Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133Eng. sanit. ambient. 126 Cavazzana, T. L.; Matsumoto, T.; Libânio, M. AVALIAÇÃO DA FLOCO-DECANTAÇÃO DE MANTA DE LODO ASSOCIADA À DECANTAÇÃO DE ALTA TAXA NO TRATAMENTO DE ÁGUAS DE CONSUMO HUMANO EVALUATION OF SLUDGE BLANKET SETTLER FLOCCULATOR ASSOCIATED TO HIGH RATE SEDIMENTATION APPLIED ON WATER TREATMENT FOR HUMAN CONSUMPTION TARSO LUÍS CAVAZZANA Engenheiro Civil. Mestre em Recursos Hídricos e Tecnologias Ambientais (Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira - Unesp) TSUNAO MATSUMOTO Engenheiro Civil. Mestre. Doutor em Hidráulica e Saneamento (EESC/USP). Livre-docente do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira - Unesp MARCELO LIBÂNIO Engenheiro Civil. Mestre em Engenharia Sanitária (UFMG). Doutor em Hidráulica e Saneamento (EESC/USP). Professor Associado do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG Recebido: 24/01/07 Aceito: 08/03/08 RESUMO O presente trabalho objetiva avaliar a eficiência de uma uni- dade-piloto de floco-decantação de manta de lodo associada à decantação de alta taxa na remoção de turbidez, utilizando polímero catiônico como coagulante primário. Avaliaram-se três taxas de aplicação superficial, para águas de estudo apre- sentando turbidez de 3 a 100 uT e cor verdadeira praticamente nula. As dosagens de polímero foram definidas em ensaios de jar test. O desempenho da unidade-piloto mostrou-se plena- mente satisfatório, para as três taxas avaliadas, com resultados coerentes aos obtidos em escala de bancada. Esta performance abre a perspectiva do emprego da tecnologia em escala real para sistemas de abastecimento público, mesmo para a pota- bilização de águas naturais de baixa turbidez. PALAVRAS-CHAVE: Floco-decantação de manta de lodo, decantação alta de taxa, tratamento de água. ABSTRACT This paper aims the efficiency evaluation, in pilot scale, of a sludge blanket flocculator associated to a high rate settler using a cationic polymer as the primary coagulant. Three surface loading rates and different synthetic waters, with variable turbidities (from 3 to 100 NTU), were evaluated. The polymer dosages applied on the pilot scale were set up after jar tests. This technology showed a good performance for all rates and the results for all synthetic waters were similar with those obtained in the bench scale. This performance provides a clear feasibility of its use in actual scale for water supply systems, even to treat natural waters with low turbidity. KEYWORDS: Sludge blanket sedimentation, high rate sedimentation, water treatment. INTRODUÇÃO E RELEVÂNCIA As operações unitárias de flocu- lação e decantação da água coagulada ocupam praticamente 75% da área total necessária às estações convencionais de tratamento. Embora por vezes empre- gados no tratamento de águas para fins industriais, os decantadores de manta de lodos ou floco-decantadores – nos quais a floculação e decantação ocorrem na mesma unidade – raramente encon- tram aplicação nos sistemas públicos de abastecimento brasileiros. Constituem- se em alternativa para redução dos cus- tos de implantação, via redução de área, pois, nestas unidades, a água coagulada aflui em escoamento ascendente na zona de lodo, favorecendo os choques entre as partículas desestabilizadas e a conseqüente formação dos flocos. Os floco-decantadores de manto de lodos assumem a forma prismá- tica ou, mais comumente, de tronco de pirâmide, operando com taxas de escoamento superficial superiores aos decantadores de escoamento horizontal, atingindo 50 a 100 m3/m2/dia, depen- dendo das características da água bruta, da eficiência da coagulação e do even- tual uso de polímeros como auxiliares de coagulação. Em alguns países europeus (espe- cialmente Alemanha), EUA, Canadá e, em menor monta, na América Latina, diversas estações de tratamento de água empregam esta tecnologia, destacando- se as duas instalações potabilizadoras da ARTIGO TÉCNICO A R T IG O T É C N IC O Eng. sanit. ambient. 