RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 19/05/2025 . UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA José Victor Maritan Gonçalves REDES MIGRATÓRIAS E DINÂMICA POPULACIONAL DE ITALIANOS EM UM MUNICÍPIO PAULISTA: FRANCA, SÃO PAULO, 1885-1945 FRANCA 2023 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA JOSÉ VICTOR MARITAN GONÇALVES REDES MIGRATÓRIAS E DINÂMICA POPULACIONAL DE ITALIANOS EM UM MUNICÍPIO PAULISTA: FRANCA, SÃO PAULO, 1885-1945 Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como pré-requisito para a obtenção do título de Doutor em História. Area de concentração: História e Cultura Social Orientadora: Profa. Dra. Dora Isabel Paiva da Costa FRANCA 2023 JOSÉ VICTOR MARITAN GONÇALVES REDES MIGRATÓRIAS E DINÂMICA POPULACIONAL DE ITALIANOS EM UM MUNICÍPIO PAULISTA: FRANCA, SÃO PAULO, 1885-1945 Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como pré- requisito para a obtenção do título de Doutor em História. Area de concentração: História e Cultura Social Orientadora: Profa. Dra. Dora Isabel Paiva da Costa BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Dora Isabel Paiva da Costa (presidente) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Profa. Dra. Ana Silvia Volpi Scott Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. Osvaldo Mario Serra Truzzi Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Profa. Dra. Maísa Faleiros da Cunha Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. Paulo Eduardo Teixeira Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) Franca, 19 de maio de 2023 À memória de meus ancestrais imigrantes italianos: meu bisavô Vitto Stante, que deixou sua pátria aos dez anos de idade; meus trisavós Giovanni Bergamo e Virginia Frasson, Antonio Roncari e Maria Antonia Tardivo, Ugo Giovanni Maritan e Amalia Emma Zanardi, Antonio Tardivo e Matilde Campagna, Antonio Stante (que teve como destino os Estados Unidos) e Giuseppina Gentilezza; e meus tetravôs Sante Bergamo e Luigia Serena (que reemigraram para Argentina), Marco Frasson e Regina Rufato, Giovanni Roncari e Maria Teresa Romio. À minha avó Nequinha, cuja busca por seus ancestrais me levaram ao insight dessa pesquisa. À minha família. Agradecimentos Este trabalho contou com o apoio, em diversos momentos, de pessoas e instituições às quais deixo minha gratidão registrada nessas linhas. Primeiramente, agradeço a Deus pela vida e por abençoar minha caminhada até aqui. Agradeço à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP e ao seu Programa de Pós-Graduação em História, que proporcionaram minha formação acadêmica. Ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, que viabilizou a dedicação exclusiva à pesquisa de doutoramento e seu produto principal aqui apresentado. À Profa. Dra. Dora Isabel Paiva da Costa pela confiança depositada em meu trabalho e pela esmerada orientação. À Profa. Dra. Valéria dos Santos Guimarães, que me apresentou a pesquisa acadêmica durante a graduação. Às professoras Dra. Ana Silvia Volpi Scott e Dra. Maísa Faleiros da Cunha, que sempre me incentivaram e proporcionaram um maior contato com a Demografia Histórica, principalmente por meio do convite para participar das atividades do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” – NEPO (UNICAMP). Ao Prof. Dr. Dario Scott pelo gentil auxílio na “lapidação” do banco de dados Italianos em Franca. Ao Prof. Dr. Oswaldo Mario Serra Truzzi pelo incentivo e pelas contribuições no Exame Geral de Qualificação. Ao inestimável trabalho do Prof. Dr. Sergio Odilon Nadalin para o conhecimento das populações em perspectiva histórica. Às equipes do Arquivo Histórico Municipal de Franca, do Arquivo da Cúria Diocesana de Franca, do Museu Histórico Municipal José Chiachiri e do Arquivo Nacional, pela atenção às minhas pesquisas e o cuidado com a preservação histórica. À querida incentivadora Profa. Dra. Neiva Ferreira Pinto pela prestimosa leitura deste trabalho. Às inúmeras pessoas que no decorrer da pesquisa contribuíram com suas memórias e fotografias de família, em especial à dona Zelinda Limonta Torres, que me proporcionou uma viagem ao passado de seus familiares italianos. Por fim, minha eterna gratidão aos meus familiares e amigos pelo apoio incondicional e indispensável durante esses anos de doutoramento. Os homens fazem a sua história, mas não sabem que a fazem. Karl Marx. GONÇALVES, José Victor Maritan. Redes migratórias e dinâmica populacional de italianos em um município paulista: Franca, São Paulo, 1885-1945. 2023. 358 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2023. Resumo A proposta deste trabalho é conhecer histórica e demograficamente a comunidade imigrante italiana existente na microrregião de Franca, interior do estado de São Paulo, entre os anos de 1885 e 1945, a fim de documentar e descrever as redes migratórias que compunham esse cenário. Baseado nos conhecimentos sobre as tipologias desenvolvidas por Charles Tilly, observou-se as características de tais redes para descrever essa população de italianos, tendo como método a Reconstituição de Famílias proporcionada pela compilação dos registros paroquiais do acervo da Cúria Diocesana de Franca, dos registros de matrícula da Hospedaria de Imigrantes de São Paulo e dos prontuários de identificação civil do Registro Nacional de Estrangeiros produzidos pela Delegacia de Polícia de Franca entre 1939 e 1945. O recorte temporal define-se pelas histórias de vida dos indivíduos em três coortes (os imigrantes, seus filhos e seus netos), de modo a realizar um estudo quantitativo e microanalítico sobre a população italiana e seus descendentes buscando reunir indicadores demográficos e suas relações com as redes migratórias que envolviam pessoas das localidades de origem e destino dos imigrantes, abarcando possíveis permanências e rupturas das características étnicas a partir das práticas reprodutivas. Esse estudo traz análises inéditas que visam alargar as referências sobre as cadeias migratórias e as redes sociais que as sustentavam no período de imigração em massa de italianos para o desenvolvimento da economia cafeeira no estado de São Paulo. Palavras-chaves: Imigração italiana, Redes migratórias, Demografia Histórica GONÇALVES, José Victor Maritan. Migratory networks and population dynamics of Italians in a city in São Paulo: Franca, São Paulo, 1885-1945. 2023. 358 f. Thesis (Ph. D. in History) – School of Humanities and Social Sciences, São Paulo State University, Franca, 2023. Abstract The objective of this work is to know historically and demographically the Italian immigrant community existing in the micro-region of Franca, in the interior of the state of São Paulo, between the years 1885 and 1945, in order to document and describe the migratory networks that made up this scenario. Based on knowledge about the typologies developed by Charles Tilly, the characteristics of such networks were observed to describe this population of Italians, using as a method the Reconstitution of Families provided by the compilation of parish records from the collection of the Diocesan Curia of Franca, the records of enrollment at the São Paulo Immigrant Hostel and the civil identification records of the National Foreigners Registry produced by the Franca Police Station between 1939 and 1945. The time frame is defined by the life stories of individuals in three cohorts (immigrants, their children and their grandchildren), in order to carry out a quantitative and microanalytical study on the Italian population and their descendants, seeking to gather demographic indicators and their relationships with the migratory networks that involved people from the places of origin and destination of the immigrants, covering possible stays and ruptures of ethnic characteristics from reproductive practices. This study brings unprecedented analyzes that aim to expand the references on the migratory chains and the social networks that sustained them in the period of mass immigration of Italians for the development of the coffee economy in the state of São Paulo. Keywords: Italian immigration; Migratory networks; Historical Demography GONÇALVES, José Victor Maritan. Redes migratorias y dinámica poblacional de italianos en una ciudad de São Paulo: Franca, São Paulo, 1885-1945. 2023. 358 h. Tesis (Doctorado en Historia) – Facultad de Ciencias Humanas y Sociales, Universidad Estadual Paulista, Franca, 2023. Resumen El objetivo de este trabajo es conocer histórica y demográficamente la comunidad inmigrante italiana existente en la microrregión de Franca, en el interior del estado de São Paulo, entre los años 1885 y 1945, con el fin de documentar y describir las redes migratorias. que componen este escenario. Con base en el conocimiento de las tipologías desarrolladas por Charles Tilly, se observaron las características de tales redes para describir esta población de italianos, utilizando como método la Reconstitución de Familias proporcionada por la recopilación de registros parroquiales de la colección de la Curia Diocesana de Franca, los registros de registro de la Hospedaria de Imigrantes de São Paulo y los registros de identificación civil del Registro Nacional de Extranjeros producidos por la Comisaría de Franca entre 1939 y 1945. El marco temporal está definido por las historias de vida de los individuos en tres cohortes (los inmigrantes, sus hijos y sus nietos), con el fin de realizar un estudio cuantitativo y microanalítico sobre la población italiana y sus descendientes, buscando recopilar indicadores demográficos y sus relaciones con las redes migratorias que involucraron a personas de los lugares de origen y destino de los inmigrantes, englobando posibles permanencias y rupturas de características étnicas basadas en prácticas reproductivas. Este estudio trae análisis inéditos que buscan ampliar las referencias sobre las cadenas migratorias y las redes sociales que las sustentaron en el período de inmigración masiva de italianos para el desarrollo de la economía cafetera en el estado de São Paulo. Palabras clave: Inmigración italiana; Redes migratórias; Demografía Histórica Lista de Ilustrações Imagem 1 – Registro de matrícula da família de Antonio Giardini, 1911 ............................... 52 Imagem 2 - Modelo de um registro de matrícula no Acervo Digital do Museu da Imigração . 55 Imagem 3 - Lista de bordo do vapor Sempione, 1898 ............................................................. 56 Imagem 4 - Primeira página da lista de bordo do vapor Sempione, 1898 ................................ 57 Imagem 5 – Passaporte de Paolo Ferrarese .............................................................................. 58 Imagem 6 - Registro de identidade do italiano Antonio Tardivo ............................................. 61 Imagem 7 – Praça Nossa Senhora da Conceição de Franca, 1909 ........................................... 82 Imagem 8 - Desmembramento das vilas de Batatais e Casa Branca ........................................ 86 Imagem 9 - Estações ferroviárias de Restinga e Cristais Paulista, início do século XX .......... 91 Imagem 10 – Chave da Taquara, município de Cristais Paulista, 1943 ................................... 92 Imagem 11 – Igreja Santa Rita do Buritizinho, óleo sobre tela ................................................ 95 Imagem 12 – Padrões de migração, segundo Charles Tilly ................................................... 