALLIS; CIRTO, 2013) utilizando a entropia delta, definida pela equação (2.109), em que a entropia de Bekenstein-Hawking é dada equiprobabilisticamente e interpretada como sendo de Boltzmann-Gibbs, ou seja, SBH = lnW . Logo Sδ=3/2 = (SBH) 3/2 , (2.118) sendo δ = 3/2. Çimdiker et al.(ÇIMDIKER; DABROWSKI; GOHAR, 2023), provaram que a entropia de equilíbrio e a temperatura de equilíbrio para a entropia (2.118) são proporcionais respectivamente a entropia de Bekenstein-Hawking e a temperatura Hawking. 44 3 ESTABILIDADE TERMODINÂMICA DE BURACOS NEGROS No capítulo precedente foram apresentadas, de modo introdutório, algumas definições de funcionais de entropia, discutindo-se com mais ênfase as propriedades da entropia de Boltzmann-Gibbs e a entropia de Tsallis, essa última como uma proposta para a generalização da primeira. No contexto de buracos negros, foi discutida a entropia de Bekeinstein-Hawking, que foi proposta na década de 1970 por meio de uma analogia direta com as leis mecânicas de buracos negros. Todavia, a não-extensividade da entropia de buracos negros é um dos assuntos que tem sido discutido de modo intermitente na literatura. Tsallis e Cirto (TSALLIS; CIRTO, 2013), na tentativa de restaurar a extensividade da entropia de Bekenstein-Hawking, utilizam a entropia delta. Recentemente na literatura, trabalhos têm sugerido estudar a estabilidade termodinâmica de buracos negros por meio de abordagens alternativas de entropia além da entropia de Bekenstein-Hawking, com objetivo de obter informações adicionais sobre as soluções da relatividade geral. Czinner e Iguchi (CZINNER; IGUCHI, 2016) sugeriram estudar a estabilidade termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild utilizando a entropia de Rényi e posteriormente estudaram a estabilidade termodinâmica do buraco negro de Kerr (CZINNER; IGUCHI, 2017) com o mesmo funcional entrópico. Mejrhit e Ennadifi (MEJRHIT; ENNADIFI, 2019) propuseram estudar a estabilidade termodinâmica de buracos negros em geometria quântica por meio da entropia de Tsallis. E também, Abreu e Neto (ABREU; NETO, 2021) estudaram o buraco negro de Schwarzschild empregando a entropia de Rényi e a estatística incompleta1 e derivaram para este caso o teorema da equipartição. O estudo da estabilidade termodinâmica de buracos negros fornece informações sobre a viabilidade e comportamento das soluções da Relatividade Geral, tal qual o estudo sobre a estabilidade dinâmica dessas soluções que verificam o comportamento de buracos negros diante de pequenas perturbações (escalares ou tensoriais). Fisicamente essas pertubações podem denotar matéria flutuando ou caindo no buraco negro (PRESS; TEUKOLSKY, 1973). Além disso, essa abordagem pode fornecer ferramentas para uma maior compreensão sobre a transição de fase gravitacional, que constitui um dos problemas em aberto da física teórica contemporânea, possibilitando elucidar o que acontece com um buraco negro quando passar de uma situação estável para uma situação instável. Um método que tem sido aplicado na literatura para auxiliar nessa análise é o método de Poincaré, que não dá uma informação direta sobre a estabilidade das soluções, mas informa se há mudança de estabilidade sem a necessidade de resolver uma equação de autovalor. O presente capítulo propõe-se abordar uma interpretação de buracos negros como sistemas termo- dinâmicos, o método de Poincaré, apresentando como ele pode ser aplicado, além de expor os passos para demonstrar seu formalismo. Pretende-se também discutir sobre a estabilidade termodinâmica do buraco negro de Schwarzschild, fazendo um apanhado das abordagens feitas na literatura utilizando diversos funcionais entrópicos e, por fim, será proposta a análise da estabilidade termodinâmica de uma solução de buracos negros com cabelos que possui o buraco negro de Schwarzschild como caso 1 A estatística incompleta é baseada na estatística de Tsallis discutida no capítulo 2, porém utiliza a condição de normalização ∑ i p q i = 1. 