127 Floco-decantação de manta de lodo Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133 cidade de Lima, cuja vazão total média afluente é da ordem de 18 m³/s. Essa tecnologia teve início na Ín- dia, por volta de 1932, com a constru- ção pela empresa inglesa Candy Co de um tanque de sedimentação piramidal, semelhante ao denominado Tanque Imhoff, empregado a partir de 1906 para o tratamento de águas residuárias. Objetivando conferir melhor distribui- ção do afluente à unidade e reduzir os custos de construção, diversos modelos de decantadores de manta de lodo foram desenvolvidos após a 2a Grande Guerra na Inglaterra, França e Hungria (Gregory, Zabel & Edzwald, 1999). A floculação em manta de lodo apresenta como similaridade em relação às unidades de floculação de escoamen- to horizontal, mecanizadas ou hidráu- licas, o regime turbulento concernente à trajetória das linhas de corrente. Por outro lado, a dessemelhança refere-se essencialmente à elevada concentração de sólidos que devem constituir o man- to. Desta forma, a cinética dos choques entre as partículas desestabilizadas no interior do manto aproxima-se da floculação ortocinética, permitindo o emprego do modelo proposto por Smoluchowski em 1917 (Letterman, Amirtharajah & O’Melia, 1999). Como são praticamente inexis- tentes estações de tratamento dotadas das duas alternativas – a primeira com floculação e sedimentação tradicionais, e uma segunda com floco-decantador de manta de lodos -, operando em paralelo, inviabiliza-se uma compa- ração mais acurada sobre as distintas eficiências de cada concepção na pota- bilização de águas naturais de mesmas características. O projeto hidráulico dos floco- decantadores tende a reduzir a ocor- rência de curtos-circuitos, a favorecer a dispersão uniforme da água coagulada e a remoção de lodo. Com relação às características da água bruta, a maior limitação reside na presença de algas, que usualmente flotam sobre o manto favorecendo o arraste de flocos no efluente. O desempenho da floculação em manta de lodo relaciona intrinseca- mente a velocidade ascensional e do fluxo à concentração de sólidos consti- tuintes do manto. Com o aumento da concentração de sólidos, reduzem-se as distâncias entre as partículas ma- ximizando a retenção das mesmas no interior do manto. Todavia, altas velo- cidades ascensionais poderão favorecer o arraste de os flocos, deteriorando a qualidade do efluente. Desta forma, diversas pesquisas relacionam a veloci- dade ascensional do fluxo na unidade à velocidade terminal de sedimentação dos flocos balizadora do dimensiona- mento dos decantadores de escoamento horizontal e de alta taxa (Gregory, Zabel & Edzwald, 1999). A despeito das inequívocas van- tagens referentes à redução de área, as unidades de floco-decantação apre- sentam limitações para água bruta de baixa turbidez pela dificuldade de formação do manto. Uma segunda limitação refere-se à significativa redu- ção do tempo de detenção, usualmente inferior a 30 min, comparado ao que se verifica quando do emprego de uni- dades de floculação e decantadores de escoamento horizontal (2,5 h). Desta forma, eventual coagulação inadequada rapidamente manifesta-se no afluente às unidades filtrantes. Uma terceira, e menos relevante, limitação reporta-se à grande dificuldade para alteração dos gradientes de velocidade de floculação, que também vigora na quase totalidade das unidades de floculação hidráulica. Mesmo nas estações dotadas de flocu- lação mecanizada – nas quais torna-se mais facilmente exeqüível a variação dos gradientes de velocidade -, são raríssi- mos os exemplos no País e no exterior deste tipo de adequação às variações das características da água bruta. Em vertente semelhante, a rele- vância da eficiência da coagulação ele- va-se com o emprego desta tecnologia, tanto pelo menor tempo de floculação, ou de detenção no floco-decantador, quanto pela menor probabilidade da ocorrência da sedimentação diferencial no interior das placas. Nas estações de tecnologia convencional, este fenôme- no pode suceder tanto na entrada do decantador, próximo à cortina de dis- tribuição, quanto no interior da própria unidade, e favorece a transposição dos resultados obtidos nos ensaios de jar test para escala real. Visando a contornar a primeira limitação ao uso mais extensivo desta tecnologia, descortinou-se a alternativa da associação de tais unidades a módu- los de alta taxa – comumente utilizando placas planas paralelas -, objetivando reduzir o aporte de partículas aos filtros durante o período de estiagem quando se reduz significativamente a concen- tração de partículas na água bruta. A coleta de água decantada realiza-se por tubos perfurados ou calhas de seção retangular, e a extração de lodo por descarga hidráulica. Esta concepção, praticamente inédita no Brasil, foi implementada com êxito