101 Imagem 13 – Primeira página da carta de chamada de Antonio Trevisan para seu pai. Franca, 1923* ...................................................................................................................................... 108 Imagem 14 – Rede familiar oriunda da comuna de Arcene, província de Bergamo .............. 114 Imagem 15 - Francisco Limonta e Giuseppa Bertola ............................................................. 114 Imagem 16 - Giovanni Crespolini e Francisca Bertola .......................................................... 114 Imagem 17 - Carlo Limonta e Zelinda Ganzarolli ................................................................. 114 Imagem 18 - Localização da comuna de Arcene, na província de Bergamo ......................... 115 Imagem 19 – Laços matrimoniais entre as famílias imigrantes de Arcene ............................ 117 Imagem 20 – Compadrio entre as famílias provenientes da comuna de Arcene .................... 119 Imagem 21 - Laços matrimoniais realizados pelas famílias da comuna de Arcene em Franca, 1895-1945 ............................................................................................................................... 120 Imagem 22 – Colônia de uma fazenda no grupo Andrade Junqueira & Cia na região de Franca, década de 1920 ....................................................................................................................... 121 Imagem 23 - Evolução da frente pioneira pelo interior paulista, 1854, 1886, 1920, 1950 .... 135 Imagem 24 - Entrada de imigrantes na Hospedaria ................................................................ 138 Imagem 25 - Estação ferroviária de Franca, 1930 .................................................................. 154 Imagem 26 – Notícia do Jornal Correio Paulistano, 11 de junho de 1887 ............................. 156 Imagem 27 - Imigrantes interrogados para matrícula ............................................................. 160 Imagem 28 – Anúncios do Jornal Correio Paulistano, 12 de novembro de 1897 .................. 178 Imagem 29 - Região do Vêneto: destaque para a província de Rovigo e a comuna de Bergantino ................................................................................................................................................ 189 Imagem 30 – Vínculos de compadrio batismal dos casais de Bergantino em Franca ............ 197 Imagem 31 – Rede formada por imigrantes provenientes de Bergantino e Castelnovo Bariano, província de Rovigo, com data de desembarque no Brasil..................................................... 198 Imagem 32 - Doralice Michelazzi e Pietro Montagnini ......................................................... 199 Imagem 33 – Rede formada por imigrantes provenientes de Bergantino, província de Rovigo, com data de desembarque no Brasil ....................................................................................... 201 Imagem 34 - Família Sarto Morato, Alpinópolis-MG, 08 de julho de 1901 .......................... 224 Imagem 35 – Mercado matrimonial formado na vila de São José da Bela Vista pela rede de imigrantes provenientes das comunas de Cole di Tora e Castel di Tora, província de Rieti . 228 Imagem 36 - Província de Rimini, com destaque para as comunas de Misano Adriático, San Giovanni in Marignano e San Clemente................................................................................. 229 Imagem 37 - Família Batarra, Franca, década de 1920 .......................................................... 230 Imagem 38 – Mercado matrimonial formado pela rede de imigrantes provenientes da província de Rimini, região da Emília-Romanha ................................................................................... 231 Imagem 39 – Família Peroni, 1926 ........................................................................................ 232 Imagem 40 – Mercado matrimonial formado entre imigrantes da região das Marcas e da Toscana ................................................................................................................................... 233 Imagem 41 - Região da Toscana e das Marcas, com destaque para as principais localidades de origem dos italianos casados em Franca................................................................................. 233 Imagem 42 – Ficha da família de Carlo Limonta e Zelinda Ganzarolli ................................. 245 Imagem 43 - Carlo Limonta e Zelinda Ganzarolli com suas filhas gêmeas ........................... 246 Imagem 44 – Reportagem de Zelinda Ganzarolli ao jornal O Estado de S. Paulo, 13 de maio de 1967* ...................................................................................................................................... 253 Imagem 45 – Quadro de Ugo Ravagnani e Maria Natali com os filhos nomeados ............... 264 Imagem 46 – Compadrio entre os compatrícios de Carlo Limonta provenientes de Arcene . 268 Imagem 47 - Compadrio entre os compatrícios de Vitorio Presotto provenientes da região de Cornuda, província de Treviso ............................................................................................... 270 Imagem 48 – Família de Vittorio Presotto e Madalena Nosella, 1922................................... 271 Imagem 49 – As irmãs Florinda e Angelina Limonta, década de 1920 ................................. 277 Imagem 50 – A morte dos irmãos Bissesto. Jornal Commercio da Franca, 15 de junho de 1930* ................................................................................................................................................ 281 Imagem 51 – Família Tardivo, 1928 ...................................................................................... 284 Imagem 52 – Família de Antônio Tardivo e Matilde Campagna ........................................... 285 Imagem 53 – O casal Luis Tardivo e Carolina Piacezzi com suas filhas gêmeas Apparecida e Therezinha, 1928 .................................................................................................................... 286 Imagem 54 - Trajetória das famílias Aimola e Di Carlo ........................................................ 300 Imagem 55 - Parentesco e data de chegada dos primeiros casais imigrantes de Rocca San Giovanni em Franca................................................................................................................ 301 Imagem 56 - Família Di Carlo e seus laços matrimoniais ...................................................... 303 Imagem 57 - Camillo Di Carlo e Carolina D'Angelo ............................................................. 306 Imagem 58 - Alianças matrimoniais da rede dos Abruzos em Franca, 1895-1945 ................ 311 Imagem 59 - Pietro Aimola e Filomena Moretti .................................................................... 314 Imagem 60 - Giovanni Palermo e Maria Teresa Tortorella.................................................... 318 Imagem 61 – Casais da rede da comuna de Camposampiero, Pádua ..................................... 319 Imagem 62 - Casais da rede da comuna de Castelbelforte, Mântua ....................................... 322 Imagem 63 - Nonna Giuseppa Gentilezza, Franca, década de 1940 ...................................... 347 Imagem 64 - Família da Nonna Giuseppa antes da imigração, Rocca San Giovanni, Chieti, Itália, 1921 .............................................................................................................................. 347 Imagem 65 - Passaporte italiano da Nonna Giuseppa Gentilezza .......................................... 348 Imagem 66 - Bilhete de passagem marítima da Nonna Giuseppa Gentilezza ........................ 348 Imagem 67 - Embarque de italianos para o Brasil, 1910........................................................ 349 Imagem 68 - Navio de Imigrantes. Primeira visão de Santos, 1910 ...................................... 349 Imagem 69 - Hospedaria de Imigrantes de São Paulo ............................................................ 350 Imagem 70 - Trabalhadores em fazenda do grupo Andrade Junqueira & Cia na região de Franca, década de 1920 ....................................................................................................................... 350 Imagem 71 - Vista do terreiro de café e casas de colonos de fazenda do grupo Andrade Junqueira & Cia na região de Franca, década de 1920 ........................................................................... 351 Imagem 72 - Trabalhadores de uma fazenda de café do grupo Andrade Junqueira, década de 1920 ........................................................................................................................................ 351 Imagem 73 - Vista da colônia de uma fazenda do grupo Andrade Junqueira, década de 1920 ................................................................................................................................................ 352 Imagem 74 - Café ensacado em fazenda, Franca, década de 1930 ........................................ 352 Imagem 75 - Fazenda Belo Horizonte, do Coronel Bernardo Avelino de Andrade, Franca, 1922 ................................................................................................................................................ 353 Imagem 76 - Fazenda Boa Esperança, do Coronel Francisco de Andrade Junqueira, Franca, 1922 ........................................................................................................................................ 353 Imagem 77 - Grupo de homens no bairro rural de Buritizinho, São José da Bela Vista, década de 1930 ................................................................................................................................... 354 Imagem 78 - Procissão na Igreja Santa Rita do Buritizinho, década de 1930 ........................ 354 Imagem 79 - Casamento de Donato Stante e Olímpia Sartori, Franca, 07 de janeiro de 1928 ................................................................................................................................................ 355 Imagem 80 - Guerino Stante e Eunelia Fontanesi, Franca, 26 de dezembro de 1931 ............ 355 Imagem 81 – O casal de italianos Rafael Tardivo e Rosa Bernardini, Franca, 1915 ............. 355 Imagem 82 - Família de João Brandieri e Rosa Villamagna, Franca, década de 1920 .......... 356 Imagem 83 - Famílias de origem italiana, década de 1920 .................................................... 356 Imagem 84 - João e Ida, filhos de Hermenegildo Puglia e Caetana Renzi. Franca, 24/06/1913 ................................................................................................................................................ 357 Imagem 85 - Famílias de Ugo Ravagnani e Maria Natali, década de 1930 ........................... 357 Imagem 86 - Família de Giuseppe Giron e Angela Muzzato, Pedregulho, década de 1910 .. 358 Imagem 87 - Família de origem italiana, década de 1930 ...................................................... 358 Lista de Mapas Mapa 1 - Microrregião de Franca atualmente .......................................................................... 88 Mapa 2 – Distribuição das capelas rurais pelo território da microrregião de Franca ............... 