45 particular. Para essas abordagens, serão utilizados os funcionais entrópicos de Bekenstein-Hawking, Tsallis e Rényi introduzidos no capítulo anterior. 3.1 BURACOS NEGROS COMO SISTEMAS TERMODINÂMICOS Na seção 2.4 do capítulo 2 foi exposto de modo introdutório a conceituação de buracos negros e como eles são caracterizados. Também foi introduzida a entropia de Bekenstein-Hawking, que é proporcional a área do horizonte de eventos. No entanto, apesar da exposição feita, há uma carência da interpretação de buracos negros como objetos termodinâmicos. Esse é o objetivo da presente seção. Por simplicidade, pense em um buraco negro cujo horizonte de eventos seja uma esfera. Ele está situado em uma região do universo em que pode estar isolada ou conter matéria e radiação. Na Figura 6, a esfera B representa o buraco negro e U ilustra um recorte da região do universo em que o buraco negro está situado. O ambiente U pode ser grande o suficiente, de modo que pode-se assumir que qualquer coisa que esteja de fora não tenha influência sobre o buraco negro. Figura 6 – Buraco negro representado pela esfera denotada por B e o ambiente que ele está inserido U representa o universo. O buraco negro pode ser compreendido como um subsistema B do sistema U. Fonte: Produção do próprio autor. Se pensado de um ponto de vista termodinâmico, o buraco negro B pode ser considerado como um subsistema de U. Diante dessa abordagem, pode-se interpretar buracos negros como ensembles termodinâmicos. O conceito de ensemble é devido a termodinâmica e a física estatística, e significa conjunto. Dois ensembles serão abordados no decorrer do presente trabalho: o ensemble microcanônico e o ensemble canônico. Um ensemble microcanônico, descreve um sistema isolado, cuja a energia interna do sistema permanece constante. O ensemble canônico, no entanto, descreve sistemas em contato com um reservatório térmico, cuja temperatura T é mantida fixa. Considere uma situação em que o buraco negro B esteja isolado, o recorte do universo U que o encerra não tem radiação e nem matéria para que ele possa absorver. Portanto, a energia do sistema é a do buraco negro e toda radiação por ele emitida, que acaba sendo reabsorvida por algum mecanismo. Nessa situação, o buraco negro pode ser compreendido como um ensemble microcanônico, pois sua energia, que é dada por sua massa M , é mantida constante. Imagine agora que o sistema U seja o reservatório térmico, à temperatura constante T , do subsistema B. É permitida a troca de energia do reservatório com o buraco negro B. Fisicamente, o reservatório pode ser interpretado como uma região do espaço com radiação e matéria que alimente o buraco negro. 46 Caso a temperatura do buraco negro seja menor que a do reservatório, ele absorverá matéria e radiação até entrar em equilíbrio térmico com o reservatório. Nesse caso, o buraco negro pode ser compreendido como um ensemble canônico, porque considera-se que ele esteja em banho térmico infinito. 