em algumas estações na França, Reino Unido e Argentina. OBJETIVOS O objetivo principal do trabalho consistiu em avaliar o desempenho de uma unidade-piloto de floco-decan- tação de manta de lodo associada à decantação de alta taxa . No mesmo contexto, como objetivos específicos o trabalho propõe-se a: i) estabelecer correlações entre a dosagem de polímero catiônico, como coagulante primário, e a turbidez da água bruta – variando de 3 a 100 uT - para as taxas de escoamento superficial de 155, 194 e 233 m3/m2/dia; ii) avaliar a influência da taxa de formação da manta para águas de baixa turbidez, em relação às características das águas decantada e filtrada. REVISÃO DA LITERATURA O emprego de polímeros como coagulantes primários Com o objetivo de reduzir as dosagens do coagulante e conferir ao floco maior densidade são empregados polímeros orgânicos naturais ou sinté- ticos, usualmente como auxiliares de floculação. Tais substâncias podem ser definidas como compostos orgânicos de longas cadeias constituindo-se de uma série repetitiva de unidades químicas unidas por ligações covalentes forman- do moléculas denominadas monômeros, e o peso molecular do polímero é conse- qüência da soma dos pesos dos diversos monômeros. Uma classe especial de polímeros denomina-se polieletrólitos, distintos dos polímeros ordinários por possuírem grupos funcionais ionizáveis capazes de serem adsorvidos na superfí- cie dos colóides. Nos polímeros podem predominar sítios ionizáveis positivos (catiônicos) e negativos (aniônicos), ou nenhum destes (não-iônicos). Os polímeros sintéticos apresentam for- mulação variável em função do fabri- cante, freqüentemente desconhecida, e os naturais são constituídos a base de A R T IG O T É C N IC O Eng. sanit. ambient. 128 Cavazzana, T. L.; Matsumoto, T.; Libânio, M. Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133 amido, ambos empregados com dosa- gens usualmente inferiores a 0,5 mg/L quando auxiliares de floculação. No inusual emprego de polímeros como coagulantes primários, a deses- tabilização pode se suceder de duas formas, ambas a partir da adsorção do polímero às partículas coloidais. Para a coagulação com polímeros catiônicos a adsorção neutraliza a carga negativa das partículas permitindo a agregação. Nestes casos o tamanho do polímero, vale afirmar o número de monômeros, adquire importância secundária, sendo comumente empregados polímeros de menor peso molecular (< 500 kilodaltons). Em outro contexto, para os polímeros aniônicos ou não-iônicos, há a referida formação das pontes químicas conec- tando as partículas coloidais de carga predominantemente negativas. Políme- ros de maior peso molecular, em até 10 vezes aos utilizados como coagulantes primários, fazem-se necessários nesta situação (O’Melia apud Sanks, 1978). A despeito do alto custo quando comparado aos sais de ferro e alumínio, os polímeros são com alguma freqüên- cia, especialmente nos EUA, utilizados como coagulantes primários para águas naturais de baixa cor verdadeira princi- palmente em estações de filtração direta. Nestas circunstâncias, predominam os polímeros catiônicos de menor peso molecular e seu uso tem apresentado algumas vantagens, tais como: i) especificamente para estações de filtração direta, formação de mi- croflocos mais resistentes à erosão nos interstícios do meio filtrante; ii) redução do volume de lodo gerado como conseqüência, sobretudo, da magnitude das dosagens comumente aplicadas; iii) redução dos gastos com alca- linizantes para correção do pH final, uma vez que menores dosagens de coagulante minimizam a queda mais acentuada do pH de coagulação; iv) maior facilidade de desidrata- ção do lodo gerado comparada aos sais de ferro e alumínio. Características da floco-decantação de manta de lodo Gradiente de velocidade O dimensionamento das unidades de floco-decantação agrega conceitos inerentes às etapas de floculação, de- cantação e filtração, devido à formação dos flocos se suceder em um manto mantido em suspensão no interior da unidade. Adicionalmente, a estimativa do gradiente de velocidade faz-se tam- bém necessária para balizar a realização dos ensaios de jar test. Para tal pode-se utilizar a Equação 1 estabelecida por Camp & Stein (1943): (1) na qual: Gm: gradiente de velocidade médio (s-1); g : peso específico da água (N/m3); : vazão (m3/s); V: volume da unidade (m3); µ: viscosidade dinâmica da água (Pa.s) : perda de carga (m). Há similaridade entre o comporta- mento entre o meio filtrante fluidizado durante a lavagem em escoamento as- cendente e o manto de lodos. Todavia, pela dificuldade de correlação entre os parâmetros intervenientes nas duas operações, nesta pesquisa optou-se, por maior praticidade, pela estimativa da perda de carga no interior da manta (Hf) a partir da perda de carga do meio filtrante limpo por meio da Equação 2 (Di Bernardo & Dantas, 2005): na qual: : perda de carga (m); : espessura do meio filtrante (no caso, espessura da manta) (m); 3 : velocidade de aproximação (m/s); : coeficiente de resistividade (s/m). Substituindo-se a potência, inse- rindo-se o coeficiente de resistividade, chega-se à Equação (3): Na qual: Q: vazão afluente (m3/s); A: área da seção em que se quer deter- minar o gradiente (m2). Para determinação do volume, inicialmente faz-se analogia à premissa adotada para as cortinas de distribui- ção de água floculada no interior dos decantadores. Assim, considera-se a convergência de jatos sucessivos ocorra à distância da ordem de 2,5 vezes o espaçamento (E) entre os orifícios (2,5 E). O diâmetro do cone pode ser esti- mado por meio da Equação 4: (4) em que: D(h): diâmetro interno do cone (m); d, h e b’: dimensões (m) estabelecidas de acordo com a Figura 1. Desta forma, o diâmetro médio do cone, considerando a seção quadrada da unidade e as dimensões constantes de b e d, será a média aritmética entre o diâmetro inscrito e o circunscrito, culminando com a Equação 5. _ i (5) em que: Dm(h): diâmetro médio do cone de entrada (m) em função da altura h; A altura correspondente a b’ é h’ é dada pela Equação 6. (6) A área média da secção, para um determinado h’, conforme a Figura 2, é dada pela Equação 6. (8) em que: N m : número total de partículas na manta; N im : número inicial de partículas na manta; N em : número de partículas que entram na manta; N sm : número de partículas que saem da manta. Sendo que o último termo pode ser descrito conforme Equação 9. na qual: N sd : número de partículas que se des- prendem da manta; N pi : número de partículas inertes. Nesta pesquisa, optou-se pela quantificação da manta a partir da média entre os dados observados de volume da manta – calculado a partir da altura da mesma – e de remo- ção de turbidez, assumindo a mistu- ra com características de um fluido Newtoniano. Admitindo-se as hipóte- ses de Smoluchowski estabelecidas em n c (2)3 (3)n c na qual: : área média (m2) da seção trans- versal do floco-decantador Formação da manta de lodo Para estimativa da formação da manta do floco-decantador aplica-se a Equação 9 para balanço de massa. (9) (7)r 6 @ A R T IG O T É C N IC O Eng. sanit. ambient. 129 Floco-decantação de manta de lodo Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133 1917 (Camp & Stein, 1943) – escoa- mento laminar, partículas esféricas de mesmo tamanho e monodispersas -, pôde-se calcular a espessura da manta em termos de balanço de massa. Como, no entanto, a manta apresentou-se mais ou menos densa, tornou-se importante quantificar o seu volume e a forma (mais ou menos densa) com que se apre- senta, pois atingida a forma mais densa dificilmente a dispersão ocorreria. METODOLOGIA Descrição do aparato experimental e preparação das águas de estudo Utilizaram-se dois tanques de po- lietileno, nos quais misturava-se argila à água proveniente da rede pública (turbi- dez da ordem de 0,3 uT), homogeneiza- da mecanicamente no tanque principal e de forma manual no tanque auxiliar. Este segundo tanque foi utilizado para que se pudesse manter um maior con- trole da turbidez da água bruta e obter- se água em quantidade suficiente para ensaios de maior duração. Ao longo dos ensaios no equipamento de jar test e no aparato experimental, a água bruta apresentou pH e temperatura da ordem de 7,5 e 24º C, respectivamente, cor verdadeira praticamente nula e turbidez de 3 uT a 100 uT. A simulação da turbidez na água de estudo realizou-se pela dispersão de argila –ensaio granulométrico apontou densidade de 2,63 -, cuja concentração apresentou relação praticamente linear com a turbidez resultante e coeficien- te de determinação (R2) de 0,9881. Para a turbidez máxima, da ordem de 100 uT, a massa de argila dispersada foi de aproximadamente 500 g. A mistura rápida sucedia-se por gotejamento na caixa na qual foi insta- lado um vertedor triangular, que con- feria gradiente de velocidade da ordem