93 Mapa 3 – Limites urbanos: Franca, 1893-1940 ........................................................................ 97 Mapa 4 - Regiões italianas...................................................................................................... 125 Lista de Gráficos Gráfico 1 - Taxas de crescimento demográfico e movimento emigratório na Itália, 1876-1900 ................................................................................................................................................ 124 Gráfico 2 - Emigrantes italianos partidos para o Brasil, por região, 1876-1925 .................... 131 Gráfico 3 – População brasileira e estrangeira no Estado de São Paulo, 1890-1950 ............. 136 Gráfico 4 - Nacionalidade da população estrangeira no Estado de São Paulo, 1920 e 1940 . 137 Gráfico 5 - Pirâmide etária, Franca, 1920 .............................................................................. 150 Gráfico 6 – Pirâmide etária, Franca, 1940 .............................................................................. 152 Gráfico 7 – Saída de imigrantes da Hospedaria de São Paulo que dirigir-se-iam à Franca, 1883- 1928 ........................................................................................................................................ 162 Gráfico 8 – Pirâmide etária dos imigrantes italianos provenientes da Hospedaria dos Imigrantes, por sexo, 1883-1928 ............................................................................................................... 169 Gráfico 9 – Pirâmides etárias dos imigrantes italianos, por sexo e período, Franca, 1883-1928 ................................................................................................................................................ 171 Gráfico 10 – Sazonalidade mensal das imigrações, 1883-1928 ............................................. 174 Gráfico 11 – Principais introdutores, 1900-1922 ................................................................... 182 Gráfico 12 – Reemigração com destino a Franca, por ano, 1891-1923 ................................. 187 Gráfico 13 – Emigrantes transatlânticos saídos de Rovigo no período de 1876-1901 ........... 190 Gráfico 14 – Nubentes nascidos na comuna de Bergantino casados em Franca, 1885-1945. 191 Gráfico 15 – Média anual de Nascimentos e Casamentos, por período de 5 anos, 1885-1945 ................................................................................................................................................ 205 Gráfico 16 - Comparativo entre os casamentos da comunidade italiana. Franca e localidades vizinhas, 1885-1945 ............................................................................................................... 211 Gráfico 17 – Número de casamentos da comunidade italiana. Localidades vizinhas de Franca, 1885-1945 ............................................................................................................................... 212 Gráfico 18 – Distribuição dos cônjuges, segundo nacionalidade, 1885-1945 ....................... 213 Gráfico 19 – Distribuição dos cônjuges, segundo nacionalidade, por coortes, 1886-1945 .... 214 Gráfico 20 – Percentuais de endogamia simples, endogamia oculta e exogamia, 1886-1945218 Gráfico 21 – Percentuais de exogamia e endogamia (simples e oculta) masculina e feminina entre italianos, por coortes, 1886-1945 .................................................................................. 219 Gráfico 22 – Percentuais de endogamia (simples e oculta) entre italianos, por coortes, 1886- 1945 ........................................................................................................................................ 220 Gráfico 23 – Comparativo entre os batizados da comunidade italiana. Franca e localidades vizinhas, 1885-1945 ............................................................................................................... 243 Gráfico 24 – Quantidade de filhos por ano de casamento, 1886-1945 ................................... 247 Gráfico 25 – Comparativo entre os intervalos intergenésicos e protogenésicos, 1886-1945 . 249 Gráfico 26 – Concepções pré-nupciais, por ano, 1888-1945 ................................................. 251 Gráfico 27 – Concepções antes do casamento, por número de filhos, 1885-1945 ................. 251 Gráfico 28 – Intervalo entre o nascimento e a realização do batizado, em dias, Franca, 1885- 1945 ........................................................................................................................................ 256 Gráfico 29 – Intervalo entre o nascimento e a realização do Batismo, em números percentuais, 1885-1945 ............................................................................................................................... 256 Gráfico 30 – Movimentos sazonais de nascimentos e batizados, 1885-1945 ........................ 289 Gráfico 31 – Movimentos sazonais de nascimentos, em números percentuais, por coortes, 1885- 1945 ........................................................................................................................................ 290 Gráfico 32 – Comparativo da distribuição semanal dos batizados, por coortes, 1885-1945 . 291 Gráfico 33 – Movimento sazonal de casamentos, por coortes, 1886-1945 ............................ 292 Gráfico 34 – Comparativo da distribuição semanal dos casamentos, por coortes, 1886-1945 ................................................................................................................................................ 294 Gráfico 35 – Movimento sazonal de óbitos, 1885-1945 ........................................................ 295 Lista de Tabelas Tabela 1 - Passageiros italianos que passaram pelo porto de Santos, 1908-1920 .................. 144 Tabela 2 – Crescimento populacional de Franca, por nacionalidade e sexo, 1872-1920 ....... 149 Tabela 3 – Imigrantes estrangeiros em Franca, por país de origem, segundo sexo, 1920...... 149 Tabela 4 – População de Franca, 1940 ................................................................................... 151 Tabela 5 – Proporção entre os registros de óbitos de italianos e o total de óbitos registrados em Franca ..................................................................................................................................... 153 Tabela 6 – Imigrantes italianos provenientes da Hospedaria de Imigrantes, 1886-1928 ....... 161 Tabela 7 – Imigrantes italianos, segundo região de procedência, 1885-1930 ........................ 163 Tabela 8 – Imigrantes, segundo parentesco com o chefe ....................................................... 165 Tabela 9 – Classificação dos grupos imigrantes ..................................................................... 166 Tabela 10 – Idades ao imigrar ................................................................................................ 168 Tabela 11 – Razão de sexo, por grupos etários, 1883-1928 ................................................... 170 Tabela 12 – Atividades profissionais dos imigrantes, 1883-1928 .......................................... 172 Tabela 13 – Imigrantes, por portos de saída, 1883-1928........................................................ 176 Tabela 14 – Imigrantes, por portos de chegada, 1883-1928 ................................................... 177 Tabela 15 – Imigração subsidiada e espontânea, 1883-1928 ................................................. 181 Tabela 16 – Imigração subvencionada de italianos, por local de destino, segundo tipos de subvenção, 1886-1928 ............................................................................................................ 183 Tabela 17 – Evolução demográfica da Província de Rovigo de 1864 a 1893 ........................ 190 Tabela 18 – Comunas de nascimento dos nubentes provenientes da província de Rovigo.... 191 Tabela 19 – Casamentos realizados na comuna de Bergantino, 1871-1891 .......................... 192 Tabela 20 – Recenseamento da população da comuna de Bergantino e da província de Rovigo, 1871-1901 ............................................................................................................................... 192 Tabela 21 – Composição dos imigrantes contratados pelo Coronel Duarte, por idade e sexo, 1887 ........................................................................................................................................ 194 Tabela 22 - Média anual de Nascimentos e Casamentos, por período de 5 anos, 1885-1945 206 Tabela 23 - Casamentos da comunidade italiana, 1885-1945 ................................................ 211 Tabela 24 - Imigrantes italianos com menos de 20 anos, por sexo, segundo período de chegada. Microrregião de Franca, 1886-1928 ....................................................................................... 215 Tabela 25 - Razões de sexo, italianos, 1885-1945 ................................................................. 215 Tabela 26 - Casamentos intra e intergrupal, 1885-1945 ......................................................... 217 Tabela 27 - Estados de nascimento dos nubentes brasileiros ................................................. 222 Tabela 28 – Municípios de nascimento dos nubentes paulistas* ........................................... 223 Tabela 29 - Municípios de nascimento dos nubentes mineiros* ............................................ 224 Tabela 30 – Principais províncias de nascimento dos nubentes italianos* ............................ 225 Tabela 31 – Principais naturalidades dos nubentes italianos .................................................. 226 Tabela 32 – Idade média ao casar na Itália e em suas principais províncias que forneceram imigrantes para Franca, segundo sexo, 1881 e 1901 .............................................................. 236 Tabela 33 - Estado civil dos nubentes, por coortes, 1886-1945 ............................................. 237 Tabela 34 – Evolução da idade média de acesso ao casamento, por coortes, 1886-1945 ...... 238 Tabela 35 – Idade ao casar, segundo sexo, estado civil e período, 1886-1945 ...................... 240 Tabela 36 – Duração média do casamento, por local de realização e períodos ..................... 241 Tabela 37 - Batizados da comunidade italiana, 1885-1945 .................................................... 243 Tabela 38 – Média dos intervalos intergenésicos, por quinquênio......................................... 248 Tabela 39 – Média dos intervalos protogenésicos, por quinquênio, 1886-1945 .................... 248 Tabela 40 – Classificação dos prenomes preferidos, por coortes ........................................... 260 Tabela 41 – Transmissão dos nomes Camilo, Donato e Nicola pelas famílias italianas por região de origem. Franca, 1885-1945 ................................................................................................ 262 Tabela 42 – Repartição dos óbitos dos casais reconstituídos, por idade. Franca, 1885-1945 273 Tabela 43 – Mortalidade infanto-juvenil, por idade, 1891-1945 ............................................ 274 Tabela 44 – Movimentos sazonais de nascimentos, 1885-1945 ............................................. 288 Tabela 45 – Movimento sazonal de casamentos, por coortes, 1886-1945 ............................. 