3.2 MÉTODO DE POINCARÉ O método de inflexão de Poincaré, ou somente, método de Poincaré foi proposto para separar séries de equilíbrio das configurações estáveis das séries de equilíbrio das configurações instáveis, sem a necessidade de resolver uma equação de autovalor. Por não depender da aditividade da entropia, essa abordagem tem sido utilizada amplamente na literatura para apoiar os resultados obtidos acerca da termodinâmica de buracos negros. Uma vez que a análise de estabilidade somente via o sinal da capacidade térmica não se apresentada totalmente confiável devido ao fato da entropia de Bekenstein- Hawking não ser aditiva (CZINNER; IGUCHI, 2016) e deve ser apoiada por outros meios. Para compreender a derivação do método de Poincaré será utilizada a abordagem de Katz (KATZ, 1978) (KATZ, 1979). Seja Z uma função associada a um sistema físico de n variáveis xα (α = 1, 2, ..., n) e que contém m parâmetros reais µi(i = 1, 2, ...,m). Então Z = Z(xα, µi). (3.1) A função Z é contínua em xα e em seus parâmetros µi, além do fato de que suas derivadas primeiras e segundas também gozam dessa propriedade. Se o equilíbrio estável do sistema é tal que a função Z é maximizada, então nesses pontos de máximo ∂Z ∂xα = ∂αZ = 0, (3.2) e ∂2Z ∂xα∂xβ = ∂αβZ < 0. (3.3) As n variáveis xµ estão associadas as configurações possíveis do sistema. No caso do equilíbrio estável, elas podem ser escritas como função dos parâmetros µi por meio da solução da equação 3.2 e dadas como xµ = Xµ eq(µ i). (3.4) As configurações de equilíbrio estável, denotadas por Xµ eq, são funções contínuas dos parâmetros µi. Assuma que o espectro de autovalores da matriz hessiana de Z nos pontos Xα eq que indicam a configuração de equilíbrio estável, ∂2Z ∂xρ∂xσ ∣∣∣∣ xγ=Xγ eq(µj) , (3.5) 47 seja não degenerado k1 < k2 < ... < kh < ... < kn. Uma mudança de estabilidade no sistema ocorre quando um determinado autovalor, kh, torna-se nulo. Isso indica que a mudança de estabilidade corresponde a uma mudança de sinal de kh (KATZ, 1978). Se o conjunto de variáveis {xα} forem escolhidas de tal forma, que a matriz hessiana 3.5 seja escrita em forma diagonal. Os autovalores dessa matriz serão dados por λσ(µ i) = ∂2 σZ(x α, µi) ∣∣ xα=Xα eq(µ i) . (3.6) Esses autovalores são denominados de “coeficientes de estabilidade de Poincaré” e uma configuração de instabilidade é indicada para autovalores λσ > 0. É possível mostrar que se pode obter informação acerca da mudança de estabilidade sem encontrar diretamente o espectro de autovalores da matriz (3.5). Para isso, considere o fato de que as soluções 3.4 são linhas no espaço (n+m+ 1)−dimensional, com coordenadas (Z, µi, xα). A projeção das linhas Xeq(µ i) no hiperplano (m+1)−dimensional com coordenadas (Z, µi) é dada pela equação Z̃(µi) ≡ Z(Xeq(µ i), µi). (3.7) A derivada da função Z̃ com respeito ao parâmetro µi, considerando-se a contiunuidade de Z e de Xeq é dada por β(µi) ≡ ∂Z̃ ∂µi = ∂Z ∂xµ ∣∣∣∣ xµ=Xeq(µi)︸ ︷︷ ︸ =0 ∂Xeq ∂µi + ∂Z ∂µi = ∂Z ∂µi . (3.8) A função β(µi) é contínua e denominada de variável conjugada de µi, este último por fim, denominado de parâmetro de controle. A derivada da equação 3.8 com respeito ao parâmetro de controle µi, considerando o mesmo i fixo, é fornecida por ∂β ∂µi = [ ∂ ∂xα ( ∂Z ∂µi )] xα=Xα eq ∂Xα eq ∂µi + ∂2Z ∂ (µi)2 ∣∣∣∣ xα=Xα eq = ∂2Z ∂ (µi)2 ∣∣∣∣ xα=Xα eq + n∑ α=1 ( ∂β ∂xα ) xα=Xα eq ∂Xα eq ∂µi (3.9) Considere a equação 3.2 avaliada em xµ = Xµ eq. Somado a isso, escolha um µi, com um i fixo. Tome a derivada do lado esquerdo da equação 3.2 com respeito ao parâmetro de controle. Admitindo o uso das coordenadas normais, isso resultará na seguinte relação ∂ ∂µi ( ∂Z ∂xα )∣∣∣∣ xα=Xα eq = ∂2Z ∂µi∂xα ∣∣∣∣ xα=Xα eq + ∂2Z ∂(xα)2 ∣∣∣∣ xα=Xα eq ∂Xα eq ∂µi = 0. (3.10) 48 Usando a comutatividade da derivada e as equações 3.6 e 3.8, pode-se escrever a equação 3.10 como ∂β ∂xα ∣∣∣∣ xα=Xα eq + λα ∂Xα eq ∂µi ∣∣∣∣ xα=Xα eq = 0. (3.11) Substituindo a equação 3.11 na equação 3.9, afim