de 600 s-1 (o mesmo empregado nos ensaios de jar test). Uma bomba centrí- fuga recalcava água do tanque principal para uma caixa de nível constante que alimentava o aparato experimental conforme mostra a Figura 2. B Medidor de vazão Dosador de coagulante Caixa de nível Constante Tanque de preparo de água bruta Floculador Manta de Lodo Descarga de lodo Difusor on-line Decantador Placas paralelas Água filtrada Tubo de limpeza filtro areia Turbidímetro on-line Amostra Mistura rápida Prolongador Tubulação de alimentação misturador Figura 2 - Desenho esquemático do aparato experimental utilizado na pesquisa As principais características do aparato experimental construído em acrílico transparente estão listadas a seguir. i) Floculador manta de lodo: Volume do tronco de pirâmi- de = 27 L; metria do meio filtrante definida pela NBR 12216 (ABNT, 1989): Diâmetro = 200 mm; Espessura do meio filtrante de areia = 0,50 m; Espessura da camada-supor- te = 0,45 m; Altura livre acima do meio filtran- te = 1,85 m; Altura total = 3,17 m. Para a estimativa do gradiente de velocidade adotou-se o produto coeficiente de resistividade pela espes- sura do manto (Kr x Lf da Equação 3) igual a 0,15. Desta forma, a partir das características da unidade-piloto e esti- mando que a manta de lodo poderia se Figura 1 - Esquema para cálculo dos volumes na peça piramidal e da área média em h’ hx: altura do complemento do tronco de pirâmide invertido Volume do prolongamento de 1,16 m = 37,6 L; ii) Decantador de alta taxa de placas paralelas: Comprimento das seis pla- cas = 1,10 m; Espessura das placas = 3 mm. E s p a ç a m e n t o e n t r e p l a - cas = 24 mm; Ângulo de inclinação das pla- cas = 60°; Largura das placas = 0,18 m; Volume da unidade = 32 L; Área em planta da unida- de = 0,0324 m2; iii) Filtro de escoamento descen- dente de camada simples com granulo- A R T IG O T É C N IC O Eng. sanit. ambient. 130 Cavazzana, T. L.; Matsumoto, T.; Libânio, M. Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133 estender até o prolongamento – o que de fato freqüentemente ocorreu, conforme evidencia a Figura 4(b) -, o gradiente de velocidade médio na unidade de floco-de- cantação –utilizado nos ensaios de jar test – pôde ser estimado pela Equação 10: (10) Realização de ensaios de jar test Para realização de tais ensaios utilizou-se equipamento de jar test apto a permitir coleta de água decantada e aplicação de coagulante simultâneas nos seis jarros, e capaz de conferir gra- dientes de velocidade de até 1500 s-1. Tanto em escala de bancada, quanto na unidade-piloto, os ensaios realizaram- se utilizando um polímero sintético catiônico como coagulante primário, sem ajuste do pH de coagulação. Em- bora de emprego quase inexistente no País, esta decisão fundamentou-se em estudo anterior no qual se evidenciou a supremacia deste coagulante, sem a necessidade de correção do pH de coagulação, obtendo para as dosagens ótimas do polímero água decanta- da com turbidez inferior a 2,0 uT (Cavazzana & Matsumoto, 2003). Utilizou-se solução de polímero, de massa específica de 1,415 kg/L, preparada a 0,5 % (massa por volume). Os parâmetros para os ensaios de jar test balizaram-se em três distintos tempos de floculação e gradientes de velocidade, definidos em função das três taxas de escoamento superficial avaliadas. Na realidade, as três vazões afluentes, e os demais parâmetros hidráulicos, foram conseqüência de três taxas de filtração estabelecidas por praticidade antes da realização do trabalho experimental. Em função das três taxas de apli- cação superficial avaliadas (155, 194 e 233 m3/m2/dia), definiram os tempos de detenção, os gradientes de velocidade de floculação e as velocidades de sedi- mentação empregadas nos ensaios de jar test, objetivando delimitar as dosagens de polímero utilizadas nos ensaios na unidade-piloto (Tabela 1). Realização dos ensaios no floco-decantador Com o objetivo de avaliar a influ- ência da qualidade da água decantada na duração das carreiras de filtração, o efluente do decantador de alta taxa en- caminhava-se a um filtro de escoamento descendente de camada simples. Em função das três taxas de filtração testadas para as distintas características da água bruta, em termos de turbidez, alguns parâmetros hidráulicos inerentes ao funcionamento do aparato experimen- tal estão apresentados na Tabela 1. A magnitude do gradiente de veloci- dade e do tempo de floculação