293 Tabela 46 – Distribuição semanal dos casamentos, por coortes, 1886-1945 ......................... 293 Tabela 47 - Emigrantes italianos para o Brasil, conforme a procedência regional, 1878-1902 ................................................................................................................................................ 340 Tabela 48 - Saída de imigrantes da Hospedaria de São Paulo a Franca, 1883-1928 .............. 341 Lista de Quadros Quadro 1 – Livros paroquiais de batismo pesquisados, por localidade e período.................... 45 Quadro 2 - Livros paroquiais de matrimônio pesquisados, por localidade e período .............. 46 Quadro 3 - Livros paroquiais de óbitos pesquisados, por localidade e período ....................... 49 Quadro 4 - Requerimentos SACOP da microrregião de Franca ............................................... 58 Quadro 5 – Total de registros pesquisados ............................................................................... 66 Quadro 6 - Estabelecimento e evolução das vilas compreendidas no território da microrregião de Franca................................................................................................................................... 89 Quadro 7 – Paróquias e principais capelas existentes no território da microrregião de Franca até 1945 .......................................................................................................................................... 92 Quadro 8 – Agrupamento proposto por Charles Tilly ............................................................ 102 Quadro 9 - Famílias emigradas da comuna de Arcene, província de Bergamo, 1891-1915 .. 116 Quadro 12 – Principais fazendeiros contratantes de imigrantes italianos em Franca ............ 157 Quadro 11 – Principais vapores, 1883-1928 .......................................................................... 180 Quadro 12 – Famílias contratadas pelo Coronel José Garcia Duarte, em 10 de junho de 1887 ................................................................................................................................................ 193 Quadro 13 – Padrinhos dos filhos de Carlo Limonta e Zelinda Ganzarolli ........................... 266 Quadro 14 – Classificação das principais causae mortis de crianças e menores ................... 275 Quadro 15 – Casamentos e dotes dos filhos do casal Di Carlo .............................................. 305 Quadro 16 - Bens da herança do casal Di Carlo ..................................................................... 307 Quadro 17 – Projeto de partilha do inventário de Carolina D’Angel ..................................... 308 Quadro 18 – Membros da rede da comuna de Camposampiero, Pádua ................................. 320 Quadro 19 – Chegada ao Brasil dos membros da rede da comuna de Castelbelforte, Mântua ................................................................................................................................................ 321 Quadro 20 - Livros de batismos pesquisados, por localidade, 1882-1945 ............................. 338 Quadro 21 - Livros de casamentos pesquisados, por localidade, 1885-1945 ......................... 339 Quadro 22 - Livros de óbitos pesquisados, por localidade, 1886-1951 ................................. 339 Lista de abreviaturas e siglas AHMCHAP Arquivo Histórico Municipal Capitão Hipólito Antônio Pinheiro APESP Arquivo Público do Estado de São Paulo ARS Análise de Redes Sociais MI Museu da Imigração do Estado de São Paulo RNE Registro Nacional de Estrangeiros SACOP Secretária da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Sumário Apresentação ............................................................................................................................ 22 Introdução ................................................................................................................................. 25 Capítulo 1 – Questões de método ............................................................................................. 37 Arquivo da Cúria Diocesana de Franca ................................................................................ 39 Acervo digital do Museu da Imigração do Estado de São Paulo .......................................... 50 Arquivo Histórico Municipal Capitão Hipólito Antônio Pinheiro ....................................... 59 Levantamentos e técnicas: a criação do banco de dados Italianos em Franca ..................... 63 A análise das redes migratórias ............................................................................................ 77 Capítulo 2 – Comunidade e população ..................................................................................... 80 Franca: população e sociedade.............................................................................................. 81 De freguesia à microrregião .................................................................................................. 83 De onde falamos e até onde fomos: território e Igreja .......................................................... 87 Capítulo 3 – Redes em processos migratórios .......................................................................... 98 Capítulo 4 – Do outro lado do Atlântico ................................................................................ 122 A grande emigração ............................................................................................................ 122 Braços para a lavoura .......................................................................................................... 132 Refluxo imigratório ............................................................................................................. 141 Capítulo 5 – Imigrantes italianos em Franca .......................................................................... 147 O perfil dos imigrantes italianos em Franca ....................................................................... 159 Fluxos, destinos e redes ...................................................................................................... 188 Capítulo 6 – Dinâmica da população: casar, ter filhos e morrer do outro lado do Atlântico . 205 Sposàrsi a Franca: tendências da nupcialidade ................................................................... 206 A idade ao casar .............................................................................................................. 235 Duração dos casamentos ................................................................................................. 240 Tutti buona gente: os italianos se multiplicaram ................................................................ 242 Características do comportamento reprodutivo do grupo............................................... 244 Família, religiosidade e identidade étnica na escolha dos nomes de batismo ................ 257 A seleção dos padrinhos e o parentesco espiritual ......................................................... 265 As intermitências da morte ................................................................................................. 272 Viver e morrer do outro lado do Atlântico: um exercício analítico................................ 282 Os movimentos sazonais de nascimentos, casamentos e óbitos ......................................... 288 Capítulo 7 – Trajetórias imigrantes ........................................................................................ 296 Documentar e descrever as redes encontradas .................................................................... 296 De Rocca San Giovanni a Franca: aportes para uma genealogia imigrante ................... 297 Trajetórias reconstituídas .................................................................................................... 316 Considerações finais ............................................................................................................... 324 Bibliografia ............................................................................................................................. 329 Fontes ..................................................................................................................................... 329 Referências ............................................................................................................................. 329 Anexos .................................................................................................................................... 338 Quadros e tabelas ................................................................................................................ 338 Transcrições ........................................................................................................................ 342 Fotografias .......................................................................................................................... 347 22 Apresentação Sete décadas separam este historiador do desaparecimento da trisavó italiana. A vida de outros ancestrais já tinha atraído o interesse pelo passado da família, mas nada se comparava à curiosidade por desvendar a trajetória daquela senhora de mãos gordas, saia longa e cabelos grisalhos que estava eternizada no álbum de família que organizara depois da morte da avó materna. Por sinal, a imagem da trisavó não lhe saía da mente desde a infância, quando vira pela primeira vez a foto de nonna Pina no jardim da Praça Nossa Senhora da Conceição. As vagas informações que tivera diziam muito pouco sobre a história de vida da nonna, que teria chegado ao Brasil com quatro filhos e passado os últimos anos de vida cega, em lugar, até então, desconhecido para este jovem historiador. O passar do tempo diminuía as chances de encontrar alguém que fortuitamente tivesse guardado memórias que preenchessem as lacunas sobre a passagem da nonna pelo mundo. Restavam os arquivos, guardiões do passado, que explorados com tamanha insaciedade tornaram a dar vida para uma história particular que tinha muito a dizer sobre questões de outros tempos. Assim, pesquisar a trajetória de vida da nonna justificava-se tanto quanto reconhecer os motivos para se estudar História, posto que a produção do conhecimento histórico só tem sentido se agirmos em função do presente, que estimula o olhar sobre o passado (Philipe Ariès). Esse passado composto por homens e mulheres ligados a tudo, mas que, conforme a célebre fórmula de Marx, “fazem a sua história, mas não sabem que a fazem”. Nas últimas décadas, uma revolução na historiografia trouxe à tona a espuma das ondas do mar e os flashes dos vagalumes, essa história inconsciente que se desenrola além das profundezas do oceano e da escuridão da noite. No contexto da metáfora de Braudel a respeito da topografia do tempo curto e individual, assistiu-se ao aparecimento de investigações históricas de fenômenos circunscritos, com novos temas e interações entre a história e outras ciências. O mister do historiador foi contaminado por todas as ciências do homem, resultando na soma de todas as histórias possíveis, do presente, do passado e do futuro. A ruptura com os métodos tradicionais da história do século XIX ofereceu uma série de novos objetos ao historiador, como o sistema de transmissão de terras no Piemonte do Antigo Regime (A herança imaterial, de Giovanni Levi), a prosopografia comparativa