de eliminar a derivada de Xα eq, obtém-se que ∂β ∂µi = ∂2Z ∂ (µi)2 ∣∣∣∣ xα=Xα eq − n∑ α=1 (∂β/∂xα)2xα=Xα eq λα (3.12) Figura 7 – Curva da variável termodinamicamente conjugada β em função do parâmetro de controle µa. O ponto B indica o ponto de inflexão, ou seja, onde existe uma reta tangente vertical que denota a mudança de estabilidade. Os pontos A e C indicam, respectivamente, uma região de instabilidade e uma região mais estável. Fonte: Produção do próprio autor. Como a mudança de estabilidade ocorre quando o coeficiente de Poincaré torna-se nulo, significa que o gráfico da variável conjugada β(µa) em função do parâmetro de controle µa, como ilustrado pelo ponto B na Figura 7, terá uma reta tangente vertical nesse ponto, denominado de ponto de inflexão. Matematicamente, isso pode ser colocado da seguinte forma ∂β ∂µa ≈ − ∑ α (∂αβ) 2 xα=Xα eq λα → ∞. (3.13) O método de Poincaré, apesar de poderoso, não informa sobre a estabilidade de um sistema, apenas sobre a instabilidade que surge devido à mudança de sinal dos coeficientes de Poincaré. Em um ponto do gráfico βa(µ a), o ramo com inclinação negativa próxima do ponto de inflexão é sempre instável (ARCIONI; LOZANO-TELLECHEA, 2005) e ramos com inclinação positiva é sempre mais estável em relação ao ramos com inclinação negativa. De um ponto vista termodinâmico e da mecânica estatística a função que é maximizada em estados de equilíbrio que descrevem as configurações possíveis do sistema é a entropia. Para o caso de buracos negros isolados, que podem ser tratados como um ensembles microcanônicos, a função Z utilizada no 49 formalismo acima, nada mais é que a entropia de Bekeinstein-Hawking S(M,J,Q) (KABURAKI; OKAMOTO; KATZ, 1993) e as variáveis xα que descrevem a configuração do sistema são (M,J,Q). Onde M é a massa, J o momento angular e Q a carga elétrica do buraco negro. No entanto, para o caso de buracos negros em banho térmico, que devem ser tratados como um ensemble canônico, a função Z de equilíbrio é dada pela transformação de Legendre da entropia (CZINNER; IGUCHI, 2016) Z = S − βM ≡ −βF. (3.14) Onde F é a energia livre de Helmholtz. A variável conjugada com respeito a função Z dada pela equação (3.14) é dada por d(S − βM) dβ = −M(β). (3.15) 3.3 ESTABILIDADE TERMODINÂMICA DO BURACO NEGRO DE SCHWARZSCHILD As funções termodinâmicas padrão do buraco negro de Schwarzschild são dadas por SBH(M) = 4πM2, (3.16) βH = 1 TH = ∂SBH(M) ∂M = 8πM (3.17) e CBH = −S ′2 BH(M) S ′′ BH(M) = −8πM2. (3.18) sendo M a massa do buraco negro, SBH(M) a entropia de Bekenstein-Hawking como apresentada na equação (2.117), TH é a temperatura Hawking do buraco negro e CBH é a sua capacidade térmica calculada em relação a entropia de Bekenstein-Hawking. Sabe-se que o buraco negro de Schwarzschild é estável dinâmica e termodinamicamente. No entanto, como pode-se notar na equação (3.18), sua capacidade térmica é negativa, o que no tratamento canônico usual indicaria uma instabilidade termodinâmica. Logo, uma análise somente via funcões termodinâmicas derivadas da entropia de Bekeinstein-Hawking não se mostra totalmente confiável para a análise da estabilidade do buraco negro de Schwarzschild. Mas o que de fato isso quer dizer fisicamente? Considere um corpo com capacidade térmica positiva C. Se esse corpo absorve uma quantidade de calor Q de um reservatório térmico afim de atingir o equilíbrio térmico. Isso pode ser equacionado como Q = C∆T > 0, (3.19) onde ∆T é a variação de temperatura resultante da absorção de calor desse corpo. Como essa variação 50 de temperatura deve ser positiva, isso significa que a absorção de calor pelo corpo resultou em uma