utilizados nos ensaios de jar test permitiu minimizar a perspectiva de deposi-ção precoce dos flocos, principalmente para água de estudo com turbidez mais significativa. Em relação ao tempo de floculação, a inexistência de curto-circuito nos ensaios de jar test motivou estimar esse parâmetro a partir apenas do volume do tronco de pirâmide (27 L), embora a manta em vários ensaios tenha se estendido pelo total da unidade (63,6 L). Os ensaios na unidade-piloto realizaram-se duração de 4, 16 e 24 h, dependendo do objetivo principal. Os ensaios realizados com 4 h enfatizaram a formação da manta de lodo e a tur- bidez da água decantada. Os de 16 h permitiram analisar o funcionamento do sistema frente a mudanças discretas e crescentes da turbidez do afluente. Os ensaios de 24 h visaram a avaliar o desempenho do sistema para maiores tempos de funcionamento. Automação das dosagens de coagulante A dosagem de coagulante no aparato experimental da Figura 3, controlada pela carga hidráulica, foi semi-automatizada a partir dos resul- tados obtidos nos ensaios de jar test. Com tais resultados, elaboraram-se por interpolação linear curvas de dosagem a partir da turbidez da água bruta. As vazões para alimentação com solução de coagulante foram contro- ladas por um sistema instalado acima do medidor de vazão. Esse sistema era alimentado com solução de polímero catiônico por uma bomba pequena, à bateria de 12 V, com dispositivo de nível semi-automático para seu acionamento, a qual ficava ligada a um reservatório. No entanto, era necessário fazer o ajuste de vazão conforme o ensaio pretendido para cada taxa de filtração e turbidez ini- cial. Esse ajuste norteou-se na dosagem de coagulante definida no ensaio de jar test, e foi possível estabelecer, para cada vazão afluente e turbidez da água bruta, a vazão de solução de coagulante. Tabela 1 - Parâmetros hidráulicos vigentes no aparato experimental Parâmetros Vazão afluente (L/s) 0,058 0,072 0,087 Tempo de mistura rápida*(s) 7,5 6,0 5,0 Gradiente de velocidade de floculação (s-1) 33 41 50 Tempo de detenção no floco-decantador (min) 6,5 5,0 4,0 Taxa de escoamento superficial** (m3/m2.dia) 155 194 233 Velocidade de escoamento entre as placas (cm/s) 0,19 0,24 0,29 Velocidade de sedimentação (cm/min) 0,80 1,00 1,20 Taxa virtual de aplicação superficial no decantador de alta taxa (m3/m2.dia) 155 194 233 Tempo de detenção no decantador de alta taxa (min) 9,6 7,7 6,4 Taxa de filtração (m3/m2.dia) 160 200 240 *Para as três vazões afluentes, a mistura rápida ocorreu com gradiente de velocidade da ordem 600 s-1. **Calculada para seção de 00324 m2, correspondente à área em planta do prolongador. A R T IG O T É C N IC O Eng. sanit. ambient. 131 Floco-decantação de manta de lodo Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133 RESULTADOS E DISCUSSÃO Definição das dosagens ótimas de polímero Conforme mencionado, a defini- ção das dosagens ótimas de polímero efetuou-se nos ensaios de jar test a partir da turbidez da água bruta (variável de 3 a 100 uT) e dos três pares de valores de tempo de floculação e gradiente de velocidade, definidos por meio da vazão afluente (Tabela 1). Desta forma, as dosagens de polímero utilizadas nos ensaios na unidade-piloto estão apre- sentadas na Figura 3. Os resultados da Figura 3 per- mitem identificar um progressivo au- mento na dosagem ótima de polímero à medida que são utilizados gradientes de velocidade mais elevados associa- dos a tempos de detenção de menor magnitude. Uma vez que a remoção de turbidez para as melhores dosagens apresentou-se de mesma magnitude, é possível supor maior tendência à ruptura dos flocos formados com o emprego de polímero como coagulante primário. Essa inferência fundamenta- se no crescimento da dosagem com o aumento do gradiente de velocidade de floculação. Por fim, vale mencionar o quão mais elevadas são as dosagens de polímero nestas condições, comparadas quando do seu emprego como auxiliares de coagulação – usualmente inferiores a 1,0 mg/L. Desempenho da unidade de floco-decantação de manta lodo associada à decantação de alta taxa Os ensaios na unidade-piloto apresentaram resultados coerentes aos obtidos em jar-test, a despeito da relativa imprecisão da estimativa do gradiente de velocidade para a unidade de floco-decantação, principalmente na determinação da perda de carga na manta de lodo. Esta imprecisão foi provavelmente compensada também pela