entre as elites comerciantes no século XVII (Veneza e Amsterdã, de Peter Burke), o cotidiano e as ideias de um moleiro quinhentista perseguido pela Inquisição (O queijo e os vermes, Carlo Ginzburg) e o feixe de relações que interligava as famílias de um povoado genovês (Il Cervo e la repubblica, 23 de Edoardo Grendi). O objetivo da historiografia social contemporânea é construir a história das relações entre pessoas e grupos, conquistando o distanciamento cultural da sociedade que vivemos, objetivando os relacionamentos, reconstituindo a evolução e a dinâmica dos comportamentos sociais1. Impensável noutros tipos de historiografia, a reconstituição do vivido, como a biografia da nonna, foi corolária de métodos artesanais de exploração, do campo das relações interpessoais. A nonna seria uma metáfora não fosse os campos investigativos abertos para preencher as lacunas de sua história. Os diversos modos de interpretar as reticências e completar os fatos teceram uma espécie de teia de malha fina bastante complexa, capaz de dar luz a todo um tecido social que atravessava o Oceano Atlântico em várias direções do passado, que outrora tinha sido o tempo presente daquela senhora de olhar profundo que posou para a foto que serviria de insight para esse trabalho. A história da nonna dá sentido ao contexto das migrações modernas exploradas. Na infância, saíra da fortaleza medieval onde nasceu na região do Lácio em direção ao leste italiano. Mais tarde, seu esposo seguiu os tradicionais fluxos ultramarinos de homens das zonas costeiras da Itália rumo aos Estados Unidos. Esse tipo de imigração masculina para um mercado de trabalho alimentava esperanças de fixação e chamada da família para se unir no ambiente de destino. Infelizmente, ao contrário do que se esperava, seu esposo faleceu pouco tempo depois. Sem família na América, seu corpo foi encaminhado para um instituto de anatomia na Pensilvânia. Viúva, com quatros filhos pequenos, a nonna casa-se novamente com um dos companheiros de trabalho do esposo que retornara à Itália. Anos depois, influenciados pela imigração de conterrâneos para o Brasil o clã se dirige ao município de Franca, restabelecendo laços de amizade rompidos pela febre migratória que vinha atingindo a região dos Abruzos há mais de duas décadas. Sua primogênita, com dezoito anos de idade, abandona o noivo que estava cumprindo o serviço militar na Eritréia, então colônia italiana na África. Aqui, a jovem logo desposa um filho brasileiro de paesani e, pouco a pouco, a rede de relações familiares se redesenhava no outro lado do Atlântico e emergiam estruturas, antes invisíveis, que se articulavam como uma teia. O excepcional dessa análise é sua atualidade, pois o Brasil ainda integra a rota das migrações internacionais e o tema continua repercutindo entre nós. A nossa proposta contempla 1 GRENDI, Edoardo. Microanálise e história social. In: ALMEIDA, Carla; OLIVEIRA, Mônica (Orgs.). Exercícios de micro-história, Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2009, p. 36. 24 o fenômeno da migração priorizando a análise desses deslocamentos humanos como busca de projetos individuais que assumem proporções notáveis tanto na terra natal quanto na sociedade receptora. A microanálise proposta envolve espaço e escala como formas de integração, da família à comunidade, das relações interpessoais às relações sociais e econômicas. O estudo quantitativo, pelo levantamento e cruzamento sistemático do universo de fontes disponíveis, corrobora a indicação de padrões de comportamento nem sempre percebidos a seu tempo. Desse momento em diante, a trajetória pessoal e familiar da nonna deixará de ser perseguida individualmente. Dar-se-á lugar à história de milhares de compatrícios que se deslocaram da Itália para comporem a população da microrregião de Franca, entre 1885 e 1945. Homens e mulheres; crianças, adultos e idosos; solteiros, casados e viúvos; citadinos e camponeses, todos destinados a refazerem suas vidas aqui. Se a nonna voltar a aparecer nas próximas páginas não foi por descuido, é porque sua trajetória se confunde com a história da imigração internacional. 25 Introdução O fio de Ariana que guia o investigador no labirinto documental é aquilo que distingue um indivíduo do outro em todas as sociedades conhecidas: o nome. Carlo Ginzburg2 A reconstituição das redes migratórias dos imigrantes italianos que compunham o cenário demográfico do município paulista de Franca, entre 1885 e 1945, foi desenvolvida a partir do cruzamento nominativo de diversas fontes, constituídas pelos registros paroquiais, matrículas de imigrantes, prontuários de registro de estrangeiros e, alguma documentação de cunho estatístico, civil e militar. Nossa intenção é explorar o conceito de redes em processos migratórios através de uma comunidade específica, cuja população desenvolveu estratégias efetivas de mobilidade entre a Itália e o Brasil, adaptando-se as pressões socioeconômicas e as tradições culturais e religiosas nos dois lados do Atlântico. Após o levantamento sistemático de um conjunto variado de fontes, busca-se retraçar a face dessa população imigrante italiana, conhecendo sua composição e suas características. Para isso, a opção por realizar um estudo de micro-história coloca no centro da análise essa comunidade imigrante reconstituída através do emprego de um conjunto disperso e variado de fontes, suscitado pela recolha e cruzamento dos dados obtidos. Quando se trabalha com uma comunidade desconhecida, uma definição mais precisa dos objetivos principais que motivaram esta investigação só é alcançada depois de coletadas as fontes e aplicada uma metodologia para testar as hipóteses do trabalho, principalmente após uma análise intensa e profunda da documentação disponível que permitiu levar a cabo essa investigação. No nosso caso, um ponto fundamental é pensar a comunidade imigrante sob a perspectiva da família, pois o estudo sobre as populações humanas só se configurou como um campo do conhecimento histórico a partir do desenvolvimento da técnica de reconstituição de famílias por Louis Henry na segunda metade do século XX. Hoje, uma gama muito mais variada de investigações pode ser efetuada pelo cruzamento de documentos diversos, ancorada nos métodos da Demografia Histórica e da História Social e apoiada em discussões com a Antropologia. 2 GINZBURG, Carlo. O nome e o como. Troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo (Orgs.). A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Brentand Brasil, 1991, p. 174. 26 A Demografia Histórica surgiu para entender o comportamento da fecundidade na França no período anterior à Segunda Grande Guerra3, contudo seus desdobramentos permitiram corrigir rumos e vislumbrar horizontes inexplorados ou pouco visitados4. Os documentos utilizados para o estudo da demografia do passado constroem genealogias no decorrer dos séculos que modelam uma dinâmica que é objeto da história da população5. A demografia trata dos aspectos estatísticos num determinado momento e sua evolução no tempo observando um conjunto de variáveis, tais como: o tamanho e a composição da população, sua distribuição segundo o sexo, a idade, o estado conjugal e a região geográfica, a natalidade, a fecundidade, a mortalidade e a migração6. Assim, a preocupação com as transformações demográficas no tempo naturalmente aproxima a disciplina com a história, visando explicar os fenômenos demográficos a partir dos estudos históricos. Abordar questões sobre a aproximação entre História e Demografia e as fontes preferenciais desse campo do conhecimento é tocar no cerne das transformações historiográficas e das revoluções metodológicas assistidas no século XX. Se a escritura de textos sobre as atividades humanas remonta à Antiguidade, foi no decorrer do século XIX que o saber histórico institucionalizou-se. A História como disciplina nasceu comprometida com um projeto político associado ao fortalecimento dos Estados Nacionais e a construção de um sentimento de identificação para com a pátria a ser compartilhado. A concepção da ciência histórica passou a apresentar regras que orientavam a prática historiográfica, através, principalmente, da precisão vocabular, da predileção pelo político e pelo fato, pelo apelo aos documentos e à crença na possibilidade de um conhecimento objetivo7. No último século, “o universo dos historiadores se expandiu a uma velocidade vertiginosa”8. Após os anos 1950 assistiu-se a uma mudança radical na forma de produzir conhecimento, com mudanças rápidas e profundas no que tange aos temas, às fontes, às análises 3 MOURA FILHO, Heitor P. de. Método em demografias históricas. In: Revista Mosaico. Vassouras, v. 06, n. 2, p. 29–39, 2015, p. 30. 4 BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. História da população brasileira: balanços e perspectivas. In: SAMARA, Eni de Mesquita (Org.). Historiografia brasileira em debate: “Olhares, recortes e tendências”. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2002, p. 165. 5 NADALIN, Sergio Odilon. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais - ABEP, 2004, p. 25. 6 BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. História da população brasileira: balanços e perspectivas. In: SAMARA, Eni de Mesquita (Org.). Historiografia brasileira em debate: “Olhares, recortes e tendências”. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2002, p. 166. 7 LUCA, Tania Regina de. Notas sobre os historiadores e suas fontes. In: Métis: história & cultura. Caxias do Sul, v. 11, n. 21, p. 13–21, jan./jun. 2012. 8 BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p. 7. 27 e às perspectivas. Os anônimos e as maiorias foram incluídos à História, tudo se tornou passível de ser investigado a partir de aportes teóricos variados. Abandonou-se o político, o cronológico, os fatos e datas, a glorificação dos grandes homens e feitos, a noção estreita de documento e do tempo curto do evento. A História Nacional, dominante no novecentos, passou a competir com campos novos na historiografia. O estandarte empunhado pela renovação historiográfica carregava a bandeira dos fenômenos coletivos, das multidões e do povo, da complexidade temporal, com seus diferentes ritmos e durações, do imaginário e das mentalidades, da manipulação de grandes séries documentais e da apropriação dos múltiplos vestígios do passado em busca de uma história econômica e social, de maneira totalizante9. Não demorou muito para a História Social desprender-se da História Econômica e fragmentar-se em Demografia Histórica, História da Família, História do Trabalho e muitas outras especializações. Tais renovações historiográficas contribuíram para pensar os movimentos humanos a partir de novas fontes e abordagens. Até os anos 1970, o marco teórico dominante explicava os movimentos migratórios perante as variáveis macroeconômicas e os modelos baseados na ideia de atração e repulsão. Os novos estudos deslocaram o foco para as dinâmicas locais e suas variações regionais, colocando o indivíduo no centro da análise. Essa mudança de perspectiva tornou o e/imigrante protagonista de sua decisão de e/imigrar, de maneira oposta à imagem do e/imigrante como sujeito passivo e subordinado ao modelo estrutural de atração e expulsão, o push-pull. A valorização do indivíduo como agente trouxe à tona também o contexto comunitário, a economia doméstica e a noção de estratégia familiar. A produção histórica de localidade é capaz de desconstruir a universalidade das abordagens macroanáliticas levadas a cabo para descrever fenômenos históricos e, ao mesmo tempo, explorar a singularidade de cada lugar e as conexões entre esses espaços, especialmente aquelas realizadas pelas trocas comerciais e pela circulação de indivíduos10. Dar ênfase à construção cultural e social, inerente à noção de lugar, estimula pesquisar o local por intermédio das suas relações com os sistemas culturais e econômicos globais, por isso, centrar a atenção nas redes sociais dos protagonistas históricos conjuga as múltiplas conexões entre lugares e suas especificidades11. As produções de dimensão identitária fazem parte de um processo que 9 LUCA, Tania Regina de. Notas sobre os historiadores e suas fontes. In: Métis: história & cultura. Caxias do Sul, v. 11, n. 21, p. 17, jan./jun. 2012. 