temperatura final maior que a temperatura inicial. Assuma agora que a capacidade térmica C seja negativa e que o corpo absorva uma quantidade de calor Q. Para que a equação 3.19 seja válida a variação de temperatura do corpo ∆T deve ser negativa. Isso indica que a temperatura final é menor que a temperatura inicial, ou seja, o corpo esfria. No entanto, afim de atingir o equilíbrio térmico, o corpo continua absorvendo calor e quanto mais absorve mais esfria. Isso caracteriza que o sistema é termodinamicamente instável. Suponha que o corpo com capacidade térmica negativa descrito acima seja um buraco negro de Schwarzschild como ilustrado na Figura 6. Onde U é um reservatório térmico muito maior que o buraco negro. Ambos se encontram a mesma temperatura. Duas situações são possíveis: 1. Se por uma flutuação estatísitca o buraco negro começa absorver um pouco mais de calor do que ele emite, ele esfriará, pois sua capacidade térmica é negativa. Como ele tentará atingir novamente o equilíbrio abosrverá mais calor e crescerá indefinidamente. 2. Se por uma flutuação estatística o buraco negro começa a emitir um pouco mais de calor que abosrve, ele esquentará. E afim de atingir o equilíbrio térmico com o reservatório passará a emitir mais radiação até evaporar complemente. Essas duas possibilidade indicam que o buraco negro de Schwarzschild é termodinamicamente instável e corrobora a afirmação sobre sua instabilidade para ensembles canônicos. Diante disso, o buraco negro de Schwarzchild vem sendo amplamente abordado com a finalidade investigar sua estabilidade termodinâmica através de de diferentes funcionais entrópicos. Czinner (CZINNER; IGUCHI, 2016) propôs analisar a termodinâmica do buraco negro de Schwarzchild por meio da entropia de Rényi definida na equação (2.104) interpretando a entropia de Bekenstein-Hawking como a entropia de Tsallis. Esse caso foi chamado posteriormente como entropia de Rényi modificada por Abreu e Neto (ABREU; NETO, 2021). As funções termodinâmicas baseadas nessa abordagem são dadas por SR = 1 λ ln(1 + λSBH), (3.20) TR = 1 8πM + λ 2 M = TH + λ 2 M (3.21) e CR = 8πM2 4πλM2 − 1 = 1 (λ/2) + (1/CBH) . (3.22) Sendo λ = 1− q e TH a temperatura Hawking do buraco negro de Schwarzschild dada pela equação (3.17). Na Figura 8 (esquerda) tem-se a entropia de Rényi SR em função da masssa do buraco negro M e em conjunto é plotada a entropia de Bekenstein-Hawking para efeito de comparação. Pode-se observar que a entropia muda sua concavidade para um determinado valor de M , essa mudança se 51 manifestará mais abaixo como uma possível transição de fase quando considerado um buraco negro de Schwarzschild em um ensemble canônico. Figura 8 – Esquerda: entropia de Bekenstein-Hawking em linha tracejada vermelha e a entropia de Rényi para o buraco negro de Schwarzschild em linha sólida verde para λ = 0.2. Direita: temperatura Hawking em linha vermelha tracejada e em linha verde sólida temperatura de Rényi do buraco negro de Schwarzschild. Note que a entropia de Rényi apresenta uma mudança da concavidade, essa característica é refletida por meio do mínimo da temperatura e implicará, como será verificado mais abaixo, na mudança de sinal da capacidade térmica indicando possível mudança de estabilidade. Fonte: Produção do próprio autor. O buraco negro de Schwazschild, quando analisado via estatística de Rényi é mais quente, pois é incrementado à temperatura Hawking um fator linear da massa, o que faz com que a temperatura de Rényi tenha um comportamento linear crescente para valores grandes da massa Figura 8 (direita). Pode-se utilizar o método de Poincaré discutido na seção 3.2 