determinação do gradiente de velocidade no aparelho de jar test, fun- damentada na Equação 1, cuja premissa norteou-se no irreal regime laminar de escoamento. Em semelhante contexto, a maior remoção de flocos de menor dimensão na unidade-piloto - à medida que evolui a formação da manta de lodo - guarda semelhança na compensação pela se- dimentação diferencial dos efeitos de curto-circuito e correntes ascensionais vigentes nos decantadores de escoa- mento horizontal. Este fenômeno tem favorecido a bem-sucedida transposição dos resultados de jar test para escala real nas estações de tratamento dota- das de decantadores de escoamento horizontal. Esta similaridade entre os resulta- dos obtidos entre a escala de bancada e piloto elevou-se após sanadas algumas falhas no ajuste da dosagem e direcio- namento do gotejamento de coagulante para o vórtice de entrada da água bruta (a) (b) Figura 4 - Estágios de formação da manta de lodo: dispersa (a) e densa (b) na caixa medidora de vazão. Esta ade- quação da dosagem às alterações da turbidez da água bruta acarretou, em média, um tempo da ordem de 30 min para que o sistema apresentasse mesma eficiência. Tal constatação evidencia a importância da automação das dosagens de coagulante quando do emprego da floco-decantação de manta de lodo, ressaltada pela redução do tempo de detenção na estação de tratamento. A eficiência da unidade de floco-decantação confirmou-se como conseqüência da consistência da manta de lodo, conforme mostra a Figura 4 (a e b). Figura 3 - Dosagens ótimas de polímero definidas nos ensaios de jar test em função da turbidez da água bruta e das vazões afluentes à unidade-piloto A R T IG O T É C N IC O Eng. sanit. ambient. 132 Cavazzana, T. L.; Matsumoto, T.; Libânio, M. Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133 Aliada à consistência da manta de lodo, as características do afluente – consoante às premissas da literatura – hão de interferir na eficiência da floco- decantação. Esta afirmação confirma-se pelos resultados dos ensaios realizados para as condições mais desfavoráveis a tais operações unitárias apresentados na Figura 5. Nesta Figura, evidencia-se a menor turbidez da água decantada para afluente com turbidez máxima, principalmente após a formação da manta de lodo ocorrida em aproxima- damente 2,5 h. Para as demais vazões afluentes e os três valores de turbidez da água bruta, os tempos de ensaio necessários a partir dos quais o efluente da unidade-piloto apresentou turbidez inferior a 5,0 uT estão listados na Tabela 2. Para avaliação mais acurada da in- fluência das alterações das características da água bruta no desempenho da uni- dade-piloto, culminando com afluente de turbidez de 100 uT, realizaram-se três ensaios para as mencionadas vazões afluentes. Tais ensaios tiveram duração de 16 h, variando-se a turbidez afluente a cada 2 h e efetuando-se registros de turbidez do efluente da unidade-piloto em intervalos de 1,0 min. Na Figura 6 apresentam-se os resultados do ensaio realizado com vazão máxima, reportan- do-se à média dos valores de turbidez efluente a cada 2,0 h de ensaio. No ensaio cujos resultados estão apresentados na Figura 6, a evolução da consistência da manta de lodo manifestou-se após decorridas 6,5 h (espessura de 0,60 m), estabilizando-se após 11 h com variação de 2,1 a 2,4 m. Esta estabilização, aliada à relativamen- te baixa velocidade de sedimentação no interior das placas (1,2 cm/min), concorreu para elevar a eficiência na remoção de turbidez da unidade-pi- loto, cujo efluente passou apresentar consistentemente turbidez inferior a 2,0 uT. Dos 32 registros do efluente, vale mencionar apenas cinco resultados superiores a 5,0 uT – com máximo de 8,2 uT -, mesmo com a unidade-piloto operando com taxa de escoamento su- perficial significativamente superior à comumente preconizada na literatura (233 m3/m2.dia). Para as demais vazões afluentes, a turbidez efluente apresentou-se na quase totalidade dos registros inferior a 5,0 uT, mas com significativo menor número de registros abaixo de 2,0 uT quando comparada à vazão máxima. Tabela 2 - Tempo de duração do ensaio necessário à máxima eficiência da unidade-piloto Vazão afluente (L/min) Turbidez afluente (uT) Tempo (h) 3,48 10 2,5 3,48 30 1,8 3,48 100 3,8 4,32 10 0,2 4,32 30 2,2* 4,32 100 2,5 *Neste ensaio a turbidez efluente mínima atingiu a 10 uT, devido aos problemas na dosagem de coa- gulante. Em