10 DE VITO, Christian G. Por uma micro-história translocal. In: VENDRAME, Maíra Ines; KARSBURG, Alexandre (Orgs.). Micro-história: um método em transformação. São Paulo: Letra e Voz, 2020, p. 101. 11 Ibid., p. 104. 28 gera cidadania, ao produzir sujeitos que aprendem a pertencer a “uma comunidade assentada de parentes, vizinhos, amigos e inimigos”12. Até os anos setenta do século passado, os historiadores não pensavam o espaço como um problema, ele era visto mais como uma moldura, dentro das quais as coisas aconteciam, do que como uma produção histórica. Tanto a historiografia dos Annales, que desenvolveu alguma relação com a dimensão geográfica, quanto a historiografia mais concentrada nos estudos de comunidades urbanas e rurais, tiveram desinteresse pela noção de lugar. No primeiro caso, podemos perceber a influência exercida por uma específica classificação espaço-temporal. Em Mediterrâneo, a proposta de Fernand Braudel teve o mérito de desenvolver o problema do espaço por meio da hierarquização das dimensões da análise histórica. O espaço era colocado em relação à longa duração, aos ritmos lentos de modificação ou imobilidade. Para muitos críticos, o espaço, alçado ao nível da estrutura, não sofria alterações pelas dinâmicas locais de curta duração, ou seja, na história braudeliana não havia lugar para uma história factual do espaço. Por outro lado, os estudos de comunidades que observavam os modelos de residência e de interação social de pequena escala eram indiferentes ao espaço. A representação do espaço como “moldura” era um comportamento tão amplo que resultava numa abordagem reducionista da dimensão local perante os estudos sobre a mobilidade social, a estrutura familiar e o parentesco13. Os estudos locais ganharam destaque com o olhar etnográfico sobre a Europa rural, que abandonou um dos mais poderosos mitos historiográficos do século XX, que pensava a comunidade camponesa como organismo de base da sociedade rural. Numerosos estudos em escala topográfica das aldeias italianas mostraram uma condição imperceptível na esfera geral, a morfologia de fragmentação interna e uma estreita correlação interna entre os assentamentos e o sistema político centrado nas parentelas, que influenciava diretamente os modelos de casamento e aliança. Dentro desses grupos parentais manifestava-se uma capacidade variável de assegurar para si o acesso aos recursos materiais e simbólicos14. Uma perspectiva inteligente e equilibrada para conhecer a dimensão que a migração assumiu para a Europa e para a América é colocar em evidência os espaços nas margens dos dois continentes, observando o contexto da oferta potencial de emigrantes europeus e da forte 12 TORRE, Angelo. A produção histórica dos lugares. In: VENDRAME, Maíra Ines; KARSBURG, Alexandre (Orgs.). Micro-história: um método em transformação. São Paulo: Letra e Voz, 2020, p. 75. 13 Ibid., p. 76. 14 Ibid., p. 83. 29 demanda por população na América. De um lado, um continente rico em recursos humanos, mas pobre em terras; de outro, uma grande disponibilidade de terras e escassos recursos humanos. Debruçar-se sobre a história das migrações humanas exige abordagens plurais e uma visão detalhada de todo o processo, buscando conhecer os fluxos e acompanhar trajetórias nas duas pontas do percurso. Por isso, o papel da família deve ser colocado em perspectiva ao investigar a decisão de imigrar, uma vez que as redes migratórias são indelevelmente marcadas pelo envolvimento de familiares e conterrâneos. Nesse sentido, o estudo de uma comunidade imigrante demonstra que os relacionamentos sociais não são baseados apenas na proximidade física no interior de uma área geográfica circunscrita. Pensar o contexto exige lidar com análises em diferentes escalas de observação estabelecidas pelos limites do objeto interrogado. Por isso, a opção por uma metodologia microanalítica não dispensa um olhar panorâmico sobre o processo imigratório que atingiu os dois lados do Atlântico a partir da segunda metade do século XIX, apresentando variações no volume, na intensidade e nos grupos étnicos envolvidos. As questões do presente brasileiro projetam o olhar para esse passado histórico de migrações, uma vez que a história do Brasil é marcada pelos deslocamentos humanos, quer sejam eles espontâneos ou compulsórios. A princípio, o território brasileiro foi alvo da ação dos portugueses colonizadores e recebeu entre 4,4 e 6 milhões de africanos para serem escravizados. No século XIX, a estrutura da população brasileira foi alterada com o incremento de outros grupos estrangeiros europeus e a diminuição do tráfico atlântico de africanos. Os projetos colonizadores intensificaram a atração de imigrantes europeus para algumas regiões no período imperial. No Sul, assistiu-se a uma forte presença de alemães, enquanto o Rio de Janeiro atraiu suíços e as fazendas de café da província de São Paulo já ensaiavam uma atração por famílias colonas italianas. A imigração em massa de italianos para São Paulo, após a década de 1870, foi um fenômeno atrelado ao contexto internacional e às políticas brasileiras que resultou na entrada de mais de quatro milhões de imigrantes no Brasil, de 1882 a 1934. O maior polo de atração foi o estado de São Paulo que recebeu mais de 60% desses europeus. Programas de subsídios apoiavam a imigração familiar até o fim dos anos 1920, embora a Primeira Guerra Mundial já viesse arrefecendo esse movimento. Na década de 1930, o Governo Vargas aplicou restrições para a entrada de estrangeiros que só foram afrouxadas após o fim da Segunda Guerra 30 Mundial15. Parece bastante claro que essas transformações estivessem ligadas a fenômenos macro, mas, ao limitar o campo de observação, surgem dados mais bem definidos, que se organizam segundo configurações inéditas e revelam uma nova cartografia histórico-social do contexto16. O nosso problema está colocado no âmbito da micro-história, numa profusão de detalhes, fluxos, redes e trajetórias individuais e de famílias. Tudo isso graças à “engenhosidade do historiador”17, que investiu numa ampliação conceitual na História que não conheceria recuos perante os múltiplos vestígios do passado. A busca por se diferenciar do modelo historiográfico dominante despertou a atenção de uma geração de historiadores para detalhes que, embora extremamente individualizados, são arraigados nos conjuntos nos quais se inscrevem. A redução da escala de observação inaugurou a exploração de uma realidade não acessível aos modelos estrutural-funcionalistas. Essa convicção dos protagonistas do projeto “microanalítico” transcorreu nas páginas da Revista Quaderni Storici acerca dos debates sobre a história social italiana18. Embora trilhando caminhos heurísticos estranhos, a adesão a esse rótulo pelos pesquisadores deu-se pela referência à escala de observação circunscrita que o prefixo “micro” sugeria19. O alcance da micro-história não aprisiona a explicação histórica em um nível micro da realidade social, mas busca atingir conclusões de alcance geral a partir de um pressuposto analítico que parte do particular para atingir e entender a história geral. Dessa forma, a microanálise acompanha de perto a vida dos agentes históricos e observa as intricadas teias da vida social em toda sua complexidade. Edoardo Grendi salienta que, numa metodologia 15 BASSANEZI, M. S. B.; SCOTT, A. S. V.; BACELLAR, C. A. P.; TRUZZI, O. M. S. Atlas da imigração internacional em São Paulo 1850-1950. São Paulo: Editora UNESP, 2008. 16 REVEL, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 32. 17 FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa: Editora Presença, 1989, p. 249. 18 A princípio, as proposições micro-históricas eram duas, uma social, encabeçada por Edoardo Grendi e Giovanni Levi e outra cultural, contemplada pelos trabalhos de Carlo Ginzburg e Carlo Poni. Entre 1977 e 1985, Ginzburg e outros historiadores da cultura debruçaram-se sobre a história das mentalidades, da cultura material e da religião, enquanto Grendi e Levi voltaram seus esforços para compreender a economia, a demografia e a história social, com estudos sobre a família e a comunidade. 19 GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 31 microanalítica para a história social e econômica, cada dado ou relação encontrada possibilita reconstituir histórias de família ou individuais suficientemente ricas20. Nesse sentido, os estudos sobre família e comunidade integraram a Demografia Histórica e a História Social, direcionando recursos da Antropologia, que serviria para uma leitura qualitativa dos comportamentos sociais, a fim de vislumbrar as escolhas individuais, familiares e grupais no tempo. De fato, embora a micro-história não realizasse uma análise em termos quantitativos, a proposta de Grendi foi uma leitura antropológica da fonte mais cara à Demografia Histórica: os registros paroquiais, realizando qualitativamente a análise do universo em que as famílias se relacionavam umas com as outras através dos casamentos e batismos, elaborando genealogias e identificando os indivíduos na sociedade21. Conforme salienta Levi, através do comportamento matrimonial podemos “tirar para dançar (...) a sociedade inteira”22. As fontes paroquiais constituem-se fontes seriais e reiterativas, ou seja, que dão conta de toda a população estudada e ainda permitem acompanhar as gerações ao longo do tempo. Munido desses dados, o historiador pode trabalhar com documentos de diferentes naturezas e cruzar sistematicamente essas fontes, possibilitando análises quantitativas e seriais de longa duração. Por meio das fontes disponíveis a “operação historiográfica”23, como denominada por Michel de Certeau, reconstitui as relações sociais através do diálogo com a demografia e a economia. Visando apreender as estratégias familiares, as alianças, as parentelas e as relações de vizinhança, a identificação pelo nome é a forma mais eficiente de observar “a imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está inserido”24. Nesse sentido, os trabalhos de Carlo Ginzburg através do método indiciário e onomástico25 dão luz aos indícios e sinais pouco frequentes na documentação, mas que merecem destaque como vestígios de problemas de pesquisas mais amplos. Através do nome, os detalhes e os indícios encontrados nas fontes são 20 GRENDI, Edoardo. Microanálise e história social. In: ALMEIDA, Carla; OLIVEIRA, Mônica. Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora da FGV. 21 PRECIOSO, Daniel. Edoardo Grendi E Giovanni Levi: Da Antropologia À Microanálise Histórica (1977-1985). In: Revista de Teoria da História, v. 21, n. 1, 2019. 