para analisar possíveis mudanças de estabilidade que ocorram no buraco negro de Schwarschild. Para o caso de um buraco negro isolado, ou seja, sendo interpretado como um ensemble microcanônico, considera-se a temperatura recíproca Hawking e a temperatura recíproca de Rényi, como mostrado na Figura 9 (esquerda). Essas temperaturas recíprocas são dadas por βH = 1 TH = 8πM, (3.23) βR = 1 TR = 8πM 1 + 4πλM2 . (3.24) Como discutido anteriormente, só haverá mudança de estabilidade se a curva da variável termodi- namicamente conjugada β em função da variável de controle tiver uma reta tangente vertical, o que não ocorre como se pode observar no gráfico da Figura 9 (esquerda). Portanto, dado que essas curvas representam uma configuração de equilíbrio, pode-se concluir que o buraco negro de Schwarzschild isolado é termodinamicamente estável tanto para a estatística de Bekenstein-Hawking, quanto para a de Rényi. 52 Figura 9 – Esquerda: temperatura recíproca Hawking dada pela linha vermelha tracejada tem compor- tamento linear e temperatura recíproca de Rényi, que tem um máximo num determinado valor de massa e decresce de modo que tende à zero para valores de M muito grandes. Direita: curvas para −M(β) considerando o buraco negro de Schwarzschild circundado em um banho térmico infinito de radiação térmica, ou seja, como um ensemble canônico. Em vermelho tracejado associada à entropia de Bekenstein-Hawking e em azul sólido associada à entropia de Rényi. Fonte: Produção do próprio autor. Pode-se também analisar o buraco negro circundado por um banho térmico infinito, nesse caso ele será interpretado com sendo analisado em um ensemble canônico, em que está contido em um reservatório infinito e com capacidade térmica infinitamente grande. Nesse referencial, a função de Massieu de equilíbrio é a dada pela equação (3.14) e a variável termodinamicamente conjugada é dada pela equação (3.15). O buraco negro de Schwarzschild, quando analisado no referencial canônico, como apresentado na Figura 9 (direita), não apresenta mudança de estabilidade para a estatística de Bekenstein-Hawking. No entanto, quando analisado pela estatística de Rényi, apresenta uma reta tangente vertical, o que indica uma mudança de estabilidade. Buracos negros com massa pequena, M < M0, apresentam-se mais instáveis, em relação a buracos negros maiores, com massa M > M0, que se mostram mais estáveis. Essa mudança de estabilidade evidenciada pelo método de Poincaré é também exibida pela análise feita via capacidade térmica, que apresenta uma mudança de estabilidade em M = M0. Buracos negros com M < M0 possuem uma capacidade térmica negativa, o que indica uma instabilidade via análise Hessiana e buracos negros com massa M > M0 possuem capacidade térmica positiva, indicando que são mais estáveis. Outras possibilidades de análises para estudar o comportamento termodinâmico de buracos negros têm sido feitas nas referências (MEJRHIT; ENNADIFI, 2019)(ABREU; NETO, 2021). Entre elas estão também utilizando a estatística de Tsallis, discutida na seção 2.2. Nessa abordagem, a entropia de Bekenstein-Hawking do buraco negro de Schwarschild dada pela equação (3.16) é interpretada como entropia de Boltzmann-Gibbs para estados equiprováveis, dada pela equação (2.1) e portanto o número de microsestados será dado por 53 Figura 10 – Capacidade térmica do buraco negro de Schwarzschild analisada pela estatística de Bekenstein-Hawking, em linha tracejada vemelha e em linha sólida verde a analisada via estatística de Rényi. Fonte: Produção do próprio autor. W = exp(4πM2). (3.25) Usando a equação para entropia de Tsallis para estados equiprobabilísticos (2.54) e a equação (3.25), tem-se Sq = 1 1− q [ exp(4πM2(1− q))− 1 ] . (3.26) Por meio da equação (3.26) pode-se calcular a temperatura e a capacidade térmica, respectivamente dadas por Tq = ( ∂Sq ∂M )−1 = 1 8πM e(4πM 2(q−1)) = THe (4πM2(q−1)), (3.27) Cq = 8πM2e(−4πM2q+4πM2) 8πM2q − 8 πM2 − 1 = CBH e(−4πM2q+4πM2) −8 πM2q + 8 πM2 + 1 (3.28) onde TH é a temperatura Hawking do buraco negro de Schwarzschild e CBH sua capacidade térmica 3.18. As curvas funções (3.26) e (3.27) são exibidas na Figura 11. À esquerda tem-se a entropia de Tsallis para estados equiprováveis do buraco negro de Schwarzschild para diferentes valores do parâmetro q. À direita tem-se a temperatura do buraco negro de Schwarzschild para a estatística de Tsallis, para q < 1, q = 1 que coincide com a temperatura Hawking e para q > 1, que possui um mínimo. Uma análise da estabilidade do buraco negro utilizando a estatística de Tsallis pode-se ser feita via método de Poincaré, como feita anteriormente para a estatística de Rényi. A função termodinamica- 54 Figura 11 – Esquerda: entropia de Tsallis para o buraco negro de Schwarzschild com q < 1 em linha verde sólida, q > 1 em linha azul pontilhada e em vermelho para q = 1, que coincide com a entropia de Bekeinstein-Hawking.Direita: temperatura obtida via entropia de Tsallis para o buraco negro de Schwazschild com q < 1 em linha verde sólida, q > 1 em linha azul pontilhada e em vermelho tracejada q = 1 que coincide com a temperatura Hawking. Fonte: Produção do próprio autor. mente conjugada para o buraco negro isolado é dada por βq = 1 TH e(4πM 2(1−q)). (3.29) Essa função é plotada na Figura 12 (esquerda), para diversos valores de q, sendo q = 1 coincidindo com a estatística de Bekenstein-Hawking. Como não há nenhuma reta vertical tangente as curvas, não há nenhuma mudança de estabilidade e portanto, no contexto isolado, o buraco negro de Schwarzschild, o que está de acordo com os resultados discutidos acima. Para um buraco negro em um banho térmico infinito, não é possível achar uma expressão explícita para a função termodinamicamente conjugada −M(βq). No entanto, a função é plotada implicitamente utilizando a equação (3.29) para diversos valores que q. Somente para q > 1 há uma tangente vertical, que indica uma mudança de estabilidade no buraco negro de Schwarschild, coincidindo com o resultado obtido via estatística de Rényi. Esse ponto de mudança de estabilidade é o mínimo da temperatura do grafícos da Figura 11. Para valores de q < 1, os resultados e assemelham aos obtidos utilizando a estatística de Bekenstein-Hawking, que é dada quando q = 1. Essa mudança de estabilidade para q > 1 também pode ser observada pela análise da capacidade térmico do buraco negro de Schwarzschild quando analisado via estatística de Tsallis. E novamente, assim como supracitado para as análises via método de Póincaré, as análises para q < 1 se assemelham as da estatística de Bekenstein-Hawking e para q = 1 coincide com ela. Os resultados obtidos para o buraco negro de Schwarzschild estão de acordo com a literatura quando analisados por meio da estatística de Rényi e coincidem quando analisado para q > 1 com a estatística de Tsallis. A principal diferença dessas abordagens em relação a de Bekenstein-Hawking é o fato que buracos negros em banho térmico num reservatório infinito apresentam mudanças de 55 Figura 12 – Esquerda: temperatura recíproca Hawking dada pela linha vermelha tracejada tem com- portamento linear e é dada para q = 1. Temperatura recíproca de Tsallis tem um máximo num determinado valor de massa MT e decresce de modo que tende à zero para valores de M muito grande