vista desta constatação, uma vez definida com maior exatidão a dosagem ótima de coagulante, pode-se infe- rir pela menor relevância – dentro da faixa de vazões afluentes avaliada – dos parâmetros inerentes à floculação (gradiente de velocidade e tempo de detenção) e à sedimentação nas placas planas paralelas (velocidade de sedi- mentação). Tais inferências tendem a redu-zir o custo de implantação e elevar o espectro de aplicação desta tecnologia. Por fim, em relação ao efluente do filtro-piloto, em apenas três re- gistros verificaram-se turbidez supe- rior a 0,5 uT, da ordem de 0,7 uT, e em significativa maioria, para as três vazões afluentes, turbidez inferior a 0,1 uT. Tal constatação constitui indicativo de maior consistência dos flocos não retidos na unidade clarificadora. Figura 5 - Turbidez da água decantada efluente da unidade-piloto operando à vazão máxima Figura 6 - Eficiência média da unidade-piloto para vazão afluente máxima A R T IG O T É C N IC O Eng. sanit. ambient. 133 Floco-decantação de manta de lodo Vol.13 - Nº 2 - abr/jun 2008, 126-133 CONCLUSÕES A partir dos resultados obtidos durante os ensaios, algumas conclusões podem ser delineadas. i) Em relação a um dos objetivos específicos da pesquisa, pode-se afirmar que há uma tendência da dosagem óti- ma de polímero ser inversamente pro- porcional ao tempo de floculação, para efluente de mesma ordem de grandeza. Ou seja, floculação em manta de lodo realizada com tempos mais elevados tenderá a requerer menores dosagens de polímero e vice-versa. ii) A eficiência da floco-decantação de manta de lodo não se relacionou às taxas de escoamento superficial, e o melhor desempenho em termos de turbidez do efluente ocorreu com maior constância para vazão máxima afluente. Em contexto semelhante, confirmou-se nos ensaios a evolução da performance à medida do aumento da consistência da manta de lodo. iii) Após a definição das condições ótimas de coagulação, a tecnologia ava- liada apresentou resultados plenamente satisfatórios, habilitando-a – como em vários países – ao tratamento de águas naturais de turbidez variável. O menor custo de implantação, quando comparada às unidades de floculação e decantação convencionais, e os bons resultados para turbidez da água bruta de menor magnitude credenciam-na como alternativa para as estações de filtração direta que durante o período chuvoso apresentem efluente de quali- dade inferior e/ou menor produção de água por carreira de filtração. iv) Finalmente, a despeito dos bons resultados obtidos com o emprego de polímero catiônico como coagu- lante primário, esta alternativa poderá elevar o custo operacional da estação tratamento. Neste contexto, uma acu- rada análise econômica – incluindo a comparação com outros coagulantes metálicos e o dispêndio com água de lavagem, entre outros fatores – torna-se imprescindível à viabilização do empre- go em escala real. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Fapesp pela concessão da bolsa de mestrado ao primeiro autor (Proc. 03/10682-0) e à Fapemig pelo apoio ao terceiro autor no contexto do Programa Pesquisador Mineiro (Proc. 4754-6). REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT) - Projeto de estações de tratamento de água para abastecimento público, NBR 12216, Rio de Janeiro, junho 1989. CAMP, T. R. & STEIN, P.C. - Velocity Gradients and Internal Work in Fluid Motion, Journal of the Boston Society of Civil Engineers, v.30, p:219-36, October 1943. CAVAZZANA, T. L. & MATSUMOTO, T. - Avaliação e Aplicação dos Resultados de Jar Test no Módulo Decanto-Floculador de Alta Taxa. In: 22º CONGRESSO BRASILEIRO DE EN- GENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, Joinville, 2003. DI BERNARDO, L. & DANTAS, A. D. - Méto- dos e técnicas de tratamento de água, Rima. 2a Ed., São Carlos, São Paulo, 1565 p., 2005. GREGORY, R.; ZABEL, T. F.; EDZWALD, J. K. – Sedimentation and Flotation. In: WATER QUALITY AND TREATMENT, 5th Ed., AWWA, Denver, USA, 1999. LETTERMAN, R. D.; AMIRTHARAJAH, A.; O’MELIA, C. R. – Coagulation and Flocculation: In: WATER QUALITY AND TREATMENT, 5th Ed., AWWA, Denver, USA, 1999. O’MELIA, C. R. – Coagulation. In: SANKS, R. L. (Ed.)- Water Treatment Plant Design, Ann Arbor Science Publisher, Michigan, USA, 845 p., 1978. Endereço para correspondência: Tsunao Matsumoto Alameda Bahia 550 15385-000 – Ilha Solteira – SP - Brasil Tel.:(18) 3743-1125 E-mail: tsunao@dec.feis.unesp.br