22 Ibid., p. 161. 23 CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 45. 24 GINZBURG, Carlo. O nome e o como. Troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo (Orgs.). A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Brentand Brasil, 1991, p. 175. 25 O método onomástico é inspirado na demografia histórica, ligado à documentação paroquial e serial. 32 tomados como aspectos reveladores e chave de leitura para compreender certas práticas sociais e culturais do passado. A micro-história não separa os indivíduos, mas encontra uma forma de legitimar a relação entre eles, o “micro”, e o seu contexto. Pelo contrário, o estudo microanalítico se resguarda das fatias de realidade que revelam e a compreensão dos contextos que introduz26, permitindo “uma reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia (...) [e] propõe-se indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula”27. Dar valor ao nome foi o fim para a ilusão de construir uma história universal, quando certos casos individuais surgiram como indicadores de fenômenos históricos mais gerais. Por meio do nome e das fontes seriais, o historiador conseguiu sobrepor-se no tempo e no espaço de modo a encontrar os mesmos indivíduos, famílias ou grupos em diferentes contextos. O nome como fio condutor traça, pouco a pouco, uma biografia e sua rede de relações. Cabe ao historiador selecionar a massa de case studies resultantes da investigação de tipo serial e realizar uma prosopografia conforme seus objetivos. Grendi advogava que o levantamento e cruzamento sistemático de dados que testemunhavam indiretamente as relações sociais em um espaço delimitável permitiria uma análise tão concreta quanto a realizada pelos estudos antropológicos sobre uma comunidade ou povoado. Do ponto de vista da história social, a microanálise buscou compreender o processo real da estruturação social e suas formas de integração através de pesquisas de campo e de uma cartografia da documentação bastante circunscrita: da família à comunidade e desta às formas agregativas mais amplas. Investigar as formas de integração significava reconstituir o tecido social a partir do universo de fontes disponíveis. A proposta italiana espalhou-se no campo dos procedimentos de pesquisa e atravessou o interesse pela história social inglesa em profusão desde os anos sessenta. Grendi articulou suas posições e reflexões com trabalhos de Thompson, reconhecendo uma intensa proximidade intelectual análoga à proposta de history from bellow, ou seja, da história da “gente comum”. 26 REVEL, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 45. 27 GINZBURG, Carlo. O nome e o como. Troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo (Orgs.). A micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Brentand Brasil, 1991, p. 178. 33 A micro-história como prática busca não perder de vista o espaço social de cada indivíduo e, a partir daí, do povo e de seu sistema social28. Assim, o estudo amplo e histórico das formas de organização comunitária revela relações solidárias, associações territoriais entre agregados de vizinhos não necessariamente aparentados a fim de repartir, dispor e prover recursos de interesse comum29. Inspirados na metodologia micro-histórica italiana e na tendência por deslocar o enfoque sobre os fatores estruturais econômicos, os estudos ligados aos movimentos migratórios passaram a enfocar o papel das experiências particulares de deslocamento, investigando o papel ativo dos indivíduos e famílias, ao criar conexões entre os locais de origem e de destino30. Esse tipo de reconstituição histórica parte de uma contextualização analítica sobre um objeto indicado pelas séries de fontes ou pela rede de relações interpessoais investigada, daí a escolha de uma sociedade em escala reduzida. Por isso, “a microanálise social liga-se mais ao caráter da base de dados examinada do que à dimensão da área social enquanto tal”31. Para a época contemporânea os dados para realizar reconstruções prosopográficas são mais abundantes, tanto de forma quantificada quanto passíveis de ser quantificável. A operação historiográfica e a engenhosidade do historiador conjugam-se nos arquivos, onde os vestígios do passado tornam-se representações do real em cada objeto encontrado32. No entanto, devemos realizar uma crítica às fontes com o intuito de garantir certo equilíbrio nas análises históricas das experiências individuais e coletivas. Giovanni Levi nos alerta para o trabalho com documentos “socialmente determinados”, que apresentam fragmentos distorcidos do passado, dados parciais e mentirosos, uma vez que “os ricos produzem mais documentos que os pobres, os homens mais que as mulheres, os brancos mais que os indígenas”33. Nesse sentido, o papel do historiador é localizar todos os participantes da 28 LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. (Org.). A escrista da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p. 137. 29 GRENDI, Edoardo. Microanálise e história social. In: ALMEIDA, Carla; OLIVEIRA, Mônica (Orgs.). Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2009, p. 28. 30 VENDRAME, Maíra Ines. Micro-história e história da imigração: pensando o problema do equilíbrio e da complexidade. In: Tempo e Argumento, v. 10, n. 25, p. 267–288, 2018. 31 GRENDI, Edoardo. Microanálise e história social. In: ALMEIDA, Carla; OLIVEIRA, Mônica (Orgs.). Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2009, p. 35. 32 FARGE, Arlette. O sabor do arquivo. São Paulo: EDUSP, 2017. 33 LEVI, Giovanni. Micro-história e história da imigração. In: VENDRAME, Maíra Ines et al. (Orgs.). Micro- história, trajetórias e imigração. São Leopoldo: Editora Oikos, 2015, p. 249. 34 história pensando em novos métodos para investigar as estratégias de sobrevivência, reprodução e mobilidades sociais e geográfica34. Será, portanto, o resultado desse trabalho a tecitura de uma malha de relações bastante complexa, que visa compreender os mecanismos e estratégias empregadas pelos imigrantes italianos e seus descendentes na comunidade de Franca para garantir a sua reprodução, enquanto família e grupo. O resultado dessa engenhosa pesquisa será capaz de dar luz a todo um tecido social que ligava a Europa e a América, atravessando o Oceano Atlântico entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Ao longo da tese, composta por sete capítulos, preocupou-se em estruturar o debate sobre as redes migratórias e a dinâmica populacional dos italianos em Franca, partindo da exposição das questões metodológicas e do recorte espaçotemporal para compreender a reflexão teórica acerca do conceito de redes em processos migratórios. A seguir, o fenômeno imigratório italiano é situado nas duas pontas do percurso para que se possa, adiante, analisar o quadro histórico e demográfico da comunidade italiana na microrregião de Franca, por meio da reconstituição microanalítica dessas redes. No primeiro capítulo, Questões de método, explicar-se-á a metodologia empregada no trabalho de coleta da longa série de registros paroquiais e dos dados sobre entrada e permanência de italianos no estado de São Paulo. O intuito é apresentar o corpus documental e a construção do banco de dados Italianos em Franca que dá suporte à pesquisa e a forma de análise das redes migratórias encontradas. Em Comunidade e população ̧ o segundo capítulo, o foco é explorar o estudo de localidade, explicando o recorte espacial proposto a fim de documentar a presença de italianos na microrregião de Franca, no noroeste do estado de São Paulo. Examina-se a gênese e a evolução do povoamento do interior paulista, com a entrada da região estudada no circuito da economia cafeeira e a transformação territorial influenciada por processos globais, como a chegada da ferrovia e dos imigrantes europeus, que levaram a configuração do desenho dos municípios atuais que pertenciam ao antigo território administrativo e eclesiástico de Franca. No capítulo seguinte, Redes em processos migratórios ̧ busca-se problematizar o conceito de redes, que sucedeu a aplicação da noção de cadeias migratórias, de certo modo 34 VENDRAME. Maíra Ines. Micro-história e história da imigração: pensando o problema do equilíbrio e da complexidade. In: Tempo e Argumento, v. 10, n. 25, p. 267-288, 2018, p. 28. 35 ampliando-a. Com base em exemplos de experiências migratórias colhidas na pesquisa, argumenta-se que informações e recursos providos por meio de redes influenciavam o processo migratório, tanto na saída da comunidade de origem quanto na escolha do destino. No capítulo seguinte, Do outro lado do Atlântico ̧coloca-se em foco a imigração italiana nas duas pontas do percurso. Na Itália, país expulsor, observa-se os fenômenos que deram início ao êxodo; e do lado brasileiro, as condições históricas e demográficas que levaram à recepção de levas tão expressivas de imigrantes nas últimas décadas do século XIX, tais como o advento de uma economia exportadora de café, a necessidade de mão de obra e as políticas migratórias. Ao analisar as condições de assentamento progressivo de famílias imigrantes pelo interior paulista, merece destaque a configuração de um refluxo imigratório que levou milhares de trabalhadores para outros destinos. No quinto capítulo, Imigrantes italianos em Franca, identificamos a incorporação de imigrantes à comunidade francana, elaborando o perfil dessa população por meio dos dados extraídos do banco de dados dessa pesquisa e o cruzamento nominativo com as listas de matrícula da Hospedaria de Imigrantes de São Paulo, de modo a documentar e descrever os fluxos, os destinos e as redes. Na mesma perspectiva de focalizar a distribuição desses imigrantes pela microrregião de Franca, no sexto capítulo, Dinâmica da população: casar, ter filhos e morrer do outro lado do Atlântico ̧ elaboramos quadros demográficos sobre a nupcialidade e a fecundidade da população ítalo-brasileira de 1885 a 1945, um recorte temporal pouco conhecido pelos demógrafos historiadores. Propõe-se identificar as características do comportamento reprodutivo desse grupo observando a interferência da família, da religiosidade e da identidade étnica nas práticas nominativas e na seleção dos padrinhos de batismo. Por fim, embora os registros paroquiais não permitam elaborar quadros quantitativas sobre a mortalidade dessa população, busca-se produzir algumas reflexões sobre o tema por meio da análise microanalítica dos casos encontrados. No último capítulo, Trajetórias imigrantes ̧canalizamos esforços para descrever redes e trajetórias reconstituídas no decorrer do trabalho, de forma a documentar e explorar os casos particulares que deram vigor ao desenvolvimento dessa tese. Embora algumas redes tenham sido delineadas no decorrer do trabalho, será no oitavo capítulo que a principal rede migratória reconstituída será minuciosamente descrita: o caso dos italianos da região dos Abruzos que serviram de insight para toda a investigação histórica desenvolvida nessa pesquisa. 36 Nas páginas dessa tese lê-se o fruto da reconstituição da comunidade ítalo-brasileira na microrregião de Franca, visando a descrição das redes migratórias que atuavam nos dois lados do Atlântico. 324 Considerações finais A reconstituição histórica da comunidade italiana na microrregião de Franca, entre os anos de 1885 e 1945, teve como ideia inicial documentar e descrever as redes migratórias que agiram dos dois lados do Atlântico e produziram padrões demográficos particulares. Nas páginas dessa tese, a micro-história interagiu com o contexto histórico mundial de expansão do capitalismo, que gerou a emigração dos excedentes populacionais em direção as regiões agrícolas em crescimento como as lavouras paulistas. Para contar essa história com maior riqueza de detalhes e rigor científico investimos no campo da história da família, tendo como base a reconstituição demográfica do universo estudado, partindo de fontes muito específicas, os registros paroquiais, cruzando-os com documentos de origem variada, produzidos por diversas instituições ligadas ao controle do movimento imigratório e à organização desses estrangeiros na sociedade de acolhida. A busca de indicadores demográficos que proporcionasse documentar e descrever esse grupo foi ancorada no método indiciário e onomástico, que ao dar luz aos indícios e sinais frequentes na documentação colocaram em evidência vestígios mais amplos, observados com acuidade no campo interdisciplinar da história da família. O cruzamento nominativo das fontes aprofundado na investigação pelo emprego de metodologias provenientes da Demografia Histórica foi fundamental para compreender as estratégias de reprodução social no espaço ocupado pelos imigrantes italianos e seus descendentes. Metaforicamente, a reconstituição de famílias, numa redução na escala de observação, trouxe à beira do mar indícios de fenômenos situados na profundidade, eventos que na sua individualidade não passavam de bolhas na água e ao serem sistematicamente reunidos formaram ondas capazes de movimentar as areias da praia. O aspecto mais importante, privilegiando as análises segundo essa perspectiva, são as relações entre os indivíduos e, de forma mais abrangente, a identificação de sua rede num conjunto de relações. Esses grupos eram participantes de um processo social que se estendia muito além deles próprios, resultando em decisões que enfrentavam desafios e vislumbravam oportunidades na nova terra por meio de laços prévios que canalizavam fluxos preferenciais a determinados destinos. Entre os muitos exemplos ilustrativos, podem-se destacar a evolução das pautas matrimoniais, que refletiam a intensidade das imigrações e o perfil populacional da região. 325 Dispendemos intensos esforços no sentido de reconstituir genealogias e redes por meio do cruzamento de diversas fontes. Esse trabalho complexo identificou redes constituídas nos dois polos da Itália, marcada pelo antagonismo entre meridionais e setentrionais, que viram no Brasil, dado o momento histórico que viviam, um eldorado de possibilidades, em razão da alta dispersão populacional e da necessidade de mão-de-obra. Apesar de a imigração para Franca ter abrangido italianos de origem diversificada, as regiões do Vêneto, da Lombardia e dos Abruzos representaram cerca de 79% dos registros de matrícula da Hospedaria de Imigrantes com destino à região e 71,2% dos indivíduos observados nos assentos paroquiais. No interior dessas regiões ainda se observam apreciáveis concentrações, marcadas pelo fenômeno das cadeias migratórias. A Itália, como uma terra que não provia o sustento de todos, levava sua população à procura, numa linguagem metafórica, de um colo para se amparar. Aqueles que optaram por deixar a terra natal tinham que encontrar um caminho, ancorados por sua carga afetiva no interior de um fenômeno migratório rico e variado para o além-mar. O acionamento de vínculos interpessoais mostra que esses italianos não formavam um grupo homogêneo, destituídos de recursos ou vítimas de um processo de expulsão de suas origens, mas eram protagonistas das próprias escolhas, com papel ativo na articulação e na transferência dos familiares e conhecidos para determinadas comunidades de acolhida. Verificamos, inclusive, um perfil da população imigrante que se dirigiu à microrregião de Franca entre o final da década de 1880 e a segunda década do século XX, com picos nos anos de 1888, 1891, 1895 e 1897. No quadro da emigração italiana para o Brasil, embora influenciada pela política de subsídios de passagens para grupos familiares, a composição desses grupos era bastante diversa, com famílias de composição nuclear (apenas o casal) ou nuclear com filhos. Havia, também, grupos compostos por um só cônjuge, famílias com todos os filhos ou só alguns deles, pessoas viúvas com filhos, chefes de família com seus filhos casados e sua respectiva prole, além da presença de pais, irmãos e sobrinhos. A estrutura etária e por sexo dos grupos reconstituídos corroboram a hipótese de uma seletividade migratória, com imigrantes de características bem definidas e destacados pela idade e sexo. Cruzaram o Atlântico com maior intensidade homens, casais com filhos e pessoas mais jovens, buscando novas oportunidades de emprego e qualidade de vida. Os emigrantes não eram uma amostra da população de origem, mas indivíduos dotados de habilidades para superar os obstáculos presentes no processo migratório. 326 Quando os constrangimentos demográficos e sociais agiam de maneira atuante no interior da comunidade imigrante, os arranjos familiares revelados pelos italianos refletiam fatores e condições características do processo imigratório vivenciado pelo grupo: o timing de chegada, o volume da corrente, a composição por sexo e idade, a estratégia migratória adotada (familiar, individual ou em rede) e o destino privilegiado. Sem dúvida, estes fatores estavam articulados às tradições da terra natal, os sistemas familiares e valores que regulavam a organização social da comunidade étnica na sociedade receptora. Quem se casava com quem era uma preocupação que impunha aos imigrantes italianos um mercado matrimonial limitado, com alta frequência de uniões endogâmicas. Era no espaço das fazendas que os colonos escolhiam seus pares, se possível entre famílias conhecidas antes da experiência migratória. No conjunto dos casamentos arrolados, 56% dos cônjuges eram descendentes de italianos, 19% haviam nascido na Itália, 23% eram brasileiros e apenas 2% envolviam nubentes de outra nacionalidade. A intensidade com que se realizavam os casamentos endogâmicos estava diretamente associada com a densidade e composição das levas imigrantes, atingindo 48,4% das uniões, que englobam a endogamia simples (10,9%) e oculta (37,5%). De todo o período analisado, a exogamia só ganhou destaque a partir de 1925, com a entrada maciça dos filhos e netos de italianos nesse mercado matrimonial. Os homens e mulheres que se casaram nessa comunidade tiveram um comportamento diferenciado em relação aos italianos que permaneceram na terra natal. A ausência do serviço militar obrigatório e a necessidade de braços para as lavouras permitiram que esses nubentes tivessem acesso ao casamento mais jovens, o que influenciou na duração dessas uniões e, consequentemente, na fecundidade do grupo. Embora a média de crianças nascidas por casal nessa comunidade tenha sido de 4 filhos, alguns casos destoaram, tendo em vista a diminuição nas médias da idade ao casar e dos intervalos intergenésicos. Diante do exemplo de um casal fecundo, cuja mulher gerou filhos entre os 18 e os 45 anos de idade, observamos que nessa comunidade a idade média das últimas parturições ocorreram com uma idade média de 36,5 anos. Quando não era possível aceder aos modelos, contornava-se a norma apenas quando a família legítima era inviabilizada. Nesse sentido, a análise dos comportamentos reprodutivos, por meio dos intervalos protogenésicos negativos, permitiram visualizar concepções pré- nupciais. Apenas 1,17% dos batizados no universo estudado foram gerados antes do matrimônio de seus pais, sendo que esses casais ao se darem conta da gravidez procuravam 327 realizar o casamento rapidamente ou legitimavam sua união logo após o nascimento do primeiro filho. Nas localidades receptoras de imigrantes italianos que se mantiveram fiéis ao catolicismo e a identidade étnica, quando uma criança nascia os pais buscavam escolher um prenome por meio da tradição, em um universo de costumes e convenções próprios de sua herança cultural, sem uma ruptura completa das estruturas socioeconômicas e simbólicas da Itália. Apenas com o passar do tempo foram renovando seus elementos afetivos e simbólicos em função dos novos contatos sociais estabelecidos. Inclusive, os exemplos pontuados mostraram uma complexidade nas estruturas elaboradas na eleição dos padrinhos de batismo, que foram estruturadas pelas famílias a fim de intensificar relações de parentesco e de interesse familiar num sistema de trocas de bens e relações. É, portanto, essa variedade de configurações da experiência social que buscamos compreender, assinalando os vínculos e contatos pretéritos como base para a formação dessas relações e dinâmicas sociais que viabilizavam a transferência segura do grupo, a assistência nas terras de destino e a fundação de novas formas de agregação. As experiências corroboradas pelas trajetórias analisadas se encaixam nas proposições lançadas pela pesquisa, trazendo luz aos processos e percursos distintos colocados em prática pelos imigrantes italianos para o fortalecimento dos vínculos com a matriz europeia nas comunidades locais e buscando integração a fim de diminuir os traumas com o trânsito de uma cultura para outra. A história da imigração italiana para a região de Franca não pode ser feita sem uma estreita ligação com o estudo demográfico dessa população. Seria extremamente importante continuar nosso estudo, de modo a verificar como a comunidade italiana enfrentou não só as primeiras décadas após a imigração, mas as demais transformações conjunturais no tempo. O banco de dados Italianos em Franca, confeccionado para essa pesquisa, pode ser cruzado com outras fontes a fim de vislumbrar respostas sobre como os indivíduos e as famílias conseguiram desenvolver estratégias variadas e complexas para garantir a sua perpetuação. Além disso, as questões colocadas nessa tese são passíveis de comparação com estudos sobre outras localidades alcançadas pela imigração internacional, que terão espaço nos trabalhos subsequentes. Os resultados dessa pesquisa são em escala reduzida, embora algumas interpretações tenham sido lançadas, ainda há muito por ser analisado. Esse trabalho abre perspectivas de pesquisas, ao testar metodologias a fim de descrever uma população imigrante com seus 328 indicadores demográficos e suas relações com as redes migratórias, que envolviam pessoas nos dois lados do percurso, um fenômeno amplo e rico que foi a imigração italiana para o interior paulista. 329 Bibliografia Fontes Arquivo da Cúria Diocesana de Franca. Livro de batismos, casamentos e óbitos, 1882-1945. AHMCHAP. Delegacia de Polícia de Franca. Prontuários de Registro de Estrangeiros. Franca, Caixas 068-071, 1939-1945. AHMCHAP. Poder Judiciário. Cartório do Primeiro Ofício. Divisão amigável da Fazenda Olhos d’Àgua. Franca. Caixa 368, 1914. AHMCHAP. Poder Judiciário. Cartório do Primeiro Ofício. Inventário de Camillo Di Carlo. Franca. Caixa 56, 1925. AHMCHAP Poder Judiciário. Cartório do Primeiro Ofício. Inventário de Carolina D’Angelo. Franca. Caixa 57, 1920. AHMCHAP. Poder Judiciário. Cartório do Primeiro Ofício. Testamento de Carolina D’Angelo. 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